Artigo improvisação
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Transcript of Artigo improvisação
CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – PAULA SOUZA
ETEC DE ARTES
ANA LUIZA M. FIGUEIREDO
ANA PAULA RODRIGUES
HARRISON RODRIGUES
JÚLIA MATIAS SILVA
JULIANA SCHNEIDER
STEFANIE BERTHOLINI
DANÇA/IMPROVISAÇÃO, DANÇA/JOGO:
Análise do espetáculo “Não Aperte o Botão”
Orientadora: Peticia Carvalho
SÃO PAULO
2013
2
Ana Luiza M. Figueiredo
Ana Paula Rodrigues
Harrison Rodrigues
Júlia Matias Silva
Juliana Schneider
Stefanie Bertholini
Orientadora: Peticia Carvalho
3
RESUMO
Propõe-se no presente artigo analisar os aspectos da improvisação-jogo-dança presente
no espetáculo “Não aperte o botão” da turma 3A Dança do primeiro semestre de 2013
da ETEC de Artes. Apresentou-se necessária a consideração da vivência prática do
processo do espetáculo. O estudo embasa-se primariamente no livro “Homo Ludens” do
filósofo Johan Huizinga (2012) e em outros intelectuais dos quais a coerência da leitura
foi colocado em discussão no âmbito prático, ou seja, questionava-se e analisava-se não
só ‘intelectualmente’ mas ‘corporalmente’. Nestes questionamentos constatou-se uma
interligação entre os aspectos abordados (Individualidade; Consciente e Inconsciente;
Relação durante o improvisar; Improvisação e Jogo) onde o quesito principal para o
improviso-jogo-dança é o estar no momento presente e presente em si próprio.
PALAVRAS-CHAVE: Jogo; Improviso; Relação; Individualidade; Dança.
INTRODUÇÃO
O artigo apresentado relatará aspectos da criação e da vivência focando no improviso-
jogo-dança do espetáculo “Não aperte o botão”, da turma 3AD do primeiro semestre de
2013 da ETEC de Artes, permeando caminhos práticos e teóricos, que inseparáveis se
embasam em teóricos da dança, filosofia e teatro. Neste caminho se desenvolveram
reflexões sobre: a individualidade dos sujeitos; o consciente e o inconsciente do sujeito
e sobre as relações no momento do improviso. Busca-se relacionar, a partir das
analogias feitas pelo sujeito, como a dança se dá no jogo e como o jogo se dá na dança
no momento da improvisação. O artigo se dá a partir de duas colunas, nestas,
apresentamos visões que se encontram, falando de experiências e pensamentos
desenvolvidos durante o estudo. Em uma coluna falamos sobre nossa vivência e o que
ela traz e transforma, na outra generalizamos essas experiências de improviso-jogo-
dança.
4
INDIVIDUALIDADE
(Lepeti)
Segundo Gaiarsa1 (1986) a divisão entre
corpo e alma não existe. Sentimos,
pensamos, agimos e nos emocionamos
sendo um corpo. Não flutuante, este
corpo completo está inserido num
contexto sociocultural onde não é
passivo, estabelecendo relações e
modificações a seu ambiente. Esses
aspectos nos interessam, assim como
para Ostrower2 (1978), no sentido de
que “(...) a cultura serve de referência a
tudo que o indivíduo é, faz, comunica, à
elaboração de novas atitudes e novos
comportamentos e, naturalmente, a toda
possível criação”. Se nossos corpos
somos nós (que por si só já nos dá a
dimensão de individualidade física –
referente à aparência e a estrutura – e
psíquica-emocional) e se a cultura e
ambientação nos afetam de formas
diferentes (de acordo com o modo
1 José A. Gaiarsa (1920-2012) foi formado em medicina pela USP com especialização em psiquiatria. Possui mais de 35 livros publicados. Suas produções na área da psicoterapia desenvolvem-se principalmente em temas sobre família, sexualidade e relacionamentos amorosos. 2 Fayga Ostrower (1920-2001) foi artista
plástica, professora e teórica polonesa. Foi presidente da Associação Brasileira de Artes Plásticas entre 1963 e 1966. De 1978 a 1982, presidiu a comissão brasileira da International Society of Education through Art (traduzido livremente como Sociedade Internacional de Educação pela Arte), INSEA, da UNESO.
INDIVIDUALIDADE
(Lecolá)
Numa sala com dezenove indivíduos,
possuímos dezenove trajetórias de vida,
de corpo, diferentes. Cada um mora em
um bairro e se relaciona com esse bairro
de uma maneira. Cada um tem uma
relação e envolvimento familiar único.
Cada um tem uma formação acadêmica
distinta. Além de aspectos externos,
somam-se a eles as particularidades
natas (porém alteráveis) do individuo:
psicoemocional e físico estrutural.
“O corpo faz parte e é elemento
primeiro para a realização das
possibilidades de conhecimento,
percepção, interação e até mesmo de
transformação dos brinquedos, jogos e
brincadeiras que fazem parte de nossas
vivências culturais lúdicas”
(MARQUES, Ano:154). Sendo o corpo
o agente das atividades e cada corpo
sendo único, podemos dizer que o
espetáculo “Não Aperte o Botão” possui
dezenove caminhos de improvisar
diferentes, mesmo que contendo igual
direcionamento. Como veremos mais a
frente, esse direcionamento não nos
padroniza (página 14). O grupo como
um todo (consequentemente o
espetáculo) possui características
agregadas dos dezenove membros, que
emergem nos próprio de compreensão e
5
de estabelecimento de relações)
podemos concluir que cada corpo cria,
estabelece relação com um objeto
artístico, dança, improvisa e joga de
forma única.
Nossos corpos, isso sim,
atuam de formas diferentes
diante de brinquedos, jogos
e brincadeiras por serem
únicos, diferentes entre si.
Cada corpo estabelece e
cria relações diferentes e
diferenciadas diante dos
mesmos brinquedos, jogos
e brincadeiras. Isso se dá
basicamente pelo fato de
não ‘termos’, mas sim de
‘sermos’ um corpo, pelo
fato de sermos nossos
corpos. Nossos corpos são
o que somos. Somos o que
nossos corpos são.
MARQUES, Ano:155.
Nessa abordagem, o corpo não é meio,
canal ou instrumento, mas sim protagonista
dos jogos e brincadeiras. Aquilo que
sabemos, conhecemos, sentimos,
entendemos, construímos em nossos corpos
nos leva a estabelecer ou não múltiplas
relações com os espaços e vivências lúdicas
existentes em nossa sociedade.
jogos/danças. Essas características junto
com o modo de relacionar do grupo
formam a individualidade do grupo
(essência).
6
CONSCIENTE / INCONSCIENTE
(“Quem bebeu morreu”)
“O ato criador abrange,
portanto, a capacidade de
compreender; e esta por sua
vez, a de relacionar,
ordenar, configurar,
significar.”
(OSTROWER, 1978:9)
O sujeito torna-se consciente em sua
existência e atuação devido a sua
cultura que, segundo Ostrower (1978)
“orienta o ser sensível ao mesmo tempo
em que orienta o ser consciente”.
Nomeamos ser sensível quando o
sujeito é reconhecido por sua percepção
e não por sensibilidade no sentido literal
da palavra. O sujeito consciente é
aquele que produz um ato
intencionalmente, ou seja, tem
autoridade de si e de sua criação (não
necessariamente no ato da dança).
“Os valores culturais
vigentes constituem o clima
mental para o seu agir.
Criam referências,
discriminam as propostas,
pois [...] neles se elaboram
possibilidades culturais.
Representando a
individualidade subjetiva de
cada um, a consciência
CONSCIENTE / INCONSCIENTE
(“O culpado não fui eu” )
Consideramos aqui, em primeira
instância, as atitudes conscientes no
espetáculo, os direcionamentos das
cenas. Considera-se o processo de
relacionar-se e de disponibilizar-se
como ações conscientes. Os intérpretes
já sabem o roteiro de jogos do
espetáculo e suas propostas, a prática do
ensaio nos torna mais conscientes na
atuação e nos modos com que
estabelecemos relações.
“Na improvisação
considera-se a estrutura, a
ordem, o espaço, o tempo,
os materiais, o ‘tom’, e
deve-se praticar
diariamente para tomar as
decisões de modo rápido,
consciente e controlado.”
(KRISCHIKE e SOUZA,
2004:17)
O inconsciente age no caminho e
velocidade de organização de
informações (no cérebro) e na
racionalização de percepções e
sensações com embasamento
(inevitável) em julgamentos
socioculturais. Também são parte do
inconsciente os vícios posturais e as
7
representa a sua cultura.”
(Ostrower, 1978:página)
A criatividade do indivíduo se dá a
partir de sua individualidade, como
vimos anteriormente (página 4) e esta
individualidade se qualifica a partir da
própria sensibilidade do ser, orientada
de cultura. Portanto, entendemos que o
improviso está diretamente ligado á
criatividade e consequentemente a todos
os aspectos citados, além de, se tornar a
própria sensibilidade do sujeito naquele
momento, já que no sensível podemos
destacar o consciente e o inconsciente,
como fatores essenciais no improviso.
Uma vez que acreditamos que o
improviso “é um processo complexo de
resposta aos impulsos provenientes dos
estímulos criativos” e tratamos
‘estímulos criativos’ como parte de
nosso interior e exterior que se referem,
respectivamente, ao consciente e ao
inconsciente.
estéticas anteriormente trabalhadas em
cada corpo. Ressaltamos novamente a
pluralidade da sala. Procurando uma
mobilidade consciente e inconsciente,
percebermo-nos, e nos percebemos em
relação ao outro, ao ambiente, perceber
o que é intrínseco à nossos movimentos
e como isso pode acrescentar ao
espetáculo e ao momento de
jogo/improvisação, à movimentação do
outro.
8
RELAÇÃO DURANTE O
IMPROVISAR
(Impar)
A relação no momento da
improvisação/jogo é construída de
diversas situações e fatores que atua e
modifica o bailarino na cena. Essas que
podem ser: a divisão espaço e tempo, os
participantes, objetos, sonoridades etc.
Habita na órbita da Ação Cultural3
(SCHMIDT, 2011), na qual o bailarino
é influenciado por tudo o que viveu/ é/
está vivendo naquele momento,
interferindo diretamente ou
indiretamente no seu processo de
relacionamento.
O ser humano possui um corpo que é
presente no espaço e que detém um
centro, esse mesmo corpo vive em uma
esfera por Rudof Laban(1879-1958)
chamado de cinesfera4 (LOBO e
NAVAS:2003). Esse detém limites, que
são definidos pelo alcance dos
membros, em sua amplitude e diversas
3 Ação Cultural segundo Suzana Schmidt é
qualquer ação, no campo da cultura, capaz de suspender e alterar o fluxo cotidiano dos hábitos e valores dos requerimentos e da indústria cultural, permitindo que linhas de fuga criem novos comandos, novas possibilidades de viver, de sentir e de habitar melhor o mundo. 4 cinesfera segundo Rudof Laban é a esfera
espacial à volta do corpo, onde acontece o movimento.
RELAÇÃO DURANTE O
IMPROVISAR
(Par)
Durante o processo de criação
vivenciamos jogos-brincadeiras que
estimularam nosso espírito de jogo
(jogos da tribo indígena Kalapalo, jogos
teatrais, brincadeiras infantis, jogos
corporais, jogos de tabuleiro etc.),
assistimos um documentário sobre o
primeiro Video Game (disponível em:
www.youtube.com) e paralelamente
líamos o livro “Homo Ludens” de
Huizinga. A partir da presença e
sensações estabelecidas por eles foram
criados os jogos/cenas. Durante os jogos
buscamos, por meio das
regras/direcionamentos, estabelecer
relações com o que acontece e com
quem o faz acontecer.
Segundo Huizinga (2010) todo
jogo possui regras, os jogos em nosso
espetáculo por sua vez também
possuem regras, essas que quando
quebradas ocasionam o rompimento
com o lúdico. Ele prossegue: “O
jogador que desrespeita ou ignora as
regras é um “desmancha-prazeres”.
Este, porém, difere do jogador
desonesto, do batoteiro, já que o ultimo
finge jogar seriamente o jogo e aparenta
9
direções. A cinesfera não pode ser
tirada do homem, ele é a cinesfera. É
como se fosse uma redoma que está
sempre presente onde quer que ele
esteja ou vá. Seus movimentos são
definidos de forma individual,
implicados por estímulos internos sua
disposição procede no espaço externo.
O bailarino em toda sua
amplitude ou estreiteza dispõe de um
corpo com membros, articulações,
músculos etc. Este não é restringido em
seus movimentos pela limitação de seu
corpo, ele é capaz de projetar
movimentos no espaço, Gil5 diz que
“Há um infinito próprio do gesto
dançado que só o espaço do corpo pode
engendrar.” (2004:53). O movimento
do corpo se faz como uso externo,
aquilo que é possível de vermos a olho
nu, o ato; seja ele do bailarino criador
do movimento no espaço, suas relações
interpessoais e o ambiente em um todo
(giros, saltos, troca de toques,
iluminação, objetos etc.). Existem os
estímulos internos, que permeiam o lado
subjetivo e o interior do corpo humano:
como o olhar, sensações, neurônios
(LAKOFF & JOHNSON:1999). Gaiarsa
prossegue: “Nossa incrível capacidade
de movimento é dirigida, de regra, pelos
5 José Gil (Muecate, 1939) é professor
universitário português, filósofo, ensaísta e ficcionista.
reconhecer o circulo mágico.”
(2012:14). Portanto, as regras precisam
estar evidentes para os jogadores e o
público, pois, o rompimento pode
ocasionar confusão.
A relação no momento da
improvisação pode definir muitas
coisas, se não estivermos atentos e
prontos para o jogo, podemos deixar a
cena morrer ou até mesmo quebrar
regras do jogo. Como no jogo das
bolinhas coloridas, se não estivermos
atentos com a sequência e tempo das
bolinhas, desmanchamos a
cena/brincadeira; no momento em que
corremos pelo espaço a procura de uma
nova posição é preciso uma atenção a
cinesfera, tanto particular quanto a do
outro jogador, pois podemos invadir a
outra cinesfera e não acabarmos com a
beleza estética do jogo, porém pode-se
também invadir a cinesfera do outro
jogador de forma que o impossibilite de
cumprir a sequência de movimentos
estabelecida no jogo.
O respeito ao espaço (interno e
externo) é de extrema importância para
o jogo/cena. É importante se adaptar as
novas situações que podem ocorrer nas
apresentações; por exemplo, no jogo das
bolinhas de gude, no qual é preciso estar
atento a si e ao outro, pois ao mesmo
tempo em que estamos
10
nossos olhos. Vendo o mundo, as
pessoas e os objetos, são eles que vão
nos mostrando o caminho e as ações
que vão se fazendo necessárias,
convenientes ou oportunas”.(1994:65)
A cinesfera ao interagir com
outras cinesferas se modifica num
processo mutante no qual o espaço e
tempo se transformam continuamente; o
ambiente social interfere de forma a ser
um propagador de mudança na
qualidade desse fenômeno, numa
transição entre o macro e o micro de
forma a modificar a cinestesis do
interprete e do observador. Exemplo: no
palco, quanto mais bailarinos menor o
espaço, as cinesferas são reduzidas ou
invadidas.
A capacidade de
elasticidade da cinesfera permite
ao agente
interagir com o espaço e outras
cinesferas. Por
exemplo, a
cinesfera encolhe-se no espaço
público do
elevador, cheio de gente, garantindo
o movimento e
expande-se numa praia deserta ou
rua com pouca
gente em volta.
(SERRA, apud RENGEL,
2005:33)
dançando/jogando temos que estar á
espera da possibilidade do público
participar apertando o botão a qualquer
momento, assim modificando a cena.
A plateia é a quinta
musculatura do ator. É
comum ver atores em
cena ‘fazendo força’ para
prender a atenção, na
ilusão de que a plateia é
algo fora dele. [...] A 5ª
musculatura fala de
sincronia, comunicação,
do outro, aquilo que está
fora de nós, mas passa a
ser um desmembramento
nosso quando existe o elo
da comunicação. [...] O
chão que pisamos é nossa
quinta musculatura,
assim como a roupa que
vestimos. Outra pessoa
passa a ser parte de nós
quando existe uma troca
entre dois ‘Eus’ que se
afinam e reconhecem no
outro os mesmos
sentimentos que existem
no próprio ‘Eu’.
(PIA,1992:17)
O jogo depende da presença verdadeira
do jogador/bailarino para constituir as
relações interpessoais e intrapessoais.
Viola Spolin diz: “O próprio ato de
procurar o momento, de estar aberto aos
parceiros de jogo, produz uma força de
vida, um fluxo, uma regeneração para
todos os participantes.” (2010, 17).
11
Porém as relações a serem estabelecidas
em cena
Segundo Barrow6 (1952) o espaço e o
tempo não são conceitos distintos, na
verdade é um bloco, que ele nomeia
espaço-tempo. Esse pode ser divido em
infinitas maneiras diferentes, na qual
cada divisão é distinta e cada
interpretação de um singular desse
detém um olhar diferente dos
interpretes, esses que já obtém sua
individualidade. Esta qualidade do
bloco espaço-tempo pressupõe que o
futuro já está aí. Isto é, esse evento na
dança propõe um conhecimento
diferenciado por cada sujeito; e que vive
“à espera” em seu jogo, não pelo futuro
distante, mas por esse que “já está aí”.
“Estar à espera é permitir que o
desconhecido – o novo, o inesperado,
talvez o momento de arte (vida) se
aproxime.”, diz Spolin7 (2010:18) ao
referir-se ao jogo e o papel cabível de
presença ao jogador. Quando estamos
em estado de jogo não devemos
“esperar por” que é diferente de “estar à
espera”, pois a cena morre/para e já não
6 John David Barrow (1952) é um Inglês
cosmólogo , teórico físico e matemático . Atualmente é Professor de Pesquisa de Ciências Matemáticas na Universidade de Cambridge . 7 Viola Spolin (1906-1994) foi autora e diretora de teatro. Sistematizou os Jogos Teatrais (Theater Games), metodologia de atuação e conhecimento da prática teatral...
se tem o estado de
prazer/competição/conquista.
não se sustentam apenas nas relações
dos dançarinos. Em nosso espetáculo
procuramos evidenciar o papel do
público como público-participante, já
que ele pode acrescentar
jogos/interações a qualquer momento e
consequentemente pausar a
apresentação criando assim, uma nova
cena (a de interação com o público).
A atenção com o tempo do
outro, seu tempo interno e externo
trazem uma sensibilidade ao que está
acontecendo e ao que vai acontecer,
sendo assim uma união de fluxos e
conexões estabelecidas naquele instante,
que fazem a cena única, onde se
aprende a lidar com o inesperado,
adaptando-se as possíveis situações de
superação e cooperação.
A essência do jogo consiste
em relacionar-se com o
outro, testando as próprias
competências, numa
interação em que se
aprende a lida com as
relações de competição e
cooperação, e a incluir
diferentes pontos de vista
referentes a uma mesma
realidade. (KLISUS,
2012:26)
12
Assis8 e Correia
9 dizem que “O lúdico
é capaz de infiltrar-se em vários espaços
e transformá-los profundamente,
impregnando-os com suas fantasias.”
(2006:123), isso é, o espaço interno e
externo do jogador é modificado
conforme joga. O indivíduo em sua
improvisação utiliza-se do lúdico, trata-
se da vontade de cada um, é uma
vivência individual que habita a camada
do imaginário, que pode, e acontece, de
ter interpretações e imagens diferentes
no momento do jogo.
Para que as relações na
improvisação/jogo/dança/brincadeira
sejam bem sucedidas é necessário um
atentamento para o ambiente e para si
mesmo, se disponibilizar, se desprender
de valores anteriores e se ligar ao
momento. Permitir relacionar-se.
“A experiência, a
possibilidade de que algo nos
aconteça ou nos
toque, requer um gesto de
interrupção, um
gesto que é quase
impossível nos tempos que
correm: requer
8 Dra. Monique Assis Docente do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), é Doutora em Educação Física. 9 Ms. Adriana M. Correia Docente da Unisuam e
Universidade Gama Filho (UGF).
13
parar para pensar,
parar para olhar,
parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar
mais devagar, e escutar mais
devagar; parar
para sentir, sentir
mais devagar, demorar-se nos
detalhes,
suspender a opinião,
suspender o juízo,
suspender a vontade,
suspender o
automatismo da
ação, cultivar a atenção e a
delicadeza, abrir
os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos
acontece,
aprender a lentidão, escutar
aos outros,
cultivar a arte do encontro, calar
muito, ter
paciência e dar-se tempo e espaço.“
(BONDIA,,2002:
24)
14
IMPROVISAÇÃO E JOGO
(Mão no Azul)
Segundo o dicionário Houaiss da
língua portuguesa publicado pela
editora Moderna, 2008, Improvisação é
tida com diversas definições, entre elas:
“Improvisar às presas; compor sem
prévio preparo; desempenhar papel ou
função para que não se está habituado;
oposto ao planejado.” (p.411)
Em dança, tratando
especificamente de improviso de
movimentos, algumas dessas definições
não se aplicam. Até mesmo nas
improvisações sem acordo prévio existe
um preparo específico, seja corporal,
mental ou estético (GUERRERO,
2007). Sem exatidão de sequências e
caminhos, mas sempre rondada de um
preparo.
Ao tratar-se da improvisação com
acordos prévios, é realizada,
antecipadamente, uma organização que
direciona o improviso para o
desenvolvimento da cena. Não é
necessariamente feito às pressas, no
sentido rápido da palavra, mas sim,
pensado às pressas, no sentido rápido
das percepções corporais, seja de
tempo, espaço, peso ou fluência, pois o
improviso é feito no instante agora e
nele encerra-se.
IMPROVISAÇÃO E JOGO
(Pé no Vermelho)
Votação, escolha de tema:
“Homo Ludens: o jogo como elemento
da cultura”, dança e jogo, improviso,
experimentações.
De início, a dança/jogo de todos
os bailarinos não estava sendo
claramente utilizada, se aproximando da
representação ensaiada, sem
expectativas ou espaços de
improvisação. Apresentavam falta de
esclarecimentos das regras e objetivo da
cena. Aproximava-se facilmente da
interpretação de uma brincadeira, sem o
desejo de jogar, de competir.
Só foram constatadas tais falhas
após apresentar para um pequeno
público, juntamente com a banca
examinadora.
“... No jogo existe alguma
coisa ‘em jogo’ que
transcende as necessidades
imediatas da vida e confere
um sentido à ação. Todo
jogo significa alguma coisa.
Não se explica nada
chamando ‘instinto’ ao
princípio ativo que constitui
a essência do jogo; chamar-
lhe ‘espírito’ ou ‘vontade’
seria dizer demasiado”.
(HUIZINGA, 03; 2012)
15
“Improvisação ‘é uma palavra
escorregadia’, muito genérica, exigindo um
trabalho, classificação e detalhamento.
Classificações auxiliam nas observações,
análises e entendimentos, pois cada decisão,
recorte ou interesse direcionam para alguns
modos de uso, delimitados pelas restrições
implicadas em suas propostas e
desenvolvimentos”. (GUERERO, 1; 2007)
A improvisação com acordos se
aproxima relevantemente das
características descritos por Huizinga,
em Homo Ludens, pois tanto o
improviso quanto o jogo:
1. São livres, dentro do
improviso são
inúmeras as
possibilidades de
experimentação, seja
de ideia ou de
movimento.
São diferentes da vida real, vida
corrente, uma evasão para uma esfera
temporária de atividade com orientação
própria. Na vivência do improviso, o
bailarino estabelece uma relação
apurada com ele mesmo, sua estrutura
corporal, seus limites, sensações e até
mesmo com outro bailarino. A
criatividade ganha vida, levando o
dançante
A sensação interna de cada
bailarino era de falta de diversão,
empolgação e vontade de jogo.
Na busca desse espírito do jogo,
a orientadora de TCC, Peticia Carvalho,
propôs uma coleta de brincadeiras e
jogos com os alunos trazendo jogos de
sua escolha, que gostavam e/ou ainda
gostem de jogar desde a infância até a
atualidade.
Todos os intérpretes jogaram
desde jogos de tabuleiros, pega-pega,
corrida até jogos de uma tribo indígena,
Kapalo.
Após várias semanas brincando,
surgiu um relato que transformou o
processo. Através da descrição de um
vídeo, visto por Adriana Bandão (uma
das bailarinas), onde uma pessoa,
cidadão do dia-a-dia, passa em uma
praça pública comum, na qual se
encontrava um botão e uma placa, na
placa continha a seguinte mensagem
“Não aperte o botão!”, a pessoa, no ato
de sua curiosidade, aperta o botão. No
mesmo momento o botão aciona um
alarme e faz com que todas as pessoas
da praça gritem e caiam no chão. A
pessoa que acabara de apertar o botão
fica perplexa.
Esta cena faz parte de uma
vídeo-pegadinha, como aquelas
que são vistas em programas de
auditório, no
16
do concreto até o mundo
imaginário, no qual as sensações
são transmitidas partindo de
imagens do presente ou
memórias do passado, até
mesmo desenhar no ar, como é
vista nas características do
método desenvolvido por
William Forsythe.
2. São capazes de
absorver inteiramente
o jogador, "vividos
até ao fim" dentro de
certos limites de
tempo e de espaço.
Limitação,
isolamento, regras.
Todo improviso deve
possuir regras, seja
de direcionamento,
seja pelo tempo,
espaço, caminho. As
regras não são
opostas à
flexibilidade, pois
ambas caminham
juntas, com certa
fluidez que depende
da atmosfera de cada
intérprete.
“Existem muitas maneiras e formas
do improvisar. Alguns acreditam que é
fazer qualquer coisa ou se 'virar'. Que tudo
caso desta, foi elaborada por uma
emissora de TV americana.
Ao refletir sobre a semelhança
entre botão e jogo, a turma pensou em
vários jogos como: videogame, futebol
de botão e até o botão de rosa e de
roupa foi citado, mesmo não fazendo
parte de palavras que remetiam a jogo.
Partindo da ideia
de videogame, foi pesquisado sobre sua
origem e descoberto que ele foi
desenvolvido a partir de um instrumento
científico de guerra10
, o que relaciona
facilmente sua história ao jogo-batalha.
Apertar botões ganhou outro
sentido. Aperte e comece a brincadeira,
pois será adicionada a diversão imediata
de um jogo-dança ou uma dança-jogo.
Saltar, dançar, despertar, olhar, seguir,
disputar, correr, gritar, soltar, ganhar,
mexer, remexer, chamar, girar, rolar,
articular, contar, tocar, passar, cair,
desviar, lembrar, repetir... Brincar.
Estas são algumas das ações que no
decorrer do espetáculo “Não aperte o
botão” são improviso-jogadas de acordo
10 No vídeo científico, “A Era do Vídeo Game”,
transmitido pelo canal Discovery Channel,
mostrava que a Guerra Fria evoluía rapidamente
entre os superpoderes dos Estados Unidos e da União Soviética, onde a tecnologia era utilizada
para criar simulações de mísseis e prever os
resultados de uma guerra nuclear. Essa mesma
tecnologia da computação foi utilizada para
desenvolver o primeiro jogo de computador em
1958. Steve Russell, Nolan Bushnell, Ralph
Baer e Toru Iwatani são alguns dos principais
nomes da história dos videogames apresentados
no vídeo.
17
pode ou tudo é possível, que é uma imensa
liberdade sem bordas, mas aquilo que não
tem limites não se contém, escoa, perde-
se”. (QUITO, 2012).
3. Possuem um caminho
e um sentido
próprios. As
possibilidades dentro
da regra são infinitas
e com ela a
objetividade fica
esclarecida, existe
uma borda em torno
do improviso vivido
e apresentado. Todo
jogo tem suas regras.
Todo Improviso tem
suas regras. Ao ter
regra cria-se a ordem.
Não regra imposta,
mas sim aquelas que
seguem de guias, que
norteiam o convívio
(social). Sem regra, o
caos se instala com
facilidade, assim
como a comodidade,
sem jogo, sem vida.
com certas regras, seja para acabar em
determinado número ou até mesmo
ressignificar movimentos através de
bolinhas de gude.
No decorrer dos ensaios,
percebeu-se que a cena das bolinhas de
gude é a que contém maior
características de improviso e jogo em
todos os seus aspectos. Nela deve
sempre conter uma ligação ente os
intérpretes, podendo “copiar”,
transformar e experimentar o
movimento do outro, brincar com o som
das bolinhas de gude, jogando-as e
pegando antes que escapem para plateia.
Essa interação resultará em
movimentos que poderão ser dançados e
ressignificados pelos intérpretes, dentre
eles as ações de rolar, girar, realizar
gestos ondulados etc.; preparando-os e
ampliando sua relação criativa com o
mundo, contribuindo para o
desenvolvimento da percepção da
potencialidade de cada um, tanto na
dança, quanto na vida.
Jogo sempre supõe
escolhas. É um espaço por
excelência de tomada de
decisões: Se
movimentamos tal ou qual
peça, se damos um lance
aqui ou ali, se passamos a
vez ou encaramos a partida
com as cartas que temos na
mão. (KLISYS, 26; 2010).
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Em Homo Ludens (2012) é possível
notar que o jogo desempenha um grande
papel na amplitude da cultura. É no jogo
que a civilização surge e se desenvolve,
sendo um fenômeno cultural que
antecede a própria cultura, possuindo
uma realidade autônoma. Sua essência é
feita de um elemento não material, esta
essência pode ser tida como “espírito”
ou “vontade”, espírito de jogo.
O jogar é tão amplo que
ultrapassa o lógico, passando pelas
criança e adulto até chegar aos animais;
se notarmos, eles também brincam,
fazendo parte deste fenômeno. O jogo e
a brincadeira em sua plenitude
transcendem o racional, pois o jogo é
irracional (HUIZINGA, 2012). A
brincadeira é a base da pesquisa, do
criar. Tratando-se especificamente de
improviso, a regra, assim como no jogo,
é o agente que ordena. Até mesmo
quando brincamos de “faz de conta”
existe regra, pois, se sou um peixe eu
jamais vou me comportar como um
policial, a regra é sub-feita através do
consciente e inconsciente da criança ou
adulto.
Quando os adultos se dispõem a
entrar no mundo da brincadeira é
estabelecido um estado de liberdade,
fora do cotidiano, opondo-se facilmente
Durante o instante da cena, o intérprete
não deve estar inteiramente só, senão o
grupo se transformará em solos
distintos, perdendo sua relação com a
cena.
Sem a escuta, tanto o produto
quanto o processo, sofrem falhas em seu
desenrolar e na sua fluência. Podendo se
tornar somente um jogo individual, não
sendo esteticamente um corpo que
dança em um espetáculo de dança-jogo,
como ocorria no início do processo.
Para que a improvisação-jogo seja
possível, é preciso uma disposição ao
lúdico, um bocado de imaginação, pois
sem ela a brincadeira não acontece
plenamente. É preciso mergulhar neste
mundo onde um pedaço de pano se
transforma em uma capa de
invisibilidade, em um vestido ou até
mesmo em uma cabana.
O improviso exige uma
dedicação de atenções, escuta. Escutar é
ter sempre no corpo um mapa, um mapa
das percepções, explorando o
movimento com um foco centralizado e
integrando a vivência de cada um no
instante do espetáculo.
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a ideia de seriedade, entrando em um
lugar onde não existe separação de
quem é criança e quem é adulto. O
importante é ser super-herói, mago,
rainha, bruxa e até monstro. A criança
no ato do brincar cria, para si, um
mundo que se difere do mundo adulto.
“A criança vive o poder
mágico das imagens. Quem
precisa estetizar o mundo
somos nós, que decaímos
desse poder mágico das
imagens. Porque se a gente
conta uma história de terror
para uma criança, o medo
que ela vive é real. Nós
podemos até acordar esse
medo em nós com uma
história bem contada, mas o
que a criança experimenta é
inteiro. Por isso, ela vive o
poder mágico das imagens,
ela não decaiu. Quando a
gente decai [...], a gente
precisa da poesia, a gente
precisa da filosofia, a gente
precisa da arte para que a
gente possa restaurar essa
magia da imagem em nosso
ser. Imagem como algo
dinâmico e não fixo”.
(PIORSKKY, 4; 2012)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perante as análises feitas percebe-se que todos os aspectos abordados se ligam. Afinal, a
individualidade esta intrínseca no inconsciente e no consciente, que por sua vez dão
dimensão para o estabelecimento de relações que é balanceada por influências internas e
externas e todas as influências estimulam o ato de improvisar. No espetáculo “Não
aperte o botão” trata-se do jogo como uma dança-improviso que mobiliza não só o
sujeito dançante como àqueles que assistem e participam (estando na ação de cena ou
não). Foi ressaltado aqui que as regras dos jogos/improvisações não fecham nenhum
aspecto analisado. Pois como sentiu-se na prática, as regras direcionavam a ação, ou
seja, focava em uma abordagem específica para que a partir dela nos desenvolvêssemos
amplamente.
Reitera-se que o estudo não é suficiente para analisar todos os aspectos presentes na
improvisação-jogo-dança do espetáculo, principalmente quanto aos aspectos individuais
de cada interprete.
21
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