Artigo Entrevista Com o Professor Luiz Fernando Scheibe

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Entrevista com o professor Luiz Fernando Scheibe * GEOSUL – Hoje, 29 de agosto de 2011, estamos reunidos para realizar a entrevista com o professor Luiz Fernando Scheibe, do Departamento de Geociências da UFSC, desde 1966. Agradecemos antecipadamente a sua disponibilidade em conceder esta entrevista e, nos moldes das demais, iniciamos perguntando onde nasceu, sua família, primeiros anos de estudo... Prof. Scheibe – Eu nasci em Sarandi, no Rio Grande do Sul, situada no planalto e próxima a Passo Fundo, Carazinho. É uma cidade típica de colonização italiana e a minha família era uma das poucas de origem alemã. Meu pai era mecânico de automóveis e principalmente de caminhões e depois foi revendedor Ford lá em Sarandi. Nasci em dia que estava nevando, segundo a minha mãe, mas consegui me criar bem. Fiz o primário no grupo escolar Dr. João Carlos Machado, uma escola pública muito boa. Meu pai era comerciante e minha mãe dona de casa, mas muito ligada na leitura, sempre lendo, muitos livros e principalmente a Seleções, que eu lia também desde criança, aquele ranço horroroso da guerra fria, além de muitas histórias em quadrinhos e etc. Quando tinha 11 anos nasceram as minhas duas irmãs gêmeas e eu passei um ano em Sarandi fazendo o primeiro ano ginasial e cuidando da que não estava doente. No segundo ano fui para o Instituto Educacional, um colégio metodista de Passo Fundo, a 80 km de Sarandi, onde fiquei interno por seis anos até o final do colegial. Este colégio tinha uma concepção interessante, pois afirmavam a liberdade com * Professor Titular do Departamento de Geociências, do Programa de Pós-Graduação em Geografia e Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC. Participam da entrevista a professora Sandra Maria de Arruda Furtado, o geógrafo Luciano Augusto Henning e Maria Dolores Buss. Texto revisado e autorizado pelo entrevistado ([email protected]). Geosul, Florianópolis, v. 25, n. 50, p 239-259, jul./ago. 2010

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  • Entrevista com o professor Luiz Fernando Scheibe*

    GEOSUL Hoje, 29 de agosto de 2011, estamos reunidos pararealizar a entrevista com o professor Luiz Fernando Scheibe, doDepartamento de Geocincias da UFSC, desde 1966. Agradecemosantecipadamente a sua disponibilidade em conceder esta entrevistae, nos moldes das demais, iniciamos perguntando onde nasceu, suafamlia, primeiros anos de estudo...Prof. Scheibe Eu nasci em Sarandi, no Rio Grande do Sul,situada no planalto e prxima a Passo Fundo, Carazinho. umacidade tpica de colonizao italiana e a minha famlia era uma daspoucas de origem alem. Meu pai era mecnico de automveis eprincipalmente de caminhes e depois foi revendedor Ford l emSarandi. Nasci em dia que estava nevando, segundo a minha me,mas consegui me criar bem. Fiz o primrio no grupo escolar Dr.Joo Carlos Machado, uma escola pblica muito boa. Meu pai eracomerciante e minha me dona de casa, mas muito ligada naleitura, sempre lendo, muitos livros e principalmente a Selees,que eu lia tambm desde criana, aquele rano horroroso da guerrafria, alm de muitas histrias em quadrinhos e etc. Quando tinha11 anos nasceram as minhas duas irms gmeas e eu passei um anoem Sarandi fazendo o primeiro ano ginasial e cuidando da que noestava doente. No segundo ano fui para o Instituto Educacional, umcolgio metodista de Passo Fundo, a 80 km de Sarandi, onde fiqueiinterno por seis anos at o final do colegial. Este colgio tinha umaconcepo interessante, pois afirmavam a liberdade com* Professor Titular do Departamento de Geocincias, do Programa de

    Ps-Graduao em Geografia e Doutorado Interdisciplinar emCincias Humanas da UFSC. Participam da entrevista a professoraSandra Maria de Arruda Furtado, o gegrafo Luciano AugustoHenning e Maria Dolores Buss. Texto revisado e autorizadopelo entrevistado ([email protected]).Geosul, Florianpolis, v. 25, n. 50, p 239-259, jul./ago. 2010

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    responsabilidade e no foi um peso para eu ser aluno interno. Alifiz o cientfico, pela manh, e contabilidade, de noite. Fiz acontabilidade por que meu pai queria que eu fosse trabalhar naempresa l em Sarandi, que precisava de algum para assinar aescrita, como se dizia naquela poca. Tinha um contador timo,meu tio, mas que no tinha o ttulo, e como tcnico emcontabilidade eu poderia suprir esta deficincia da firma. Tenho umirmo trs anos mais velho do que eu, que um dia chegou l nointernato e disse que ia trabalhar com meu pai l na firma. Issoabriu para mim toda uma nova perspectiva, em que passei aconsiderar com toda a liberdade o que eu ia fazer da minha vida.Eu tinha um professor de filosofia, o professor Amaral, que meorientou no sentido de pegar uma folha de almao e em um doslados escreverem as profisses e no outro, as vantagens edesvantagens de cada uma. De fato eu fiz isto. E na poca, 1960,estava comeando no Brasil a CAGE, Campanha de Formao deGelogos, que dava condies especiais para quem fizesse estacarreira (uma delas era a iseno do servio militar). Era a pocado JK e estavam sendo criados no Brasil os primeiros cursos degeologia. Alguns alunos sados de Passo Fundo faziam propagandado curso tambm. E uma das vantagens que eu elenquei na pocaera que parte da vida profissional era no campo e outra parte nolaboratrio, o que me atraa como uma forma interessante de vida.GEOSUL E onde foi feito o curso?Prof. Scheibe Na Escola de Geologia da UFRGS, de 1961 a1964. Comeo em 61, no ano da Legalidade, que foi a briga doBrizola para garantir o Jango na presidncia, aps a renncia doJnio. A comeam a me pegar mais as questes sociais e polticas,em que at ento eu no era muito ligado. Vrias coisasfavoreceram para isto, uma delas foi ler a Geografia da Fome, quefoi para mim uma coisa muito impactante, principalmente pelaindignao do Josu de Castro ao mostrar que (j ento) haviaalimentos para todos, e apesar disto continuava a haver muitafome, no Brasil e no mundo. A partir da comecei a ter uma viso

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    social mais clara. Naquela poca muitos universitrios eramengajados e tinha JEC, JUC, AP (que era o brao poltico da JUC),e pelo lado das igrejas protestantes havia a Unio Crist dosEstudantes do Brasil (patrocinada pelo Conselho Mundial deIgrejas), que era equivalente JUC. Em Porto Alegre a ACA,Associao Crist de Acadmicos, era filiada UCEB, e orientadapor um pastor muito aberto, o Godofredo Boll. Isto tudo erapotencializado porque morei na Casa do Estudante Evanglico,uma de duas, mantidas pela comunidade evanglica de PortoAlegre. E todas as tardes, l pelas 18 horas, a gente se reunia paratomar chimarro e conversar sobre as notcias do dia, o filme quetinha visto, o ltimo livro lido, etc.GEOSUL Ento em 64 voc estava na universidade?Prof. Scheibe Sim. O Curso de Geologia tinha uma inseropoltica relativamente forte e em dezembro de 1963, o paraninfoconvidado pelos formandos foi o Leonel Brizola. No dia seguintefoi manchete no Correio do Povo que o Leonel Brizola tinha feitoum discurso incendirio na UFRGS. E o orador da turma tinhasido o Reinhardt Fuck, que morava tambm l na casa e que hoje professor emrito da Universidade de Braslia. At conversamossobre alguns tpicos do discurso. Em primeiro de abril de 1964,quando houve o golpe militar, o pessoal do DOPS foi diretoprocurar l os alunos comunistas da geologia. Interrogaram osprofessores para dar os nomes, e no houve uma nica denncia.Os livros subversivos do Centro Acadmico foram colocados noforro da sede e somente depois de quatro ou cinco anos que oseletricistas da universidade acharam as caixas, denunciaram, mas jno houve repercusso. At o golpe a gente participava muito daslutas nacionalistas: acampamos na Praa da Alfndega em defesada Petrobrs, ramos favorveis Minerobrs, Monoplio Estatalde Explorao de Minrios no Brasil. No final de 1963 osestudantes de geologia foram at a cidade de Rio Grande paratomar a Refinaria Ipiranga, que era particular. Tinha o CPC,Centro Popular de Cultura, que encenava peas sobre o

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    subdesenvolvimento e coisas do gnero, e as msicas incitavam(cantando) reforma agrria, e universitria, e jurdica ebancria. Eu nunca cheguei a me filiar a um partido poltico e aminha participao foi muito atravs da ACA, da UCEB; isto fezcom que eu no fosse considerado radical e ao mesmo tempo nochegasse a conquistar a confiana dos meus colegas maisesquerdistas. Em dezembro de 64 me formei e convidamos oprofessor Eurico Rmulo Machado, nosso primeiro professor deGeologia Geral, para paraninfo, pois no era mais possvelconvidar nenhum poltico. Eu fiz o discurso da turma, falando deTiradentes, de Joaquim Silvrio dos Reis, o delator de Tiradentes,defendendo a Petrobrs, tudo muito por metforas devido situao que o Brasil vivia.GEOSUL Voc se forma em 1964 e vem trabalhar em SantaCatarina no Laboratrio de Anlises de Solos da Secretaria deAgricultura e acredito que muito do conhecimento da geologia doestado advm deste seu trabalho. Fale um pouco sobre esta fase desua vida e quando comea a trabalhar na UFSC.Prof. Scheibe Antes de me formar, nas frias de vero de 63 para64, fiz um estgio de dois meses na Petrobrs. E tive muita sorteporque acompanhei o trabalho integral da perfurao de um poo,inclusive com os ensaios finais. Isto foi no interior da Bahia, nomunicpio de Catu, perto de Alagoinhas. A gente (o gelogo FbioKoff Coulon e eu) vivia em um trailer e de duas em duas horas,noite e dia, um de ns examinava e descrevia uma amostra daquiloque estava sendo perfurado. Um tdio. No tinha nada daquela aurado gelogo aventureiro. Os nicos momentos melhores eramquando iam trocar as ferramentas de sondagem, o que durava emtorno de seis horas, e a gente pegava o jipe, ia para Salvador,tomava um banho, jantava bem e voltava correndo para o poo.Quando me formei, como o meu relatrio de estgio tinha sidomuito bom (acompanhei o poo inteiro), a Petrobrs me convidoupara trabalhar em geologia de sub-superfcie da Bahia. E fiqueipensando que era muito tedioso. Ao mesmo tempo os professores

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    l da Escola tinham vindo a Santa Catarina para fazer umlevantamento preliminar sobre a jazida de fosfato de Anitpolis,da qual o governo do Estado era detentor dos direitos deminerao. Como precisavam de uma avaliao da viabilidade deexplorao econmica da jazida, os professores me indicaram paratrabalhar no ento Laboratrio de Qumica Agrcola e Industrial(LQAI), para esta avaliao. No final do ano de 1964 vim at SantaCatarina para conversar com o Diretor do laboratrio, oEngenheiro Qumico Aloysio Leon da Luz Silva; naquela pocaestava em vigncia o PLAMEG, Plano de Metas do Governo, quepermitia para o governo contratar sem concurso e pagando umpouco mais do que os salrios normais do estado. Ento no era osalrio da Petrobrs, mas tambm no era to ruim. E eu preferitrabalhar aqui. Felizmente, o Dr. Aloysio me pediu para convidaroutro gelogo para trabalhar comigo: l no Chat da geologia,em Porto Alegre, encontrei alguns colegas que estavam esperandopara ir trabalhar com gua subterrnea no Cear e ainda no tinhamsido chamados. Um deles era o Victor Hugo Teixeira, que aceitouvir tambm para o LQAI, em janeiro de 1965. Comeamosimediatamente a trabalhar em Anitpolis, com uma sondaemprestada da CPCAN em Cricima, um jipe e o laboratrio parafazer as anlises qumicas. Passvamos a semana l, coletandoamostras das rochas com apatita e acompanhando as (lentas)sondagens. Em 1966 j havamos chegado concluso de quehavia uma reserva importante, mas diferente de Cajati (que fomosvisitar, no ento municpio de Jacupiranga, SP) onde o minriotodo um carbonatito e o resduo de separao do fosfato usadopara fazer cimento, sem quase nenhum rejeito: em Anitpolis,tirando a apatita (o fosfato), mais de 90% rocha consideradaestril, e naquela poca no se sabia o que se fazer com este rejeito.Ento conclumos, em nosso relatrio, que no seria econmica aexplorao, naquele momento. Em 1968, com o novo cdigo deminerao, a CPRM requereu a rea e fez uma nova pesquisa, comum grande nmero de sondagens, e concluiu que a explorao eraeconmica, vendendo os direitos da rea para a Adubos Trevo. At

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    hoje no h explorao l. O EIA-RIMA do novo projeto,apresentado pela Bunge e pela Yara, que uma firma norueguesade fertilizantes, sugere que os rejeitos sejam depositados em duasbarragens construdas pelos prprios rejeitos ao longo do RioPinheiros, e que ao final da explorao teriam, cada uma, 56metros de altura. Temos contestado a segurana desse projeto, jque a rea uma caldeira vulcnica onde a nica sada a do rioPinheiros, e que est sujeita a chuvas torrenciais e neste caso, aexemplo de outras por ns estudadas, as barragens no vo tercondies de segurar este rejeito. Meu parecer para o MinistrioPblico que esta rea deve ser sim explorada, mas deve ser usadaintegralmente para rochagem, isto , rocha finamente moda queincorporada ao solo, melhora as suas caractersticas qumicas aolongo tempo. Ento incorporaro ao solo no s o fsforo, mastambm o potssio (a rocha tem 4% de K2O), magnsio e clcio,alm de outros. E naquela regio, onde a AGRECO faz agriculturaorgnica e pode usar este tipo de material, haveria uma melhorafantstica dos solos. Outros problemas l so a produo local docido sulfrico que ser estocado, e a provenincia da lenha (36caminhes dirios!) para a secagem do superfosfato.GEOSUL Mas voltando pergunta, como voc conheceu o restantede Santa Catarina l no laboratrio e a sua entrada para a UFSC.Prof. Scheibe Eu e o Victor Hugo ramos os gelogos dogoverno de Santa Catarina. Qualquer rocha ou mineral queaparecesse no estado e quisessem saber o que era, encaminhavampara o nosso laboratrio. O movimento era tanto que at olaboratrio mudou de nome, passou a chamar-se de Laboratrio deAnlises de Solos e Minerais (LASM).. E ns nos considervamosmeio como coveiros, pois o pessoal chegava com um mineralbonito e brilhante e ns enterrvamos muitos dos sonhos: no ouro, s vermiculita.... O Vitor Hugo trabalhou tambm com afluorita no sul de Santa Catarina, fez um fantstico estgio emguas subterrneas nos Estados Unidos. E como o laboratrioestivesse ligado Secretaria da Agricultura, os corretivos da acidez

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    dos solos eram muito importantes. Ento comeamos a fazeranlises dos calcrios, o que nos levou para a regio de BotuvereVidal Ramos, a Lages, onde havia uma fbrica que usava osdolomitos da Formao Irati, e ao sul do estado onde h vriasocorrncias desses dolomitos. Com nosso jipe, conhecemosmuito do estado (FOTO!). Tambm teve a fase do PlanejamentoIntegrado das Associaes de Municpios (AMURES, AMMVI,AMESC...), e ns ramos contratados pelo escritrio que fazia osplanejamentos para fazer a parte dos recursos minerais. E a gentepercorria um a um dos municpios.

    Foto: Nos anos 1960, Scheibe, Victor Hugo e o jeep 184 do LASM nacidade de Brusque.

    Em janeiro de 1966 fui convidado pelo Prof. Francisco KazuihkoTakeda para trabalhar no Curso de Geografia da Faculdade deFilosofia, como seu assistente. Fui contratado como Auxiliar deEnsino, por 12 horas semanais. No primeiro semestre eu assistiaaulas e ajudava os alunos nas prticas. No ano seguinte ele foi

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    fazer um curso de Geoprocessamento no INPE e eu fiquei sozinhodando aulas. Em 1968-9, com a reforma do ensino havia muitotrabalho. Eu fiquei 11 anos como auxiliar de ensino. Em 1976 fizconcurso para professor assistente em 24 horas semanais, o querepresentou uma boa melhoria de salrio. Na poca o meu salriodo estado ia minguando cada vez mais, j sem Plameg, e semprefui CLT no estado, de forma que crescia a importncia dauniversidade na minha carreira. Quando fui fazer o mestrado emPorto Alegre, em 1976-77, fui com bolsa do PICD.GEOSUL Mas voc j tinha ido para a ustria?Prof. Scheibe Sim, em 1969-70 passei oito meses naUniversidade de Viena e no Servio Geolgico da ustria, fazendoum curso de especializao da UNESCO em rochas gneas emetamrficas. E passei a ter uma nova compreenso das rochas eespecialmente dos minerais, o que foi muito valioso depois,quando passei a ministrar aulas de Mineralogia para o curso dequmica. Eu sempre fiquei mais ligado Geografia e ao Centro deFilosofia e Cincias Humanas, enquanto o Vitor Hugo entrou nasEngenharias, tambm em 1966, e fez sua carreira por l.Tem tambm outro causo. Em 1967 o governo de Santa Catarinacriou uma lei que facilitava a implantao de indstrias, atravs doredirecionando dos impostos; o desenvolvimento do pas eraestrondoso, com o consumo de cimento dobrando todo ano.Tambm havia sido criado o BNH e no havia cimento quechegasse. O pessoal sabia que havia calcrio no vale do rio Itaja-Mirim, pois a Votorantin usava calcrio l do Ribeiro do Ouro nasua fbrica de Itaja. E alguns empresrios e polticos de Brusqueresolveram montar uma fbrica de cimento. Montaram a sociedade,a Cimenvale, venderam aes pelo estado inteiro e s depois queforam buscar o calcrio. A o Victor Hugo e eu fomos designados,pelo diretor do LASM para procurar jazidas de calcrio. Apassamos anos indo para Botuver, com equipe de topografia, e oseu rico Barni, que conhecia toda a regio, como mateiro. Etrabalhei com isto at ir para a ustria. Quando voltei j tinham

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    contratado mais dois gelogos. Finalmente encontramos, j perto deVidal Ramos, duas boas jazidas (nos ribeires do Tigre e doCinema) com uma reserva que justificaria a abertura de uma fbricade cimento, mas j era 1970 e a economia estava comeando adeclinar. O grupo da Cimenvale no conseguiu instalar sua fbrica, eos direitos das jazidas foram vendidos para a Votorantin. Quetambm no minera l. Mas a Cimenvale pagava dirias de campo, oque compensava os salrios mais baixos no estado. Depois de 1968,com o novo cdigo de Minerao comeou a haver muitassolicitaes para pedidos de pesquisa mineral, e alguns relatrios depesquisa tambm. Com isto tambm conhecemos muito da geologiade SC, pois s fazamos os pedidos aps trabalhos de campo.Conhecemos muitas jazidas de argilas, quartzo, slica e outrosmateriais para cermica, guas minerais, fluorita...Em 1975 o Governo Konder Reis cria a SETMA, Secretaria deTecnologia e Meio Ambiente. A principal funo da SETMA eraviabilizar a Siderrgica de Santa Catarina, a exemplo do queocorreu no Rio Grande do Sul com a Aos Finos Piratini. E fuichamado do LASM para assessorar o Secretrio, Batista Pereira,um dos grandes mineradores de carvo do sul do estado. Mas namesma secretaria, contraditoriamente, o Pe. Raulino Reitz tinhaoutro plano, que era o de criar o Parque Estadual da Serra doTabuleiro. E eu trabalhava um pouco estudando os carves, masprincipalmente em fotos areas, ajudando na delimitao doParque. Deixei este trabalho de assessoria para fazer o mestradoem geologia em 1976 na UFRGS, e a minha esposa Leda foitambm fazer o mestrado em Pedagogia. Passamos dois anos emPorto Alegre. Na volta do mestrado deixei de trabalhar no estado epeguei o regime de 40h, sem DE, na UFSC.GEOSUL No seu Mestrado na UFRGS e no doutorado feito naUSP, voc trabalhou no Domo de Lages. Como se deu esteencantamento com Lages?Prof. Scheibe Aqui tem que ser feita uma homenagem aoJanjo, o garimpeiro Joo Lemos da Silva, de Lages. Antes de eu

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    fazer o mestrado ele aparece l no LASM pedindo para analisareste carbonatito. Carbonatitos so rochas carbonticas gneas ebastante raras. Olhei a amostra e como j conhecia o carbonatito deAnitpolis, embora muito diferente, pedi uma anlise qumica delee tambm fui a Porto Alegre e levei para o meu colega e at agoragrande amigo, desde os tempos de escola, Jorge Alberto Villwock,professor de mineralogia na UFRGS. Ele confirmou que de fatodevia ser um carbonatito. Fui com o Janjo para Lages e fiz orequerimento de pesquisa para a mesma empresa que explorava osdolomitos do Irati para corretivos de solos. Ento quando fui para omestrado fui estudar esta ocorrncia de carbonatito de Lages, que mais tardio que o de Anitpolis, sem apatita mas muito rico emelementos qumicos mais raros, as chamadas terras raras. Aocorrncia tambm no muito grande, e at hoje no explorada.A partir disto, me envolvi mais com o Janjo e alguns empresriosque queriam explorar as bauxitas de Lages. E fiz muitaamostragem em poos de at 20 metros de fundura, e desciapendurado em uma corda, puxada por um sarilho. Mas voltando aocarbonatito, nada dizia que este tipo de rocha rara apareceria l e abibliografia na poca era escassa. Apresentei trabalhos emcongressos e, junto com meu orientador no mestrado, o Prof.Milton Luiz Laquintinie Formoso, publicamos um artigo naRevista Brasileira de Geocincias, que at hoje um marco nautilizao petrolgica das terras raras no Brasil. Cerca de um anodepois que voltei do mestrado chega de novo o Janjo, agora naUFSC, dizendo: Doutor, analisa este kimberlito. Esta a rochaportadora dos diamantes, que ocorrem em Kimberley, na frica doSul. Vale dizer que o Janjo trabalhou, desde a infncia, com todosos gelogos que passaram por Lages, e que tive o privilgio deaprender com ele, um pouco de seu extraordinrio conhecimentode toda a geologia da regio. Em 1980 vou para a USP, paratrabalhar como tese de doutorado a Geologia e Petrologia doComplexo Alcalino de Lages, tendo como orientador o Prof. Celsode Barros Gomes. Mas continuei estudando os kimberlitos, comauxlio do Janjo, suas peneiras e sua bateia, e o estmulo constante

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    de nosso mstico amigo, Pltano Lenzi: no encontramosdiamantes, mas sim safiras, algumas com qualidade gemolgica.GEOSUL Mas com toda esta formao muito geolgica,comente sobre a sua entrada na Geografia, em que voc transitamuito bem, entre a parte fsica e a parte humana.Prof. Scheibe Na verdade entrei na Universidade no antigoDepartamento de Geografia e a minha atividade de professorsempre foi no sentido de ensinar uma geologia que fosseimportante para os gegrafos. Em 1962, enquanto era estudante, eufui professor de geografia em um curso gratuito para adultos, queera oferecido pela Federao dos Estudantes da UFRGS. Em 1966,quando entro na universidade, junto com o professor Takeda,sempre vamos a geologia como parte do curso de geografia.Mesmo nos 10 anos em que estive no LASM, l foi feito omapeamento dos solos do estado; a questo dos corretivos de solose a agricultura eram muito importantes, assim como a gua.Embora eu tenha feito uma formao acadmica muitoespecializada na Petrologia das Rochas Alcalinas no mestrado edoutorado, o meu dia a dia tanto no laboratrio como nauniversidade era muito mais abrangente, e com viso mais amplada geologia. Com o Prof. Joo Jos Bigarella, que apesar de serqumico um grande gegrafo, e com diversos outros professoresquase completei, ainda nos anos sessenta, um curso deespecializao em Geomorfologia Climtica, interrompido quandofui para a ustria. Graas interveno do professor VictorAntonio Peluso Junior, fiz em 1984 um estudo comparativo dosmapas geolgicos de Santa Catarina que estavam sendo elaboradosna poca, pelo DNPM e pelo IBGE, e somado ao que eu jconhecia do estado fiz uma sinopse da geologia do estado(publicada em 1986 no nmero 1 da Geosul, o que muito meorgulha), e que tentava explicar a geologia de Santa Catarina demodo mais acessvel. Hoje, precisa ser revisada, mas ainda a indicoa todos meus alunos da Geografia.

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    De fato, quando terminei meu doutorado vi que no havia condio deorientar alunos da Geografia em petrologia de rochas alcalinas, queera a minha grande especialidade. Mas eu ainda continuavatrabalhando com isto. Em 1986/1987 veio um grupo de pesquisadoresitalianos para o Brasil e eu os acompanhei, com o Prof. Celso, aLages, Jacupiranga, Tunas, e Piratini. Fiz um ps-doutorado com elesna Universidade La Sapienza de Roma em 1987, e estgios emlaboratrios de Ferrara, em 1988 e 89. Em 1989, junto com aprofessora Sandra, aps o trmino do seu doutorado, estudamos osdiques de lamprfiros alcalinos do entorno de Anitpolis.Ao voltar do doutorado assumi, em 1987, a coordenao da Ps-Graduao em Geografia. Passei a orientar diversos gegrafos, efui me inteirando da literatura geogrfica. Fui, ento, agraciadocom a organizao do II ENESMA, Encontro Nacional de Estudossobre o Meio Ambiente, que foi trazido para c pelos professoresBigarella e Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro. E paraparticipar chamamos todos os gegrafos brasileiros quetrabalhavam com meio ambiente: entre outros, os professores AzizAbSaber, Carlos Walter Porto Gonalves, Antonio Christofoletti.Este encontro foi um sucesso de pblico e de mdia, e deu umamarca ambiental ao nosso curso. Na conferncia de abertura, oProf. Carlos Augusto apresentou os primeiros resultados dos seusestudos sobre os fenmenos complexos, maravilhando a todos ospresentes. A partir de ento, ficou clara a importncia de trabalharcom a questo ambiental, e logo criamos, no Departamento deGeocincias, o Laboratrio de Anlise Ambiental - LAAm(www.laam.cfh.ufsc.br). Em 1991 a Eletrosul nos chamou parapropor um projeto de delimitao de novas reas para termeltricasno sul do estado. A associao no prosperou, mas apresentamosao CNPq o projeto integrado de pesquisa Qualidade Ambiental daRegio Sul Catarinense, base de inmeros trabalhos de pesquisaefetuados no mbito do LAAm.Mais ou menos nessa poca assumi a responsabilidade,inicialmente em parceria com a Profa. Maria Dolores Buss, peladisciplina de Anlise da Qualidade Ambiental, obrigatria no curso

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    de mestrado em Geografia e que fora criada, tambm, pelo Prof.Carlos Augusto. Por vrios anos seguidos organizamos trabalhosde campo em diversos municpios, um pouco ao estilo dos antigosCongressos Brasileiros de Geografia: levvamos outros professoresalm dos vinte mestrandos, e fazamos uma verdadeira anlise dosaspectos fsicos e socioeconmicos do municpio, resultandopreciosos trabalhos de alunos como os que publicamos na Geosul16 (1993) sobre Lauro Mller, ou no livro, co-organizado peloProf. Joel Pellerin, Qualidade Ambiental de Municpios deSanta Catarina: o Municpio de Sombrio (Ed. FEPEMA, 1997)

    Foto: Junto ao rio Sango, em Forquilhinha, trabalho de campo de Anliseda Qualidade Ambiental, com Dolores, Sandra, Henrique...

    GEOSUL Voc tambm foi um dos primeiros a trabalhar com ainterdisciplinaridade. Quando isto inicia e quais as dificuldadesencontradas?

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    Prof. Scheibe Em 1990, logo depois do II Enesma, ocorre aqui emSanta Catarina o Seminrio Nacional Universidade e Meio Ambiente,que tinha um patrocnio federal e era realizado a cada dois anos. Destapoca surge uma forte parceria e grande amizade com o professorCarlos Walter Porto Gonalves. Era muito clara nesses seminrios aconscincia de que a questo ambiental tem que ser tratada de modointerdisciplinar. Em 1991, quando sou candidato a reitor da UFSC, anossa campanha foi pautada em uma universidade mais aberta, maisabrangente. E promovemos uma srie de conferncias (o Ciclo deConferncias Mais Universidade), do Darci Ribeiro, do AntonioHouais, do Maurcio Tragtemberg, do gegrafo Orlando Valverde, daZez Mota, entre outros. No fomos para o segundo turno, mas no anoseguinte fui eleito para a direo do CFH. Antes disto a professora AnaMaria Beck j tinha desencadeado junto com outros professores umprojeto para a criao de um Doutorado Interdisciplinar no CFH. Apsmuitas discusses, o programa foi criado, e a primeira rea deconcentrao foi a de Sociedade e Meio Ambiente. Desde ento esteprograma j formou muitos doutores, com teses de muito boaqualidade, premiadas em vrios concursos. Na criao do cursotivemos problemas com a CAPES, que encaminhava o projeto, por quemencionava o meio ambiente, para os bilogos ou eclogos para darparecer. Ai se fez modificaes no projeto original, ficando DoutoradoInterdisciplinar em Cincias Humanas, com trs reas de concentrao:Sociedade e Meio Ambiente, Condio Humana na Modernidade eEstudos de Gnero. Depois de ser diretor do CFH, assumi novamentecomo coordenador da ps-graduao em geografia, durante dois anos.Em todos esses anos, um dos autores que mais me marcou foi oMilton Santos com o livro A Natureza do Espao: Tcnica eTempo, Razo e Emoo (Ed. Hucitec, 1996). Quando fui fazerum estgio com o prof. Gerd Kohlhepp na Universidade deTbingen, Alemanha, em 1997, comecei a ler este livro numaviagem de trem, de Tbingen para Zurique. Li, reli e o meuexemplar est todo anotado. Aquele para mim o livro maisimportante que o Milton Santos escreveu, e ele mesmo dizia isto, aquele que d explicaes para todos os fenmenos geogrficos e

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    sociais, para a nossa vida. Eu o tenho usado muito, e numa turmado doutorado em geografia trabalhamos captulo por captulo.Propus ento aos alunos que escolhessem para seu trabalho finalcada uma das trades de palavras do Milton Santos que alinhei emforma de poesia (que dediquei a ele quando lhe entregamos o ttulode Doutor Honoris causa da nossa universidade). O resultadoforam trabalhos to interessantes que com eles eu e a entodoutoranda Adriana Dorfmann organizamos o livro Ensaios apartir de A Natureza do Espao (Ed. Fundao Boiteux, 2007).

    AS PALAVRAS DE MILTON SANTOScincia, mercado, razo;crtica, espao, liberdade;angstia, territrio, informao;cidade, tcnica, indignao;intelectual, poltica, cidadania;universidade, tica, geografia;raa, fome, nao;globalizao, fronteira, modernidade;vida, esperana, natureza;lugar, consumo, democracia;mundo, homem, futuro;salsa, Milton, emoo, ... utopia.Prof. Luiz Fernando Scheibe,em homenagem ao Prof. Milton Santos,Doutor Honoris Causa pela UFSC.Florianpolis, 27 de novembro de 1996

    GEOSUL Scheibe, voc teve muitos envolvimentos comtrabalhos de extenso universitria, como no macio do Morro daCruz, nos desastres naturais do sul do estado, alm de dar parecerem grandes projetos, como no caso do projeto da minerao deAnitpolis. Gostaria de perguntar como voc v a participao doprofessor universitrio na extenso?

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    Prof. Scheibe De um modo geral quem tem um ttulo deprofessor universitrio muito considerado pela sociedade. E estefato faz com que as intervenes que se faa so levadas muito asrio e como uma palavra definitiva, embora a gente saiba que soopinies baseadas em fatos cientficos, mas que no sonecessariamente certezas. Isto d possibilidade de atuar em vrioscampos e ao mesmo tempo uma responsabilidade enorme nosentido de mostrar para a comunidade mas no impor o que se achaque verdadeiro. No caso do Macio do Morro da Cruz, na reacentral de Florianpolis, fomos convidados pelo Pe. Vilson Groh aprestar assessoria aos diversos comits que o Frum do Maciotinha criado. Eles tm l um comit de segurana, um de cultura eeducao e um de meio ambiente. Ns como Laboratrio deAnlise Ambiental trabalhamos junto com alunos estas questes(menos com a segurana, por uma questo de segurana nossa). Naquesto de cultura e educao, por exemplo, o Luciano Henningfez um trabalho muito interessante no sentido de mapear os alunosdas escolas que atendem as crianas do Morro da Cruz. E em meioambiente trabalhamos muito com as encostas, para verificar reasde risco, como tambm as reas de proteo ambiental. Istoenvolveu um bom nmero de professores do ps-graduo emGeografia, como o Joel Pellerin, a Dolores, o Luiz AntonioPaulino,a Margareth e o Luis Pimenta, a ngela Beltrame e a Maria LciaHerrmann. Foram feitos duas teses, vrias dissertaes e vriosTCCs. Ento a questo da extenso universitria complexaporque se vai revestido de uma autoridade cientfica, mas tem quese tomar cuidado para no impor, as pessoas que tem que fazer assuas escolhas. Estou ainda orientando uma tese de doutorado sobreas ZEIS, Zonas Especiais de Interesse Social, no Macio do Morroda Cruz.Outra experincia interessante foi aquela derivada da catstrofe de1995, que comeou como extenso. Ns j estvamos trabalhandocom pesquisa no Projeto Qualidade Ambiental do Sul de SantaCatarina, estudando diversos aspectos e especialmente as encostas,que sempre nos preocuparam. E no Natal de 1995 houve a tragdia

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    de grandes escorregamentos e corridas de detritos (debris flow), emque morreram 27 pessoas. As prefeituras de Jacinto Machado e deTimb do Sul buscaram auxlio na universidade. A partir da, vriosprofessores e ps-graduandos da Geografia trabalharam na reabuscando compreender os fenmenos e para mapear as zonas derisco. Realizamos projeto de educao ambiental, e apresentamos osmapas para as prefeituras. Os prefeitos, na verdade, queriam obras eno mapas, e quando falvamos da necessidade de respeitar as zonasem que existe o risco, alguns ouviram, outros no. De qualquerforma, o conhecimento acumulado naquela poca foi muitoimportante depois, em 2008 nos escorregamentos do Vale do Itaja,quando fomos chamados a colaborar, tambm como voluntrios, nadelimitao das reas de risco.

    Foto: Harideva, Luciano, Joel, Scheibe, visitante, ngela, Gr, emNavegantes, esperando para entrar no Black Hawk da Foranacional para acessar o Morro do Ba.

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    O conhecimento do sul do Estado tambm gerou inmeraspesquisas, artigos, teses, dissertaes e TCCs, hoje consolidadoscom a elaborao do Atlas Ambiental da Bacia do Ararangu(Ed. Cidade Futura, 2010), um trabalho monumental, co-organizadopelas Profas. Maria Dolores Buss e Sandra Maria de Arruda Furtado,que est sendo divulgado junto s escolas daquela bacia.

    BACIA HIDROGRFICACom suas bordas altas e curvas e com seufundo chato, a bacia o melhor objeto dacasa para recolher a gua das goteiras durante os temporais...L fora, a gua da chuva vai procurar tambmas partes mais baixas, encharcando o solo ou escorregandopara juntar-se com a dos terrenos vizinhos, formandoos crregos e riachos que, por sua vez, corremtodos para o rio principal, numa rede de drenagemque acaba por ocupar todos os espaos dessa grandebacia: a Bacia Hidrogrfica.Em seu caminho at o fundo do vale e depois ata foz, a gua pura da chuva vai carregando consigoa poeira das estradas, as folhas secas das rvores, osolo dos campos descobertos, o adubo e os agrotxicosrecm aplicados, os esgotos das casas, das indstrias,dos chiqueiros, os rejeitos da minerao.O rio vai abrindo o seu caminho, criando peixes,purificando-se nas cachoeiras, abastecendo cidades,irrigando culturas e deixando nas plancies muitosdos materiais que no consegue mais carregar.A histria da bacia a histria de seu rio, dos seusvales e montanhas, campos e florestas. Mas tambma histria de sua gente, que vive na bacia e que deladepende para viver, numa relao de solidariedade,em que da qualidade ambiental da bacia depende aqualidade de vida de seus habitantes.Luiz Fernando Scheibe, In: Atlas Ambiental da Bacia do RioArarangu, 2010

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    Tambm ofertamos uma turma especial de mestrado em geografiapara professores da UNESC, cujas reveladoras dissertaesgeraram o livro, organizado em parceria com as Profas. SandraMaria de Arruda Furtado e Maria Dolores Buss, Geografiasentrelaadas: o rural e o urbano no sul de Santa Catarina(EdUFSC/EdUNESC, 2005).GEOSUL E agora, prestes a entrar na aposentadoriacompulsria, a que ainda voc pretende se dedicar? E Ao que, aolongo de todos estes anos, voc acha que no deveria ter sededicado tanto?Prof. Scheibe Tem uma crnica muito bonita que atribuda adiversos autores que diz: se eu nascesse de novo eu no correriatanto, daria mais ateno para as flores, etc. e tal. Confesso queno tem nada do que fiz que eu diria que no faria de novo. Noque eu tenha escolhido as coisas, como eu falei de Lages; voc svezes vai sendo levado pela vida. Nos ltimos seis anos estoutrabalhando em um projeto que se chama Rede Guarani/SerraGeral, que foi concebido na UNIPLAC e coordenado pela profa.Maria de Ftima Wolkmer. Ela trouxe recursos para este projetoem Santa Catarina e eu tenho ajudado na parte tcnica relativa sguas subterrneas. um projeto que envolve mais de 70pesquisadores no estado, e a coordenao desta rede muitocomplexa. Participam, da UFSC, os professores Carlos HenriqueLemos Soares, Arthur Nanni, Joel Pellrin, Luiz Antonio Paulino,Gerusa Maria Duarte, Luiz Carlos Pittol Martini, Edison RamosTomazolli, Juan Antonio Altamirano Flores, entre outros, nosentido de buscar o aproveitamento integrado e sustentvel dasguas subterrneas, superficiais e da chuva. Apesar de em SantaCatarina sermos ricos em recursos hdricos, temos muitosproblemas com poluio: no sul do estado o carvo, na regio deLages algumas papeleiras, na regio oeste a suinocultura, e oproblema dos esgotos nas nossas cidades. Tudo isso causa muitosproblemas gua, mas se a gente tiver mais conhecimento e

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    respeito certamente podemos deixar para as prximas geraes umlegado rico para o que primordial vida: a gua.GEOSUL E hoje, como voc v o departamento de Geocinciasdo Centro de Filosofia e Cincias Humanas,com dois novos cursos:Oceanografia e Geologia.Prof. Scheibe Quanto aos novos cursos do Departamento, apoieimas no tive um envolvimento maior com a formao do deoceanografia, mas eu sempre quis o de geologia. Talvez no tivessetido, antes, a coragem necessria para prop-lo. Acho que ele surgeagora numa conjuntura extremamente favorvel, de grande demandanacional e com um apelo muito forte, a partir da tragdia de 2008 novale do Itaja, com a busca dos bombeiros e da defesa civil porgelogos, que nos fez mais uma vez trabalhar como voluntrios. Daproposta de projetos de pesquisa sobre esses desastres naturais surgiuo apoio da Reitoria, do pr-sal o apoio da Petrobrs, a possibilidade dealgumas contrataes pelo Reuni, a presena de alguns novosprofessores, juntaram as condies favorveis para criao do curso.Com a minha aposentadoria muito prxima, no terei condies deassumir aulas na graduao em geologia, mas tenho certeza de queteremos, todos, muito orgulho deste curso. E se um pouco paradoxalo fato destes cursos estarem no Centro de Filosofia e CinciasHumanas, por outro lado d a eles a possibilidade de um convvio comquestes que em outras universidades passam ao largo, ento eu soucontrrio sada destes cursos para outros centros, pois a interaoentre os professores e entre os alunos de outros cursos do centro darcertamente a eles um matiz mais humanstico, ao mesmo tempo querepresenta tambm um saudvel desafio para os cursos de graduao eps-graduao em GeografiaGEOSUL A palavra est aberta para que voc faa algumcomentrio que gostaria.Prof. Scheibe Tenho a fazer um agradecimento a todos oscolegas e alunos que eu tive, pois certamente foi este convvio e aaceitao que sempre vivenciei na universidade que me

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    possibilitaram uma vida profissional, que embora ache que no estcompleta, at aqui me faz sentir bastante realizado. Precisoagradecer tambm a toda a comunidade do CFH pela distinocomo Pesquisador de Destaque em 2010, nos 50 anos da UFSC.Mas quero ressaltar que nunca trabalhei sozinho. No meu currculoa lista de pessoas com as quais trabalhei, escrevi imensa, istoporque sempre contei com companheiros, colaboradores, alunos,amigos. Acho que aquele grupo que conseguimos montar noLAAm vitorioso. Vale ainda recordar o Takeda que nos ensinou atodos, tanto de geologia, geografia e da prpria vida. A figura doprof. Peluso tambm tem que ser lembrada: ele com seus 80 anoscontribuindo ainda com o departamento. Gostaria de poder imit-lo, assim como ao Bigarella, ao Carlos Augusto...GEOSUL Agradecemos mais uma vez.

    Foto: Prof. Scheibe com seus/suas orientandos/as do LAAm, na entregado prmio Pesquisador de Destaque, em 2010.