Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

43
O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado Romeu Porto Daros* Resumo: O estudo do ensino das línguas estrangeiras dentro do contexto educacional, social e político de cada período da história brasileira, verificando-se as transformações pelas quais passou e sua contribuição na formação cultural das gerações é um bom ponto de partida para a análise e compreensão da sua situação no contexto do ensino e aprendizagem atual. O presente trabalho pretende analisar o ensino de línguas estrangeiras durante o segundo reinado do Império brasileiro, partindo da fundação do colégio Dom Pedro II, em 1837, até o fim do império, em 1889. Considerando a importância desse período, que antecede a proclamação da república, serão destacados os principais marcos de sua evolução, o papel e o peso de cada língua estrangeira e os elementos constitutivos das abordagens metodológicas utilizadas, com atenção ao uso da tradução. Palavras-chave: Ensino; língua estrangeira; tradução; abordagem. Sommario: L’insegnamento delle língue straniere nel contesto educativo, sociale e político di ogni periodo della storia brasiliana, facendosi la verifica delle trasformazioni che ha sofferto e del suo contributo alla formazione culturale delle generazioni è un buon punto di *Mestrando do curso de Pós Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (PGET/UFSC). [email protected]

Transcript of Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Page 1: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado

Romeu Porto Daros*

Resumo: O estudo do ensino das línguas estrangeiras dentro do contexto

educacional, social e político de cada período da história brasileira, verificando-

se as transformações pelas quais passou e sua contribuição na formação

cultural das gerações é um bom ponto de partida para a análise e

compreensão da sua situação no contexto do ensino e aprendizagem atual. O

presente trabalho pretende analisar o ensino de línguas estrangeiras durante o

segundo reinado do Império brasileiro, partindo da fundação do colégio Dom

Pedro II, em 1837, até o fim do império, em 1889. Considerando a importância

desse período, que antecede a proclamação da república, serão destacados os

principais marcos de sua evolução, o papel e o peso de cada língua estrangeira

e os elementos constitutivos das abordagens metodológicas utilizadas, com

atenção ao uso da tradução.

Palavras-chave: Ensino; língua estrangeira; tradução; abordagem.

Sommario: L’insegnamento delle língue straniere nel contesto educativo,

sociale e político di ogni periodo della storia brasiliana, facendosi la verifica

delle trasformazioni che ha sofferto e del suo contributo alla formazione

culturale delle generazioni è un buon punto di partenza per l’analisi e

comprensione della sua situazione nel contesto di insegnamento e di

apprendimento di oggi. Questo studio si propone di esaminare l’insegnamento

delle língue straniere nel secondo regno dell’Impero brasiliano partendo dalla

fondazione del collegio Dom Pedro II nel 1837, fino alla fine dell’impero, nel

1889. Considerata l'importanza di questo periodo, che precede la

proclamazione della repubblica, saranno evidenziati i principali episodi della sua

evoluzione, il ruolo e il peso di ogni lingua straniera e gli elementi costitutivi di

approcci metodologici, con particolare attenzione all'uso della traduzione.

Parole chiave: Insegnamento; lingua straniera; traduzione; approccio.

*Mestrando do curso de Pós Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (PGET/UFSC). [email protected]

Page 2: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Introdução

O Brasil europeu nasceu sob o marco da tradução. Os primeiros

oriundos do velho continente, ao aportarem nas novas terras da América,

tiveram que, imediatamente após a descida em solo, exercitarem sua

competência tradutória. Primeiramente tentando compreender signos através

de gestos, olhares, sinais e, mesmo mímica. Buscando posteriormente,

dominar as regras e léxico da língua do povo com o qual iniciavam uma

relação. A carta de Pero Vaz De Caminha a El-Rei Dom Manuel I, em 1500,

assim descreve a situação comunicativa no encontro dos portugueses com os

habitantes do Brasil:

O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata (CASTRO, 1998, P. 21).

O empenho de fazer tradução neste primeiro contato foi motivado pela

necessidade de se relacionar com um povo do qual nada conheciam. Não

havia saber prévio dos seus costumes, da sua forma de organização social e

política, da sua história, da sua cultura e da língua falada por eles. Pode-se

dizer que a tradução aqui exercitada foi uma espécie de tradução pura e

imediata, pois, não foi mediada e nem orientada, seja do ponto de vista dos

europeus, seja pelo ponto de vista dos nativos, por nenhuma outra ciência. Não

foi mediada pela antropologia, pela filosofia, pela linguística e, nem mesmo, por

relações interculturais. Deu-se apenas pela necessidade de comunicação e

exercitada de forma oral.

Sobre este aspecto, Wyler (2003), coloca:

Em termos documentais a tradução oral teve início com o achamento do Brasil. A tradução escrita, por sua vez, fez sua primeira aparição em 1549, com a vinda dos jesuítas, praticamente limitada, durante séculos, aos universos escolar e burocrático – e para línguas-alvos diferentes do português (p. 29).

Page 3: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

A necessidade de comunicação em situação tão adversa estabeleceu,

pode-se assim dizer, o primeiro método de estudo de línguas da história

brasileira; “os línguas”. De acordo com a Carta de Pero Vaz de Caminha, um

mancebo degradado de nome Afonso Ribeiro foi mandado “para ficar lá” junto

aos índios e “saber de seu viver e maneira” (CASTRO, 1998, p. 22). Para Wyler

(2003, p. 34) “os línguas ou intérpretes” funcionavam como mediadores para

que a comunicação efetivamente ocorresse entre os europeus e os habitantes

nativos.

Após este primeiro momento, o estudo de línguas, seu ensino e uso da

tradução no contexto educativo e comunicativo, começaram a sofrer

sistematizações. Dentre os vários períodos do ensino de línguas estrangeiras

no Brasil, um será objeto de maior detalhamento neste artigo: o período em

que o Brasil foi governado por Dom Pedro II, o imperador erudito, partindo-se

da fundação do colégio Dom Pedro II, em 1837. O segundo reinado,

propriamente dito, inicia em 1840 e encerra com a proclamação da república

em 1889.

Qual a importância do ensino de Línguas Estrangeiras (LE) durante o

segundo reinado? Qual o seu espaço no ensino formal, e, em particular, na

escola pública de segundo grau? Com qual objetivo era ensinado? E qual era a

abordagem metodológica predominante no período? Essas são as questões

principais pelas quais o artigo pretende navegar, buscando as informações em

textos atuais e históricos.

Page 4: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

1 O Contexto

1.1 Europa

O século XIX irrompeu na Europa marcado pelos abalos gerados pela

Revolução Francesa e pelo novo papel social da burguesia. Entre 1789 e 1815,

a cultura da Europa foi transformada por revoluções e guerras, colocando em

crise as bases econômicas, sociais e culturais do século XVIII. Quirico

Filopanti, no primeiro volume de sua obra Storia di un secolo, dal 1789 ai giorni

nostri, assim demarca a importância da revolução francesa para o mundo:

La rivoluzione Francese, per confessione di amici e di nemici, ha cangiato, in qualche guisa, la faccia dell'Europa. Ripeto la domanda già da me fatta: l'ha mutata in meglio od in peggio? Senza dubbio in meglio dal lato materiale. Imperciocchè l'abolizione della servitù della gleba, dei maggioraschi1, della mano morta2, e dei più odiosi balzelli; la diffusione dell'istruzione mediante le scuole elementari e la libertà della stampa; (p. 47 V.1)3

No meio da disputa entre a França Napoleônica, com seus ideais

iluministas, e a Inglaterra, em expansão industrial, aliada à Áustria, Prússia e

Rússia, potências absolutistas e, portanto, contrárias aos ideais da Revolução

Francesa, o príncipe regente de Portugal, Dom João VI, mudou a corte

portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, elevando a categoria da colônia a

reino.

Para Sodré, em seu Panorama do segundo Império, a fuga de D. João

VI foi o “momento culminante da migração Lusitana” (p. 36) para o Brasil e

“Agora, não são mais os necessitados, de toda a espécie e de todos os graus

1 Instituto de direito feudal pelo qual, a fim de manter intacto um ativo, este era retirado da sucessão ereditária normal e transmitido a um só parente do sexo masculino, o mais próximo, e, em caso de igual categoria, ao de idade maior. (ALDO, Gabrielli. Dizionario della Lingua Italiana. Editore: HOEPLI. Disponível em http://dizionari.hoepli.it/Dizionario_Italiano. Acesso em 30 ago 2011). 2 Condição legal que impedia servos de transmitirem seus bens a herdeiros por testamento. Condição legal de inalienabilidade de bens (como os que pertencem a entidades como hospitais, instituições religiosas etc.). (iDicionário Aulete. Disponível em http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital. Acesso em 30 ago 2011).3 A Revolução Francesa, nas palavras de simpatizantes e antagonistas, mudou de alguma forma, a face da Europa. Repito a pergunta que eu já tinha feito: ela mudou para melhor ou para pior? Sem dúvida, mudou para melhor a vida material. Pelo fato que promoveu a abolição da servidão, reverteu com o direito de primogenitura, extinguio o direito de benz de mão-morta, e os tributos mais ofensivos, estimulou à difusão da educação através do ensino fundamental e à liberdade de imprensa; (tradução nossa)

Page 5: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

que acorrem ao Brasil. É a sua nobreza. É a sua corte. É o seu rei”. (p. 36) e

descreve que à época “Portugal estava parado e assistia ao desenvolvimento

europeu ainda estratificado em formas econômicas as mais primitivas”. (p.34).

A Europa, na primeira metade do século XIX, atingiu níveis de

desenvolvimento significativos. Hobsbawm (2010) em seu livro A Era das

Revoluções acentua que:

A ciência nunca fora tão vitoriosa; o conhecimento nunca fora tão difundido. Mais de quatro mil jornais informavam os cidadãos do mundo, e o número de livros publicados anualmente na Grã-Bretanha, França, Alemanha e Estados Unidos chegava à casa das centenas de milhares. A inventiva humana dava, a cada ano, voos cada vez mais ousados. (p. 466)

A Revolução Industrial, que proporcionou à humanidade a máquina a

vapor, revolucionou os transportes. Em 1845, quarenta e oito milhões de

passageiros utilizaram as ferrovias no Reino Unido e o navio a vapor ligava a

Europa com a América e com as índias, via serviços regulares. (HOBSBAWM,

2010, p. 466-467)

O desenvolvimento industrial europeu consolidou o capitalismo e fez

emergir suas contradições e antagonismos de classe. O liberalismo, derivado

do racionalismo iluminista, originou uma sociedade baseada na exploração do

trabalho assalariado. No plano econômico, fundamentado na liberdade de

produção e de comércio e, no plano político, na liberdade individual e de

pensamento com a formação de governos constitucionais. No campo filosófico

crescia a influência do positivismo de Augusto Comte, que postulava a

separação entre religião e Estado, a universalização do ensino primário e maior

proteção aos operários.

Hobsbawm expõe que “O mundo da década de 1840 era completamente

dominado pelas potências europeias, política e economicamente, às quais se

somavam os Estados Unidos”. (2010, p. 473) e destaca que:

[...] dentro deste domínio ocidental, a Grã-Bretanha era a maior potência, graças a seu maior número de canhoneiras, comércio e bíblias. A supremacia britânica era tão absoluta que mal necessitava de um controle político para funcionar. Não restavam quaisquer outras potências coloniais, exceto com a conivência britânica, e consequentemente não havia rivais. (2010, p. 473)

Page 6: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Em 1848 a Europa era um caldeirão de revoluções onde se enfrentavam

as nobrezas absolutistas e as burguesias liberais. No meio desta disputa

nasceu uma nova filosofia de postulações socialistas e anticapitalistas, cujas

ideias foram publicadas, em 1848, no Manifesto Comunista de Marx e Engels.

Sobre o "espectro do comunismo" que aterrorizava a Europa neste período

Hobsbawm registra:

[...] a revolução que eclodiu nos primeiros meses de 1848 não foi uma revolução social simplesmente no sentido de que envolveu e mobilizou todas as classes. Foi, no sentido literal, o insurgimento dos trabalhadores pobres nas cidades - especialmente nas capitais - da Europa Ocidental e Central. Foi unicamente a sua força que fez cair os antigos regimes desde Palermo até as fronteiras da Rússia. Quando a poeira se assentou sobre suas ruínas, os trabalhadores - na França, de fato, trabalhadores socialistas - eram vistos de pé sobre elas, exigindo não só pão e emprego, mas também uma nova sociedade e um novo Estado. (2010, p. 477-478)

Entre 1815 e 1871, a Europa foi palco de um grande número de conflitos

e guerras de independência, com as populações incorporando o ideal

nacionalista (SCHNEEBERGER, 2006, p. 237). A ascensão de Napoleão III na

França, em 1848, ajudou na unificação da Itália - Napoleão III lutou contra o

Império Austríaco. Mesmo com a derrota militar da maioria das revoluções

liberais, muitos Estados europeus tornaram-se monarquias constitucionais e,

em 1871, Alemanha e Itália concluíram a unificação e se tornaram nações. O

Império Britânico emergiu como o primeiro poder global (SOUZA, 1979, p. 293-

294).

O desenvolvimento da economia capitalista chegou a um novo patamar,

onde a produção de bens de capital superou a de bens de consumo, fazendo

surgir o capitalismo monopolista no lugar do liberal. O capital fixo superou o

capital móvel e os trustes, cartéis e holdings se impuseram ante a livre

concorrência. O excesso de capitais criou a necessidade de novos mercados

consumidores e fez crescer a demanda por matérias-primas. Esses fatores,

somados à necessidade de áreas onde verter os excedentes populacionais dos

países europeus, levaram à busca de novos territórios, dando início à fase

imperialista do capitalismo (SCHNEEBERGER, 2006, p. 257).

Page 7: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Na segunda metade do século XIX, Inglaterra, França e Alemanha, as

grandes potências industriais, competiam entre si na formação de grandes

impérios econômicos e na influência sobre os países dos outros continentes.

Para Alencar (1996):

Os países industrializados, já na fase do capitalismo monopolista, se expandiram agora não apenas exportando mercadorias, mas através de investimentos de capitais nos países periféricos. Além de empréstimos que concediam habitualmente aos governos desses países, passaram a atuar diretamente no setor financeiro, abrindo bancos, participando da criação de serviços de infraestrutura – ferrovias, companhias de navegação, etc. (p. 163)

E quanto à inserção do Brasil neste contexto expõe que “Através da

exportação do café, a economia brasileira reintegrou-se ao mercado mundial”

(p. 163).

1.2 O Segundo Reinado no Brasil

O Segundo Reinado é o período em que o Brasil foi governado por D.

Pedro II, de 1840 a 1889. Iniciou-se com a declaração de maioridade de Dom

Pedro II, em 23 de julho de 1840, quando o jovem imperador tinha apenas

quinze anos incompletos de idade. A antecipação da maioridade de Dom Pedro

foi arquitetada pelos liberais, em oposição aos conservadores que dominaram

o cenário político nacional durante o período regencial, iniciado com a

abdicação de Dom Pedro I em 1831. Mas, tanto liberais como conservadores

representavam os proprietários rurais.

No entanto, essa linha divisória e imaginária, traçada pelo historiador político, nem sempre reflete a coerência das posições que assumiram as duas forças partidárias do Império, pois em face do poder que cobiçavam, a bandeira dos princípios era não raro deposta para prevalecerem os interesses áulicos, as conveniências de ocasião, as abdicações, as acomodações (BONAVIDES,1994. p. 492).

O autoritarismo dos conservadores gerou várias revoltas no Brasil

durante o período regencial. Já o reinado de Dom Pedro II foi um período de

relativa estabilidade. A última revolta interna enfrentada foi a Revolução

Praieira, em 1847. Entre os principais fatores desta estabilidade estavam a

habilidade política de Dom Pedro II para moderar as disputas entre liberais e

Page 8: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

conservadores, e a economia, impulsionada pela ascensão do café. Surgiram,

então, os Barões do Café, a elite que dominou o cenário político e econômico

nacional durante o segundo reinado. Nelson Werneck Sodré, no seu livro a

Síntese de História da Cultura Brasileira (1978) diz que:

Ao iniciar-se a segunda metade do século XIX, a economia brasileira havia superado a longa crise que a golpeava desde o declínio da mineração. A lavoura do café expandira-se no vale do Paraíba, nas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A produção crescera em ritmo acelerado, passando das 100 000 sacas de 1820 ao milhão de sacas de 1840, aos dois milhões de 1860 (p. 44-45).

A consagração do café como grande produto agrícola nacional, dada a

grande demanda no mercado europeu, foi inicialmente sustentada pelo uso da

mão de obra escrava e, posteriormente, a imigrante. A diminuição do fluxo de

escravos a partir de 1850, com a consequente substituição da mão de obra

escrava pela assalariada, fez surgir um mercado consumidor, e a

industrialização começou a apresentar um considerável crescimento,

especialmente com o investimento nas atividades industriais no setor têxtil. A

criação de ferrovias também faz parte deste contexto, possibilitando a

circulação de mercadorias para exportação. (TEIXEIRA, 1979, p. 218-220)

O surto industrial e cafeeiro impulsionou o crescimento urbano de

cidades como São Paulo e Rio de Janeiro (ALENCAR, 1996, p. 182).

O fim do regime de escravidão com a assinatura da Lei Áurea, em 1888,

foi antecedido por alguns fatos importantes, entre os quais, a pressão

internacional, especialmente inglesa, que em 1845, através da Lei Bill

Aberdeen, proibiu o comércio de escravos entre a África e a América; a

assinatura, no Brasil, da Lei Eusébio de Queiróz, em 1850, que proibia o tráfico

de escravos no país; o término da Guerra do Paraguai, em 1870, onde milhares

de negros lutaram na defesa do Brasil; e, medidas restricionistas como a Lei do

Ventre Livre, em 1871 e a Lei do Sexagenário, em 1885 (TEIXEIRA, 1979, p.

212-213).

Mas a questão central foi a incompatibilidade do modelo capitalista

industrial, vigorante na Europa, com o regime do escravismo, pois este inibia o

surgimento de um mercado consumidor de massas no Brasil. Assim, a

Page 9: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Inglaterra passou a pressionar o governo brasileiro pelo fim da escravidão,

visando mercado para seus produtos industrializados. Sobre este aspecto,

Alencar (p. 169), diz:

[...] o que levou a Inglaterra a combater pela abolição da escravatura foi a necessidade de ampliar os mercados consumidores para seus produtos industrializados. À burguesia interessava a implantação de relações capitalistas em escala mundial, desde que sua hegemonia fosse garantida. (p.169)

A vinda dos imigrantes europeus fez crescer o trabalho assalariado no

Brasil e consequentemente o mercado para bens industrializados. Aos ex-

escravos não foi oportunizada esta condição, acarretando a não integração da

maioria dos negros à sociedade brasileira.

A perda de apoio junto à elite cafeeira, motivado pelo fim da escravidão,

fragilizou o império e impulsionou as ideias liberais e o movimento republicano

no Brasil. O antagonismo conservadores-liberais acabou em um desfecho um

pouco diferente do que estava acontecendo nos países vizinhos: a mudança de

regime teve o exército brasileiro como maior protagonista. Sobre as causas da

queda do império Alencar destaca:

As transformações econômicas e ideológicas da sociedade brasileira tornaram superado o regime monárquico. As chamadas “questões” – religiosa, militar, escravista e eleitoral – eram manifestações conjunturais do declínio político do império (p. 216).

Em 15 de novembro de 1889, militares proclamam a república,

sepultando a monarquia.

1.3 Dom Pedro II

Dom Pedro II, cujo nome completo é Pedro de Alcântara João Carlos

Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel

Rafael Gonzaga, viveu entre 1825 e 1891.

O ilustre governante, considerado um intelectual, admirador das

ciências, apreciador das artes e da literatura, teve seu governo caracterizado

pela liberdade de informação e pela tolerância. Governou um país em que o

Page 10: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

analfabetismo atingia mais de 80% da população. Era sensível às

transformações sociais e defensor da abolição, mas foi sob a regência de sua

filha, a princesa Isabel, que se deu a abolição da escravidão – o Brasil foi o

último país da América a fazê-lo. Morreu no exílio sem jamais ter voltado a

rever sua pátria. A morte ocorreu em Paris, dois anos depois de proclamada a

república no Brasil.

Ainda hoje é admirado no cenário nacional e é lembrado pelo incentivo à

educação e à cultura, pela defesa da nação, pela diplomacia e relações com

personalidades internacionais como o poeta francês Lamartine, o escritor Victor

Hugo e o cientista Louis Pasteur. Durante seu governo, o Brasil viveu um

período de estabilidade e desenvolvimento.

Dedicou-se à leitura e estudou idiomas, entre os quais o grego, latim,

inglês, francês, italiano, provençal, alemão, hebraico, sânscrito, além do tupi-

guarani. Em artigo publicado na revista da SBHC, Nadja Paraense dos Santos

assim descreve Dom Pedro II:

Na Europa capitalista e industrial, o período é denominado de século da ciência, com as pesquisas, os laboratórios, o ensino técnico e científico, as associações científicas e os museus nacionais. No Brasil, D. Pedro II a tudo acompanhava. Assinava publicações científicas, correspondia-se com sábios, organizava expedições científicas e culturais, convidava cientistas para visitar o país, concedia bolsas no exterior para estudantes brasileiros, encorajava as pesquisas e discutia os novos conhecimentos, demonstrando um obsessivo amor à ciência (2004).

Traduziu poemas e textos religiosos da tradição judaica e católica e fez

traduções entre vários pares de línguas. O seu trabalho como tradutor é pouco

conhecido pela população e mesmo no mundo acadêmico, onde são exíguas

as pesquisas a respeito.

Como homem de cultura, incentivava a educação e o estudo de LE. Há

registros de que tenha, inclusive, acompanhado aulas de aplicação de novos

métodos de ensino de línguas estrangeiras, como o que consta da folha de

rosto do livro Novo curso de língua ingleza pratico, analytico e sinthetico, de

1856, por T. Robertson e organizado pelo professor Cyro Cardoso de Menezes

no Imperial Colégio de Pedro II (OLIVEIRA, 2006, p. 29).

Page 11: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

2 Panorama do Ensino de Línguas antes do Segundo Reinado

Quando da chegada dos portugueses ao Brasil, estes se depararam com

centenas de línguas faladas por povos desconhecidos e com os quais tiveram

que estabelecer uma relação, primeiramente de colaboração, como registrado

na Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel e consagrada na famosa

ilustração da primeira missa no Brasil de Victor Meirelles, em 1861. Mas, na

sequência - sob a justificativa da carência de mão de obra - escravizando-os,

como historicamente se fez com qualquer povo conquistado. Esta situação

predominou até 1560, quando da proibição da escravidão indígena e início da

escravidão negra. Mas, a exploração do trabalho indígena ainda perduraria por

mais de um século.

Em 1534, na Capela de Montmartre, em Paris, Inácio de Loyola fundou a

Companhia de Jesus, em reação à Reforma Protestante. Com a chegada da

nova ordem ao Brasil, instala-se o primeiro sistema público de ensino: o Ratio

Atque Instituto Studiorum, abreviadamente Ratio Studiorum, idealizado por

Inácio de Loyola e publicado em 1599. Era o método pedagógico que

estabelecia normas para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Este

incluía no seu currículo o estudo do latim e do grego, as línguas clássicas.  Em

1570, vinte e um anos após a sua chegada ao Brasil, a rede educacional

jesuíta já era composta por cinco escolas de instrução elementar (Porto

Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e três

colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia).

Este sistema hegemonizou a educação brasileira até 1759 quando os

jesuítas foram expulsos do Brasil por decisão de Sebastião José de Carvalho, o

marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, em decreto assinado por

Dom José I. O momento político da Europa, neste período, é marcado pelo

absolutismo, que tem no iluminismo sua oposição. No contexto de inspiração

iluminista, ocorre a perseguição e expulsão da congregação religiosa de todos

os domínios portugueses. Os jesuítas despertaram a desconfiança dos

políticos e foram alvo das rivalidades de outras ordens religiosas e do clero

Page 12: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

secular. As alegações vão desde por serem retrógrados e economicamente

poderosos, até por serem politicamente ambiciosos. No caso do Brasil, pesou a

defesa destes contra a exploração do trabalho indígena. No Decreto de

expulsão dos jesuítas (1759), consta a seguinte citação:

Declaro os sobreditos regulares na referida forma corrompidos; deploravelmente alienados do seu Santo Instituto e manifestamente indispostos com tantos, tão admiráveis, tão inveterados e tão incorrigíveis vícios, para voltarem à obediência deles; por notórios rebeldes, traidores, adversários e agressores, que tem sido e são atualmente contra a minha real pessoa e estados, contra a paz pública dos meus reinos, e domínios e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos; ordenando que como tais sejam tidos, havidos e reputados. E hei desde logo em efeito desta presente lei por desanaturalizá-los, proscritos e exterminados. Mandando que efetivamente sejam expulsos de todos os meus reinos, domínios, para neles mais não poderem entrar... (LEITE, 2000, p. 150).

A educação brasileira, com este episódio, vivenciou sua primeira grande

ruptura histórica. Um alvará, expedido em 28 de julho de 1759, tentou organizar

um novo sistema determinando a instituição de aulas de gramática latina, de

grego e de retórica. Foi o advento das Aulas Régias. A educação passou a ser

obrigação do Estado que, além de garantir o pagamento de professores e a

manutenção de toda a estrutura necessária ao exercício desta, também passou

a determinar suas diretrizes, centralizando todo o novo sistema educacional. A

educação tornou-se leiga, embora hegemonizada pelo pensamento católico,

cujo ensino da doutrina permaneceu obrigatório.

Sobre este desenlace Nelson Werneck Sodré (1978) descreve:

É, pois, toda a estrutura do ensino que entra em derrocada; a reforma pombalina, que decorre de necessidades ligadas à expulsão dos jesuítas, não cria estrutura nova, limitando-se a prescrições gerais. Dela, no que afetou a colônia, a consequência ostensiva esteve na fragmentação, na dispersão, que passa a constituir, no ensino, a característica maior, e é o antípoda da unidade que tanto marcara aquele a que os jesuítas haviam emprestado o seu nome. A educação passou dos colégios de padres às aulas das escolas régias, com mestres de formação deficiente, ou nos próprios latifúndios, com os padres-mestres que, de capelães, passaram a professores (p. 28).

O objetivo da reforma educacional foi proteger a monarquia absolutista

e, paralelamente, modernizar Portugal. Por isso, seu caráter centralizador

excluía a autonomia pedagógica e o acesso à educação era restrito a uma

parcela da população. Para SODRÉ (1978, P.28) a reforma pombalina “teve

Page 13: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

um traço significativo: representou o ingresso do Estado na solução do

problema” do ensino. Este sistema, no Brasil, predominou até 1822, quando as

Aulas Régias passaram a se chamar Aulas Públicas.

Tais medidas mostraram-se improdutivas, pois o sistema de ensino

tornou-se totalmente fragmentado. A educação jesuítica era, mesmo que

conservadora, bem estruturada, ao contrário da espécie de caos instituído pelo

sistema de Aulas Régias. Esta situação perdurou até que a Família Real,

fugindo de Napoleão na Europa, instalasse o Reino do Brasil.

O Rio de Janeiro, à época da chegada da família imperial, era uma

cidade economicamente ativa e seu porto realizava comércio com um número

significativo de nações importantes. Já se destacava, inclusive, na área

cultural,

[...] onde havia, por exemplo, 22 oficiais livreiros atuantes entre 1754 e 1799, que comercializavam com regularidade edições vindas de diferentes países europeus com os quais os livreiros mantinham relação direta. Além disso, constituiu-se no grande centro distribuidor de produções variadas, como livros ou calendários (CAVALCANTI, 1997, p. 228).

D. João VI instituiu a Imprensa Régia, onde foi publicado o primeiro

jornal do país: A Gazeta do Rio de Janeiro. Fundou a Biblioteca Real, o Teatro

São João e o Museu Nacional. Requereu a vinda de uma missão cultural

francesa que foi responsável pelo Salão Nacional de Belas-Artes e pelo Jardim

Botânico. Promoveu a abertura dos portos, além de várias intervenções na

infraestrutura física, econômica e cultural do Rio de Janeiro. Todas, medidas de

modernização da Colônia para alçar o Brasil à condição de reino unido a

Portugal (OLIVEIRA, 1999).

Essas medidas revigoraram o ambiente da cultura e propiciaram a D.

João VI transformar a cidade num núcleo cultural, condição que antes era

ocupada apenas pela metrópole, que detinha o controle da produção

intelectual do reino. Um relato do prussiano Theodor von Leithold, publicado

em Berlim, em 1820, e depois reunido em um único tomo com o relato de

outro prussiano que veio ao Brasil na mesma época, traduzido por Joaquim

de Souza Leão Filho, mostra a importância da ópera italiana, por exemplo, no

Page 14: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

período joanino: “As óperas italianas representam-nas de maneira toda

especial” (1966, p.14) e descreve:

A ópera italiana Caccia di Henrico quarto, com Demoiselle Faschiotti no papel de Marietta, foi também levada muitas vezes. Tem ela dezoito anos, bela presença e muitas condições para ser boa cantora, as quais sob a direção do irmão sabe vantajosamente cultivar. Como atriz, falta-lhe ainda desenvoltura (1966, p14).

Na área educacional, Dom João instituiu a Academia de Ensino da

Marinha, a Academia Real Militar e a Escola Real de Artes, Ciências e Ofícios.

As escolas de direito e medicina foram os primeiros cursos superiores não

teológicos do Brasil.

A preocupação de Dom João com os cursos superiores atendia ao

interesse do Estado monárquico na formação de quadros dirigentes para a

administração e o exército, às maiores necessidades do novo Reino que, para

desenvolver-se, carecia de profissionais qualificados. Portanto, os cursos

instalados tinham um papel formativo-profissional para a constituição de

técnicos para o império. Dessa forma, manteve-se na educação a tradição

aristocrática implantada nos tempos dos jesuítas, já que eram as escolas

secundárias que davam acesso a cursos superiores, e estes eram

frequentados pelos egressos da classe dos latifundiários e da elite da Corte.

Com a chegada da família imperial, outro marco importante na história

do ensino oficial de LE no Brasil foi produzido: o Decreto de 22 de junho de

1809, assinado pelo Príncipe Regente de Portugal D. João VI, criando as

cadeiras de inglês e francês  (OLIVEIRA, 1999, p. 18). 

Com a abertura dos portos para o comércio estrangeiro, em 1808,

aumentou a necessidade prática do uso do inglês, o que fez crescer sua

importância no sistema de ensino. Na Carta Regia de 28 de janeiro, Dom João

ordenou que fossem “[...] admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e

quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias, transportadas ou em navios

estrangeiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a minha

Real Coroa,...” (CASTRO, 1998, p.98). E a Inglaterra era a principal aliada de

Portugal no cenário europeu.

Page 15: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Em 1831, o inglês passou a ser exigido na matrícula para os cursos

jurídicos. Em 1834, com o Ato Adicional de 12 de agosto, que concedeu às

assembleias legislativas provinciais o direito de legislar sobre a instrução

primária e secundária, o inglês passou a ser obrigatório no currículo. Porém a

descentralização do ensino de primeiro e segundo graus, dadas às diferenças

regionais, gerou desarticulação e fragmentação.

A partir do Ato Adicional, configuram-se dois sistemas de ensino secundário: o sistema regular seriado e o sistema irregular. O primeiro era oferecido no Colégio Pedro II (criado em 1837), nos Liceus provinciais e em alguns estabelecimentos particulares. O segundo, predominante, era constituído pelos cursos preparatórios que permitiam o ingresso no ensino superior sem a conclusão do ensino secundário regular, bastando o aluno ser aprovado nos exames parcelados. Os cursos regulares públicos eram os que gozavam de maior prestígio, por serem modelo e, portanto, privilégio da elite (Zotti, 2005).

Resumidamente, pode-se dividir o ensino de LE no Brasil, no período

pré segundo reinado, em 3 momentos: um primeiro, absolutamente não formal,

em que europeus, especialmente portugueses, aprenderam as línguas nativas

e introduziram sua língua entre os povos ameríndios; um segundo momento,

em que predominavam nos currículos dos sistemas de ensino as chamadas

línguas mortas ou clássicas nos quais o grego e o latim eram as disciplinas

dominantes; e, por fim, um terceiro momento, pós chegada da corte

portuguesa, no qual cresceu a importância nos currículos das chamadas

línguas vivas.

Mesmo assim, durante o período joanino, o primeiro império, e, até

quase o final do período regencial, o latim e o grego foram as disciplinas

dominantes na escola secundária e ensinadas, predominantemente, pela

abordagem gramática-tradução (AGT), com a tradução e análise gramatical de

textos como método de ensino básico. Tal abordagem, analogamente, se

transferia para o ensino das chamadas línguas vivas (CHAGAS, 1982).

Page 16: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

3 O Ensino de Línguas no Segundo Reinado

Em 1840, a situação política brasileira é marcada pela disputa entre os

que defendiam maior autonomia para as províncias e eram, portanto,

partidários da descentralização e os que defendiam a continuidade da

centralização política. A ameaça à estabilidade política ocasionada por esta

disputa motivou a antecipação da maioridade do imperador, que em 1840,

assumiu o trono como D. Pedro II e assegurou a unidade do Estado imperial

brasileiro.

A fragmentação e pulverização do ensino secundário, ocasionado pela

descentralização promovida pelo Ato Adicional de 12 de agosto de 1834,

começaram a ser revertidas com o surgimento dos liceus, instituições criadas

por iniciativa do governo central e das administrações provinciais. Designadas

como estabelecimentos de instrução secundária, contemplavam os primeiros

currículos seriados e se preocupavam em oferecer as disciplinas exigidas nos

exames preparatórios para o ensino superior:

Com efeito, apesar de reunidas ainda sem o critério hierárquico da seriação, as aulas públicas de instrução secundária começaram a apresentar, nesses novos colégios e liceus, públicos como particulares, seus primeiros indícios de organização, assumindo o papel de cursos de preparação para o ensino superior (OLIVEIRA, 1999, p. 36).

Fato importante, ocorrido três anos antes da proclamação da maioridade

de Dom Pedro II, foi a fundação do Colégio Pedro II, por iniciativa do ministro

Bernardo Pereira de Vasconcelos, durante a regência de Pedro de Araújo

Lima, em 2 de dezembro de 1837, mesma data do nascimento de Dom Pedro

II.

O Seminário de São Joaquim, criado em 1739, tinha sido uma das

instituições de ensino mais prestigiadas da cidade. A perda deste prestígio

levou D. João VI, em 1818, a transformá-lo em quartel. Em 1821, a insatisfação

da população reabilitou-o como escola, surgindo, assim, o Seminário Imperial

administrado pela Câmara Municipal. Dezesseis anos depois, em 1837, por

decreto, foi transformado em estabelecimento de ensino secundário, com o

Page 17: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

nome de Imperial Colégio Pedro II, funcionando, a partir de 1857, nos sistemas

de internato e externato.

O Colégio Pedro II foi a primeira instituição de ensino secundário oficial

do Brasil criada na Corte e mantida pelo governo. Também foi a única

instituição supervisionada diretamente pelo Ministério do Império, órgão

destinado a cuidar da instrução pública na Corte e nas províncias. Tinha a

finalidade de servir de modelo às demais e trazia a pretensão de formar uma

elite nacional com profissionais, intelectuais e políticos para suprir as

necessidades de quadros para a alta administração.

O corpo docente era composto de intelectuais de renome, e o corpo

discente, selecionado por exames de admissão e promocionais. Um decreto

de 1843 conferiu ao Colégio Pedro II a condição, até então inédita na instrução

secundária brasileira, de conferir o Grau de Bacharel em Letras a seus

formandos. O programa de ensino de base clássica e humanística tinha a

função de preparar os alunos para o ensino superior, onde ingressavam sem a

necessidade de prestação dos exames das matérias preparatórias. Embora

público, o ensino não era gratuito, cabendo aos alunos o pagamento de

anuidades.

Tal regulamento, entretanto, não foi utilizado como modelo pelos estabelecimentos de ensino secundário das demais províncias, uma vez que a concessão do grau de Bacharel em Letras, que a partir de 1843 habilitava os alunos para a matrícula em qualquer um dos cursos superiores do Império, era privilégio do colégio oficial da Corte. Os candidatos provinciais, mesmo concluindo o curso completo dos liceus, eram submetidos aos chamados “exames parcelados de preparatórios”, que, segundo os Estatutos, deveriam ser feitos perante as bancas organizadas junto às Faculdades (OLIVEIRA, 1999, p. 39).

A criação de uma escola-modelo do Império brasileiro permitiu às

línguas estrangeiras vivas uma relação, se não ainda de igualdade, mas de

maior deferência em relação às línguas clássicas.

No currículo predominavam os estudos literários, mas com espaço para

as ciências, a história e as línguas vivas. O art. 3º do Decreto de criação do

Colégio Pedro II de 1837, estabelece:

Page 18: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Neste colégio serão ensinadas as linguas latina, grega, francesa e inglesa, retorica e os principios elementares de geografia, historia, filosofia, zoologia, mineralogia, botanica, quimica, fisica, aritmetica, algebra, geometria, e astronomia (CASTRO, 1998, p.98).

Primitivo Moacyr aponta que o peso do ensino de LE era expresso em

tabelas que constavam do Regulamento do Colégio. O regulamento, expedido

em 31 de Janeiro de 1838 pelo ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos,

ministro encarregado interinamente dos negócios do Império, estabelecia o

peso das disciplinas em tabelas de acordo com os anos letivos:

Tabela 1ª - aulas 8ª e 7ª.

Disciplina Nº de Lições (semana)

Gramática nacional 5

Gramática latina 5

Total 24

Tabela 2ª - aula 6ª.

Disciplina Nº de Lições (semana)

Latinidade 10

Língua grega 3

Língua francesa 1

Total 24

Tabela 3ª - aulas 5ª e 4ª.

Disciplina Nº de Lições (semana)

Latinidade 10

Grego 5

Francês 2

Inglês 2

Total 25

Tabela 4ª - aula 3ª.

Disciplina Nº de Lições (semana)

Latinidade 10

Grego 5

Inglês 1

Total 25

Tabela 5ª - aula 2ª: 30 lições - 0 lição de LE.

Tabela 6ª - aula 1ª: 30 lições - 0 lição de LE

(MOACYR, 1936, p. 284-286).

A obrigatoriedade curricular do ensino de inglês e francês no colégio

modelo acabou servindo de referência para o sistema liceu no Império. No

entanto, a não equivalência em relação ao direito de acessar ao nível superior

Page 19: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

sem a necessidade de exame admissional, surtiu um efeito desestimulante nos

alunos. Oliveira assim discorre sobre a situação na província de Sergipe:

Pelo relatório encaminhado ao presidente Luís Antônio Pereira Franco em 2 de novembro de 1853 pelo diretor do Liceu Antônio Nobre de Almeida, nota-se que na província em questão ocorria o mesmo problema das demais: o baixíssimo número dos alunos que freqüentavam as aulas, conseqüência do não reconhecimento dos estudos ali realizados para a matrícula nos cursos superiores. Em inglês, por exemplo, dos seis estudantes matriculados, cinco perderam o ano por falta (1999, p. 41).

Sucedeu-se a criação do Colégio Pedro II à reforma curricular aprovada

pelo ministro Antônio Carlos, através do Decreto nº 62, de 1º de fevereiro de

1841. Essa fixou o ensino em sete anos e estabeleceu o ensino das línguas

clássicas e vivas em quase todos os ciclos do curso. Do ponto de vista

pedagógico, foi perceptível o crescimento dos estudos científicos sobre os

literários. Durante os sete anos, os alunos estudavam as línguas antigas (o

grego e o latim) e as vivas (o francês e o inglês, mais o alemão, instituído no

ano anterior). Fernando de Azevedo descreve:

[...] as matemáticas e as ciências físicas, químicas e naturais amontoavam-se nos três últimos [anos], enquanto o grego é ensinado em quatro, e o latim, o francês e o inglês se estendem pelos sete anos, apresentando o latim maior número de lições do que o de quaisquer outras disciplinas. Esse plano de estudos consagra no Colégio Pedro II um ensino secundário de tipo clássico, com predominância dos estudos literários e adaptado menos às condições especiais do meio do que às tradições morais e intelectuais do país (AZEVEDO, 1971 apud OLIVEIRA, 1999, p. 38-39).

Em 1854, o latim, o francês e o inglês passaram a ser exigidos para

aceitação nos cursos de medicina. Em 1855, Couto Ferraz, o Visconde do Bom

Retiro, ministro dos negócios do império, patrocinou uma segunda reforma que

incluiu no currículo dos dois ciclos do ensino secundário o latim e o grego,

entre as línguas clássicas, e o francês, o inglês, e o alemão, entre as línguas

vivas, mais o italiano, em caráter optativo.

Na sequência, o ensino das línguas estrangeiras vivas começou a

perder peso no ensino secundário. As reformas do Marquês de Olinda, em

1857, e a de Sousa Ramos, em 1862, fixaram que o latim deveria ser ensinado

durante os 7 anos do curso e o grego durante 3 anos.

Page 20: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

O conselheiro Paulino José Soares de Souza, ministro do Império,

possuía uma visão idealista da educação e a considerava fundamental para o

desenvolvimento nacional. Entendia que o ensino de línguas devia ser

humanista e, no Decreto n.º 4.468, de 1.º de fevereiro de 1870, agregou ao

ensino de inglês, elementos culturais. Estes superavam o fim meramente

prático de seu aprendizado. Ensinado do quarto ao sétimo ano, o programa de

inglês incorporava leitura, análise, composição, recitação, história da língua e

tradução. A cadeira de retórica foi transformada em história da literatura geral,

criando-se pela primeira vez o ensino das literaturas estrangeiras.

Com tal alteração do programa de retórica, instituiu-se, pela primeira vez no Brasil, o ensino das literaturas estrangeiras – e, conseqüentemente, da literatura inglesa –, que se consolidou com a publicação – dois anos depois da promulgação do decreto, pelo editor francês Louis Baptiste Garnier – do Resumo de História Literária, primeiro compêndio brasileiro de “literatura universal”, de autoria do Doutor Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, professor de retórica, poética e literatura nacional do Imperial Colégio de Pedro II, Comendador da Ordem de Cristo e membro dos Institutos Históricos do Brasil e da França, da Academia das Ciências de Lisboa e Madri e da Sociedade Geográfica de Nova Iorque, além de “outras associações nacionais e estrangeiras” (OLIVEIRA, 1999, p. 49).

A Reforma de Cunha Figueiredo, em 1876, estipulou para o ensino das

línguas estrangeiras vivas uma presença média no currículo de 6 anos de

estudo, contra uma média de 9 anos das reformas anteriores.

No Decreto n.º 6.884, de 20 de abril de 1878, relativo ao ensino

secundário, Leôncio de Carvalho tornou a frequência livre no Externato do

Colégio Pedro II e reintroduziu as matrículas avulsas. As línguas alemã e

italiana foram adicionadas nas fases preparatórios para as matrículas nas

faculdades de Direito e Medicina. O inglês teve a sua carga horária acrescida,

passando a ser lecionado no terceiro e quarto anos e mantendo a inspiração

humanista das reformas anteriores. A literatura geral transformou-se em

disciplina autônoma.

Em 1879, através do Decreto n.º 7.247, o conselheiro Leôncio de

Carvalho realizou uma reforma liberalizante, inspirada no modelo de ensino

norte-americano, tornando livre a frequência aos estabelecimentos de ensino

do país em todos os níveis.

Page 21: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

O Barão Homem de Mello foi o protagonista da última reforma do

império e no Decreto n.º 8.051, de 24 de março de 1881, restringiu o inglês ao

quarto e quinto anos e manteve as bases da reforma de Leôncio de Carvalho.

Restabeleceu e manteve, no plano de estudos do Colégio Pedro II, as

seguintes línguas vivas: o francês, ensinado no segundo e terceiro anos do

curso, o inglês, no quarto e no quinto, e o alemão e o italiano, nos sexto e

sétimo.

O método de ensino pressupunha o estudo de temas, leitura e análise, tradução e versão de poesias e prosas, fáceis e difíceis, além, da conversação e de rápidas notícias sobre a origem e o desenvolvimento das línguas estudadas. O mesmo método se aplicava às línguas mortas e ao português (OLIVEIRA, 2006, p. 183).

A evolução do ensino de LE na escola secundária durante o segundo

reinado observou a redução dos anos de estudo, acompanhada da redução da

carga horária. Esta chegou a atingir o percentual de quase 50% das horas

dedicadas ao estudo das línguas até o fim do Império.

Leffa (1999) destaca que:

Somando os anos de estudo prescritos para cada língua, o número de línguas ensinadas e estimando uma carga horária semanal de 2 a 3 horas, chega-se, em termos aproximados, aos dados da Tabela 1. Esses dados mostram que os alunos, durante o império, estudaram no mínimo quatro línguas no ensino secundário, muitas vezes cinco e, às vezes, até seis, quando a língua italiana, facultativamente, era incluída.Embora o número de línguas ensinadas tenha permanecido praticamente o mesmo, o número de horas dedicadas ao seu estudo foi gradualmente reduzido, chegando a pouco mais da metade no fim do império.

A tabela abaixo (Leffa, 1999) demonstra a situação, em horas de ensino,

de cada língua a cada reforma que o sistema secundário sofria.

Page 22: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Tabela 1 - O ensino das línguas no segundo império em horas de estudo

Ano Latim Grego Francês Inglês Alemão ItalianoTotal horas

1855 18 9 9 8 6 3(F) 50

1857 18 6 9 10 4 3(F) 47

1862 18 6 9 10 4 6(F) 47

1870 14 6 12 10 - - 42

1876 12 6 8 6 6(F) - 32

1878 12 6 8 6 4 - 36

1881 12 6 8 6 4 3(F) 36

Obs. (F) = Facultativo

Em anos de estudo, segundo Chagas (1982), a situação era a seguinte:

Tabela 2 - O ensino das línguas no segundo império por anos de estudo

Anos

Reformas

Por anos de estudo

Línguas    Clássicas Línguas Modernas

Latim

Grego

Total

Francês

Inglês

Alemão

Italiano

Total

1855Couto Ferraz

7 3 10 3 3 3 1F 9+1F

1857Marquês de

Olinda7 2 9 3 4 2 1F 9+1F

1862Sousa Ramos

7 2 9 3 4 2 2F 9+2F

1870Paulino de

Sousa6 2 8 4 4 - - 8

1876Cunha

Figueiredo3 2 5 2 1 2F - 3+2F

1878Leôncio de Carvalho

3 2 5 2 2 2 - 6

1881Homem de

Melo4 2 6 2 2 2 1F 6+1F

Obs. F = Facultativo

Page 23: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Observa-se que, enquanto o inglês e o francês gozaram de certa

estabilidade enquanto línguas de estudo, o mesmo não aconteceu com o

alemão e com o italiano. Estas, entre idas e vindas, ora constavam, ora saiam

dos currículos, ou mesmo permaneciam apenas em caráter optativo, quando

não relegadas a serem estudadas na hora do recreio.

4 As Abordagens no ensino de LE no Segundo Reinado

Embora o método predominante durante todo o império tenha sido o da

gramática e tradução, este, com exceção, talvez, do período jesuítico, não era

uma unanimidade entre os educadores e políticos da época. Luís Eduardo

Meneses de Oliveira, em sua tese de doutorado, A instituição do ensino das

Línguas vivas no Brasil: o caso da Língua Inglesa (1809/ 1890), defendida em

2006, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mostra que, no final do

segundo império surgiram vários críticos propondo mudanças na metodologia e

no objetivo do ensino de línguas vivas.

O professor Carlos Laet (1847-1927), em um relatório sobre os

acontecimentos notáveis do ano letivo de 1882 no Imperial Colégio Pedro II,

reclamava da exagerada influência da gramática no ensino de línguas,

argumentando que:

Duas línguas mortas e quatro vivas, afora a nacional, são hoje leccionadas no Collegio de Pedro II. O ensino destas ultimas resente-se, não há contestal-o, de exagerada influencia grammatical. O inconveniente que disto resulta é que, em geral, o alumno sae do Collegio conhecendo innumeras e minuciosas regras de grammatica de que não curam ainda os que bem fallam taes línguas, mas sem a necessaria pratica, para destas servir-se como de meio de communicação do pensamento, no que aliás parece estar a máxima vantagem da aprendizagem de estranhos idiomas (RM, 1882:p. A-C2-12).

E citava a seu favor o caso de François Gouin:

Em um interessante livro de François Gouin sobre a arte de estudar e ensinar as linguas vem, palpitante de verdade, a narrativa dos infructiferos esforços empregados pelo autor para aprender um idioma estrangeiro pelos methodos ordinariamente seguidos nas escolas; depois de consumir largos annos manuseando grammaticas e diccionarios, elaborando themas e versões, esmerilhando raizes e,

Page 24: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

em poucas palavras, executando fiel e conscienciosamente tudo quanto soem preceituar os nossos programmas, vio-se elle na absoluta impossibilidade de entreter o mais banal dos dialogos e com admiração reconheceu que, no mesmo lapso de tempo, conseguira já fallar alguma cousa uma creancinha que se estreava na vida, sem a menor bagagem grammatical e philologica (RM, 1882:p. A-C2-12).

O professor Leat advertia sobre o prejuízo pedagógico da diminuição da

carga horária e do pouco tempo dedicado ao estudo das línguas vivas.

As conclusões do relatório do Inspetor Geral Antonio H. Filho, referente

ao ano letivo de 1883, apontavam para a importância do ensino das línguas

vivas nos primeiros anos de estudo:

2.º E’ fora de duvida que as linguas vivas devem ser ensinadas de modo que os alumnos cheguem a entender as obras nellas escriptas. Por isso muito imporia começar tal estudo logo nos primeiros annos do curso, na idade em que os orgãos da phonaçao têm maior flexibilidade e facilitam a acquisição da boa pronuncia, no tempo em que as faculdades mnemônicas guardam sem custo tudo quanto lhes é apresentado de modo simples e elementar (RM, 1882: p. A-C7-49).

Propunham uma sequência de aprendizado das línguas:

4.º Quando os alumnos já estiverem adiantados em latim e francez, línguas relativamente fáceis para elles, attento o proximo parentesco que existe entre ellas e o portuguez, será occasião de encetar o tirocínio do inglez, a que deverá seguír-se o allemão (RM, 1882: p. A-C7-49).

Discutiam a importância da uniformização do ensino da gramática:

6.º No ensino da grammatica de qualquer das línguas é de primeira intuição que aos professores cumpre uniformizar as definições e simplificar as divisões, abstendo-se das que não sejam de indeclinavel necessidado para a intelligencia de factos peculiares a cada língua. A variedade de definições, de classificações e de systemas de analyse serve apenas para derramar a confusão no espirito dos meninos, os quaes a cada termo novo pronunciado em qualquer aula pensam logo que está ligada doutrina defferente da que já sabem (RM, 1882: p. A-C7-50).

E apregoavam a liberdade do professor de, sob condições, escolher o

método que utilizaria em sala de aula:

7.º O próprio interesse do ensino exige que se deixe a cada professor a escolha do methodo que lhe parece melhor, uma vez que não sacrifique o que recommenda o Regulamento vigente a minudencias

Page 25: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

grammaticaes, ou obrigue os alumnos a vencerem, entregues a si sós, as difficuldades de themas e traducções, de uma estensão enorme, que lhes absorvam o tempo que deveriam empregar na preparação das lições de outras aulas; nem tão pouco pretenda, ao inverso, por nimio apreço aos systemas de Ahn, Ollendorf ou Roberison, haver-se com estudantes já adiantados em latim com a materialidade sómente admissivel nas primeiras lições de línguas vivas, dadas a discípulos de um instituto industrial (RM, 1882:p. A-C7-50).

O advogado e crítico literário Silvio Romero (1851-1914), em seu

relatório relativo a 1884, afirmava que:

O estudo das linguas, iniciado nos primeiros annos, deveria ser levado até o ultimo do curso. O ensino das linguas antigas deveria ser acompanhado, nas classes adiantadas, do estudo das respectivas litteraturas mais ou menos desenvolvido. Na aprendizagem das linguas vivas prevaleceria o methodo pratico a ponto de chegarem os alumnos a fallal-as e escrevel-as méis ou menos regularmente. No correr de seis ou sete annos haveria tempo de assim a facil dispensabilidade de uma cadeira especial para litteratura universal e outra para rhetorica, poetica e a litteratura nacional. O estudo das duas linguas e litteraturas antigas ficaria representando a cultura classica, ainda e sempre considerada de valor inestimavel na vida espiritual da humanidade (RM, 1884: A-C1-7).

E defendia um método de ensino das línguas vivas prático que

habilitasse o estudante a adquirir proficiência na fala e na escrita e que

permitisse a este apropriar-se do melhor da literatura destas línguas e, assim,

iniciar-se no estudo da gramática.

Por fim, Rui Barbosa (1849-1923), que entendia a educação como

fundamental para a formação da “Inteligência Popular” e a constituição do

caráter nacional, enfatizava, no ensino das línguas vivas, a habilidade da fala e

criticava o ensino baseado nas versões.

Quanto às línguas vivas, o desenvolvimento que lhes demos, estendendo a dois anos o italiano, a três o francês e o inglês, a quatro o alemão, resulta do princípio, capital hoje, de que não há saber das línguas vivas, sem as saber falar. O ensino pelas versões e pelos temas é improdutivo (BARBOSA, 1942:189 apud OLIVEIRA, 2006 p.282).

Page 26: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Conclusão

O ensino das línguas durante o segundo reinado deve ser analisado

dentro do contexto das disputas ideológicas da época, onde, resumidamente,

duas grandes correntes se contrapunham: a corrente conservadora, pró-

Império e favorável à centralização do conjunto das políticas de governo, e a

corrente liberal, favorável à descentralização do poder e das políticas de

Estado. A maior ou menor influência de cada uma no governo do segundo

reinado influenciava os rumos da educação e, consequentemente, a concepção

de ensino de LE.

Essa circunstância, somada a outras típicas de um jovem país em

transformação e lutando por mudanças, parece ter obstado uma evolução mais

positiva do ensino de LE durante o segundo reinado e todo o período do

império em, pelo menos, duas perspectivas: a falta de um planejamento de

médio e longo prazo para a educação em geral e, em particular, a falta de uma

abordagem metodológica adequada para o ensino de LE.

A falta de planejamento é constatável pelas seguidas reformas e o vai e

vem da presença das LE no peso dos currículos do ensino público de segundo

grau, bem como, na exigência destas para o acesso ao ensino superior. Tal

situação deve ter agravado as dificuldades administrativas do sistema de

ensino e de suas escolas, agregando problemas à capacidade de gerenciar o

já instável ensino de línguas.

Segundo Chagas (1957, p. 88), "subtraiu-se à escola a sua função

primordial de ensinar, e educar, e formar, para relegá-la à burocrática rotina de

aprovar e fornecer diplomas".

É evidente que do início para o fim do segundo reinado o ensino de LE

perdeu prestígio, o que é demonstrado pela diminuição da carga horária e dos

anos dedicados ao estudo destas.

Grosso modo, a abordagem metodológica para o ensino das línguas

vivas era a mesma das línguas mortas e, mesmo, da língua vernácula. Estava

baseada na tradução de textos e análise gramatical, e o seu ensino, voltado

Page 27: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

para as necessidades profissionais do país e, no caso do ensino do segundo

grau, como critério de acesso ao ensino superior. A opção por este tipo de

abordagem parte da ideia de que a competência fundamental a ser dominada

numa LE é a sua escrita, e de que esta é determinada pelo domínio das regras

gramaticais. Por isso, segundo Schütz (2006), o ensino de LE nesta

abordagem teve como objetivo principal “explicar a estruturação gramatical da

língua e acumular conhecimento a respeito dela e de seu vocabulário, com a

finalidade de se estudar sua literatura e traduzir”.

No entanto, embora hegemônica, a abordagem da gramática-tradução

parece não ter sido exclusiva. Observam-se tentativas de humanização do

ensino de LE, como na reforma do conselheiro Paulino José Soares de Souza,

em 1870, que agregou ao ensino de LE elementos culturais e incorporou à

metodologia de ensino atividades como a leitura, análise, composição,

recitação, história da língua e tradução. Pode-se presumir que, numa situação

como esta a tradução pudesse ter uma função didática mais ampla do que a de

suporte para o aprendizado da gramática. Corroboram com esta hipótese as

críticas aos excessos de gramaticalismo no ensino de LE que constam em

documentos históricos, como as feitas pelo professor Carlos Laet, pelo Inspetor

Geral Antonio H. Filho, pelo advogado e crítico literário Silvio Romero e,

mesmo por Rui Barbosa, que enfatizava no ensino das línguas vivas a

habilidade da fala.

Page 28: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

Referências Bibliográficas

ALENCAR, Chico, CARPI, Lúcia & RIBEIRO, Marcus Venicio. História da Sociedade Brasileira, 13ª edição, Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1996.

ALMEIDA Filho, José Carlos Paes de. Lingüística Aplicada, Ensino de Línguas e Comunicação. Campinas: Pontes Editores & Arte Língua, 2005.

___________ ‘Ontem e hoje no ensino de línguas no Brasil’. In Stevens & Cunha (orgs.), Caminhos e Colheita: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003. 

BONAVIDES. Paulo. Ciência Política. São Paulo 10ª edição, 1994; Malheiros Editores LTDA. São Paulo — SP, p. 490-523.

CARDOSO, Tereza Fachada Levy. A Construção da escola pública no Rio de Janeiro imperial. In: Revista Brasileira de História da Educação: SBHE, nº 5, jan/jun, 2003. p.195-211.

CARVALHO, J. M. D. Pedro II: Ser ou não Ser. Coordenação Elio Gaspari e Lilia M. Schwarcz - São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

CASTRO, Therezinha. História documental do Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1998.

CAVALCANTI, Nireu de Oliveira. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: as muralhas, sua gente, os construtores (1710-1810). Tese (Doutorado) – IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, 1997.

CHAGAS, Valnir. Didática Especial de Línguas Modernas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 3ª Edição, 1982.

FILOPANTI, Quirico. Storia di un secolo, dal 1789 ai giorni nostri : Fasc. I (dal 1789 al 1821. Rivoluzione francese e Napoleone). Milano: Tip. Edoardo Sonzogno Edit., 1891. 1a edizione elettronica del: 5 agosto 2010 Disponível em http://www.liberliber.it/biblioteca/licenze/. Acesso em 21 de junho de 2011.

HOBSBAWM, Eric. Era das Revoluções – 1789/1848. São Paulo: Editora Paz e Terra, 25ª Edição, 2010.

LEFFA, Vilson J. Metodologia do Ensino de Línguas. IN: BOHN, H.I./VANDRESEN, P. Tópicos em lingüística aplicada: O Ensino de Línguas Estrangeiras. Florianópolis: Ed. da UFSC, p. 211-236,1998.

LEFFA, Vilson J. O Ensino de Línguas Estrangeiras no Contexto Nacional. Revista Contexturas, APLIESP, n. 4, p. 13-24, 1999.

LEITE, Edgar. “Notórios rebeldes” A expulsão da Companhia de Jesus da América portuguesa. Rio de janeiro: Mapfre, 2000.

LEITHOLD, Theodor von; RANGO Ludwig von. O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. Edição Eletrônica: Brasiliana Eletrônica. Disponível em

Page 29: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

http://www.brasiliana.com.br/obras/o-rio-de-janeiro-visto-por-dois-prussianos-em-1819/pagina/16/texto. Acesso em 20 de jan de 2011.

MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império: subsídios para a história da educação no Brasil (1823-1856). São Paulo: Companhia Editora Nacional, v.1, 1936. Edição Eletrônica: Brasiliana Eletrônica. Disponível em http://www.brasiliana.com.br/obras/a-instrucao-e-o-imperio-1-vol. Acesso em 21 de janeiro de 2011.

MOUNIN, G. Teoria e storia della traduzione. Traduzione di Stefania Morganti. Torino, Einaudi, 1965, cap. IX, p. 69-74.

NUNES, Rui Afonso da Costa. História da Educação no século XVII. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1981.

OLIVEIRA, Luiz Eduardo Meneses de. A Historiografia Brasileira da Literatura Inglesa: uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951). Dissertação de Mestrado em Teoria Literária, IEL/UNICAMP, 1999.

______. A instituição do ensino das Línguas Vivas no Brasil: o caso da Língua Inglesa (1809-1890). Tese de Doutorado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.

PIETRARÓIA, Cristina Casadei. A importância da língua francesa no Brasil: marcas e marcos dos primeiros períodos de ensino. In: Estudos linguísticos, São Paulo, 37 (2): 1-168, maio-ago, p. 7-16, 2008.

ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 29ª Edição, 2005.

ROMANELLI, Sérgio. A gênese de um processo tradutório: os manuscritos de Rina Sara Virgillito. Tese de Doutorado em Letras e Linguística, Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, 2006.

SANTOS, Nadja Paraense dos. Pedro II, sábio e mecenas, e sua relação com a química; Revista da SBHC, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 54-64, jan./ jun. 2004.

SCHNEEBERGER, Carlos Alberto História geral: teoria e prática. São Paulo: Rideel, 1ª Edição, 2006.

SCHÜTZ, R. O aprendizado de línguas ao longo de um século. Disponível em <http://www.sk.com.br/sk-apren.html>. Acesso em 02 de dez 2010.

SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do segundo Império. 2. ed. Rio de Janeiro: Graphia, 1998.

SOUZA, Osvaldo Rodrigues. História Geral: da pré-história aos últimos fatos de nossos dias. São Paulo: Ática, 18ª Edição, 1979.

SOUZA, Rosane de. A gênese de um processo tradutório: as mil e uma noites de D. Pedro II. Dissertação de mestrado em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, 2010.

Page 30: Artigo corrigido para Publicação - O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado (Romeu)

TAUNAY, A. E. O Grande Imperador. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo,1933.

TEIXEIRA, Francisco Maria Pires; DANTAS, José. História do Brasil: da Colônia à República. São Paulo: Editora Moderna, 2ª Edição, 1979.

WYLER, Lia. Línguas, poetas e bacharéis: uma crônica da tradução no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

ZOTTI, Solange Aparecida. O ensino secundário no império brasileiro: considerações sobre a função social e o currículo do Colégio D. Pedro II. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.18, p. 29 - 44, jun. 2005.

Fontes (Documentos Históricos)

BRASIL/IMPERIO, 1882. Relatório Ministerial, RM: relatorio apresentado à Assemblea Geral Legislativa na terceira sessão da décima oitava legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio Pedro Leão Velloso. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1749/000326.html, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1750/000356.html e http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1750/000357.html. Acesso em 20 dez de 2010.

BRASIL/IMPERIO, 1884. Relatório Ministerial, RM: relatorio apresentado à Assemblea Geral Legislativa na primeira sessão da décima nona legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio João Florentino Meira de Vasconcellos. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1370/000540.html. Acesso em 22 de dez 2010.

BRASIL. Ato Adicional dando às assembleias legislativas provinciais o direito de legislar sobre a instrução primária e secundária, 1834. Disponível em: http://www.fernandodannemann.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=1033609. Acesso em 06 de dez 2010.