Artigo brasiliana meiry e karine
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- 1. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.289Proteo contra as Formas Contempornea de Escravido - Uma GarantiaConstitucionalWaldimeiry Corra da Silva1Karine Dantas Ges e Ges2Como sabido ao longo da histria da humanidade a escravido esteve presente emquase todas as sociedades. Historicamente, o conceito da escravido se estabeleceucomo a instituio pela qual um ser humano tem a propriedade sobre o outro, o quesignifica afirmar que o escravo era considerado um bem semovente, parte da massapatrimonial do patro. Os impulsos abolicionistas do sculo XIX (e princpios de sculoXIX) culminam com a censura universal de tal prtica, mediante a Conveno sobre aEscravido de 1926, pois a condio jurdica de escravo j no se encontra totalmentepermitida (Correa da Silva, 2011: 2-3). O tema da escravido considerado pela doutrinacomo a origem da proteo internacional dos direitos humanos e o necessrioreconhecimento da dignidade humana (Scelle, 1932: 55). A complexidade e dinamismodo mundo contemporneo evidenciam que mesmo proibida, desde 1926, a escravidosegue existindo e, na atualidade, a escravido contempornea se encontra dissimuladapor mtodos sutis dentro da sociedade, extraindo benefcios diretos e indiretos por meioda explorao do trabalho (Correa da Silva, 2011:150-157).1 Doutora em Direito Internacional e Relaes Internacional. Professora e Pesquisadora da Universidade Tiradentes.Pesquisadora vinculada ao GPTEC.2 Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes (UNIT). Ps Graduada em Direito do Trabalho eProcesso do Trabalho pela UFBA. Advogada
2. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.Este artigo tem como objetivo o estudo das formas contemporneas de escravidoe como hiptese o status constitucional da proteo contra a escravido contempornea.Primeiramente, ser feita a conceituao das formas contemporneas de escravido, apartir das normas internacionais recepcionadas pelo ordenamento jurdico nacional e dajurisprudncia internacional dos tribunais internacionais de direitos humanos, j queestes so responsveis pela interpretao das normas internacionais nos processos emque pases so demandados internacionalmente por ofensas de direitos humanosocorridas em seu territrio. Em sequncia, sero estudados o conceito de constituiomaterial e a recepo das normas internacionais sobre a matria para que, ao final, seconclua pelo status constitucional das convenes que disciplinam as formascontemporneas de escravido.Referida conceituao ocorrer desde o mtodo indutivo a partir das normasinternacionais (especificando-se os decretos que promulgaram ditas normas noordenamento jurdico nacional) e da jurisprudncia internacional dos tribunais dedireitos humanos, responsveis pela interpretao das normas nos casos concretos. Emsequncia, ser estudada a dignidade humana, com enfoque nos princpios da igualdadee da liberdade para que, ao final, se possa chegar concluso de que as formascontemporneas de escravido so brutal ofensa direta dignidade humana.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.290Formas Contemporneas de EscravidoApesar da abolio da escravido no Brasil ter ocorrido em 1888, atravs da Lei Imperialn 3.353, de 13/05/1888, mais conhecida como Lei urea, e da proibio escravido emtodas suas formas pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos3 que se vale3 Artigo 16 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos, promulgado no Brasil pelo Decreto n 592, de 06de Julho de 1992: Toda pessoa ter direito, em qualquer lugar, ao reconhecimento de sua personalidade jurdica. 3. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.do preceito da Declarao Universal dos Direitos Humanos de que todos nascem livrese iguais em dignidade e direitos (art. 1), alm da proibio expressa no artigo 4 daDUDH: Ningum ser mantido em escravido ou servido, a escravido e o trfico deescravos sero proibidos em todas as suas formas. ; a escravido persiste de modocrescente em diferentes partes do globo e tambm no Brasil tambm4.Um exemplo da manifestao e condena no plano internacional a interpretaoconferida ao tema como foi realizado pelo Tribunal de Nuremberg j estabeleceu aexplorao de trabalho escravo e forado tanto como crime de guerra quanto crimecontra a humanidade5 e incluso da escravido como um crime contra a humanidadeno caso do tribunal penal internacional para a ex-Iugoslvia em 2001 (que ser vista aposteriori). Contudo, necessrio o constante estudo da matria sob os diversosaspectos (Figueira, Prado, Santana Junior, 2011: 13-14) e o reconhecimento do statusconstitucional da proteo contra as formas contemporneas de escravido para quehaja uma reao moral e poltica por parte dos mais privilegiados e tambm desperteuma resposta adequada por parte dos agentes pblicos (Vieira, 2011: 224).Para que haja esta reao, este despertar, importante a correta delimitao dotema sob anlise, para interpretaes amplas sobre o conceito de escravido. Algunsautores usam a expresso trabalho escravo, outros se utilizam do tipo penalreconhecido no Brasil condio anloga escravido e h ainda os que preferem aexpresso escravido contempornea. A expresso trabalho escravo pode remeter o4 Ver relatrio global no seguimento da declarao da OIT sobre os direitos e princpios fundamentais do trabalho,denominado O Custo da Coero, apresentado na 98 sesso da Conferncia Internacional do Trabalho da OIT:http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/forced_labour/pub/custo_da_coercao_308.pdf. Acesso em27/06/13 s 18h27min.5The Nuremberg Tribunal interpreted slave or forced labour to constitute not only a war crime, but also enslavementas a crime against humanity. Declarao constante do item 523 do acrdo proferido pelos juzes Florence NdepeleMwachande Mumba (presidente), David Hunt e Fausto Pocar do TPIY (International Tribunal for the Prosecution ofPersons Responsible for Serious Violations of International Humanitarian Law Committed in the Territory of theFormer Yugoslavia since 1991) no processo n IT-96-23-T & IT-96-23/1-T contra Dragoljub KUNARAC, RadomirKOVAC e Zoran VUKORIC, no dia 22/02/2001.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.291 4. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.leitor escravido de negros do sculo XIX, levando-o a crer pela inexistncia deescravos na contemporaneidade. Optamos pela nomenclatura escravidocontempornea que possibilita a reinterpretao do conceito internacionalmentedefinido de escravido atributos do direito de propriedade e suas sinergias negativasque conduz a privao da liberdade, a submisso e mitigao da dignidade humana.Por fim, o uso do termo condio anloga escravido tem quatro importantesaspectos a ser tratados: a) no engloba todas as condutas previstas nas normasinternacionais recepcionadas no Brasil (e pelas quais pode ser demandadointernacionalmente no sistema interamericano de proteo aos direitos humanos, comoj o foi) e reconhecidas pelos tribunais internacionais de direitos humanos como formacontempornea de escravido; b) as normas internacionais recepcionadas no Brasil sosuficientes para a condenao dos exploradores nas esferas cvel e administrativa, deforma que tratar o tema com a nomenclatura especfica do direito penal poderia levar oleitor ao erro de pensar que as condutas previstas no tipo penal so necessrias paraoutras condenaes que no penais; c) como tipo penal interno que , est restrito sdemandas penais nacionais e no pode ser utilizado como fundamento de processoscontra o Brasil em cortes internacionais; d) apesar dos tribunais internacionais teremreconhecido o trfico de seres humanos como escravido contempornea6, no direitointerno brasileiro, o trfico de pessoas tem tipo penal especfico (trfico interno einternacional de pessoa para fim de explorao sexual - artigos 231 e 231A do CdigoPenal), no est englobado pela reduo condio anloga de escravo (artigo 149do Cdigo Penal) e est limitado ao fim da explorao sexual.A opo pela nomenclatura formas contemporneas de escravido como umgnero do qual fazem parte distintas instituies jurdicas - escravido; trfico deescravos; trabalho forado; servido por dvida; servido rural; matrimnio forado;Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.2926 como ocorreu no TEDH em 07 de Janeiro de 2012 no Caso Ratsev contra Russia e Chipre. 5. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.explorao infantil; trfico de seres humanos- , que sero especificadas logo a seguir, sed pelo entendimento de que tal expresso no limita o entendimento do leitor econtempla todas as exploraes reconhecidas como escravido pelas normasinternacionais e tribunais internacionais de direitos humanos.A escravido est definida no artigo 1, alnea a da Conveno sobre aEscravatura de 1926, promulgada no Brasil pelo Decreto n 58.563 de 01/06/1966, comoestado ou a condio de um indivduo sobre o qual se exercem todos ou parte dospoderes atribudos ao direito de propriedade7.O Tribunal Penal para a ex-Yugoslvia (TPY) realizou uma interpretaocontextualizado do conceito de escravido, em 2001, no processo n IT-96-23-T & IT-96-23/1-T ajuizado contra Dragoljub Kunarac, Radomir Kovac e Zoran Vukorinc, eestabeleceu que o exerccio de apenas um dos poderes que traduza o direito depropriedade sobre uma pessoa suficiente para o enquadramento da situao comoescravido. So indicaes de escravido, portanto, o controle de propriedade, arestrio ou controle de autonomia do indivduo, da liberdade de escolha ou daliberdade de movimento, mesmo havendo o consentimento ou a livre vontade da vtimapois muitas vezes impossvel ou at mesmo irrelevante detectar a ameaa, a fora ououtras formas de coao, o medo da violncia, engano ou falsas promessas, o abuso depoder, a posio da vtima de vulnerabilidade, a deteno ou priso, presso psicolgicaou condies scio-econmicas (Correa da Silva, 2011: 153).Assim ocorrem as escravido contempornea (consideradas o equivalente aotrabalho escravo) no Brasil, tal qual se v do relatrio n 95/03 do processo n 11.2898 de7 Disponvel em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-58563-1-junho-1966-399220-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em 28/06/13 s 16h28min.8 O processo foi encerrado por soluo amistosa. O Brasil reconheceu sua responsabilidade internacionalmente, secomprometeu a continuar com os esforos para a priso dos responsveis pelos crimes, pagou indenizao no valorde R$52.000,00 (cinquenta e dois mil reais) e, por fim, se comprometeu com mudanas legislativas e medidas desensibilizao, fiscalizao e represso do trabalho escravo.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.293 6. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.2003 ajuizado por Jos Pereira da Silva em face do Brasil na Comisso Interamericana deDireitos Humanos (CIDH), onde foi celebrado o acordo entre as partes.O trfico de escravos est previsto no artigo 1, alnea b do mesmo normativoBrasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.294internacional que prev a escravido, comotodo ato de captura, aquisio ou cesso de uma pessoa com a intenode escraviz-lo; todo ato de um escravo para vend-lo ou troc-lo; todoato de cesso por venda ou troca de uma pessoa adquirida para servendida ou trocada, assim como, em geral todo ato de comrcio outransporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado.O trabalho forado s no est nesta mesma norma que previu a escravido e o trficode escravos pois j tinha conceito prprio no artigo 2 da Conveno n 29 da OIT(promulgada no Brasil pelo Decreto n 41.721 de 25/06/1957). Contudo, est indicadoexpressamente no prembulo da Conveno Suplementar de 1956: Levando em conta aConveno de 1930 sobre o Trabalho Forado e o que foi feito ulteriormente pelaOrganizao Internacional do Trabalho em relao ao trabalho forado ou obrigatrio.Claro est, portanto, que o trabalho exigido de um indivduo sob ameaa de qualquerpenalidade e para o qual ele no se ofereceu de espontnea vontade reconhecidamente uma forma contempornea de escravido9.9 Ver a concluso do documento das Naes Unidas denominado La Abolicin de la Esclavitud y sus Formascontemporneas que foi apresentado na 51 Sesso da Subcomisso de Promoo e Proteo dos Direitos Humanos,aprovado pela Resoluo n 199/17 de 26 de agosto de 1999 e aprovada como documento oficial na 76 Sesso daComisso de Direitos Humanos realizada em 24 de abril de 2001, quando foi recomendado ao Conselho Econmicoe Social da ONU compilao em um nico informativo, impresso em todos os idiomas oficiais e distribuio domodo mais amplo possvel. 7. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.Se nem o preso pode ser submetido a trabalho forado no Brasil, conformeprevisto no artigo 5, XLVI, c da Constituio Federal, quanto mais o cidado comumque nenhum crime cometeu, tal qual garantia prevista no artigo 6, 2 do Pacto San Joseda Costa Rica, recepcionado no Brasil pelo Decreto n 678 de 06/11/1992: ningum deveser constrangido a executar trabalho forado ou obrigatrio. Tais normas, no entanto,so insuficientes para impedir a ocorrncia de trabalho forado no Estado brasileiro poiso sistema jurdico sofre de incongruncias entre as leis e o comportamento dosindivduos e dos agentes pblicos (Cf: Vieira, 2011.).A OIT produziu dois relatrios sobre o tema. O primeiro, de 2001, intituladoNo ao Trabalho Forado, destaca a existncia de trabalho forado no Brasil10 e osegundo, de 2005, nominado Uma Aliana Global contra o Trabalho Forado,complementa as informaes do primeiro explicitando circunstncias de agravamentoda situao: conflitos de competncia sobre casos de trabalho forado nos nveis federale estaduais e a Justia do Trabalho, bem como o baixo valor das multas.Outras quatro formas contemporneas de escravido esto previstas naConveno Suplementar sobre a Abolio da Escravatura, Trfico de Escravos eInstituies e Prticas Anlogas Escravido, promulgada no Brasil pelo Decreto n58.563 de 01/06/1966: servido por dvida, servido rural, matrimnio forado eexplorao infantil.A servido por dvidas foi conceituada no artigo 1, alnea a, como o estado oucondio resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, emgarantia de uma dvida, seus servios pessoais ou os de algum sobre o qual tenhaautoridade, se o valor desses servios no for equitativamente avaliado no ato da10 Casos de trabalho forado tm sido localizados na minerao e no trabalho sazonal de desmatamento, naproduo de carvo vegetal e numa srie de atividades agrcolas entre as quais o corte da cana, a plantao de capime a colheita de algodo e de caf.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.295 8. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.liquidao de dvida ou se a durao desses servios no for limitada nem sua naturezadefinida.Um caso concreto de servido por dvida foi analisado pelo Tribunal Europeu deDireitos Humanos (TEDH) no processo n 73316/01 ajuizado por Siwa-Akofa Siliadin emface da Repblica da Frana. Na sentena deste processo restou demonstrado que aservido por dvida no ambiente domstico mais comum do que se imagina.A servido ou servido rural, por sua vez, est prevista no artigo 1, alnea b,como a condio de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou poracordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essaoutra pessoa, contra remunerao ou gratuitamente, determinados servios, sem podermudar sua condio.No Brasil, comum a escravido contempornea no ambiente rural, tal qual seobserva da lista das fazendas acusadas de utilizar trabalho escravo no estado do Par de1969 a maro de 2004, apresentada no quadro 1 dos anexos da obra Pisando Fora daPrpria Sombra: A Escravido por Dvida no Brasil Contemporneo (FIGUEIRA, 2004:415-433), onde constam nomes como Bamerindus, Bradesco, Encol, Francisco DonatoLinhares de Arajo Filho (deputado e Secretrio de Estado do Piau), Volkswagen, entreoutros.O matrimnio forado est presente no artigo 1, alnea c como todainstituio ou prtica em virtude da qual: I - Uma mulher , sem que tenha o direito derecusa prometida ou dada em casamento, mediante remunerao em dinheiro ouespcie entregue a seus pais, tutor, famlia ou a qualquer outra pessoa ou grupo depessoas; II - O marido de uma mulher, a famlia ou o cl deste tem o direito de ced-la aum terceiro, a ttulo oneroso ou no; III - A mulher pode, por morte do marido, sertransmitida por sucesso a outra pessoa.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.296A explorao infantil, por sua vez, encontra-se no artigo 1, alnea d como 9. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.toda instituio ou prtica em virtude da qual uma criana ou umadolescente de menos de dezoito anos entregue, quer por seu pais ouum deles, quer por seu tutor, a um terceiro, mediante remunerao ousem ela, com o fim da explorao da pessoa ou do trabalho da referidacriana ou adolescente.O matrimnio forado no comum no Brasil, diversamente da explorao infantil, que bem usual11. Tanto que o Brasil ru em 11 (onze) processos na Relatoria sobre osDireitos da Criana da (Comisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) daOrganizao dos Estados Americanos (OEA)12, por diversas ofensas a direitos de menor.Por fim, o trfico de pessoas est previsto no artigo 3, alnea a da Convenodas Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo Preveno,Represso e Punio do Trfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianas,promulgada no Brasil pelo Decreto n 5.017 de 12/03/2004, como recrutamento,transporte, transferncia, alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo ameaaou uso da fora ou a outras formas de coao, ao rapto, fraude, ao engano, ao abuso deautoridade ou situao de vulnerabilidade ou entrega ou aceitao de pagamentosou benefcios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobreoutra para fins de explorao. A explorao incluir, no mnimo, a explorao daprostituio de outrem ou outras formas de explorao sexual, o trabalho ou servios11 S o escritrio brasileiro da OIT tem 55 (cinquenta e cinco) publicaes sobre a explorao do trabalho infantil noBrasil disponveis no site oficial http://www.oit.org.br/publication?keys=&tid=3.12 OEA. CIDH. Relatoria sobre os Direitos da Criana. Informativo sobre peties e casos admitidos. Disponvelem http://www.oas.org/es/cidh/infancia/decisiones/cidh.asp Acesso em 10/07/13 s 12h10min.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.297 10. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.forados, escravatura ou prticas similares escravatura, a servido ou a remoo dergos.Apesar da regulamentao, no Brasil ainda escassa a condena por trfico depessoas, pese ao numero crescente de denncias de casos de trfico de pessoas. Noprimeiro relatrio do Sistema Nacional de Estatsticas de Segurana Pblica e JustiaCriminal (SINESPJC) da Polcia Militar, houve 1.735 vtimas de trfico interno deBrasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.298pessoas para fins de explorao sexual, entre 2006 e 201113.Situao concreta de trfico de pessoas foi analisada pelo Tribunal Europeu deDireitos Humanos (TEDH) no processo n 25965/04 ajuizado por Nikolay MikhaylovichRantsev contra Chipre e Rssia. Neste acrdo, o TEDH reconheceu o trfico de pessoascomo forma contempornea de escravido, na medida em que numa situao de trficode pessoas, condenou Chipre e Rssia por ofensa ao artigo 2 da Conveno em que aspartes comprometem-se a prevenir e reprimir o trfico de escravos e fazer,progressivamente e logo que possvel, a abolio completa da escravido em todas assuas formas14.Assim, foi justificada a utilizao da nomenclatura formas contemporneas deescravido e explicada cada uma das suas espcies como tal, resumidamente, pelosseguintes aspectos: a) escravido e trfico de escravos previso expressa da Convenosobre a Escravatura promulgada no Brasil pelo Decreto n 58.563 de 01/06/1966; b)trabalho forado - presena expressa e justificada no prembulo da Conveno sobre aEscravatura; c) servido por dvida, servido rural, matrimnio forado e explorao13Disponvel em http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={02FA3701-A87E-4435-BA6D-1990C97194FE}&BrowserType=IE&LangID=pt-br¶ms=itemID%3D%7B972FBB58%2DF426%2D4450%2DA8D4%2D1F4264D8A039%7D%3B&UIPartUID=%7B2218FAF9%2D5230%2D431C%2DA9E3%2DE780D3E67DFE%7D Acesso em 04/07/13 s 18h10min.14 139. Under Article 2, the parties undertake to prevent and suppress the slave trade and to bring about,progressively and as soon as possible, the complete abolition of slavery in all its forms 11. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.infantil previso expressa da Conveno Suplementar sobre a Abolio daEscravatura, Trfico de Escravos e Instituies e Prticas Anlogas Escravido,promulgada no Brasil pelo Decreto n 58.563 de 01/06/1966; d) trfico de pessoas concluso do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) no processo n 25965/04ajuizado por Nikolay Mikhaylovich Rantsev contra Chipre e Rssia.Status Constitucional das Normas de Proteo Contra as Formas Contemporneas deEscravidoA proteo contra as formas contemporneas de escravido no est expressa na CartaMagna brasileira, mas isso no significa que tal proteo no tenha status constitucional.A Constituio Federal estabeleceu a dignidade da pessoa humana (artigo 1, III) e ovalor social do trabalho (artigo 1, IV) como fundamentos da Repblica Federativa doBrasil, que tem como objetivo fundamental erradicar a pobreza e a marginalizao(artigo 3, III), ao tempo em que estabeleceu a igualdade e a liberdade como direitosfundamentais (artigo 5), entre outros de suma importncia ao tema em apreo 15.A jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal impe ao Estado brasileiro orespeito esfera individual de todos os cidados, at mesmo quando da sua segregaoda liberdade, motivo da edio da Smula Vinculante 1116.Ademais, como membro da Organizao das Naes Unidas (ONU) desde suafundao em 24/10/1945, o Brasil estabeleceu como finalidade reafirmar sua f nos15 Artigo 5, III (ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante), XV ( livre alocomoo no territrio nacional em tempo de paz) e XLVII, c (no haver pena de trabalhos forados), alm detodos os direitos sociais previstos nos artigos 6 a 11.16 S lcito o uso de algemas em casos de resistncia e de fundado receio de fuga ou de perigo integridade fsicaprpria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena deresponsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da priso ou do ato processual aque se refere, sem prejuzo da responsabilidade civil do EstadoBrasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.299 12. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana econcordou com o patamar mnimo de dignidade humana da Declarao Universal dosDireitos Humanos17.Alm do direito ao trabalho, com livre escolha ao emprego e condies justas,remunerao equitativa e satisfatria, limitao razovel das horas de trabalho, friasremuneradas peridicas para si e sua famlia; que do sustentao aos direitos derepouso e lazer participando livremente na vida cultural da comunidade, previstos nosartigos 23, 24 e 27 da Declarao Universal dos Direitos Humanos, o Brasil tem porobrigao propiciar muito mais do que isso, pois membro da OrganizaoInternacional do Trabalho (OIT) desde a sua instituio em 28/06/1919, quando aderiu Declarao sobre os Objetivos e Propsitos da Organizao Internacional do Trabalho(conhecida como Declarao da Filadlfia e promulgada no Brasil pelo Decreto n 25.696de 20/10/1948) e ratificou 81 (oitenta e uma) de suas convenes internacionais.A Suprema Corte brasileira reconhece a existncia de um conjunto de normasvisando a efetivao dos direitos fundamentais do ser humano e expe a escravidocomo ofensa ao trabalho digno:17 Cabe destacar algumas previses atinentes ao tema ora discutido. Artigo 1: Todas as pessoas nascem livres eiguais em dignidade e direitos. So dotados de razo e conscincia e devem agir em relao uns aos outros comesprito de fraternidade. Artigo 4: Ningum ser mantido em escravido ou servido, a escravido e o trfico deescravos sero proibidos em todas as suas formas. Artigo 6: Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares,reconhecida como pessoa perante a lei. Artigo 23: I. Toda pessoa tem direito ao trabalho, livre escolha de emprego,a condies justas e favorveis... III. Quem trabalha tem direito a uma remunerao equitativa e satisfatria, para si esua famlia, uma existncia compatvel com a dignidade humana... Artigo 24: Toda pessoa tem direito a repouso elazer, inclusive a limitao razovel das horas de trabalho e a frias remuneradas peridicas. Artigo 27, I: Todomundo tem o direito de participar livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar noprogresso cientfico e seus benefcios da resultantes. Disponvel em:http://unicrio.org.br/img/DeclU_D_HumanosVersoInternet.pdf Acesso em 24/06/13 s 13h27min. Atravs doDecreto n 678 de 06/11/92, o Brasil tambm promulgou a Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto deSo Jos da Costa Rica), fundada nos mesmos princpios da Declarao Universal dos Direitos do Homem.Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acesso em 27/06/13 s 16hBrasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.300 13. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.A Constituio de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa proteo e efetivao dos direitos fundamentais do ser humano. Aexistncia de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados,em situao de total violao da liberdade e da autodeterminao decada um, configura crime contra a organizao do trabalho. Quaisquercondutas que possam ser tidas como violadoras no somente do sistemade rgos e instituies com atribuies para proteger os direitos edeveres dos trabalhadores, mas tambm dos prprios trabalhadores,atingindo-os em esferas que lhes so mais caras, em que a Constituiolhes confere proteo mxima, so enquadrveis na categoria dos crimescontra a organizao do trabalho, se praticadas no contexto das relaesde trabalho.18Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.301E ainda:A escravido moderna mais sutil do que a do sculo XIX e ocerceamento a liberdade pode decorrer de diversos constrangimentoseconmicos e no necessariamente fsicos. Priva-se algum de sualiberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa, e no como pessoahumana, o que pode ser feito no s mediante coao, mas tambm pelaviolao intensa e persistente de seus direitos bsicos, inclusive dodireito ao trabalho digno. A violao do direito ao trabalho dignoimpacta a capacidade da vtima de realizar escolhas segundo a sua livre18 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinrio n 398.041, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamentoem 30-11-2006, Plenrio, DJE de 19-12-2008. No mesmo sentido: Recurso Extraordinrio n 541.627, Rel. Min.Ellen Gracie, julgamento em 14-10-2008, Segunda Turma, DJE de 21-11-2008. 14. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.determinao. Isso tambm significa reduzir algum a condioanloga de escravo.19Em que pese existam no Brasil quatro correntes doutrinrias acerca da hierarquia dostratados de proteo dos direitos humanos20, objetiva-se reconhecer como constitucionalas normas internacionais incorporadoras de direitos humanos e todas as demais acimacitadas, a partir do conceito de norma constitucional material e do reconhecimento dostatus constitucional conferido as normas internacionais de direitos humanospromulgadas no Brasil. At mesmo porque a efetividade constitucional se alinha com aproteo dos direitos fundamentais e, no particular, com a garantia dos direitoshumanos internacionais inseridos no nosso ordenamento.Essa a postura hermenutica de aplicao do princpio da mxima efetividade das normasconstitucionais. Por meio dele so almejados os mais amplos resultados do agir pblicocom o menor consumo de esforos. O campo de aplicao deste princpio tem nosdireitos fundamentais um porto seguro para a sua incidncia.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.302Normas constitucionais e direitos fundamentais materiais e formaisAs normas constitucionais tm dois aspectos: material (fins e valores que atendem aoprincpio da unidade do ordenamento jurdico e ao conjunto de foras polticas e sociais)e formal - inseridas no corpus constitucional - (Canotilho, 2003: 1138-1139). Ou seja,normas formalmente constitucionais so aquelas constantes de uma Constituio,19 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inqurito n 3.412, Rela. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgamento em 29-3-2012, Plenrio, DJE de 12-11-2012.20 Em sntese, h quatro correntes doutrinrias acerca da hierarquia dos tratados de proteo dos direitos humanos,que sustentam: a) a hierarquia supraconstitucional de tais tratados; b) a hierarquia constitucional; c) a hierarquiainfraconstitucional, mas supralegal; d) a paridade hierrquica entre tratado e lei federal. Piovesan, 2011, p. 123). 15. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.independentemente do contedo, e normas materialmente constitucionais so aquelasque regulam a estrutura do Estado, a organizao de seus rgos e os direitosfundamentais, estando ou no no texto formal da Constituio (Silva, 2008: 40-41).Seguindo essa linha de raciocnio, entende-se que existem direitos fundamentais emsentido formal (assentes na Constituio formal) e material (presentes em normasconstitucionais materiais), a partir da clusula de abertura material dos direitosfundamentais, que pode ser implcita ou explcita (Miranda, 2000: 07-12). No Brasil, ditaclusula de abertura est expressa no artigo 5, 2 da Carta Magna: Os direitos egarantias expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dosprincpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a RepblicaFederativa do Brasil seja parte.Sero reconhecidas como direitos fundamentais, portanto, as normas que tenhampor objeto a dignidade humana, pois unidade de sentido no conjunto dos direitosfundamentais (Andrade, 1976: 97); princpio e regra de um Estado de Direito(Bonavides, 2011: 38); fundamento e fim da sociedade e do Estado (Miranda, 2000: 180 e183). A dignidade humana um princpio jurdico de status constitucional, pois constituiparte do contedo dos direitos fundamentais (Barroso, 2013: 43).Direitos humanos e direitos fundamentais so normas fundadas na dignidadehumana com apelidos diferentes. A doutrina preferiu usar a expresso direitosfundamentais para as normas nacionais e direitos humanos para aquelas advindas dodireito internacional21. Nesse sentido, sero materialmente constitucionais tanto as21Nesse sentido veja tambm: Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26 edio, So Paulo : Malheiros,2011, p. 560; Canotilho, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7 edio. Coimbra :Livraria Almedina, 2003, p. 393; Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3 edio. Coimbra :Coimbra Editora, 2000, p. 54; Silva, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30 edio. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 176.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.303 16. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.normas internacionais de direitos humanos como as normas nacionais de direitosfundamentais no previstas expressamente na Constituio.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.304Status Constitucional Das Normas Internacionais Promulgadas No BrasilPartindo da premissa que as normas internacionais de direitos humanos promulgadasno Brasil so materialmente constitucionais, o direito fundamental explicitado por umtratado internacional est implcito na Constituio, pois todo direito fundamental norma constitucional (Ferreira Filho, 2012: 126).Os direitos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos soconstitucionais tambm porque ao estabelecer os direitos humanos como princpio(artigo 4, II) e prever a recepo de outros direitos fundamentais decorrentes detratados internacionais (artigo 5, 2), a Constituio Federal de 1988 deu coerncia sustentao do princpio constitucional de relaes exteriores e lhe deu materialidadeefetiva (Dallari, 1994: 162).E no poderia ser diferente, pois a nenhuma norma constitucional se pode darinterpretao que lhe retire ou diminua a razo de ser, especialmente quando se trata denorma instituidora de direitos e garantias fundamentais (Piovesan, 2011: 111).Flvia Piovesan explica que conferir hierarquia constitucional aos tratados de direitoshumanos, com observncia do princpio da prevalncia da norma mais favorvel, ainterpretao que se situa em absoluta consonncia com a ordem constitucional de 1988,bem como com sua racionalidade e principiologia (Piovesan, 2011: 116). No mesmosentido, Valrio Mazzuoli:Tecnicamente, os tratados internacionais de proteo dos direitoshumanos ratificados pelo Brasil j tm status de norma constitucional, 17. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.em virtude do disposto no 2 do art. 5 da Constituio, pois namedida em que a Constituio no exclui os direitos humanosprovenientes de tratados, porque ela prpria os inclui no seu catlogode direitos protegidos, ampliando o seu 'bloco de constitucionalidade' eatribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional, como j assentamosanteriormente. Portanto, j se exclui, desde logo, o entendimento de queos tratados de direitos humanos no aprovados pela maioria qualificadado 3 do art. 5 equivaleriam hierarquicamente lei ordinria federal,uma vez que os mesmos teriam sido aprovados apenas por maioriasimples (nos termos do art. 49, inc. I, da Constituio) e no peloquorum que lhes impe o referido pargrafo. O que se deve entender que o quorum que o 3 do art. 5 estabelece serve to-somente paraatribuir eficcia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurdicointerno, e no para atribuir-lhes a ndole e o nvel materialmenteconstitucionais que eles j tm em virtude do 2 do art. 5 daConstituio. (2009: 764).O entendimento do STF, contudo, no sentido da supralegalidade. Em 3 de dezembrode 2008, o Min. Celso de Mello, no RE 466.343-SP, onde se questionava aimpossibilidade da priso civil pela aplicao do Pacto de San Jos, modificouradicalmente sua opinio anterior (tal como expressa no despacho monocrtico do HC77.631-5/SC, publicado no DJU 158-E, de 19.08.1998, Seo I, p. 35), para aceitar esta teseacima exposta, segundo a qual os tratados de direitos humanos tm ndole e nvel denormas constitucionais no Brasil. Mas a maioria dos Ministros no acompanhou talposio (que adotamos como correta), para acompanhar o Voto-vista do Min. GilmarBrasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.305 18. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.Mendes, que alocou tais tratados de direitos humanos no nvel supralegal (abaixo daConstituio, mas acima de toda a legislao infraconstitucional).Assim, no julgamento (histrico) do dia 3 de dezembro de 2008 prevaleceu noSupremo Tribunal Federal o voto do Min. Gilmar Mendes (por cinco votos a quatro),ficando afastado (pelo menos por enquanto) o posicionamento do Min. Celso de Mello,que reconhecia valor constitucional a tais tratados. Como se percebe (e, sob esse aspecto,s temos o que comemorar), o STF no mais adota a equiparao dos tratados dedireitos humanos s leis ordinrias. Porm, ainda que os tratados de direitos humanostenham minimamente (voto do Min. Gilmar Mendes) nvel supralegal no Brasil, a novadvida que deve assaltar o jurista (notadamente o internacionalista) diz respeito aoacerto desta tese (Mazzuoli, 2009).22Alm dos fundamentos j colocados (prevalncia dos direitos humanos,concebida como norma materialmente constitucional, bem como a norma do artigo5,2 denominada de janela aberta para a prevalncia dos Direitos Humanos e para aintroduo de normas desta espcie em nosso ordenamento), Alexandre CoutinhoPagliarini explica ainda que, antes de tudo, o Brasil do constituinte de 1988 deve primarpela observncia ampla dos direitos fundamentais (artigos 1, II, III e IV; 3, IV; 5,1;6;7; 8; 9; 10; 11; 12; 13; 14; 15, dentre vrios outros mais especficos da Constituio), etambm que a emenda constitucional n 45 inconstitucional para concluir de formaperemptria que tratados internacionais de Direitos Humanos so equivalentes sBrasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.306normas constitucionais (Pagliarini, 2012: 41-42).Ante tudo quanto acima exposto, dvida no h que a melhor interpretao daCarta Magna no sentido de que as normas internacionais de direitos humanos, quetm por objeto a proteo dignidade humana, que por sua vez parte dos direitos22 Disponvel em http://www.lfg.com.br. 03 de abril de 2009. 19. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.fundamentais, tem status constitucional, sob pena de ofensa s regras de hermenuticada mxima efetividade das normas constitucionais.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.307Consideraes finaisInicialmente as espcies do gnero formas contemporneas de escravido (escravido;trfico de escravos; trabalho forado; servido por dvida; servido rural; trfico de sereshumanos) foram conceituadas a partir das normas internacionais promulgadas noordenamento jurdico brasileiro, para que se conhecesse a gravidade do assunto tratado.Em seguida foi explicitada interpretao conferida s normas pelos tribunaisinternacionais de direitos humanos que se manifestaram sobre a matria em casosconcretos.Foi ento demonstrada a opo constituinte da dignidade da pessoa humana e do valorsocial do trabalho como fundamentos da Repblica Federativa do Brasil, bem como oparmetro mnimo de dignidade humana a partir da Declarao Universal dos Direitosdo Homem, da Conveno Americana sobre Direitos Humanos (conhecida como Pactode So Jos da Costa Rica), da Declarao sobre os Objetivos e Propsitos daOrganizao Internacional do Trabalho (conhecida como Declarao da Filadlfia) e das81 (oitenta e uma) convenes internacionais da OIT assinadas pelo Brasil.Foram ento demonstrados os aspectos material e formal das normasconstitucionais, em especial, dos direitos fundamentais, para demonstrar que as normasinternacionais de direitos humanos que foram promulgadas no Brasil, j que fundadasna dignidade humana, so materialmente constitucionais, tm status constitucional.A partir destes fundamentos, pode-se concluir pela hierarquia constitucional dasnormas internacionais de direitos humanos promulgadas no Brasil, como melhorinterpretao das normas e princpios constitucionais. 20. Correa da Silva, Waldimeiry; Ges, Karine Dantas Ges e. Proteo contra as Formas Contemporneas de Escravido Uma Garantia Constitucional.Brasiliana Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2 (Nov 2013). ISSN 2245-4373.308RefernciasAndrade, Jos Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de1976. Reimpresso, Coimbra: Almedina, 1987.Barroso, Luis Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuies para a construoterica e prtica da jurisdio constitucional no Brasil. 1 reimpresso, Belo Horizonte:Frum, 2013.Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26 edio. So Paulo: Malheiros, 2011.______. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10 edio, So Paulo: Malheiros, 2011.Brasil. Ministrio da Justia. Primeiro relatrio consolida dados sobre trfico de pessoas noBrasil. 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