Artigo improvisação

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CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA PAULA SOUZA ETEC DE ARTES ANA LUIZA M. FIGUEIREDO ANA PAULA RODRIGUES HARRISON RODRIGUES JÚLIA MATIAS SILVA JULIANA SCHNEIDER STEFANIE BERTHOLINI DANÇA/IMPROVISAÇÃO, DANÇA/JOGO: Análise do espetáculo “Não Aperte o Botão” Orientadora: Peticia Carvalho SÃO PAULO 2013

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Page 1: Artigo improvisação

CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – PAULA SOUZA

ETEC DE ARTES

ANA LUIZA M. FIGUEIREDO

ANA PAULA RODRIGUES

HARRISON RODRIGUES

JÚLIA MATIAS SILVA

JULIANA SCHNEIDER

STEFANIE BERTHOLINI

DANÇA/IMPROVISAÇÃO, DANÇA/JOGO:

Análise do espetáculo “Não Aperte o Botão”

Orientadora: Peticia Carvalho

SÃO PAULO

2013

Page 2: Artigo improvisação

2

Ana Luiza M. Figueiredo

Ana Paula Rodrigues

Harrison Rodrigues

Júlia Matias Silva

Juliana Schneider

Stefanie Bertholini

Orientadora: Peticia Carvalho

Page 3: Artigo improvisação

3

RESUMO

Propõe-se no presente artigo analisar os aspectos da improvisação-jogo-dança presente

no espetáculo “Não aperte o botão” da turma 3A Dança do primeiro semestre de 2013

da ETEC de Artes. Apresentou-se necessária a consideração da vivência prática do

processo do espetáculo. O estudo embasa-se primariamente no livro “Homo Ludens” do

filósofo Johan Huizinga (2012) e em outros intelectuais dos quais a coerência da leitura

foi colocado em discussão no âmbito prático, ou seja, questionava-se e analisava-se não

só ‘intelectualmente’ mas ‘corporalmente’. Nestes questionamentos constatou-se uma

interligação entre os aspectos abordados (Individualidade; Consciente e Inconsciente;

Relação durante o improvisar; Improvisação e Jogo) onde o quesito principal para o

improviso-jogo-dança é o estar no momento presente e presente em si próprio.

PALAVRAS-CHAVE: Jogo; Improviso; Relação; Individualidade; Dança.

INTRODUÇÃO

O artigo apresentado relatará aspectos da criação e da vivência focando no improviso-

jogo-dança do espetáculo “Não aperte o botão”, da turma 3AD do primeiro semestre de

2013 da ETEC de Artes, permeando caminhos práticos e teóricos, que inseparáveis se

embasam em teóricos da dança, filosofia e teatro. Neste caminho se desenvolveram

reflexões sobre: a individualidade dos sujeitos; o consciente e o inconsciente do sujeito

e sobre as relações no momento do improviso. Busca-se relacionar, a partir das

analogias feitas pelo sujeito, como a dança se dá no jogo e como o jogo se dá na dança

no momento da improvisação. O artigo se dá a partir de duas colunas, nestas,

apresentamos visões que se encontram, falando de experiências e pensamentos

desenvolvidos durante o estudo. Em uma coluna falamos sobre nossa vivência e o que

ela traz e transforma, na outra generalizamos essas experiências de improviso-jogo-

dança.

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4

INDIVIDUALIDADE

(Lepeti)

Segundo Gaiarsa1 (1986) a divisão entre

corpo e alma não existe. Sentimos,

pensamos, agimos e nos emocionamos

sendo um corpo. Não flutuante, este

corpo completo está inserido num

contexto sociocultural onde não é

passivo, estabelecendo relações e

modificações a seu ambiente. Esses

aspectos nos interessam, assim como

para Ostrower2 (1978), no sentido de

que “(...) a cultura serve de referência a

tudo que o indivíduo é, faz, comunica, à

elaboração de novas atitudes e novos

comportamentos e, naturalmente, a toda

possível criação”. Se nossos corpos

somos nós (que por si só já nos dá a

dimensão de individualidade física –

referente à aparência e a estrutura – e

psíquica-emocional) e se a cultura e

ambientação nos afetam de formas

diferentes (de acordo com o modo

1 José A. Gaiarsa (1920-2012) foi formado em medicina pela USP com especialização em psiquiatria. Possui mais de 35 livros publicados. Suas produções na área da psicoterapia desenvolvem-se principalmente em temas sobre família, sexualidade e relacionamentos amorosos. 2 Fayga Ostrower (1920-2001) foi artista

plástica, professora e teórica polonesa. Foi presidente da Associação Brasileira de Artes Plásticas entre 1963 e 1966. De 1978 a 1982, presidiu a comissão brasileira da International Society of Education through Art (traduzido livremente como Sociedade Internacional de Educação pela Arte), INSEA, da UNESO.

INDIVIDUALIDADE

(Lecolá)

Numa sala com dezenove indivíduos,

possuímos dezenove trajetórias de vida,

de corpo, diferentes. Cada um mora em

um bairro e se relaciona com esse bairro

de uma maneira. Cada um tem uma

relação e envolvimento familiar único.

Cada um tem uma formação acadêmica

distinta. Além de aspectos externos,

somam-se a eles as particularidades

natas (porém alteráveis) do individuo:

psicoemocional e físico estrutural.

“O corpo faz parte e é elemento

primeiro para a realização das

possibilidades de conhecimento,

percepção, interação e até mesmo de

transformação dos brinquedos, jogos e

brincadeiras que fazem parte de nossas

vivências culturais lúdicas”

(MARQUES, Ano:154). Sendo o corpo

o agente das atividades e cada corpo

sendo único, podemos dizer que o

espetáculo “Não Aperte o Botão” possui

dezenove caminhos de improvisar

diferentes, mesmo que contendo igual

direcionamento. Como veremos mais a

frente, esse direcionamento não nos

padroniza (página 14). O grupo como

um todo (consequentemente o

espetáculo) possui características

agregadas dos dezenove membros, que

emergem nos próprio de compreensão e

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5

de estabelecimento de relações)

podemos concluir que cada corpo cria,

estabelece relação com um objeto

artístico, dança, improvisa e joga de

forma única.

Nossos corpos, isso sim,

atuam de formas diferentes

diante de brinquedos, jogos

e brincadeiras por serem

únicos, diferentes entre si.

Cada corpo estabelece e

cria relações diferentes e

diferenciadas diante dos

mesmos brinquedos, jogos

e brincadeiras. Isso se dá

basicamente pelo fato de

não ‘termos’, mas sim de

‘sermos’ um corpo, pelo

fato de sermos nossos

corpos. Nossos corpos são

o que somos. Somos o que

nossos corpos são.

MARQUES, Ano:155.

Nessa abordagem, o corpo não é meio,

canal ou instrumento, mas sim protagonista

dos jogos e brincadeiras. Aquilo que

sabemos, conhecemos, sentimos,

entendemos, construímos em nossos corpos

nos leva a estabelecer ou não múltiplas

relações com os espaços e vivências lúdicas

existentes em nossa sociedade.

jogos/danças. Essas características junto

com o modo de relacionar do grupo

formam a individualidade do grupo

(essência).

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6

CONSCIENTE / INCONSCIENTE

(“Quem bebeu morreu”)

“O ato criador abrange,

portanto, a capacidade de

compreender; e esta por sua

vez, a de relacionar,

ordenar, configurar,

significar.”

(OSTROWER, 1978:9)

O sujeito torna-se consciente em sua

existência e atuação devido a sua

cultura que, segundo Ostrower (1978)

“orienta o ser sensível ao mesmo tempo

em que orienta o ser consciente”.

Nomeamos ser sensível quando o

sujeito é reconhecido por sua percepção

e não por sensibilidade no sentido literal

da palavra. O sujeito consciente é

aquele que produz um ato

intencionalmente, ou seja, tem

autoridade de si e de sua criação (não

necessariamente no ato da dança).

“Os valores culturais

vigentes constituem o clima

mental para o seu agir.

Criam referências,

discriminam as propostas,

pois [...] neles se elaboram

possibilidades culturais.

Representando a

individualidade subjetiva de

cada um, a consciência

CONSCIENTE / INCONSCIENTE

(“O culpado não fui eu” )

Consideramos aqui, em primeira

instância, as atitudes conscientes no

espetáculo, os direcionamentos das

cenas. Considera-se o processo de

relacionar-se e de disponibilizar-se

como ações conscientes. Os intérpretes

já sabem o roteiro de jogos do

espetáculo e suas propostas, a prática do

ensaio nos torna mais conscientes na

atuação e nos modos com que

estabelecemos relações.

“Na improvisação

considera-se a estrutura, a

ordem, o espaço, o tempo,

os materiais, o ‘tom’, e

deve-se praticar

diariamente para tomar as

decisões de modo rápido,

consciente e controlado.”

(KRISCHIKE e SOUZA,

2004:17)

O inconsciente age no caminho e

velocidade de organização de

informações (no cérebro) e na

racionalização de percepções e

sensações com embasamento

(inevitável) em julgamentos

socioculturais. Também são parte do

inconsciente os vícios posturais e as

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7

representa a sua cultura.”

(Ostrower, 1978:página)

A criatividade do indivíduo se dá a

partir de sua individualidade, como

vimos anteriormente (página 4) e esta

individualidade se qualifica a partir da

própria sensibilidade do ser, orientada

de cultura. Portanto, entendemos que o

improviso está diretamente ligado á

criatividade e consequentemente a todos

os aspectos citados, além de, se tornar a

própria sensibilidade do sujeito naquele

momento, já que no sensível podemos

destacar o consciente e o inconsciente,

como fatores essenciais no improviso.

Uma vez que acreditamos que o

improviso “é um processo complexo de

resposta aos impulsos provenientes dos

estímulos criativos” e tratamos

‘estímulos criativos’ como parte de

nosso interior e exterior que se referem,

respectivamente, ao consciente e ao

inconsciente.

estéticas anteriormente trabalhadas em

cada corpo. Ressaltamos novamente a

pluralidade da sala. Procurando uma

mobilidade consciente e inconsciente,

percebermo-nos, e nos percebemos em

relação ao outro, ao ambiente, perceber

o que é intrínseco à nossos movimentos

e como isso pode acrescentar ao

espetáculo e ao momento de

jogo/improvisação, à movimentação do

outro.

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8

RELAÇÃO DURANTE O

IMPROVISAR

(Impar)

A relação no momento da

improvisação/jogo é construída de

diversas situações e fatores que atua e

modifica o bailarino na cena. Essas que

podem ser: a divisão espaço e tempo, os

participantes, objetos, sonoridades etc.

Habita na órbita da Ação Cultural3

(SCHMIDT, 2011), na qual o bailarino

é influenciado por tudo o que viveu/ é/

está vivendo naquele momento,

interferindo diretamente ou

indiretamente no seu processo de

relacionamento.

O ser humano possui um corpo que é

presente no espaço e que detém um

centro, esse mesmo corpo vive em uma

esfera por Rudof Laban(1879-1958)

chamado de cinesfera4 (LOBO e

NAVAS:2003). Esse detém limites, que

são definidos pelo alcance dos

membros, em sua amplitude e diversas

3 Ação Cultural segundo Suzana Schmidt é

qualquer ação, no campo da cultura, capaz de suspender e alterar o fluxo cotidiano dos hábitos e valores dos requerimentos e da indústria cultural, permitindo que linhas de fuga criem novos comandos, novas possibilidades de viver, de sentir e de habitar melhor o mundo. 4 cinesfera segundo Rudof Laban é a esfera

espacial à volta do corpo, onde acontece o movimento.

RELAÇÃO DURANTE O

IMPROVISAR

(Par)

Durante o processo de criação

vivenciamos jogos-brincadeiras que

estimularam nosso espírito de jogo

(jogos da tribo indígena Kalapalo, jogos

teatrais, brincadeiras infantis, jogos

corporais, jogos de tabuleiro etc.),

assistimos um documentário sobre o

primeiro Video Game (disponível em:

www.youtube.com) e paralelamente

líamos o livro “Homo Ludens” de

Huizinga. A partir da presença e

sensações estabelecidas por eles foram

criados os jogos/cenas. Durante os jogos

buscamos, por meio das

regras/direcionamentos, estabelecer

relações com o que acontece e com

quem o faz acontecer.

Segundo Huizinga (2010) todo

jogo possui regras, os jogos em nosso

espetáculo por sua vez também

possuem regras, essas que quando

quebradas ocasionam o rompimento

com o lúdico. Ele prossegue: “O

jogador que desrespeita ou ignora as

regras é um “desmancha-prazeres”.

Este, porém, difere do jogador

desonesto, do batoteiro, já que o ultimo

finge jogar seriamente o jogo e aparenta

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direções. A cinesfera não pode ser

tirada do homem, ele é a cinesfera. É

como se fosse uma redoma que está

sempre presente onde quer que ele

esteja ou vá. Seus movimentos são

definidos de forma individual,

implicados por estímulos internos sua

disposição procede no espaço externo.

O bailarino em toda sua

amplitude ou estreiteza dispõe de um

corpo com membros, articulações,

músculos etc. Este não é restringido em

seus movimentos pela limitação de seu

corpo, ele é capaz de projetar

movimentos no espaço, Gil5 diz que

“Há um infinito próprio do gesto

dançado que só o espaço do corpo pode

engendrar.” (2004:53). O movimento

do corpo se faz como uso externo,

aquilo que é possível de vermos a olho

nu, o ato; seja ele do bailarino criador

do movimento no espaço, suas relações

interpessoais e o ambiente em um todo

(giros, saltos, troca de toques,

iluminação, objetos etc.). Existem os

estímulos internos, que permeiam o lado

subjetivo e o interior do corpo humano:

como o olhar, sensações, neurônios

(LAKOFF & JOHNSON:1999). Gaiarsa

prossegue: “Nossa incrível capacidade

de movimento é dirigida, de regra, pelos

5 José Gil (Muecate, 1939) é professor

universitário português, filósofo, ensaísta e ficcionista.

reconhecer o circulo mágico.”

(2012:14). Portanto, as regras precisam

estar evidentes para os jogadores e o

público, pois, o rompimento pode

ocasionar confusão.

A relação no momento da

improvisação pode definir muitas

coisas, se não estivermos atentos e

prontos para o jogo, podemos deixar a

cena morrer ou até mesmo quebrar

regras do jogo. Como no jogo das

bolinhas coloridas, se não estivermos

atentos com a sequência e tempo das

bolinhas, desmanchamos a

cena/brincadeira; no momento em que

corremos pelo espaço a procura de uma

nova posição é preciso uma atenção a

cinesfera, tanto particular quanto a do

outro jogador, pois podemos invadir a

outra cinesfera e não acabarmos com a

beleza estética do jogo, porém pode-se

também invadir a cinesfera do outro

jogador de forma que o impossibilite de

cumprir a sequência de movimentos

estabelecida no jogo.

O respeito ao espaço (interno e

externo) é de extrema importância para

o jogo/cena. É importante se adaptar as

novas situações que podem ocorrer nas

apresentações; por exemplo, no jogo das

bolinhas de gude, no qual é preciso estar

atento a si e ao outro, pois ao mesmo

tempo em que estamos

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nossos olhos. Vendo o mundo, as

pessoas e os objetos, são eles que vão

nos mostrando o caminho e as ações

que vão se fazendo necessárias,

convenientes ou oportunas”.(1994:65)

A cinesfera ao interagir com

outras cinesferas se modifica num

processo mutante no qual o espaço e

tempo se transformam continuamente; o

ambiente social interfere de forma a ser

um propagador de mudança na

qualidade desse fenômeno, numa

transição entre o macro e o micro de

forma a modificar a cinestesis do

interprete e do observador. Exemplo: no

palco, quanto mais bailarinos menor o

espaço, as cinesferas são reduzidas ou

invadidas.

A capacidade de

elasticidade da cinesfera permite

ao agente

interagir com o espaço e outras

cinesferas. Por

exemplo, a

cinesfera encolhe-se no espaço

público do

elevador, cheio de gente, garantindo

o movimento e

expande-se numa praia deserta ou

rua com pouca

gente em volta.

(SERRA, apud RENGEL,

2005:33)

dançando/jogando temos que estar á

espera da possibilidade do público

participar apertando o botão a qualquer

momento, assim modificando a cena.

A plateia é a quinta

musculatura do ator. É

comum ver atores em

cena ‘fazendo força’ para

prender a atenção, na

ilusão de que a plateia é

algo fora dele. [...] A 5ª

musculatura fala de

sincronia, comunicação,

do outro, aquilo que está

fora de nós, mas passa a

ser um desmembramento

nosso quando existe o elo

da comunicação. [...] O

chão que pisamos é nossa

quinta musculatura,

assim como a roupa que

vestimos. Outra pessoa

passa a ser parte de nós

quando existe uma troca

entre dois ‘Eus’ que se

afinam e reconhecem no

outro os mesmos

sentimentos que existem

no próprio ‘Eu’.

(PIA,1992:17)

O jogo depende da presença verdadeira

do jogador/bailarino para constituir as

relações interpessoais e intrapessoais.

Viola Spolin diz: “O próprio ato de

procurar o momento, de estar aberto aos

parceiros de jogo, produz uma força de

vida, um fluxo, uma regeneração para

todos os participantes.” (2010, 17).

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Porém as relações a serem estabelecidas

em cena

Segundo Barrow6 (1952) o espaço e o

tempo não são conceitos distintos, na

verdade é um bloco, que ele nomeia

espaço-tempo. Esse pode ser divido em

infinitas maneiras diferentes, na qual

cada divisão é distinta e cada

interpretação de um singular desse

detém um olhar diferente dos

interpretes, esses que já obtém sua

individualidade. Esta qualidade do

bloco espaço-tempo pressupõe que o

futuro já está aí. Isto é, esse evento na

dança propõe um conhecimento

diferenciado por cada sujeito; e que vive

“à espera” em seu jogo, não pelo futuro

distante, mas por esse que “já está aí”.

“Estar à espera é permitir que o

desconhecido – o novo, o inesperado,

talvez o momento de arte (vida) se

aproxime.”, diz Spolin7 (2010:18) ao

referir-se ao jogo e o papel cabível de

presença ao jogador. Quando estamos

em estado de jogo não devemos

“esperar por” que é diferente de “estar à

espera”, pois a cena morre/para e já não

6 John David Barrow (1952) é um Inglês

cosmólogo , teórico físico e matemático . Atualmente é Professor de Pesquisa de Ciências Matemáticas na Universidade de Cambridge . 7 Viola Spolin (1906-1994) foi autora e diretora de teatro. Sistematizou os Jogos Teatrais (Theater Games), metodologia de atuação e conhecimento da prática teatral...

se tem o estado de

prazer/competição/conquista.

não se sustentam apenas nas relações

dos dançarinos. Em nosso espetáculo

procuramos evidenciar o papel do

público como público-participante, já

que ele pode acrescentar

jogos/interações a qualquer momento e

consequentemente pausar a

apresentação criando assim, uma nova

cena (a de interação com o público).

A atenção com o tempo do

outro, seu tempo interno e externo

trazem uma sensibilidade ao que está

acontecendo e ao que vai acontecer,

sendo assim uma união de fluxos e

conexões estabelecidas naquele instante,

que fazem a cena única, onde se

aprende a lidar com o inesperado,

adaptando-se as possíveis situações de

superação e cooperação.

A essência do jogo consiste

em relacionar-se com o

outro, testando as próprias

competências, numa

interação em que se

aprende a lida com as

relações de competição e

cooperação, e a incluir

diferentes pontos de vista

referentes a uma mesma

realidade. (KLISUS,

2012:26)

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Assis8 e Correia

9 dizem que “O lúdico

é capaz de infiltrar-se em vários espaços

e transformá-los profundamente,

impregnando-os com suas fantasias.”

(2006:123), isso é, o espaço interno e

externo do jogador é modificado

conforme joga. O indivíduo em sua

improvisação utiliza-se do lúdico, trata-

se da vontade de cada um, é uma

vivência individual que habita a camada

do imaginário, que pode, e acontece, de

ter interpretações e imagens diferentes

no momento do jogo.

Para que as relações na

improvisação/jogo/dança/brincadeira

sejam bem sucedidas é necessário um

atentamento para o ambiente e para si

mesmo, se disponibilizar, se desprender

de valores anteriores e se ligar ao

momento. Permitir relacionar-se.

“A experiência, a

possibilidade de que algo nos

aconteça ou nos

toque, requer um gesto de

interrupção, um

gesto que é quase

impossível nos tempos que

correm: requer

8 Dra. Monique Assis Docente do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), é Doutora em Educação Física. 9 Ms. Adriana M. Correia Docente da Unisuam e

Universidade Gama Filho (UGF).

Page 13: Artigo improvisação

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parar para pensar,

parar para olhar,

parar para escutar, pensar mais

devagar, olhar

mais devagar, e escutar mais

devagar; parar

para sentir, sentir

mais devagar, demorar-se nos

detalhes,

suspender a opinião,

suspender o juízo,

suspender a vontade,

suspender o

automatismo da

ação, cultivar a atenção e a

delicadeza, abrir

os olhos e os ouvidos, falar

sobre o que nos

acontece,

aprender a lentidão, escutar

aos outros,

cultivar a arte do encontro, calar

muito, ter

paciência e dar-se tempo e espaço.“

(BONDIA,,2002:

24)

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IMPROVISAÇÃO E JOGO

(Mão no Azul)

Segundo o dicionário Houaiss da

língua portuguesa publicado pela

editora Moderna, 2008, Improvisação é

tida com diversas definições, entre elas:

“Improvisar às presas; compor sem

prévio preparo; desempenhar papel ou

função para que não se está habituado;

oposto ao planejado.” (p.411)

Em dança, tratando

especificamente de improviso de

movimentos, algumas dessas definições

não se aplicam. Até mesmo nas

improvisações sem acordo prévio existe

um preparo específico, seja corporal,

mental ou estético (GUERRERO,

2007). Sem exatidão de sequências e

caminhos, mas sempre rondada de um

preparo.

Ao tratar-se da improvisação com

acordos prévios, é realizada,

antecipadamente, uma organização que

direciona o improviso para o

desenvolvimento da cena. Não é

necessariamente feito às pressas, no

sentido rápido da palavra, mas sim,

pensado às pressas, no sentido rápido

das percepções corporais, seja de

tempo, espaço, peso ou fluência, pois o

improviso é feito no instante agora e

nele encerra-se.

IMPROVISAÇÃO E JOGO

(Pé no Vermelho)

Votação, escolha de tema:

“Homo Ludens: o jogo como elemento

da cultura”, dança e jogo, improviso,

experimentações.

De início, a dança/jogo de todos

os bailarinos não estava sendo

claramente utilizada, se aproximando da

representação ensaiada, sem

expectativas ou espaços de

improvisação. Apresentavam falta de

esclarecimentos das regras e objetivo da

cena. Aproximava-se facilmente da

interpretação de uma brincadeira, sem o

desejo de jogar, de competir.

Só foram constatadas tais falhas

após apresentar para um pequeno

público, juntamente com a banca

examinadora.

“... No jogo existe alguma

coisa ‘em jogo’ que

transcende as necessidades

imediatas da vida e confere

um sentido à ação. Todo

jogo significa alguma coisa.

Não se explica nada

chamando ‘instinto’ ao

princípio ativo que constitui

a essência do jogo; chamar-

lhe ‘espírito’ ou ‘vontade’

seria dizer demasiado”.

(HUIZINGA, 03; 2012)

Page 15: Artigo improvisação

15

“Improvisação ‘é uma palavra

escorregadia’, muito genérica, exigindo um

trabalho, classificação e detalhamento.

Classificações auxiliam nas observações,

análises e entendimentos, pois cada decisão,

recorte ou interesse direcionam para alguns

modos de uso, delimitados pelas restrições

implicadas em suas propostas e

desenvolvimentos”. (GUERERO, 1; 2007)

A improvisação com acordos se

aproxima relevantemente das

características descritos por Huizinga,

em Homo Ludens, pois tanto o

improviso quanto o jogo:

1. São livres, dentro do

improviso são

inúmeras as

possibilidades de

experimentação, seja

de ideia ou de

movimento.

São diferentes da vida real, vida

corrente, uma evasão para uma esfera

temporária de atividade com orientação

própria. Na vivência do improviso, o

bailarino estabelece uma relação

apurada com ele mesmo, sua estrutura

corporal, seus limites, sensações e até

mesmo com outro bailarino. A

criatividade ganha vida, levando o

dançante

A sensação interna de cada

bailarino era de falta de diversão,

empolgação e vontade de jogo.

Na busca desse espírito do jogo,

a orientadora de TCC, Peticia Carvalho,

propôs uma coleta de brincadeiras e

jogos com os alunos trazendo jogos de

sua escolha, que gostavam e/ou ainda

gostem de jogar desde a infância até a

atualidade.

Todos os intérpretes jogaram

desde jogos de tabuleiros, pega-pega,

corrida até jogos de uma tribo indígena,

Kapalo.

Após várias semanas brincando,

surgiu um relato que transformou o

processo. Através da descrição de um

vídeo, visto por Adriana Bandão (uma

das bailarinas), onde uma pessoa,

cidadão do dia-a-dia, passa em uma

praça pública comum, na qual se

encontrava um botão e uma placa, na

placa continha a seguinte mensagem

“Não aperte o botão!”, a pessoa, no ato

de sua curiosidade, aperta o botão. No

mesmo momento o botão aciona um

alarme e faz com que todas as pessoas

da praça gritem e caiam no chão. A

pessoa que acabara de apertar o botão

fica perplexa.

Esta cena faz parte de uma

vídeo-pegadinha, como aquelas

que são vistas em programas de

auditório, no

Page 16: Artigo improvisação

16

do concreto até o mundo

imaginário, no qual as sensações

são transmitidas partindo de

imagens do presente ou

memórias do passado, até

mesmo desenhar no ar, como é

vista nas características do

método desenvolvido por

William Forsythe.

2. São capazes de

absorver inteiramente

o jogador, "vividos

até ao fim" dentro de

certos limites de

tempo e de espaço.

Limitação,

isolamento, regras.

Todo improviso deve

possuir regras, seja

de direcionamento,

seja pelo tempo,

espaço, caminho. As

regras não são

opostas à

flexibilidade, pois

ambas caminham

juntas, com certa

fluidez que depende

da atmosfera de cada

intérprete.

“Existem muitas maneiras e formas

do improvisar. Alguns acreditam que é

fazer qualquer coisa ou se 'virar'. Que tudo

caso desta, foi elaborada por uma

emissora de TV americana.

Ao refletir sobre a semelhança

entre botão e jogo, a turma pensou em

vários jogos como: videogame, futebol

de botão e até o botão de rosa e de

roupa foi citado, mesmo não fazendo

parte de palavras que remetiam a jogo.

Partindo da ideia

de videogame, foi pesquisado sobre sua

origem e descoberto que ele foi

desenvolvido a partir de um instrumento

científico de guerra10

, o que relaciona

facilmente sua história ao jogo-batalha.

Apertar botões ganhou outro

sentido. Aperte e comece a brincadeira,

pois será adicionada a diversão imediata

de um jogo-dança ou uma dança-jogo.

Saltar, dançar, despertar, olhar, seguir,

disputar, correr, gritar, soltar, ganhar,

mexer, remexer, chamar, girar, rolar,

articular, contar, tocar, passar, cair,

desviar, lembrar, repetir... Brincar.

Estas são algumas das ações que no

decorrer do espetáculo “Não aperte o

botão” são improviso-jogadas de acordo

10 No vídeo científico, “A Era do Vídeo Game”,

transmitido pelo canal Discovery Channel,

mostrava que a Guerra Fria evoluía rapidamente

entre os superpoderes dos Estados Unidos e da União Soviética, onde a tecnologia era utilizada

para criar simulações de mísseis e prever os

resultados de uma guerra nuclear. Essa mesma

tecnologia da computação foi utilizada para

desenvolver o primeiro jogo de computador em

1958. Steve Russell, Nolan Bushnell, Ralph

Baer e Toru Iwatani são alguns dos principais

nomes da história dos videogames apresentados

no vídeo.

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17

pode ou tudo é possível, que é uma imensa

liberdade sem bordas, mas aquilo que não

tem limites não se contém, escoa, perde-

se”. (QUITO, 2012).

3. Possuem um caminho

e um sentido

próprios. As

possibilidades dentro

da regra são infinitas

e com ela a

objetividade fica

esclarecida, existe

uma borda em torno

do improviso vivido

e apresentado. Todo

jogo tem suas regras.

Todo Improviso tem

suas regras. Ao ter

regra cria-se a ordem.

Não regra imposta,

mas sim aquelas que

seguem de guias, que

norteiam o convívio

(social). Sem regra, o

caos se instala com

facilidade, assim

como a comodidade,

sem jogo, sem vida.

com certas regras, seja para acabar em

determinado número ou até mesmo

ressignificar movimentos através de

bolinhas de gude.

No decorrer dos ensaios,

percebeu-se que a cena das bolinhas de

gude é a que contém maior

características de improviso e jogo em

todos os seus aspectos. Nela deve

sempre conter uma ligação ente os

intérpretes, podendo “copiar”,

transformar e experimentar o

movimento do outro, brincar com o som

das bolinhas de gude, jogando-as e

pegando antes que escapem para plateia.

Essa interação resultará em

movimentos que poderão ser dançados e

ressignificados pelos intérpretes, dentre

eles as ações de rolar, girar, realizar

gestos ondulados etc.; preparando-os e

ampliando sua relação criativa com o

mundo, contribuindo para o

desenvolvimento da percepção da

potencialidade de cada um, tanto na

dança, quanto na vida.

Jogo sempre supõe

escolhas. É um espaço por

excelência de tomada de

decisões: Se

movimentamos tal ou qual

peça, se damos um lance

aqui ou ali, se passamos a

vez ou encaramos a partida

com as cartas que temos na

mão. (KLISYS, 26; 2010).

Page 18: Artigo improvisação

18

Em Homo Ludens (2012) é possível

notar que o jogo desempenha um grande

papel na amplitude da cultura. É no jogo

que a civilização surge e se desenvolve,

sendo um fenômeno cultural que

antecede a própria cultura, possuindo

uma realidade autônoma. Sua essência é

feita de um elemento não material, esta

essência pode ser tida como “espírito”

ou “vontade”, espírito de jogo.

O jogar é tão amplo que

ultrapassa o lógico, passando pelas

criança e adulto até chegar aos animais;

se notarmos, eles também brincam,

fazendo parte deste fenômeno. O jogo e

a brincadeira em sua plenitude

transcendem o racional, pois o jogo é

irracional (HUIZINGA, 2012). A

brincadeira é a base da pesquisa, do

criar. Tratando-se especificamente de

improviso, a regra, assim como no jogo,

é o agente que ordena. Até mesmo

quando brincamos de “faz de conta”

existe regra, pois, se sou um peixe eu

jamais vou me comportar como um

policial, a regra é sub-feita através do

consciente e inconsciente da criança ou

adulto.

Quando os adultos se dispõem a

entrar no mundo da brincadeira é

estabelecido um estado de liberdade,

fora do cotidiano, opondo-se facilmente

Durante o instante da cena, o intérprete

não deve estar inteiramente só, senão o

grupo se transformará em solos

distintos, perdendo sua relação com a

cena.

Sem a escuta, tanto o produto

quanto o processo, sofrem falhas em seu

desenrolar e na sua fluência. Podendo se

tornar somente um jogo individual, não

sendo esteticamente um corpo que

dança em um espetáculo de dança-jogo,

como ocorria no início do processo.

Para que a improvisação-jogo seja

possível, é preciso uma disposição ao

lúdico, um bocado de imaginação, pois

sem ela a brincadeira não acontece

plenamente. É preciso mergulhar neste

mundo onde um pedaço de pano se

transforma em uma capa de

invisibilidade, em um vestido ou até

mesmo em uma cabana.

O improviso exige uma

dedicação de atenções, escuta. Escutar é

ter sempre no corpo um mapa, um mapa

das percepções, explorando o

movimento com um foco centralizado e

integrando a vivência de cada um no

instante do espetáculo.

Page 19: Artigo improvisação

19

a ideia de seriedade, entrando em um

lugar onde não existe separação de

quem é criança e quem é adulto. O

importante é ser super-herói, mago,

rainha, bruxa e até monstro. A criança

no ato do brincar cria, para si, um

mundo que se difere do mundo adulto.

“A criança vive o poder

mágico das imagens. Quem

precisa estetizar o mundo

somos nós, que decaímos

desse poder mágico das

imagens. Porque se a gente

conta uma história de terror

para uma criança, o medo

que ela vive é real. Nós

podemos até acordar esse

medo em nós com uma

história bem contada, mas o

que a criança experimenta é

inteiro. Por isso, ela vive o

poder mágico das imagens,

ela não decaiu. Quando a

gente decai [...], a gente

precisa da poesia, a gente

precisa da filosofia, a gente

precisa da arte para que a

gente possa restaurar essa

magia da imagem em nosso

ser. Imagem como algo

dinâmico e não fixo”.

(PIORSKKY, 4; 2012)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perante as análises feitas percebe-se que todos os aspectos abordados se ligam. Afinal, a

individualidade esta intrínseca no inconsciente e no consciente, que por sua vez dão

dimensão para o estabelecimento de relações que é balanceada por influências internas e

externas e todas as influências estimulam o ato de improvisar. No espetáculo “Não

aperte o botão” trata-se do jogo como uma dança-improviso que mobiliza não só o

sujeito dançante como àqueles que assistem e participam (estando na ação de cena ou

não). Foi ressaltado aqui que as regras dos jogos/improvisações não fecham nenhum

aspecto analisado. Pois como sentiu-se na prática, as regras direcionavam a ação, ou

seja, focava em uma abordagem específica para que a partir dela nos desenvolvêssemos

amplamente.

Reitera-se que o estudo não é suficiente para analisar todos os aspectos presentes na

improvisação-jogo-dança do espetáculo, principalmente quanto aos aspectos individuais

de cada interprete.

Page 21: Artigo improvisação

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