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O Paradoxo da Articulação dos Órgãos locais do Estado com as Autoridades Comunitárias em Moçambique: Do Discurso sobre a Descentralização à Conquista dos Espaços Políticos a Nível Local * Salvador Cadete FORQUILHA Resumo No início dos anos 1990, as reformas de descentralização na África-subsahariana aparecem associadas ao fenómeno da liberalização política e ao processo da democratização, como consequência duma série de factores, nomeadamente as crises económicas e políticas, as pressões dos doadores para a “boa governação”, a urbanização crescente, entre outros. Para o caso de Moçambique, é sobretudo a partir da abertura do espaço político na década de 1990 que a descentralização (política e administrativa) se tornou um dos elementos fundamentais do próprio processo da reforma do Estado, sublinhando, por um lado, a participação dos cidadãos na administração e desenvolvimento a nível local e, por outro, o melhoramento dos mecanismos do funcionamento do Estado. Este artigo procura analisar a relação Estado/chefes tradicionais, focalizando a atenção para o processo de democratização em curso em Moçambique. Trata-se de ir para além do discurso recorrente sobre a descentralização administrativa de forma a compreender as dinâmicas sociopolíticas subjacentes à actual relação Estado/chefes tradicionais. O argumento central do artigo sublinha que a dinâmica da institucionalização do que ficou conhecido por “autoridades comunitárias” mostra que, subjacente ao discurso sobre a descentralização e a participação local, existe uma luta pela conquista dos espaços políticos a nível local. Com a introdução do pluralismo e da competição política, a formação e a consolidação de alianças partidárias a nível local tornaram-se mais importantes do que nunca. Assim, nas zonas onde as chefaturas tradicionais constituem um elemento importante da vida local, os principais partidos políticos, nomeadamente a FRELIMO e a RENAMO, procuram apropriar-se da instituição com vista à fortificação das suas alianças locais através dos chefes tradicionais. * Artigo elaborado com base na comunicação apresentada na conferência internacional subordinada ao tema « autoridades tradicionais em África : um universo em mudança », CEA-ISCTE, Lisboa, 1 – 2 de Março de 2007. As entrevistas usadas no artigo foram feitas durante o trabalho de campo realizado em 2003 e 2004 no distrito de Cheringoma, no âmbito da preparação da minha tese de doutoramento: Salvador Cadete FORQUILHA, Des “autoridades gentílicas” aux “autoridades comunitárias”. Le processus de mobilisation de la chefferie comme ressource politique. État, chefferie et démocratisation au Mozambique : Le cas du district de Cheringoma, Bordeaux, Université de Bordeaux IV, 2006.

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O Paradoxo da Articulação dos Órgãos locais do Estado com as Autoridades Comunitárias em Moçambique: Do Discurso sobre a Descentralização à Conquista dos Espaços Políticos a Nível Local∗

Salvador Cadete FORQUILHA

Resumo No início dos anos 1990, as reformas de descentralização na África-subsahariana aparecem associadas ao fenómeno da liberalização política e ao processo da democratização, como consequência duma série de factores, nomeadamente as crises económicas e políticas, as pressões dos doadores para a “boa governação”, a urbanização crescente, entre outros. Para o caso de Moçambique, é sobretudo a partir da abertura do espaço político na década de 1990 que a descentralização (política e administrativa) se tornou um dos elementos fundamentais do próprio processo da reforma do Estado, sublinhando, por um lado, a participação dos cidadãos na administração e desenvolvimento a nível local e, por outro, o melhoramento dos mecanismos do funcionamento do Estado. Este artigo procura analisar a relação Estado/chefes tradicionais, focalizando a atenção para o processo de democratização em curso em Moçambique. Trata-se de ir para além do discurso recorrente sobre a descentralização administrativa de forma a compreender as dinâmicas sociopolíticas subjacentes à actual relação Estado/chefes tradicionais. O argumento central do artigo sublinha que a dinâmica da institucionalização do que ficou conhecido por “autoridades comunitárias” mostra que, subjacente ao discurso sobre a descentralização e a participação local, existe uma luta pela conquista dos espaços políticos a nível local. Com a introdução do pluralismo e da competição política, a formação e a consolidação de alianças partidárias a nível local tornaram-se mais importantes do que nunca. Assim, nas zonas onde as chefaturas tradicionais constituem um elemento importante da vida local, os principais partidos políticos, nomeadamente a FRELIMO e a RENAMO, procuram apropriar-se da instituição com vista à fortificação das suas alianças locais através dos chefes tradicionais.

∗ Artigo elaborado com base na comunicação apresentada na conferência internacional subordinada ao tema « autoridades tradicionais em África : um universo em mudança », CEA-ISCTE, Lisboa, 1 – 2 de Março de 2007. As entrevistas usadas no artigo foram feitas durante o trabalho de campo realizado em 2003 e 2004 no distrito de Cheringoma, no âmbito da preparação da minha tese de doutoramento: Salvador Cadete FORQUILHA, Des “autoridades gentílicas” aux “autoridades comunitárias”. Le processus de mobilisation de la chefferie comme ressource politique. État, chefferie et démocratisation au Mozambique : Le cas du district de Cheringoma, Bordeaux, Université de Bordeaux IV, 2006.

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Introdução

No início dos anos 1990, as reformas de descentralização na África-subsahariana aparecem

associadas ao fenómeno da liberalização política e ao processo da democratização, como

consequência duma série de factores, nomeadamente as crises económicas e políticas, as

pressões dos doadores para a “boa governação”, a urbanização crescente, entre outros1.

Para o caso de Moçambique, é sobretudo a partir da abertura do espaço político na década de

1990 que a descentralização (política e administrativa) se tornou um dos elementos

fundamentais do próprio processo da reforma do Estado, sublinhando, por um lado, a

participação dos cidadãos na administração e desenvolvimento a nível local e, por outro, o

melhoramento dos mecanismos do funcionamento do Estado. Aliás, o decreto 15/2000 de 20

de Junho, que estabelece as formas de articulação dos órgãos locais do Estado com as

autoridades comunitárias, sublinha na sua introdução: « no âmbito do processo da

descentralização administrativa, valorização da organização social das comunidades locais e

aperfeiçoamento das condições da sua participação na administração pública para o

desenvolvimento sócio-económico e cultural do país, torna-se necessário estabelecer as

formas de articulação... »2. Mas, se é verdade que a articulação dos órgãos locais do Estado

com as autoridades comunitárias assenta no discurso sobre a descentralização, também não é

menos verdade que a estruturação da relação Estado/autoridades comunitárias

(particularmente chefes tradicionais) traz ao de cima uma série de dinâmicas sociopolíticas

locais que resultam, por um lado, da trajectória histórica do Estado e das chefaturas

tradicionais no contexto rural e, por outro, do pluralismo e competição política.

Este artigo procura analisar a relação Estado/chefes tradicionais, focalizando a atenção para o

processo de democratização em curso no país. Trata-se de ir para além do discurso recorrente

sobre a descentralização administrativa de forma a compreender as dinâmicas sociopolíticas

subjacentes à actual relação Estado/chefes tradicionais. O argumento central do artigo

sublinha que a dinâmica da institucionalização do que ficou conhecido por “autoridades

comunitárias” mostra que, subjacente ao discurso sobre a descentralização e a participação

local, existe uma luta pela conquista dos espaços políticos a nível local. Com a introdução do

1 Ver Dele OLOWU e James S. WUNSCH, Local Governance in Africa. The Chalenges of Democratic Decentralization, Boulder et London, Lynne Rienner Publishers, 2004. 2 Decreto 15/2000 de 20 de Junho, Boletim da República, I Série, n° 24, suplemento, 20 de Junho de 2000.

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pluralismo e da competição política, a formação e a consolidação de alianças partidárias a

nível local tornaram-se mais importantes do que nunca. Assim, nas zonas onde as chefaturas

tradicionais constituem um elemento importante da vida local, os principais partidos políticos,

nomeadamente a FRELIMO e a RENAMO, procuram apropriar-se da instituição com vista à

fortificação das suas alianças locais através dos chefes tradicionais.

Estas alianças, pondo em relevo o fenómeno de clientilismo político, constituem verdadeiras

relações de trocas onde patrões e clientes, cada um à sua maneira, procuram maximizar os

interesses particulares. Com efeito, enquanto os partidos políticos visam o aumento do apoio

político local, os chefes tradicionais interessam-se pelo reforço do seu estatuto de

intermediários políticos e pela aquisição de ganhos materiais. Neste contexto, a articulação

dos órgãos locais do Estado com as autoridades comunitárias traz à superfície aspectos que

podem constituir um obstáculo ao próprio processo de participação local, como por exemplo a

fraca institucionalização do Estado a nível local, o conflito entre os diferentes actores no seio

das autoridades comunitárias, a fraca responsabilização das autoridades comunitárias perante

as suas respectivas comunidades, a forte politização da questão das autoridades comunitárias,

traduzida na mobilização das chefaturas como recurso político.

Para desenvolver o argumento principal do artigo, procurarei focalizar a análise em dois

aspectos fundamentais: I) do discurso sobre a descentralização ao processo da conquista dos

espaços políticos a nível local; II) partidos, chefes tradicionais e o fenómeno do clientelismo

político no mundo rural

I – Do discurso sobre a descentralização ao processo da conquista de espaços políticos a

nível local.

As reformas económicas e políticas iniciadas nos finais dos anos 1980 em Moçambique

tiveram consequências importantes na configuração das relações entre o sector político central

e a periferia. Houve uma redefinição das relações do poder no seio do sistema político

moçambicano, que se cristalizou, particularmente, na implementação do processo de

descentralização.

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Descentralização: transferência de responsabilidades, recursos e responsabilização do

centro para a periferia

O conceito de descentralização encerra várias acepções. De acordo com L. Adamolekun, a

descentralização pode-se referir, em primeiro lugar, “ a uma medida administrativa

implicando a transferência de gestão de responsabilidades e de recursos para os agentes do

governo central situados a um ou vários níveis (província, região, divisão e distrito). Esta

descentralização administrativa é vulgarmente conhecida por desconcentração” 3. Em

segundo lugar, o conceito de descentralização é empregue para designar “um arranjo político

implicando a devolução de poderes, de funções e de recursos específicos pelo governo central

para as unidades de governo do nível sub-nacional [...] inclusive regionais, provinciais e

locais ou municipais. Em muitos casos, estas unidades de governo sub-nacionais são

substancialmente independentes e têm uma personalidade jurídica...”4. Deste ponto de vista,

fala-se de descentralização política. Em terceiro lugar, ainda segundo L. Adamolekun, pode-

se falar de descentralização quando há uma “delegação da autoridade e da responsabilidade

de gestão para as organizações fora da estrutura do governo central para funções

específicas”5. Finalmente, o conceito de descentralização pode-se referir “especificamente à

transferência de responsabilidades relativas ao orçamento e às decisões financeiras do nível

mais elevado para o nível mais baixo do governo. É o que se chama descentralização fiscal”6.

Estas quatro acepções constituem modalidades do processo de descentralização e, para o caso

da África sub-sahariana, elas fazem parte do que D. Olowo e J. S. Wunsch chamam “reformas

de descentralização”, isto é, “os actos legais e as medidas administrativas que iniciam a

transferência de responsabilidade (autoridade), de recursos (humanos e financeiros), de

responsabilização e de regras (instituições) do governo central para as entidades locais”7.

Na sua análise sobre o processo de descentralização na África sub-sahariana, D. Olowo e J. S.

Wunsch identificam quatro fases. A primeira fase corresponde ao período de vésperas das

3 Ladipo ADAMOLEKUN, « Decentralization, Subnational Governments, and Intergovernmental Relations » in Ladipo ADAMOLEKUN (ed.), Public Administration in Africa. Main Issues and Selected Country Studies, Boulder and Oxford, Westview Press, 1999, p. 49. 4 Ibidem. 5 Ibidem. 6 Ibidem. 7 Dele OLOWU e James S. WUNSCH, Local Governance in Africa…, op. cit., pp. 4 – 5.

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independências marcada pela emergência dum sistema de governo local, particularmente nas

ex-colónias britânicas. A segunda fase é aquela do imediatamente a seguir às independências

africanas, caracterizada pela abolição do sistema de governo local, a instauração de

economias centralmente planificadas e o sistema de partido único. A terceira fase corresponde

ao período da crise dos Estados africanos, nomeadamente nos anos 1970 e 1980, marcada pela

adopção dos programas de ajustamento estrutural. Segundo os autores, a descentralização

nesta fase aparece sobretudo como um meio de redução das despesas do governo central de

forma a fazer face à crise. E finalmente, a quarta fase, é aquela que começa nos anos 1990,

onde as reformas de descentralização foram associadas à liberalização política e ao processo

de democratização8.

As análises de D. Olowo e J. S. Wunsch sobre o processo de descentralização em África

guardam toda a sua pertinência na medida em que apresentam a descentralização como o

resultado da conjugação de factores internos e externos. De facto, muitas vezes tem-se a

tendência de reduzir o processo de descentralização em África exclusivamente a factores

externos, nomeadamente as exigências dos doadores, particularmente o Banco Mundial e o

Fundo Monetário Internacional. Na verdade, a componente da Godo governante dos

programas de ajustamento estrutural desempenha um papel importante na implementação de

reformas de descentralização na maior parte dos países africanos, entre os quais Moçambique.

Todavia, é preciso tomar em consideração o facto de que, para certos Estados africanos,

particularmente Moçambique, a descentralização aparece igualmente como um elemento

importante no processo de gestão de conflitos políticos e de re-legitimação do Estado, no

âmbito da pacificação do país e do processo de democratização. Aliás, tal como F. Faria e A.

Chichava sublinham, “num contexto de reforma económica e de resolução do conflito interno

que opunha a FRELIMO à RENAMO, a descentralização em Moçambique é prioritariamente

vista [...] como uma parte do processo de pacificação e de democratização do país e uma

necessidade absoluta para poder dar resposta à diversidade de Moçambique. Na medida em

que pretende criar estruturas económicas e administrativas capazes de promover a prestação

de serviços e potenciar o desenvolvimento, na medida em que potencia também o diálogo

entre as estruturas do Estado e a sociedade civil nas suas várias formas de organização, a

descentralização contribui para a reconstrução do Estado, a minimização de conflitos e a

8 Para uma melhor compreensão das quatro fases do processo de descentralização em África, ver Ibidem.

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consolidação da paz...”9. Neste contexto, em que medida é que o processo de descentralização

em Moçambique toma em consideração a questão das chefaturas tradicionais?

A questão das chefaturas tradicionais no processo de descentralização

Desde a entrada da questão das autoridades tradicionais no debate político em Moçambique,

particularmente com o lançamento do artigo conjunto de C. Geffray e M. Pedersen sobre a

guerra em Nampula10 e mais tarde com o livro do primeiro sobre a guerra civil em

Moçambique11, foi cada vez mais notório o interesse de associar a problemática das

autoridades tradicionais ao processo de descentralização, no novo espaço político que se abriu

com a Constituição de 1990. É o caso dos estudos levados a cabo pelas equipas de pesquisa

do Ministério da Administração Estatal (MAE)12, nomeadamente o Núcleo do

Desenvolvimento Administrativo e o Projecto de Descentralização e Democratização. Desde

então, duas posições se destacaram relativamente à questão das autoridades tradicionais no

contexto do processo de democratização. A primeira posição foi aquela defendida pelos

investigadores do MAE, segundo a qual os chefes tradicionais são um elemento importante da

estrutura da organização sócio-cultural das comunidades locais, que era preciso tomar em

conta no processo de democratização em curso no país, depois dum período onde as

chefaturas tradicionais tinham sido politicamente marginalizadas. A segunda posição no

debate era defendida por autores como Sérgio Vieira que considerava a autoridade tradicional

como uma instituição desestruturada e corrompida pelo impacto do colonialismo e por

conseguinte era difícil aceitar a sua reintrodução no contexto da democratização do país13. As

duas posições citadas parecem situar-se nos extremos do debate e têm uma visão das

chefaturas tradicionais como uma instituição não só homogénea, mas também idílica, pelo

menos no que se refere à época pré-colonial. Na realidade, é importante ver as chefaturas

9 Fernanda FARIA e Ana CHICHAVA, Descentralizção e cooperação descentralizada em Moçambique, Maastricht, European Centre for Development Policy Management, 1999, p. 3. 10 Christian GEFFRAY et Mögens PEDERSEN, « Nampula en Guerre », Politique Africaine, nº 29, Paris, Karthala, 1988. 11 Christian GEFFRAY, La cause des armes au Mozambique. Anthropologie d’une guerre civile, Paris, Karthala, 1990. 12 Ver Irae LUNDIN et Francisco MACHAVA (eds), Autoridade e Poder Tradicional, Vol.I, Ministério da Administração Estatal, Maputo, 1995; Irae LUNDIN et Francisco MACHAVA (eds), Autoridade e Poder Tradicional, Vol.II, Maputo, Ministério da Administração Estatal, 1998; Domingos do Rosário ARTUR (ed.) Tradição e Modernidade. Que Lugar para a Tradição na Governação Descentralizada de Moçambique?, Maputo, Projecto de Descentralização e Democratização (PDD), Ministério da Administração Estatal, 1999. 13 Sérgio VIEIRA, “Falando de autoridade tradicional (III)” in Domingo, 6 de dezembro 1998, p. 8;

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tradicionais como algo de dinâmico, na medida em que a tradição é uma construção social

situada no tempo e no espaço14.

Para uma melhor compreensão da questão das autoridades tradicionais no processo de

descentralização, uma referência aos principais dispositivos legais em matéria de

descentralização no país se impõe, nomeadamente as leis 3/94, 2/97 e o decreto 15/2000.

A lei 3/94: reformas e interesses em jogo na administração local

Embora aprovada antes da realização das primeiras eleições legislativas e presidenciais de

1994, a lei 3/94 de 13 de Setembro, que cria os distritos municipais, encerra uma forte

componente da devolução do poder, das funções e dos recursos para as entidades autónomas

dotadas de personalidade jurídica. Com efeito, no seu artigo 1, a lei estabelece que

“1. O Estado moçambicano reconhece como princípio básico da organização administrativa

democrática a instituição de distritos municipais. 2. Os distritos municipais são pessoas

colectivas públicas de população e território, dotados de órgãos representativos e executivos

que visam, de modo autónomo prosseguir interesses próprios das correspondentes

comunidades...”15.

Classificados em urbanos e rurais, os distritos municipais, no âmbito da lei 3/94, têm

competências nos domínios da administração local, da promoção do desenvolvimento, dos

serviços sociais, do ambiente, da cultura, etc.16. Além disso, a lei determina que os distritos

municipais têm o poder de regulamentação, auto-organização, planificação, cobrança de

impostos, participação no processo de tomada de decisões do Estado que directamente lhes

diz respeito17.

14 Este tipo de análise pode-se encontrar particularmente em Hary WEST, “‘This Neighbour is not my Uncle !’: Changing Relations of Power and Authority on the Mueda Plateau”, Journal of Modern African Studies, Vol. 24, n° 1, 1998; Jocelyn ALEXANDER, « The Local State in Post-War Mozambique : Political Practice and Ideas About Authority », Africa, 67 (1), 1997; Jocelyn ALEXANDER, “Terra e Autoridade Política no Pós-guerra em Moçambique: o Caso da Província de Manica”, Arquivo, AHM, Universidade Eduardo Mondlane, n° 14, Maputo, Outubro, 1994. 15 Lei 3/94, Boletim da Republica, I Série, n° 37, 2° Suplemento, 13 se Setembro de 1994. 16 Ibidem. 17 Ibidem.

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No que se refere às autoridades tradicionais, a lei prevê o seu enquadramento no processo de

administração local. Com efeito, o artigo 8 estabelece que

“1. O Ministério que superintende na função pública e administração local do Estado

coordenará as políticas do enquadramento das autoridades tradicionais e de outras formas de

organização comunitária pelos distritos municipais, de modo a estabelecer os mecanismos da

sua participação na escolha e realização das políticas que visem a satisfação de interesses

específicos das populações abrangidas. 2. Os órgãos dos distritos municipais auscultam as

opiniões e as sugestões das autoridades tradicionais reconhecidas pelas comunidades como

tais, de modo a coordenar com elas a realização de actividades que visem a satisfação das

necessidades específicas das referidas comunidades...”18.

Além disso, a lei 3/94 enumera as principais áreas de colaboração entre os órgãos dos distritos

municipais e as autoridades tradicionais. Assim, o artigo 9 determina que

“As autoridades tradicionais, além do desempenho das funções que lhes são reconhecidas

pelas suas respectivas comunidades, poderão ser solicitadas pelos órgãos dos distritos

municipais, a colaborar nos domínios tais como a) gestão de terras; b) cobrança de impostos;

c) manutenção da harmonia e da paz social; d) divulgação e a implementação das decisões dos

órgãos municipais e do Estado; e) abertura e manutenção de vias de acesso; f) recenseamento

da população [...]; i) prevenção de incêndios, caça e pesca ilegais; j) protecção do ambiente; k)

preservação da floresta e fauna bravia; l) promoção da actividade produtiva; m) preservação

do património físico e cultural”19.

Neste contexto, pode-se considerar que a lei 3/94 reconhece e formaliza o papel das

autoridades tradicionais, particularmente dos chefes tradicionais, no âmbito das reformas de

descentralização em curso na época. Todavia, é importante referir que, se é verdade que a lei

3/94 trazia reformas importantes em matéria de administração local, a tentativa de sua

implementação revelou-se conflitual, no período imediatamente a seguir as primeiras eleições

multipartidárias do país, realizadas em 1994. Com efeito, numa primeira fase, a lei só se podia

aplicar nos principais centros urbanos, nomeadamente a capital do país e as capitais

provinciais. Nas zonas rurais, a aplicação da lei ficou dependente da fixação duma data pelo

Conselho de Ministros. Ora, as eleições gerais de 1994 tinham dado uma indicação dum

18 Ibidem. 19 Ibidem.

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resultado relativamente confortável para a oposição, nomeadamente a RENAMO, nas zonas

rurais (ver tabela 1 e gráficos 1 e 2).

Tabela 1 : Resumo da votação nacional nas eleições legislativas de 1994

Voto urbano Voto rural Total Eleitores 1 402 310 4 775 571 6 177 881* Abstenções 172 702 600 881 773 583 Validos 1 099 532 3 525 267 4 773 225* Brancos 76 586 380 796 457 382 Nulos 53 490 268 627 173 691 Frelimo 650 034 1 422 655 2 115 793* Renamo 320 722 1 434 302 1 803 506* UD 33 470 202 816 245 793* Outros 95 306 465 494 608 133*

* Incluídos os votos nulos revalidados pela comissão nacional de eleições.

Fonte: Luís de BRITO, “O Comportamento Eleitoral nas Primeiras Eleições Multipartidárias em Moçambique”, in MAZULA, Brazão, Moçambique. Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo, Inter-Africa Group, 1995.

Gráfico 1: O voto urbano nas eleições legislativas de 1994 (votação nacional)

59%29%

3% 9%

FrelimoRenamoUnião DemocraticaOutros

Fonte : Adaptado de Luís de BRITO, “O Comportamento Eleitoral nas Primeiras Eleições Multipartidárias em Moçambique”..., op. cit..

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9

Gráfico 2: O voto rural nas eleições legislativas de 1994 (Votação nacional)

40%

41%

6%13%

FrelimoRenamoUnião DemocraticaOutros

Fonte : Adaptado de Luís de BRITO, “O Comportamento Eleitoral nas Primeiras Eleições Multipartidárias em Moçambique”..., op. cit..

Por conseguinte, a continuação das reformas de descentralização no contexto da lei 3/94, que

estabelecia o sufrágio universal para os órgãos legislativos e executivos dos distritos

municipais, conduziria, pelo menos teoricamente, a fortes possibilidades de acesso ao poder

por parte da RENAMO, a nível local. Assim, antes mesmo que as eleições locais tivessem

lugar, a lei 3/94 sofreu importantes modificações. Em 1996, uma emenda constitucional20, que

introduzia a questão do poder local, reduziu substancialmente a autonomia das estruturas

locais, que tinha sido estabelecida no âmbito da lei 3/94. Tal como L. Soiri sublinha, “os

novos órgãos autónomos deveriam complementar e não substituir os órgãos locais nomeados

pelo governo central”21. Na sequência da emenda constitucional de 1996, foi, unilateralmente,

aprovada uma nova lei relativa a reformas de descentralização pelo grupo parlamentar da

FRELIMO, que dispunha duma maioria na Assembleia da República.

Quando a lógica centralizadora prevalece sobre o discurso da descentralização: a lei 2/97

Aprovada sem o consenso das três bancadas parlamentares, a lei 2/97 revogou a anterior lei

3/94 e constituiu o quadro legal para a realização das primeiras eleições municipais de 1998,

20 Ver Lei 9/96, Boletim da Republica, I Série, n° 47, 1° Suplemento, 22 de Novembro de 1996. 21 Lina SOIRI, Moçambique : aprender a caminhar com uma bengala emprestada ? Ligações entre descentralização e alivio à pobreza, Maastricht, European Centre for Development Policy Management, 1999, p.9.

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boicotadas pela RENAMO e caracterizadas por uma forte abstenção22. Comparativamente à

lei 3/94, a lei 2/97 representa um recuo quanto à devolução de poderes, funções e recursos do

centro para a periferia. Com efeito, duma administração local exclusivamente circunscrita aos

distritos municipais, enquanto espaços inteiramente autónomos, passou-se para uma

administração onde o Estado pode manter a sua representação e os seus serviços lá onde a sua

zona de jurisdição eventualmente coincida com a duma autarquia23.

Quando se olha para o debate parlamentar que precedeu a criação das autarquias locais,

constata-se que o processo da escolha das cidades e vilas que receberiam o estatuto de

autarquia foi marcado por importantes interesses dos principais actores políticos,

nomeadamente a FRELIMO e a RENAMO. Cada formação política procurou privilegiar

lugares onde supostamente gozava dum importante apoio político local. Neste contexto,

apenas 33 cidades e vilas tiveram o estatuto de autarquia24, o que introduziu um sistema de

administração local a duas velocidades: uma certa devolução de poderes, funções e recursos

para as 33 autarquias, com a realização regular de eleições locais; e uma certa

desconcentração para o resto dos distritos, nomeadamente no meio rural.

No que se refere à questão das autoridades tradicionais, a lei 2/97 não só reduz

consideravelmente a sua participação no processo de tomada de decisão a nível local, mas

também não faz nenhuma menção a uma eventual colaboração entre estas últimas e as

autarquias. Contrariamente à lei 3/94, a lei 2/97 coloca a questão da consulta às autoridades

tradicionais pelas estruturas do poder local em termos de possibilidade e não de dever. Com

efeito, o número 2 do artigo 28 da lei 2/97 estabelece que

“No seu funcionamento, as estruturas das autarquias locais poderão auscultar as opiniões e as

sugestões das autoridades tradicionais, reconhecidas como tais pelas comunidades, de modo a

coordenar com elas a realização de actividades que visem a satisfazer as necessidades

específicas das suas respectivas comunidades”25.

22 Ver Bernhard WEIMER, “Abstaining from the 1998 Local Government Elections in Mozambique: Some Hypotheses”, L’Afrique Politique, Paris, Karthala, 1999, pp. 125 – 145. 23 Lei 2/97, Boletim da Republica, I Série n° 7, 2° Suplemento, 18 de Fevereiro de 1997. 24 Lei 10/97, Boletim da Republica, I Série, n° 22, 4° Suplemento, 31 de Maio de 1997. 25 Lei 2/97, Boletim da Republica, I Série…, op. cit.

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Esta mudança de perspectiva em relação ao lugar das autoridades tradicionais no processo de

descentralização, não resultava do acaso. Com efeito, ao reduzir consideravelmente o papel

das autoridades tradicionais no processo de tomada de decisão a nível local, a lei 2/97

revelava a existência de clivagens internas no seio da FRELIMO. Assim, se certos sectores do

partido consideravam importante o regresso das autoridades tradicionais no novo contexto

político dos anos 1990, outros, em contrapartida, dificilmente podiam conceber a articulação

destas últimas com os órgãos autárquicos, legitimados através do voto26.

Por outro lado, se é verdade que, com o fim da guerra civil, os chefes tradicionais constituíam

os principais intermediários entre o centro e a periferia, na maioria das zonas rurais, também é

verdade que em outras zonas, nomeadamente aquelas que ficaram sob o controlo

governamental durante a guerra civil, havia uma outra categoria de actores que

desempenhavam o papel de intermediários políticos locais: os secretários dos grupos

dinamizadores, uma estrutura político-administrativa local implantada no período

imediatamente a seguir a independência, e que substituiu os chefes tradicionais na sequência

da marginalização política destes últimos. Neste contexto, a questão da participação dos

chefes tradicionais no processo de administração local continha interesses políticos em jogo.

Esses interesses eram tanto mais importantes que, contrariamente ao que se podia esperar, os

debates levados a cabo pelas equipas de pesquisa do MAE, nos anos 1990, sobre o lugar da

autoridade tradicional no sistema político moçambicano, não conduziram a nenhuma emenda

constitucional que levasse ao seu reconhecimento na Constituição de 199027. Assim, a

regulamentação das relações entre os órgãos locais do Estado com a autoridade tradicional

vai-se inscrever no âmbito do decreto 15/2000, aprovado pelo Conselho de Ministros.

O decreto 15/2000: a institucionalização duma pluralidade de intermediários políticos a

nível local

Embora sublinhe “a descentralização administrativa, a valorização da organização social das

comunidades locais e o aperfeiçoamento das condições da sua participação na administração 26 Ver, por exemplo, Sérgio VIEIRA, “Falando de autoridade tradicional (IV), Domingo, 20 de Dezembro de 1998. 27 O reconhecimento constitucional da autoridade tradicional só viria a acontecer em 2004, na sequência do processo da revisão constitucional que conduziu à aprovação da nova Constituição da República, aos 16 de Novembro de 2004. Com efeito, o artigo 118 da Constituição de 2004 estabelece que “O Estado reconhece e valoriza a autoridade tradicional legitimada pelas populações e segundo o direito costumeiro; o Estado define a relação entre a autoridade tradicional e as outras instituições e enquadra a sua participação na vida económica, social e cultural do país conforme à lei”. Ver Constituição da República de Moçambique, in www.mozlegal.com.

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pública para o desenvolvimento socio-económico do país”28, o decreto 15/2000 parece revelar

importantes interesses político-partidários, na medida em que a noção de autoridades

comunitárias recupera não só os chefes tradicionais, politicamente marginalizados no período

a seguir a independência, mas também os secretários de bairros ou de aldeias, que em muitos

casos são verdadeiros intermediários do partido no poder a nível local. Aliás, é bastante

ilustrativo o facto de que, dois anos antes da aprovação do decreto 15/2000, o comité central

da FRELIMO tivesse claramente sublinhado a sua determinação de ver as estruturas dos

antigos grupos dinamizadores integradas numa eventual estrutura formal relativa à articulação

entre o Estado e as populações locais. Com efeito, o documento final da primeira sessão

extraordinária do comité central da FRELIMO, realizada em Novembro de 1998, dizia sem

equívocos que

“...O comité central entende necessária uma proposta para a sua reflexão e decisão, na

próxima sessão ordinária, sobre mecanismos e estruturas de direcção estatal na base que

integrem o respeito das formas tradicionais do poder e das conquistas já realizadas na luta de

libertação nacional pela implantação e consolidação do Estado moçambicano. A valorização

dos grupos dinamizadores, dos princípios e estruturas democráticas e da modernidade

constituem as linhas de pensamento...”29.

Considerado como referência fundamental em matéria de articulação dos órgãos locais do

Estado com as autoridades comunitárias30, o decreto 15/2000 institucionaliza uma série de

actores locais e retira aos chefes tradicionais a exclusividade de mediação entre o Estado e as

populações a nível local, na medida em que no seio das autoridades comunitárias, existe pelo

menos três categorias de actores diferentes : chefes tradicionais, secretários de bairros ou

aldeias e outros líderes legitimados como tais pelas respectivas comunidades ou grupo

social31. Isto era crucial em zonas que permaneceram sob o controlo da RENAMO durante

muito tempo, onde a estrutura político-administrativa montada pela FRELIMO no período a

seguir a independência tinha completamente desaparecido e os chefes tradicionais tinham-se

28 Decreto 15/2000 de 20 de Junho, Boletim da República, I Série..., op. cit. 29 « Comité central. I sessão extraordinaria do comité central. Documento final », Domingo, 6 de Dezembro 1998, p. 11. 30 O decreto 11/2005 praticamente retoma o decreto 15/2000 e o seu regulamento no que diz respeto à questão da articulação dos órgãos locais do Estado com as autoridades comunitárias. Ver Decreto 11/2005, Boletim da Republica, I Série n° 23, 10 de Junho de 2005. 31 Ibidem, artigo 105.

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tornado os únicos intermediários políticos durante e no período imediatamente a seguir a

guerra civil32.

Esta diversificação de actores no seio das autoridades comunitárias, em certas zonas do país,

reacendeu o conflito entre chefes tradicionais e secretários de bairros, que em alguns casos

remonta ao período imediatamente a seguir a independência em que os chefes tradicionais,

tidos como antigos colaboradores do sistema administrativo colonial, foram afastados e nos

seus lugares colocados os secretários de bairro ou de aldeias.

A coabitação conflituosa entre os chefes tradicionais e os secretários de bairros, muitas vezes

acaba afectando negativamente o próprio processo de participação das populações a nível

local, na medida em que as autoridades comunitárias ficam mais preocupadas com a conquista

pessoal do espaço político local do que com os interesses das suas respectivas populações. Na

realidade, a conquista do espaço político local muitas vezes constitui um aspecto importante

no acesso a benefícios, em termos políticos, económicos e sociais por parte dos chefes

tradicionais e de apoio político local por parte dos partidos políticos, particularmente a

FRELIMO e a RENAMO.

II – Partidos, chefes tradicionais e o fenómeno do clientelismo político

No seu primeiro discurso na sede do comité central em Maputo, depois do anúncio oficial dos

resultados das eleições presidenciais e legislativas de 2004, Armando Guebuza, o candidato

vencedor, dirigiu-se aos militantes da FRELIMO nos seguintes termos:

“... A nossa vitória foi construída com a participação de todos: jovens, mulheres, agentes

económicos [...], líderes comunitários – os depositários da nossa história e da nossa cultura

rica na sua diversidade. Foram eles que transmitiram com clareza o nosso manifesto

eleitoral”33.

A referência aos líderes comunitários (chefes tradicionais, secretários de bairros) não foi um

mero acaso. A campanha eleitoral para as eleições gerais de 2004 tinha sido marcada por uma

32 É o caso, por exemplo, de alguns distritos da região norte da província de Sofala, tais como Cheringoma, Marínguè e Chemba. 33 Transmissão televisiva, em directo, do discurso de Armando Guebuza na sede do comité central da FRELIMO, Televisão de Moçambique, 12 de Dezembro de 2004.

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participação activa das autoridades comunitárias, nomeadamente os chefes tradicionais, com

os quais os candidatos presidenciais, cada um à sua maneira, procuraram estabelecer alianças.

A presença dos chefes tradicionais em todos os comícios de Armando Guebuza foi visível. Do

lado da RENAMO, podia-se igualmente constatar uma certa aproximação entre o candidato

presidencial e alguns chefes tradicionais. Por exemplo, aquando do seu comício eleitoral no

distrito de Chiure em Cabo Delgado, no norte do país, Afonso Dhlakama recebeu honras dum

chefe tradicional34.

O fenómeno de participação de chefes tradicionais em campanhas eleitorais não é específico

ao processo político moçambicano35. Num contexto marcado por pluralismo político e

competição política, a instituição das chefaturas tradicionais emerge como um importante

recurso político, capaz de ser mobilizado quer pelos partidos políticos, quer pelos próprios

chefes tradicionais.

O processo da mobilização das chefaturas tradicionais como recurso político

R. Dahl considera que o controlo desigual de recursos políticos é uma das características dos

sistemas políticos. Por recurso político, o autor entende “um meio pelo qual uma pessoa pode

influenciar o comportamento de outrem”36. R. Dahl acrescenta que “os recursos políticos

compreendem portanto o dinheiro, a informação, a alimentação, a ameaça da força física, o

emprego, a amizade, o status social, o direito de legislar, o voto e toda uma variedade de

outros fenómenos”. Da definição de R. Dahl, pode-se reter duas ideias fundamentais. A

primeira é aquela que considera recurso político como um meio ao serviço de alguém com

vista a atingir alguma coisa, neste caso a influência sobre o comportamento de outrem. A

segunda ideia sublinha que a noção de recurso político encerra uma variedade de fenómenos

do campo político, entre os quais, para o caso que nos interessa aqui, também se pode incluir

a instituição das chefaturas tradicionais.

34 “Candidato da Renamo-UE regressa à zona norte. Dhlakama coroado ‘rei’ em Cabo Delgado”, Zambeze, Maputo, 18 de Novembro de 2004. 35 Ver, por exemplo, Claude-Hélène PERROT et François-Xavier FAUVELLE–AYMAR, Le retour des rois. Les autorités traditionnelles et l’État en Afrique contemporaine, Paris, Karthala, 2003 ; Barbara VAN KESSEL e Ineke OOMEN, , “ ‘One Chief , One Vote’: The Revival of Traditional Authorities in Post-Apartheid South Africa”, African Affairs, n° 96, 1997; Olufemi VAUGHAN, Nigerian Chiefs. Traditional Power in Modern Politics, 1890s – 1990s, Rochester, University of Rochester Press, 2000; Ivan CROUZEL, « La chefferie traditionnelle sud-africaine face à la démocratisation des pouvoirs locaux », Afrique Contemporaine, n° 192, 1999 ; 36 Robert DAHL, L’analyse politique contemporaine, Paris, Editions Robert Laffont, 1973.

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Todavia, é importante referir que a pertinência dum recurso político varia no tempo e no

espaço. Com efeito, um recurso político não tem a mesma pertinência em todos os contextos e

cabe ao investidor político conhecer bem as vantagens e desvantagens da mobilização dum

recurso num momento e num espaço determinados para atingir um dado objectivo preciso.

Assim, tratando-se das chefaturas tradicionais, estas só se transformam em recurso político

quando activadas num tempo e espaço determinados, para alcançar objectivos específicos.

Para melhor se captar o carácter de recurso político das chefaturas, existem quatro questões

fundamentais: O quê, porquê, como e quando?

Relativamente ao “o quê”, trata-se de saber aquilo que os actores políticos activam,

mobilizam nas chefaturas tradicionais. Há, entre outras, duas dimensões importantes que são

mobilizadas: a dimensão política das chefaturas, isto é, a sua relação com o Estado moderno,

cristalizada no papel que os chefes tradicionais desempenharam no sistema administrativo

colonial; a dimensão religiosa-ritual das chefaturas, que se manifesta através do culto aos

antepassados.

No que se refere ao “porquê”, a questão consiste em saber porquê se pensa que as chefaturas

tradicionais podem constituir um recurso político importante. Os actores políticos, em

particular os partidos políticos, partem do pressuposto segundo o qual o comportamento do

indivíduo é condicionado pelo seu meio sócio-cultural, e por conseguinte pensam que as

chefaturas podem ter uma influência considerável sobre o comportamento político das

pessoas, lá onde a instituição desempenha um papel importante na estruturação da vida das

populações locais.

Quanto ao “como”, trata-se de saber como se mobiliza as chefaturas tradicionais como

recurso político. Segundo o tipo de actor político (singular ou colectivo), o seu

posicionamento no campo político, e os interesses em jogo no momento, ter-se-á diferentes

modos de mobilização. Se se trata dum actor colectivo (partido político) no poder e no

momento de campanha eleitoral, por exemplo, a mobilização das chefaturas far-se-á muitas

vezes via o Estado. É o caso, por exemplo, do processo da institucionalização das autoridades

comunitárias em Moçambique, concretamente a promoção do status dos chefes tradicionais

no campo político através de distintivos (uniformes, subsídios, etc.) na véspera das eleições de

2004.

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Em relação ao “quando”, a questão é saber em que momentos se recorre às chefaturas

tradicionais como recurso político. Os momentos variam de acordo com os interesses em jogo

no momento. Para o caso de Moçambique, pode-se identificar dois períodos: colonial e pós-

colonial. No período pós-colonial existem três momentos importantes: o período

imediatamente a seguir a independência, o momento da guerra civil e o contexto da

democratização, marcado por eleições periódicas. Este último momento é o que mais interessa

neste artigo, na medida em que as campanhas eleitorais são momentos privilegiados onde se

pode observar uma mobilização significativa de recursos políticos.

Portanto, é tendo em conta as quatro questões acima levantadas (o quê, porquê, como e

quando) que se pode captar melhor o processo da mobilização das chefaturas como recurso

político. Trata-se de um processo caracterizado essencialmente pela construção de alianças

entre os partidos políticos e os chefes tradicionais. Estas alianças remetem-nos, em última

análise, para o fenómeno de clientelismo político, concebido como estratégia para a aquisição,

manutenção e aumento do poder político, por parte dos patrões, e para a protecção e

promoção de seus interesses, por parte dos clientes37.

Alianças Partidos políticos/chefes tradicionais: o fenómeno do clientelismo político a nível

local

O clientelismo é uma relação social fundamentalmente interpessoal patrão/cliente38. Fala-se

assim, duma relação “diádica”, isto é, uma relação directa que implica uma forma de

interacção patrão/cliente39. As relações de clientela se inscrevem, assim, num quadro mais

vasto de relações de dependência e desde há muito têm merecido a atenção dos historiadores40

e antropólogos41.

37 Simona PIATTONI (ed.), Clientelism, interests, and democratic representation. The european experience in historical and comparative perspective, Cambridge, Cambridge university Press, 2001, p. 2. 38 Steffen W. SCHMIDT et al (ed.), Friends, Followers and Factions, Los Angeles, University of California Press, 1977; Shumel Noah EISENSTADT and Luis RONIGER Patrons, clients and friends. Interpersonal relations and the structure of trust in society, Cambridge, Cambridge University Press, 1984; Simona PIATTONI (ed.), Clientelism, interests, and democratic representation…, op.cit.; Jean.-François MÉDARD, “Le rapport de clientèle. Du phénomène social à l’analyse politique”, Revue Française de Sciences Politiques, n° 1, Vol. 26, 1976. 39 Carl H. LANDÉ, « The dyadic basis of clientelism », in Steffen W. SCHMIDT et al (ed.), Friends, Followers and Factions…, op.cit. p. xiii. 40 Quanto aos historiadores, ver, por exemplo, Marc BLOCH, La société féodale : la formation des liens de dépendance, les classes et le gouvernement des hommes, Paris, Albin Michel, 1978. 41 No que se refere ao interesse dos antropólogos no tema, ver Georges BALANDIER, « Les relations de dépendance personelle : Présentation du thème », Cahiers d’Etudes Africaines, IX (35), 1969 : 345 – 349. Este número de Cahiers d’Etudes Africaines é inteiramente dedicado ao tema das relações de dependência pessoal.

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Inicialmente associadas ao mundo feudal e às sociedades rurais, as relações de clientela

constituem igualmente um traço importante das sociedades modernas, mas não se confundem

com outros fenómenos vizinhos tais como o nepotismo e o patrimonialismo. A este propósito,

G. Balandier escreve, por exemplo, que “as relações de clientela devem ser distinguidas no

seio do conjunto das relações de dependência pessoal por um certo número de critérios

diferenciadores. Elas constituem uma categoria distinta no interior deste conjunto com

fronteiras ainda difíceis de delimitar. Os critérios geralmente utilizados são três: 1) a

capacidade de escolha quanto à entrada na relação, senão de facto, pelo menos de direito; “) o

carácter contratual do laço que é atestado por sinais materiais [...]; 3) o carácter de relação

estabelecida fora de parentesco, entre parceiros desiguais e de alguma forma ‘estranhos’”42.

Este exercício de caracterização das relações de clientela encontra-se igualmente em J.-F.

Médard, que considera uma relação de clientela como sendo marcada essencialmente por

quatro elementos constitutivos, a saber: uma relação pessoal (ela liga duas pessoas); uma

relação de reciprocidade (ela põe em evidência um processo de trocas); uma relação de

dependência (em virtude da existência da desigualdade das duas partes); uma relação vertical

(por causa do seu carácter pessoal e de dependência)43.

Todavia, é importante referir que as diferentes caracterizações duma relação de clientela são

apenas tipos ideais no sentido weberiano do termo. Com efeito, os casos empíricos mostram

que os elementos constitutivos duma relação de clientela não só não se encontram sempre

reunidos simultaneamente, mas também existem a diversos graus. Não são apenas os

elementos constitutivos duma relação de clientela que variam nos casos empíricos. O próprio

fenómeno de clientelismo encerra uma variedade enorme de situações concretas, o que torna

difícil a tarefa da sua tipificação. Contudo, houve autores que procuraram construir tipologias.

É o caso de R. Lemarchand, no seu estudo sobre o clientelismo e a etnicidade na África

tropical. Com efeito, partindo de quatro critérios, nomeadamente o papel desempenhado pelos

actores numa relação de clientela, as orientações normativas dos patrões e clientes, os tipos de

transacções efectuadas e os valores de base no controlo desigual dos recursos, o autor

estabelece quatro tipos de clientelismo: o patrimonial clientelism (onde o tipo de transacção

efectuada tem a ver com postos políticos/administrativos em troca de serviço e do apoio); o

42 Ibidem, p. 348. 43 Jean.-François MEDARD , “Le rapport de clientèle. Du phénomène social à l’analyse politique”…, op.cit. pp. 105 – 114.

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feudal clientelism (o tipo de troca se circunscreve à protecção em troca do serviço e do

prestígio); o mercantile clientelism (caracterizado por trocas comerciais); e o “saintly”

clientelism (troca-se a salvação por obediência e o serviço, é um clientelismo que se manifesta

particularmente no domínio religioso)44. Esta tipologia, tal como o próprio R. Lemarchand

sublinha, está longe de esgotar a realidade do fenómeno da relação de clientela45, mas ela tem

a vantagem de pôr em evidência, por exemplo, a variedade de formas de clientelismo, em

função da natureza dos recursos trocados. Deste ponto de vista, pode-se, na linha de J.-F.

Médard, postular a existência de recursos de natureza especificamente política numa relação

de clientela46. Trata-se do clientelismo político. Por conseguinte, mais do que relação de

clientela, que focaliza a atenção sobre as pessoas, falar-se-á de clientelismo, que insiste sobre

o comportamento. No dizer de J.-F. Médard existe aqui uma mudança de perspectiva que

“leva a abordar o estudo de clientelismo em termos de actores e não mais de pessoas, portanto

a adoptar um nível superior de generalização, as pessoas podendo fazer parte desses actores,

da mesma maneira que actores colectivos como grupos, organizações ou mesmo Estados [...].

Com efeito, não se trata mais duma relação de homem a homem. Em contrapartida, são

conservados o bilateralismo e o particularismo, bem como a reciprocidade e a troca, a

dependência e a estrutura vertical [...]. Não estando mais limitada às relações entre pessoas,

pode-se aplicar a análise em termos de clientelismo às relações entre grupos ou organizações

na medida em que a lógica das relações revela-se ser de natureza clientelista. Pode-se também

aplicar a análise em termos de clientelismo às relações entre indivíduos e actores colectivos,

uns ou outros podendo desempenhar o papel de patrão ou cliente”47.

É justamente na perspectiva de análise do clientelismo político que se pode compreender as

alianças entre partidos políticos e chefes tradicionais em Moçambique. Com efeito, estas

alianças põem em evidência relações patrões/clientes caracterizadas por uma certa

dependência e reciprocidade, uma estrutura vertical e um conjunto de recursos de troca,

particularmente de natureza política. Nestas relações, em geral, os patrões são os partidos

políticos, nomeadamente a FRELIMO e a RENAMO, segundo as circunstâncias. Trata-se de

patrões que são actores colectivos. Todavia, é importante referir que em determinadas 44 Para uma melhor compreensão dos quatro tipos de clientelismos em R. Lemarchand, ver René LEMARCHAND, « Political Clientelism and Ethnicity in Tropical Africa : Competing Solidarities in Nation-Building », in Steffen W. SCHMIDT et al (ed.), Friends, Followers and Factions…, op. cit., pp. 103 – 105. 45 Ibdiem, p. 105. 46 Jean.-François MEDARD , “Le rapport de clientèle. Du phénomène social à l’analyse politique”…, op. cit. pp. 117 – 119. 47 Ibidem, pp. 120 – 121.

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situações, particularmente em períodos de campanhas eleitorais, os patrões podem ser

representados por actores singulares, nomeadamente o administrador local ou o candidato

presidencial para o caso da FRELIMO e o responsável político local ou o candidato

presidencial quando se trata da RENAMO. No que se refere aos clientes, estes entram na

relação enquanto actores singulares e, em teoria, escolhem “livremente” os seus patrões.

Compreende-se assim, que haja mudanças de campo (portanto de patrão), como mostra, por

exemplo, o célebre caso do régulo Luiz na cidade da Beira. Trata-se de manipular, utilizar o

estatuto de intermediário político para aceder a vantagens pessoais a nível material e

simbólico ao mesmo tempo. Com efeito, tido como próximo da RENAMO durante a

campanha eleitoral de 1994, onde recebeu uma bicicleta oferecida por Afonso Dhlakama48, o

régulo Luiz parece ter mudado de campo nas eleições de 1999, mostrando-se próximo da

FRELIMO quando vestiu uma camisete de propaganda do partido e integrou a caravana de

recepção do candidato presidencial Joaquim Chissano, durante a campanha eleitoral em 1999.

Na época, o régulo Luiz disse que tinha sido forçado pela FRELIMO a vestir a camisete de

propaganda do partido. Todavia, dois anos mais tarde, este chefe tradicional contaria, num

jornal local, uma outra versão dos factos:

“... o Presidente Chissano estava em Manica e deveria deslocar-se à província de Sofala. O

(então) governador Felisberto Tomás convocou-me para ir receber sua excelência senhor

Presidente em Inchope [uma localidade na fronteira entre as províncias de Manica e Sofala].

Como o direito dos regulados é trabalhar com o Governo, eu fui [...] Como sou do Governo,

também vesti a camisete da Frelimo para receber o Presidente Chissano [...] Alguns elementos

da Renamo [...] queriam saber porque é que eu tinha vestido a camisete [de propaganda

eleitoral] da Frelimo quando fui receber o Presidente Chissano. Eu estava em volta deles e tive

medo, eles iriam torturar-me. Não tive outra solução senão mentir que fui obrigado a vestir a

camisete, mas não fui obrigado coisa nenhuma. Enverguei a camisete por minha livre vontade.

Há democracia neste país e nós podemos fazer o que quisermos [...]. Sabe, naquela altura

[Novembro de 1999], a Frelimo pediu-me para fazer uma cerimónia para as eleições correrem

bem, mas no dia marcado vieram mais de duas mil pessoas da Renamo a fim de tentar impedir

a cerimónia. Queremos ver como vai fazer a cerimónia, diziam eles. O bom é que os

elementos da Frelimo se aperceberam do facto e não vieram naquela data. Poderia surgir uma

confusão [...] Mas eu não compreendo o porquê da atitude deles [homens da Renamo], já que

eu sou régulo e devo fazer cerimónia para quem quiser. Ademais, o regulado trabalha para o

48 Ver Michel CAHEN, Les bandits. Un historien au Mozambique, 1994, Centre Culturel Calouste Gulbenkien, Paris, 2002, p. 117.

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Governo, como é que eu haveria de recusar fazer cerimónia precisamente para os elementos

do Governo?”49.

Assim, depois de ter estado ligado à RENAMO nas eleições de 1994, eis que o régulo Luiz

muda de patrão, apoiando a FRELIMO nas eleições de 1999. Na realidade, o caso do chefe

tradicional da Beira não é isolado. Os processos eleitorais em Moçambique têm mostrado um

certo “nomadismo político” por parte de alguns chefes tradicionais, revelando o fenómeno de

mudança de patrões em função das circunstâncias, dos interesses pessoais em jogo no

momento. É o caso de Rosa Jone Inhaminga, uma chefe tradicional do distrito de

Cheringoma, na região norte da província de Sofala. Na hierarquia da estrutura do poder

tradicional em Cheringoma, Rosa Jone Inhaminga é sapanda, uma posição que vem

imediatamente a seguir a do régulo (nhakwawa). Irmã mais nova dum conjunto de irmãos, a

sapanda Rosa, como é localmente conhecida, é chefe tradicional desde Outubro de 1992,

aquando do fim da guerra civil. Muito respeitada e solicitada pelas autoridades

administrativas locais, a sapanda Rosa cedo se impôs na zona de Inhaminga, em Cheringoma

e desempenhou um papel importante na campanha eleitoral de 1994, a favor da RENAMO,

que na altura ainda tinha um forte controlo sobre o distrito. Mas, com o fim do processo da

dupla administração e a retomada do controlo de Cheringoma pelo Estado em 1997, a

sapanda Rosa se aproximou cada vez mais da FRELIMO, ao ponto de fazer campanha para

este partido, nas eleições de 1999, depois de ter rompido com a RENAMO. A sua mudança

para o campo da FRELIMO se inscrevia na lógica de mediação local ao serviço do Estado,

esperando em troca benefícios que, aliás, parece lhe terem sido prometidos, na época, pelas

autoridades administrativas locais. De acordo com a sapanda Rosa,

“...Na realidade, o meu cargo de chefe tradicional não me traz nehum benefício da parte da

Administração do distrito. Há chefes aqui que têm uma melhor consideração do Governo. Mas

o Governo se esquece que nas últimas eleições [de 1999] todos os chefes tradicionais tinham

recusado fazer propaganda eleitoral para a FRELIMO. Eu fui a única que aceitei apoiar a

FRELIMO [...] Mobilizei a população da minha zona para votar na FRELIMO. Fiz campanha

para a FRELIMO [...] Sabe, na época, a FRELIMO parecia ter muita consideração por mim.

Mas, depois das eleições [de 1999], não recebi nada. Até pedi ao Governo para, pelo menos,

arranjar emprego para as minhas duas filhas na Direcção da Acção Social do distrito [...] Eles

49 « Régulo Luiz afirma que mentiu quando ha dois anos disse que tinha sido obrigado a usar camisete propagandistica da Frelimo. Inventei isso para salvar a minha pele », Diario de Moçambique, 16 de Novembro de 2001, p. 8.

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empregaram só uma. Para a outra recusaram [...]. Mesmo em termos de benefícios sociais para

a minha zona, não recebi nada. Por exemplo, aqui temos problemas sérios de falta de água

potável. Em toda a minha zona não há nenhum fontanário. Para termos água potável temos

que percorrer [grandes] distâncias. Fui ter com o administrador do distrito para lhe apresentar

o problema da falta de água potável e ele disse-me que não podia fazer nada. E as pessoas da

minha zona sofrem...”50.

Assim, a sapanda Rosa voltou para o campo da RENAMO nas eleições presidenciais e

legislativas de 2004. Muito activa durante o período da actualização do recenseamento

eleitoral na sua zona, ela até procurou impedir o trabalho do Secretariado Técnico da

Administração Eleitoral (STAE), sob o pretexto do carácter partidário desta instituição. A este

propósito, os funcionários do STAE em Cheringoma contam que,

“Aquando do processo de actualização do recenseamento eleitoral para as eleições deste ano

[2004], fomos a uma zona próxima de Massanza, que se encontra sob a jurisdição da sapanda

Rosa. Quando ela soube que nós íamos fazer o trabalho de actualização do

recenseamento eleitoral na sua zona, ela mobilizou a população para não aderir ao

recenseamento em massa, dizendo que o STAE estava a fazer um trabalho a favor do

partido FRELIMO. De facto, nesse dia, tivemos muito pouca gente para a actualização

do recenseamento. Assim, tivemos que ir falar com ela para lhe explicar a natureza do

trabalho do STAE [...] Depois de termos conversado com ela, ela própria se

encarregou de mobilizar a sua população para o trabalho de actualização do

recenseamento. Com efeito, quando fomos para lá pela segunda vez, houve muita

gente para o recenseamento...”51.

Nas eleições gerais de 2004, a sapanda Rosa não só participou activamente na campanha

eleitoral pela coligação RENAMO-União Eleitoral, mas também foi candidata às eleições

legislativas, o seu nome integrando a lista da RENAMO-UE pelo círculo eleitoral de Sofala52.

Portanto, as alianças dos chefes tradicionais com os partidos políticos não são permanentes,

mesmo nos casos em que a pertença dum chefe tradicional a um partido político parece

50 Entrevista com a sapanda Rosa, Cheringoma, 2 de Dezembro de 2003. 51 Entrevista colectiva com Ilídio Covane, Edson Alberto e Macedo Cordar, Cheringoma, 1 de Novembro de 2004. 52 Ver Zambeze, 14 de Outubro de 2004. Na realidade, se em 2004 a coligação RENAMO-União Eleitoral, na província de Sofala, tivesse o mesmo resultado que em 1999, a sapanda Rosa teria sido eleita para o parlamento.

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evidente. São alianças que podem ser consideradas precárias, na medida em que a passagem

dum campo para o outro é sempre uma possibilidade real. A este propósito, um funcionário da

administração do distrito de Cheringoma, que participou numa cerimónia de entrega de

fardamento a um dos régulos locais, conta o seguinte:

“Aqui em Cheringoma, praticamente todos os régulos são da Renamo, excepto o régulo

Chidanga. Eles são membros activos e até têm o hábito de participar nas reuniões do partido.

Têm cartões de membro [...] Mas desde que começou a cerimónia de entrega de fardamentos

as coisas parecem estar a mudar. Por exemplo, depois da realização da cerimónia de entrega

de fardamento no regulado Muanandimai, a Frelimo ganhou mais um régulo. Trata-se da

rainha Chica Catemo, que publicamente renunciou o seu cartão de membro da Renamo e

aderiu à Frelimo perante toda a sua população que tinha ido assistir à cerimónia. Assim, nós já

fizemos um relatório ao comité provincial da Frelimo na Beira, informando tudo o que

aconteceu. A nível do distrito [Cheringoma], nós vamos dar mais apoio e protecção a esta

rainha para que ela não se sinta desamparada. Vamos lhe dar apoio moral e sobretudo

material: arroz, açúcar, sabão [...]. Aliás, todas as vezes que o Sr. Administrador se desloca

aos regulados do distrito, leva sempre qualquer coisa para os régulos...”53

Assim, a dependência e reciprocidade neste fenómeno de clientelismo político manifestam-se,

por um lado, na tentativa dos partidos políticos de conquistar o apoio político, o voto dos

eleitores através dos chefes tradicionais, e, por outro lado, na procura de vantagens através de

alianças com partidos políticos, no que toca aos chefes tradicionais. Por conseguinte,

constata-se que os recursos de troca nestas relações consistem em vantagens económicas e

políticas (do lado dos patrões) e em apoio político e mobilização das populações a favor do

patrão, com vista ao voto (do lado dos clientes). As vantagens económicas têm a ver

particularmente com promessas de melhorias das condições materiais da vida dos chefes

tradicionais e das suas respectivas populações. As vantagens políticas, essencialmente, dizem

respeito a mais protecção e ao reforço do papel dos chefes tradicionais, enquanto

intermediários políticos locais.

Todavia, é importante que se faça uma distinção no seio dos patrões. Com efeito, a

possibilidade de oferecer recursos atractivos aos clientes não se apresenta da mesma maneira

para os patrões no poder ou na oposição. Por outras palavras, quando se trata dum patrão

53 Entrevista com Coutinho Fano, Cheringoma, 2 de Novembro de 2004.

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posicionado no poder (neste caso a FRELIMO), as vantagens oferecidas aos clientes parecem

mais atractivas do que aquelas oferecidas por um patrão na oposição (neste caso a RENAMO

ou qualquer outro partido na oposição). Eis a razão porque se constata uma espécie de perda

de clientes por parte da RENAMO a favor da FRELIMO, desde o fim da guerra civil. Com

efeito, se durante a guerra civil, era mais interessante para os chefes tradicionais garantir o seu

apoio à RENAMO nas zonas sob o controlo do antigo movimento rebelde, com o fim da

guerra civil e o reconhecimento das chegaras tradicionais no novo contexto político, este

apoio se tornou menos interessante. Para muitos chefes tradicionais, no actual cenário político

o apoio à RENAMO traz poucos benefícios, não só do ponto de vista material mas também

político. É a aproximação ao partido no poder através do Estado que pode trazer mais

vantagens aos chefes tradicionais (subsídios, fardamento, participação em cerimónias oficiais

do Estado, etc.).

Refira-se que, com vista à constituição de espaços de participação e consulta às comunidades,

em que as autoridades comunitárias, particularmente os chefes tradicionais, têm um lugar de

destaque, o decreto 11/2005, que regula a lei 8/2003 sobre os órgãos locais do Estado, criou

uma série de instituições de diálogo entre os órgãos locais do Estado e as comunidades,

nomeadamente os conselhos consultivos distritais e de postos administrativos, os fóruns locais

e os comités comunitários. Chegados aqui, a questão que se pode levantar é a seguinte: que

eventuais implicações o clientelismo e a luta pela conquista dos espaços políticos, envolvendo

partidos políticos e chefes tradicionais, pode ter na participação das populações no processo

da administração e desenvolvimento locais?

As análises apresentadas ao longo deste artigo sugerem que o fenómeno do clientelismo e a

conquista dos espaços políticos locais trazem à superfície uma série de aspectos que podem

afectar o próprio processo de participação das populações no desenvolvimento e

administração a nível local. Alguns desses aspectos têm a ver com:

• O conflito instalado no seio das autoridades comunitárias, protagonizado

particularmente pelos chefes tradicionais e os secretários de bairros ou aldeias. Este

conflito pode afectar o processo de participação das populações locais, na medida em

que, mais do que pelos interesses das suas respectivas populações, as autoridades

comunitárias lutam pela conquista dos espaços políticos locais.

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• A fraca responsabilização das autoridades comunitárias perante as populações locais54.

Com efeito, quer no decreto 15/2000, quer no decreto 11/2005, as autoridades

comunitárias, neste caso os chefes tradicionais, aparecem mais como auxiliares da

Administração local (à maneira colonial) do que propriamente como porta-vozes das

suas respectivas populações55. A legislação referente à articulação dos órgãos locais

do Estado com as autoridades comunitárias apresenta uma imagem das autoridades

comunitárias que têm mais deveres para com o Estado do que para com as próprias

populações. Além disso, a legislação parece não institucionalizar mecanismos de

prestação de contas das autoridades comunitárias perante as populações locais, de que

supostamente são representantes.

• A forte politização da questão das autoridades comunitárias, traduzida na mobilização

das chefaturas como recurso político, o que parece transformar a instituição das

chefaturas tradicionais num mero instrumento ao serviço dos interesses dos partidos

políticos e dos chefes tradicionais.

• A fraca institucionalização do Estado, particularmente nas zonas rurais, o que faz com

que as autoridades comunitárias corram o risco de se transformar em simples

intermediários do partido no poder, seja ele partido X, Y ou Z. Aliás, no que se refere

à questão dos chefes tradicionais, os processos eleitorais passados mostraram

claramente que houve chefes tradicionais que fizeram passar junto das suas

populações agendas partidárias em detrimento dos interesses das populações locais e

até do próprio Estado.

Conclusão

Embora a legislação sobre a articulação dos órgãos locais do Estado com as autoridades

comunitárias em Moçambique privilegie o discurso sobre a descentralização, a prática tem

vindo a mostrar que o contexto de pluralismo e competição política faz emergir o processo de

luta pela conquista dos espaços políticos locais. Cristalizada no fenómeno do clientelismo

político, a luta pela conquista dos espaços políticos locais faz com que as próprias instituições 54 A este respeito, para uma análise mais aprofundada, ver Lars BUUR e Helene Maria KYED State Recognition of Traditional Authotity in Mozambique. The Nexus of Community Representation and State Assistance, Uppsala, Nordiska Afrikainstitutet, Discussion Paper 28, 2005. 55 Prova disso são os artigos 106 e 107 do decreto 11/2005 que falam dos deveres das autoridades comunitárias. Diga-se de passagem que a semelhança destes artigos com o artigo 99 da Reforma Administrativa do Ultramar de 1933, na matéria das autoridades gentílicas, é flagrante e extremamente intrigante

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comunitárias, como por exemplo as chefaturas tradicionais, sejam localmente “capturadas”

não só pelos partidos políticos, mas também pelos principais actores comunitários locais,

nomeadamente os chefes tradicionais.

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