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    INTERPRETAO JURDICA CONTEMPORNEA E CRCULO

    HERMENUTICO: PERCURSO HISTRICO-FILOSFICO.

    Jeferson Antonio Fernandes Bacelar

    RESUMO

    O artigo apresenta um caminho histrico-filosfico do crculo hermenutico, como foi

    pensado por filsofos, jusfilsofos e juristas, com destaque para as idias de Hans-

    Georg Gadamer, Martin Heidegger e Friedrich Schleiermacher. Prope estabelecer

    conexo entre esse movimento hermenutico e a interpretao jurdica contempornea,

    servindo-se para esse fim da obra de Karl Larenz e de Karl Engisch. Demonstra que,

    ainda que o conceito da circularidade hermenutica no tenha sido pensado

    originariamente para o Direito, visto ter sido construdo na e para a Teologia e a

    Filosofia, instrumento hermenutico valioso quando se busca uma interpretao do

    direito que garanta efetividade dos direitos e cidadania ampla.

    PALAVRAS-CHAVES: CIRCULO HERMENUTICO; INTERPRETAO

    JURDICA; FILOSOFIA JURDICA.

    RESUMEN

    El artculo presenta una perspectiva histrica y filosfica de lo crculo hermenutico,

    como se pens por filsofos, juristas y jusfilsofos, con nfasis en las ideas de Hans-

    Georg Gadamer, Martin Heidegger, Friedrich Schleiermacher. Propone establecer la

    conexin entre este movimiento hermenutico y la contempornea interpretacin

    jurdica, atravs de los trabajos de Karl Larenz y Karl Engisch. Demuestra que, aun quelo concepto de circularidad hermenutica no fue diseada originalmente para lo

    derecho, visto que se han construido en y para la Teologa y Filosofa, es una valiosa

    herramienta hermenutica cundo se intenta una interpretacin de lo derecho que

    garantiza la eficacia de los derechos y la ciudadana.

    Mestrando do Programa de Mestrado em Direito da Universidade da Amaznia-UNAMA; bolsista daFundao Instituto para o Desenvolvimento da Amaznia (FIDESA).

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    PALABRAS-CLAVE: CRCULO HERMENUTICO; INTERPRETACIN

    JURDICA; FILOSOFA JURDICA.

    INTRODUO

    Os estudos jurdico-hermenuticos atuais no esto mais direcionados

    apenas para questes clssicas, como a definio de fases ou momentos (critrios,

    elementos, processos, etc.) hermenuticos. No possui mais a centralidade nos debates e

    formulaes, como outrora, qual o intrprete autntico do Direito ou se o melhor

    resultado da tarefa interpretativa declarativo ou extensivo. Tais questes ainda soimportantes, contudo, sem dvida ajustadas em um padro secundrio, na medida em

    que se tem analisado a essncia prpria da tarefa interpretativa, desenvolvida a partir

    das diretrizes hermenuticas.

    A hermenutica jurdica deve ser capaz de proporcionar interpretao e

    aplicao do direito condizente com as expectativas, demandas, dilemas, complexidades

    e crises da cidadania hodierna. Para tanto, precisa evoluir em suas formulaes e

    proposies prticas para alm do silogismo subsumido.Como em diversas reas e temticas da moderna cincia do Direito, coube

    aos filsofos, jusfilsofos e juristas alemes a primazia e a vanguarda na tratativa dos

    grandes temas hermenuticos atuais.

    Neste contexto germanista, destacam-se nomes como Hans-Georg Gadamer,

    Martin Heidegger, Friedrich Schleiermacher, entre outros.

    Pretende-se com o presente trabalho apresentar a viso desses trs e de

    outros autores, como Karl Larenz e Karl Engisch, tendo como tema central a questo docrculo hermenutico.

    O dicionrio bsico de Filosofia de Hilton Japiass1 define crculo

    hermenutico como dificuldade do mtodo hermenutico ou interpretativo segundo a

    qual toda compreenso do mundo implica a compreenso da existncia, e

    reciprocidade.

    Crculo hermenutico no um conceito que nasceu na e para a

    1

    JAPIASS, Hilton.Dicionrio bsico de filosofia. 3.ed. Rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1996, p. 45.

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    hermenutica jurdica. As bases fundantes encontram-se na Teologia e na Filosofia.

    Restando explicado porque comum encontrar as obras hermenuticas, mormente

    alems, repletas de citaes relacionadas Teologia, Filosofia e ao Direito

    concomitantemente (e.g Verdade e mtodo de H-G. Gadamer).

    Torna-se possvel resumir a idia do crculo hermenutico na (inter) relao

    ou lgica interna que se estabelece no mbito da compreenso hermenutica entre o

    todo de um texto e as partes, onde a compreenso se daria do todo para as partes e das

    partes para o todo.

    , portanto, tema da mxima relevncia teoria e prtica da tarefa

    hermenutico-interpretativa.

    As obras que nortearo o texto so: Verdade e mtodo de Hans-GeorgGadamer, Ser e tempo de Martin Heidegger, e "Hermenutica: arte e tcnica da

    interpretao, de Friedrich Schleiermacher, e de outros autores que pensaram a

    hermenutica jurdica a partir desses filsofos e de suas obras.

    1 A HERMENUTICA ROMNTICA DE F.D. E. SCHLEIERMACHER

    Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher2

    o nico dos filsofos que balizameste trabalho que no foi contemporneo do sculo XX.

    As idias de Schleiermacher no so direcionadas ao Direito ou

    hermenutica jurdica, contudo, mesmo focadas na Teologia e na Filosofia, tem servido

    de embasamento a moderna hermenutica jurdico-filosfica, sendo considerado o pai

    da hermenutica moderna3. Salgado afirma que Foi com Schleiermacher que, pode-se

    dizer, houve a retomada do estudo da hermenutica 4.

    Schleiermacher pretendeu elaborar uma hermenutica geral, em contraste ecomo superao das diversas hermenuticas "departamentalisadas". Tal tendncia,

    buscada pelo filsofo, a mesma que permeia a hermenutica jurdica contempornea,

    visto que a hermenutica jurdica tradicional, baseada apenas na subsuno, no mais

    2 Nasceu em Breslau (a poca parte da Alemanha, atual Polnia) em 1768 e morreu em Berlim em 1834.Foi telogo, fillogo e filsofo3 GONZLEZ, Justo L. Dicionrio ilustrado dos intrpretes da f. Traduo de: Reginaldo Gomes deArajo. Santo Andr SP: Editora Academia Crist, 2005, p. 577.4

    SALGADO, Ricardo Henrique Carvalho. Hermenutica filosfica e aplicao do direito. BeloHorizonte: Del Rey, 2006, p. 29.

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    oferece interpretao adequada s diversas questes hodiernas.

    1.1 O CRCULO HERMENUTICO EM SCHLEIERMACHER

    Schleiermacher no criou o crculo hermenutico, mas foi o responsvel por

    reintroduzi-lo nos debates hermenuticos, a partir do sculo XVIII5.

    Coube a Schleiermacher resgatar, no contexto do sculo XIX, a proposta de

    um instrumento da tarefa interpretativa, denominado crculo hermenutico, que foi

    assim explicada por ele:[...] progredindo pouco a pouco desde o incio de uma obra, acompreenso gradual, de cada particular e das partes do todo que seorganiza a partir delas, sempre apenas provisria; um pouco maiscompleta, se ns podemos abarcar com a vista uma parte mais extensa,mas tambm comeando com novas incertezas [e como nocrepsculo], quando ns passamos a uma outra parte, [porque ento]temos diante de ns um novo comeo, embora subordinado; noentanto, quanto mais ns avanamos, tanto mais tudo o que precede esclarecido pelo que segue, at que no final ento cada particularcomo que recebe de um golpe sua plena luz e se apresenta com

    contornos puros e determinados6.

    Reafirma Schleiermacher sua proposta de uma hermenutica contextual e

    circular, quando doutrina: Faz-se necessrio certamente, assim, uma compreenso do

    todo [...] e ns podemos, depois que o todo esteja dado, retroceder aos elementos, para

    ento compreend-los mais precisa e completamente a partir do todo.7

    Explica Gadamer que: [...] compreender sempre um mover-se nesse crculo, e

    por isso essencial o constante retorno do todo s partes e vice-versa 8. Como o conceito do

    todo relativo o crculo est em constante ampliao afetando a compreenso do indivduo.

    Assim, a revelao quanto linguagem e ao contedo de um texto contemporneo, s se

    d no vaivm do movimento circular entre o todo e as partes9.

    5 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo: traos fundamentais de uma hermenutica filosfica.Traduo de Flvio Paulo Meuer. Petrpolis, RJ: Vozes, 1997, p. 275.6 SCHLEIERMACHER, Friedrich D.E. Hermenutica: arte e tcnica da interpretao. Traduo CelsoReni Braida. Petrpolis: Vozes, 1999, p. 49-50.7Ibidem, p. 51.8

    GADAMER, Op. cit. p. 297.9Ibidem, p. 298.

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    , portanto, neste contexto que as formulaes filosficas de

    Schleiermacher so relevantes para o atual estgio da hermenutica jurdica.

    Contudo, no h como negar que seus cnones carecem de adequada e

    precisa adaptao para ser aplicados interpretao do Direito. Da a necessidade de

    aprofunda-se a temtica do crculo em M. Heidegger e H.-G. Gadamer, bem como em

    Karl Larenz e Karl Engisch, que construiro a ponte necessria das formulaes

    filosficas com a cientificidade jurdica.

    2 A HERMENUTICA FILOSFICA DE M. HEIDEGGER

    Como um passo a mais na construo na hermenutica contempornea ostrabalhos e estudos de Martin Heidegger10 so imprescindveis.

    M. Heidegger escreveu apenas um livro, o j citado Ser e tempo, porm,

    possui diversas obras atribudas a si, sendo resultado de suas prelees, seminrios,

    conferncias e ensaios sobre Filosofia e hermenutica11. A produo literria e

    acadmica de Heidegger bastante significativa, mesmo que ele a tenha desenvolvido

    apenas at o final da dcada de 1950.

    Foge ao objetivo e possibilidade do presente trabalho explicar ou enfrentar agrandiosidade, a profundidade e a complexidade das formulaes heideggerianas. O

    texto se prope a apresentar os pontos principais de sua filosofia, no interesse da

    hermenutica filosfica e jurdica, principalmente na construo do conceito de crculo

    hermenutico, conforme j apresentado em Schleiermacher.

    2.1 A HERMENUTICA HEIDEGGERIANA BASEADA NODASEIN

    Para Heidegger a questo central ou o problema da interpretao s poderia

    ser dirimido ou enfrentado a partir da compreenso. Esta questo j havia sido colocada

    10 Nasceu em Messkirk, Baden, na Alemanha, em 1889. Foi um dos maiores filsofos alemes, e nombito da filosofia existencialista considerado representante da fenomenologia. Morreu em 1976.11 Dentre essas obras podem ser destacadas as j traduzidas para o portugus: Introduo metafsica(Tempo Brasileiro, 1966); Sobre o humanismo (Tempo Brasileiro, 1967); A experincia do pensar(Globo, 1969); Sobre o problema do ser (Duas Cidades, 1969); Sobre a essncia da verdade (Duascidades, 1970); Ensaios e conferncias (Vozes, 2002); alm dos consagrados Ser e tempo - Parte I e

    Ser e tempo - Parte II (Vozes). So muitas outras obras disponibilizadas em nossa lngua e um nmerobem maior em ingls e alemo.

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    anteriormente, por diversos filsofos, entre os quais se pode destacar Schleiermacher e

    Wilhelm Dilthey (1833-1911).

    Como diz Stein, no contexto heideggeriano: Compreender era a atitude

    englobante do homem em contato com outros e com a histria 12.

    Buscando superar a hermenutica baseada na ontologia da coisa, se props a

    elaborar uma hermenutica de faticidade. Stein explica que Heidegger supera essa

    eterna aporia da metafsica colocando o homem, com sua faticidade e historicidade, j

    sempre para fora de si mesmo, para dentro da compreenso do ser 13.

    esta ruptura com a ontologia tradicional e a busca pela reconstruo do

    sentido original do ser, que faz com que elabore uma nova terminologia filosfica que

    d vazo e base a suas formulaes. Na sua obra Ser e tempo, que representa seuafastamento da fenomenologia de seu antigo mestre Hurssel, apresenta o conceito de

    Dasein ou o ser-a, que permitiria e fundamentaria a compreenso da existncia

    humana.

    Heidegger leciona quanto ao uso que faz da palavra hermenutica. Seria:

    [...] uma determinada unidade de realizao do hermeneuein (do particular a algum), quer

    dizer, a explicao (interpretao E.S) da faticidade que traz ao encontro, vista, ao captar e ao

    conceito.14

    Transcendendo aplicao tradicional que se dava a hermenutica, afirma:

    A hermenutica no tem a funo de juntar conhecimento, mas deve visar o conhecer

    existencial, a saber, um ser. Ela fala desde a explicitao e por ela. E acrescente: [...] a

    hermenutica ela mesma no filosfica, ela apenas tem a pretenso de exibir aos

    filsofos de hoje, um objeto agora cado no esquecimento, esperando por uma

    'simptica ateno'15

    Heidegger atravs de suas proposies baseadas no Dasein procurar

    demonstrar sua ateno ao tema hermenutico, construindo uma argumentao

    complexa e extremamente teorizada, que sendo entendida e aplicada (adaptada), pode

    proporcionar uma reviravolta na forma de compreender e/ou interpretar o Direito.

    12 STEIN, Ernildo.Introduo ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: EDIPURS, 2002a, p.44.13Ibidem p. 4914 Cf. STEIN, Ernildo. Da fenomenologia hermenutica hermenutica filosfica. Veritas, Porto Alegre,

    2002. p. 2515Ibidem, p. 25.

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    2.1.1 Os vrios momentos de Heidegger

    A amplitude da produo filosfica de Heidegger e o desenvolvimento

    constante e evolutivo de seus estudos sobre a fenomenologia hermenutica tem tornado

    necessrio apresentar suas idias em trs fases ou momentos. Mello16, fundado em

    Stein17 prope a existncia de Heidegger I, Heidegger II e Heidegger III.

    apenas no segundo momento do pensamento heideggeriano (Heidegger II)

    que ganha relevo o crculo hermenutico, ponto central do presente trabalho. Stein

    assevera: O crculo hermenutico a compreenso do ser s se d mediante a

    compreenso do ser-a e a compreenso do ser-a s se d mediante a compreenso doser levado sua radicalidade na viravolta18.

    O presente texto reconhece suas limitaes e possveis (provveis)

    deficincias da pretenso de apresentar a filosofia heideggeriana, visto tratar-se de um

    gnio filosfico do sculo XX, que requer dedicao e aprofundamento para a

    compreenso de sua obra. Impende o sentimento e a partilha do sentimento de que

    compreender M. Heidegger j uma desafiadora tarefa hermenutica.

    2.1.2 Heidegger, oDasein e o crculo hermenutico

    Como se afirmou anteriormente, Heidegger criou uma expresso para

    representar a existncia ou realidade humana (ente humano), Dasein ou ser-a. Esta

    expresso tambm esta associada ao que denomina pr-sena.

    Japiass19 explica que tal inovao se fazia necessria para o filsofo, pois

    pretendia fugir da apreciao humanista que os termos anteriores (existncia humana,realidade humana) agregam, na medida em que so ambguos.

    O prprio Heideggerem sua obra maior Ser e tempo (I) explica: "[...] esse

    ente que cada um de ns somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de

    16 MELLO, Cleyson de Moraes. Hermenutica e direito: a hermenutica de Heidegger na (re)fundamentao do pensamento jurdico. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006.17 STEIN, 2002a.18

    STEIN, 2002a. p. 90.19 JAPIASS, Op.cit. p. 63.

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    questionar, ns o designamos com o termo pre-sena"20

    E na construo do que o Dasein e de seu papel na compreenso que

    apresenta sua idia de crculo hermenutico.

    Para Mello21 em Heidegger o crculo hermenutico ou recproca relao

    entre ser e ente, s ocorre por meio doDasein que possibilita a compreenso. Da que o

    crculo hermenutico, ao lado da diferena ontolgica, um dos pilares da teoria

    heideggeriana.

    Salgado22 tempera a questo com a assertiva: Essa compreenso, porm, se

    d num processo circular. E complementa, quanto a viso de heidegger sobre a

    hermenutica: A interpretao ou hermenutica o processo que vai da pr-

    compreenso compreenso plena, mas observando de forma direta as coisas e noatravs de intermedirios23

    A explicao se apresentaria previamente compreenso, contudo

    relacionando-se com esta, sendo o resultado desta aproximao a pre-sena (ser-a). O

    resultado da compreenso o sentido. Como explica Heidegger: Sentido a

    perspectiva em funo da qual se estrutura o projeto pela posio prvia, viso prvia e

    concepo prvia. a partir dela que algo se torna compreensvel com algo 24

    na busca por uma interpretao que fuja das limitaes impostas pelafilologia que Heidegger tem como imperioso o crculo hermenutico, um crculo

    virtuoso e no vicioso. O grande desafio seria entrar no crculo de modo adequado.

    Em Heidegger a idia do crculo estabelece uma antecipao ou pr-

    compreenso, que estabelece previamente uma relao com o sentido, j conceituado

    anteriormente. O crculo descreveria a natureza da compreenso humana.

    Assim, sempre haveria uma antecipao de sentido do texto, e a

    compreenso buscaria aperfeioar a posio, viso e concepo prvia. O projeto prviodeve ser tido como falvel e sujeito a alteraes e revises, quando do aprofundamento

    ou adequao do sentido originalmente estabelecido. O intrprete deve estar aberto ao

    encontrar no texto interpretando um algo novo, no percebido ou compreendido

    20 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo: parte I. Traduo de Mrcia de S Cavalcante. 8.ed.. Petrpolis:Vozes, 1999, p. 33.21 MELLO, Op. cit., p. 30.22 SALGADO, Op. cit, p. 68.23

    Ibidem, p. 69.24 HEIDEGGER, Op.cit. p. 208.

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    previamente.

    Se em Heidegger o papel do crculo hermenutico redimensionado, na

    obra de um de seus discpulos, Hans-Georg Gadamer, que a atual utilidade e aplicao

    que se d ao mesmo, desenvolvida e aprofundada.

    3 HANS-GEORG GADAMER E A HERMENUTICA FILOSFICA

    Hans-Georg Gadamer25 comps, juntamente com outros telogos e filsofos

    como Paul Tillich, Rudolf Bultmann, Helmuth Kuhn, entre outros, e sob a gide de

    Martin Heidegger a denominada Escola Fenomenolgica Hermenutica, que ofereceu

    durante a primeira metade do sculo XX, importante contribuio para os estudos

    filosfico-teolgicos e hermenuticos.Em Verdade e mtodo: traos fundamentais de uma hermenutica

    filosfica, no bojo do que o autor denomina pesquisa26, constri e apresenta as bases

    de sua hermenutica filosfica, enfrentando o denominado problema hermenutico.

    Como o prprio subttulo da obra aponta, a fundamentao de sua

    hermenutica filosfica, no pretendendo propor nenhum mtodo interpretativo, como

    fizeram diversos tratados hermenuticos de seus antecessores. marcante a influncia

    que demonstra da doutrina de Martin Heidegger, e tambm de filsofos clssicos, comdestaque para Aristteles.

    3.1 A HERMENUTICA JURDICA E A HERMENUTICA HISTRICA

    Destaca-se a relao que Gadamer estabelece entre a hermenutica jurdica e

    a hermenutica teolgica. Em diversos momentos o cotejamento entre Direito, Teologia

    e Historia estabelecido, mostrando, na verdade, o amplo mbito de domnio intelectualdo autor.

    O problema hermenutico, retomado por Gadamer, seria a designao

    quanto ao papel da aplicao no processo interpretativo. Inicialmente apresenta sua

    percepo quanto relao entre compreenso, interpretao e aplicao. Critica a

    25 Nasceu em Masburg (Alemanha), em 1900, e faleceu aos 102 anos, deixando um legado marcante erelevante para a Filosofia geral, bem como para a Filosofia do Direito, especialmente para a

    hermenutica.26 GADAMER, Op. cit. p. 31.

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    hermenutica tradicional (romntica), que props a fuso entre compreenso e

    interpretao, e o afastamento da aplicao. Para ele a aplicao deve compor, junto

    com a interpretao e a compreenso, o processo unitrio hermenutico.

    Mesmo com esta postura crtica hermenutica romntica considerado

    como neo-romntico e tradicionalista27

    Compreender, para Gadamer, seria aplicar, pois a compreenso da lei se

    expressa em cada situao concreta e de maneira nova e distinta. Por isso afirma que a

    compreenso um caso especial da aplicao de algo geral a uma situao concreta e

    particular28.

    E a partir desta constatao que estabelece a conexo com a filosofia de

    Aristteles29. A hermenutica no poderia ser apenas tcnica, pois a lei possuideficincias que no permitem uma aplicao simples da mesma. O saber tcnico no

    pode suprimir o saber tico. Conclui dizendo que o intrprete para compreender o

    significado do texto no deve querer ignorar a si mesmo e a situao hermenutica

    concreta, na qual se encontra. Est obrigado a relacionar o texto com essa situao, se

    que quer entender algo nele.30

    Quando trata do paradigma da hermenutica jurdica, encara a divergncia

    entre esta e a hermenutica histrica. Destaca que o jurista toma o sentido da lei apartir de e em virtude de um determinado caso. O historiador jurdico, por sua vez,

    no teria nenhum caso concreto a analisar, procurando determinar o sentido da lei na

    totalidade do mbito de aplicao.

    Mesmo no utilizando a expresso vontade do legislador, Gadamer

    enfrenta a questo na perspectiva da historiografia jurdica. Para ele o interprete acaba

    vinculando lei, configurando o que denomina valor posicional histrico, que surgiria

    do ato legislativo. Contudo, o exegeta no pode sujeitar o processo hermenutico a estefator subjetivo. Deve ser capaz de identificar e admitir que as circunstncias jurdicas

    que permeavam a elaborao do texto original foram sendo alteradas e que lhe cabe a

    determinao (nova?) da funo normativa da lei.

    Afirma Gadamer que, enquanto o juiz adequa a lei s necessidades atuais,

    27 JAPIASSU, Op. cit.28 GADAMER, Op.cit. p. 465.29

    Ibidem, p. 465.30Ibidem, p. 482.

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    buscando a resoluo de uma tarefa prtica, onde compreender e interpretar significa

    conhecer e reconhecer um sentido vigente31, podendo assumir a posio do historiador

    do momento, o historiador no enfrenta, a priori, nenhuma tarefa jurdica, na medida

    em que pretende averiguar o significado histrico da lei, mas pode pensar juridicamente

    e no apenas historicamente.

    Reconhece a existncia de um quadro que determina a pertena do interprete.

    Assim, o que interpreta (compreende) no elege arbitrariamente um ponto de vista,

    mas assume um lugar que lhe foi dado com anterioridade. A interpretao seria, ento, a

    concretizao da lei, e a aplicao uma tarefa do juiz, ainda que, como concreo possa

    ser realizada por qualquer membro da comunidade jurdica.

    Mesmo com o reconhecimento deste quadro e da vinculao lei, noadmite uma dogmtica jurdica total, que se refletisse na subsuno, apenas. A

    dogmtica guarda carter vinculativo, porm, o interprete e aplicador (juiz) pode

    reelaborar a dogmtica, quando realizar a complementao necessria.

    Como afirma Zeifert:

    Do ponto de vista jurdico, as contribuies de Gadamer foramfundamentais para a criao de uma hermenutica jurdica crtica.Constituiu-se numa tentativa de romper as formas mais arcaicas de

    interpretao baseada em um saber reprodutivo acerca do Direito.

    32

    Para Gadamer a hermenutica teria como escopo a compreenso do que diz

    um texto (de uma lei ou no) a partir de uma situao concreta, que na verdade

    produziria o sentido procurado. A interpretao surgiria quando o sentido do texto no

    se deixa compreender imediatamente. A questo seria, ainda, de confiana do interprete

    frente ao texto interpretando.

    Por fim, propondo uma superao do problema hermenutico, afirma: A

    aplicao [...] , antes, a verdadeira compreenso do prprio comum que cada texto

    dado representa para ns33. Fica, portanto, estabelecida a unidade processual da

    hermenutica, comportando interpretao, compreenso e aplicao, ou seja,

    compreende-se aplicando.

    31Ibidem, p. 487.32 ZEIFERT, Anna Paula Bagetti. Da hermenutica nova hermenutica: o papel do operador jurdico.In:SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes (org.)Hermenutica e argumentao: em busca da realizao

    do direito. Iju: Ed. Uniju., 2003, p. 173.33 GADAMER, Op. cit. p. 505.

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    3.2 HERMENUTICA JURDICA GADAMERIANA E O CRCULO

    HERMENUTICO

    Atualmente, grande maioria de jus-hermeneutas se vale das idias de

    Gadamer, sendo que vrias obras de hermenutica jurdica destinam obra gadameriana

    espao destacado, tamanha a preciosidade, pertinncia e a profundidade de suas

    formulaes filosfico-jurdicas.

    Gadamer analisa a circularidade hermenutica contrastando o pensamento

    subjetivista de Schleiermacher e acrescentando um novo prisma proposta

    heideggeriana 34. Explica assim, Gadamer, sua maneira de pensar o crculohermenutico: O crculo, portanto, no de natureza formal. No nem objetivo nem

    subjetivo, descreve, porm, a compreenso como interpretao do movimento da tradio e do

    movimento do intrprete. 35

    uma continua formao que aceita as experincias e as idias pr-

    concebidas pelo interprete, mas que no e no pode ser determinada por tais

    experincias e/ou idias. O que Gadamer nega o subjetivismo proposto por

    Schleiermacher, mas no a participao subjetiva do intrprete.A pr-compreenso indispensvel para Gadamer, pois sem ela no se

    poderia nem mesmo ler um texto. esta postura antecipatria que permite uma

    aproximao com um texto interpretando, e que o designa como possvel de ser

    interpretado ou no pelo que o interprete trs em sua base histrica e de conhecimento.

    A verdadeira compreenso seria uma unidade acabada de sentido, que poderia ou no se

    coadunar com a pr-compreenso.

    Streck destaca que: Com o giro hermenutico proposto por Gadamer, a

    hermenutica jurdica dever ser compreendida no mais como um conjunto de mtodos

    ou critrio aptos ao descobrimento da verdade e das certezas jurdicas36 Mesmo,

    porque, hermenutica no mtodo, mas sim filosofia.

    34 SILVA, Kelly Susane Alflen da.Hermenutica jurdica e concretizao judicial. Porto Alegre: SAFE,2000, p. 266.35 GADAMER, Op.cit. p. 439-440.36 STRECK, Lnio Luiz. Hermenutica jurdica e(m) crise. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

    2005.

    3616

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    Ainda que perpassem pela juridicidade, as proposies da hermenutica

    gadameriana so essencialmente filosficas, necessitando de concretude e praticidade

    para colaborar com os desafios da nova hermenutica jurdica, que pretende ser

    instrumento de efetividade.

    3 CRCULO HERMENUTICO NO DIRETO: DA HERMENUTICA

    FILOSFICA HERMENUTICA JURDICA

    Friedrich Muller, Konrad Hesse, Josef Esser, Karl Larenz, Karl Engisch

    foram alguns jusfilsofos e juristas que enfrentaram o desafio de teorizar da

    hermenutica filosfica hermenutica jurdica.Quanto s formulaes sobre hermenutica apresentadas pelos dois

    primeiros filsofos estudados o aproveitamento para a hermenutica jurdica realizado

    por meio de aplicao e adaptao.

    No caso de Gadamer, ele prprio j pensou e props aplicaes de suas

    idias hermenutica jurdica, contudo, ainda neste caso, as bases de sua "verdade e

    mtodo" mesclam Filosofia, Teologia e Direito. Dai porque surgem diversas obras que,

    partindo das bases da hermenutica gadameriana, estabelecem uma aplicao maissegura e pertinente com a cientificidade jurdica, inclusive no concernente ao crculo

    hermenutico.

    Segundo Lpez Rodrigues37 (1995, p. 42), coube a Friedrich Muller (1938-)

    e Josef Esser, introduzirem e transportarem a circularidade hermenutica para a

    hermenutica propriamente jurdica. No presente texto, opta-se pela doutrina de Karl

    Larenz e Karl Engisch sobre o valor do crculo hermenutico para o direito, pelo

    didatismo explicativo dos autores.

    3.1KARL LARENZ E A CIRCULARIDADE HERMENUTICA

    Karl Larenz38, na tratativa relacionada hermenutica jurdica e sua

    37 LPEZ RODRIGUES, Carlos Eduardo. Introduo ao pensamento e obra jurdica de Karl Larenz.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 42.38 Jurista alemo, nasceu em 1903, sendo que aos 23 anos j era doutor em Direito. Durante toda sua

    carreira docente desenvolveu estudos direcionados aplicao e interpretao da lei, apresentando em1960 a sua Metodologia da cincia do Direito, obra magna de sua lavra em lngua portuguesa. Faleceu

    3617

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    circularidade, prope alguns termos que precisam ser entendidos para a compreenso de

    suas formulaes.

    Destaca-se o sentido literal possvel, que seria: [...] tudo aquilo que nos

    termos do uso lingstico que se considerar como determinante em concreto [...], pode

    ainda ser entendido como o que com esse termo se quer dizer39

    Assim, caberia ao interprete, mesmo quando perceber que a lei fez uso

    especial de determinados termos, enquadr-los em seu uso lingstico geral, pois

    interpretao se d somente no mbito do sentido literal possvel, fora desta moldura

    no interpretao e sim modificao do sentido, que s pode ser assumida pelo juiz

    sob pressupostos especiais, sendo desenvolvimento do Direito e no interpretao.

    Adere a necessidade de valorizar o aspecto temporal dos termos, ou seja,buscar entender o uso que o legislador original fez deles, sob pena de falsear a inteno

    do legislador. Ainda assim, cabe ao interprete identificar o sentido literal possvel, pois

    este seria o limite da interpretao.

    Lpez Rodrigues, em obra que apresenta o pensamento de Larenz, destaca

    que para o autor da Metodologia da cincia do direito dois seriam os caminhos

    possveis para se alcanar a compreenso: um irreflexivo, construdo pelo acesso

    imediato ao sentido da expresso; e outro reflexivo, desenvolvido pela interpretao.Interpretar, seria assim, uma atividade de mediao pela qual o intrprete compreende

    o sentido de um texto que se lhe deparar como problemtico. 40

    Outro critrio a ser valorada na interpretao seria o contexto significativo

    da lei, onde se determinaria a compreenso das frases, palavras e passagens do texto

    segundo o contexto, momento em que o crculo hermenutico se manifesta.

    Impende ao interprete confrontar o texto (ou frao de texto) ou normas

    analisadas com outros textos e/ou normas que se completam ou associam. Assim, natarefa interpretativa, o exegeta fortalece ou enfraquece sua proposta de interpretao

    quanto coteja tal resultado com outras normas, buscando a concordncia objetiva. Seria

    a prpria e verdadeira interpretao sistemtica41.

    Este critrio exigiria: ateno ao contexto; concordncia material das

    em Munique, no ano de 199339 LARENZ, Karl. Metodologia da cincia do direito. 3.ed. Traduo de Jos Lamego. Lisboa: FundaoCalouste Gulbenkian, 1997, p. 454).40

    LPEZ RODRIGUES, Op. cit. p. 42.41 LARENZ, Op. cit. p.457-458.

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    disposies; ordenao externa da lei e sistemtica conceitual da mesma.

    O movimento circular prtico proposto por Larenz, desafiador. O

    intrprete deveria: [...] em relao a cada palavra, tomar em perspectiva previamente o

    sentido da frase por ele esperado e o sentido do texto no seu conjunto; e a partir da,

    sempre que surjam dvidas, retroceder ao significado da palavra primeiramente aceite,

    retificando, indo e vindo no crculo, tantas vezes quantas fossem necessrias para

    alcanar uma concordncia sem falhas.42

    Assim, para Larenz, a processo de compreender, expresso por meio do

    crculo, no possibilitaria retornar ao ponto de partida, na medida em que, o movimento

    circular modificaria o resultado interpretativo se percebesse que havia desconexo entre

    a conjectura de sentido elaborada pelo intrprete e o significado ou sentido correto dotexto. 43

    E ainda, no caso de concordncia, entre a proposta interpretativa inicial e o

    sentido textual escorreito, a posio do interprete seria diversa da inicial, visto que,

    depois do movimento circular hermenutico, o que era suposio passou a ser certeza.

    Mesmo reconhecendo o papel da circularidade para a compreenso e

    interpretao do direito, Larenz no aceita que a pr-compreenso seja tida como um

    elemento metodolgico, mas somente como uma base provisria de todo o processocognitivo. Segundo Lpez Rodrigues para Larenz: Utiliz-la como chave normativa,

    ou seja, como medida para a valorizao da justia da soluo pr-escolhida, seria

    incompatvel com o vnculo legal e de Direito imposta ao juiz pela Constituio"44.

    Karl Larenz consegue trazer para o mbito jurdico a riqueza das

    formulaes heideggerianas e gadamerianas sobre hermenutica e principalmente sobre

    o crculo hermenutico, apesar de no aderir integralmente s formulaes da

    hermenutica filosfica.

    3.2 O SILOGISMO E O CRCULO HERMENTICO EM KARL ENGISCH

    Karl Engisch (1899- 1990), mais um jurista alemo que contribuiu

    afirmativamente para a cincia jurdica, trabalha o crculo hermenutico quando trata da

    42 LARENZ, Op.cit.. p.286.43

    Ibidem44 LPEZ RODRIGUES, Op. cit. p. 43)

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    questo silogstica da interpretao jurdica. Para o autor a designao da premissa

    maior, representada pela lei, no tarefa fcil e clara como se pode supor.

    Para Engisch [...] a premissa maior consiste em reconduzir a um todo

    unitrio os elementos ou partes de um pensamento jurdico-normativo completo que,

    por razes 'tcnicas', se encontram dispersas para no dizer violentamente

    separaradas.

    Assim, a tarefa do jurista, do interprete seria [...] reunir e conjugar pelo

    menos aquelas partes constitutivas do pensamento jurdico-normativo que so

    necessrias para a apreciao e deciso do caso concreto45

    A composio da premissa maior seria estruturada no apenas no texto da

    lei, mas sofreria uma extensividade que oferecesse toda a certeza soluo apresentadaao caso concreto.

    A proposta de Engisch da elaborao da premissa maior dentro do

    contexto, ou seja, uma interpretao que rena e conjugue as partes que integram o todo

    da norma jurdica.

    Citando Stammler46, para quem Quando se aplica um artigo do Cdigo,

    aplica todo o Cdigo, toma por exagerada tal proposio, contudo, reconhece que deve

    se buscar na interpretao a unidade da ordem jurdica, a qual no nosso contexto setraduz em que as premissas maiores jurdica tem de ser elaboradas a partir da

    considerao de todo o Cdigo, e, mais ainda, socorrendo-nos tambm de outros

    Cdigos ou lei.47

    Aqui se perceberia o crculo lgico ou hermenutico, entre a premissa maior

    e a situao da vida (premissa menor). Sendo que a premissa maior, precisa mover-se

    em busca de elementos sistemticos para se configurar escorreitamente. No seria,

    portanto, o silogismo clssico, aplicado ao direito, que configura a lei como premissamaior; o caso como premissa menor; e a sentena judicial como concluso.

    O valor das formulaes de Engisch para a hermenutica cidad e efetiva

    est em formular novas possibilidades de utilizao do silogismo na resoluo de casos

    concretos.

    45 ENGISCH, Karl.Introduo ao pensamento jurdico. Traduo de J. Baptista Machado. 8.ed. Lisboa:Calouste Gulbenkian, 2001, p. 116.46

    ApudENGISCH, Op. cit. p. 11847Ibidem

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    CONCLUSO:

    Aps a breve apresentao da hermenutica romntica de Schleiermacher,

    da hermenutica filosfica (existencial) de Heidegger, da hermenutica crtica de

    Gadamer, e das pontes para o mbito jurdico da Larenz e Engisch, constata-se que a

    grandeza da tarefa interpretativa requer muito mais que a simples subsuno da lei ao

    caso concreto.Da hermenutica jurdica contempornea se espera e se exige muito mais

    que outrora, frente ao atual estgio de conscientizao e busca de efetividade de

    direitos, mormente os fundamentais. A interpretao no pode/deve ser estaque ou

    recortada, em tiras48 (Eros Grau) e nem setorizada.

    No contexto do ps-positivismo, com o processo de constitucionalizao de

    direitos e de outros movimentos, a interpretao do Direito deve ser capaz de olhar para

    o todo e para as partes do todo, ao mesmo tempo e dialeticamente. O interprete dodireito hodierno tambm deve ser capaz de conhecer os fatos to bem como conhece as

    leis, mesmo que seja um conhecer ou compreender prvio (pr-compreenso) que ser a

    posteriori confirmado ou modificado pelo processo de compreenso propriamente dito.

    Aqui se percebe a importncia do crculo hermenutico.

    Herkenhoff, apropriando-se da hermenutica heideggeriana, afirma que uma

    revoluo se daria nos padres de justia se os magistrados deixassem de ler

    mecanicamente as peties, e passassem a buscar o ser que lhe fala e o mundo apartir do que as partes lhe falam49

    Jose Afonso da Silva50 reconhece que: Para chegar ao sentido, o intrprete

    48 GRAU, Eros. Roberto.Ensaio e discurso sobre a interpretao / aplicao do direito. 4.ed. So Paulo:Malheiros, p. 44.49 HERKENHOFF, Introduo ao direito: abertura para o mundo do direito, sntese de princpiosfundamentais. Rio de Janeiro: Thex, 2006, p. 321.50 SILVA, Jos Afonso da. Interpretao da Constituio. So Paulo: 2005. Disponvel em:. Acesso em: 25 de maio

    de 2007.

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    tem que compreender o texto; tem que penetrar no horizonte do seu significado para

    tanto necessita adentrar no crculo mgico, ou crculo hermenutico, que torna

    acessvel a imerso do sentido do texto.

    A circularidade hermenutica proporcionaria esse movimento dialtico:

    parte-se de uma compreenso parcial (pr-compreenso) do intrprete, que se

    aprofunda, decifra, desconstri, reintegra, restitui e apresenta como resultado a

    interpretao.

    A possibilidade de idas e vindas ao e no texto normativo, onde podem ser

    confrontados: texto e contexto; princpios, regras e normas; fatos e leis; real e ideal;

    normas infraconstitucionais e Constituio; etc., no em movimento circular

    propriamente dito (pois pode tornar-se vicioso), mas sim espiral, ou seja, empossibilidade de constante mutao/evoluo, oferece maior grau de certeza e

    confiabilidade ao resultado ou resultados da tarefa interpretativa.

    Nesse grau de certeza e confiabilidade destaca-se a grande contribuio do

    presente tema para a efetividade do direito.

    O crculo hermenutico, por outro lado, acaba com a iluso da total

    imparcialidade do julgador. O que julga e interpreta pode e deve ter pr-compreenso

    sobre as leis e os fatos que precisar interpretar e aplicar para que seja capaz de avaliar,analisar e julgar as demandas oriundas de litgios que lhes chegam s mos.

    Contudo, a circularidade hermenutica visa impedir que a pr-compreenso

    ou os pr-conceitos sejam empedernidos ou grafados com inquestionabilidades. Pelo

    contrrio, o crculo hermenutico requer o questionamento, a confirmao, a

    comprovao de que a escolha inicial a correta compreenso do sentido e alcance do

    Direito ao caso concreto.

    Streck afirma que sem pr-compreenso o jurista-intrprete reproduzsentido inautntico, dogmatizado e inefetivo aos dispositivos constitucionais51. Tal

    postura afeta, indiscutivelmente, a cidadania e a efetividade de todos os direitos.

    O intento do presente trabalho foi despertar o interesse na busca de novas

    formas de compreender, interpretar e aplicar o(s) direito(s), garantindo assim padro

    otimizado de cidadania, e apresentando como meio eficaz para tal desiderato o crculo

    hermenutico.

    51 STRECK Op. cit. p. 285.

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