Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

23
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO) 1 Marcos Douglas PEREIRA [1] Dra. Alice Áurea Penteado MARTHA [2] MARCOS DOUGLAS PEREIRA FORMAÇÃO DE LEITORES – A LEITURA DE BRASIGUAIOS NA REGIÃO DA TRÍPLICE FRONTEIRA Artigo apresentado como requisito de conclusão da disciplina Teorias da 1 [1] Mestrando em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). [2] Professora Doutora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Orientador.

description

Artigo sobre a formação de leitores literários

Transcript of Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

Page 1: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)

1Marcos Douglas PEREIRA [1]

Dra. Alice Áurea Penteado MARTHA [2]

MARCOS DOUGLAS PEREIRA

FORMAÇÃO DE LEITORES – A LEITURA DE BRASIGUAIOS NA REGIÃO

DA TRÍPLICE FRONTEIRA

Artigo apresentado como requisito de conclusão da

disciplina Teorias da leitura do texto literário, ministrada

pela Professora Dra. Alice Áurea Penteado Martha.

MARINGÁ 2011

1 [1] Mestrando em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

[2] Professora Doutora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Orientador.

Page 2: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

A LEITURA LITERÁRIA DOS ALUNOS “BRASIGUAIOS” EM DUAS

ESCOLAS DE FOZ DO IGUAÇU

 A questão da identidade dos alunos chamados “brasiguaios” tem sofrido estereotipação e mesmo estigmatização, resultantes da instalação de preconceito no meio social em que se inserem. Especialmente no caso de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, que concentra grande parte desses alunos, verifica-se a dificuldade desses alunos em tornarem-se leitores literários fluentes, apesar de seu evidente interesse pela leitura. Este artigo apresenta resultados de questionário aplicado a pais, alunos e professores da rede pública sobre os hábitos de leitura desses alunos, com o propósito de verificar, em tais questionários, através de pressupostos da Sociologia da leitura, as possíveis causas das dificuldades de inserção desses alunos na leitura de textos literários. Uma das questões prementes para este trabalho é a discussão sobre as causas que afastam os leitores estudados da leitura. Como a pesquisa é desenvolvida no ambiente escolar, faz-se necessária uma reflexão sobre a oposição entre leitura de lazer e leitura de trabalho, ou, a oposição entre leituras obrigatórias e leituras escolhidas. A condição de leitura dos chamados “brasiguaios” será analisada também a partir de conceitos sobre o leitor, de Wolffgang Iser e Hans Robert Jauss, considerando-se, sobretudo a leitura como atividade prazerosa para tais alunos. Concluindo, analisa-se como se dá o processo da recepção dos textos literários por esses alunos, com o intuito de verificar se está presente e como se manifesta, ainda que superficialmente, a discriminação de leitores em língua Portuguesa, a partir da análise de suas respostas nos questionários, além dos relatos de seus pais e professores a respeito da maneira como estes introduzem e incentivam a leitura literária desses discentes considerados excluídos parcialmente da sociedade.

Palavras-Chave: LEITURA. LEITORES BRASIGUAIOS. RECEPÇÃO LITERÁRIA.

Page 3: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

O aspecto geográfico da tríplice fronteira: os “brasiguaios”

Ao tentar definir o termo “brasiguaio” que interessa a este artigo

Sprandel (2006), explica que os brasiguaios são um grupo social formado por centenas

de milhares de camponeses brasileiros (as estimativas mais razoáveis variam de

trezentas a quinhentas mil pessoas), que se transferiram para a fronteira leste do

Paraguai na década de 1970, expulsos pela monocultura da soja e pela construção de

Itaipu.

De acordo com Santos e Cavalcanti (2008), num estudo sobre lingüística

intitulado: Identidades híbridas, língua(gens) provisórias-alunos "brasiguaios" a

discussão proposta é sobre a condição do aluno brasiguaio. As identidades hibridas são

características da atualidade que se expressam na velocidade das mudanças, existe uma

diluição das fronteiras, tornando o mundo cada vez mais conectado e integrado.

Entretanto, esses mesmos meios que integram, o fazem de forma parcial, contribuindo

assim para a separação, a marginalização e a exclusão. Isso vem causando impactos sem

precedentes sobre a humanidade, que não encontra correspondência com a força

unificadora, nem ancoragem em mitos como um povo, uma etnia, uma nação, uma

língua, uma cultura.

Como afirma Hall (2003, p. 62) "as nações modernas são culturais". É

nesse amplo cenário que se insere a questão da identidade do aluno “brasiguaio”. Essa

visão reducionista da identidade "brasiguaia" como um grupo uno e homogêneo tem

favorecido a construção de um estereótipo negativo, com implicações principalmente

para alunos "brasiguaios", no cenário escolar sociolingüisticamente complexo de

fronteira.

A primeira língua falada por esses alunos brasiguaios geralmente é de

pouco prestígio e pode ser variada de acordo com a descendência de seus progenitores.

Geralmente tais famílias praticam o uso da língua Guarani, falada em todas as regiões

do Paraguai, que tem raiz diversa das línguas neo-latinas e, por influência de seu uso,

especialmente no contexto familiar, faz com que os alunos abandonem as práticas em

língua portuguesa até por estarem por fazerem parte como educandos de um sistema de

ensino que privilegia como língua oficial de trabalho a Língua espanhola, que aprendem

obrigatoriamente nas escolas daquele país.

Page 4: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

Quando retornam ao Brasil tais alunos aparentemente não apresentam

dificuldades e não lhes é dada a devida atenção e o adequado acompanhamento, uma

vez que os professores geralmente acreditam que por se tratar da língua espanhola, uma

língua “irmã” da Língua Portuguesa, em sua variante padrão, tais professores não

percebem as diferenças que atrapalham o aprendizado dos alunos brasiguaios.

Segundo o relato dos professores através de questionários aplicados a

eles nos Colégios Jorge Schimmelpfeng e Tancredo de Almeida Neves é possível

perceber, em um primeiro momento, que os docentes percebem as diferenças na escrita

da variante padrão devido à influência do Espanhol em tal variante da Língua

Portuguesa, e então surge o rótulo de aluno “brasiguaio” que gera a expectativa de que

tal aluno seja “fraco” e que não acompanhará o conteúdo com a mesma intensidade e

desempenho do aluno considerado “normal”. Nesse momento o professor pode começar

a desenvolver nesse aluno a baixa-estima quando este último percebe que seu professor

age com ele de maneira diferente e até o exclui de determinadas atividades.

Durante a pesquisa realizada através dos questionários com os

professores foi constatado que a maior preocupação dos docentes era com relação à

linguagem híbrida, o que se deve a uma política lingüística voltada para o

monolinguismo onde os desvios da norma gramatical são vistos como erros. Os “erros”

são mais um fator de baixa-estima para os alunos brasiguaios que não percebem como

erros suas formas de comunicação.

Apesar da importância da Língua espanhola para o Mercosul, inclusive

com as políticas nacionais, como a Lei número 11.161, de 05 de Agosto de 2005, que

incluíram a Língua espanhola como obrigatória em todas as escolas do país, as escolas

parecem não encontrar-se preparadas para enfrentar essa empreitada que poderia, com

um trabalho mais apurado, incluí-los, dando-lhes a devida valorização social e ainda

favorecer o aprendizado dos outros alunos com a experiência dos brasiguaios com a

Língua espanhola e ainda propiciar a esses alunos “diferenciados” a inserção no uso da

Língua Portuguesa como língua padrão e em sua formação como proficientes leitores e

escritores.

Não existe no caso dos brasiguaios uma política que contemple tais

alunos levando-os a poder usufruir do mesmo nível de leituras e proficiência na Língua

Portuguesa, dando a eles uma ferramenta para atuarem e se inter-relacionarem com os

Page 5: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

alunos brasileiros nativos. Por essa razão específica faz-se necessária a pesquisa e a

apresentação de possíveis soluções e/ou políticas que abranjam a esses alunos.

Sociologia da leitura

O leitor deve ser entendido como sujeito ativo no processo de leitura,

como se sabe a partir dos pressupostos da Sociologia da Leitura. Sobre tais pressupostos

Aguiar (1996) comenta que

a sociologia da leitura é o segmento da sociologia da literatura que tem como objetivo estudar o público como elemento atuante do processo literário, considerando que suas mudanças em relação às obras alteram o curso da produção das mesmas. Nesse sentido, pesquisam-se as preferências do público, levando em conta os diversos segmentos sociais que interferem na formação do gosto e servem de mediadores de leitura, bem como as condições específicas dos consumidores segundo seu lugar social, cultural, etário, sexual, profissional, etc. (1996: p. 23)

A partir desse pressuposto pode-se entender que a Sociologia da Leitura leva em conta

não o valor literário de uma obra, mas seu contexto de circulação e consumo.

Complementando a corrente de Estudos da estética da recepção a

Sociologia da leitura é justificada por ser mais quantitativa do que qualitativa.

Justamente o fator quantitativo interessará na análise das leituras dos brasiguaios, alunos

com nível de leitura em Língua Espanhola, porém coam números inferiores no que se

refere à sua inserção como leitores literários ao se (re) inserirem no ensino público

brasileiro.

Pode-se justificar a Sociologia da leitura a partir de Hansen (2005)

as classes sociológicas são necessárias para determinar materialmente os atos empíricos de leitura. Mas seu uso, ..., é mais uma avaliação do conhecimento que agentes empíricos têm da presença do texto em suas vidas, como diz Chartier, do que a própria forma literária da leitura. (2005: p.22)

Tal visão propicia pensar que, no caso dos sujeitos da pesquisa em

questão, qual é a freqüência de seus atos de leitura empiricamente falando? Como o

Page 6: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

texto literário em sala de aula e fora dela tem influenciado em sua formação como leitor

proficiente? Tais questionamentos serão base para as análises dos dados que serão

explanados neste artigo, no que diz respeito exclusivamente à leitura dos alunos

brasiguaios.

A consciência do possível é um dos conceitos importantes para o estudo

da Sociologia da Literatura que deu origem à Sociologia da Leitura e, portanto, interessa

a ela também. Sobre tal quesito Lukács (apud Mury, 1974) pensa a consciência do

possível, já levantada por seu discípulo Lucien Goldmann:

a consciência que os homens teriam em uma situação vital determinada, se tivessem sido capazes de compreender perfeitamente esta situação e os interesses que dela se derivavam. Descobrimos, assim, os pensamentos, etc., que se correspondem com sua situação objetiva7 (Lukács apud Mury, 1974, p. 206).

Para o entendimento de tal consciência coletiva é necessário, segundo

aponta Mury, que se analise o entorno social, ideias e valores do grupo no qual os

sujeitos estão inseridos. No caso dos brasiguaios seu conceito familiar e econômico

torna-se preponderante, assim como sua condição muitas vezes nômade em regiões de

tão grande riqueza lingüística. Tal riqueza deveria ser ponto de apoio e valorização, mas

acaba tornando-se ponto de discriminação e exclusão social desses futuros leitores.

Mury aponta dois métodos para avaliar tal consciência coletiva: o

questionário e a entrevista. Tais métodos foram aplicados da seguinte forma:

questionário aos pais (12 questionários) e professores (7 questionários) e entrevista aos

alunos (15 entrevistas). A partir do recorte das respostas estabeleceu-se uma ideia das

dificuldades de leitura dos brasiguaios que será exposta a seguir.

Leitura de Lazer e Leitura de Trabalho

Os alunos brasiguaios demonstraram, através da análise dos

questionários, diferenciar as leituras realizadas em suas casas, no seio familiar, das

leituras realizadas na escola, por ordem ou sugestão dos professores e em contato com

Page 7: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

os colegas de classe, no que se refere à frequência das leituras e o desejo por realizá-

las. Tal dado chamou atenção pelo fato de que o gênero literário tratava-se do mesmo

em casa e na escola: o gênero fábula. Nas respostas de 12 alunos (do total de 15

questionários aplicados) havia a frequência da leitura semanal de fábulas em Língua

Espanhola, no seio familiar, enquanto apenas dois dos quinze entrevistados disseram

apreciar e conseguir realizar as leituras de fábulas quando solicitadas pela professora, no

ambiente escolar, e declarando entendê-las e apreciá-las em Língua Portuguesa.

O teórico francês Roland Barthes (1974) em sua obra O prazer do texto

definiu os termos “texto de prazer” e “texto de fruição”. No caso do primeiro citado

Barthes define como texto de prazer aquele no qual o leitor pode “pular” as páginas do

texto sem prejuízo do entendimento; aquele no qual o leitor “relaxa” com a leitura.

Enquanto no segundo caso, a leitura de fruição que aqui relaciona-se com a de

“trabalho” exige o debruçar-se sobre o texto de forma concentrada e competente, numa

atitude cansativa. O texto de prazer para os alunos brasiguaios se configurou como

sendo aquele lido em Língua espanhola em seu desenvolvimento, ao passo que a leitura

de fruição tem sido a leitura em língua portuguesa, ainda que as duas sejam do mesmo

gênero, como no caso da preferência de grande parte desses alunos: a fábula. A

perspectiva de leitura das escolas pesquisadas não contempla tais dificuldades e não

busca a inserção de tais alunos como leitores literários em Língua Portuguesa como

pode-se verificar ao se analisar tais perspectivas.

Perspectivas de leitura dos colégios pesquisados

A perspectiva de leitura das escolas pesquisadas, os colégios estaduais

Tancredo de Almeida Neves e Jorge Schimmelpfeng no município de Foz do Iguaçu

seguem o que sugerem as chamadas DCE´s da disciplina de Língua Portuguesa e que

tratam a tratam a leitura "como um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas

sociais históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado

momento" (DCE Língua Portuguesa,2008:18). Dessa forma, o professor favoreceria o

contato do aluno com a leitura de modo a levá-lo a refletir sobre tais aspectos pensando

o momento histórico em que os textos foram produzidos, quais seus objetivos e meios

de circulação, interagindo como co-produtor do texto. Apesar disso, não há um projeto

definido nas escolas que trate da leitura como tal agente que promova a igualdade social

Page 8: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

entre os alunos, especialmente no que tange ao caso dos brasiguaios que possuem

dificuldades peculiares no quesito leitura.

Ao verificar o que diz a DCE de Língua Portuguesa (DCE Língua

Portuguesa, 2008), observa-se que o leitor (aluno) possui papel ativo no processo da

leitura, e para se efetivar como co-produtor, procura pistas formais, formula e reformula

hipóteses, aceita e rejeita conclusões, usa estratégias baseadas no seu conhecimento

linguístico, nas suas experiências e na sua vivência sócio-cultural. Nesse prisma pode-se

verificar principalmente nos questionários aplicados aos professores, que nenhuma

atividade diferenciada – que leve em conta as especificidades do aluno brasiguaio – ou

nenhum aspecto relevante que privilegie os conhecimentos diferenciados dos

brasiguaios são levados em conta pelos professores que com eles atuam. Tal panorama

entra em conflito com o que prezam as DCE´s e a falta de um projeto que insira tais

alunos de forma eficiente e produtiva faz com que, nos primeiros contatos desses alunos

multilíngues com sua nova realidade, não desenvolvam-se como leitores literários em

Língua Portuguesa no mesmo ritmo que seus colegas brasileiros natos e estabelecidos

como leitores literários desde seus lares passando pelas séries iniciais do Ensino

fundamental.

Tal falta de projetos de leitura a serem desenvolvidos dentro e fora das

salas de aulas vem de encontro com o que já foi observado por Rojo:

Se perguntarmos a nossos a lunos o que é ler na escola , e les possivelmente responderão que é ler em voz al ta , sozinho ou em jogral (para aval iação de f luência entendida como compreensão) e , em seguida, responder um quest ionário onde se deve local izar e copiar informações do texto (para aval iação de compreensão) . Ou seja , somente poucas e as mais básicas das capacidades le i toras tem sido ensinadas, aval iadas e cobradas pela escola . Todas as outras são quase ignoradas. (2009: p . 79)

Tal dificuldade, como a observada acima, não é

característica única das escolas descritas neste artigo, como se pode

observar em Rojo, mas uma realidade que demonstra a ineficiência no

que tange à inserção da leitura literária em sala de aula e ao letramento

literário. Sendo assim no dia-a-dia das escolas brasileiras no trato com

os alunos com suas dificuldades peculiares, assim também o é no caso

Page 9: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

dos alunos brasiguaios que acabam por ter uma dificuldade ainda maior

por estar inseridos em uma sociedade que fecha os olhos para suas

dificuldades ao não promover o processo de igualdade que eles tanto

necessitam em seu desenvolvimento leitor, sem considerar ainda sua

alfabetização que pode ter sido prejudicada pela falta de projetos de

inserção desses alunos.

O repertório de leitura dos alunos “brasiguaios”.

O aspecto da leitura dos brasiguaios passa ainda pelo seu

repertório de leituras que é com certeza reflexo de sua alfabetização e de

suas letras iniciais. Pode-se observar em Soares:

À medida que o analfabet ismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever , e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escr i ta (cada vez mais grafocêntr ica) , um novo fenômeno se evidencia: não basta aprender a ler e a escrever . As pessoas se a l fabet izam, aprendem a ler e a escrever , mas não necessar iamente incorporam a prát ica de le i tura e da escr i ta , não necessar iamente adquirem competência para usar a le i tura e a escr i ta , para envolver-se com as prát icas sociais da escr i ta . . . (SOARES, 1998: 45-46)

Tais práticas de leitura e escrita, especialmente a leitura são

iniciadas em Língua espanhola, como se pode observar nos questionários

aplicados (13 respostas). As leituras são geralmente as mesmas dos

alunos brasileiros: fábulas, contos, quadrinhos, anedotas, destacando-se a

leitura de fábulas – especialmente as moralizantes introduzidas através

de pais e professores - entre outros, porém, em sua volta e/ou vinda ao

Brasil e ao ensino brasileiro tais alunos acabam por abandonar leituras

semelhantes ao não compreender o que leem e por serem muitas vezes

ridicularizados pelos colegas ao não compreenderem os “falsos amigos”

da Língua Espanhola para a Língua Portuguesa (que são as palavras de

igual grafia, mas com significados distintos). Tal preconceito lingüístico

Page 10: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

acaba por definhar a habilidade de leitura de alunos que podem e devem

ser bons leitores, mas que não o fazem por não ter a garantia de uma

transição adequada à Língua Portuguesa, que se faça privilegiando seus

conhecimentos em língua estrangeira e adaptando de forma a tornar esse

processo mais sutil e tranquilo. Mais uma vez aqui fica clara a falta de

um projeto de leitura que abranja o fator social e torne a leitura o que ela

realmente é: um momento prazeroso como podemos perceber nas palavras

de Cândido:

A arte, e, portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem , que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade.. (1972: p.53).

A leitura inclusiva e a formação do leitor.

Os alunos brasiguaios gostam de ler, mas o fazem de maneira

precária como se pode perceber nos questionários que relataram a

preferência desses alunos por assistir televisão ou brincar – quando

estudantes no Brasil – mas que preferiam à televisão os livros – quando

estudantes no Paraguai. Tal discrepância evidente no simples relato de

leituras dos alunos brasiguaios aponta a falta de um projeto adequado de

leitura literária nas escolas voltado para a leitura desses alunos na língua

portuguesa com diversas estratégias que passam pelo combate ao

“Bullyng” e pela qualificação dos profissionais da educação que

conduzem o trabalho com os alunos e também da qualificação dos

profissionais que atendem e orientam aos pais desses alunos . Projeto

esse que insira tais alunos socialmente perante seus colegas auxiliando-

os naquilo que eles têm de maior dificuldade e aproveitando as lições que

esses alunos de vivências tão diferenciadas possuem e que poderiam ser

compartilhadas com o restante de seus colegas tornando o ensino

Page 11: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

realmente um fator de inclusão social e não um elemento a mais de

segregação de sujeitos por suas etnias e fronteiras geográficas.

Quanto aos pais, verifica-se nos questionários que o

incentivo à leitura – mesmo em casos de baixa escolaridade – é constante

(10 respostas), mas como a cultura familiar é fortemente voltada à

atividade de expectação televisiva fica prejudicada, como elemento de

incentivo, a atividade literária familiar demonstrando a necessidade de

um projeto maior que envolva os pais nessa empreitada pela leitura.

No que se refere ainda aos professores ficou evidente a

desmotivação pessoal na realização de tais projetos (desmotivação

apontada em 9 questionários) pelo fato de os educadores sentirem-se

sozinhos nessa empreitada difícil e penosa, mas que pode ter frutos

empolgantes e realizadores. Tais educadores declaram ter uma jornada

longa e desgastante que faz com que falte tempo para participar das

leituras já conhecidas pelos brasiguaios e de tempo para buscar leituras

que “falem para eles” (nas palavras de dez educadores) e que pudessem

auxiliar na inserção e motivação de tais alunos às leituras literárias em

língua Portuguesa.

Não se deve esquecer que o cidadão pleno se faz através da

leitura e tal atividade não deve ser encarada pelas instituições da

sociedade como uma atividade a mais para completar um currículo, mas

sim como, talvez, a atividade mais importante na formação de um

cidadão pleno como se pode frisar através das palavras de Lajolo:

“O cidadão, para exercer plenamente sua cidadania , precisa apossar-se da l inguagem l i terár ia , a l fabet izar-se nela , tornar-se seu usuário competente , mesmo que nunca vá escrever um l ivro: mas porque precisa ler muitos .” (1994: p . 106)

O aluno brasiguaio também necessita ser observado com os

mesmos olhos inclusores para exercer plenamente sua cidadania,

apossando-se da linguagem literária e perfazendo esse caminho

maravilhoso da leitura literária não como um sujeito “atrasado” no

Page 12: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

processo de formação como leitor, mas como um sujeito que vem para

acrescentar com suas vivências e se desenvolver plenamente e o fará

lendo muitos livros.

Page 13: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

Referências Bibliográficas

ABRAMOVICH, F. O Estranho Mundo que Se Mostra às Crianças. 6ª ed. São

Paulo: Summus, 1983.

AGUIAR, Vera Teixeira de. O leitor competente à luz da teoria da literatura. Revista

tempo brasileiro, Rio de Janeiro, v. 124, p. 23-34, jan-mar. 1996.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. Lisboa: Editorial Império. 1974.

CANDIDO, A. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura, São Paulo, v.

24, n 9, p. 803-809, set. 1972.

HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora

UFMG, 2003.

HANSEN, João Adolfo. Reorientações no campo da leitura literária. In: ABREU,

Marcia; SCHAPOCHNIK (Orgs.). Cultura letrada no Brasil: objetos e práticas. São

Paulo: Fapesp, 2005. p. 13-44.

HAUSER, Arnold. Sociologia del arte. Barcelona: Labor, 1977.

ISER, W. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Vol. 1; tradução de

Johannes Kretschmer. – São Paulo: E. 34, 1996.

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária.

Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994.

LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6ª ed. São Paulo: Ática.

1994.

MOLLICA, M.C. Fala, letramento e inclusão social. São Paulo: Contexto, 2007

Page 14: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

MARTHA, A.A.P. Leituras na Prisão – coerência no caos. Maringá: EDUEM, 2011.

MURY, Gilbert. Sociologia del público literário. In: ESCARPIT, Robert. Hacia una

sociologia del hecho literario. Madrid: Edicusa, 1974.

MORAES-BONDEZAN-TERUYA, T. A avaliação da aprendizagem dos/as alunos e

alunas “brasiguaios” na região de tríplice fronteira. Revista: Fazendo Gênero 9

Diásporas, Diversidades, Deslocamentos (UFSC) . Extraído de:

http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277302905_ARQUIVO_ArtigoFa

zendoGenerook%5B1%5D.pdf em 20/04/2011.

MURY, Gilberto. Sociologia del publico literario. In: ESCARPIT, Roger. Hacia uma

sociología del hecho literario. Madrid: Edicusa, 1974.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua

Portuguesa Para os Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio:

Língua Portuguesa. Curitiba: SEED, 2008.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da

Educação Básica do Paraná. Disponível em

http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/modules/conteudo/conteudo.

php?conteudo=98 . Acesso em: 05/07/2009.

ROJO,R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola

Editorial, 2009.

SANTOS - CAVALCANTI, M. do C. Identidades híbridas, língua(gens) provisórias-

alunos "brasiguaios" em foco. Trab. linguist. apl., Campinas, v. 47, n.2, dez.p.p.429-

446.2008 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.>. Acesso em 08 jun. 2010.

SPRANDEL, M. A. Brasileiros na fronteira com o Paraguai. Estud. av. 2006,

vol.20, n.57, pp. 137-156.

Page 15: Artigo - Formação de Leitores - A Leitura de Brasiguaios Na Região Da Tríplice Fronteira

SOARES, M.B. Letramento – Um tema em três gêneros. Belo Horizonte:

CEALE/Autêntica, 1998.