Artigo fael Especialização

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FACULDADE EDUCACIONAL DA LAPA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM METODOLOGIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA RÔMULO JOSÉ DA SILVA VIANA O TEXTO LITERÁRIO DE EXPRESSÃO AMAZÔNICA NA SALA DE AULA: COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS ÓBIDOS PARÁ 2015

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FACULDADE EDUCACIONAL DA LAPA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM METODOLOGIA DO ENSINO

DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

RÔMULO JOSÉ DA SILVA VIANA

O TEXTO LITERÁRIO DE EXPRESSÃO AMAZÔNICA NA SALA

DE AULA: COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS

ÓBIDOS – PARÁ

2015

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RÔMULO JOSÉ DA SILVA VIANA

O TEXTO LITERÁRIO DE EXPRESSÃO AMAZÔNICA NA SALA

DE AULA: COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para a

Faculdade Educacional da Lapa – FAEL – como

requisito parcial para obtenção do TÍTULO de

Especialista em Metodologia do Ensino de Língua

Portuguesa e Literatura.

Orientadora Profª. Ana Soek

ÓBIDOS – PARÁ

2015

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O TEXTO LITERÁRIO DE EXPRESSÃO AMAZÔNICA NA SALA

DE AULA: COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS

RÔMULO JOSÉ DA SILVA VIANA

RESUMO

Este artigo tem por objetivo destacar a importância de se trabalhar com o texto

literário de expressão amazônica na sala de aula. Para tanto, é exposto,

primeiramente, a relevância do texto literário na sala de aula. Em seguida, é

feita a defesa de se incorporar a nossas práticas de aula as vozes literárias da

Amazônia, pois a literatura amazônica dialoga com o cotidiano do aluno. E por

último, são apresentadas algumas práticas com o trabalho desse tipo de texto

que se mostraram eficazes, quanto ao processo de leitura e interpretação

literária e, por isso, merecem ser compartilhadas enquanto experiências bem

sucedidas aos professores da região.

Palavras-chave: texto literário de expressão amazônica. Sala de aula. Leitura

literária.

1. INTRODUÇÃO

Qual profissional de Letras, alguma vez durante a sua vida profissional,

já não se fez o mesmo questionamento de Batista (1997, p.1): “quando se

ensina português, o que se ensina?” Ou, o que de fato deveria ser ensinado

quando se ensina a matéria de Língua Portuguesa para alunos situados dentro

de um espaço regional amazônico, que muitas vezes é excluído do currículo

escolar? Com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p.29), temos

como resposta, a primeira pergunta, que um dos objetivos do ensino de língua

portuguesa é fazer com que o aluno saiba produzir e interpretar textos de forma

satisfatória, e só se pode ensinar o aluno na produção e interpretação textual

trabalhando com o próprio texto. Logo, o texto ganha destaque especial nas

aulas de Língua Portuguesa (aqui entendido não como mero pretexto ao

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ensinamento de nomenclaturas gramaticais). Já com relação ao segundo

questionamento, a própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)

ressalta a importância de incluir no currículo escolar a experiência de textos

que retratam o cotidiano do aluno. E como o texto é o ponto de partida nas

aulas de língua portuguesa defenderemos aqui o uso do texto literário de

expressão amazônica na sala de aula por acreditar que tais textos possam

facilitar o entendimento dos alunos quanto à compreensão/interpretação

textual, uma vez que o texto literário exige mais do aluno por conter muitas

informações nas entrelinhas, e no caso do texto literário amazônico,

representar a própria realidade sociocultural do aluno que, muitas vezes, vive

envolto aos mistérios do rio e da floresta.

Por tanto, a proposta deste artigo é divulgar experiências com textos

literários de expressão amazônica através de experiências durante a minha

graduação em letras e algumas práticas que já desenvolvi enquanto professor.

Não se trata de discutir ensino de literatura, embora o trabalho com o texto

literário possa facilmente confundir-se com o ensinar literatura. Trata-se de

fazer uma abordagem procurando aproximar o texto literário da realidade local

do aluno despertando-o para o gosto do texto literário, já que é função do

professor de língua portuguesa despertar novos leitores.

Desta forma, este texto visa contribuir com os professores da região ao

apresentar posicionamentos teóricos referentes ao tema aqui abordado, e ao

contribuir com práticas que se mostraram eficazes e satisfatórias.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 O texto literário na sala de aula

Embora se diga que o trabalho com a leitura deva ser de

responsabilidade, não somente dos professores de Língua Portuguesa,

sabemos que, na realidade, é sim o professor desta disciplina o grande

responsável pelo desenvolvimento da leitura e interpretação dos alunos na

escola. E diante desse papel tão importante muitos professores ainda se

questionam quanto a que tipo de textos devem usar em suas aulas, visto a

variedade que se tem hoje. Partindo do que nos propõe os PCN’s os textos a

serem utilizados pelo professor devem conter evidentes funções sociais:

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[...] a seleção de textos deve privilegiar textos de gêneros que aparecem com maior frequência na realidade social e no universo escolar, tais como notícias, editoriais, cartas argumentativas, artigos de divulgação científica, verbetes enciclopédicos, contos, romances, entre outros (BRASIL, 1998, p. 25).

Mais que uma função social, o texto deve fazer com que o aluno se

perceba no mundo no qual está inserido. Nesse sentido, se faz importante levar

para sala de aula o texto literário graças a sua pluralidade interpretativa e por

funcionar como um elemento de ficcionalização, para que se garanta a

construção de sentido para o aluno nas mais diversas situações. Assim, contos,

poemas, poesias devem servir de eixo para o trabalho do professor. Os

Parâmetros Curriculares Nacionais corroboram com essa ideia quando dizem

que:

É importante que o trabalho com o texto literário esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma forma específica de conhecimento. Essa variável de constituição da experiência humana possui propriedades compositivas que devem ser mostradas, discutidas e consideradas quando se trata de ler as diferentes manifestações colocadas sob a rubrica geral de texto literário (BRASIL, 1998, p. 36-37).

Por isso, cabe ao professor:

Explorar ao máximo, com seus alunos, as potencialidades desse tipo de texto. Ao professor cabe criar as condições para que o encontro do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para o texto literário, para o próprio aluno e para a sociedade em que todos estão inseridos (COSSON, 2009, p. 29).

E para que isso ocorra é necessário trabalhar a leitura dos textos

literários. É preciso, conforme Martins (2006) desenvolver a experiência literária

vivenciada pelo leitor no ato da leitura. Experiência essa, que só mesmo o texto

literário é capaz de propiciar. É preciso expandir o trabalho interpretativo além

das respostas que os livros didáticos pedem. A característica literária do texto,

como por exemplo, a sua linguagem conotativa, deve ser explorada. Ainda

segundo Martins (2006) a escola precisa ampliar ainda mais suas atividades,

visando à leitura da literatura como atividade lúdica de construção e

reconstrução de sentidos. Essa reconstrução de sentidos é que faz com que

compreendamos melhor o mundo em nossa volta. De forma que:

A experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da experiência do outro, como também vivenciar essa experiência. Ou

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seja, a ficção feita pela palavra narrativa e a palavra feita matéria na poesia são processos formativos tanto da linguagem quanto do leitor e do escritor. Uma e outra permitem que se diga o que não sabemos expressar e nos falam de maneira mais precisa o que queremos dizer ao mundo, assim como nos dizer a nós mesmos (COSSON, 2009, p. 17).

É justamente por isso, que se defende um maior trabalho e

aprofundamento do texto literário na sala de aula. Mas um trabalho que se

destaque aquilo que esse tipo de texto tem de mais diferencial: a arte literária,

o belo, a estética poética e outros. Despertar nos alunos, de fato, uma leitura

literária em que não apenas se leia, mas se viva a arte presente. Isso,

primeiramente, tem que partir do professor, já que ele é o grande responsável

pela promoção da leitura na escola. E se esse profissional, não é declamador

de versos, ou grande leitor de prosa literária, jamais fará com que os seus

alunos sejam.

Ler textos literários possibilita ao leitor o contato com a arte da palavra,

que nada mais é a representação do que vivemos visto que o texto literário é

representativo da nossa condição humana. E além de possibilitar ao leitor o

contato com a arte da palavra, possibilita também o contato com o prazer

estético da criação artística, com o sonho e a fantasia gerados pela

ficcionalidade.

Sendo assim, o texto literário não pode ser desconsiderado pela escola,

principalmente pelos professores de língua portuguesa, já que são esses os

grandes mediadores de leitura. E porque também se um dos objetivos da

disciplina de língua portuguesa é justamente trabalhar a leitura, não apenas

como decodificação das palavras, mas como instrumento interpretativo do

mundo lido na palavra, nada melhor do que um texto rico em significados como

o texto literário, que é capaz de representar pela leitura o mundo de quem está

lendo.

3. O texto literário de expressão amazônica: em defesa da poética

amazônica na sala de aula.

Quando se fala em trabalhar textos locais, não se trata de querer negar

o cânone literário, ou de querer, simplesmente, regionalizar o estudo com o

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estudo literário. Pelo contrário, trata-se de uma tentativa de aproximar o aluno

da leitura fazendo com ele perceba que o que ele lê, é a sua própria realidade,

coisa que outro texto (distante do seu cotidiano) não seria capaz de despertar.

Caso dos livros didáticos que por vezes traduzem uma realidade que foge a

vivência do aluno amazônida. Em alguns casos um estudante da zona

ribeirinha conhece a literatura do sul do país, mas desconhece os principais

autores da Amazônia brasileira como: Inglês de Sousa, Abghuar Bastos, Bruno

de Menezes, Dalcídio Jurandir, Eneida de Moraes e Milton Hatoum. E os

desconhece, primeiramente, pelo próprio desconhecimento de seu professor. E

em segundo lugar, porque a literatura que aqui se produz não habita o

considerado cânone literário por ainda ser considerada por muitos como

literatura de margem ou de borda. Nesse sentido:

Estar à margem ou nas bordas também significa, entre outras semânticas, não ter passagem para a escola, o sistema central da educação escolar. Estamos, então, na borda com as literaturas que admitem os adjetivos infantil, oral, popular e regional, africana, indígena, feminina, de testemunho, entre muitas outras. E, muitos de nós, professores de literatura, além dos autores de livros didáticos, desconhecemos essas literaturas e por isso não temos como estabelecer diálogos intertextuais [...]. E, o mais grave, quando conhecemos não estamos preocupados em discuti-las, inclui-las, valorizá-las, entronizá-las. Torcemos pelo homogêneo? (FARES, 2013, p.83).

Embora os saberes literários da Amazônia e de seus escritores não

tenham o espaço devido que mereçam na sala de aula, a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação ressalta a importância de incluir no currículo escolar essa

experiência de textos que retratem a realidade do aluno. É nesse sentido que

incluir o texto literário de expressão amazônica no cotidiano do aluno faz todo

sentido. É pela experiência literária que o aluno não só aprende o conteúdo

programático, mas se percebe enquanto individuo dentro da sua própria

realidade no texto lido.

Trata-se de:

Apresentar uma proposta voltada para os alunos [...], capaz de despertar o prazer da leitura partindo dos elementos culturais comuns aos alunos através de leitura e performance em sala de aula, favorecendo uma melhor recepção do texto literário para o desenvolvimento da consciência crítica dos alunos e uma maior valorização de sua identidade cultural (CRUZ, 2004, p. 79-80).

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Quer-se, uma maior aproximação entre o texto literário, a realidade local

do aluno e o gosto pelo texto de literatura possibilitando assim o

desenvolvimento pleno da leitura do aluno partindo do mundo em que vive para

a palavra que lê. Ideia essa já pensada desde a criação do livro Texto e

pretexto: experiência de educação contextualizada a partir da literatura feita por

autores amazônicos e que até hoje serve de inspiração para muitos

professores.

Outro ponto de defesa a favor do texto literário de expressão amazônica

seria o fato de este trazer para suas entrelinhas a oralidade presente nos

contos e causos amazônicos que se ouve pelas bandas daqui. Botos, boiúnas

(cobra mítica da Amazônia), e outros seres devem, além de habitar o

imaginário caboclo amazônico, também, habitar as salas de aulas. A este saber

é necessário reservar espaço nos currículos das escolas da região.

3.1 Experiências com o texto literário de expressão amazônica na sala

de aula

A proposta aqui descrita é fruto pessoal da experiência de bolsista que

tive na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), no Projeto de Bolsa

de Iniciação a Docência – PIBID – intitulado: A experiência multicultural no

ensino de literatura na escola, no período de 2011 a 2013 na Escola de Ensino

Fundamental e Médio Rio Tapajós. O Projeto teve como proposta principal

trabalhar textos de expressão amazônica e como esses textos não se

apresentam nos livros didáticos a primeira ação foi constituir uma seleção de

textos de autores representativos da Amazônia brasileira. No caso da

experiência do PIBID/UFOPA trabalhou-se com os seguintes textos: O Baile do

Judeu, a Feiticeira (de Inglês de Sousa), A Casa Ilhada, O Adeus do

Comandante, e Dançarinos da Última Noite (de Milton Hatoum) e ainda o

poema musicado de Ruy Barata: Pauapixuna. Importante observar a escolha

do gênero: contos e poema. Essa escolha se deu pelo fato de serem textos

curtos, uma vez que o tempo de aula inviabiliza a leitura demasiadamente

longa num primeiro momento de um leitor iniciante, exemplo: um romance. E o

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texto curto possibilita a realização da leitura durante as aulas. Assim, o

professor pode exercitar a leitura literária do aluno. Não podemos esquecer de

que o professor deve dominar todo o acervo por ele escolhido, pois atuará

como mediador da leitura do aluno esclarecendo-lhe futuras dúvidas.

Depois de feita a seleção dos textos partiu-se para a etapa de

apresentá-los aos alunos.

O primeiro gênero a ser trabalhado foi à poesia lírica com o poema

Pauapixuna. Inicialmente, apresentou-se aos alunos este poema na sua forma

musicada para destacar o ritmo dos versos. Em seguida, cada estudante

recebeu em mãos o poema escrito procedendo, primeiramente, com a leitura

individual e depois grupal. Como o poema começa com uma descrição do

modo de vida de uma comunidade, aliás, esse modo de vida é considerado por

muitos como sendo de gente preguiçosa, trabalhou-se a recepção dos alunos

do referido texto, isto é, as várias leituras dos discentes que ajudaram na

compreensão do poema desde que se justificasse linguisticamente. Além disso,

suscitou-se na turma um debate sobre como o poema descreve os costumes e

modos do homem amazônida e como esse mesmo homem é descrito pela

mídia, que muitas vezes apresenta uma visão estereotipada do homem

amazônico. Com essa instigação grande parte dos alunos demonstrou

interesse pelo texto, pois perceberam que a literatura não é morta como muitos

pensam, mas que ela nasce de muitas situações da própria existência do ser

humano. Partindo desse princípio, os estudantes justificaram suas

interpretações ao destacar as diferentes culturas existentes. E que o poema se

refere a um tipo de homem que tem seu comportamento justificado pela cultura

em que vive.

Outro ponto a se destacar nesse poema é o exercício da leitura do

poema. Como é do conhecimento geral, a leitura do poema em sala de aula

sempre esteve relegada a um plano secundário, quando não, apenas se

trabalhava de forma decorativa os muitos poemas. O professor pode exercitar

com seus alunos o sentido semântico das palavras, além de explorar os efeitos

de sentidos produzidos pelos recursos fonológicos e sintáticos que dão a

dimensão rítmica do poema.

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A atividade final sugerida foi à criação de um Glossário Amazônico. Com

base no poema o professor pediu aos alunos que criassem um dicionário a

partir de palavras regionais. Os próprios alunos pesquisaram o significado dos

termos regionais, muitas vezes desconhecidos por eles mesmos, entrevistando

pessoas idosas que nasceram na Amazônia. Essa experiência foi interessante,

pois com a apresentação do glossário houve um envolvimento da comunidade

escolar: comentários e sugestões dos alunos de outros turnos, professores de

outras disciplinas contribuíram com sugestões, até, pessoas do bairro que não

são ligadas diretamente a escola participaram da atividade.

3.1.1 Trabalhando com os Contos

Depois do gênero lírico, foi desenvolvido trabalho com a narrativa, entre

os contos trabalhados destaco as atividades que envolveram o texto: O Baile

do Judeu, de Inglês de Sousa, narrativa que faz parte do livro Contos

Amazônicos (2008). Essa atividade foi dividida em três partes:

a. A Leitura: de início, o professor já havia trabalhado questões que

envolvem os aspectos da narrativa. Feito isso, o primeiro passo foi a leitura

integral dos contos. Para isso, o professor dividiu os contos em grupos de

alunos. Cada grupo ficou na responsabilidade de um bolsista pibidiano. Nessa

primeira leitura o objetivo foi apresentar o conto ao aluno. Estando todos de

posse do conto a ser lido, os alunos iniciaram a leitura de forma silenciosa.

Depois que todos os alunos do grupo terminaram a leitura passou-se para a

discussão do conto. Um dos textos que chamou maior atenção dos alunos foi O

baile do judeu, de Inglês de Sousa. Em um dos grupos gerou-se uma enorme

curiosidade em tentar decifrar quem era o boto. Muitas hipóteses foram

levantadas na tentativa de justificar a escolha deste ou daquele personagem

como sendo o famigerado boto. Além disso, a aproximação do tema do conto

com o cotidiano de muitos alunos fez com que a leitura tenha se tornado mais

interessante. Aproveitando-se dessa boa recepção dos estudantes em relação

ao receberam o conto foi possível a professor reforçar questões características

do campo dos aspectos estruturais dessa narrativa: tempo, espaço, enredo,

foco narrativo, narrador, linguagem. Houve momentos também em que foi

preciso explicar melhor esses conceitos, pois alguns alunos sentiram certo

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nível de dificuldade em interpretar o texto literário. Nesse momento o bolsista

pibidiano responsável pelo grupo mediou o contato entre o conto e o estudante

pondo em prática conceitos sobre a narrativa aprendidos no Curso de Letras.

b. Mapa Mental: realizada a leitura dos contos os grupos procederam

com a criação do Mapa Mental de cada conto. O mapa mental consiste em criar

um enredo a partir do elemento principal do conto lido. Encontrado esse

personagem os demais se ligam a ele por meio de setas. Há duas maneiras de

fazer essa atividade. Primeiro, seria levar os alunos para o laboratório de

informática e fazer os mapas por meio de programa de computador. A segunda,

na ausência de um laboratório de informática, produzir os mapas em papel

madeira. Para isso, é necessário utilizar fotos de recortes de revistas para

representar cada personagem. Nessa atividade é possível perceber se o aluno

de fato soube interpretar significativamente o conto lido, uma vez que no mapa

o aluno deverá estruturar a narrativa do conto: enredo, características de cada

personagem, tipo de narrador etc., ou seja, ele “contará” a sua interpretação da

narrativa por meio da apresentação do mapa. Foi nesse momento que a

professora interviu na leitura que os alunos fizeram com a mediação dos

bolsistas questionando os alunos como cada grupo chegou à conclusão de

contar o enredo elegendo determinado personagem como sendo o principal.

Nessa intervenção descobriu-se que muitos alunos, mesmo com a

primeira leitura silenciosa com a ajuda dos bolsistas não conseguiram

aprofundar suas interpretações. Souberam contar apenas os elementos

explícitos do texto. Foi necessária uma maior mediação desta vez pela

professora supervisora com esses alunos em relação ao entendimento do

conto. Foi preciso discutir com eles elementos culturais que os mesmos não

conseguiram perceber na narrativa. Já outros alunos entenderam não somente

os aspectos estruturais da narrativa como também traços marcantes da nossa

cultura. Destacam-se novamente as diferentes interpretações que surgiram

para afirmar quem é o boto no conto O baile do judeu.

c. Reconto das Histórias: a última etapa desse trabalho consistiu na

realização de uma recontação da história de cada conto.

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Feita a apresentação dos mapas mentais a professora motivou os

grupos para que contassem a história do conto que leram. Nesse dia os alunos

foram para o auditório da escola por se tratar de um lugar amplo e mais

adequado para as encenações. Para que os alunos compreendessem bem a

proposta apresentada, primeiramente, um dos bolsistas fez a contação do

conto O adeus do comandante, de Milton Hatoum.

Vale ressaltar que esse momento despertou o interesse dos alunos.

Todos ficaram quietos e atentos ao desenrolar do enredo. Participaram de cada

cena narrada demonstrando na face os sentimentos de surpresa, espanto,

alegria, ou seja, os sentimentos gerados pela forma que o conto foi narrado.

Feito isso, na aula posterior cada grupo fez a sua apresentação. Destaca-se o

modo como as equipes utilizaram-se da linguagem típica da região em que

ainda é muito comum ouvir contadores de estórias. Além do uso da linguagem

vestiram-se a caráter demonstrando o real interesse que tiveram pelo trabalho.

A cada apresentação observou-se que realmente os grupos interessaram-se

pela leitura. Esse interesse ficou mais perceptível com o trabalho apresentado

na Feira de Cultural na escola.

Interessante observar que a avaliação que a professora fez não foi a de

testar os alunos quanto à memorização de conceitos, personagens e dados

biográficos. Mas a preocupação central foi avaliar o crescimento interpretativo

do aluno. Assim, nas atividades aqui relatadas a professora não as fechou com

uma prova escrita, pelo contrário, foi uma mediadora para a progressão de

compreensão e interpretação das leituras apresentadas pelos discentes,

mostrou como ocorre a inserção dos aspectos culturais e linguísticos na

literatura canonizada, tudo isso, sem desprezar os aspectos linguísticos da

cultura amazônica.

Com o término desta proposta de ensino na sala de aula, um grupo de

alunos motivados, principalmente, pelo conto O baile do judeu, no qual se tem

uma contação da aparição do boto sentiu-se instigado a saber mais sobre

essas aparições, tanto que, por iniciativa própria, organizaram-se em uma

viagem até algumas comunidades do Rio Arapiuns.

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Nas comunidades ribeirinhas coletaram grande número de relatos nos

quais as pessoas afirmavam terem visto o boto. Além dos relatos fotografaram

lugares pelos quais o misterioso ser teria passado. Repito novamente: toda

essa pesquisa partiu dos próprios alunos.

O resultado deste trabalho como já anunciado anteriormente foi

apresentado na Feira Cultural da escola em forma de contação das histórias

coletadas e por meio das performances de sedução do boto tentando

conquistar a mais bela da comunidade. Diga-se que este trabalho foi um dos

mais prestigiados de toda a Feira.

Levar o texto literário de expressão amazônica para a sala de aula surtiu

algum efeito? A instigação que os alunos sentiram em querer saber mais sobre

a lenda do boto, despertados pela leitura do conto não deixa dúvida. Sim! O

resultado foi positivo. Isso porque, no acompanhamento das turmas durante as

atividades pude perceber o brilho no olhar do aluno no momento em que ele lia

e se deixava envolver pela trama do texto. Outros estudantes questionavam

que segundo o que eles conheciam o boto não assume as características

físicas adotadas por Inglês de Sousa.

Falando em avaliação, uma pergunta vem à mente: quais os resultados

alcançados com o projeto? Será se houve de fato um maior interesse dos

alunos pelos textos lidos? A partir da experiência vivenciada é possível afirmar

que ao apresentar ao aluno textos literários próximos de sua realidade faz com

que esse aluno se interesse mais pela leitura. Pois o que se viu na sala de aula

durante a realização do projeto foi um aluno interessado em conhecer mais

profundamente o conto que leu. E mais: durante as 12 aulas em que o projeto

foi realizado muitos alunos despertaram por querer conhecer mais sobre a

própria cultura amazônica.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi refletido nas linhas deste trabalho, pode-se afirmar

que ele se propõe a contribuir para o trabalho com o texto literário de

expressão amazônica na sala de aula. Tema este que ainda necessita de maior

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produção que auxilie o professor na sua prática de sala de aula. Por isso,

compartilhar experiências vivenciadas é de suma importância para que outros

professores possam trabalhar o texto literário de forma mais eficaz em suas

aulas.

Não se pode fechar a questão aqui levantada numa quantidade finita de

linhas. Trabalhar com texto literário nas aulas de Língua Portuguesa constitui

ainda um grande desafio a ser vencido a cada dia de aula pelo professor. É

preciso criar mecanismos de aproximação entre o texto literário e o aluno para

que este perceba que o ato de ler literatura vai muito além de mera preparação

para vestibulares ou até mesmo o Enem. É preciso que o professor redescubra

uma maneira de tornar esse ato espontâneo por parte do aluno. E para ajudar

nesse processo, é que se optou por apresentar uma proposta que se mostrou

eficaz na condução da experiência literária compartilhada.

Quando falamos em educação, muitos professores de longa caminhada

e, principalmente, os que estão iniciando a carreira buscam uma receita, um

método de ensino capaz de se solucionar todo e qualquer problema

relacionado às dificuldades encontradas na sala de aula. Com o texto literário

não é diferente. E que o que vimos neste trabalho é que esse processo de

ensino fica mais fácil quando passamos a adotar experiências realizadas por

outros colegas, que de certa forma foram significativas. E o trabalho do

professor também melhora à medida que ele passa a refletir seu próprio modo

de trabalhar com o texto literário e de aprender com o outro professor.

Por fim, esse foi o objetivo deste trabalho: somar. Servir de embrião para

que as reflexões aqui propostas ganhem forças e possam, de certo modo,

juntar-se a outras experiências de sucesso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1998.

Page 15: Artigo fael Especialização

CRUZ, Regina Célia Fernandes (org). II workshop do Curso de

Especialização em Língua Portuguesa: uma abordagem textual. Belém:

UFPA, 2004.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Editora

Contexto, 2009.

FLÔRES, Onici Claro (org). Ensino de língua e literatura: alternativas

metodológicas. Canoas: Ed. ULBRA, 2001.

FARES, Josebel Akel. O não lugar das vozes literárias da Amazônia na

escola. Revista Cocar. Belém, vol. 7, n.13, p.82-90/ jan-jul 2013.

FARES, Josebel Akel [et al]. Texto e pretexto: experiência de educação

contextualizada a partir da literatura feita por autores amazônicos. 3. ed.

Belém: Cejup, 1996.

HATOUM, Milton. A cidade ilhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

SOUSA, Inglês de. Contos amazônicos. São Paulo: Martin Claret, 2008.