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DEMANDAS ESSENCIAIS À REPRODUÇÃO DO CAPITAL EM PLENO
SÉCULO XXI: O PROJETO PEDAGÓGIOCO CONSTRUÍDO PELA BURGUESIA
HEGEMÔNICA MUNDIAL E PELA CNI PARA OS QUE VIVEM DO TRABALHO
Introdução
A Educação Básica e Profissional brasileira institucionalizada pelo Estado por
meio dos sistemas públicos de ensino e pelas entidades sindicais da classe
patronal tiveram ao longo da história brasileira um caráter predominantemente
compensatório e funcionalista (CUNHA, 2000). O século XX deixou marcas
profundas no sistema educacional brasileiro, as quais ligam-se desde sua origem
no século XIX, até a expansão dos sistemas de ensino públicos sob a haste do
capitalismo, que, para atender a demanda do modelo Fordista de produção e a
manutenção o regime ditatorial brasileiro, enraizou nos sistemas escolares o
tecnicismo como uma de suas mais importantes bases pedagógicas. A educação
neste início de século, carrega ainda o peso dos silenciados, que pela repressão
de um longo período ditatorial calou a voz dos intelectuais orgânicos da classe
trabalhadora que lutaram a favor de uma educação construída pelo povo e a favor
de suas necessidades e objetivos.
O movimento de repressão da classe trabalhadora e de Revolução Passiva1
(COUTINHO, 2012) construído pelas diferentes frações da burguesia nacional e
estrangeira, marcou a construção da educação pública brasileira, deixando seu
ranço histórico nas escolas do século XXI, tempo em que é dada a decadência do
tecnicismo que não mais atende à demanda atual do capital. É tempo de
“modernizar” a educação do povo e os holofotes das diferentes frações da
1 o conceito de revolução passiva aqui utilizado tem como base os estudos de Antonio Gramsci. Sobre as palavras de Carlos Nelson Coutinho, grande estudioso do intelectual italiano, o conceito de Revolução Passiva se refere: “Ao contrário de uma revolução popular, “jacobina”, realizada a partir de baixo – e que, por isso, rompe radicalmente com a velha ordem política e social –, uma revolução passiva implica sempre a presença de dois momentos: o da “restauração” (trata-se sempre de uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical proveniente “de baixo”) e da “renovação” (no qual algumas das demandas populares são satisfeitas “pelo alto”, através de “concessões” das camadas dominantes). (COUTINHO, 2007, p. 118) (grifos meus)
burguesia nacional e estrangeira estão sobre educação brasileira, assim como
vem ocorrendo em boa parte dos países latino-americanos.
O modelo que vem sendo aplicado à educação pública brasileira segue a
linha da precariedade e subsequente privatização! Em tempos de Crise Estrutural
do Capital (MÉZAROS, 2009) e em sua busca por adaptar as bases às suas
demandas de acumulação, observamos o surgimento de um movimento delicado
para a educação pública, em que a bandeira por uma “educação de qualidade”
passou a fazer parte do discurso e da luta de boa parte das entidades burguesas
nacionais, ancoradas por sua vez em um projeto maior, vindo deste o topo da
pirâmide, no qual as burguesias hegemônicas mundiais representadas pelos
organismos multilaterais encontram o caminho para realizar suas proposições ao
mundo considerado “em desenvolvimento” (OLIVEIRA, 2005). É o tempo de
“Todos pela Educação”, em que apagam-se nos discursos o caráter de classe das
grandes corporações bancárias e da grande mídia brasileira e onde os projetos e
interesses dos de baixo e dos de cima são colocados como um só, forjando uma
relação “harmônica” que vem sendo convencionada chamar de pacto social
(FARIA;MELO, 2013).
Não é por acaso que entidades de forte representatividade do
empresariado industrial nacional, vem participando ativamente da construção das
mais recentes políticas educacionais, propondo por meio do Estado, o projeto
particular de sua classe para a Educação Básica e Profissional brasileira
(OLIVEIRA, 2003) (MELO, 2010). Da mesma forma, entidades como UNESCO ,
UNICEF, Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, através de suas
orientações para a formação da emergente demanda da força de trabalho, vão
tornando hegemônicas as Pedagogias próprias à formação do emergente perfil
flexível de trabalhador, fortalecendo no ideário social, que, através desta
adequação, as desigualdades sociais e econômicas do país seriam sanadas a
médio prazo (OLIVEIRA, 2004; 2005).
Apesar das mudanças históricas, culturais, sociais e econômicas que
ocorreram no Brasil nas últimas duas décadas, a sociedade brasileira continua a
ser dividida entre classes sociais, o capital continua, como sempre foi
historicamente, buscando construir as bases de sua reprodução, tendo na
educação a “menina de seus olhos” como importante base para sua manutenção.
É sobre este contexto que será contemplado neste artigo parte de duas
pesquisas de mestrado realizadas na Universidade Federal do Paraná (UFPR), as
quais foram construídas sobre dois recortes deste mesmo campo de análise. O
primeiro, realizado por Camila Grassi (2014) buscou analisar o atual projeto de
educação profissional construído pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o
qual envolve não apenas a modalidade de educação profissional, mas que vem
sendo construído, tomando a Educação Básica como parte da Educação
Profissional, havendo a partir desta concepção, a busca por reorganizar estes dois
níveis de ensino a favor do perfil flexível de trabalhador demandado pelo
empresariado industrial brasileiro. A parte da pesquisa aqui citada, trará o elenco
das Pedagogias elencadas como fundamentais por esta fração burguesa, assim
como a categorização das capacidades essenciais por ela selecionada para
compor o perfil de trabalhador do século XXI.
Esta pesquisa tem sua relevância, pois, as demandas produtivas do setor
industrial sempre tiveram influência predominante na orientação da lógica
produtiva dos diferentes setores da sociedade, assim como na estruturação dos
fundamentos pedagógicos da educação construída a partir do Estado.
No segundo subitem desde artigo, estará contemplado parte dos estudos
realizados por Luciani Wolf em sua pesquisa de mestrado defendida também em
2014 a qual se debruçou a analisar as Pedagogias empresarial e empreendedora,
dois importantes pilares da nova pedagogia do Capital destinada para aqueles que
vivem do trabalho.
A proposta pedagógica de Educação Básica e Profissional construída pela
burguesia industrial brasileira
A pesquisa de mestrado intitulada “O projeto de formação profissional da
Confederação Nacional da Indústria e as políticas públicas de educação
profissional: confluências entre público e privado na educação brasileira nos anos
2000” desenvolvida entre os anos de 2012 e 2014, teve como objetivo analisar o
atual projeto de educação profissional construído pela CNI, visando compreender
suas bases pedagógicas e os caminhos utilizados para sua aplicação, analisando-
o nas seguintes instâncias: 1) entidade própria da instituição - SENAI; 2) através
do Plano Nacional de Qualificação (PNQ, 2003) e; 3) através do Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC,2011).
Partindo da análise dos resultados nesta pesquisa, foi possível concluir
que havia um mesmo projeto de Educação Profissional, que, tanto estava sendo
aplicado por meio das duas políticas públicas citadas, como pelo Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (SENAI). Esta última instituição, contou ainda com
forte incremento financeiro do Estado através do decreto de lei n° 6.635 de 5 de
novembro de 2008, o qual ampliou em 66,66% o repasse de recursos destinados
ao aumento de vagas em cursos de educação profissional, iniciando tal aumento a
partir do ano de 2009 e terminando em seu valor total no ano de 2014.
A ampliação da educação profissional no Brasil ocorrida nos anos 2000,
foi fortemente impulsionada fundamentada pela Teoria do Capital Humano, que
trouxe para as pautas das políticas educacionais brasileiras o consenso de que a
educação profissional proporcionada em larga escala, incluiria um contingente
maior de trabalhadores ao mercado de trabalho e fomentaria na mesma medida o
crescimento econômico do Brasil através da formação de uma força de trabalho
“melhor qualificada” a partir das demandas da indústria.
Foi então que ampliou-se a rede de formação profissional no Brasil,
destinada a formação de um exército reserva de trabalhadores adequados ao
perfil flexível de trabalhador, lapidado por sua vez a partir das demandas
formativas objetivas e subjetivas do capital industrial.
Podemos dizer que nesta última década a CNI, em conjunto com o
Estado, colocou a formação da força de trabalho através de cursos de educação
profissional no centro das ações das políticas educacionais. Essa luta já vinha
sendo argumentada pelo empresariado desde os anos de 1990 (CNI, 1993), tendo
como base a ideia de que essa medida seria a “ferramenta” necessária ao
fortalecimento da indústria nacional:
Parte destas ferramentas são materiais (equipamentos, computadores, furadeiras, serrotes, etc.). Mas as ferramentas mais estratégicas são as intelectuais: educação e formação profissional, que constituem o chamado capital humano. Quem não o tem – e de boa qualidade – é como o operário que necessita serrar uma tábua com um velho serrote desdentado, ao invés de usar uma serra circular afiada. (CNI, 2002, p. 136)
Mas como seria essa “ferramenta”? Foi buscando responder a essa
questão que a análise da proposta pedagógica do SENAI2 foi realizada. Através
das diretrizes desenvolvidas nos anos 2000 (SENAI, 2002; 2006; 2009; 2013), foi
possível mapear em onze categorias essenciais este perfil específico de
trabalhador, sendo constatadas nesta análise, as seguintes características: 1)
Capacidade individual de empregabilidade; 2) Capacidade de empreendedorismo;
3) Desenvolvimento de habilidades e competências (básicas, específicas e de
gestão); 4) Perfil flexível de trabalhador; 5) Capacidade de Polivalência; 6)
capacidade de Pró-atividade; 7) Saber ser/Saber fazer; 8) Capacidade de
cogestão/autogerenciamento; 9) Capacidade de cooperação/participação; 10)
“Elevação” do Capital Humano; e 11) Capacidade de Aprender a Aprender.
Tal perfil elenca em sua maioria elementos dirigidos a adaptação de
capacidades subjetivas-psicológicas do ser humano. Não se referem
necessariamente a capacidades cognitivas específicas e mais elaboradas
necessárias a atividade laboral. Como afirma Rodrigues (1998, p. 138) o
empresariado industrial brasileiro desde os anos de 1990 tinha em seu norte a
adaptação dos trabalhadores a uma “tábua de valores”, que deveriam ser
repassados desde o nível de educação básica, estando estes presentes por toda a
vida, facilitando a adaptação da base ao modelo produtivo imposto.
Foi a partir deste elenco de categorias, que tornou-se possível afirmar,
assim como já nos apontava Melo (2010), que a formação proposta pela CNI, tem
2 As diretrizes pedagógicas analisadas nesta pesquisa foram: 1)“Metodologia para elaboração de perfis profissionais” (SENAI, 2002); 2) “Referenciais normativos pedagógicos, operacionais e financeiros nacionais para a articulação da educação básica do Serviço Social da Indústria (SESI) com a Educação Profissional do SENAI” (SESI/SENAI, 2006); 3) “Norteador da prática pedagógica: Metodologias SENAI para a formação profissional com base em competências” (SENAI, 2009); e 4) “Metodologia SENAI de Educação Profissional” (SENAI, 2013)
como foco não apenas a formação de caráter profissionalizante, mas sim
desenvolver sua “tábua de valores” desde o nível de Educação Básica. Afirmar
este excerto, é dizer que as categorias acima enumeradas deveriam formar desde
a mais tenra idade valores específicos a adaptação dos trabalhadores à demanda
do capital. A questão aqui colocada toma ainda mais corpo quando se observa no
documento estratégico produzido pela CNI em 1993 e em seus documentos
estratégicos mais recentes (CNI, 2002, 2005, 2007) a luta por ampliar a inserção
do projeto de educação básica e profissional da CNI às políticas públicas de
educação.
Ao primar por um projeto direcionado à formação de capacidades subjetivas
de treinamento ao invés do desenvolvimento de uma educação politécnica e de
maior aprofundamento dos conhecimentos historicamente construídos, nos
deparamos sobre um projeto de essencial desqualificação do trabalhador.
Observemos a justificativa para a construção deste então projeto de educação:
Já não é possível que um indivíduo invista um grande período de tempo na educação e na formação profissional, com a intenção de adquirir um fundo de conhecimento ou de qualificação que seja suficiente para toda a sua carreira. A educação recebida pelos jovens deve ser de base sólida, que facilite constantes aquisições e atualização de conhecimento para o resto de sua vida produtiva. (CNI, 1993, p. 10) (Itálico do original)
É, partindo de uma proposta de educação generalista que o empresariado
industrial concebe seu ideal de educação básica e profissional. Seria sobre uma
base de capacidades comportamentais, próprias a resolução de problemas
práticos necessários ao trabalho em grupo que este projeto se assenta.
[...] entre outras coisas, aprender a identificar, e superar alguns erros típicos do pensamento, aparentemente universais, como o apego ao juízo inicial sobre o fenômeno; parcialismo (tirar conclusões a partir de informação incompleta); visão estreita (ver somente o imediato sem inferir diante da nova situação); egocentrismo (concluir a partir de seus conceitos e preconceitos); arrogância (ficar com a primeira evidência que pode parecer lógica sem
seguir buscando dados); polarização (crer que está certo porque o outro tem opinião oposta). (CNI, 1993, p. 20)
Em um momento histórico em que forma-se um exército reserva de
trabalhadores ao atendimento da necessidade produtiva do capital; em que a
rotatividade destes é necessária à diminuição de custos e a construção de
vínculos empregatícios capazes de dissolver possíveis acúmulos de luta dos
trabalhadores a médio e longo prazo; e onde a luta por desmantelar as conquistas
trabalhistas legais toma força nas pautas da CNI3 e das demais frações da
burguesia nacional, fomentar que os trabalhadores a se adaptarem a este
contexto como algo natural é indispensável para manter a atual conjuntura
produtiva funcionando.
Este processo de flexibilização da produção e dos trabalhadores é
segundo Gounet (1999), organizado por uma automação flexível de acordo com a
demanda produtiva e manuseada pelo mínimo de trabalhadores possível. A
gestão deste sistema passa a ser descentralizada e realizada pelo próprio coletivo
de trabalhadores, os quais necessitam organizar-se para atender a meta
estipulada pelo empresário. Há a busca pela diminuição dos custos na produção
visando maior competitividade no mercado e a ampliação de contratos
temporários e de vínculos terceirizados, descentralizando também as
possibilidades de luta unificada entre os trabalhadores. A inovação da produção
passa a ser colocada como fator indispensável à manutenção do potencial
competitivo das empresas, assim como o Controle de Qualidade Total (CQT) dos
produtos por ela produzidos. A produção em diversidade e inovação passa a ser o
coração das empresas inseridas no contexto do século XXI, que buscam a
máxima eficiência do trabalho por meio da cooperação e participação ativa dos
trabalhadores.
É partindo deste denso contexto, que o perfil elencado como essencial
pela CNI aos trabalhadores foi construído, fundamentando-se a partir dos onze
3 Para obter a proposta integral do empresariado industrial para a flexibilização da legislação trabalhista, observar o documento “101 Propostas para a modernização da legislação trabalhista” publicado pela CNI no ano de 2012. O documento está disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/2728/20121204160144687771i.pdf>.
eixos principais aqui destacados. A “Capacidade individual de empregabilidade” e
a “Capacidade de empreendedorismo” atendem a construção de um consenso
forjado de que o desemprego é um problema individual do trabalhador, devendo
ele responsabilizar-se por sua adaptação ao contexto de incertezas posto pelo
mercado. O trabalhador segundo o projeto dos empresários industriais deve não
apenas ter a “capacidade de ser empregável” mas também de empreender
constantemente no interior da empresa para ampliar a competitividade de seus
produtos assim como em qualquer outra atividade individual empreendida por ele,
haja vista que neste cotexto de produção enxuta, o capital oferece menos vagas
de emprego, devendo o trabalhador empreender por si mesmo caso seja
necessário. Para um projeto que vislumbra construir este consenso a partir de sua
“tabua de valores” que deveria ser desenvolvida desde o nível de educação
básica, vislumbra na mesma medida canalizar a potencialidade de luta
revolucionária ao próprio capital convertendo o problema social do desemprego na
culpabilização do indivíduo por seu “próprio fracasso”. Ao primar por um
esvaziamento dos conhecimentos historicamente construídos que possibilitam
uma leitura mais ampla dos problemas sociais de nosso tempo, essas duas
capacidades são mais facilmente garantidas neste processo de formação.
Já o “Desenvolvimento de habilidades e competências (básicas,
específicas e de gestão)” que se inclui entre elas a “Capacidade de Polivalência”;
“Pró-atividade”; de “cogestão/autogerenciamento” e de “cooperação/participação”
que são em si competências e habilidades comportamentais, fazem parte da
referida “tabua de valores” tão almejada pelos empresários para os que vivem do
trabalho. Não há nada mais eficiente que um trabalhador comprometido com as
metas de lucratividade da empresa, que veste a “camisa” realizando várias
atividades ao mesmo tempo como algo natural (polivalência), ao mesmo tempo
em que se prevê os possíveis problemas que podem surgir na produção
prevenindo-os (pró-ativo). Melhor seria se, além de realizar estes dois papéis,
utilizasse metodologias de controle do trabalho coletivo, “autogerindo a produção”
por meio de métodos como o Kanban, por exemplo. Dar autonomia aos
trabalhadores para que possam controlar-se entre si a favor da meta estipulada
pelo empresário, parece o sonho de todo burguês que vê a sua frente o contexto
de ampla competição intercapitalista. Há ainda um último ponto a ser destacado:
os trabalhadores precisam participar do processo produtivo de forma a inovar a
produção continuamente. Como esta última é atualmente o coração para a
sobrevivência das empresas neste contexto histórico, os trabalhadores ao gerirem
a produção, podem também ter a “liberdade” de retirar de seu grupo aquele
companheiro que pouco participa ou que não atende ao interesse “coletivo” de
superprodução e inovação.
Há algo mais favorável à manutenção do capital em crise que este perfil
de trabalhador? Flexibilizado desde a subjetividade, para adaptar-se ao contexto
“natural” de super exploração de sua força de trabalho e de mais fácil
descartabilidade frente a uma formação generalista e de poucas bagagens para
ler-se enquanto sujeito histórico, que não somente se adapta mas que também
pode mudar a história. Sob a haste da competição entre os trabalhadores e da
exploração entre sua própria classe, à forjada cooperação e participação no
processo produtivo, abrisse o caminho para a manutenção de sua condição de
alienação4.
O trabalhador precisa “Saber ser”5 a partir deste perfil de trabalhador e
“Saber fazer” de modo flexível determinada atividade. O “Saber fazer” almejado na
proposta pedagógica do SENAI, se refere à aprendizagem de “habilidades
específicas” ao trabalho. As habilidades básicas seriam o perfil comportamental
aqui elencado, que somado com estas habilidades específicas e a de gestão
(cogestão da produção) seriam capazes de fomentar a “empregabilidade
polivalente a longo prazo” (CNI, 1993, p. 21). Esta seria desenvolvida nos cursos
4 Utilizamos aqui o conceito de alienação construído por Karl Marx em sua obra Manuscritos Econômico-filosóficos. Segundo Marx (2010, p. 80-81) a alienação do trabalhador se realiza nos campos subjetividade e da objetividade. No plano subjetivo ocorre por meio de um processo de não reconhecimento do trabalhador no produto de seu próprio trabalho, estranhado de sua atividade e de possível identificação com os demais homens de sua classe. No plano objetivo, esta alienação se efetiva na mesma medida em que o produto produzido pelo trabalhador torna-se alienado ao capitalista. Este processo constrói a pauperização espiritual e material do trabalhador em contradição com a riqueza que produz.
5 A proposta pedagógica do SENAI, fundamenta-se na obra “Educação: um tesouro a descobrir” (DELORS, 1998) da qual utiliza os conceitos “Saber ser” e “Saber fazer”. Jacques Delors, autor da obra e importante representante da UNESCO em suas proposições dirigidas à Educação, teorizou estes e outros conceitos que vêm sendo utilizados como base da proposta pedagógica do SENAI.
de “qualificação” profissional, podendo ocorrer tanto na forma de
qualificação/especialização como de “requalificação” dos trabalhadores. Apesar de
haver múltiplos cursos destinados a atender a demanda das múltiplas ocupações,
as habilidades específicas a serem formadas nestes cursos, tem o papel de
formar o trabalhador “flexível”, adaptável ao desempenho de diferentes funções ao
mesmo tempo. A rotatividade que estará presente na vida destes trabalhadores,
demanda segundo o projeto do empresariado, uma formação generalista, que
torne o trabalhador treinado a adaptação em diferentes empresas, não sendo
necessário para isso o aprofundamento de conhecimentos mais elaborados.
O trabalhador, na necessidade de conhecer sobre algo, já estaria após
este processo de formação, treinado a “Aprender a aprender”, para assim resolver
os problemas cotidianos que por ventura aparecerem no mundo produtivo. O
conhecimento toma aqui um papel fundamentalmente ligado à resolução de
problemas práticos e não direcionado a compreensão mais aprofundada dos
fenômenos que o geram. O trabalhador, nesta perspectiva, deve ser um nato
resolvedor de problemas, com um limite claro que lhe fará não compreender nem
resolver o problema que existe na exploração de sua própria classe, fator que o
limita objetivamente ao usufruto e desenvolvimento de suas multiplas
potencialidades humanas.
Em boa parte dos textos em que a CNI se propõe a ampliar seu projeto de
educação profissional dirigida a formação do trabalhador flexível, esta aparece
sempre relacionada a formação desenvolvida desde o nível de Educação Básica.
Porém, na atual conjuntura brasileira, não há políticas públicas dirigidas à
Educação Básica que possam fornecer elementos concretos sobre a aplicação
deste perfil à educação pública brasileira. Porém, sabe-se a partir dos estudos de
Rodrigues (1998) e Melo (2010) que a luta do empresariado industrial para aplicar
seu projeto particular de formação à Educação Básica e profissional brasileira vem
se fortalecendo nesta última década.
O que se pode pontuar com as análises realizadas até o presente, é que
as categorias fundamentais presentes no projeto de educação profissional da CNI,
foram em parte aplicadas ao Plano Nacional de Qualificação construído no ano de
2003, e se expandiram amplamente da proposta pedagógica do Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) que teve seu
início no ano de 2012. (PNQ, 2003) (BRASIL, 2012) (CBE/CNE, 2008)
Para os que vivem do trabalho e pertencem a uma condição de
precariedade material e de possibilidades limitadas de acesso ao desenvolvimento
intelectual e humano, o acesso a cursos de Educação Profissional são uma das
possibilidades de esperança para o alcance de uma nova possibilidade de acesso
a tais bens por meio da renda do trabalho e do acesso a níveis mais elevados de
ensino. Porém, quando observamos a proposta trazida a estes trabalhadores
como forma de manutenção da ordem produtiva em crise, direcionada a
construção de um exército reserva de trabalhadores com formação generalista e
própria a fortalecer o processo de autoexploração de sua classe, vê-se a frente um
limite ainda maior para a superação da condição de alienação vivida pela classe
trabalhadora.
Como nos afirma Kuenzer (1989), “a hegemonia vem da fábrica” e a esta
hegemonia é preciso que os educadores estejam atentos para compreendê-la e se
for necessário promover a resistência necessária para que possamos construir
para nossa classe, um projeto pedagógico verdadeiramente fortalecedor do poder
popular, promotor de possibilidades reais de desenvolvimento e realização das
múltiplas potencialidades humanas, fortalecendo assim a construção de uma nova
possibilidade histórica que seja de fato emancipadora para aqueles que vivem do
trabalho.
A pedagogia empresarial e empreendedora como guarda-chuvas do projeto
burguês de educação brasileira
Esse subitem reporta-se a um exame crítico das chamadas “Pedagogia
empresarial” e “Pedagogia empreendedora”, representantes de uma teoria
educativa conservadora, privatista e adaptacionista, que vem ganhando destaque
nos currículos das escolas públicas e privadas. O argumento apresentado pelos
autores destas correntes aparece como receitas práticas para a solução dos
problemas da educação e do mundo do trabalho. Ambas possuem em comum a
defesa, direta ou indireta, do ideário neoliberal de responsabilização individual
pelas questões sociais e o fazem seguindo a receita do senso comum, sem,
portanto, uma discussão teórica e consistente da realidade social ou do mercado
de trabalho.
Aqui são enfatizadas as ideias centrais das pedagogias empresarial e
empreendedora, a partir da análise de livros e artigos de autores que defendem
essas ideias e, assim, busca-se trazer à tona as contradições inerentes às
mesmas no confronto com a realidade social, com a qual relacionam-se as teorias
críticas em educação, visando a transformação social e, ao mesmo tempo, uma
formação emancipatória.
O título da seção, “A pedagogia empresarial e empreendedora como
guarda-chuvas do projeto burguês de educação brasileira” é uma provocação para
o debate sobre determinadas correntes que se denominam como empresarial e
empreendedora. A simbologia impressa no título tem algumas razões de ser: estas
pedagogias buscam estar em consonância com os requisitos de formação ditados
pelo capital, preocupadas, quiçá, com o resguardo de uma pedagogia que não
apresenta um cabedal teórico consistente, ficando na melhor das hipóteses, no
nível do senso comum, ou, então, reproduzindo argumentos pseudocientíficos,
com os quais procura seduzir seus leitores.
Em geral esta gama de textos aparece como receituário prático para a
resolução de problemas ou prescrições de como e o que fazer. Neste sentido
aproximam-se muitas vezes do que já é fortemente conhecido como literatura de
“auto-ajuda”, com caráter pedagógico. Apesar disso não é possível menosprezar o
alcance das ideias vinculadas pelas pedagogias empresarial e empreendedora,
afinal de contas, é cada vez mais palpável a sua presença na formação dos
indivíduos.
Outra característica marcante deste campo é a capitulação total e irrestrita
ao ideário burguês, tanto no que se refere à organização das empresas quanto à
concepção de formação humana para a sociedade atual. Em ambos os casos, ou
seja, na pedagogia empresarial e na pedagogia empreendedora, o que ocorre é
um processo ideológico de naturalização das relações sociais e, no interior destas,
das relações produtivas inerentes ao capitalismo. Não existe nos autores
estudados uma faísca de crítica ao processo de alienação, de precarização do
trabalho, de exploração, enfim, processos que são típicos do capitalismo. Ao
contrário, o esforço parece ser o de convencer os leitores de que o cenário das
empresas e do mercado de trabalho é um dado natural e, por isso, a única atitude
correta é adaptar-se da melhor maneira possível, seja dentro da empresa, seja na
luta por uma vaga no mercado de trabalho, ou ainda, na consecução do próprio
negócio.
Apesar de terem este conjunto de semelhanças de fundo, existem claras
diferenças quanto aos conteúdos de cada uma das propostas. A pedagogia
empresarial, numa discussão corporativista, visa abrir um campo de atuação para
os pedagogos nas empresas, desconhecendo, ou fazendo invisível em suas
propostas, que o funcionamento do mercado se regula por princípios de
maximização dos lucros e minimização de custos, sendo a abertura de postos nas
empresas dependente destes princípios.
A pedagogia empreendedora, por sua vez, tem um alcance ideológico mais
amplo, ao reforçar a tese tão difundida pelo neoliberalismo, de responsabilização
individual. O que está em jogo neste caso, é uma concepção de sociabilidade, de
relações humanas e do que é o ser social, que elimine a crítica e a
responsabilização do sistema capitalista, em si gerador das mazelas sociais a que
estão submetidos os indivíduos.
A seguir são explicitadas as principais ideias dessas pedagogias, tendo
como referência a totalidade das relações em que esta discussão se encontra.
Faz-se urgente que a Pedagogia supere tendências como as acima enunciadas,
para firmar-se como ciência da educação, e para isso é necessário a crítica
radical, que aqui está sumariamente esboçada.
Preocupada com a formação de uma mão-de-obra produtiva para o capital,
a pedagogia vai encontrar acolhimento no interior de empresas, indústrias e
demais organizações e, no contexto contemporâneo, procura acompanhar
incessantemente a constante evolução do mundo do trabalho, colocando-se,
enquanto “empresarial”, como pedagogia do capital.
Dentro da ótica marxista o trabalho é a categoria fundamental. O ser
humano é o único que vive entre duas esferas: o mundo natural e o artificial, do
qual ele próprio é o construtor. Vejamos a definição que Marx (2012, p.211)
ricamente emprega para o termo:
Antes de tudo o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica ao mesmo tempo, sua própria natureza.
O trabalho é para Marx uma atividade essencialmente humana, que
distingue o homem dos outros animais e o define como ser histórico, social e
cultural, que realiza suas atividades orientado por sua consciência, ou seja, o ato
de pensar forma nele uma unidade com a ação, e a objetivação derivada da práxis
forma o mundo humano, que é, por sua vez, unidade e diversidade, continuidade e
descontinuidade com a natureza.
No contexto atual, marcado pela forma alienada do trabalho, ou seja, a
forma social em que o trabalho se transforma em meio de vida para o trabalhador
e meio de extrair mais-valia para o capital buscam-se profissionais com
competências como a polivalência e iniciativa, que sejam empreendedores,
atuantes e atualizados, priorizando uma formação de cunho prático e versátil.
Então entra em cena pedagogias como a empresarial e a empreendedora.
Em virtude disso, para os defensores da pedagogia empresarial, esta se
apresenta como um elo entre o desenvolvimento pessoal e as estratégias
organizacionais. A título de exemplo, extraímos a citação a seguir, em que Lopes
(2008, p.32) explica a pedagogia empresarial como:
Um ramo da pedagogia que se ocupa em delinear frentes para que ocorra o desenvolvimento dos profissionais, como um diferencial entre as empresas. Ela procura favorecer uma aprendizagem significativa e o aperfeiçoamento do capital intelectual (produto da Pedagogia Empresarial) para o desenvolvimento de novas competências que atendam ao mercado de trabalho. Isso tudo aliado às competências dos profissionais da área administrativa e psicológica.
Segundo Ribeiro (2010) a pedagogia dentro da empresa constitui-se em
uma recente área de atuação pedagógica, especialmente no Brasil. Esta surge da
necessidade de formar/preparar mão de obra para atuação nas empresas, ou
seja, como demanda interna e externa por melhor desempenho pessoal e
profissional. Também é interessante notar que os aspectos mencionados por
essas pedagogias, são abordados de forma fragmentada, como se o ser humano
fosse formado por aspectos justapostos, além de se apregoar um discurso
ideológico sobre uma educação que parece dar conta da formação integral do ser
humano.
Duarte (2008), que vem criticando há décadas as pedagogias do “aprender
a aprender”, afirma não discordar que a educação deve desenvolver no indivíduo
“[...] a autonomia intelectual, a liberdade de pensamento e de expressão, a
capacidade de iniciativa, de buscar por si só novos conhecimentos.” O que o autor
evidencia em seus estudos é que as pedagogias do “aprender a aprender”
estabelecem uma hierarquia valorativa, em que o aprender por conta própria
consiste em um aprendizado mais elevado, desvalorizando o ensino e o papel do
professor, bem como dos conteúdos clássicos historicamente acumulados. Sobre
o papel dos educadores, nesta realidade apregoada pelos autores que defendem
a pedagogia do “aprender a aprender” o autor destaca que:
Aos educadores caberia conhecer a realidade social não para fazer a crítica a essa realidade e construir uma educação comprometida com as lutas por uma transformação social radical, mas sim para saber melhor quais competências a realidade social está exigindo dos indivíduos. (DUARTE, 2008, p. 12)
Parece evidente que é este o objetivo das pedagogias empresarial e
empreendedora, ou seja, de que os conhecimentos adquiridos sejam úteis para a
construção, nos casos específicos, das competências mais eficientes para a
melhoria da produtividade. Trata-se, portanto, de uma corrente pragmática, que
não consegue esconder seu objetivo maior: colaborar com a acumulação
capitalista a partir da formação de um sujeito trabalhador mais eficiente e, logo,
produtivo.
Ainda de acordo com mesmo autor, na perspectiva das pedagogias do
“aprender a aprender”, ou ainda, do que denominamos nesse artigo de
pedagogias para o século XXI, nas quais incluem-se as pedagogias empresarial e
empreendedora, preparar os indivíduos para acompanhar as mudanças que
acontecem rapidamente, nessa sociedade dinâmica, significa dotá-los de
capacidade para atualizarem-se, já que os conhecimentos nesse ideário são tidos
como provisórios e assim passíveis de superação a qualquer momento. Desta
forma, desfaz-se o véu dos conhecimentos científicos frente aos conhecimentos
cotidianos da produção, e estes últimos passam a ser mais importantes, ao
mesmo tempo em que a teoria recua frente ao avanço do pragmatismo da
formação para a produtividade.
Entretanto, no entendimento de Duarte (2008) quando uma ilusão como a
que aqui foi anunciada assume importância na reprodução ideológica, deve
merecer atenção por parte daqueles que buscam a superação desta sociedade, a
fim de compreender o papel que uma ilusão desempenha, já que isso ajudará na
criação de formas de intervenção organizada.
Especificamente sobre a pedagogia empreendedora, cabe mencionar que o
conceito de empreendedorismo ganha fôlego no país na década de 90,
primeiramente na empresa e, posteriormente, transportado para todas as áreas da
atividade humana e aqui nos ateremos à educação. De acordo com Dolabela
(1999) precursor dessa pedagogia no Brasil, todos nascem com a capacidade de
empreender, entretanto, cabe à educação o desenvolvimento desse perfil nos
alunos, já que não se trata de uma característica genética, mas adquirida. Por
isso, o autor argumenta que o empreendedorismo é de fundamental importância
para a formação dos alunos em qualquer nível de escolaridade e, portanto,
deveria fazer parte de todos os currículos, da Educação Infantil ao Ensino Médio,
pois prepara o aluno para a realidade do mercado, seja qual for a área por este
escolhida.
A proposta da pedagogia empreendedora baseia-se nos quatro pilares da
educação preconizados no relatório organizado para UNESCO por Jacques
Delors, quais sejam: o “aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a conviver
e aprender a fazer” e agora com Dolabela “aprender a sonhar”.
O termo empreender tem origem francesa (entrepeneur) e é usado para
designar um sujeito inovador, que assume incertezas, portanto, na visão dos
autores do empreendedorismo, sobretudo, dos que discorrem sobre educação
empreendedora, trata-se do indivíduo que quer se desenvolver. Além disso, a
ideia que assume certa centralidade é que os indivíduos possuem potencial e são
capazes de modificar sua situação, desvinculando essa ideia de qualquer aspecto
social, histórico ou político.
O empreendedorismo que se encontra em voga no âmbito educacional
atual, em todos os níveis de escolaridade, implica em realizar um projeto, da
concepção à concreção deste, e, portanto, o sujeito empreendedor deve
apresentar determinadas habilidades e competências para criar e gerir um projeto
próprio gerando resultados positivos.
Diante do exposto, nota-se que, ser empreendedor é quase uma ordem
para manter-se com sucesso no mercado. Aqui mais uma vez, percebe-se como o
próprio indivíduo é responsabilizado pela sua inserção no mercado, sem
considerar nada além da própria busca individual para manter-se empregável ou
ter capacidade para dar conta do seu futuro.
O discurso ainda consiste em que se a educação empreendedora não
acontecer de fato, grandes parcelas da população poderão ser excluídas do
processo de geração de rendas, bem como de usufruir das riquezas geradas e
conquistadas. A preocupação, afirmam os autores, é com o aumento da
capacidade de gerar capital social e humano. Cielo (2006) ainda destaca que os
indivíduos podem aprender a ser empreendedores, já que aprendem a ser
empregados.
A metodologia visa atingir crianças e adolescentes de toda a educação
básica, através da “Teoria Empreendedora dos Sonhos”. O que é desencadeado
nos indivíduos através da conscientização de que cada um tem direito de sonhar
e, portanto, a capacidade de buscar a realização deste sonho. Entretanto, para
isso o aluno necessita buscar o conhecimento que seja capaz de instrumentá-lo
para atingir sua finalidade. Nesse sentido, entra em cena a “pedagogia do
aprender a aprender” que compõe o eixo do auto-aprendizado e nesses moldes
descaracteriza a função propriamente escolar, que tem como ponto de partida a
transmissão de conhecimentos científicos historicamente elaborados.
Para Dolabela (1999) o empreendedorismo deveria fazer parte de todos os
currículos, como um processo de formação de atitudes e características e não
como uma forma de transmissão de conhecimentos, pois prepara o aluno para a
realidade e não importa qual será a profissão que este vai seguir. Para tal,
Dolabela (1999, p. 41) diz que:
[...] temos agora a obrigação de educar nossas crianças e jovens dentro de valores como autonomia, independência, capacidade de gerar o próprio emprego, de inovar e gerar riqueza, capacidade de assumir riscos e crescer em ambientes instáveis, porque, diante das condições reais do ambiente, são esses os valores sociais capazes de conduzir países ao desenvolvimento.
Em consonância com essas ideias - das quais busca-se trazer à tona suas
contradições, na preocupação de cooperar para a superação do que tal discurso
ideológico tenta impetrar nos indivíduos – todas as forças sociais devem contribuir
para a efetivação de um ambiente empreendedor, e a escola não deve ficar alheia
a isso, embora represente apenas um desses segmentos. Deve agir em
colaboração com o meio econômico e empresarial, preparando pessoas para agir
e pensar por conta própria, para inovar e ocupar o seu lugar no mercado de
maneira emotiva e prazerosa. Segundo os postulados dos defensores do
empreendedorismo, a cultura empreendedora será a grande revolução do século
XXI, o que é corroborado por Dolabela (1999, p.200-201):
É o início de uma revolução o ensino de empreendedorismo. Fazer com que todo o curso, do primário à pós-graduação, exista sempre um conteúdo sobre a iniciativa, a independência, a criatividade, o conhecimento do mercado e de suas necessidades. Mudar a visão dos cursos. (...). Estudantes de todos os cursos precisam saber empreender e não se ater aos conhecimentos específicos de sua área. A capacidade de criar algo só se aprende na ação e quando se tem um perfil para isso.
O empreendedorismo transforma-se, assim, na inusitada revolução social
que deverá ocorrer no século XXI, comparável aos efeitos da revolução industrial
ocorrida no século passado. Essa transformação que surgiu há vinte anos nos
Estados Unidos, visando estimular a criação de empresas de sucesso, bem como,
procurando diminuir os riscos inerentes aos processos de inovação, agora
aparece como a panaceia que poderá mudar o cenário social.
Assim é que os autores embasados nessa pedagogia propõem uma nova
metodologia de aula, onde o “aprender a aprender” esteja sempre presente, como
condição essencial de garantia de aquisição de um perfil empreendedor por parte
dos alunos, o que é reportado na maioria das obras que tratam do tema.
Contrapondo-se ao marxismo e à proposta de uma nova sociedade onde
haja socialização dos meios de produção e de todas as outras formas de posse,
como, por exemplo, de uma educação que realmente proporcione o acesso ao
conhecimento elaborado, pressupostos em que nos fundamentamos e
compartilhamos, é importante, nos atentarmos para algumas afirmações, que
tecem os defensores da ideologia liberal burguesa. Drucker (2005) na tentativa de
menosprezar a luta legítima de construção outra forma de sociabilidade que não
esteja pautada nos ditames do capital afirma que “revolução” é uma ilusão, um
mito, portanto, desacreditada e difusa do século XIX, e continua, com o argumento
que teorias, valores e todos os artifícios de mentes e mãos humanas envelhecem
e se rigidificam, tornando-se obsoletos, tornando-se “angústias”.
Diante de tal exposição, pode-se ainda concluir que a revolução esperada
ou mesmo prevista por aqueles que querem apenas a reprodução desse sistema,
atrelada ao modo capitalista de produção, nada tem a ver com o advento de outra
organização social, ou seja, é a negação de que seja possível uma sociabilidade
cooperativa e não competitiva, uma sociabilidade em que todos possam se
responsabilizar por todos, e não em que cada um deve ser responsável por si,
numa corrida darwinista por um lugar ao sol no mercado de trabalho.
A nosso juízo, essas pedagogias tem como base uma leitura que abstrai a
realidade e que submete a Pedagogia aos ditames do processo de acumulação do
capital, leitura que, no caso específico, não alude à realidade do mercado de
trabalho e da impossibilidade de que, sob o capitalismo, todos possam ser
beneficiados por este, ou, em outras palavras, esconde o fato de que é da
“natureza” da lógica do capital a exclusão de milhões de trabalhadores.
Mas, em geral, o que implica a crítica a estas duas correntes específicas
que se autodenominam “pedagogias”? Em primeiro, há um elemento específico,
que é o fato de que, ambas, estão localizadas no universo do mundo do trabalho,
e, portanto, suas “criações” se relacionam com este campo da realidade. A
necessidade da crítica, neste caso, é pela tentativa de desmascarar uma
concepção do trabalho sob o capitalismo que prescinde da análise do real; que,
em seu lugar, cria um mundo à parte, sem a necessidade de referenciar as suas
ideias defrontando-as com a realidade do trabalho sob o capitalismo, caso
fizessem isso, seria impossível manter de pé o edifício frágil de suas produções.
Portanto, uma questão específica é combater as pedagogias que, ao se
aproximarem do mundo do trabalho produzem explicações ideológicas e
distorcidas do real, e, com isso, auxiliando na reprodução deste real.
Duas questões de ordem geral impulsionam a crítica aqui realizada. A
primeira é a crítica às pedagogias privatizantes, ou seja, aquelas que produzem no
sentido de submeter o campo pedagógico, e a educação em geral, ao projeto do
capital. Ao fazerem isso submetem todo o projeto educativo à logica do capital, e,
com isso, não fazem mais que reforçar uma formação alienada e subserviente.
Não existe possibilidade de transformação para estas pedagogias, e a educação
não é mais que adaptação à realidade.
A segunda questão é que tais ideais, por serem apresentadas de forma
cativante, o que é próprio dos discursos de auto-ajuda, têm conquistado corações
e mentes de pedagogos e educadores em geral, além de ocupar espaços desde a
Educação Infantil até a Pós Graduação. Desta forma, trata-se de uma crítica ao
campo destas pedagogias, que pelas características assinaladas ao longo do
texto, tendem a reduzir o campo pedagógico ao pragmatismo do mercado, e a
formação a mero adestramento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises expressas neste artigo foram construídas com o objetivo de
fomentar reflexões a cerca de determinados consensos hegemônicos
disseminados sobre a Educação brasileira neste início de século os quais tem em
seu pano de fundo a necessidade do Capital em promover por meio da educação
e de pedagogias específicas seu projeto de formação direcionado à manutenção
de sua condição de poder frente às classes populares.
Compreender a profundidade de determinados discursos que visam
apresentar a Educação como o mais potente “remédio” para resolver os
problemas sociais e econômicos que o capitalismo impôs aos países de economia
dependente, é fundamental para que, ao invés de reproduzirmos tais discursos e
práticas pedagógicas, que possamos propor um projeto de educação em
perspectiva integral, estruturado a partir das necessidades históricas e de
emancipação humana da classe trabalhadora.
A crítica aos fundamentos do atual perfil de trabalhador flexível deve vir
acompanhada de uma proposição segura daquilo que queremos para a Educação
Popular brasileira e para o conjunto dos países latino-americanos que também
sofrem a influência deste mesmo projeto de educação. É preciso que, a partir de
uma análise profunda, se possa dizer não ao projeto de mais ampla precarização
da formação humana que vem se expandindo a partir dos projetos de educação
básica em profissional burguês, o qual vem aos poucos tomando forma nos
discursos e nas práticas dos educadores brasileiros.
O contexto de crise estrutural do Capital (MÉZSÁROS, 2002) vem
fomentando apoio do conjunto das frações burguesas nacionais e estrangeiras
para sua superação, fortalecendo na mesma medida o discurso de pacto-social.
Esta aliança vem se apresentando de forma a apagar a conjuntura da sociedade
dividida entre classes sociais, não havendo porém, um projeto único de educação
que atenda, na mesma medida, aos interesses e objetivos destas distintas
classes. Que como educadores, estejamos “todos pela educação”! Mas não por
uma educação pautada no projeto burguês de reprodução de nossa condição
subordinada de exploração, mas sim por um projeto pensado a partir das bases
populares, dirigido à construção de uma sociedade sem classes sociais, sem
muros, sem pobrezas materiais e espirituais sob as quais estamos imersos.
Compreender as pedagogias emergentes neste início de século é um dos
caminhos para a construção desta resistência.
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