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A POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS PROCESSOS COLETIVOS POR MEIO DO AMICUS CURIAE E A OMISSÃO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI N.º 13.105/2015) 1. INTRODUÇÃO “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” abre Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago. Tal reflexão, transportada de sua liricidade para o atual momento histórico, não poderia ser mais precisa para defini-lo. Sua concretude se demonstra quando voltamos os olhos à figura do amicus curiae. Figura constante nas ações de controle concentrado de constitucionalidade, revela-se também como importante instrumento de participação popular no processo e de democratização das teses apresentadas à julgamento. Sua recente inserção no artigo 138 do Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/2015), demonstra uma possibilidade de utilização mais constante e significativa do instituto, entretanto, ao mesmo tempo, devido a um apego tradicionalista, pode esvaziar-se de significado. Assim, em um primeiro momento analisa-se a suposta crise de legitimidade que passa o Judiciário que acaba obrigando sua abertura para a necessária participação popular, ampliando o debate acerca das decisões por ele tomadas. Neste sentido, o amicus curiae emerge como um destes

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A POSSIBILIDADE DE PARTICIPAO POPULAR NOS PROCESSOS COLETIVOS POR MEIO DO AMICUS CURIAE E A OMISSO DO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI N. 13.105/2015)

1. INTRODUOSe podes olhar, v. Se podes ver, repara. abre Ensaio Sobre a Cegueira de Jos Saramago. Tal reflexo, transportada de sua liricidade para o atual momento histrico, no poderia ser mais precisa para defini-lo. Sua concretude se demonstra quando voltamos os olhos figura do amicus curiae.Figura constante nas aes de controle concentrado de constitucionalidade, revela-se tambm como importante instrumento de participao popular no processo e de democratizao das teses apresentadas julgamento.Sua recente insero no artigo 138 do Novo Cdigo de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), demonstra uma possibilidade de utilizao mais constante e significativa do instituto, entretanto, ao mesmo tempo, devido a um apego tradicionalista, pode esvaziar-se de significado.Assim, em um primeiro momento analisa-se a suposta crise de legitimidade que passa o Judicirio que acaba obrigando sua abertura para a necessria participao popular, ampliando o debate acerca das decises por ele tomadas. Neste sentido, o amicus curiae emerge como um destes institutos que possibilitam uma abertura sociedade civil organizada.Em um segundo momento, afirma-se que mais do mero instrumento processual, o amicus curiae se revela tanto como um fiscal da lei como um instrumento de participao popular dentro das Cortes, buscando torna-las um espao privilegiado de debates.Nesse sentido, em um terceiro momento feita a anlise do amicus curiae em sua expresso mais significativa: nas aes de controle concentrado de constitucionalidades. A importncia de sua participao parece adequada tambm aos processos coletivos que acabam por envolver diversas esferas no processo.Por fim, ante a sano do Novo Cdigo de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), busca-se uma breve anlise da insero do instituto em um dispositivo especfico e das possibilidades ou impossibilidades que sua positivao pode trazer ao sistema.

2. SUPOSTA CRISE DO JUDICIRIO E A NECESSIDADE DE PARTICIPAO POPULARFala-se que o Judicirio brasileiro supostamente estaria em crise, tanto que foram realizadas inmeras reformas legislativas na tentativa de supera-la. Tal crise pode ser identificada, em primeiro lugar, por uma crise de eficincia, caracterizada pelo descompasso entre a procura e a oferta das prestaes jurisdicionais. H um o ritmo de entrada dos processos muito maior do que os julgamentos realizados, ademais, a tutela prestada tida como ineficiente. (1)Em segundo lugar, o Judicirio passa por uma crise de identidade caracterizada pela dificuldade dos magistrados em abandonar concepes tradicionalistas e ultrapassadas, apegando-se a um individualismo exacerbado, com uma dificuldade na interpretao dos novos diplomas ou mesmo dos antigos sob uma nova perspectiva.[footnoteRef:1] [1: A suposta crise do Judicirio questionada por FONSECA, Juliana Pond. Problemas Estruturais do Judicirio Brasileiro. Curitiba, 2011. Dissertao (Mestrado), Universidade Federal do Paran.]

Some-se a este quadro a emergncia de uma suposta crise de legitimidade. (2) Isso porque, a Constituio de 1988 demanda do Estado um papel ativo na concretizao dos direitos fundamentais, e tal imposio tambm opera em relao s Cortes que devem, em sua atuao, buscar concretizar ao mximo os valores constitucionais.Ademais, o aumento na complexidade das demandas que chegam ao Judicirio e demandam uma deciso. Os magistrados so conhecedores das normas jurdicas, mas h questes postas em debate que necessitam de conhecimentos diversos e especficos, ainda mais quando consideramos os diversos envolvidos na demanda e a prpria abertura do quadro de intrpretes da Constituio. Trata-se, sobretudo da influncia do pensamento de Peter Haberle que defende uma ampliao do debate sobre uma deciso a todos os atingidos por seus efeitos: quando uma corte constitucional interpreta a Constituio, deve levar em conta os argumentos de qualquer pessoa interessada no resultado, garantindo que seja possvel sua manifestao antes da deciso final. (3)Para alm da discusso acerca da politizao da justia,[footnoteRef:2] trata-se de levar em conta tambm a importncia da pluralidade na construo dos precedentes jurisdicionais. Isso porque, o que os tribunais decidem vincula procedimentalmente contedo de decises futuras, sendo fundamental para manter a coerncia do sistema a partir da identificao, entre as diversas normas jurdicas extraveis do texto legal aquela que esta de acordo com os valores da sociedade e do estado. (4) Uma prvia oitiva da sociedade civil organizada e do prprio estado em suas diversas rbitas de interesse ajuda a fixar da melhor maneira possvel o contedo do prprio precedente jurisdicionais. [2: Especificamente no que tange ao tema do fortalecimento do papel poltico do Supremo Tribunal federal, um texto que analisa pormenorizadamente o tema justamente o texto de VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Rev. Direito GV. v.4, n.2.]

Dessa maneira, a difuso de opinies diversas transforma o Judicirio em uma arena de debate privilegiado; embora a maioria no seja necessariamente vencedora, os diversos grupos envolvidos no debate tornam plural o acesso manifestao. O amicus curiae, justamente, representa um mecanismo apto a concretizar este ideal de transformar o processo em uma via de manifestao pblica. (5)Nesse sentido, afirma-se que o amicus curiae responde ao proposito de permitir que terceiros, alheios a um determinado processo, possam nele intervir quando discutidas questes de relevncia social, visando ampliar o debate acerca da matria, de modo que sua deve ser a mais variada possvel. (6)

3. A FIGURA DO AMICUS CURIAEO amicus curiae mostra-se como um instituto envolto por certo grau de incerteza: sua origem indefinida, vez que se afirma que pode ter surgido tanto no direito romano quanto no direito ingls, passando a ter aplicao tambm no direito norte-americano. Tambm, seu enquadramento como categoria processual dentro do ordenamento jurdico brasileiro vaga, trata-se de um terceiro enigmtico.[footnoteRef:3] [3: Trata-se de expresso utilizada por Cassio Scarpinella Bueno em sua obra BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro Enigmtico. 3. ed. rev. atual. So Paulo: Saraiva, 2012.]

quase unnime o enquadramento do amicus curiae como terceiro, uma vez que no se confunde com a parte no processo. Assim, seria classificada como uma espcie de interveno de terceiro. Neste sentido cumpre ressaltar que o sistema processual prev expressamente hipteses de interveno de terceiro sem ressalvas, todavia, condicionando-as a presena de um interesse jurdico. (7)Aqui constata-se ntida diferena entre a configurao do amicus curiae no direito norte-americano e a configurao adotada no direito brasileiro, pois naquele ordenamento jurdico a figura do amigo da corte admitida sempre que comprovada a sua capacidade de defender adequadamente os interesses coletivos, no se exigindo, assim, configurao da pertinncia temtica.Mormente, no Brasil, o interesse que motiva a interveno do amicus curiae em juzo um interesse jurdico. Entretanto, no se trata do mesmo interesse jurdico que motiva as outras formas de interveno de terceiros, no sentido de no ser subjetivado, e sim institucional. Assim, no se confunde com o interesse individual das partes devendo ser socialmente relevante e decorrendo a sua juridicidade da ordem jurdica como um todo. Trata-se de um legtimo interesse institucional. (8)Em regra, a partir da anlise da legislao ptria que versa sobre este instituto, o amicus curiae atua atravs de trs tipos de interveno. A primeira delas atravs da prpria provocao do juzo, retirando-lhe em alguma medida seu carter de interveno espontnea.[footnoteRef:4] [4: Cassio Scarpinella Bueno afirma que a principal diferena entre as audincias pblicas e o amicus curiae justamente no fato do amicus curiae ser uma interveno espontnea, ao passo que a audincia pblica necessariamente deve ser provocada pelo juzo ou pelas partes. Sobre isso ver: BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae e audincias pblicas na jurisdio constitucional Reflexes de um processualista civil. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais RBEC,n. 24. Belo Horizonte, Frum, out./dez. 2012.]

A segunda hiptese ocorre em decorrncia de seu poder de polcia que se referem, principalmente, a atuao da Comisso de Valores Mobilirios (CVM) e do Conselho Administrativo de Defesa Econmica (CADE)Para a defesa da ordem econmica, a lei atribuiu ao CADE a possibilidade de intervir em processos judiciais que envolvam a aplicao de qualquer dispositivo da Lei 8.884 de 1994; inclusive contm um capitulo inteiro destinado a regulamentao da interveno judicial. A procuradoria do CADE poder apresentar pareceres tcnicos, estudos, relatrios sobre as infraes. Ressalte-se, entretanto, que a qualidade de assistente lhe atribuda por lei que no estritamente correta sob o ponto de vista tcnico, vez que o CADE exerce uma atividade fiscalizatria e no assume a qualidade de terceiro tal como concebida pelo Cdigo de Processo Civil. (9)No caso da CVM, verifica-se obrigatria sua intimao para todas as questes que envolvam sua competncia, entretanto a interveno propriamente realizada pelo rgo no obrigatria. Em ambos os casos, tais intervenes acabam assumindo a funo de auxilio ao exerccio do poder jurisdicional, sem o condo de possibilitar uma participao democrtica na formao do convencimento do juzo, uma vez que tanto a CVM quanto o CADE exercem funes prpria do poder de policia. (10)Em terceiro lugar, h as hipteses nas quais a legislao permite a interveno voluntria do amicus curiae em decorrncia de um direito prprio manifestao, em especial em questes voltadas ao controle de constitucionalidade, a uniformizao da jurisprudncia ou de repercusso geral. Neste sentido, o amicus curiae previsto expressamente na lei que regula o procedimento das aes de controle concentrado de constitucionalidade, Lei n. 9.868 de 1999 a atuao mais conhecida deste instituto que se revela, tambm, em grande medida, como o meio que melhor reflete a ideia de abertura pluralidade social.Alm disso, h entendimentos no sentido de que o amicus curiae acaba por exercer um papel perito em menor escala, como um mecanismo para levar ao magistrado elementos para proferir uma deciso. Tambm, apresenta-se com uma funo muito parecida com a exercida pelo Ministrio Pblico, como fiscal da lei. (11)Neste caso, trata-se de um fiscal da lei e no o fiscal da lei, que acabaria por refletir as pluralidades presentes em uma sociedade complexa com diversos interesses muitas vezes colidentes entre si.Fato que, o fundamental perceber o amicus curiae como um adequado representante destes interesses que existem na sociedade e no Estado, que por alguma razo esto fora do processo, mas acabam sendo afetados pela deciso tomada dentro dele. Assim, o que identifica as atuaes tanto do custus legis quanto a do amicus curiae a possibilidade de contribuir para a elucidao das questes tcnicas, aumentando a discusso sobre temas complexos e, com isto, ampliando o exerccio democrtico da jurisdio. Afinal, a funo mais importante do amicus curiae e, inclusive, a razo de sua prpria denominao, justamente possibilitar a participao dos jurisdicionados especialmente da sociedade civil organizada, na interpretao, integrao e aplicao judiciais do direito. (12)

4. ATUAO NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADEA partir da ideia de que o amicus curiae atua como um instituto que abre espao para uma maior participao popular nas decises tomadas pelos tribunais, importante analisar sua repercusso justamente no mbito do controle concentrado de constitucionalidade, que sua expresso mais forte.Sua participao incrementaria as chances de sucesso processual. Em primeiro lugar, sua participao teria um carter influencivel, j que mostraria a Corte a quantidade de grupos e indivduos que seriam potencialmente afetados pela deciso. Em segundo lugar, trata-se de uma interveno que serviria objetivamente ao processo, uma vez que proporcionaria aos julgadores informaes alm daquelas apresentadas pelas partes. (13)O diploma legal que regula a admissibilidade do amicus curiae no mbito do controle de constitucionalidade a Lei n. 9.868 de 1999 que em seu artigo 7 traz os critrios de relevncia da matria e representatividade dos postulantes. Assim, para que seja possvel sua admissibilidade no feito, deve haver o interesse institucional na causa ou a possibilidade de sofrerem efeitos sociais, econmicos ou polticos da deciso. Nos casos de repercusso geral a Corte j estaria reconhecendo como relevante a matria posta em debate, atendendo, assim, ao requisito da relevncia da matria. (14)Sobre a representatividade da instituio, em primeiro lugar importante deixar claro que no se exige que seja uma representatividade nacional, todos os arrolados no art. 103 da Constituio Federal podem de manifestar como amicus curiae, justamente pela necessidade de sua admissibilidade ser a mais permevel possvel sendo que a doutrina brasileira em geral tende a defender um alto nvel de tolerncia com a admissibilidade. (15)Trata-se, sobretudo, do interesse institucional na causa, e justamente em funo disso, tem condies de contribuir para o debate da matria. Ressalte-se que indispensvel que o interessado, no momento de requerer sua interveno, demonstre que contribuir objetivamente com o debate processual, bem como com a importncia de sua participao. (16)Ocorre que, analisando algumas decises, verifica-se que no se considera com representatividade a instituio com hierarquia inferior a alguma que represente a mesma classe e cuja participao j tiver sido deferida. (17) Trata-se de um filtro para evitar que o ingresso seja feito no por grupos ou entidades, e sim por particulares que buscam intervir no processo, seja para contribuir com elementos teis ao processo, seja para defender interesses particulares.No tocante ao pedido de interveno de entidades, o parmetro mais utilizado a pertinncia temtica entre o tema posto em debate e os objetivos institucionais dos grupos ou entidades candidatos a participao no processo. (18)

5. A CONTRIBUIO DO AMICUS CURIAE EM SUA PARTICIPAO NO PROCESSO COLETIVOSabe-se que o processo coletivo foi a tentativa da cincia processual civil de acompanhar as transformaes da vida social, (19) face nova ordem estabelecida pela Constituio federal de 1988 e uma tutela voltada eminentemente proteo e efetivao dos direitos fundamentais. Reconheceu-se a insuficincia das tcnicas tradicionais, pautadas em uma racionalidade eminentemente individual, para oferecer uma tutela adequada a esta nova realidade. Inclusive, tal constatao demanda a necessidade de uma mudana no prprio conceito de jurisdio. Assim, o modelo processual coletivo surge como decorrncia de uma revoluo paradigmtica[footnoteRef:5] (20) que reconhece essa necessidade de readequao do sistema processual. [5: A Ideia de paradigma (e quebra de paradigma) no mbito das cincias est relacionada ao pensamento de Thomas S. Kuhn em sua obra A Estrutura das Revolues Cientficas.]

Para alm da tutela de direitos tradicionalmente classificados como transindividuais e coletivos, o sistema processual coletivo busca tambm a tutela de diretos de minorias e outros sujeitos que dificilmente teriam sucesso em conseguir afastar os obstculos do acesso justia para poderem se apresentar pessoalmente em juzo para defender seus direitos. (21) Isso consagrado com o advento do Cdigo de Defesa do Consumidor em 1990, trazendo a figura dos direitos individuais homogneos e fechando o quadro do que se chama de microssistema de processos coletivos do Brasil.Assim, precisa a afirmao de que as aes coletivas trabalham com interesses relevantes defendidos por ambos os polos da relao processual. Diante disso, o juiz sempre colocado em uma posio em que deve interferir a respeito de um dos interesses a fim de beneficiar o outro. Ademais, sob um olhar poltico, as aes coletivas so imprescindveis para prpria conformao do Estado Democrtico de Direito, vez que, no apenas so a via mais efetiva de acesso justia, como tambm so um canal para a participao social na legitimao das atividades desempenhadas pelos poderes constitudos. (22)Portanto, exige-se do magistrado que, ao tomar uma deciso, tenha a devida ateno tanto aos princpios constitucionais quanto uma sensibilidade a realidade social. Nesse sentido, a possibilidade de abertura de um canal de comunicao com a sociedade civil organizada auxiliaria na melhor percepo da realidade social a partir de diferentes teses e pontos de vista trazidos ao processo. Verifica-se, portanto, uma absoluta similaridade com o papel que o amicus curiae desempenha no controle concentrado de constitucionalidade. importante deixar claro que h uma grande diferena entre o sistema de controle de constitucionalidade. Especificamente no que tange o principal instrumento do sistema de processo coletivo que a ao civil pblica, ressalta-se que ela busca regular relaes jurdicas de direito difuso, coletivo ou individual homogneo, em contraposio as aes de controle de constitucionalidade que por finalidade, direta e especificamente, atacar ou defender uma regra jurdica no plano abstrato. Assim, possvel dizer que a ao coletiva destinada a atuar na realidade concreta, ao passo que a ao de inconstitucionalidade visa lidar com o universo e o plano jurdico. Na ao coletiva no se visa uma declarao de inconstitucionalidade, mas, se for o caso, seu reconhecimento, de maneira incidental, fazendo com que o judicirio simplesmente deixe de aplicar a regra tida como inconstitucional sendo isto um meio para que se atinja sua real finalidade que a tutela do direito subjetivo. (23)Entretanto, a atuao mais direta no mundo dos fatos do processo coletivo no retira a necessidade de uma abertura democrtica em seu bojo, especialmente porque h uma carga de aspiraes democrticas, que demandam que seu procedimento reflita uma forma mais aberta de participao social. (24)Assim, a atuao do amicus curiae no processo coletivo, teria o escopo, sobretudo de contribuir na ampliao do debate e, justamente por se tratar de conflitos policntricos, permitir que, se no a totalidade, a maioria dos afetados possa participar do processo.

6. AS (IM)POSSIBILIDADES ASSINALADAS PELO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI N. 13.105/2015) O Novo Cdigo de Processo Civil sancionado em 16 de maro de 2015 teve origem no Projeto de Lei PLS n 166 de 2010 e estava cercado de expectativas por grande af de parte da doutrina processualista. H algum tempo vinha-se levantando a insuficincia do antigo Cdigo de Processo Civil, Lei 5.869/1973, as inmeras reformas por ele sofridas que alteraram diversos dispositivos, especialmente no tocante possibilidade de antecipao de tutela e a execuo/cumprimento de sentena instituindo-se o cumprimento de sentena. Tais alteraes supostamente teria transformado o Cdigo em algo que estaria longe de ser um sistema coeso. (25)Assim, o novo Cdigo viria para dar coeso ao sistema processual, buscando solucionar dois grandes problemas: a coerncia das decises, com forte influncia da questo dos precedentes e uma maior celeridade no julgamento dos processos, a suposta crise do Judicirio brasileiro.Ocorre que, analisando o texto final do Novo Cdigo sancionado se verifica um enorme progresso ou mudanas expressivas; pelo contrrio, trazendo retrocessos, especialmente no que tange ao processo coletivo. Trata-se, sobretudo, da constatao de como as legislaes, de fato, so um reflexo da cultura jurdica em que esto inseridos, (26) e a mera reforma de dispositivos legais no suficiente para alterar uma maneira arraigada de resoluo de conflitos.No que tange especificamente ao amicus curiae, havia certa expectativa em torno de sua insero no PLS n 166de 2010, o que foi concretizado, com sua insero no nico artigo 138, em um Captulo especfico. As hipteses de sua participao esto relacionadas om a relevncia da matria, especificidade do tema objeto da demanda ou a repercusso social da controvrsia; a representatividade adequada continua requisito essencial. (27)A regulamentao do instituto poderia ter sido mais progressista e aberta para admitir uma maior participao popular, especialmente reputa-se extremamente problemtica a previso no pargrafo segundo do artigo 183 que afirma que caber ao relator ou juiz, na deciso que solicitar ou admitir a interveno, definir os poderes doamicus curiae.Assim, uma interveno que, em tese, deve se pautar pela espontaneidade (28) acaba, em grande medida, subordinada ao entendimento do magistrado sobre sua relevncia na causa em questo; inclusive, seus poderes no processo tambm estaro condicionados.No obstante, fato que j se demonstra uma conquista com a mera insero positivada do instituto em um diploma legal geral, medida que abre-se a possibilidade da ampliao de seu uso para alm das aes do controle concentrado de constitucionalidade. Espera-se, porm, que o magistrado tenha uma postura mais aberta e progressista para a admisso do amicus curiae, para que de fato, a definio sua definio mais bsica, como amigo da corte, seja mais congruente e prxima da realidade.

7. CONCLUSES1. Fala-se em uma suposta crise do Judicirio brasileiro; tal crise seria tanto de eficincia, devido ao descompasso entre a quantidade de processos e os julgamentos satisfatoriamente realizados, quanto de identidade, com a dificuldade de superao de conceitos tradicionais do processo. Ademais, h ainda uma suposta crise de legitimidade das decises proferidas pelo Judicirio que muitas vezes ultrapassa os envolvidos no processo.2. Soma-se isso tentativa de abertura cada vez maior ao quadro de intrpretes do ordenamento jurdico, que busca ampliar o debate da Corte com a sociedade civil organizada. Neste contexto, o amicus curiae emerge como um instituto apto a contribuir nesta democratizao.3. Mais que um mero amigo da corte, o amicus curiae uma figura muito mais complexa, com diversas funes. um terceiro ao processo que atua objetivamente na proteo do ordenamento jurdico. Tanto ao exercer poder de polcia em sua atuao nos processos do CADE e da CVM, quanto ao ser equiparado a um custus legis.4. Neste sentido, o que justifica sua interveno no um mero interesse pessoal, e sim um interesse institucional.5. Ao voltar os olhos para sua atuao mais expressiva, no controle concentrado de constitucionalidade, possvel perceber que a legislao que disciplina sua interveno estabelece os critrios de relevncia da matria e representatividade dos postulantes. 6. Nos casos de repercusso geral a Corte j estaria reconhecendo como relevante a matria posta em debate, atendendo, assim, ao requisito da relevncia da matria. Sobre a representatividade da instituio, h a necessidade de sua admissibilidade ser a mais permevel.7. Sabe-se que os processos coletivos envolvem conflitos complexos, policntricos, sendo que, no raro, muitos que no participam do processo acabam sofrendo os efeitos da deciso proferida. Neste sentido, o amicus curiae se mostra fundamental, semelhante sua atuao no controle concentrado de constitucionalidade8. Havia muita expectativa com a possibilidade da previso deste instituto no Projeto do Novo Cdigo de Processo Civil (PLS n 166 de 2010), sinalizando uma maior abertura sociedade civil organizada no processo. Entretanto, o texto sancionado, Lei n. 13.105/2015, demonstra o contrrio.9. Concentra-se grande poder a respeito da admisso ou no do amicus curiae nas mos do juiz ou relator do processo, o que, princpio retira muito de seu carter espontneo e democrtico. Resta a questo se os juzes tero uma postura mais aberta em relao a este instituto e suas possibilidades.

NOTAS DE REFERNCIA:(1) FARIA, Jos Eduardo. O poder judicirio no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Serie Monografias do Cej, v. 3, p. 1-88, 1996, p. 13.(2) DEL PR, Carlos Gustavo Rodrigues. O princpio do mximo rendimento: amicus curiae e audincias pblicas. Revista de Processo, vol. 224, So Paulo, Revista dos Tribunais, p. 73-91, out, 2013, p. 77.(3) HBERLE, Peter. Hermenutica constitucional - A sociedade aberta dos intrpretes da constituio: contribuio para a interpretao pluralista e "procedimental" da constituio. Porto Alegre: Editora Srgio Antnio Fabris, 1997, p. 24.(4) MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ Enquanto Corte de Precedentes: Recompreenso do Sistema Processual da Corte Suprema. 2. ed. rev. atual. amp. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.(5) SILVA, Eduardo Silva da. BRONSTRUP, Felipe Bauer. O Requisito da Representatividade no Amicus Curiae. Revista de Processo, vol. 207, So Paulo, Revista dos Tribunais, p. 153-196, mai, 2012, p. 173(6) SILVA, E. S. BRONSTRUP, F. B (2012, p. 155)(7) CAMBI, Eduardo; DAMASCENO, Kleber Ricardo. Amicus Curiae e o Processo Coletivo: Uma proposta democrtica. Revista de Processo, volume 192, So Paulo, Revista dos Tribunais, p.,13-46, fev. 2011, p. 20.(8) BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae: uma homenagem Athos Gusmo Carneiro. Texto indito. Disponvel em: , p. 2.(9) CAMBI, E. DAMASCENO, K. R. (2011, p. 17)(10) CAMBI, E. DAMASCENO, K. R. (2011, p. 17).(11) BUENO, C. S. (Texto indito, p. 4)(12) CAMBI, E. DAMASCENO, K. R. (2011, p. 23).(13) SILVA, E. S. da, BRONSTRUP, F. B. (2012, p. 161).(14) SILVA, E. S. da, BRONSTRUP, F. B. (2012, p. 177).(15) SILVA, E. S. da, BRONSTRUP, F. B. (2012, p. 180).(16) SILVA, E. S. da, BRONSTRUP, F. B. (2012, p. 179).(17) SILVA, E. S. da, BRONSTRUP, F. B. (2012, p. 187).(18) SILVA, E. S. da, BRONSTRUP, F. B. (2012, p. 191).(19) VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 33.(20) VENTURI, E. (2007, p. 33). (21) VENTURI, E. (2007, p. 121)(22) VENTURI, E. (2007, p. 131)(23) ARENHART, Srgio Cruz. Perfis da tutela inibitria coletiva. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003 p. 175(24) CAMBI, E. DAMASCENO, K.R. (2011, p. 37)(25) LAMY, Eduardo de Avelar. A importncia do Novo CPC para o desenvolvimento do Processo Civil. Revista de Processo, vol. 226, So Paulo, revista dos Tribunais, p. 387-398, dez, 2013, p. 386-388.(26) CHASE, Oscar G. Direito, cultura e ritual: Sistemas de Resoluo de conflitos no contexto da cultura comparada. So Paulo: Marcial Pons, 2014. p.21(27) Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevncia da matria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercusso social da controvrsia, poder, por deciso irrecorrvel, de ofcio ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participao de pessoa natural ou jurdica, rgo ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimao. 1oA interveno de que trata ocaputno implica alterao de competncia nem autoriza a interposio de recursos, ressalvadas a oposio de embargos de declarao e a hiptese do 3o. 2oCaber ao juiz ou ao relator, na deciso que solicitar ou admitir a interveno, definir os poderes doamicus curiae. 3oOamicus curiaepode recorrer da deciso que julgar o incidente de resoluo de demandas repetitivas.(28) BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae e audincias pblicas na jurisdio constitucional Reflexes de um processualista civil. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais RBEC,n. 24. Belo Horizonte, Frum, out./dez. 2012. P. 11 (verso digital)

REFERNCIAS BIBLIOGRFICASARENHART, Srgio Cruz. Perfis da tutela inibitria coletiva. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003 p. 175BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae e audincias pblicas na jurisdio constitucional Reflexes de um processualista civil. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais RBEC,n. 24. Belo Horizonte, Frum, out./dez. 2012.BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro Enigmtico. 3. ed. rev. atual. So Paulo: Saraiva, BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiea: uma homenagem Athos Gusmo Carneiro. Texto indito. Disponvel em: , p. 2.CAMBI, Eduardo; DAMASCENO, Kleber Ricardo. Amicus Curiae e o Processo Coletivo: Uma proposta democrtica. Revista de Processo, volume 192, So Paulo, Revista dos Tribunais, p.,13-46, fev. 2011, p. 20.CHASE, Oscar G. Direito, cultura e ritual: Sistemas de Resoluo de conflitos no contexto da cultura comparada. So Paulo: Marcial Pons, 2014. p.21DEL PR, Carlos Gustavo Rodrigues. O princpio do mximo rendimento: amicus curiae e audincias pblicas. Revista de Processo, vol. 224, So Paulo, Revista dos Tribunais, p. 73-91, out, 2013, p. 77.FARIA, Jos Eduardo. O poder judicirio no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Serie Monografias do Cej, v. 3, p. 1-88, 1996, p. 13.FONSECA, Juliana Pond. Problemas Estruturais do Judicirio Brasileiro. Curitiba, 2011 . Dissertao (Mestrado), Universidade Federal do Paran.HBERLE, Peter. Hermenutica constitucional - A sociedade aberta dos intrpretes da constituio: contribuio para a interpretao pluralista e "procedimental" da constituio. Porto Alegre: Editora Srgio Antnio Fabris, 1997, p. 24.LAMY, Eduardo de Avelar. A importncia do Novo CPC para o desenvolvimento do Processo Civil. Revista de Processo, vol. 226, So Paulo, revista dos Tribunais, p. 387-398, dez, 2013, p. 386-388.MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ Enquanto Corte de Precedentes: Recompreenso do Sistema Processual da Corte Suprema. 2. ed. rev. atual. amp. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.SILVA, Eduardo Silva da. BRONSTRUP, Felipe Bauer. O Requisito da Representatividade no Amicus Curiae. Revista de Processo, vol. 207, So Paulo, Revista dos Tribunais, p. 153-196, mai, 2012, p. 173VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 33.VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Rev. Direito GV. v.4, n.2.