Artigo Eduardo Mourao

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  • Complexidade e pesquisa interdisciplinar

    VASCONCELOS, Eduardo M. Complexidade e pesquisa interdisciplinar. Epistemologia e metodologia operativa. Petrpolis: Vozes, 2002.

    Captulo 3: Os conceitos e tipos de prticas interdisciplinares e

    interparadigmticas

    tenho me dedicado(1). Neste captulo. retomarei o tema. aprofundando-o e atualizando-o a partir da fundamentao mais original expressa no captulo anterior, retomando e enriquecendo de nova forma um esquema de conceitos bsicos e operativos j indicado nos trabalhos anteriores. Dada a minha familiaridade com o campo da sade, sade mental e servio social, esses constituiro um pano de fundo constante para exemplos.

    Antes de comear, importante assinalar que, felizmente, j h um crescente interesse pelo tema em vrias reas e campos de saber e prtica social no Brasil, com um nmero enorme de novas publicaes a respeito (2).

    Se diz que h na cabea dos poetas um parafuso de a menos

    Sendo que a mais justo seria o de ter um parafuso trocado do que a menos A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa disfuno lrica. Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfuno lrica: I - Aceitao da inrcia para dar movimento s palavras. 2 - Vocao para explorar mistrios irracionais. 3 - Percepo de contigidades anmalas entre verbos e substantivos. 4 - Gostar de fazer casamentos incestuosos entre palavras. 5 - Amor por seres desimportantes tanto como pelos coisas desimportantes.

    6 - Mania de dar formato de canto s asperezas de. uma pedra. 7 - Mania de comparecer aos prprios desencontros. Essas disfunes lricas acabam por dar mais importncia aos passarinhos do que aos senadores (Manoel de Barros, poema "A disfuno" em Tratado geral das grandezas do nfimo. Rio de Janeiro: Record, 2001: 9).

    3.2. A crtica fragmentao do conhecimento especializado e o reconhecimento de suas implicaes

    3.2. I. Uma viso panormica da literatura

    A crtica fragmentao das cincias contemporneas, da pulverizao dos saberes especializados e de suas implicaes, vem sendo construda por vrias perspectivas. No captulo anterior, a discusso epistemolgica acerca da complexidade e dos paradigmas de conhecimento buscou sistematizar a perspectiva que considero mais rica e promissora para a fundamentao de uma proposta de prtica interdisciplinar. Entretanto, cabe aqui mostrar que nem sempre esse foi o caminho apropriado pela literatura acerca da interdisciplinaridade.

    Na literatura acerca da interdisciplinaridade, a fundamentao e siste-matizao da crtica fragmentao dos saberes, particularmente em suas formulaes iniciais, foram relativamente mais frgeis. O melhor exemplo dessa tendncia na literatura em portugus o clssico livro de Japiassu sobre o tema, Interdisciplinaridade e patologia do saber, publicado pela primeira vez em 1976 (Japiassu, 1976). Tanto o prefcio panfletrio de Georges Gusdorf como o prprio livro exprimem uma anlise com mais um estatuto

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    3.1. Introduo

    Nos ltimos anos, tenho escrito e publicado a respeito da interdiscipli-naridade e transdisciplinaridade, colocando-as como componentes-chave da constituio de campos plurais, pluridimensionais e aplicados de conhe-cimento como o da sade mental e o do servio social, reas s quais mais

    1 . Esta ateno com o tema gerou um texto original mais' dedicado psiquiatria (Vasconcelos, 1997a), que mais tarde mereceu uma aproximao ao servio social (Vasconcelos, 1997b), e que depois revista, ampliada e includa em livro publicado em :000 (Vasconcelos. 2000b). Esses trabalhos vm tendo uma boa receptividade no pblico. Sendo inclusive indicados vrias vezes como leitura obrigatria para concursos pblicos no campo da sade mental e do servio social.

    2. .-\Im daqueles indicados no desenvolvimento deste texto, ver tambm S (1989), Leff (200 I), Fazenda (1994 e 2001), Martinelli et ai. (1995), Santos (2000), Weil et ai. (1993), Jantsch & Bianchetti (1995), Nicolescu (1999), D' Ambrosio (1997) e Brando & Crema (1991).

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  • 3.2.2. Um exemplo frtil de crtica especializao e fragmentao dos saberes: o campo da sade mental e seu paradigma de desinstitucionalizao

    Convido o leitor para retomar aqui as principais afirmaes de um traba-lho j clssico, de autoria de algumas das lideranas do movimento de Psi-quiatria Democrtica na Itlia (Rotelli et ai., 1990), como a mais representa-tiva formulao das implicaes do paradigma mdico convencional, da necessidade de sua superao, para retomar a complexidade da existncia da clientela em sade mental. Os principais pontos de sua dmarche so:

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    a) a crtica da fragmentao dos saberes e das competncias profissionais estanques:

    8. A sociologia das profisses tem vrias vertentes, inclusive algumas de inspirao marxista, incluindo autores como Freidson (1970/1988); Johnson (1973) e Bourdieu (1997. 1998a e 1998b). 9. Como nas obras do prprio Bourdieu (1998), de Latour (1987) e Knorr-Cetina (1981).

    de desabafo contra os especialistas: "A parcela de saber exato e preciso detida pelo especialista perde-se no meio de um oceano de no-saber e de incompetncia" (op. cit.: 9). Para eles, os experts e os burocratas, apesar dos meios de conhecimento cada vez mais numerosos e dos meios de interveno cada vez mais eficazes, se abstm ou so incapazes de abordar de forma adequada as questes mais globais e abrangentes do sculo XX, tais como a guerra, as desigualdades no desenvolvimento, a fome e a luta pelo respeito liberdade. Quanto mais se desenvolvem e se diversificam as disciplinas, "mais elas perdem o contato com a realidade humana" (idem: 14) e so "cada vez mais distanciadas da existncia concreta, [...] como linguagens hermticas, reservadas aos iniciados, e que parecem absorver-se, ou perder-se, no niilismo de suas abstraes bem comportadas" (idem: 16).

    Uma segunda vertente mais diversa e mais ampla de crtica ao especia-lismo no est propriamente no campo de discusso da interdisciplinaridade, tomando uma direo mais indireta, j que embutida em crticas tericas e histricas mais globais e rigorosas s cincias e suas organizaes derivadas, que se constituiriam como:

    . dispositivos de poder institucional (como nas correntes de anlise institucional) (3);

    . dispositivos de reproduo das relaes sociais de produo, por meio de aparelhos de Estado e aparelhos ideolgicos (como nas vertentes contemporneas mais mecanicistas do marxismo) (4), como forma institu-cionalizada da diviso sociotcnica do trabalho(5), ou ainda como formas de saber instrumental, tcnico, associadas ao mercado capitalista contemporneo enquanto fora produtiva, ideologia e tecnocracia(6);

    . dispositivos de saber-poder di fusos no tecido social visando a normatizao e a disciplinarizao do espao social, dos corpos e da sexualidade (como em Foucault) (7);

    . dispositivos constitutivos do profissionalismo, enquanto monoplios de saberes, mandatos sociais e prticas vinculadas aos interesses eco-nmicos e sociais dos grupos corporativos (como na sociologia das profisses (8), perspectiva que ser retomada mais frente);

    . um campo de lutas, no podendo ser visualizado idilicamente como uma "comunidade de cientistas" que competiria em condies iguais entre si por meio do rigor de seu conhecimento, mas sim como uma arena vin-

    culada refletindo os interesses concretos de instituies de financiamento, de produo de equipamentos, produtos e servios, formao e treinamento, etc., como na sociologia critica do conhecimento(9).

    Com exceo das correntes que chegam a discutir o tema dos paradig-mas e da complexidade, como discutido no captulo anterior, a maioria das abordagens crticas s cincias buscam revelar a determinao histrica e os interesses concretos que levam formao e manuteno das diversas disciplinas e profisses especializadas, mas geralmente no apresentam uma discusso mais sistemtica sobre as alternativas epistemolgicas organi-zao fragmentada do saber cientifico e disciplinar.

    Finalmente, interessante notar a presena de criticas realizadas em campos de saber particulares, mas que so extremamente importantes para a sistematizao das conseqncias da fragmentao do saber e de suas al-ternativas nos demais campos e disciplinas. Neste trabalho, gostaria de su-gerir ao leitor acompanhar o debate no campo da sade' mental, no qual te-nho mais familiaridade, j que constitui uma das reas mais frteis onde esse debate e as prticas interdisciplinares tm avanado nos ltimos anos.

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    3. Como em Lapassade (1983), Lourau (1995), Barbier (1985), Albuquerque (1977 e 1986) e Baremblitt (1992), entre outros. 4. Como em Althusser (1974).

    5, Como expresso na obra organizada por Gorz (1976).

    6. Como nos autores da Escola de Fr.ankfurt, particularmente em Habermas (1990);

    7. Ver principalmente Foucault( 1979 e 1988) e, para uma viso introdutria, Machado (\981).

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  • "O elevado nvel de especializao e de refinamento das tcnicas de in-terveno tem como conseqncia uma correspondente elevao da seleo de pacientes assumidos, ou seja, os servios funcionam com base na prpria competncia e quanto ao restante podem dizer 'no problema nosso'"(Rotelli etal., 1990: 22).

    "[...] Esta forma especialista e seletiva de funcionar dos servios psiquitricos faz com que as pessoas sejam separadas, 'despejadas', jogadas de um lado para outro entre competncias diferentes e definitivamente no seja de responsabilidade de ningum e sim abandonadas a si mesmas" (id., ib.).

    "[...] O mal obscuro da Psiquiatria (tradicional) est em haver separado um objeto fictcio, a 'doena', da 'existncia global, complexa e concreta' dos pacientes e do corpo social. Sobre esta separao artificial se construiu um conjunto de aparatos cientficos, legislativos, administrativos. [...] Todos referidos 'doena'. este conjunto que preciso desmontar (desinsti-tucionalizar) para retomar contato com aquela existncia dos pacientes, en-quanto 'existncia' 'doente'" (id.: 28).

    b) a formulao do paradigma da desinstitucionalizao como centrado na reconstruo da complexidade e da totalidade da vida social e subjetiva do cliente, a ser reinventada:

    "O processo de desinstitucionalizao torna-se agora reconstruo da complexidade do objeto. A nfase agora no mais colocada no processo de 'cura ~ mas no projeto de 'inveno da sade' e de 'reproduo social do paciente '. ['00] Se no existe mais um mundo produtivo definido no qual estar, no existe mais uma sade, mas existem mil. ['00] O problema no a cura (a vida produtiva) mas a produo de vida, de sentido, de sociabilidade, a utilizao das formas (dos espaos coletivos) de convivncia dispersa" (id.: 30) (destaques do prprio autor). .

    "Talvez no se 'resolva' por hora, no se 'cure' agora, mas no entanto seguramente 'se cuida '. [...] Cuidar significa ocupar-se, aqui e agora, de fazer com que se transformem os modos de viver e sentir o sofrimento do 'paciente' e que, ao mesmo tempo, se transforme sua vida concreta e cotidiana, que alimenta este sofrimento. [...] Este ento outro aspecto de trabalho teraputico entendido como 'tomar encargo " de cuidar de uma pessoa: desenvolvido de modo tal a evitar o abandono do paciente a si mesmo" (id.: 33-4) (destaques do prprio autor).

    "Em Trieste: a) os servios tm a responsabilidade de responder tota-lidade das necessidades de sade mental de uma populao determinada; b) mudam as formas de administrar os recursos em sade mental; c) multiplica-se e torna-se mais complexa a profissionalidade dos operadores" (id.: 37) (destaques do prprio autor). .

    [...] Os operadores, acima de tudo, 'aprenderam a aprender'. [...] Os diversos tipos codificados de 'terapia' (mdica, psicolgica,

    psicoteraputica, psicofarmacolgica, social, etc.) so considerados como momentos tambm importantes, mas redutivos e parciais, sobretudo se isolados e codificados. Por isso, trata-se de demolir a compartimentalizao entre estas tipologias de interveno. Alm disso, e por conseqncia, a relao teraputica tende a ocupar-se de questes afetivas, econmicas, juridicas, relacionais, dos nveis de estatutos, da famlia, do trabalho, etc. sem cindir estas questes, sem confi-las a profissionalidades separadas" (id.: 45-6) (destaques do prprio autor).

    Essa proposta tem implicado uma verdadeira revoluo paradigmtica no campo da sade mental, que passa a se constituir claramente como um campo reconhecidamente transdisciplinar(10), e incorporando um rol enorme de intervenes nas mais diversas reas, levando seus defensores a inspirar fortes movimentos sociais e implementar um amplo processo de . . . . . . . . . . . . . . . . .

    10). A partir do paradigma da desinstitucionalizao, o campo da sade mental pode ser entendido ento como atravessado pelas seguintes disciplinas e campas de saber: a) a filosofia e epistemologia, no sentido de discutir os pressupostos bsicos das diversas concepes de homem e natureza e das caracteristicas gerais e especficas dos diversos campos de conhecimentos envolvidos no campo da sade mental, bem como das suas inter-relaes; b) a psiquiatria, com suas razes nas cincias naturais e humanas, e dentro dela a psicopatologia, a psicofarmacologia, as chamadas neurocincias e a clnica psiquitrica em particular, que constituem fonnas particularesde integrao entre aqueles saberes; c) a psicologia, com suas diversas correntes e suas respectivas abordagens clnicas, e a psicologia social, discutindo as intersees entre os processos psquicas e sociais; d) a psicanlise e a psicologia analtica, tambm com suas diversas correntes tericas e clnicas; e) a sociologia, enfocando as condies sociais mais amplas correlacionadas sade e doena mental (incluindo a demografia e as questes associadas ao trabalho, vida comunitria e moradia), e a antropologia, ao abordar as diferentes estruturas culturais e simblicas coletivas associadas aos fenmenos mentais (rea da etnopsiquiatria e/ou psiquiatria e psicologia transcultural); f) o campo da sade pblica, que busca identificar as necessidades na rea (incluindo a epidemiologia) e planejar, executar e avaliar os programas de assistncia em sade mental; g) o campo das cincias polticas e "institucionais", abordando as estruturas das polticas pblicas, os processos polticos e institucionais e os atores sociais e seus interesses, envolvidos nas diversas organizaes de sade mental; h) o campo do direito, contribuindo para a discusso de conceitos e processos associados com direitos, tutela, incapacidade, periculosidade, imputabilidade, etc.

    ',Se pensannos em tennos de profisses e campos aplicados de conhecimento envolvidos, essa "Iista aumenta ainda mais, pois ternos ainda profisses e reas de saber que constituem "recombinaes" de uma ou mais disciplinas bsicas. Este o caso do servio social, enfennagem, terapia ocupacional, educao, educao fisica, fonoaudiologia, entre outros, j integrantes h algum tempo das modernas equipes multiprofissionais de sade mental e engajadas no cuidado direto com a clientela. Alm dessas reas disciplinares e aplicadas, a sade mental ainda tem forte tradio de trabalho conjunto com o campo da arte, atravs das diferentes teorias e prticas em arteterapia e terapia ocupacional, bem corno dialoga e interage constante e fortemente com o campo do senso comum, da cultura popular e das tradies espiritUais.

  • reforma psiquitrica no Brasil e no mundo, com prticas criativas e inovadoras l Vasconcelos, 2000).

    3.3. Os conceitos bsicos das "prticas inter-"

    3.3.1. O debate acerca do ecletismo. pluralismo e da onipotncia terica

    comum ver leitores e pessoas que tomam contato pela primeira vez com abordagens acerca da complexidade e interdisciplinaridade tendo uma impresso de que elas estariam sugerindo a adoo de um "ecletismo teri-co". H ai uma clara confuso semntica acerca do conceito de ecletismo, mas tambm um debate terico-poltico e epistemolgico implcito que precisa ser esclarecido.

    Por ecletismo entendemos a conciliao e o uso simultneo, linear e in-discriminado de teorias e pontos de vista tericos e ticos diversos sem con-siderar as diferenas e incompatibilidades na origem histrica, na base con-ceitual e epistemolgica, e nas implicaes ticas, ideolgicas e polticas de cada um desses pontos de vista, o que sem dvida problemtico, como j discutimos no captulo anterior. Entretanto, isso diferente de reconhecer a complexidade e multidimensionalidade dos fenmenos fisicos, biolgicos, humanos, !>ociais e ambientais, que exigem um conjunto pluralista de pers-pectivas diferentes de abordagem.

    Assim, toma-se tambm necessrio esclarecer o conceito de pluralismo. Para isso, gostaria de retomar a sistematizao proposta por Carlos Nelson Coutinho C 1991) que, a partir de uma rpida e panormica viso do pensa-mento poltico no Ocidente desde os gregos, salienta que o pensamento mo-derno nos colocou diante do desafio de buscar uma sntese entre a necessida-de de uma vontade coletiva C ou de projetos com vocao hegemnica, segun-do a abordagem gramsciana), que impede as mltiplas associaes de inte-resses de carem na fragmentao corporativa ou particularista, por um lado, e, por outro, a conservao dessa multiplicidade, diversidade e pluralismos de sujeitos. Coutinho nos lembra de que nas experincias histricas nas quais esse pluralismo foi negado tivemos claros casos de despotismo.

    O autor, sabiamente, retoma o postulado de que no h cincia que esgo-te o real pois ela sempre aproximativa. Tambm nos alerta que o pluralismo no significa ecletismo ou relativismo moral, ou seja, a conciliao de pontos de vista tericos e ticos inconciliveis. Pluralismo , nesse sentido, "

    .........

    ,

    sinnimo de abertura para o diferente, de respeito pela posio alheia, consi-derando que essa posio, ao nos advertir para os nossos erros e limites, e ao fornecer sugestes, necessria ao prprio desenvolvimento de nossa posio e, de modo geral, da cincia" Copo cit.: 14). Coutinho ainda nos chama a ateno para o fato de que a produo de verdades nas cincias sociais sem-pre atravessada pelos valores e concepes de mundo, que so objetivados ao serem compartilhados intersubjetivamente por conjuntos substantivos de pes-soas. Os projetos histricos hegemnicos e o conhecimento cientfico em cincias sociais implicam, assim, a formao de vontades e saberes coletivos com nveis diferenciados de consenso e pactao, o que requer uma unidade interna dinmica e baseada na diversidade: "Nesse sentido, no ec1etismo, no mau sentido da palavra, levar em conta o ponto de vista do outro e se em-penhar para elaborar uma conscincia coletiva que implique em muitos casos, a conciliao com o ponto de vista contrrio" (idem: 16).

    As formulaes gramscianas de Coutinho so inteiramente aplicveis nossa discusso acerca das bases das prticas interdisciplinares. Entretanto, creio que a confuso entre ecletismo e pluralismo no apenas se

    mntica ou cognitiva, mas esconde uma problemtica epistemolgica e

    poltica implcita que deve ficar mais clara, associada discusso sobre o imperialismo epistemolgico que discutimos no captulo anterior. Em al-gumas abordagens das cincias sociais, o ecletismo terico associado a uma carga emocional e poltica pejorativa muito forte, muito alm dos equvocos conceituais e epistemolgicos como os identificados acima. O pressuposto dessa conotao superdimensionada, geralmente no explicitado, o da possibilidade da existncia de uma teoria ou metadiscurso onipotente, capaz de revelar completamente as mltiplas dimenses essenciais do real e abarcar toda a complexidade e todos os problemas e objetos especficos de investigao e atuao social e profissional. Assim, a crtica ao ecletismo no acionada apenas no plano terico e racional, mas opera um dispositivo imaginrio tpico de projetos histrico-nstitucionas no democrticos, que se sustentam na estratgia de imperialismo epistemolgico e que interpelam identidades sociais "compactas" e no pluralistas: a da associao nconsciente do ecltico com a imagem do "herege", "pecador" e/ou do "traidor da causa" de uma teoria que considerada como a fonte idealizada e onipotente para encaminhar a soluo de todos os problemas da humanidade e do planeta. Espero que a discusso feita no capitulo anterior tenha deixado clara a minha completa oposio a esse tipo de cosmoviso e concepo epistemolgica, que bloqueia qualquer possibilidade de prtica interdisciplinar pluralista.

  • eduardo Mourao Vasconcelos

    3.3.2. Os diversos campos que se interagem nas "prticas inter- ": disciplinas. teorias, paradigmas, campos epistemolgicos, profisses e campos de saber/fazer

    Gostaria de iniciar esta seo com uma afirmao que pode parecer contraditria com tudo o que j foi dito neste capitulo: considero que os ter-mos interdisciplinaridade e transdisciplinaridade reduzem a riqueza do fe-nmeno e das vrias possibilidades de estratgias concretas das novas formas de conhecimento e prtica. Vamos esclarecer isso a seguir.

    Quem melhor indicou na direo desse insight foi Almeida Filho 11, dis-cutindo a perspectiva defendida por mim e por outros autores com posio similar, expressa em meus textos anteriores, mostrando como nossas posies poderiam estar reificando acritica e a-historicamente a noo de disciplina. Em outras palavras, uma perspectiva ingnua da noo de disciplina e da prpria interdisciplinaridade pode obscurecer a sua historicidade, na medida em que constituem processos associados diviso sociotcnica do trabalho e do saber/poder disciplinar, como exposto na segunda seo deste captulo. Entretanto, considero que Almeida Filho tem razo apenas em parte, pois uma viso apenas historicista obscurece as diferenas ontolgicas dos fenmenos, que requerem formas de conhecimento e estratgias epistemolgicas diversas para serem captadas, como foi discutido no captulo anterior, e que muitas vezes se expressam de outra maneira, como em paradigmas diferentes dentro de uma mesma disciplina cientfica convencionaL

    Assim, s diferenas no emergem apenas atravs das fronteiras entre disciplinas (mesmo que entendidas como sedimentadas historicamente, atravs da associao com os mais diversos interesses sociais), mas tambm entre teorias, paradigmas, campos epistemolgicos, profisses e campos de saber/fazer. Desta forma, creio que muito mais correto falarmos de . . . . . . . . . . . . . . . . .

    11). Naomar de Almeida Filho (1997: 17), respeitvel epidemiologista sediado em Salvador e especializado na rea de psiquiatria, expressou o nico comentrio crtico a que tive acesso, a respeito do contedo de meus trabalhos sobre interdisciplinaridade, atribuindo a mim e a outros autores similares uma concepo de disciplinas cientificas como "entidades miticas abstratas, produtoras de inter-relaes fetichizadas e idealizadas", em uma leitura que no faz justia pelo menos ao conjunto do meu trabalho. Mesmo reconhecendo que meus trabalhos citados no avanaram muito nas questes epistemolgicas e histricas necessrias para construir a proposta de interdisciplinaridade, penso que esta sustentao necessria ainda muito limitada neste trabalho de Almeida Filho, que considero inconsistente do ponto de vista epistemolgico e institucional, e marcado por um forte vis voluntarista. Mais recentemente, um novo texto desse autor (Almeida Filho, 2000) apresenta uma posio mais amadurecida e enriquecida pelo debate mais aberto de suas idias, j incorporando uma avaliao inicial da noo de complexidade no campo da sade, mas que no considero ainda satisfatria. De qualquer forma, considero as contribuies fei!as por Almeida Filho extremamente salutares, no sentido de tentar avanar o debate em um campo to complexo e dificil.

    prticas "multi-", "pluri-", "inter-" e "trans-" , acompanhadas por essescomplementos diversificados, como quando falamos em prticas multipro-fissionais, pluridisciplinares, intertericas, interparadigmticas, etc. Entretanto, quando precisamos de apenas um termo mais conciso e que seja entendido imediatamente por todos os nossos interlocutores (como no titulo deste livro), creio que no h outra alternativa melhor a no ser usar o velho termo "interdisciplinaridade", na medida em que essa tem sido a forma mais difundida de nos referir ao tema. Observo, porm, que se trata de um uso do termo em uma acepo mais ampla e abrangente, que inclui mas vai muito alm das disciplinas. O leitor pode notar que, quando possvel acrescentar mais uma palavra, utilizo tambm a expresso "prticas interparadigmticas", que parece ser a que melhor expressa o que queremos dizer, dada a importncia fundamental da noo de paradigma na sistematizao a partir da noo de complexidade adotada neste livro.

    Em sntese, as prticas inter- significam a interao entre diversas frontei-ras de saber. Creio que pela abordagem feita at agora, principalmente no ca-ptulo anterior, mais fcil para o leitor compreend-Ias quando se trata de diferentes disciplinas, paradigmas, campos epistemolgicos e profisses, mas a expresso "campos de saber/fazer" tambm foi includa de forma intencional e no to evidente assim. usada para se referir a campos de saber e fazer humanos que no se encaixam nas categorias anteriores, mas que so fundamentais na estratgia da complexidade assumida aqui: a interao com o campo da arte e com o senso comum e/ou cultura popular. Vimos no captulo anterior, com autores tais como Guattari, Adorno e particularmente com Souza Santos, a importncia da racionalidade esttico-expressiva e da construo de um novo senso comum emancipatrio, como elementos do novo paradigma que j se esboam 12. Assim, as prticas de interao no se do apenas entre dimenses e saberes com status acadmicos, mas tambm fortemente com o campo expressivo da arte e com os saberes populares, mesmo que de forma contraditria e paradoxal, como j visto.

    3.3.3. Os diversos tipos de prticas inter-

    Coexistem na literatura especializada concepes muito diferenciadas dos termos referentes interdisciplinaridade (Japiassu, 1976). Para este tra balho, irei propor uma atualizao dos diferentes tipos de prticas inter- in dicacf~s em meus trabalhos anteriores, e inspirados em classificaes suge ridas 'por Japiassu, particularmente a de Jantsch (1972), levando em conta os graus sucessivos de cooperao e de coordenao crescente entre os di versos campos de saber:

    . . . . . . . . . . . . . . . . .

    I 2. Essa direo tambm foi assumida na Declarao de Veneza da Unesco (1987) sobre o assunto.

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  • Definio geral

    Quadro 2: Tipos de "prticas inter-" Tipo de sistema

    Prticas multi- : gama de campos de saber que propomos simultaneamente, mas sem fazer aparecer as relaes existentes entre eles. Prticas pluri-: justaposio de diversos campos de saber situados geralmente no mesmo nivel hierrquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relaes existentes entre elas. Prticas pluri-auxiliares: utilizao de contribuies de um ou mais campos de saber para o domnio de um deles j existente, que se posciona como campo receptor e coordenador dos demais; tendncia ao imperialismo epistemolgico. Prticas inter- : prticas de interao participativa que inclui a construo e pactao de uma axiomtica comum a um grupo de campos de saber conexos, defmida no nvel hierarquicamente superior, introduzindo a noo de finalidade maior que rede fine os elementos internos dos campos originais. Campos trans- : campos de interao de mdio e longo prazo que pactuam urna coordenao de todos os campos de saberes individuais e inter- de um campo mais amplo, sobre a base de uma axiomtica geral compartilhada; tendncia estabilizao e criao de campo de saber com autonomia terica e operativa .prpria.

    Sistema de um s nvel e de objetivos nicos; nenhuma cooperao.

    Sistema de um s nvel e de objetivos mltiplos; cooperao, mas sem coordenao.

    Sistema de dois nveis; coordenao e objetivos hegemonizados pelo campo de saber encampador.

    Sistema de dois nveis e de objetivos mltiplos; coordenao procedendo do nvel superior; tendncia horizontalizao das relaes de poder.

    Sistema de nveis e objetivos mltiplos; coordenao com vistas a urna finalidade comum dos sistemas; tendncia a horizontalizao das relaes de poder.

    Configurao

    o o o

    9-0-Q

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    6 Q~b:::::Q

    :'~" ~tt.Q' .O-,..)-

    ::=:,:. .5:'_>--C~--Ch. '- --"" -- -- -:: i ." -- -- '"

    ,'.

    A exemplificao desses conceitos pode ser feita atravs da retomada de meus trabalhos anteriores sobre o tema, no campo da sade e sade mental.

    As prticas multi- podem ser visualizadas nos ambulatrios de sade e/ou sade mental convencionais, onde profissionais de diferentes reas trabalham isoladamente, geralmente sem cooperao e troca de informaes entre si, a no ser um sistema de referncia e contra-referncia dos clientes, com uma coordenao apenas administrativa.

    Exemplos de prticas pluri- podem ser reunies clnicas onde casos de clientes so discutidos trocando-se informaes dos diversos profissionais que os acompanham, ou reunies de equipe tcnica com protissionais varia-dos que planejam ou avaliam aes e procedimentos cientficos ou assisten-ciais, sem ainda criar uma axiomtica prpria que coordene seus trabalhos. Painis e mesas-redondas em congressos com especialistas de vrias reas, ou artigos do tipo "reviso da literatura", com interaes pontuais, no du-radouras e sistemticas entre as vrias reas, tambm podem constituir exemplos desse tipo.

    As prticas pluriauxiliares podem ser exemplificadas em manuais de psiquiatria ou de outra especialidade em medicina que integram informaes de outras disciplinas e profisses, como da sociologia, psicologia, psi-canlise, sade pblica, etc. Como j visualizamos no campo epistemolgico, e veremos a seguir no campo profissional, dentro de um quadro de relaes de poder muito desiguais entre as diversas corporaes e disciplinas, muitas das prticas usuais de colaborao entre profissionais na sade e sade mental acabam sendo auxiliares. A expresso "paramdica" para caracterizar essa colaborao bastante ilustrativa. Ainda nesse campo, numa dimenso mais ampla, podemos lembrar o j clssico conceito de Castel (1987), "aglutinamento psiquitrico", referindo-se s estratgias de modernizao da psiquiatria contempornea para manter-se hegemnica no campo da sade mental, e que inclui a apropriao de contribuies de outras disciplinas de forma subordinada. Assim, as prticas pluriauxiliares tendem claramente ao imperialismo epistemolgico.

    As prticas inter-, por sua vez, so entendidas aqui como promovendo mudanas estruturais, gerando reciprocidade, enriquecimento mtuo, com uma tendncia horizontalizao das relaes de poder entre os campos implicados. Exigem a identificao de uma problemtica comum, com le-vantamento de uma axiomtica terica e/ou poltica bsica e de uma plata-forma de trabalho conjunto, colocando em comum os princpios e conceitos

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    fundamentais de cada campo original, em um esforo conjunto de decodifi-cao em linguagem mais acessvel dos prprios campos originais e de tra-duo de sua significao para o senso comum(l3), identificando as diferenas e eventuais convergncias entre esses conceitos e permitindo uma comparao contextualizada(14). Desta forma, abre-se caminho para uma fecundao e uma aprendizagem mtua, que no se efetuam por simples adio ou mistura linear, mas por uma recombinao dos elementos internos. Assim, as prticas inter- autnticas tendem, quando prolongadas no tempo, para a criao de novos campos de saber, tericos ou aplicados (como o caso das vrias profisses aplicadas), e at mesmo disciplinares (como a psicossociologia, a psicolingstica, a etnopsiquiatria, etc.). Muitas das prticas em servios de sade mental brasileiros que se inspiram na proposta de desinstitucionalizao formulada pela Psiquiatria Democrtica italiana possuem vrias dessas caractersticas bsicas. Em geral, essas prticas implicam um srio questionamento e recolocao em novas bases dos princpios e da formao convencional aprendidos pelos profissionais nos cursos universitrios tradicionais, exigindo uma cultura institucional nova nos servios, capaz de oferecer um clima favorvel para este processo de reelaborao de suas identidades profissionais originais, bem como uma democratizao efetiva das relaes de poder nas equipes, apesar de todos os atravessamentos em contrrio, como veremos a seguir.

    Por ltimo, os campos trans- implicam em uma radicalizao do nvel anterior, com a estabilizao de um campo terico, aplicado ou disciplinar, de tipo novo e mais amplo. A ecologia e a sade coletiva constituem bons exemplos disso. O campo da sade mental tambm pode ser entendido como um campo transdisciplinar e transparadigmtico, capaz de confrontar e flexibilizar as divises convencionais das especialidades e democratizar as relaes de poder entre elas, tendendo a criar, inclusive, novos tipos de trabalhadores, com uma profissionalidade mais ampla. As categorias de "operador", no sistema italiano, e a de "trabalhador da sade mental", no contexto brasileiro, so sinais claros dessa tendncia.

    . . . . . . . . . . . . . . . . .

    \ :;. Nesse tipo de operao de traduo para o senso comum, ver a estratgia inspirada em Witt genstein descrita no capitulo anterior. . -+. O conceito de "comparao contextualizada", de minha autoria, j foi indicado no capitulo anterior, mas ser melhor explicado na segunda parte deste livro, no capitulo sobre desenho de pesquisa.

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    Complexdcde e pesquisa interdisciplincr ! J

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    3.4. Obstculos e limitaes s prticas inter

    3.4.1. O profissionalismo Alm do debate no campo da filosofia, epistemologia e poltica, a in-

    vestigao dos conflitos e processos de poder nas prticas inter- fica muito mais clara se a colocarmos no campo das profisses e de suas instituies. Para isso, retomarei um tema importante indicado em meus trabalhos ante-riores, como uma reelaborao da proposta analtica feita por autores anglo-saxes da rea da sociologia das profisses (Parry & Parry, 1976; Ramon, 1987) para o que chamam "profissionalismo". Neste trabalho, podemos entend-lo como incluindo quatro elementos bsicos:

    a) Processo de insero histrica na diviso social e tcnica do trabalho e da constituio dos saberes enquanto estratgia de poder: cada profis-so, antes de sua formalizao, foi se inserindo no mercado de trabalho gradativamente, conquistando espao, sistematizando tcnicas e sabe-res, produzindo verdades e rituais de poder, mostrando sua eficcia e se legitimando perante a sociedade. O conhecimento desse processo(15) fundamental para entender as prticas profissionais contemporneas.

    b) Mandato social sobre um campo especfico: a formalizao das pro-fisses acompanhada por um reconhecimento de reivindicaes de um saber e competncia exclusivos, no qual as esferas dominantes daquela sociedade particular ou o Estado atribuem um mandato social para tomar decises, realizar tarefas especficas, controlar recursos e para atribuio de responsabilidade legal em caso de problemas, cris-talizando um patamar prprio de diviso social e tcnica do trabalho. Nas democracias modernas esse processo formalizado pelas esferas legislativas, atravs de legislaes profissionais e assistenciais, mas o mandato social das profisses sofrer tambm forte influncia da forma como se estruturam as polticas sociais, na esfera do executivo e da sociedade civil, como veremos abaixo.

    c) lnstitucionalizao de organizaes corporativas: os sindicatos, asso-ciaes e conselhos profissionais estabelecem continuamente fronteirs de saber e competncia com as outras profisses; exercem controle sobre a formao e as prticas dos afiliados, incluindo normas ticas; e

    . . . . . . . . . . . . . . . . .

    15 - Sobre o assunto, o marxismo e a obra de Foucault e seus seguidores constituem as principais correntes de investigao, com enfoques e perspectivas diferenciados. Para uma abordagem comparatiY:l entre os dois enfoques, ver Ingleby (1983).

  • e s situaes de .'no saber" e "no saber fazer", ameaando a estabilidade, o status adquirido e os interesses econmicos, polticos e institucionais en-volvidos. Assim. a tendncia mais imediata e freqente de se criarem de-fesas muito fortes mudana.

    Apesar de todas essas dificuldades, o atual esforo para recolocar novas bases tericas e prticas em sade mental e a proposio de novos postos de trabalho e equipes multiprofissionais mais democrticas, tendo como um dos objetivos o desenvolvimento de prticas interdisciplinares, vem criando condies bastante favorveis para os profissionais reelaborarem a sua cultura e identidades profissionais, que constituem os componentes mais flexveis do profissionalismo. No h a menor sombra de dvidas de que o setor sade mental, dentro do conjunto do setor sade, reconhecido hoje no pas como o que mais avanou na direo da interdisciplinaridade.

    3.4.2. As prticas inter- e suas relaes com a estrutura das polticas pblicas e sociais - O exemplo da interface entre os cuidados nas reas social e da sade mental

    A interao entre campos tericos e disciplinares diversos reflete desafios ontolgicos e epistemolgicos.( discutidos no captulo anterior) e a institucionalizao do saber acadmico e profissional, como visto no presente captulo, tambm est incrustada na estrutura das instituies mais gerais da sociedade civil e do Estado. Neste ltimo, a institucionalizao das polticas pblicas e sociais, seus mecanismos de financiamento, pesquisa/planejamento, organizao administrativa e de execuo, reproduzem a dinmica hegemnica de relao entre saberes e de poder entre os cientistas e profissionais. Os pesquisadores e trabalhadores inseridos em polticas pblicas e engajados em lutas emancipatrias devem estar conscientes de que os desafios encontrados para implementao dos princpios da complexidade e interdisciplinaridade em sua prtica cotidiana reproduzem desafios epistemolgicos e relaes de poder similares aos j descritos para o campo estritamente cienttico/acadmico e profissional. Para melhor exemplificar essa dinmica, proponho retomar e atualizar a discusso feita em trabalhos anteriores, mas ainda atuais, no campo do cuidado social e da sade mental.

    Apesar da tendncia estabilidade das estruturas do profissionalismo, arelao entre as profisses na rea social e da sade mental vem sofrendorecentemente algumas mudanas significativas com a nova nfase no de-senvolvimento de estratgias comunitrias de servios sociais pessoais e em sade mental no plano internacional, revelando algumas nuances interessantes na relao entre os mandatos sociais das profisses e a estrutura

    Complexidade e pesquisa interdisciplinar ! II di

    das polticas sociais. Em geral, os programas de sade mental na maioria dos pases ocidentais se sustentam em duas linhas de financiamento e de estruturas poltico-assistenciais: a sade e a assistncia social. A passagem e a integrao de servios e responsabilidades entre as duas estruturas geram competio interprofissional e interinstitucional, por um lado, e, por outro, verdadeiros "buracos negros" na assistncia, implicando em burocratizao, negligncia e jogo de "empurra-empurra" de competncias, principalmente na assistncia s questes mais complexas e espinhosas. Por exemplo, servios de sade mental tendem a medicar, oferecer psicoterapias e "reabilitao imediata", mas servios residenciais, trabalho, servios sociais pessoais, dispositivos de reabilitao psicossocial, tais como acompanhamento teraputico e assistncia domiciliar de longo prazo, todos tendem a ser inseridos e responsabilizados nos rgos de assistncia social. Essa passagem da rea da sade para a social, nos pases com baixo nvel de assistncia social pblica como o Brasil, acompanhada quase sempre de negligncia social, e as instituies e profissionais mais convencionais de sade mental tendem tradicionalmente a lavar as mos dizendo que o problema no deles, entregando esse enorme desafio ao servio social. Este geralmente conta neste tipo de instituio com um reduzido poder profissional e com poucas alternativas concretas de implementao de servios mais complexos e mais abrangentes, com srias implicaes para a efetividade da proposta de desinstitucionalizao e para a oferta de um cuidado integral ao usurio e sua famlia.

    Como isso tem sido encaminhado no plano internacional? A estratgia da Psiquiatria Democrtica na Itlia para esse dilema, que praticamente superou a desintegrao tradicional entre as duas linhas de financiamento e servios, foi colocar todos os servios sociais para a clientela da sade mental sob a responsabilidade direta do distrito sanitrio - dos servios territoriais de sade mental-, implicando, naturalmente, em coloc-los claramente sob a superviso e poder dos psiquiatras. Curiosamente, no entanto, o inverso tambm ocorre. No caso do processo de desinstitucionalizao na Sucia, a forte tradio e enraizamento dos servios sociais pessoais, de base local e comunitria, absorveu a clientela da sade mental no conjunto da assistncia aos cidados com alguma forma de dependncia, como os deficientes, idosos e doentes crnicos. Os psiquiatras acabaram por continuar hegemnicos apenas na direo dos servios de emergncia psiquitrica e servios ambulatoriais, pois para a clientela dos servios comunitrios - que tendem a ser coordenados por assistentes sociais - os mdicos prestam servios pontuais, como medicao e diagnstico, a partir dos servios de sade locais.

    .-.

  • Esse encaminhamento do processo na Sucia, segundo algumas de suas lideranas, tende a tornar mais conservadora a categoria dos psiquiatras. Na Inglaterra, temos talvez um caso intermedirio. L, a diviso entre sade mental e assistncia social tambm existe, com problemas semelhantes na busca da integralidade e responsabilidade unificada pela assistncia em sade mental. Como um pas com forte tradio de servios sociais pessoais, a assstncia de base domiciliar tende a ficar sob a responsabilidade do servio social, cujo mandato social abrange inclusive tarefas que hoje no Brasil so atribuies dos mdicos, tais como a definio do servio para o qual o usurio encaminhado e a implementao da internao compulsria na comunidade.

    Para concluir esta seo, podemos dizer ento que as propostas de com-plexidade, integralidade do cuidado e integrao intersetorial no podem ser concebidas e analisadas sem a devida considerao a essas estruturas histricas extremamente complexas das polticas pblicas e sociais, que possuem uma dinmica institucional, financeira e de gesto bastante parti-culares, e que podem resistir s tentativas de implementao de prticas in-terdisciplinares.

    3.4.3. A deteriorao das condies atuais de trabalho profissional A crise do trabalho nas sociedades capitalistas contemporneas, tendo

    em vista a atual conjuntura de neoliberalismo e de crise do Estado e de suas polticas socais, principal campo de trabalho na rea de projetos pblicos e de servios sociais e de sade, vem oferecendo inmeros obstculos s pr-ticas inter-, principalmente em pases do Terceiro Mundo, onde essa crise ao mesmo tempo mais estrutural e mais aguda. Entre as principais mudan-as recentes que afetam as condies de trabalho profissional, podemos lis-taras seguintes:

    . crescimento estrutural das taxas de desocupao, com a formao de grandes contingentes de desempregados, e aumento do poder patronal, da intensidade e ritmo de trabalho para aqueles empregados;

    . reduo do montante de vnculos trabalhistas permanentes e crescente terceirizao de fora de trabalho com vnculos temporrios e precrios, por meio da desregulamentao dos contratos e de regras laborais, juntamente com tlexibilzao de horrios e do tempo de trabalho, implicando em segmentao do mercado de trabalho e forte perda de direitos e conquistas dos trabalhadores;

    Complexidade e pesquisa interdisciplinar

    . polticas de reajustes salariais restritivos, com perdas acentuadas do poder aquisitivo para os trabalhadores, os quais buscam compens-Ias com multiempregos e atividades rentveis autnomas, o que na rea pblicaleva ao enfraquecimento do vnculo e compromisso com o trabalho e com os consumidores das polticas sociais, ou seja, os cidados;

    . polticas gerenciais inspiradas no aumento da competitividade do mercado, exigindo reduo de custos e aumento da qualidade, em processos complexos que, a despeito do aumento da flexibilidade e de certos processos de enriquecimento de tarefa, implicam na busca de adeso total ("vestir a camisa") organzao e na institucionalizao de controles rgidos de produtividade e qualidade, com perda da autonomia e padres ticos profissionais(18);

    . introduo vertiginosa de novas tecnologias, processos comunicacionas e informatizao do trabalho, com nfase na compresso do tempo/espao operacional, na racional idade instrumental e nos indicadores quantitativos de sucesso e produtividade, e diminuio do espao para a reflexo crtica, gesto participativa e mudanas qualitativo-estruturais.

    Nessas condies, o trabalho profissional interdisciplinar encontra difi-culdades e barreiras fortssimas para sua implementao efetiva. Podemos exemplificar isso recorrendo novamente aos campos da sade e sade mental. Criar uma cultura profissional adequada ao contexto da sade pblica, em que os profissionais possam aderir s propostas de mudana de suas identidades profissionais convencionais para se engajarem em prticas inter- de todos os tipos, exige um mnimo de reciprocidade em termos de salrios dignos, boas condies de trabalho, jornada de trabalho que evite o multiemprego excessivo (que impede o compromisso com as atividades locais de cada vnculo), e investimento em treinamento e superviso. No Brasil, nas condies atuais da lei de responsabilidade fiscal, de terceirizao muitas vezes massiva de recursos humanos para projetos sociais e de sade, da crise financeira e gerencial das polticas sociais das prefeituras - principais responsveis pela assistncia no processo demunicipalizao da sade e sade mental-, essas condies ideais so raramente alcanadas e muitas

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    . . . . . . . . . . . . . .

    18. interessante notar que essas condies de trabalho e essa cultura gerencial contempornea tm levado, inclusive certos autores anteriormente mais criticos do profissionalismo, tanto aqueles originrios do campo da

    sociologia do trabalho (Freidson, 1998), quanto aqueles do campo da sade mental (Ramon, 1999), a reconsiderar suas posies e enfatizarem a importncia do profissionalisino e suas eXigncias de autonomia,

    como forma de resistncia perda crescente dos padres mnimos de dignidade e tica profissional.

  • Eduardo Mouro Vasconcelos

    vezes assistimos a uma luta e mobilizao muito forte dos trabalhadores e servidores para reivindicarem ou suprirem tais deficincias por diversos outros meios.

    De qualquer forma, no campo da sade mental, a experincia vem de-monstrando que a implantao efetiva e-bem-sucedida dos novos servios especficos de reabilitao psicossocial depende no s dos mecanismos de financiamento pelo Ministrio da Sade e dos conselhos e comisses de ne-gociao dentro do aparelho de Estado, mas primordialmente do que tenho chamado de "pactos polticos e sociais locais". Por isso entendo que os governos municipais, os partidos polticos, os servidores e a sociedade civil local devem se posicionar claramente em tomo das bandeiras da prioridade do investimento social, de condies de trabalho minimamente dignas para os servidores pblicos, bem como dos novos princpios em sade mental, para introduzir de forma criativa as condies necessrias para a implementao de servios de ateno psicossocial de carter amplo (como consta na plataforma da reforma psiquitrica) e motivar seus trabalhadores em tomo dela. Isso j vem acontecendo em vrios municpios brasileiros, particularmente naqueles nos quais governos municipais de orientao popular-democrtica comprometidos com a questo social e a sade mental so capazes de se manter no poder por vrios mandatos. Assim, este tipo de "prioridade pelo social", abrangendo tambm os outros setores das polticas pblicas, deve cqnstituir no s uma poltica de governo, mas tambm da sociedade civil como um todo.

    Portanto, para concluir esta seo, do ponto de vista particular dos trabalhadores e suas lutas sindicais, o desenvolvimento de prticas intersetoriais e interdisciplinares exige no s manter firme as mobilizaes por melhores salrios e condies de trabalho, tanto no campo estatal, como no chamado "terceiro setor" e no campo das atividades privadas/lucrativas da rea de servios, mas ir alm delas. A criao de condies mnimas de trabalho compatveis com as prticas interdisciplinares requer luta por pactos sociais societrios capazes de sustentar as prioridades pelo investimento quantitativo e qualitativo satisfatrio em polticas pblicas e sociais comprometidas com a maioria da populao empobrecida de nossos pases perifricos.

    3.5. Recomendaes para a implementao de prticas interdisciplinares e interparadigmticas

    A partir da anlise proposta acima, creio que temos condies para con-cluir este captulo retomando algumas recomendaes feitas em trabalhos

    Complexidade e pesquisa interdisciplinor

    anteriores, teis tanto para projetos de pesquisa, como para programas e servios assistenciais que queiram implantar prticas interdisciplinares. Apesar de seu enfoque ter sido inspirado nas experincias no campo da sade mental, tenho certeza de que estas recomendaes so plenamente aplicveis nas diversas reas humanas, sociais e da sade. Dito isso, podemos listar as seguintes sugestes:

    a) O desenvolvimento histrico das prticas interdisciplinares dever re-colocar estrategicamente em questo, a mdio e longo prazo, as legislaes profissionais em geral e do sistema de servios sociais, de sade e de sade mental, no sentido de descobrir brechas que possibilitem distribuir melhor as responsabilidades legais das prticas entre os diversos profissionais, possibilitando assim flexibilizar os mandatos sociais. Ser necessrio investigar bases jurdicas "preventivas" que sustentem os processos de democratizao das equipes interdisciplinares e que ao mesmo tempo assegurem e ampliem os interesses e as garantias j conquistadas pelos usurios nas legislaes em vigor atualmente, em termos de normas ticas e de qualidade nos servios. A curto prazo, os projetos de pesquisa e de ao profissional podero mostrar que as prticas interdisciplinares buscam quebrar a solido e a suposta onipotncia jogada nas costas dos profissiGnais cujo mandato social mais abrangente, visando a diviso de responsabilidades, a colaborao mtua nas decises dificeis- e o enriquecimento de sua profissionalidade.

    b) Ainda em relao estrutura institucional e legal, muito importante criar e negociar dispositivos de defesa e de autonomia relativa dentro do projeto ou servio, em relao a cobranas corporativas, administrativas e institucionais conservadoras de origem externa, que tendem muitas vezes a exigir formas de trabalho e produo convencionais, reforando assim as metodologias e as identidades profissionais tradicionais. Esses "mecanismos de defesa" institucionais propiciam um clima de maior segurana interna para a ousadia e experimentao de novas metodologias de pesquisa, novos dispositivos tcnicos, assistenciais e ticos.

    c) Quando possvel, a seleo criteriosa dos profissionais e/ou pesquisa-dores que iro participar de qualquer projeto interdisciplinar constitui um passo fundamental, particularmente daqueles que detm um poder mais proeminente (os "agentes privilegiados" e portadores de "mandato institucional", na linguagem de Albuquerque) dentro do conjunto das equipes. Em sade mental, so eles que possuem modelos de atuao mais padronizados, como os psiquiatras, os psiclogos e psicanalistas.

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  • Eduardo Mauro Vasconcelos

    Nas equipes profissionais e de pesquisadores ainda em formao, essencial recrutar profissionais identificados politicamente com as propostas terico-metodolgicas ou assistenciais inovadoras e que possuam flexibilidade e competncia para trabalhar de acordo com os novos modelos propostos.

    d) Na medida do possvel, o incentivo s prticas inter- nas universidades e instituies acadmicas em geral no deve se limitar aos dispositivos e ambientes de pesquisa, mas tambm. ampliar-se para a formao bsica dos profissionais e para a transformao dos curriculos dos cursos de graduao e ps-graduao. Gradualmente, o objetivo estratgico ca-minhar para formas o mais hbridas 19 possveis de formao acadmica e protissional, na direo de uma reprofissionalizao mais complexa, capaz de dar conta dos desafios tericos e prticos dos campos transdis-ciplinares. Esse processo pode se iniciar taticamente antes mesmo da mudana dos currculos, com o estmulo ativo freqentao e incorpo-rao pelo aluno ao seu currculo de disciplinas de diferentes reas de conhecimento, bem como por meio da produo de eventos que incluam diferentes perspectivas tericas, disciplinares e paradigmticas. Alm disso, programas e projetos de estgio, pesquisa e extenso que incorpo-rem diferentes tipos de profissionais e pesquisadores so tambm essen-ciais para estimular uma formao interdisciplinar.

    e) Nessa mesma direo, toma-se fundamental defender a necessria inte-grao da pesquisa ao ensino e extenso, bem como de esquemas de es-tgio profissional e de bolsistas de iniciao cientfica, se possvel com inseres diretamente nos prprios servios sociais, de sade e sade mental de base local. A presena dos estudantes e bolsistas nas equipes de pesquisa significa um elemento de "sangue novo", "ventilao" e de critica constante dos trabalhos, pois os pesquisadores e profissionais re-gulares tendem a ir naturalmente institucionalizando sua prtica de forma rotineira. Alm disso, a pesquisa leva sempre aos servios componentes de avaliao, de sistematizao e de propagao das novas experincias. A divulgao de trabalhos sobre estas prticas inovadoras em monografias, revistas cientficas e na mdia convencional fundamental para a sua legitimao e difuso mais ampla. Alm do que, a presena

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    11). O conceito de profissionais "hibridos" constitui o centro da proposta de Almeida Filho (1997, 2000) para sustentar a interdisciplinaridade. Trata-se, sem dvida. de uma proposta interessante e indispensvel mas no pode ser colocada isoladamente. como estratgia suficiente para sua sustentao.

    Complexidade e pesquisa interdisciplinar

    dos estudantes nas equipes de pesquisa estimula o interesse e a formao de pesquisadores desde o periodo da graduao.

    f) Nos projetos de pesquisa e atividades profissionais integradas, fun-damental criar uma vontade poltica o mais consensuada possvel entre os pesquisadores e trabalhadores da equipe em torno de um projeto tico, terico-metodolgico, poltico ou assistencial que contemple as novas perspectivas paradigmticas e experincias concretas. Isso pode ser realizado na forma de constantes seminrios e aulas tericas, visitas a outros projetos e servios inovadores e comprometidos, convites a pesquisadores, profissionais e especialistas externos engajados, eventos de troca de experincia entre projetos semelhantes, publicaes, etc. Esse projeto fundamental para criar balizas mais gerais de orientao e avaliao para o trabalho, acima das veleidades e particularidades de cada categoria ou subgrupo de profissionais.

    g) Nas relaes institucionais da pesquisa, programa ou projeto, torna-se fundamental uma estrutura democrtica, sem privilgios corporativos, com mecanismos de discusso e deciso horizontais que estimulem a negociao constante. Isso no significa de forma alguma cair no democratismo e complacncia generalizada, pelos quais se torna dificil a prestao de contas e a cobrana dos deveres de cada um.

    h) Dentro da estrutura dos grupos profissionais e de pesquisa, muito importante criar dispositivos grupais e institucionais que estimulem a disponibilidade para analisar e quebrar as defesas corporativas, onde cada pesquisador ou profissional possa reconhecer e expor as fragilidades, parcialidades e limites de sua abordagem, trocar informaes, aprender com a experincia do outro, refazer sua identidade profissional em novas bases, e poder ir elaborando os inevitveis conflitos terico-metodolgicos, institucionais e polticos da vida diria nos projetos. Alm disso, trabalhar em campos como o da sade mental, ou em vrias outras reas cujo objeto da pesquisa ou clientela mobilizam, mais fortemente a subjetividade dos pesquisadores e trabalhadores (por exemplo, idosos, portadores de HIV, doentes terminais, pessoas, com dependncia qumica, deficientes, meninos e meninas e outros grupos sociais em situao de rua, mulheres e crianas com experincia de violncia e negligncia, presidirios, etc.) significa necessariamente um confronto dirio com nossas prprias dimenses subjetivas e pessoais, e a inexistncia de mecanismos para se elaborar tais dificuldades acaba por "endurecer" e fortalecer os mecanismos de defesa dos

  • Eduardo Mouro Vasconcelos

    pesquisadores e trabalhadores em relao ao novo e ao instituinte. Para criar oportunidades de elaborao desse conjunto de processos acima, h inmeras tcnicas e dispositivos grupais, socioanalticos e institucionalistas (Albuquerque, 1978 e 1986; Lourau, 1995; Baremblitt, 1982 e 1992; Levy et aI., 1994) disponveis para serem incorporados ao cronograma regular, em superviso ou formas de treinamento, regulares ou no.

    A superviso tem um papel fundamental na implementao das prticas inter- e na democratizao das equipes maiores de pesquisa e trabalho. Para exemplificar, no campo da sade mental podemos indicar basicamente quatro tipos de superviso:

    . profissional ou clnica: avaliao de casos, estudo da teoria, etc.

    . administrativa e/ou estratgica: planejamento, estabelecimento, avaliao e reviso de objetivos, metas, custos, produo realizada, qualidade e efetividade dos servios, impacto, etc.

    . institucional: anlise dos processos de poder e conflitos polticos, ideolgicos e institucionais vividos no cotidiano dos projetos. . suporte pessoal: dispositivos de elaborao das vivncias subjetivas, pessoais

    e coletivas, da vida diria e da relao com informantes e clientela, com os outros profissionais, com as condies de trabalho e outras im;tituies.

    A nossa experincia sugere que os dois ltimos tipos devam ser feitos de forma conjunta, para se evitar o risco do politicismo, por um lado, e do subje-tivismo, de outro. Infelizmente, os projetos e servios sociais, de sade e sade mental no Brasil, quando oferecem alguma forma de superviso, tendem a prover apenas os tipos de superviso profissional e administrativa.

    i) O estabelecimento de metodologias, tcnicas e abordagens socioclnicas e de pesquisa para a prtica diria e seu suporte terico deve constituir um processo o mais coletivo possivel. Ele deve incluir as contribuies dos diferentes tipos de pesquisadores e profissionais, possibilitando a decodificao dos conceitos de cada disciplina e cultura profissional para o senso comum ou para uma linguagem mais acessvel dentro do prprio campo original de saber, forjando um registro da prtica de decodificao a partir da contribuio das diferentes correntes participantes e da prxis coletiva do grupo. Isso pode ser desenvolvido, por exemplo, atravs de seminrios amplos, textos-chave, apostilas, onde cada grupo de profissionais ou pesquisadores possa democratizar para o conjunto da equipe seus

    Complexidade e pesquisa interdisciplinar

    pressupostos, ou at mesmo atravs da formalizao de um glossrio que inclua os conceitos bsicos de cada abordagem e uma anlise comparativa de seu uso em relao aos demais. Na medida em que o trabalho comum avana, possvel inclusive apropriar ou mesmo criar conceitos que exprimam de forma cada vez mais precisa a prxis comum ou hegemnica no coletivo.

    j) A perspectiva da complexidade implica incentivar a recuperao da complexidade do objeto e do autoconhecimento dos pesquisadores ou trabalhadores, bem como o reconhecimento e desenvolvimento das diversas dimenses e aptides da vida na populao em estudo ou clientela, principalmente no campo da sade mental. Isso implica tambm na valorizao dessas dimenses nos pesquisadores/trabalhadores que so os responsveis mais diretos pelo estmulo desse processo junto clientela -, o que na maioria das vezes extrapola a sua capacitao especificamente tcnica e profissional. Assim, a experincia recente nos novos servios de sade mental indica que importante se apropriar e estimular o uso pelos trabalhadores de suas habilidades extraprofissionais, como em artes plsticas, msica, dana, teatro, turismo, esportes, atividades corporais, etc. Da mesma forma, tambm importante valorizar nesses trabalhadores as habilidades tcnicas e profissionais no diretamente ligadas ao campo "psi", mas que podem ser importantes no desenvolvimento de recursos variados de ateno psicossocial ou de pesquisa desses dispositivos. Por exemplo: um psiclogo pode ter feito um curso tcnico em agronomia e seu saber pode ser utilizado em uma "oficina da terra"; ou os conhecimentos prvios em contabilidade e administrao de uma assistente social podem ser fundamentais para a organizao ou investigao de cooperativas ou empresas sociais. Isso cria, na prtica, um ambiente aberto de prticas interdisciplinares, estimulando a quebra dos lmites institucionais de competncia e/ou associados aos interesses corporativos.

    1) Nada mais salutar para quebrar as especialidades e as identidades profissionais parciais do que dar voz e propiciar a participao ativa

    daclientela dos servios ou dos informantes da pesquisa, para que reafir mem a complexidade de suas realidades, suas demandas e suas avaliaes sobre a assistncia, bem como para construrem ou indicarem junto com os trabalhadores ou pesquisadores dispositivos de reinveno da vida que no se limitem concepo de assistncia convencional. Para isso, os projetos assistenciais e de pesquisa devem prever mecanismos de escuta e participao ativa dos usurios e.seus familia

    -

  • Eduardo Mouro Vasconcelos

    res dentro e fora dos servios ou na investigao, como no caso das estratgias de pesquisa-ao.

    Concluda ento esta primera parte do livro, sobre as bases estticas e epstemolgicas das prticas interdisciplinares e nterparadigmticas, pas-semos ento segunda parte do trabalho, em que veremos como as idias desenvolvidas at agora podem ser materializadas em uma metodologia operativa para o planejamento e a implementao concreta de pesquisas.

    Manual operativo para pesquisas interdisciplinares e interparadigmticas

    . '.

    : "

    0' desenvolvimento que a racionalidade reconhece os . limites da razo e efetua o dilogo como o

    irracionalizvel. [...] A partir da, podemos assumir, mas com plena conscincia, o destino antropolgico do Homo sapiens-demens, que implica nunca cessar de fazer dialogar em ns mesmos sabedoria e loucura, ousadia e prudncia, economia e gastos, temperana e consumao, desprendimento e apego. Tudo isso implica em endossar essa tenso dialoga/' que mantm permanentemente a complementaridade e o antagonismo entre amor-poesia e sabedoria-racionalidade (Edgar Morin, Amor, poesia, sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil: 10-11).

  • Complexidade e pesquisa interdisciplinar

    4 da complexidade, esse tipo de pesquisa pode oferecer. Inegveis contribuies para o debate cientfico, acadmico ou em conhecimento aplicado, mas no constitui a modalidade de pesquisa interdisciplinar tpica e inspirada pelo paradigma da complexidade.

    Entretanto, o argumento defendido neste livro para pesquisas engajadas sugere que a produo de conhecimento tente assumir a complexidade e a multidimensionalidade do fenmeno social c humano particular cm foco, recuperando e trazendo para o debate interno da pesquisa um leque delimitado de perspectivas tericas, disciplinares e paradigmticas, dentro de um campo de contribuies c alianas que contemplem as exigncias conceituais, ticas e polticas das lutas emancipatrias e popular-democrticas na abordagem do fenmeno. Assim, a pesquisa interdisciplinar engajada aponta para um panorama mais amplo, mais complexo, mais inseguro, desconhecido e inacabado no plano terico, constituindo maiores desafios para os investigadores que a adotam.

    A fundamentao terica e conceitual em pesquisas complexas e

    interdisciplinares

    4.1. Introduo

    A fundamentao terica normalmente compe uma seo mais ampla que tambm inclui a contextualizao e a problematizao do objeto, como proposto na estrutura bsica dos projetos de pesquisa no primeiro captulo desta segunda parte. As diretrizes mais gerais e as bases epistemolgicas para o estabelecimento da fundamentao terica segundo a perspectiva da complexidade e interdisciplinaridade j foram indicadas na primeira parte deste trabalho. Alm disso, as caractersticas da estrutura terica de uma investigao dependem fundamentalmente das particularidades de cada campo de conhecimento e de suas perspectivas tericas e paradigmticas Assim, buscar-se- neste brevssimo captulo apenas indicar a configurao mais geral da estrutura terica em estudos interdisciplinares, seus desafios principais e algumas sugestes e "dicas" mais operativas e simples para a sua construo.

    As exigncias, desafios e riscos inerentes dessa perspectiva so claros:

    a) exigida uma maior disposio subjetiva, poltica e cognitiva de convivncia com o desconhecido, com o diferente e com a incerteza;

    4.2. Desafios e configurao das estruturas tericas em pesquisas complexas e interdisciplinares

    A estratgia mais comum de construo de uma estrutura terica em investigaes convencionais, no interdisciplinares, consiste na opo por uma abordagem terica e conceitual j conhecida e considerada a mais adequada e frtil para iluminar e enquadrar o fenmeno em foco, do ponto de vista de seu autor. Esse constitui sem dvida alguma um caminho mais seguro e mais econmico, sobretudo para investigadores iniciantes. Da perceptiva do Paradigma

    b) se por um lado a estratgia aberta para as contribuies tericas e conceituais mais relevantes, ela exige de outro lado uma definio mais clara do fenmeno emprico ou terico em foco (como indicado no segundo captulo da presente parte do livro) e um controle mais preciso do delineamento metodolgico (como indicado nos prximos captulos);

    c) requer-se uma reviso bibliogrfica e de experincias relevantes no campo que aponte para as possveis contribuies dentro do mbito popular-democrtico;

    d) exige-se um conhecimento mnimo das diferentes perspectivas tericas e conceitos envolvidos nessas contribuies, bem como um controle rigoroso para evitar o risco de uma.disperso terica e conceitual acentuada, de um ecletismo fcil ou de uma simplificao exagerada' das abordagens envolvidas;

    e)requer-se um mnimo de articulao entre pesquisadores especialistas nas diversas abordagens envolvidas, que contribuiro para o debate e a anlise do fenmeno; .

  • Eduardo Mouro Vosconcelos Complexidade e pesquisa interdisciplinar

    t) requer-se uma conceituao e decodificao dos diferentes conceitos-chave e uma comparao contextualizada que aponte para sinergias, possveis apropriaes ou fertilizaes recprocas, diferenas, contradies e paradoxos,

    Penso que os itens (d) e (e) exigem certos esclarecimentos adicionais, dependendo de quem investiga, se se trata de um pesquisador individual ou grupo de pesquisa, Como vimos, as prticas interdisciplinares ou interpara-.digmticas requerem um mnimo de competncia nos campos de saber en-volvidos, dado que as diversas especialidades tm suas particularidades e complexidades. Grupos de pesquisa envolvendo diversos tipos de especialistas e profissionais constituem o dispositivo ideal para desenvolvimento dessas prticas. Assim, os maiores desafios so encontrados pelos investigadores individuais, que devem ter cuidado redobrado no desenvolvimento de abordagens inter-. Primeiramente, necessrio desenvolver valores bsicos fundamentais, tais como a humildade acadmica e o controle da onipotncia, no reconhecimento dos limites que qualquer investigador deve ter ao "invadir" campos de competncia. Em segundo lugar, toma-se essencial articular momentos de discusso e superviso com especialistas dos campos envolvidos nas principais fases do trabalho, para troca e enriquecimento critico das incurses feitas em outras reas de conhecimento, como melhor indicado abaixo.

    Vejamos como isso pode ser representado analogicamentc nos quadros IO e 11. .

    Quadro 10: Representao analgica de uma abordagem uniterica e uniparadigmtica

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    Podemos agora propor uma analogia com imagens conhecidas que ilustrem o significado disso. Os jogos de quebra-cabeas podem constituir um bom exemplo, principalmente se pudermos imaginar jogos que vm com as peas j soltas e que no apresentem a imagem final a ser a1canada. No final das investigaes unidisciplinares e uni-toricas, podemos esperar painis do jogo com seu ncleo central geralmente completo, s vezes faltando encaixar poucas peas ou com apenas "beiradas" em aberto para futuros estudos. As pesquisas interdisciplinares, por sua vez, acabam constituindo painis com dois ou mais grupos ou ncleos principais isolados com peas encaixadas internamente, mas separados entre si por "zonas de incertezas" ou "de desencaixe" completamente irregulares, que impedem o encaixe entre os ncleos integrantes, ou que constituem poucos e/ou pequenos pontos de ancoragem.

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  • Eduardo Mouro Vasconcelos Complexidade e pesquisa interdisciplinar

    Quadro 11: Representao analgica de uma abordagem intcrdisciplinar ou intcrparadigmtica com comparao

    contextualizada entre trs campos de saber

    4.3. Sugestes e dicas metodolgicas para a construo da fundamentao terico-conceitual em estudos interdisciplinares

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    A partir dos desafios vistos acima, c como desdobramento das inmeras proposies epistemolgicas feitas at o momento, lista as seguintes sugestes metodolgicas para a montagem da fundamentao torica em abordagens interdisciplinares c/ou interparadigmticas engajadas:

    a) Definir a problemtica terica e os conceitos bsicos potenciais a partir dos fenmenos e categorias centrais delimitados na frase do objeto, mais precisamente a partir dos temas j desagregados do objeto central, como indicados no segundo captulo desta segunda parte do livro.

    h) Enfatizar a importncia das revises bibliogrficas, histricas e/ou de experincias atuais relevantes, como forma de mapeamento descritivo das contribuies potenciais.

    c) Valorizar as perspectivas tericas c tcnicas que contribuam potencialmente para a luta popular-democrtica no campo em foco, particularmente aquelas cujos autores ou protagonistas so atuantes no debate acadmico ou na prtica profissional, social ou poltica nas lutas da rea,

    d) Evitar a invalidao totalizante. A partir de uma avaliao crtica inicial em que se delimitam as alianas dentro do campo popular-democrtico que sero consideradas no estudo, a comparao contextualizada c o debate das diferentes perspectivas devem evitar a invalidao in totum, visando manter a autonomia relativa dos campos particulares, o pluralismo e a multidimensionalidade na anlise. Assim, dentro do campo de alianas, a estratgia deve ser muito mais de. avaliao crtica fraterna, no sentido de indicar e sistematizar tanto as diferenas, os problemas, contradies e paradoxos mais significativos colocados entre si pelas diferentes perspectivas, quanto as possveis contribuies/avanos realizados por cada abordagem c as potenciais confluncias, fertilizaes c insights recprocos, reconhecendo a legitimidade das diferentes abordagens engajadas que atuam no campo em foco.

    c) Ampliar o debate entre as diferentes competncias. A anlise interdisciplinar requer sempre ser colocada para exame c debate entre os especialistas das reas e campos envolvidos, como um estgio necessrio e intrnseco s principais fases do processo de investigao e construo dos textos parciais e final da pesquisa. Embora se possa admitir a possibilidade de uma gradativa competncia interdisciplinar a mdio e longo prazo por parte dos pesquisadores que adotam a perspectiva c vo se tomando "hbridos", a complexidade de cada campo, suas particularidades paradigmticas c epistemolgicas, e a atual vertiginosa velocidade no processo de gerao de novos conhecimentos em escala

    P ' . . ,t ~~ . O-I ~ .: C;

  • Eduardo Mouro Vasconcelos Complexidade e pesquisa interdisciplinar 1 7 /

    global tomam impossvel sonhar com a volta da figura mtica do intelectual universal, to forte no pensamento modernista.

    f) Reconhecer o valor estratgico da literatura de referncia. A reviso das diferentes perspectivas tericas e dos conceitos envolvidos em campos particulares tem como suporte estratgico a literatura de referncia, ou seja, as enciclopdias, dicionrios e sinopses especializados nos diversos campos, que constituem porta de acesso fundamental aos conceitos bsicos, s obras originais principais does) autor(es) mais clssicos em foco e a seus comentadores mais importantes. Essa literatura economiza um tempo precioso no processo de garimpagem dos contedos mais importantes entre o enorme volume de informao secundria, como tambm muitas vezes ajuda a mapear os principais debates histricos e tericos no campo. Entretanto, importante deixar claro que "uso no significa abuso": essa literatura muito facilmente d uma falsa impresso de domnio do campo que pode levar os mais inexperientes e preguiosos a cair na simplificao e superficialidade, dispensando a busca nas obras originais. A seo seguinte procurar dar indicaes e dicas mais operacionais para o uso desse tipo de literatura.

    atualizao das enciclopdias especializadas mais importantes possa ser feita periodicamente, em prazos cada vez mais curtos. Entretanto, muitas vezes o custo cobrado s instituies que abrem o acesso a elas muito alto, dificultando a ampliao desse acesso.

    Para efeito de uma exemplificao inicial, acho interessante listar algumas obras que considero recomendvel a consulta para a pesquisa em alguns campos especializados, nos quais tenho transitado com mais freqncia. O leitor deve, entretanto, fazer sua busca prpria nas reas de seu maior interesse.

    a) Filosofia

    4.4. Indicaces e sugestes operacionais para o uso de literatura de referncia

    Em portugus, uma referncia mais atualizada o Dicionrio de Filosofia de Ferrater Mora (2000), em quatro volumes. H tambm o Dicionrio de Obras Filosficas, de Huisman (2000), pequeno, mas til. Recomendo fortemente aos leitores de ingls a busca de acesso Routledge Encyclopedia of Philosophy (Craig, 1998), cuja verso em papel naquele ano jcontava com dez volumes. As verses mais atualizadas s so feitas em CD-rom ou por acesso eletrnico, com um custo bastante elevado. Menos pretensiosos e mais acessveis so os diversos volumes especializa dos em campos particulares da filosofia, publicados pela cditora norte-americana/inglcsa BIackwell, intitulados A Companion to..., tais como os dedica

    dos tica, esttica, epistemologia, filosofia poltica, filo~ofia da religio, filosofia feminista, filosofia da cincia, filosofia continental europia, etc. Uma outra obra tambm recomendvel o The Oxford Classical Dictionary editado por Hornblower & Spawforth (1996) cobrindo as reas humanas e sociais, de mitologia, religio e artes nas civilizaes greco-romanas. .

    O acesso literatura de referncia no Brasil em geral bastante proble-mtico, dado que tais obras so geralmente caras, tanto em papel como em interface eletrnica. A qualidade das bibliotecas em nosso pas normalmente baixa, na medida do descaso estrutural das polticas de educao pblica e de pesquisa o que implica no baixo investimento que normalmente se faz na atualizao dos acervos das bibliotecas pblicas. Como melhor discutido no captulo sobre fontes e recursos a seguir, a introduo da internet e de obras de referncia na forma de CD-rom e/ou atravs de acesso por sites especializados (I) abre enormes possibilidades para os usurios, como tambm possibilita que

    b) Cincias sociais

    . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Em portugus, temos vrios dicionrios j clssicos e de boa qualidade: . o Dicionrio do Pensamellto Social do Sculo XX, editado por Outh waite & Bottomore (1996); . o Dicionrio do Pensamento Mm:-rista editado por Bottomore (1997); . o Dicionrio de Cincias Sociais da Fundao Getlio Vargas, coorde

    nado por Benedicto Silva (1987); . o Dicionrio de Poltica de Norberto Bobpio ct aI. (1995):

    I . Alguns sites so conhecidos por disponibilizar o acesso a enciclopdias e material de referncia. Apesar da volatibilidade das mudanas da intemet, tenho o registro atual dos seguintes site.~: . www.radix.com.br . www.enciclopediavirtual.com.br . www.britannica.com . www2.uol.com.br/ahnanaque . www.uol.com.br/bibliotlenciclop . www.itaucultural.org.br/enciclopedia/index.htm Para o pesquisador menos eventual, sugiro a constante pesquisa de novos sites de acesso a essa literatura.

  • 178 Eduardo Mouro Vasconcelos Complexidade e pesquisa interdisciplinor

    . O Dicionrio das Obras Polticas editado sob a coordenao de Chatelet et ai. (1993);

    sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores e nmeros nas diversas culturas. Entretanto, nada se iguala Thc Encyclopcdia of Religion, em 16 volumes, coordenada por Mircea Eliade (1987).

    Dando por concludo este captulo mais breve sobre fundamentao terica e conceitual em estudos interdisciplinares, podemos passar agora discusso de temas mais diretamente metodolgicos, iniciando pela abordagem das estratgias institucionais e questes ticas da pesquisa.

    . . e o mais recente Dicionrio Crtico do Pensamento da Direita - Idias, instituies e personagem, de Silva et aI. (2000);

    Em ingls, a rea de cincias sociais tem produzido obras no to siste-mticas quanto a rea de filosofia. Recomendo particularmente a Concise Encyclopeda of Partcipation and Co-management de Szell (1992), mas o acesso ao Penguin Dictionary of Critical Theory editado por Macey (2000) e ao The Dictionary of Anthropology editado por Barfield (2000) podem ser de alguma ajuda tambm.

    c) Psicanlise e psicologia analtica

    Esto disponveis inclusive em portugus alguns bons dicionrios e obras sinpticas de referncia para os trabalhos originais de Freud e para os conceitos fundamentais em psicanlise. O mais clssico o indispensvel Vocabulrio da Psicanlise de Laplanche & Pontalis (1991 ), mais centrado no trabalho de Freud e de alguns poucos seguidores mais imediatos; mas recomendo fortemente o Dicionrio de Psicanlise de Roudinesco & Plon (1998), que cobre melhor os desdobramentos da psicanlise francesa, particularmente das contribuies de Lacan. Para uma entrada mais direta nos 23 volumes dos trabalhos de Freud, sugiro o Resumo das Obras Completas coordenado por Rothgeb (1984), que possui um indicador sinptieo por assunto e um resumo de cada livro, permitindo localizar melhor as temticas discutidas em cada um. Um volume semelhante foi feito tambm pelo mesmo autor para os 18 volumes da coleo de Jung (Rothgeb, 1998). Quanto aos dicionrios, a obra junguiana no conta com o mesmo nvel de sistema-tizao da psicanlise, mas esto disponveis em portugus os dicionrios elaborados por Samue1s et 01. (1988) e Sharp (1997). Para os que quiserem ter acesso a uma reviso em portugus dos desdobramentos e tendncias do movimento junguiano, sugiro os trabalhos de Samuels (1989) e Young-Eisendrath & Dawson (2002).

    d) Cincias das religies, mitologia e etimologia

    Em portugus, gosto particularmente de consultar o Dicionrio Mtico-etimolgico de Junito Brando (1997), obra j clssica e indispensvel na rea, e o Dicionrio de Smbolos de Chevalier & Gheerbrant (1994), que cobre mitos,