Artigo bibliossauros - uma profissão em vias de extinção

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Bibliossauros – Uma profissão em vias de extinção? Por Filipe Leal | www.BibliotecAtiva.pt | [email protected] |

Ao longo deste artigo irei apresentar três cenários de futuro (horizonte temporal: 2025) para as

bibliotecas: 1. Cenário de extinção; 2. Cenário de evolução; 3. Cenário de transformação. Irei

também apresentar os meus compromissos para o futuro: 1. Apostar no permanente

desenvolvimento profissional. 2. Ser proactivo, criativo e inovador, q.b. 3. Implementar serviços

e projectos com real valor social. 4. Defender as bibliotecas enquanto serviço público essencial. 5.

Investir no processo de transformação das bibliotecas portuguesas.

CENÁRIOS DE FUTURO

Tendo em conta as grandes tendências de evolução actual, podemos apontar três cenários de

futuro para as bibliotecas portuguesas (horizonte temporal 2025): 1. Cenário de extinção. 2. Cenário

de evolução. 3. Cenário de transformação. Vejamos cada um deles em pormenor.

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1. Cenário de Extinção

Por detrás deste cenário encontra-se uma visão catastrófica sobre o futuro das bibliotecas que

assume a inevitabilidade da sua extinção num horizonte temporal de médio prazo (10/20 anos).

Essa extinção ocorre pela incapacidade das bibliotecas responderem às mudanças sociais de forma

eficaz, perdendo deste modo a sua pertinência e valor social.

Neste cenário a atitude dos profissionais caracteriza-se por uma inércia fatalista, onde parece que

não há nada a fazer para além de esperar que o mundo siga o seu curso natural. Este é o menos

provável dos três cenários.

2. Cenário de Evolução

A visão conservadora pressupõe que as bibliotecas conseguirão adaptar-se às mudanças sociais

rápidas, profundas e irreversíveis, procedendo a pequenas alterações no paradigma tradicional que

as caracteriza há cerca de 150 anos.

A cristalização institucional dai resultante é assumida como a melhor forma das bibliotecas

manterem a sua identidade institucional e função social.

Neste contexto as bibliotecas são vistas como bastiões de resistência às mudanças do mundo

trazidas pela Internet e pelos novos media. Este é o mais provável dos três cenários.

3. Cenário de Transformação

A concretização deste cenário implica a adopção de uma visão optimista em relação à capacidade

das bibliotecas para se transformar de modo a responder às ameaças e às oportunidades colocados

pelas mudanças sociais.

O processo de transformação passa por assumir o papel determinante dos profissionais na

passagem de um paradigma tradicional (biblioteca centrada nos livros) para um novo paradigma

(biblioteca centrada nas pessoas).

É um processo que se inicia num plano estratégico (visão) e se consubstancia num plano operacional

(acção). Este é o mais desejável dos três cenários.

COMPROMISSOS PARA O FUTURO

Acredito que os profissionais das bibliotecas têm um papel central na transformação das

organizações onde trabalham. Para isso têm, eles próprios, que se transformar no seu perfil e na

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sua prática profissional. No meu caso pessoal (que estou a meio da minha carreira) assumi

conscientemente uma série de compromissos para o futuro.

1. Apostar no permanente desenvolvimento profissional

O perfil do profissional das bibliotecas tem mudado muito nas últimas décadas. Para além da

tradicional formação em biblioteconomia, hoje em dia é fundamental o profissional ter

conhecimentos e competências ao nível da gestão, das tecnologias, da comunicação, das literacias,

etc.

A necessidade de uma permanente actualização de conhecimentos e competências implica um forte

investimento no desenvolvimento profissional. Este deve ser feito dentro de uma dinâmica

dialéctica: definição de novos mapas conceptuais / aplicação prática através de novas metodologias.

Esse processo de desenvolvimento profissional deve ser equacionado dentro de um conjunto

complexo de factores.

Por um lado, os fortes constrangimentos financeiros actuais levaram a que as organizações tenham

desinvestido na formação profissional dos seus técnicos. A principal restrição diz respeito às

modalidade de formação presencial, que implicam custos de inscrição, deslocação, refeições,

alojamento, etc.

Por outro lado, a utilização da Internet como plataforma de comunicação e interacção global tem

permitido o surgimento de novas modalidades de formação profissional. Para além da aprendizagem

mais formal (cursos online) tem surgido muitas outras modalidades de aprendizagem informal

(webinários, tutoriais, conferências, masterclasses, canais video, canais podcast, etc.). Muitas destas

novas modalidades são de acesso gratuito e universal.

A minha aposta no desenvolvimento profissional vai no sentido de adquirir novos conhecimentos e

competências através do recurso privilegiado a modalidades de aprendizagem informal. Sempre que

possível irei também frequentar eventos. Seja num âmbito mais restrito (área das bibliotecas,

literacias, leitura, políticas culturais) como num âmbito mais alargado (área das tecnologias, do

marketing digital, da inovação e empreendedorismo, da gestão de projectos e de liderança de

equipas.).

Entre os temas que mais me interessam aprofundar num futuro próximo gostaria de destacar os

seguintes: definição e avaliação de políticas públicas, metodologias de envolvimento das

comunidades, modelos de organização espaço-funcionais, desenvolvimento de projectos de literacia

digital, estratégias alternativas para a promoção da leitura.

2. Ser proactivo, criativo e inovador, q.b.

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Algumas das características que considero mais marcantes na minha prática profissional gostava de

destacar três que considero determinantes para o futuro: ser proactivo, ser criativo, ser inovador.

A proactividade é sem dúvida uma característica profissional que pode determinar o sucesso ou o

fracasso da organização para a qual trabalhamos. Podemos enumerar alguns exemplos práticos

dessa proactividade:

Levar a biblioteca para fora de portas ao encontro da comunidade.

Desenvolver novos serviços e actividades.

Estabelecer parcerias estratégicas com empresas e instituições.

Captar recursos fora da organização onde a biblioteca se integra.

Persuadir os decisores políticos sobre a afectação de recursos estratégicos.

A criatividade é uma característica profissional que ultrapassa em muito o expediente de trabalhar

com escassos recursos usando a imaginação. Cada vez a criatividade é determinante para conceber,

planear, organizar e implementar novos serviços, actividades ou metodologias. A criatividade trás

também para as bibliotecas uma dimensão onírica e sensível que se contrapõe à abordagem

estritamente tecnocrata ou burocrata.

A inovação é uma característica profissional intimamente relacionada com a capacidade de encontrar

novas soluções para os mesmos problemas ou para novos problemas. A inovação, para ser

consequente, deve surgir dentro de uma cultura organizacional fecunda e de um modelo de

desenvolvimento sustentável. Fazer algo novo só por fazer pode não ser o melhor caminho. Mais do

que boas ideias precisamos de bons projectos.

Mas, independentemente das três características anteriormente enunciadas (proactividade,

criatividade, inovação), o ambiente organizacional acaba por ser determinante. É um permanente

conflito entre a inovação & criatividade e a resistência à mudança, entre o status quo e o pensar fora

da caixa. Daí a assumpção do q.b. (quanto baste) como estratégia de sobrevivência dentro do

exercício de inteligência organizacional.

Refiro também que, cada vez mais, não restrinjo a minha prática profissional à organização para a

qual trabalho (Câmara Municipal de Oeiras). Foi a forma que encontrei para ultrapassar os

constrangimentos que identifiquei anteriormente. A criação e dinamização da BibliotecAtiva

entronca nesta opção estratégica.

3. Implementar serviços e projectos com real valor social

A biblioteca enquanto mundo fechado sobre si mesmo pertence ao passado. Cada vez mais a

biblioteca é uma organização centrada na satisfação das necessidades, interesses e gostos das

pessoas que serve.

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Para garantir que a biblioteca tem um real valor social há que garantir o envolvimento da

comunidade, desde a fase de concepção e planeamento. Esta máxima é verdadeira ao nível da

organização dos espaços, da gestão das colecções, da disponibilização de serviços, do

desenvolvimento de actividades e da afectação de recursos estratégicos.

A monitorização do funcionamento da biblioteca deve ser um permanente processo consultivo

virado para fora. Mais do que validar a conformidade da aplicação de regras, métodos e

procedimentos, a verdadeira qualidade das bibliotecas mede-se pelo grau de satisfação dos seus

utilizadores.

Para além dessa dimensão da gestão corrente há que entrar na dimensão da gestão estratégica. A

biblioteca está a cumprir efectivamente a sua missão institucional? É uma organização socialmente

relevante? Tem um impacto social efectivo? Faz um esforço por acompanhar as tendências de

evolução social?

4. Defender as bibliotecas enquanto serviço público essencial

O papel dos profissionais na defesa das bibliotecas enquanto serviço público essencial é

determinante. Para além do seu trabalho quotidiano, os profissionais têm um papel determinante na

sensibilização dos decisores políticos e dos membros da comunidade sobre o papel e o estatuto

social das bibliotecas.

Neste âmbito, defendo que é do âmbito do exercício profissional a definição de políticas públicas, de

programas e de planos que, depois de sancionados pelas instituições tutelares, serão levadas ao

terreno.

A defesa do serviço público pode também, em última instância, passar pela mobilização da opinião

pública e pela criação de movimentos cívicos. Também aqui os profissionais têm um papel

fundamental a desempenhar.

Em suma, cada vez mais os profissionais são agentes de sensibilização e de mobilização social em

defesa do serviço público prestado pelas bibliotecas.

5. Investir no processo de transformação bibliotecas portuguesas

Acredito que os profissionais são os agentes de transformação das bibliotecas. Mais do que os

decisores políticos. Mais do que os fazedores de opinião. Mais do que os líderes da comunidade.

Mais do que os utilizadores regulares. São os profissionais que transportam a visão de futuro das

bibliotecas.

Todavia, transformar as bibliotecas não é um processo utópico é um processo circunstanciado. Cada

biblioteca é um caso único, a materialização de um modelo global em condições locais. Nestas

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condições, cada profissional deve centrar os seus esforços em transformar quotidianamente a sua

biblioteca.

Para que isso seja possível torna-se fundamental criar um movimento colaborativo de

transformação. A BibliotecAtiva pode ser um dos catalisadores desse movimento.

No que me diz respeito estou totalmente empenhado neste projecto. É a minha forma de pôr em

comum convosco o conhecimento e experiência que adquiri ao longo dos últimos vinte anos. É a

minha forma de pôr em comum convosco o fascínio e a incerteza com que perspectivo os

próximos vinte anos. Juntos chegaremos mais longe.

Somos uma profissão em vias de extinção? Não me parece. Somos uma profissão em transformação.

Data publicação artigo: 28 de Novembro de 2015

Link para artigo: http://bibliotecativa.pt/bibliossauros/