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    A PARTICIPAO DOS BRASILEIROS NA CRISEPOLTICA DO PARAGUAI: ANLISE A PARTIR DO

    GOVERNO DE FERNANDO LUGO

    Kamila Silva1

    RESUMO: O artigo tem como objetivo analisar de que forma os recentes conflitosenvolvendo os brasileiros e camponeses paraguaios determinaram na deposio dopresidente Fernando Lugo, bem como as posies dos dois grupos durante a crisepoltica. Para este fim, sero detalhados os caminhos percorridos pelos brasileiros du-rante as ltimas dcadas, assim como a atuao dos movimentos sociais rurais para-

    guaios, seus objetivos e seus anseios. Tambm sero brevemente analisadas as questesjurdicas e sociais envolvendo a terra, que constitui o principal motivo de conflito noParaguai, de modo a buscar revelar a relevncia da participao dos brasileiros na crisepoltica paraguaia de 2012.

    PALAVRAS CHAVES:Brasiguaios, conflitos agrrios, carperos, Fernando Lugo.

    THE PARTICIPATION OF BRAZILIANS IN THE POLITICAL CRISIS

    OF PARAGUAY: ANALYSISFROM THEGOVERNMENTOF

    FERNANDO

    LUGOABSTRACT: The article aims to analyze how the recent conflicts involving the bra-zilian and paraguayan peasants determined the deposition of the president FernandoLugo, as well as the positions of the two groups during the political crisis. For thispurpose, will be detailed the paths taken by Brazilians in recent decades, as well as therole of social movements Paraguayans, your goals and your desires. Will be also brieflyanalyzed the legal and social issues involving the earth, which is the main reason forconflict in Paraguay, so as to seek to reveal the importance of the participation of Bra-zilians in Paraguays political crisis of 2012.

    KEYWORDS:Brasiguaios, agrarian conflicts, carperos, Fernando Lugo.

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    Graduada em Relaes Internacionais pela UFGD.

    Fronteiras, Dourados, MS, v.15, n.26, p.11-40, 2013

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    INTRODUO

    As diretrizes polticas dos governos no Brasil ao longo da primeira parte dosculo XX que buscavam a industrializao e a mecanizao das atividades agrco-

    las provocaram algumas transformaes no setor rural que transformou a relao detrabalho no campo dentro do pas. Essas transformaes em longo prazo foram oprincipal fator de expulso da populao rural do oeste dos estados do Paran e SantaCatarina para as terras at ento pouco exploradas do leste paraguaio. Criou-se umaonda de emigrao de brasileiros para o Paraguai, que foi aos poucos se intensificandoe atingiu o seu pice na convergncia de regimes ditatoriais nos dois pases.

    Com a redemocratizao no Paraguai aps a queda do regime autoritrio deStroessner, os grupos de movimentos sociais em favor da reforma agrria ganharammais fora de atuao e trouxeram consigo todos os problemas que foram sufoca-

    dos durante as mais de trs dcadas de ditadura. Um dos grandes problemas era aocupao ilegal de terras pelos brasileiros que impulsionados pelas modernizaesagrcolas no Brasil, ocuparam grande parte das terras produtivas dos departamen-tos de Canindey e Alto Paran.

    A reforma agrria, que foi durante toda a dcada de 1990 colocada em segundoplano pelo partido colorado que at ento persistia no poder, parecia mais prximacom as eleies de 2008. Fernando Lugo ganhou fora na sua campanha presi-dencial ao ouvir a populao que exigia reformas no campo e causou grande entu-siasmo nas classes menos favorecidas do pas ao ser eleito. Mas quatro anos aps

    esta eleio o presidente foi deposto, por condies democrticas ainda duvidosas,frustrando ainda mais os anseios por reforma agraria no pas.

    O Mandato de Lugo foi marcado por escndalos na sua vida pessoal e pelosconflitos entre camponeses e produtores de soja brasileiros. A aliana poltica cria-da para se opor ao partido colorado nas eleies tornou-se frgil e as divergnciasdentro da prpria coalizo desestabilizaram o governo que parecia to promissor.Neste contexto, procura-se entender historicamente os objetivos conflitantes dosbrasileiros e dos camponeses, assim como a participao de cada grupo na crisepoltica do Paraguai em 2012.

    PROCESSO HISTRICO DE OCUPAO ECONMICA DOSBRASILEIROS NO PARAGUAI

    Desde o comeo do sculo XX o Paraguai tenta reestruturar-se do episdioque matou mais de 75% da populao do pas e praticamente exterminou a popu-lao masculina adulta, (CHIAVENATO, 1980) deixando as profundas marcas depobreza e de ressentimento da populao restante com os pases vizinhos. A Guer-ra do Paraguai no s desestruturou a ordem que o pas gozava desde o governo

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    de Francia (1814-1840), como tambm o condenou a dependncia econmica deoutros pases, que ao longo do sculo XX nada fizeram para reverter esta situao.

    Dentro deste quadro de desordem social e econmica pode-se destacar a situ-

    ao agrria do pas, que desde ento sofre com a interferncia de agentes externos.Aps a guerra da trplice aliana, uma nova colonizao foi impulsionada por Brasile Argentina, atravs da venda de terras pblicas a empresas estrangeiras. Este per-odo inaugurou no Paraguai um modelo econmico liberal oligrquico caracteriza-do pelo latifndio (GLAUSER, 2009).

    A partir dos anos de 1950 essa situao agravou-se com o incio de uma ondade imigrao de brasileiros para o Paraguai que se intensificou nas dcadas seguin-tes e teve seu auge na convergncia das ditaduras militares dos dois pases. Oramotivados, ora expulsos pelas polticas brasileiras de expanso da fronteira agrcola,

    muitos migrantes foram para o Paraguai em busca de terras para sua sobrevivnciae outros foram para ampliar suas produes que hoje se constituem em grandesfortunas. Essa onda de migrao foi extensamente apoiada pelo Governo do gene-ral Alfredo Stroessner que claramente procurava aproximar ainda mais as relaespolticas do Paraguai com o Brasil.

    Os fatores que contriburam para esse movimento migratrio sero detalhadosseparadamente para melhor compreenso do tema. Eles tm incio nas polticasbrasileiras de substituio de importaes e expanso das fronteiras agrcolas parao oeste do pas em favor do desenvolvimento da soja.

    AS POLTICAS BRASILEIRAS DE EXPANSO DA FRONTEIRAAGRCOLA DE VARGAS AO PERODO MILITAR

    As polticas em favor do desenvolvimento agrrio brasileiro foram fundamen-tais para a emigrao dos brasileiros para o Paraguai. Embora as polticas de desen-

    volvimento do governo de Vargas nos anos de 1930 e 1940 no tivessem como alvoprincipal o desenvolvimento agrcola brasileiro, necessrio compreender que estefato ocorreu paralelamente ao desenvolvimento industrial brasileiro que se iniciou

    neste perodo.As polticas de transformao do modelo econmico brasileiro de base primrio

    nacionalista para um modelo de base industrial-exportador utilizou capital do estadopara o investimento em infraestrutura, sobretudo no meio urbano para o desenvol-

    vimento das indstrias. Entretanto, na sua condio de pas essencialmente agrcolaera necessrio, alm de incentivar a industrializao, expandir as fronteiras produtivas,incorporar novas terras e diversificar as produes. Para isso as empresas colonizado-ras de capital privado foram incentivadas pelo Estado para organizar a distribuiode terras na mais recente fronteira agrcola brasileira, que era o oeste do Paran e

    parte do Mato Grosso. Essas polticas eram o que Vargas se referia como arrumar a

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    casa criando bases de sustentao da economia em uma agricultura diversificada e naestruturao da indstria, principalmente de gneros alimentcios.

    A poltica expansionista de Vargas denominada marcha para o oeste, criada

    para atingir estes objetivos, pretendia organizar o territrio nacional para garantir,alm da efetiva posse, a segurana e explorao produtiva dessas reas fronteiri-as que eram praticamente inabitadas (SCHNEIDER; SCHALLENBERGER,2008). Foi neste perodo, que surgiu a primeira onda de migrao para o norte eoeste do Paran e parte do Mato Grosso que influenciaria posteriormente na emi-grao dos brasileiros para o Paraguai.

    Apesar de a marcha para o Oeste de Vargas ter iniciado com a migraopara essa fronteira agrcola, foi no perodo do governo de Juscelino Kubitscheck(1956-1961) que essa migrao intensificou-se com o plano de metas, onde um

    plano poltico orientado por um desenvolvimento econmico associado aos merca-dos estrangeiros atingiu o pice nas buscas e nos preos das terras pouco povoadasdo oeste. Esta poltica permeou grande entrada de financiamentos estrangeiros noBrasil, principalmente dos Estados Unidos, e iniciou uma reforma no sistema agro-pecurio do pas.

    Ainda que os governos de Vargas e de Kubistchek apresentassem diferenasbsicas em relao ao modelo de desenvolvimento, o primeiro de um sistema capi-talista nacional e independente e o segundo por um desenvolvimento econmicodependente e associado a mercados estrangeiros, ambos estimulavam a marcha

    para oeste em busca de maior integrao do territrio nacional e expanso dasfronteiras agrcolas. Foram as medidas tomadas principalmente nestes dois gover-nos que estimularam a ocupao da fronteira oeste do Brasil e tambm provocarammuitas outras ondas de migrao interna, principalmente em direo as grandescidades da regio sudeste.

    Posteriormente o governo militar (1964-1985) observava a fronteira de acor-do com a Escola Superior de Guerra, que defendia a ocupao e desenvolvimentodo espao vazio e fronteira oca, a fim de proteger a soberania e a integridadenacional. As diretrizes dos governos militares, em geral, reforaram a opo indus-

    trial iniciada no governo Kubistchek e objetivava uma poltica de desenvolvimentoeconmico que visava principalmente a expanso da produo para exportao dedois produtos: soja e trigo. A economia brasileira precisava de um excedente co-mercial para pagar as importaes de petrleo e de tecnologia indispensveis paraa indstria emergente. Para isto, os tericos do milagre econmico apostaramespecialmente na modernizao da agricultura.

    Inmeros incentivos de crdito e subsdios foram criados, que iam desde a com-pra de terras at a compra de insumos e mquinas para a produo em grande escalae bancos e empresas de capital multinacional tambm foram atrados para a prestao

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    de servios. Este tipo de produo, que j se desenvolvia com vigor no oeste parana-ense, foi na dcada de 1970 expandida para o norte do estado de Mato Grosso crian-do novas fronteiras agrcolas tambm na regio amaznica. Este perodo fez com quesurgisse uma relao de produo que no existia at ento nessas regies, a inclusode um terceiro organismo nas relaes de produo que eram os bancos e outros tiposde financiadores (SCHNEIDER; SCHALLENBERGER, 2008).

    Esta busca por novas fronteiras agrcolas e a ocupao do oeste do Paran eMato grosso foi orientada principalmente pelo desenvolvimento da cultura do tri-go e da soja em detrimento do caf. Segundo Hasse (1997), a soja acordou o pasde um sonho litorneo e o fez sair pra uma marcha para ao oeste e norte em buscade novas fronteiras agrcolas. Bertrand, Laurent e Leclercq destacam a ascensomundial do produto e a sua direta ligao com a modernizao da agricultura.

    [...] a soja se imps como a cultura ideal. A demanda mundial desse produtono parava de crescer e ele podia ser transformado industrialmente sob a formade leo ou de torta. Alm disso, sua cultura implica maior utilizao de insumos(mquinas, adubos, sementes selecionadas, produtos fitossanitrios, etc.), quedinamiza a produo industrial para cima da agricultura (BERTRAND; LAURENT;LECLERCQ, 1987, p. 93).

    O livro o Brasil da Soja relaciona a expanso do cultivo da soja e a migraode famlias:

    A corrida da soja espalhou pelo Brasil, milhares de colonos de origem europia-gachaque saram do sul atrs de terra barata e receberam do governo formidvel estmulopara a expanso da fronteira agrcola. Abrir estradas e implantar lavouras e fundircidades tornou-se uma espcie de misso sagrada dos sulistas adeptos entusiastas daagricultura mecanizada (HASSE, 1997, p. 101).

    O desenvolvimento da soja a partir dos anos de 1960 foi gradativamente mo-dificando as relaes de trabalho e de cultivo no norte do Paran, pois a agri-cultura cafeeira era manuseada de forma quase rudimentar e no exigia grandestecnologias. A soja por sua vez, exigia constantes pesquisas de melhoramento egrandes investimentos tecnolgicos para seu cultivo que tinha melhores resultadoscom grandes plantaes. Alm disso, os imigrantes que viviam no Rio grande dosul aproveitaram os financiamentos desde o governo Kubistchek para compraremnovas terras no oeste do estado do Paran.

    Os produtores menores, que residiam nestas regies e no conseguiram subsdiospara acompanhar as modernizaes agrcolas implementadas pela expanso da soja,foram obrigados a vender suas terras e procurar prosperidade em outros lugares, oucada vez mais ao norte da regio centro-oeste ou nas terras do pas vizinho, que desdea entrada do General Alfredo Stroessner tambm iniciou mudanas na sua polticaagrria que claramente favorecia a entrada de agricultores brasileiros no Paraguai.

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    A DISTRIBUIO DE TERRAS NO PARAGUAI E OFAVORECIMENTO PARA A ENTRADA DE ESTRANGEIROS

    NO PERODO STROESSNER

    A histria paraguaia desde sua independncia intrinsicamente ligada a ques-tes relativas a terras e a propriedade e marcada por longas ditaduras militares,como da Famlia Lpez (1840-1870) e a do General Alfredo Stroessner (1959-1989). Segundo Chiavenato (1979) aps a guerra do Paraguai, ou guerra da trplicealiana, as autoridades brasileiras e argentinas promoveram um saque internacionalde terras no pas vencido, que desestabilizou toda a sua estrutura agrcola e econ-mica. Pode-se acreditar ento que foi a guerra do Paraguai o principio da desordemna distribuio de terras que atinge o pas at os dias atuais.

    O povo paraguaio, que conheceu um alto grau de desenvolvimento social e

    econmico at a guerra da trplice aliana, de repente ficou reduzido ao maismiservel conjunto humano espoliado pelo imperialismo internacional na Amricado Sul (CHIAVENATO, 1980, p. 77).

    As terras paraguaias que at o governo de Solano Lopez tinham uma orga-nizao livre, de modo a atender um regime de produo comunitrio, se trans-formaram aps a guerra do Paraguai. A constituio de 1870, no artigo 6 previaa entrada e investimento de estrangeiros no pas sem qualquer poder de limitaopelo governo paraguaio. Felix Paiva, que foi presidente provisrio em duas ocasi-es, e que anos depois reestabelecera esta constituio, referiu-se positivamente ao

    carter liberal da constituio:En cuanto al Paraguay, la declaracin importaba una reaccin contra un rgimenrestrictivo a la entrada de los extranjeros que imperaba durante el coloniaje y luegobajo las dictaduras, restriccin que retard seguramente nuestra evolucin progresiva.Era menester, por lo dems, franquear las puertas al brazo y al capital extranjero,para repoblar su suelo, fomentar sus industrias y su comercio y acelerar la culturanacional, ya que de lo contrario hubiera sido incuo pensar en el resurgimiento delpas.2(PRIETO, 1994, p. 69).

    Esta constituio foi ento considerada como o princpio dos incentivos a ocu-

    pao das terras paraguaias por empresas de colonizao estrangeira, principalmen-te do Brasil e Argentina. Foi neste perodo que o modelo de latifndio apareceu noParaguai Se instaura de esta manera una tercera forma de apropiacin de la tierra:el nuevo modelo econmico liberal oligrquico caracterizado por el latifndio.3(GLAUSER, 2009, p.23)

    Esta primeira ocupao ocorreu com a inteno de explorar e exportar as ma-

    2 Em livre traduo: Quanto ao Paraguai, a declarao era uma reao a um regime restritivo a entrada de estrangeiros que prevaleceu durante o perodo colonial e depoisdurante a ditadura, restrio que certamente atrasou nossa progressiva evoluo. Era preciso, de outra maneira, abrir as portas ao capital estrangeiro para repovoar seu solo,fomentar suas indstrias e seu comrcio e acele rar a cultura nacional, j que de outra forma seria incuo pensar no ressurgimento do pas.

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    Em livre traduo: Se estabelece dessa maneira, uma terceira forma de apropriao da terra: o novo modelo econmico liber al oligrquico caracterizado pelo latifndio.

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    trias prima que eram abundantes no territrio paraguaio: Madeira e erva mate.Entretanto essa ocupao com caracterstica predominantemente exploratria notrouxe nenhum tipo de beneficio a populao paraguaia, ao contrrio, este consi-derado o incio de um conflito que envolve camponeses paraguaios e estrangeirospela posse de terras no Paraguai

    La venta masiva de tierras estatales signific la expulsin de familias campesinas queno estaban en condiciones de pagar por stas. Muchas poblaciones fueron vendidascon las tierras, a los nuevos dueos. Esta repentina expulsin de miles de familiascoincidi con el inters por parte de los grandes enclaves de contar con mano de obradisponible y barata. Los enclaves extractivos expoliaron gran parte de los recursosnaturales desarticulando el espacio perifrico del territorio nacional y vinculndolodirectamente con el mercado internacional.4(GLAUSER, 2009, p.25)

    A ocupao com fim de cultivo aconteceu apenas no perodo da ditadura do

    General Alfredo Stroessner que se iniciou em 1959 e teve como principal caracte-rstica a intensa imigrao de agricultores brasileiros para o Paraguai.

    Este governo, marcado por grandes esquemas de corrupo, trfico internacio-nal de drogas e por uma brutal represso a qualquer oposio poltica ou organi-zao que exigisse aplicao de medidas democrticas, diminua a populao cam-ponesa paraguaia frente aos agricultores brasileiros. H dados que no ano de 1980cerca de 43% dos habitantes paraguaios estavam no exlio fugindo da repreensivaditadura do general (CHIAVENATO, 1980). Entre estes exilados encontravam-seprincipalmente intelectuais e lderes capazes de mobilizar a populao rural para-

    guaia, que foi o setor da populao mais prejudicado com as medidas adotadas pelogoverno em relao a distribuio de terras.

    Em contrapartida o lder Paraguaio acolhia e mantinha laos com oficiais nazis-tas, sediava reunies e congressos Anticomunistas, e oferecia cursos fascistas a jovensdo Partido Colorado. Percebe-se por essas medidas e atitudes polticas que os direitoshumanos eram completamente ignorados no Paraguai (CHIAVENATO, 1980) .

    As medidas governamentais adotadas por Stroessner tinham como finalidadequase que exclusiva beneficiar membros do partido colorado e sustentar as suas

    redes de corrupo, que atingiam todos os nveis, do administrativo ao poder judi-cirio. O Estado desenvolveu um tipo de polcia secreta, opirague, um individuoannimo que vivia entre o povo e que tinha o poder de denunciar e testemunharquando algum era apreendido pelas foras do governo. Chiavenato, grande pes-quisador sobre a ditadura de Stroessner enftico ao descrever o sistema de cor-rupo neste governo:

    4 Em traduo livre: A massiva venda de terras e statais significou a expulso de famlias camponesas que no tinham condies de pagar pelas terras. Muitas populaes foramvendidas com as terras aos novos donos. Esta repentina expulso de milhares de famlias coincidiu com o interesse por parte dos grandes enclaves de contar com mo deobra disponvel e barata. Os enclaves extrativistas roubaram grande parte dos recursos naturais, desarticulando o espao perifrico do territrio nacional e o vinculando

    diretamente ao mercado internacional.

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    Porque Stroessner no s usa a corrupo como fonte de poder poltico e riquezapessoal, como corrompe para manter toda a mquina administrativa e poltica nassuas mos. Corrompe a todo nvel: desde os seus ministros at sua famlia. Corrompee deixa corromper, cimentando um sistema que se une nacionalmente como uma

    grande Mfia, fornecendo a cada um de seus caps as provas da podrido do outro.E enfeixando todas as provas da Famlia nas mos do grande chefe: Stroessner.(CHIAVENATO, 1980, p. 20)

    Para evitar a reforma agrria, que se evidenciava cada vez mais como uma me-dida necessria, o governo usou da sua vasta rede de corrupo para justificar suapoltica de entrada de capital estrangeiro e apoio a imigrantes. Esquemas que cor-rompiam classes de agricultores paraguaios como ospynandi, um tipo de camponspreguioso criado pelo governo para simbolizar o trabalhador paraguaio,davamcarter legal e justificavam com explicaes cientficas as acusaes de incapaci-

    dade do campons paraguaio de desenvolver um trabalho racional que resultasse namodernizao da agricultura.

    A principal medida adotada pelo governo para atrair imigrantes brasileiros aregio leste do Paraguai foi a abolio de uma lei, em 1967, que proibia a venda deterras para estrangeiros a uma faixa de at 150 quilmetros da fronteira. Estas terras

    j eram habitadas e cultivadas a vrias dcadas por posseiros paraguaios, entretantoa falta de documentao impediu que estes exercessem alguma resistncia legala distribuio das terras as empresas brasileiras e posteriormente a redistribuiopara os imigrantes que vinham do Brasil em busca de terras mais baratas. Parte

    dessas famlias que foram tiradas de suas terras integrariam posteriormente os mo-vimentos de camponeses no Paraguai.

    Ferrari (2009) define a ligao entre o governo de Stroessner e a imigrao brasileira:

    [...] seu governo caracterizou-se por medidas que afetaram intensamente a agriculturatradicional paraguaia. Logo, foi de total responsabilidade do governo Stroessnera decadncia da economia paraguaia que foi transformada, sim, pela formaode extensos latifndios de explorao florestal a cargo, principalmente, do capitalde grandes latifundirios brasileiros conhecidos na poca por colonizadores e,atualmente brasileiros no Paraguai, arruinando totalmente as condies de vida dapopulao camponesa do pas. (FERRARI, 2009 p. 20)

    Desta forma, as politicas de Stroessner aliadas as politicas militares brasileirasde modernizao da agricultura foram fundamentais para a ocupao das terrasparaguaias por brasileiros. Alm disso, estas politicas foram responsveis pela apro-

    ximao entre Brasil e Paraguai, criando assim vrias obras de carter binacional.

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    AS CONVERGNCIAS POLTICASNOS GOVERNOS MILITARES

    Paralelamente ou conjuntamente aos assuntos domsticos de cada pas, as re-

    laes bilaterais entre Paraguai e Brasil evoluram at o seu pice, na convergnciadas ditaduras militares nos dois pases.

    As boas relaes entre Brasil e Paraguai podem ser datadas na dcada de 1940,quando foram assinados muitos acordos e tratados de colaborao econmica entreos dois pases. Menegotto (2004) afirma que o marco inicial das relaes foi em1941 quando houve a aprovao de um acordo sobre o trfego fronteirio entre osdois pases, o que resultou no estabelecimento de um depsito no porto de Santospara as importaes e exportaes paraguaias.

    Mas foi a partir do ano de 1956 que Juscelino Kubischek e Alfredo Stro-essner estreitaram as relaes entre os dois pases quando aps a fundao dacidade de Puerto Stroessner, atual Ciudad del Este, foi assinado um acordopara a construo da Ponte da Amizade sobre o rio Paran, que seria inaugu-rada apenas em 1964. Esta ponte constitui um dos mais importantes smbolosda ligao entre Brasil e Paraguai, pois alm de ligar o estado do Paran aodepartamento do Alto Paran que abriga a maior populao de brasileiros noParaguai, ela faz a ligao entre a Ruta 7,que liga Assuno a Ciudad del Este,a Br 277 no Brasil, que liga Foz do Iguau a Paranagu, possibilitando o acessodo Paraguai aos portos brasileiros.

    Em 1966, houve uma discusso diplomtica sobre a soberania da regio desete quedas no rio Paran. Os dois governos decidiram ento resolver o impassedividindo igualmente o aproveitamento hidreltrico na regio firmando em 1973o tratado de Itaipu. A construo da hidreltrica de Itaipu foi indubitavelmenteo acontecimento mais importante na relao entre os dois pases, pois alm deaproximar definitivamente o Paraguai ela contribuiu para o povoamento de Foz doIguau e Ciudad del Este, que hoje se constituem como os maiores centros urbanosde fronteira entre os dois pases.

    Essa aproximao, e o que resultou dela, contribuiu ainda mais para uma gran-de corrente de migrao de brasileiros que de acordo com Menegotto (2004), rede-finiram a fronteira tnico-cultural para dentro do territrio paraguaio tornando asrelaes de fronteira muito mais complexas.

    A EFETIVA MIGRAO

    S foi possvel perceber a grande quantidade de brasileiros no Paraguai aps aqueda do governo Stroessner (1989) com o censo de 1992 que contabilizou aproxi-madamente 108.526 brasileiros vivendo em terras paraguaias, sendo 103.516 destes

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    residentes na regio leste do pas nos departamentos de Alto Paran, Itapu, Ca-nindey, Amambay, Caazap, Caaguau e Concepcin. (MENEGOTTO, 2004)Entretanto, nas estatsticas mais recentes, h divergncias entre o censo paraguaiode 2002 e as informaes do Ministrio das relaes exteriores (MRE) sobre aquantidade de brasileiros que atualmente vivem em territrio paraguaio. Enquantoo censo de 2002 registrou aproximadamente 81.616 o MRE estima uma oscilaoentre 350 a 500 mil brasileiros vivendo em terras paraguaias (FOGEL, RIQUEL-ME, 2005, p. 128).

    Inicialmente a migrao de brasileiros para o Paraguai ocorreu atravs da fron-teira seca do estado de Mato Grosso com o departamento de Amambay e Ca-nindey. Apesar da regio oeste do Paran apresentar maior presso demogrficaem relao ao Mato Grosso, antes da inaugurao da ponte da amizade em 1965,havia uma relao de distanciamento entre o estado do Paran e o Paraguai devido barreira geogrfica do rio Paran. Somente no perodo posterior a construo daponte da amizade, houve maior fluxo de imigrantes do estado do Paran para odepartamento de Alto Paran.

    Menegotto afirma que j no incio da dcada de 1970 havia uma presso de-mogrfica do Estado do Paran para os departamentos de Canindey e Alto Para-n, sendo a presso demogrfica do estado brasileiro de 34,81 hab/km enquantoa densidade dos departamentos Paraguaios era de 0,55 e 1,3 hab/km respectiva-mente. Neste mesmo perodo a densidade no estado de Mato Grosso era de 1,3hab/km e na poro que em 1977 corresponderia ao Mato Grosso do sul aproxi-madamente 2,8 hab/km, o que demonstra grande diferena de densidade demo-grfica at mesmo dentro dos limites brasileiros.

    O departamento de Alto Paran o que apresentava a maior quantidade debrasileiros em 1992. Dos 108.526 que estavam no pas, 53.205 encontravam-seneste departamento e destes quase 80% estavam alocados em rea rural. O depar-tamento de Canindey abrigava 24.417 e era o departamento com a maior quan-tidade de brasileiros em relao populao total com 23, 52 % , sendo que 93%destes brasileiros residiam na rea rural. (MENEGOTTO, 2004).

    A presso demogrfica no oeste do estado do Paran na dcada de 1970, aliadaa crescente necessidade de capital para a modernizao da agricultura no Brasil,constitui um dos motivos principais de expulso de brasileiros das terras parana-enses, enquanto os baixos preos das terras e as facilidades oferecidas pelo governode Stroessner para a imigrao de estrangeiros para o Paraguai foram os principaismotivos de atrao de brasileiros.

    O resultado da imigrao de brasileiros em diferentes pocas da ditadura pa-raguaia resultou em um grupo de imigrantes muito heterogneo, que apresentadiferenas tnicas e socioeconmicas. Riquelme (2005) diferencia este grupo de

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    brasileiros, que atualmente vive nos departamentos fronteirios, em outros doisgrupos bem definidos. O primeiro dos imigrantes que vieram do norte e nordestedo Brasil e no tiveram condies de adquirir terras no pas vizinho. Atualmentemuitos trabalham como empregados agrcolas ou no setor tercirio. O segundo um grupo de origem predominantemente europeia, que saiu dos trs estados do suldo Brasil. Este grupo, que j possua pequenas ou mdias propriedades e empresasagrcolas antes da imigrao, e dispunha de capital para investir em implementosagrcolas, foi o mais favorecido pelas politicas de imigrao de Stroessner conse-guindo rpida expanso das produes. (RIQUELME, 2005)

    Ambos os grupos tambm levaram consigo neste processo suas caractersticasculturais e depois de anos vivendo em terras guarani ocorreu uma miscigenaocultural. Para denominar estes brasileiros que criaram laos e geraram famlias nopas vizinho popularizou- se o termo brasiguaio no incio da dcada de 1990. Estetermo pode designar tambm um grupo de imigrantes que sentindo as consequn-cias da mudana de regime poltico resolveram voltar para o Brasil e sem nenhumaassistncia de retorno acabaram engrossando os movimentos sem-terra brasileiros.

    OS BRASIGUAIOS, BRASILEIROS NO PARAGUAI E ADOMINAO SOCIOCULTURAL

    O termo brasiguaio possui algumas diferenciaes de acordo com cada autor.Para Alves, brasiguaios so brasileiros que residem em territrio guarani , e que

    agora se veem ameaados de expulso (ALVES, 1990, p. 8), j para Ferrari o termosignifica muito mais que uma denominao:

    [...] brasiguaios no somente uma palavra, uma expresso, um codinome, brasiguaiose tornou uma identidade forjada na luta pela terra e por melhores condies de vidanessa faixa de fronteira, onde a violncia, a pobreza, a decadncia do ser humanofrente incompetncia e m vontade poltica levam-nos a retroceder no tempoe no espao das migraes de massivas levas de brasileiros rumo ao osis agrcolaapregoado pelos ditadores dos dois pases a partir da dcada de 1960, e com maisintensidade na dcada de 1970, para tentarmos compreender os desafios que amodernidade provocou nesses brasileiros que, atualmente atendem pela identidade

    social de brasiguaios. (FERRARI, 2007, p. 118)

    Entretanto os brasiguaios no foi a nica classe que entrou no Paraguai embusca das terras agriculturveis. H diferena entre o pequeno produtor, que atu-almente se v ameaado e os grandes latifundirios da monocultura da soja. Estes,que preferem a denominao brasileiros no Paraguai so muitas vezes acusadosde receber apoio do governo paraguaio e de se aliarem a camponeses externos aosmovimentos de luta pela terra para ampliar cada vez mais as suas produes.

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    Os brasiguaios, ou brasileiros no Paraguai so, de qualquer forma, resultadode todas as polticas de incentivo a modernizao agrcola tanto no Brasil como noParaguai. Estas denominaes podem representar tanto a classe social dos agricul-tores menores, que se viram obrigados a voltar para o Brasil aps uma mudana po-ltica no Paraguai na dcada de 1990, ou aos que seguem naquele pas propagandoos elementos culturais brasileiros em grandes ou pequenas propriedades.

    Menegotto (2004), assim como Albuquerque (2005), afirma que culturalmen-te a fronteira foi redefinida pela presena destes brasileiros na poro leste do Pa-raguai. Nas cidades onde h grande presena de brasileiros a lngua portuguesa amplamente falada e divide espao com o guarani e espanhol. Os canais de televi-so brasileiros predominam nessas reas de fronteira, assim como a programaodas rdios, que muitas vezes pertencem aos descendentes de brasileiros que solegalmente paraguaios e que transformam estes locais em centros de distribuioda mdia brasileira. Albuquerque tambm relata em sua pesquisa de campo Cen-tros de Tradies Gachas (CTG) em algumas cidades, o que demonstra a grandequantidade de descendentes oriundos do Rio Grande do Sul. (Albuquerque, 2005)

    Mas desde a dcada de 1990 aumentaram os conflitos de terra que envolvemdiretamente a presena desses brasileiros. Grupos de movimentos sociais, que bus-cam a reforma agrria no Paraguai exigem a reviso das propriedades na faixa defronteira que pertencem majoritariamente aos brasileiros.

    O maior exemplo desses brasileiros que esto envolvidos em conflitos, ou o

    mais lembrado pelos sem terras paraguaios Tranquilo Favero, brasileiro natura-lizado paraguaio, que chegou ao departamento de Alto Paran na dcada de 1970e de acordo com o movimento dos carperos possui mais de um milho de hectaresde terra.

    Maior plantador de soja do Paraguai, Favero tambm conhecido pelo desprezode tonalidades racistas que expressa em relao aos trabalhadores paraguaios,contrabalanceada por uma admirao indisfarada por Stroessner. Alis, ambos ostraos so comuns a muitos proprietrios brasileiros no pas, que em sua maioria,identificam-se politicamente com os colorados. (SANTOS, 2012, p. 7)

    Favero, por sua vez, disse em uma entrevista para a revista Veja em 2012 que perseguido pelos sem terras e se defende das acusaes de terras ilegais: [...] a Jus-tia j declarou em diversas ocasies que no existe nessa regio terras sem registroou que pertenam ao poder pblico. 5

    Estes conflitos se intensificaram em 2012 e o movimento dos carperos surgiu namdia paraguaia reivindicando estas terras e alegando que grande parte dos brasileirosno possui o ttulo das terras que foram adquiridas durante o governo corrupto dogeneral Stroessner. Os brasileiros por sua vez argumentam que as terras s se torna-

    5

    Revista Veja, 13/02/2012. http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/tranquilo-favero-quero-terminar-meus-dias-no-paraguai. Acesso em 11 fev. 2013

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    ram agriculturveis aps a sua ocupao, e que, alm disso, estes grupos no possuemsuficientes recursos tcnicos e financeiros para o aproveitamento das terras.

    OS MOVIMENTOS SOCIAIS DE LUTA PELA TERRA E AREIVINDICAO DAS PROPRIEDADES FRONTEIRIAS

    A concentrao de terras no Paraguai apresenta um dos maiores ndices da Amri-ca latina e esta na base dos conflitos sociais do pas. Atualmente, o pas possui grupos demovimentos sociais muito organizados, que alm da reforma agrria, buscam dentro doterritrio paraguaio estabelecer um ideal de cidadania atravs de direitos bsicos, aliadoao fortalecimento da democracia e dos direitos humanos (FOGEL, 2006).

    Esses movimentos surgiram durante a ditadura militar em um momento em

    que o governo tentava limpar a imagem de antidemocrtico na comunidade inter-nacional. Atravs de uma Conveno Nacional Constituinte (1967) houve uma pe-quena abertura poltica, em que as ligas agrrias encontraram espao para se formar.Entretanto, foram duramente repreendidas durante todo o governo de Stroessner.6

    A mais concreta busca pela soluo do problema de terras no pas durante aditadura foi a criao doInstituto de bienestarrural (IBR) em 1963, que tinha comoobjetivo transformar a estrutura agrria do pas e incorporar a populao campo-nesa no desenvolvimento econmico e social do pas, mediante solues legais que

    visavam eliminar o latifndio substituindo o por um sistema justo de propriedade,

    ocupao e explorao das terras (Indert, 2013). Entretanto esquemas de corrupono rgo possibilitavam fraudes nas documentaes que favoreciam a concentraode propriedades. (FOGEL; RIQUELME, 2005).

    Desde ento as polticas e promessas de reforma agrria no pas culminam emfracassos repetitivos, e os movimentos sociais de luta pela terra foram crescendo amedida que a expanso dos latifndios produzia mais camponeses sem terras. Emum estudo sobre a ocupao e expanso da produo de soja no Paraguai, chamadode Enclave Sojero, Fogel considera os camponeses as maiores vtimas da expansoda produo de soja no pas.

    6

    Informativo 211, 2006 http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/paraguay/cde/campesino/nro211.pdf Acesso em: 18 mar. 2013.

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    De las vctimas del cultivo de la soja transgnica podemos decir que se trata decolectividades rurales y desplazados a centros urbanos. Esta poblacin todava ruralest constituida aproximadamente por 1,2 millones de campesinos pobres, de loscuales por lo menos 800 mil estn en pobreza severa, que reproducen la cultura

    campesina, cultivando unas 250.000 pequeas parcelas; son guaran-parlantes--factor que debiera constituir un diferencial positivo en la regin-- portadores de laidentidad nacional y defensores de la soberana nacional en los territorios que anocupan.7(FOGEL, 2005, p.83)

    Atualmente as ligas agrrias defendem, alm da redistribuio de terras, diver-sas outras causas como a agricultura familiar, direitos humanos e preservao am-biental buscando implementar uma ideia de cidadania como uma nova definiode democracia que deve ser buscada tambm pelos movimentos de luta pela terra.8

    Entre os grupos de maior expresso nas ligas camponesas esto: A Federao

    Nacional Campesina (FNC), Movimento Campesino Paraguai (MCP), a MesaCoordenadora de Organizaes Campesinas (MCNOC) e a Coordenadoria deMulheres Indgenas e Campesinas (CONAMURI). Alm destes grupos que apre-sentam organizao e objetivos definidos, outros a exemplo da Liga Nacional deCarperos, atuam a margem dos movimentos sociais.

    Sero pesquisados aqui dois grupos que apresentam diferenas importantestanto na sua constituio quanto aos seus objetivos. A Federao Nacional Campe-sina, o grupo mais organizado e de maior expresso na histria de reforma agrriaparaguaia e o grupo dos carperos que apesar de criao recente teve importante

    participao nos acontecimentos polticos que culminou na crise de 2012.

    A FEDERAO NACIONAL CAMPESINA

    A Federao Nacional Campesina foi constituda em 1991 e tem por carac-terstica histrica defender, alm da redistribuio de terras, o desenvolvimento daproduo agrcola e industrial atravs de financiamentos do Estado para os peque-nos e mdios produtores que so vtimas de crises agrcolas, que variam desde aperda de produo por condies climticas a impossibilidade de produo frente

    a grande concentrao de terras no pas. Este movimento se manifesta sempre demaneira muito organizada e quase sempre pacfica, atravs de propostas ao governoparaguaio para o desenvolvimento da pequena e mdia agricultura. Este grupo di-

    vulga todas as suas informaes, propostas e intervenes regularmente atravs deum blog oficial do movimento.

    7 Em livre traduo: Sobre as vtimas do cultivo de soja transgnica, podemos dizer que se tratam de grupos rurais e de deslocados a centros urbanos. Esta populao, queainda rural, constituda por aproximadamente 1,2 milhes de camponeses pobres, dos quais, pelo menos 800 mil se encontram na pobreza extrema; que reproduzema cultura camponesa cultivando aproximadamente 250 000 pequenas propriedades; so falantes de guaran, fator que deveri a constituir um diferencial positivo na regio-portadores da identidade nacional e defensores da soberania nacional nos territrios que ainda ocupam.

    8

    POJOAJU, 2008. Disponvel em: http://www.pojoaju.org.py/v2/index.php?option=com_jdownloads&Itemid=9&view=finish&cid=4&catid=8Acesso em: 27 jun. 2013.

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    Apesar de ser um movimento social de luta pela terra, a FNC no apresentacomo caracterstica reivindicaes camponesas, que liga o agricultor intimamentea terra e que produz apenas para sua sobrevivncia. O objetivo principal agregar

    valor aos produtos agrcolas produzidos no Paraguai atravs da integrao das pe-quenas e mdias propriedades frente aos grandes latifndios. Uma das medidaspara este objetivo profissionalizar o pequeno agricultor e inclui-lo num mercadoregional ou nacional e isto perceptvel pelos documentos e propostas pelos quaiso grupo se manifesta, a exemplo da proposta de fundo de garantia da produo eseguro agrcola para os pequenos e mdios produtores de 2012, que prope segurode produo com a combinao de capital privado e do Estado (FNC, 2012).9

    Ainda que o objetivo principal no esteja na redistribuio de terras, este tam-bm consiste em um dos objetivos da FNC. Ela acusa o IBRatualInstituto Na-cional de desarollo Rural y la Tierra (INDERT)de ser o grande responsvel pelaconcentrao de terras no pas durante os anos de ditadura e que aps este perodoo rgo ainda teria sua atuao impedida pelos altos preos das expropriaes nasgrandes monoculturas de soja (FNC, 2012). Devido a este motivo, o grupo tambmacredita que a propriedade privada no deve ser uma prioridade para um pas ondehouve tantas fraudes econmicas e polticas nos registros de propriedades.

    Os membros da Federao Nacional, apesar de denunciarem as irregularidadesde terras e de mesmo modo a produo latifundiria que em grande parte pertencea brasileiros, no concentram formalmente seus ataques a alguma etnia ou origem.Embora critiquem a grande presena de estrangeiros no pas os membros da FNCno apresentam um discurso xenfobo, diferentemente do movimento da LigaNacional de Carperos que liga diretamente a concentrao de terras aos brasileirosque vivem no Paraguai.

    A LIGA NACIONAL DE CARPEROS

    A organizao dos carperos ganhou fora com a eleio do presidente Fernan-do Lugo em 2008. Este movimento aproveitou as pretenses populares do recm--eleito presidente para exigir medidas mais enrgicas em favor da reforma agrria,

    e apesar de no ser um movimento alinhado ao partido do presidente, depositounas promessas do novo governo a esperana de uma redistribuio de terras quebeneficiasse os sem terras paraguaios em detrimento dos fazendeiros estrangeiros.

    Este grupo tem como principal objetivo o cadastro de grandes propriedadesque foram adquiridas ilegalmente no perodo do governo Stroessner para desapro-priao e redistribuio aos sem terra paraguaios, alm do combate as monocultu-ras de soja e da grande concentrao de riquezas nas mos de estrangeiros.

    Os carperos, que receberam este nome devido aos barracos de lona (carpa, em9

    FNC, 2012 Disponvel em: http://www.redrural.org.py/V3/uploads/2012/03/PROPUESTA-seguro-agricola-presentada-al-MAG.pdfAcesso em: 02 jul. 2013.

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    espanhol) que instalam em propriedades que alegam ser ilegtimas, diferentementedo FNC age de forma mais violenta e no to organizada com constantes carac-tersticas xenofbicas a estrangeiros latifundirios de qualquer origem. Devido agrande quantidade de brasileiros exercendo atividades agrcolas no pas, estes soinevitavelmente os principais alvos das manifestaes deste grupo.

    Uma parte do movimento se defende das acusaes de xenofobia contra bra-sileiros, outra parte vai alm das reivindicaes sobre as propriedades e alega que agrande presena de brasileiros ameaa a soberania e a cultura paraguaia, dissemi-nando a cultura brasileira e o portugus como segunda lngua ao invs do guarani.

    O jornal ABC Color, atravs de noticias tendenciosas e colunas de opiniocomo a do jornalista Marti Bogado, constantemente relaciona a apario dos car-peros em 2008 com o crescente carter violento dos movimentos campesinos no

    Paraguai. Alm de menosprezar o movimento nomeando os de traficantes sociaisalega que estes tm como objetivo apenas lucrar e manchar o histrico de lutas dosoutros movimentos campesinos.10

    Durante o mandato do presidente Fernando Lugo os carperos usavam as cons-tantes invases de terras como modo de pressionar o governo ao cumprimento dareforma agrria prometida na campanha eleitoral. Os descontentamentos foram seintensificando com a demora em demarcar as terras que teriam as documentaesanalisadas e com a proteo que o presidente, pressionado pelas bases do governo,garantia aos brasileiros proprietrios dessas terras. Em uma das invases as terras

    do brasileiro Tranquilo Favero em fevereiro de 2012, o assessor jurdico da com-panhia do brasileiro fez pouco caso da invaso, dizendo acreditar que como nasltimas decises do governo, logo seria emitida uma ordem de despejo.11

    Sem o apoio esperado do presidente Lugo, grupos de carperos invadiram di-versos pontos das terras que reivindicavam no leste paraguaio e em 15 de Junho de2012 no municpio de Curuguaty, (departamento de Canindey, no noroeste doParaguai) seis policiais e nove carperos foram mortos em confronto com um grupoespecial de operaes para desocupao da propriedade (PROGRAMA, 2012).

    Este fato constituiu o grande marco para a crise poltica no Paraguai, poisno h provas se houve ou no responsabilidade do Estado neste incidente. O fatotambm demonstrou que o governo no era capaz de garantir a segurana nem dossem terras, nem dos proprietrios brasileiros que passaram a temer ainda mais a suasegurana no pas.

    10 ABC Color. Disponvel em: http://www.abc.com.py/edicion-impresa/opinion/simples-traficantes-451244.html Acesso em: 16/09/2012.11 Gazeta do Povo de 08/02/2012. Disponvel em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml? id=1221323&tit=Carperos-invadem-terras-de-brasileiro.

    Acesso em: 27 mar. 2013.

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    O DIREITO A PROPRIEDADE PRIVADA, A FUNO SOCIALDA TERRA E A PROPRIEDADE NA FRONTEIRA

    Atualmente o grande problema que permeia a relao conturbada entre os

    agricultores brasileiros e os camponeses paraguaios a questo da legalidade daposse das propriedades, uma vez que estas foram adquiridas no perodo em quea corrupo era uma espcie de ideologia de governo (CHIAVENATO,1990,p.20). Os camponeses paraguaios alegam que a foi no perodo em que os brasileirosmigraram para o pas que a concentrao de terras aumentou e neste mesmo pe-rodo houve a expulso de milhares de posseiros paraguaios que hoje integram osmovimentos de luta pela terra.

    Neste contexto necessrio entender conceitos que so garantidos constitu-cionalmente tanto no Brasil, como no Paraguai: o direito a propriedade privada e

    o atendimento das terras a sua funo econmica e social. preciso analisar se he qual o limite da propriedade privada quando esta interfere nos direitos sociais deuma parcela da populao e de que modo uma necessidade social esbarra em umaquesto jurdica.

    Ainda que seja complicado analisar a questo jurdica de determinado passem conhecer todo seu aparato de leis, para fim prtico sero expostos os princpiosconstitucionais do Paraguai sobre o assunto e posteriormente sob o estatuto agr-rio, que instrumentaliza mecanismos para que os princpios constitucionais sejamatingidos (MARQUES JUNIOR).

    Neste contexto, especificamente, outro problema como a posse de terras assegurada aos estrangeiros, analisando o caso dos brasileiros no Paraguai, que re-centemente temiam pela preservao de sua propriedade diante da promessa dereformas sociais em um perodo poltico.

    O DIREITO A PROPRIEDADE PRIVADA

    O direito a propriedade privada no pertence apenas ao campo jurdico dacincia. Ele permeia toda a histria do pensamento poltico moderno e, apesar deatualmente ser um direito garantido constitucionalmente tanto no Brasil como noParaguai, se recorrermos a teoria poltica moderna de John Locke, a propriedadeprivada to essencial ao homem quanto a sua vida e sua liberdade e foi o fatoressencial para a criao do Estado.

    Por estar intimamente ligada ao homem, que mantem as suas relaes sociaise civis, o conceito de propriedade se torna muito complexo e preciso sempreanalisa-lo dentro de uma estrutura de sociedade e civilidade. A propriedade almde uma regra tcnica um problema nas relaes entre homens e coisas e deve-sesempre tentar coloca-la de forma interpretativa dentro de um sistema fundirio

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    (GROSSI, 2006). Por este motivo torna se invivel estudar todas as teorias sobrepropriedade privada, no sendo tambm objetivo deste trabalho. No entanto, im-portante fazer algumas consideraes a respeito do tema.

    William Paiva Marques Junior defende o direito a propriedade como o maiscompleto dos direitos subjetivos, a matriz dos direitos reais e o ncleo do direito dascoisas. (2008, p. 37). Mas para Jos Afonso da Silva (2008) a propriedade no podemais ser considerada como um direito individual, nem como instituio do direitoprivado, pois todas as provises especiais acerca da propriedade, como os artigos 115e 11612na Constituio do Paraguai, a colocam sempre a realizao de um fim social.Para o citado constitucionalista a propriedade deveria ser prevista como uma institui-o de ordem econmica a exemplo das constituies de Itlia e Portugal.

    Alm disso, sobre as normas de direito privado sobre a propriedade, a exemplo

    dos artigos 1953 aos 1967 que tratam do assunto no cdigo civil paraguaio, o autor enftico ao dizer que [...] as normas de direito privado sobre a propriedade hoque ser compreendidas de conformidade com a disciplina que a constituio lheimpe (SILVA, 2008, p. 274).

    Sendo assim, o texto mais importante que regula a propriedade no Paraguaiencontra se no artigo 109 da constituio de 1992:

    Se garantiza la propiedad privada, cuyo contenido y lmites sern establecidos por laley, atendiendo a su funcin econmica y social, a fin de hacerla accesible para todos.

    La propiedad privada es inviolableNadie puede ser privado de su propiedad sino en virtud de sentencia judicial,

    pero se admite la expropiacin por causa de utilidad pblica o de inters social, queser determinada en cada caso por ley. Esta garantizar el previo pago de una justaindemnizacin, establecida convencionalmente o por sentencia judicial, salvo loslatifundios improductivos destinados a la reforma agraria, conforme con el proce-dimiento para las expropiaciones a establecerse por ley.13

    Na Amrica latina a propriedade privada da terra se constituiu como a princi-

    pal mercadoria de domnio absoluto e se transformou em um smbolo de conquistade riquezas com o fim da comercializao de escravos (SUZUKI, 2006). Desdeento, o domnio sobre a propriedade provocou na Amrica latina as mesmas agi-taes que provoca desde a sua constituio. Menezes explica o carter ambguo dodireito a propriedade:

    12 Artigo 115 sobre as bases da reforma agraria e do desenvolvimento rural; Artigo 116 sobre os latifndios improdutivos.13 Em traduo livre: Artigo 109: Da propriedade privada / Garante-se a propriedade privada, cujo contedo e limites sero estabelecidos pela lei, atendendo sua funo

    econmica e social, a fim de faz-la acessvel para todos. / A propriedade privada inviolvel/ Ningum pode ser privado de sua propriedade se no em virtude de sentenajudicial, mas admite-se a expropriao por causa de utilidade pblica ou de interesse social, que ser determinado em cada caso por lei. Isto garantir o prvio pagamento deuma justa indenizao, estabelecida convencionalmente ou por sentena judicial, exceto os latifndios improdutivos destinados a reforma agrria, conforme o procedimento

    para as expropriaes a serem estabelecidos por lei.

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    Ao certo, nenhuma instituio, na histria da humanidade, tem despertadotantas paixes, tantos sentimentos antagnicos, do dio mortal, ao amor incondi-cional, do que o direito de propriedade, em face do qual ningum indiferente: nodebate acerca das suas justificativas, das suas vantagens ou malefcios, ontem e hoje,dividem-se os filsofos e os tericos polticos, movimenta-se a vida poltica, sociale econmica do mundo. Ora a propriedade identificada como um fator de liber-dade. Como instituio essencial realizao do ser humano, ao desenvolvimentoeconmico; ora associada a corrupo moral e injustia social, causa de todosos males sociais. (MENEZES, 2009, pg. 20)

    E destas duas formas a propriedade percebida atualmente no Paraguai. Paraos grandes produtores agrcolas este direito resultado do trabalho que desempe-nharam durante tantos anos. Os camponeses paraguaios, por sua vez, acreditamque a preservao da propriedade que garante o direito aos grandes latifndios, oprincipal motivo das desigualdades que assolam o pas por tanto tempo.

    A FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE

    Para os camponeses paraguaios o texto constitucional que condiciona a pro-priedade privada ao atendimento da sua funo econmica e social constitui umforte argumento em favor das lutas pela reforma agrria. Entretanto no caso doscontenciosos com os brasileiros, a funo econmica questionvel, pois a parcelarepresentante da populao brasileira apresenta um grande peso econmico para o

    pas (KLAUCK, 2009). Embora a funo econmica seja um requisito question-vel, a funo social da propriedade persiste como um forte argumento na discussoda questo fundiria no Paraguai.

    preciso deixar claro que a funo social no se define como uma limitaoa propriedade, os limites so por sua vez, tratados no cdigo civil paraguaio. Afuno social, segundo Afonso da silva um elemento qualificante da propriedade(SILVA, 2008).

    Sendo positivada, a funo social da propriedade pode ser juridicamente inter-pretada de diferentes maneiras, e todas essas interpretaes possuem validade desdeque bem fundamentadas, ou seja, qualquer posicionamento acerca da funo socialda propriedade pode ser igualmente justificado e por este motivo muitas vezes afuno social percebida como um direito subjetivo.

    Simioni (2006) define isso como a sublimao jurdica da funo social dapropriedade. Para este autor isso acontece quando um problema de cunho social transferido para o sistema jurdico a fim de no frustrar expectativas polticas. Se-gundo o prprio autor Esvaziam o sentido poltico das expectativas sociais atravsda sua substituio por um outro sentido formalmente codificado pelo Direito:quem, sob quais condies, tem direito a qu. (SIMIONI, 2006, p. 4).

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    Como uma tentativa de esclarecer essa questo o estatuto agrrio Paraguaio,criado com a lei 1.863 de 2002, teve a finalidade de regulamentar a aplicao dotexto constitucional acerca da propriedade privada, funo social e reforma agrria.No Paraguai, de acordo com este estatuto, a propriedade cumpre a sua funo sociale econmica quando atende aos requisitos de: aproveitamento eficiente da terra euso racional e sustentabilidade ambiental de acordo com as legais disposies am-bientais vigentes.

    O no atendimento ao requisito da sustentabilidade ambiental constitui em mais umdos argumentos pelos quais os movimentos camponeses querem a desapropriao dealgumas das terras pertencentes a estrangeiros. A poro oriental do pas, que ondeos brasileiros se concentram alvo de grande devastao florestal para a aberturade novos espaos para agricultura e pecuria e do uso excessivo de agrotxicos nasplantaes de soja transgnica, provocando tambm contaminao de muitos cursosde gua (RIQUELME, 2005).

    Diante dessas acusaes, as propriedades de estrangeiros que se encontramnesta regio so alvos constantes das investidas dos sem terras paraguaios na buscapela reforma agrria. Os brasileiros que nem sempre conseguem provar a legitimi-dade das suas documentaes, tambm no cumprem integralmente a condio dafuno social descrita no estatuto agrrio do Paraguai.

    A LEGISLAO SOBRE A PROPRIEDADE NA FRONTEIRA

    A questo da documentao das terras no Paraguai muito controversa. Du-rante o perodo da ditadura, muitas das terras, atualmente reclamadas pelos campo-neses, foram ocupadas de forma ilegal com apoio das instituies do governo militar(CHIAVENATO, 1990). A falsificao de documentaes, a ineficincia e corrupodas instituies que deveriam fazer o levantamento dessas propriedades fazem partedos motivos que os camponeses tm para duvidar das documentaes apresentadaspelos brasileiros e da impossibilidade de garantir a legalidade dessas propriedades.

    A fim de tentar reparar esse problema em 2008, aps a morte de mais um semterra em uma tentativa da polcia de expulsar invasores de uma fazenda de soja de

    um brasileiro, foi proibida a venda de terras para pessoas que no so beneficiriasdo estatuto agrrio no pas. Leis deste tipo j haviam sido propostas outras vezescomo uma tentativa de conter a invaso brasileira sobre as terras paraguaias. Duas

    vezes durante o regime militar (1972-1974) a oposio tentou aprovar uma lei queproibia a venda de terras para estrangeiros na zona de fronteira. Outras trs vezes,um novo projeto que tinha como inteno assegurar a soberania do territrio pre-

    via zona exclusiva para os paraguaios a uma faixa de cinquenta quilmetros dasfronteiras. Em 1989 ele chegou a ser aprovado nas cmaras legislativas, pois contoucom a participao de muitos lderes polticos que voltaram do exlio aps a que-da do governo de Stroessner naquele mesmo ano, mas aps muitos protestos dos

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    imigrantes e da diplomacia brasileira, foi arquivado pelo presidente que pertenciaao partido colorado. Em 2002, voltou para votao e foi aprovado pela cmara dosdeputados, mas recusado pelo Senado no ano seguinte. Mas em 2004 esse mesmoprojeto foi aprovado, sancionado e transformou-se na lei 2.532 que estabelece azona de segurana fronteiria no Paraguai (ALBUQUERQUE, 2005).

    A lei que foi ento ampliada em favor da reforma agrria pelo presidente Fer-nando Lugo em 2008, no conteve a incorporao de novas propriedades por bra-sileiros. A maior parte dos imigrantes j constituiu famlia e tem filhos de nacio-nalidade paraguaia que legalmente podem adquirir novas propriedades e manter asterras entre os brasiguaios.

    Essas tentativas e a final aprovao de uma lei que limita a posse de proprieda-des a estrangeiros comprova que a quantidade de brasileiros nas terras paraguaias,

    prejudica por muito tempo as tentativas de reforma agrria que so to urgentespara o desenvolvimento social do pas. Entretanto, nem mesmo um eficiente levan-tamento de terras, pode comprovar totalmente se todos os documentos apresen-tados pelos brasileiros so legais ou so mais uma herana corrupta da ditatura deAlfredo Stroessner.

    As ltimas decises politicas acerca das propriedades de brasileiros s demons-tram que aos poucos a funo social da propriedade est finalmente sendo sobre-posta aos interesses individuais no pas e de alguma forma incomodando os brasi-leiros que j participam, ainda que indiretamente, da vida poltica no pas.

    A PRESENA BRASILEIRA NA CRISE POLTICA

    Ainda que a questo da legalidade das terras de brasileiros permanea sem umaresposta definida, a crise entre estes mesmos brasileiros e os movimentos de luta pelaterra no Paraguai se acentuou aps o inicio do governo de Fernando Lugo em 2008.

    Os movimentos de luta pela terra ganharam maior campo de atuao como novo perodo poltico que representou a alternncia ao poder colorado desde ogolpe de Stroessner em 1954. A campanha de Fernando Lugo foi sustentada, pelas

    classes mais populares e pela coaliso entre a Aliana Patritica para a Mudana,frente Guasu e o Partido Liberal Radical Autntico. No entanto, os membros dopartido Liberal, que perceberam na figura do ex-bispo a oportunidade de no ternovamente no poder executivo um membro do partido colorado, no tinham osmesmos compromissos com as classes mais populares (SANTOS, 2012).

    Os movimentos camponeses, por sua vez, observaram a candidatura de Lugocomo uma possvel soluo para as buscas de tantos anos pela reforma agrria nopas. Santos explica o carter popular da campanha de Lugo

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    Fernando Lugo, embora no tivesse uma militncia reconhecida no campo daesquerda, projetou-se como figura poltica por meio de uma atuao episcopal afinadacoma sensibilidade social caracterstica da teologia da libertao, exercida no interiordo pas neste contexto de aguamento das tenses no campo. Como candidato, fez

    da reforma agrria a sua principal promessa de campanha, arrebanhando o apoiodaqueles que empatizavam com as mudanas sociais. (SANTOS, 2012, p. 2)

    A necessidade do novo presidente de aliar as expectativas destes grupos comas expectativas do partido poltico liberal, que sustentava seu governo, e que re-presentava ao mesmo tempo grande parte dos grandes proprietrios de terras e asgrandes exportadoras de matria prima, transformaram o governo de Lugo e umconstante jogo de manobras polticas para atender os dois lados, ou ao menos nodecepcionar os dois lados.

    Esta atitude, que em muito desagradava os membros liberais e colorados dogoverno, foi bem compreendida por grande parte das organizaes sociais queapoiavam o ento presidente. Os movimentos de luta pela terra abrandaram seusatos de protesto no primeiro ano do governo de forma a no exercer uma pressosocial to forte a ponto de desestabilizar um mandato que parecia em consonnciacom as aspiraes populares depois de tantas dcadas de negligencia do partidocolorado (SANTOS, 2012).

    Enquanto os movimentos sociais apoiavam o presidente, ficou explcito quea populao de brasiguaios temia pela preservao de suas propriedades e sua se-gurana aps o incio do novo governo. As promessas de reforma agrria feitas nacampanha presidencial incluam, principalmente, as terras distribudas ilegalmentedurante o governo Stroessner para os brasileiros (MORAES; MATTOS, 2013).

    Ainda que a maior parte destes brasileiros afirme que suas terras possuem asdevidas documentaes, a eleio de Lugo promoveu grande agitao nas comuni-dades brasiguaias no Paraguai. E os conflitos, entre brasileiros e camponeses que jaconteciam por muitos anos antes de 2008, aps a eleio de Lugo ganharam muitomais espao na mdia paraguaia.

    A CRISE POLTICAO estopim da crise poltica no Paraguai foi o massacre de Curuguaty em 15

    de Junho de 2012 no incidente que deixou quinze mortos em uma tentativa dereintegrao de posse. Seis dias depois em 21 de Junho o presidente FernandoLugo sofreu um processo de impeachment, com condies democrticas to duvi-dosas que Mercado comum do sul (MERCOSUL) suspendeu o pas do bloco. Asprincipais acusaes contra o ento presidente eram de responsabilidade pelo mas-sacre de Curuguaty e incapacidade de conter as ondas de violncia causadas pelasconstantes invases de sem terras, especialmente na regio deacunday. O senado

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    paraguaio entendeu que estas ocupaes estavam sendo apoiadas e facilitadas pelopresidente (MORAES; MATTOS, 2013).

    Muitas notcias aps o processo de impeachment,principalmente de comunica-

    dores que so comprometidos com as questes sociais no Paraguai, acreditam queo massacre de Curuguaty foi mais um acontecimento, entre muitos, armado coma inteno de comprometer a permanncia de Fernando Lugo na presidncia. Oprograma BASE de investigaes sociais, que entre seus pesquisadores tem a cola-borao de Ramn Fogel, ao fazer uma investigao de todos os fatos antecedentesa Curuguaty deixa claro que o golpe no foi surpresa.

    Si bien, por su carcter oligrquico particular, el capitalismo en el Paraguay no hatitubeado en producir el golpe parlamentario, y, aunque para la ciudadana y actoresinternacionales el quiebre de la democracia fue sorpresivo y dej atnitos a todos, lasorpresa no fue absoluta, como surge al repasar el encadenamiento de los hechos.14

    (PROGRAMA, 2012, p. 2)15

    Nesta investigao so analisados fatos como a grande participao de setores damdia paraguaia em um processo de deslegitimizao das aes do ento presidenteem favor da reforma agrria, e da intangibilidade da propriedade privada alm dainterveno de autoridades brasileiras que buscavam a proteo dos brasiguaios:

    Al menos desde mayo de 2011, ante los obstculos del gobierno de Lugo paraoperacionalizar la Reforma Agraria y el conflicto suscitado en acunday, variosactores polticos del Brasil, como el Cnsul adjunto del Brasil en Ciudad del Este,

    junto a abogados de productores y un asesor jurdico del Consulado brasileo,recorrieron la zona de acunday a fin de interiorizarse de la situacin, y el propioEmbajador realiz una visita de cortesa al Presidente del INDERT. Este inters ypretensin de generar lobby por parte de familias brasiguayas, se intensificar en elprimer semestre de 2012.16(PROGRAMA, 2012, p. 9)

    Essa interveno do governo brasileiro aconteceu quando o diretor do INDERT,Alberto Alderete, concluiu um levantamento de terras no pas. Neste levantamentofoi constatado que 1/5 das terras do pas eram tierras mal habidas17e que 90 % destasterras pertencem atualmente a brasileiros. (SANTOS, 2012, p.6). De acordo com oestatuto agrrio estas terras poderiam ser expropriadas pelo Estado.

    Esse fato constata que os imigrantes de origem brasileira seriam os principaisprejudicados pelo processo de reforma agrria que estaria comeando no pas. Noentanto os brasileiros no Paraguai, paralelamente aos grandes lotes de terras, fo-14 Em livre traduo: Enquanto por seu carter oligrquico particular, o capitalismo no Paraguai no hesitou em produzir o golpe parlamentar, e, embora para os cidados e

    atores internacionais a quebra da democracia tenha surpreendido a todos, a surpresa no foi absoluta como revela o repassar dos acontecimentos.15 PROGRAMA DEMOCRATIZACIN Y CONSTRUCCIN DE LA PAZ. Disponvel em: http://www.redrural.org.py/V3/uploads/2012/12/1_Enero_junio.pdf Acesso

    em: 30 mai. 201316 Em livre traduo: Pelo menos desde maio de 2011, diante dos obstculos de Lugo para operacionalizar a reforma agrria e o conflito que surgiu em acunday, vrios

    atores polticos do Brasil, como o cnsul adjunto do Brasil em Cidade de leste, junto a advogados de produtores e um assessor jurdico do consulado brasileiro, recorrerama zona de acunday a fim de inteirar-se da situao, e o prprio embaixador realizou uma visita de cortesia ao Presidente do INDERT. Este interesse e inteno de gerarlobby por parte de famlias brasiguaias, se intensificara no primeiro semestre de 2012.

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    As tierras mal habidas como so conhecidas as terras adquiridas ilegalmente. Grande parte dessas terras foi adquirida no perodo da ditadura paraguaia.

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    ram adquirindo tambm proteo e alianas junto a outros setores da sociedadeparaguaia. As invases, que se intensificaram no inicio de 2012 e tinham comoalvo as tierras mal habidas e constantemente envolviam brasileiros, provocou grandeagitao nos meios de comunicao.

    OS CONFLITOS ENTRE OS BRASILEIROS E CARPEROS

    As constantes invases de terras que aconteceram a partir de 2011 nas proprie-dades que pertencem a brasileiros foram em maioria causadas pelo movimento doscarperos. Enquanto os movimentos sociais mais tradicionais, como a FNC, decidi-ram por abrandar seus atos em favor da estabilidade do governo os carperos intensifi-caram as ocupaes aps o levantamento de terras feito pelo INDERT em 2011, quecomprovava as irregularidades na aquisio de terras no perodo militar, provocando

    uma diviso de opinies dentro das organizaes de movimentos camponeses.O centro dos conflitos entre brasiguaios e carperos aconteceu no departamento

    de Alto Paran, na regio de acunday e Santa Rosa del Monday. Partes das terrasocupadas, que somam aproximadamente 162 mil hectares, pertencem a uma em-presa de propriedade de Tranquilo Favero e esto entre as tierras mal habidaslevan-tadas pelo INDERT. (Programa, 2012). Foi neste episdio, que o assessor jurdicoda companhia do brasileiro fez pouco caso da invaso, dizendo acreditar que comonas ltimas decises do governo, logo seria emitida uma ordem de despejo. No en-tanto, quando esta ordem foi emitida, os carperos no recuaram e continuaram com

    novos acampamentos em diversos pontos da rea.Este conflito, alm de busca por terras e reforma agrria, envolveu tambm

    uma questo tnico-cultural, que suscitou no Paraguai nos dois ltimos anos ummovimento anti-imperialista contra o Brasil. De acordo com MORAES; MAT-

    TOS (2013, p.10) Os brasiguaios, em sua generalidade, so de origem europeia,assim como era o general Stroessner descendente de alemo, enquanto os carperosso, predominantemente, de origem guarani. Essa diferena tnica, durante e aps

    vrios anos de ditadura, foi sendo acentuada nas colnias brasileiras e por umaparcela da populao paraguaia, atravs de uma diferenciao entre o estrangeiro

    de origem europeia como o trabalhador e o paraguaio de origem indgena comoo preguioso (ALBUQUERQUE, 2005).

    CONSIDERAES FINAIS

    A imigrao de brasileiros gerou uma redefinio da fronteira para dentro do ter-ritrio paraguaio, criou-se no leste do pas um espao cultural e econmico diferentedas outras regies, que com o apoio de uma classe poltica, que persiste como heranada ditadura, beneficia os estrangeiros em detrimento da populao mais pobre do pas.

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    A crise poltica de 2012 que culminou no impeachment do presidente inter-pretada por vrios pesquisadores paraguaios como golpe antidemocrtico e levantaainda muitos questionamentos sobre a sucesso dos fatos. O massacre de Curugua-ty investigado pelas organizaes de direitos humanos, pois h evidencias que asmortes causadas com a investida da polcia paraguaia poderiam ser premeditadascom a inteno de desestabilizar ainda mais o poder executivo, pois passados maisde treze meses a justia paraguaia ainda no investigou a causa das mortes.

    A diplomacia brasileira tambm atuou sempre em favor dos brasileiros. Desde oinicio do novo governo no Paraguai havia certa apreenso sobre a atuao do presi-dente em relao aos imigrantes. Em 2008 sobre a renegociao do tratado de Itaipuo ministro Celso Amorim, ao contradizer o presidente Lula, tentou criar um climade harmonia ressaltando a necessidade da reviso do tratado e da proximidade entreos dois pases. O chanceler entendia que uma posio rgida por parte do governobrasileiro poderia influenciar ainda mais na sensvel questo dos brasiguaios.

    Neste contexto ficou claro que o enclave brasileiro um obstculo s reformassociais que o pas necessita. No entanto no possvel concluir se a estabilidadedesses brasileiros no territrio deve-se ao seu poder econmico ou a sua indiscutvelligao com o partido colorado, que voltou a assumir a presidncia no pas.

    As teorias de relaes internacionais contemporneas sugerem uma democra-tizao em relao participao na poltica internacional dos pases. As organiza-es camponesas no Paraguai representam eficientemente uma parcela da sociedade

    civil que reivindica assistncia do Estado para diversas questes como distribuiode terras, meio ambiente e polticas de sade pblica, e devido as recentes ameaasa democracia e a omisso do poder judicirio em esclarecer os fatos de Curuguaty,essas organizaes procuram expandir suas atuaes no fortalecimento da demo-cracia e dos direitos humanos. Os constantes problemas com os sucessivos gover-nos fortaleceu a busca dos grupos por projeo e apoio internacional pela melhorianas questes agrrias e sociais no pas.

    O que deve sempre ser levado em considerao na anlise dos conflitos entrecamponeses paraguaios e brasiguaios que este no se trata apenas de um conflito

    por terras. comum encontrar no discurso dos camponeses referncia a guerra datrplice aliana como a origem da ocupao de terras por estrangeiros e da con-sequente pobreza no Paraguai. Esse episdio histrico juntamente com ditaduraparaguaia envolveu a presena de brasileiros no territrio ao passo que a populaocamponesa era oprimida. Estes conflitos significam para os campesinos, sobretudo,uma busca por soberania onde as representaes brasileiras se constituem comoobstculo a superao desses antecedentes histricos.

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    SUZUKI, Jlio C.. Questo agrria na Amrica Latina: renda capitalizada como instru-mento de leitura da dinmica scio-espacial. In: GERAIGES, Amalia Ins et al. Am-rica Latina: cidade, campo e turismo.So Paulo: CLACSO, 2006. Disponvel em:http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/edicion/lemos/12suzuki.pdf Acesso em: 21 mai.