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Jos Carlos Moreira Alves

Prof. Emrito das Universidades de So Paulo e de Brasila ex Presidente do Supremo Tribunal Federal

O novo Cdigo Civil brasileiro: principais inovaes na disciplina do negcio jurdico e suas bases romansticas

Sommario: 1. O negcio jurdico e os demais atos jurdicos lcitos .negcio jurdico.

2. A estrutura da disciplina do 5. Inovaes nos 7. A invalidade do

3. Alteraes nas disposies gerais.

4. A representao.

preceitos sobre condio, termo e encargo. negcio jurdico.

6. Os defeitos do negcio jurdico.

1. O negcio jurdico e os demais atos jurdicos lcitos

na disciplina dos negcios jurdicos que o novo Cdigo Civil brasileiro, no tocante sua Parte Geral, apresenta maiores alteraes em face do Cdigo Civil de 1916. Ao redigir o projeto deste, no final do sculo XIX, no contava CLVIS BEVILQUA com os subsdios que, alguns anos mais tarde, viria a ministrar a doutrina germnica para a distino, em categorias dos atos jurdicos lcitos. Em 1899, a diferena entre negcio jurdico e ato jurdico em sentido estrit o ainda se apresentava, at na obra dos demais eminentes romanistas e civilistas alemes, de maneira pouco precisa.

REGELSBERGER1[1] que nessa poca se destaca no particular, no vai alm de observar

1[1]

Pandekten, erster Band, 129, 475.

que h atos jurdicos lcitos em que se aspira positivam ente ao efeito jurdico e outros em que este ocorre ainda fora da vontade do agente, sendo os primeiros os negcios jurdicos, podendo-se dar aos outros, na falta de denominao reconhecida, o nome de atos semelhantes a negcios jurdicos. No havia, ainda, estudo mais aprofundado dessas espcies de atos jurdicos lcitos. Faltava maior preciso linha divisria entre essas duas figuras. Suas conseqncias careciam de exame. Outro o panorama nos dias que correm. Graas aos esforos, inicialmente de MANIGK2[2] e de KLEIN3[3], e depois, dos mais autorizados juristas que se tm ocupado com esse problema, poucos so os que atualmente, negam a distino conceitual dessas duas espcies de atos jurdicos lcitos 4[4]. certo que ainda no est escoimada de imprecises e de incertezas a construo doutrinria da categoria que REGELSBERGER denominava atos semelhantes a negcios jurdicos, e que, hoje, geralmente designada pela expresso atos jurdicos em sentido estrito. Atos h que, para alguns, so negcios jurdicos, e, para outros, atos jurdicos em sentido estrito. Ainda casustica a aplicao, ou no, a esta categoria, das normas que disciplinam aquela. Apesar desses percalos, no se pode negar que atos jurdicos lcitos h a que os preceitos que regulam a vontade negocial no tm alguma ou inteira aplicao. Atento a essa circunstncia, o novo cdigo Civil brasileiro, no livro III de sua Parte Geral, substituiu a expresso genrica ato jurdico, que se encontra no Cdigo de 1916, pela designao especfica negcio jurdico, pois a este, e no necessariamente

Das Anwendungsgebeit der Vorschriften fr die Rechtsgeschfte Breslau 1901; , Willenserklrung und Willensgeschft, Berlin 1907; e Das rechtswirksame Verhalten, Berlin 1939.3[3]

2[2]

Die Rechtshandlungen in engeren Sine, Mnchen 1912.

A propsito do desenvolvimento desses estudos, vide SORIANO NETO, A construo cientfica alem sobre os atos jurdicos em sentido estrito e a natureza jurdica do reconhecimento da filiao ilegtima, separata, Recife 1957; MIRABELLI, Latto non negoziale nel diritto privato italiano, Napoli 1955; PANUCCIO, Le dichiarazioni non negoziali di volont, Milano 1966; CASTRO Y BRAVO , El negocio jurdico, 21-50, Madrid 1967; FLUME, Das Rechtsgeschft, 9, 104 e seguintes. Combatem a distino entre negcio jurdico e ato jurdico em sentido estrito ANDREOLI, Contributo alla teoria delladempimento, 52 e seguintes, Padova 1937; e JOS PAULO CAVALCANTI, A representao voluntria do direito civil a ratificao no direito civil, 40-42, nota 68, Recife 1965.

4[4]

quele, que se aplicam todos os preceitos ali constantes. E, no tocante aos atos jurdicos lcitos que no so negcios jurdicos, abriu -lhes ttulo, com um artigo nico, em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposies disciplinadoras do negcio jurdico. Seguiu -se, nesse terreno, a orientao adotada, a propsito, no artigo 295 do Cdigo Civil portugus de 1967. Assim, deu-se tratamento legal ao que j se fazia, anteriormente, com base na distino doutrinria. Ambas as normas a do artigo 295 do Cdigo Civil portugus de 1967 e a do artigo esgotam a disciplina das aes humanas que, por

185 do novo Cdigo Civil brasileiro

fora do direito objetivo, produzem efeitos jur dicos em considerao vontade do agente, e no simplesmente pelo fato objeto dessa atuao. Quando ocorre esta ltima hiptese, j no h que falar em ato jurdico, mas sim considera o direito e dessa forma que o

em fato jurdico em sentido estrito (so os atos-fatos jurdicos da

doutrina germnica)5[5]. A teoria dos atos jurdicos no nasce com os romanos. Juristas prticos, no se preocuparam eles, as mais das vezes, com categorias abstratas. Voltaram suas vistas para os atos do homem de que resultavam obrigaes, e, com relao aos fatos de que nasciam essas obrigaes distinguiram determinadas figuras. Cuidaram, assim, de atos jurdicos especficos e no da figura genrica de ato jurdico, e as expresses actus e negotium que se encontram em seus textos no tm significado tcnico. Foram os juristas alemes que, a partir dos meados do sculo XVIII, com base nos textos romanos, iniciaram a elaborao da teoria geral do ato jurdico lcito. Em 1748,

Expresso divulgada no Brasil especialmente por PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, tomo II, 3a ed., 209, I, 372, Rio de Janeiro 1970. Outras denominaes so, tambm, utilizadas pelos autores. Assim, ENNECCERUS-NIPPERDEY, Lehrbuch des Brgerlichen rechts Allgemeiner Teil des Brgerlichen Rechts, erster Band, zweiter Halbband, 137, IV, 2, b, 579 que consideram pleonstica a expresso atos-fatos (Tathandlungent), ibidem, nota 25 preferem a denominao Realakte (PONTES DE MIRANDA, porm, ob, cit., 21, I, 373-4, considera os atos reais tambm denominados atos naturais ou atos meramente externos como espcie do gnero atos-fatos jurdicos). A designao atos meramente externos (rein ussere Handlungen), para indicar os atos-fatos jurdicos, se encontra em Manigk (cfe. ENNECCERUS-NIPPERDEY, ob. cit., 137, IV, 2, 579, nota 25). Meros atos jurdicos como os denomina CARIOTA FERRARA (El negocio jurdico, trad. Albaladejo, 31, Madrid 1956).

5[5]

NETTELBLADT, no Systema Elementare Universae Iurisprudentiae Positivae, se utilizou dos termos actus iuridicus e negotium iuridicum, expresses que teve como sinnimas. A designao Rechtsgeschft (negcio jurdico) como espcie de ato jurdico devida a WEBER e a HUGO, no final do sculo XVIII. Por ter sido essa teoria construda principalmente sobre os casusticos textos romanos, de manifesto interesse o exame dessas fontes para o aprofundamento do estudo do novo Cdigo Civil brasileiro no tocante s inovaes que apresenta em face do de 1916. No demais relembrar a observao de RICCOBONO, no prefcio da obra de SCIALOJA, Negozi Giuridici6[6], no sentido de que entre todos os argumentos da dogmtica civilista moderna o que concerne ao negcio jurdico de longe o mais importante, direi o centro vital de todo o sistema do direito privado. Por no terem, porm os juristas romanos, como j referido, formulado a teoria do negcio jurdico isolada a opinio de DULCKEIT7[7] no sentido de que eles foram

alm de uma utilizao inconsciente dessa figura jurdica, tanto que chegaram a criar princpios que se aplicam a todos os atos ou a vrios deles que ela abarca , no se encontra nos textos romanos a conceituao dele, nem a distino entre ele e os demais atos jurdicos lcitos.

2. A estrutura da disciplina do negcio jurdico

Ao ordenar as normas concernentes ao negcio jurdico, o Cdigo novo afastou -se do sistema adotado no Cdigo de 1916, como se v do quadro comparativo seguinte:

6[6]

5 ristampa, III, Soc. Ed. Del Foro Italiano, Roma 1950.

Zur lehre vom Rechtsgeschft im klassischem Recht, in Festschrift Fritz Schulz, vol. I, 148 e seguintes, Hermann Bhlaus Nachfolger, Weimar 1951.

7[7]

Cdigo Civil de 1916

O novo Cdigo Civil

Cap. I

Disposies Gerais

Cap. I

Disposies Gerais

Cap. II

Dos defeitos dos negcios jurdicos

Cap. II

Da representao

Cap. III

Das modalidades dos atos jurdicos

Cap. III

Da condio, do termo e do encargo

Cap. IV prova

da forma dos atos jurdicos e da sua Cap. IV

Dos defeitos do negcio jurdico

Cap. V

Das nulidades

Cap. V

Da invalidade do negcio jurdico

Desse confronto, verifica-se que, embora conservando o mesmo nmero de captulos cinco , o novo Cdigo no s modificou a ordem de colocao, mas tambm retirou um que est no Cdigo de 1916 ( Da forma dos atos jurdicos e da sua prova ), acrescentando, em contrapartida, outro que neste no se acha ( Da representao ). Excluso e incluso explicam-se facilmente. Retirou-se o captulo Da forma dos atos jurdicos e da sua prova , porque se entendeu que a maior parte do seu contedo, que referente prova, diz respeito, em rigor, aos fatos jurdicos em sentido amplo, e no apenas aos negcios jurdicos. Da a raz o por que, no novo Cdigo, o Ttulo V do livro III da Parte Geral jurdicos que se intitula Dos fatos

dedicado todo prova. Quanto s normas concernentes forma do

negcio jurdico, e cuja sedes materiae no Cdigo de 1916 se encontra tambm no captulo ora excludo, foram elas colocadas, no novo, nas Disposies gerais , onde se estabelecem os preceitos gerais sobre os requisitos de validade do negcio jurdico, um dos quais a forma prescrita ou no defesa em lei. Incluram-se, por outro lado, em captulo prprio, na Parte Geral do novo Cdigo, regras genricas sobre representao legal e voluntria, suprindo-se, desse modo, omisso do Cdigo de 1916. Na ordem de matrias observada, no tocante ao negcio jurdico, pelo novo Cdigo, prevaleceu, afinal, o sistema originariamente proposto no Anteprojeto da Parte Geral:no se segue a tricotomia existncia-validade-eficcia do negcio jurdico, posta em particular relevo, no Brasil, por PONTES DE MIRANDA, no seu Tratado de Direito Privado. objeo de que a sistemtica que veio a preponderar seria antiquada, anteps-se-lhe a demonstrao de que a observncia daquela tricotomia, que para efeito de codificao se reduziria dicotomia validade-eficcia, condiziria a

discrepncias desta ordem: a) no captulo Da validade dos negcios jurdicos , tratarse-ia apenas dos casos de invalidade do negcio jurdico (nulidade e anulabilidade); b) do captulo Da eficcia dos negcios jurdicos no se abrangeriam todos os aspectos da eficcia, mas apenas uma parcela deles (os impropriamente denominados elementos acidentais do negcio jurdico).

3. Alteraes nas disposies gerais

Ao contrrio do que ocorre no Cdigo de 1916, com relao ao ato jurdico, o novo no definiu o negcio jurdico, atento diret riz de se retirarem de seu bojo princpios de carter meramente doutrinrio. No entanto, da disciplina que ele lhe d se verifica que no adotou a concepo objetiva ou perceptiva, que teve origem em BLOW, e que sustentada mais modernamente, e com nuances diversas, por LARENZ e BETTI, mas preferiu manter a concepo subjetiva que mais consentnea com a realidade, porquanto dele surgem relaes jurdicas, e no, propriamente, normas. Afastou-se, todavia, as mais das vezes, dos exageros a que conduz a concepo subjetiva lastreada na rgida observncia do dogma da vontade, recorrendo, para isso, concepo subjetiva mitigada pelos princpios da auto -responsabilidade do declarante e da confiana nessa declarao pelo seu destinatrio No artigo 104, relativo aos requisitos da validade do negcio jurdico, o novo Cdigo acrescenta enumerao feita pelo artigo 82 do Cdigo de 1916 que o objeto dele, alm de lcito, deve ser possvel e determinado ou determinvel. Nesse particular, as fontes romanas so explcitas quanto invalidade do negcio jurdico cujo objeto impossvel, seja fsica, seja juridicamente. Assim, Gaio, nas Institutas (III, 97 e seguintes) d vrios exemplos de stipulationes invlidas (inutiles) por impossibilidade fsica ou jurdica de seu objeto. Por exemplo, invlida a stipulatio cujo objeto no exista na natureza, ou no possa nela existir, como a que tem por objeto dar-se um

hipocentauro (impossibilidade fsica); igualmente invlida a que tem por objeto a transmisso de um locum sacrum vel religiosum (impossibilidade jurdica). Celso, D. 50.17.185, salienta: impossibilium nulla obligatio est . E Venuleio (D. 45.1.1374) distingue o impedimentum naturale, que a impossibilidade que diz respeito ao objeto prometido, da maior ou menor dificuldade em se poder pagar. De resto, a determinao do objeto do negcio jurdico exigida em texto atribudo a Marcello (D. 45.1.94). Por outro lado, no tm smiles, no cdigo de 1916, os artigos 110, 111 e 113 do novo. O artigo 110 trata da reserva mental, tendo-a por irrelevante, salvo se conhecida do destinatrio, caso em que se configura hiptese de ausncia de vontade, e, conseqentemente, de inexistncia do negcio jurdico. No direito romano, BETTI 8[8] extrai a irrelevncia da reserva mental dos seguintes textos: D. 2.15.12; D. 16.1.30pr.; D. 12.6.50; D. 46.4.8, pr. interpolado; D. 40.1.4.1; e D. 13.7.1.1. CARLO LONGO 9[9], porm, sustenta que o nico texto que, nas fontes, trata da reserva mental o D. 29.2.6.7, que est to corrompido por glossemas e provavelmente por interpolaes que no permite qualquer concluso sequer para o perodo justinianeu. MRIO TALAMANCA10[10], salientando que os juristas romanos praticamente (e isso, por certo, por se tratar de questo mais terica do que prtica) no a tomaram em considerao, entende e nesse sentido a orientao da doutrina romanista que a reserva mental era

dominante, ainda que sem apoio claro nas fontes irrelevante no direito romano.

O artigo 111 preceitua quando o silncio importa anu ncia, o que se verifica toda a vez em que as circunstncias ou os usos o autorizarem, e no for necessria a declarao de vontade expressa. A regra, em direito romano, a de que quem cala no afirma nem nega (cfe. D. 50.117.142). Pode o silncio, no e ntanto, ser manifestao tcita de

Istituzioni di Diritto Romano, I, ristampa inalterata della seconda edizione, 58, 133, nota 4, Padova 1947.9[9] Corso di Diritto romano, Parte Generale fatti giuridici, negozi giuridici, atti illeciti , Parte Speciale la compravendita, 117-118, Milano s/data. 10[10]

8[8]

Istituzioni di Diritto Romano, n 58, 228, Milano 1990.

vontade quando as circunstncias do caso o autorizarem, como ocorre quando h o nus jurdico de contradizer ou de no contradizer decorrente da natureza da relao jurdica ou de conveno preestabelecida pelas partes (D. 1.7.4 que parece interpolado; D. 14.6.12; D. 14.6.16; C. 8.25.6), ou quando a lei atribui ao silncio valor de concordncia ou de recusa (D. 23.1.7.1; D. 24.3.2.2). Ampla citao das fontes romanas sobre essas excees se encontra em SAVIGNY11[11]. No artigo 113, consagra-se a seguinte norma relativa interpretao do negcio jurdico: Os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa -f e os usos do lugar de sua celebrao . Boa-f, nesse dispositivo, no a boa-f subjetiva, mas, sim, a boa-f objetiva, que se situa no terreno das relaes obrigacionais e do negcio jurdico em geral, e se caracteriza como regra de reta conduta do homem de bem no entendimento de uma sociedade em certo momento histrico, no se fundando, pois, na vontade das partes, mas se ligando a deveres secundrios ou instrumentais cuja observncia nessas relaes se exige. , portanto, algo exterior ao sujeito, e que, no concernente interpretao, se relaciona ora com a hermenutica integradora, ora com a hermenutica limitadora, possibilitando, assim, que o contedo do negcio jurdico seja integrado ou limitado por esses deveres, como, por exemplo, o dever do vendedor de tudo fazer para que a coisa vendida seja entregue ao comprador e chegue ntegra a este. Nos textos romanos, no h preceito correspondente ao sob exame. DI MARZO12[12], com relao ao artigo 1.366 do Cdigo Civil italiano que trata da interpretao de boa-f, remete ao artigo 1.337, referente ao comportamento de boaf que as partes devem seguir no desenvolvimento das tratativas e na formao do contrato, e acentua que, nesses casos, o direito romano operava com a noo de dolo. Com efeito, traando a evoluo da fides bona no direito romano das obrigaes, cujos pormenores ainda so controvertidos, salienta HOVART13[13] que ela, na poca histrica, significa fidelidade palavra dada com o dever de cumprimento da promessa, o que levou ao reconhecimento jurdico e, portanto, possibilidade de11[11]

seguintes.12[12]

Sistema del Diritto Romano Attuale, vol. III, trad. SCIALOJA, 132, 330 e Le Basi Romanistiche del Codice Civile, 245, Torino 1950.

Osservazioni sulla bona fides nel diritto romano obbligatorio, in Studi in onore di Vicenzo Arangio-Ruiz nel XLV anno del suo insegnamento, I, 423-443, Napoli s/data.

13[13]

intentar ao

que no podia basear-se no oportere

em certos contratos (assim, nos

consensuais mais antigos, a saber, a compra-e-venda e a locao), que no eram conhecidos do antigo ius civile, mas o foram primeiramente no comrcio internacional dos romanos com os estrangeiros, dando-lhes sano jurdica o pretor p eregrino. Com o passar do tempo, esses contratos ingressaram no ius civile como negcios iuris gentium. Assim e essa a opinio dominante a frmula baseada no oportere ex

fide bona foi introduzida pelo pretor peregrino, e depois adotada pelo pretor ur bano, ingressando no ius civile. A fides bona tem, ento, nova funo: a de exigir que os contratantes ajam sem dolo e segundo o critrio de relaes leais e honestas, ou seja, a de exigir deles comportamento honesto positivo. A categoria dos iudicia bonae fidei j era conhecida no tempo de Plauto, e sua funo de represso do dolo e da desonestidade da poca de Ccero. No direito clssico, os iudicia bonae fidei do ao iudex maior liberdade de apreciao, transformando-se a funo da fides bona em meio de alargamento do officium iudicis, permitindo ao iudex levar em considerao o dolo de um dos litigantes sem a insero da frmica da exceptio doli, bem como fazer, ao determinar o valor da condenao, a compensao dos crditos e dbitos do autor e do ru, e incluir, na condenao, o valor dos frutos e dos juros no convencionados. Com o desaparecimento do processo formulrio e, na frmula, da clusula oportere ex fide bona, a boa-f no direito ps-clssico se transforma em clusula geral de direito material que domina todo o sistema contratual. Por isso, no direito justinianeu alarga se a esfera das aes bonae fidei e se restringe a das aes stricti iuris.

4. A representao

Outra inovao do novo Cdigo a introduo em sua Parte Geral de captulo, que abarca os artigos 115 a 120, consagrado representao legal e convencional. Nele disciplinam-se, inclusive, o negcio jurdico consigo mesmo ( Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, anulvel o negcio jurdico que o representante , no

seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo ) e a questo relativa ao negcio jurdico concludo pelo representante em conflito de interesses com o representado ( Art. 119. anulvel o negcio concludo pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem como aquele tratou. Pargrafo nico. de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da concluso do negcio ou da cessao da incapacidade, o prazo de decadncia para pleitear-se a anulao prevista neste artigo ). No direito romano, ao contrrio do direito moderno, no se admitia, em regra, a representao direta, que a em que o representante age em nome e por conta do representado, caso em que os efeitos do negcio jurdi co recaem exclusivamente sobre a pessoa do representado que dominus negotii. certo que, no perodo clssico, o ius civile somente admitia raras excees a esse princpio. J o ius honorarium foi mais prdigo a respeito, embora os casos de representao direta permitidos pelo pretor ainda fossem hipteses excepcionais, tanto que, nem no Edito nem em seus comentrios, se encontra a admisso generalizada da representao direta. Justiniano tambm no aboliu a regra, tendo, no entanto, aumentado o nmero de excees a ela. Assim, nas fontes, no h textos relativos a problemas decorrentes da representao direta, que a representao do mundo moderno, como os ora regulados pelo novo Cdigo Civil brasileiro: o do negcio jurdico consigo mesmo e o do negcio jurdico concludo pelo representante em conflito de interesses com o representado. Note -se que tanto DI MARZO14[14] quanto NARDI 15[15] tm, certamente como fonte remota da restrio ao contrato consigo mesmo e fonte remota pois o texto em que se baseiam no diz

respeito representao , a observao, que se encontra no D. 2.14.9pr., de que difcil que um s homem faa o papel de dois ( difficile est, ut unus homo duorum vicem sustineat ).

14[14] 15[15]

Ob. cit., 256. Codice Civile e Diritto Romano, 67, Milano 1997.

5. Inovaes nos preceitos sobre condio, termo e encargo

O Cdigo Civil de 1916, sob o ttulo Das modalidades dos atos jurdicos trata da condio, do termo e do encargo (modus), afastando-se do seu modelo, no tocante Parte Geral, que foi o BGB. Este, a, ocupa-se apenas da condio e do termo, por no reconhecer, certamente, carter de generalidade ao modus que somente pode ser aposto aos negcios gratuitos. Diversa, porm, era a sistemtica observada pelos pandectistas germnicos, que o estudavam na Parte Geral, orientao que foi mantida pelo novo Cdigo Civil brasileiro, que, porm, abandonou, por imprprio, o ttulo Das modalidades do ato jurdico e o substituiu pelo Da condio, do termo e do encargo . No que diz respeito condio, procurou ele aperfeioar o Cdigo de 1916, corrigindo lhe falhas e suprindo-lhe lacunas. Assim, no artigo 121 (que corresponde em parte ao 117 do Cdigo de 1916), a incluso da frase derivando exclusivamente da vontade das partes serve para afastar do terreno das condies em sentido tcnico as condiciones iuris. No artigo 122 do novo Cdigo substituiu -se a frmula empregada pelo artigo 115 do cdigo de 1916 ( So lcitas, em geral, todas as condies, que a lei no vedar expressamente ) por esta mais exata: So lcitas, em geral, todas as condies no contrrias lei, ordem pblica ou aos bons costumes . Ao tratar das condies que invalidam o negcio jurdico e das que se tm por inexistentes, o novo Cdigo, nos artigos 123 ( Invalidam os negcios jurdicos que lhes so subordinados: I condies fsica ou juridicamente impossveis, quando suspensivas; II ilcitas, ou de fazer coisa ilcita; III as

as condies

as condies incompreensveis ou contraditrias )

e 124 ( Tm-se por inexistentes as condies impossveis, quando resolutivas, e as de no fazer coisa impossvel ), corrige falhas de h muito observadas no Cdigo de 1916, alm de tornar expresso que as condies incompreensveis ou contraditrias so causas de invalidade do negcio a que foram apostas. Ao disciplinar a eficcia da condio resolutiva, no artigo 128, ele inova, com relao ao Cdigo de 1916, ao estabelecer que, se ela for aposta a um negcio de execuo continuada ou peridica, a sua realizao, salvo disposio em contrrio, no tem eficcia quanto aos atos j

praticados, desde que compatveis com a natureza da condio pendente e conforme aos ditames de boa-f . Ademais, suprime-se, no novo Cdigo, a referncia que o pargrafo nico do artigo 199 do Cdigo de 1916 faz condio resolutiva tcita, que no condio em sentido tcnico, pois esta s se configura se aposta ao negcio jurdico. E, no artigo 130, o novo Cdigo estendeu condio resolutiva o que se

impunha para a proteo da parte que, enquanto pende essa condio, titular de direito expectativo a regra (limitada no Cdigo de 1916 hiptese de condio

suspensiva) de que ao titular de direito eventual permitido exercer os atos destinados a conserv-lo. O direito romano no conheceu a condio resolutiva. Ele chegava ao resultado a que se chega, com ela, no direito moderno, pela aposio, ao negcio jurdico, de um pacto de resoluo sob condio suspensiva (D. 18.3.1; e D. 41.2.4, 3, tido como interpolado). A condicio era sempre suspensiva, e, quando esta consistia em fato impossvel fsica ou juridicamente, divergiam, no perodo clssico, a escola dos proculeianos (que sustentava que essas condies acarretavam a nulidade do negcio jurdico tanto inter vivos quanto mortis causa) e a escola dos sabinianos (que entendia que, nos negcios mortis causa, essas condies se tinham como no-apostas, sendo vlido o negcio jurdico como puro); j nos perodos ps -clssico e justinianeu, as condies impossveis apostas a negcio inter vivos levam nulidade deste, ao passo que no negcio mortis causa se tm como no -apostas (com relao a esses perodos, vide Gaio, Institutas III, 98; D. 28.5.46(45); D. 35.1.3; e Inst. 2.14.10). O novo Cdigo Civil brasileiro, como se v, seguiu a orientao adotada pelos proculeianos. Quanto s condies ilcitas e imorais, no perodo clssico, elas, em regra, no invalidavam o negcio jurdico no sistema do ius civile, salvo algumas excees (assim, a ttulo de exemplo, as condies captatrias), mas o pretor, atuando no mbito do ius honorarium, contra tais condies apostas a negcios jurdicos inter vivos, principalmente em se tratando de stipulationes, inutilizava a validade desses negcios, denegando ao contra o no-cumprimento da stipulatio, ou concedendo parte obrigada uma exceptio doli; e, em se tratando de negcio jurdico mortis causa, o pretor exonerava o interessado do cumprimento de condio dessa natureza (remissio condicionis), o que indiretamente acarretava a validade do negcio; nos perodos ps -

clssico e justinianeu, as condies ilcitas e imorais tm o mesmo tratamento das impossveis: se apostas a negcio jurdico inter vivos ocasionam a nulidade deste; se se tratar de negcio mortis causa, tm-se como no-apostas (a propsito, Paulo, Sent. III, 4 B, 2; e D. 35.1.64pr.). o novo Cdigo Civil brasileiro, portanto, segui u apenas em parte o direito romano ps-clssico e justinianeu, pois considerou que as condies ilcitas (e, conseqentemente, tambm as de fazer coisa ilcita) invalidam, por via de regra, tanto os negcios jurdicos inter vivos quanto os mortis causa, ma ntendo, porm, na parte especial, no artigo 1.899 (que corresponde, sem alterao, ao artigo 1.667 do Cdigo de 1916), norma que dispe que nula a disposio testamentria que institua herdeiro ou legatrio sob a condio captatria de que este disponha, tambm por testamento, em benefcio do testador, ou de terceiro. De outra parte, tambm no direito romano, no condio a condicio iuris, ou seja, requisito legal de eficcia, que, portanto, decorre automaticamente de norma jurdica e no da aposio em negcio jurdico por vontade das partes (D. 35.1.21). E, no que diz respeito s condies contraditrias ou perplexas, que so as que encerram em si mesmas contradio assim as referidas no D. 28.7.16, e D. 40.4.39 , os citados textos

consideram que a instituio de herdeiro e a manumisso sob condio dessa natureza em testamento so nulas (inutiles). Da, observar PEROZZI16[16] que essas condies anulam sempre seja a stipulatio, seja a disposio de ltima vontade, porque a sua perplexidade torna perp lexa a prpria declarao principal. No tocante ao termo, a nica alterao que merece referncia a do 3 do artigo 132 do novo Cdigo, no qual se estabeleceu o princpio de que os prazos de meses e de anos expiram no dia de igual nmero de incio, ou no imediato, se falta exata correspondncia. No direito romano, SCIALOJA 17[17], depois de fazer longa resenha das opinies divergentes sobre a contagem do tempo quando o prazo de ano inteiro, se manifesta no sentido de que, para o anniculus, para a capaci dade de fazer testamento e para a capacidade de manumitir, os textos (assim, respectivamente, D. 50.16.132 e 134; D. 38.1.5; e D. 40.1.1) so claros em que para a idade ou para essas

16[16] 17[17]

Istituzioni di Diritto Romano, I, 2a ed., 161, Roma 1928. Ob. cit., n 112, 379-389.

capacidades o prazo iniciado em qualquer momento do dia 1 de janeiro se tem como completado no primeiro momento do dia 31 de dezembro do mesmo ano. J com relao contagem desse prazo em se tratando de prescrio (prescrio extintiva), salienta ele que, com base no D. 44.7.6, no h dvida de que, iniciada ela em 1 de janeiro, se ter como ocorrente no fim do dia 31 de dezembro de igual ano; mas, em se tratando de usucapio (prescrio aquisitiva), a questo controvertida pela divergncia de interpretao de trs textos (D. 44.3.15pr.; D. 41.3.6; e D. 41.3.7) que, por sua obscuridade, no permitem que se chegue a qualquer resultado seguro. Finalmente, preenchendo lacuna do Cdigo de 1916, o novo contm preceito (artigo 137) sobre os encargos ilcito e impossvel com o teor seguinte: Considera-se no escrito o encargo ilcito ou impossvel, se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negcio jurdico . Em direito romano, os romanistas divergem. Segundo SCIALOJA18[18] e PEROZZI19[19], entre outros, o modo ilcito ou impossvel era tido por no-escrito; BIONDO BIONDI20[20], porm, sustenta que, em face das fontes romanas, era necessrio o exame da inteno do autor da disposio: se o modo se apresenta como disposio autnoma ou paralela com relao ao negcio jurdico, a nulidade daquele n o implica a deste; caso contrrio, a nulidade do modo importa a do negcio jurdico.

6. Os defeitos dos negcios jurdicos

Ao tratar dos defeitos do negcio jurdico, o novo Cdigo apresenta vrias inovaes em face do Cdigo de 1916.

18[18]

Ob. cit., n 51, 209-210. Ob. cit., II, 547. Sucessione testamentria Donazioni, 571 e seguintes, Milano 1943.

19[19] 20[20]

Dois institutos

o estado de perigo e a leso

que no se encontram neste, tm

assento naquele. Demais, alteraes se introduziram na disciplina do erro, do dolo, da coao e da fraude contra credores. O tratamento da simulao foi inteiramente reformulado, sendo deslocado para o captulo V ( Da invalidade do negcio jurdico ). O estado de perigo, de que trata o artigo 156 do novo Cdigo, era objeto do artigo 121 do Projeto de CLVIS BEVILQUA certo que em termos algo diversos, e com

soluo diferente: o negcio j urdico presumia-se nulo por vcio da vontade, enquanto no ratificado, depois de passado o perigo e foi suprimido pela Comisso Revisora,

sem que se saibam os motivos que a isso a conduziram. Em virtude dessa lacuna, que tambm ocorre me vrios sistemas jurdicos, a doutrina, no Brasil, no unssona sobre a soluo a ser dada a essa hiptese, seguindo as vacilaes dos autores franceses e italianos. EDUARDO ESPNOLA21[21] chega a afirmar que o pargrafo 138 do BGB resolve, na Alemanha, esse caso, quando , em verdade, o citado dispositivo se refere, propriamente, ao instituto da leso, em que no se configura perigo de vida. Tratando-se de estado de perigo, o novo Cdigo, no seu artigo 171, II, declara anulvel o negcio jurdico, e, ao contrrio do que su cede no direito italiano (Cdigo Civil, artigo 1.447, 2 parte), que determina que o juiz, ao rescindir o negcio, pode, segundo as circunstncias, fixar compensao eqitativa outra parte pelo servio prestado, no estabelece regra semelhante, o que implica dizer que o prestador do servio s se ressarcir se configurar-se hiptese de enriquecimento sem causa. Sobre esse instituto, especificamente, nada h nos textos jurdicos romanos, salientando, porm, DI MARZO22[22], sem citar as passagens em que se apia, que as normas, a respeito, do Cdigo Civil italiano respondem ao esprito da legislao ps -clssica. No mesmo sentido, tambm sem citar textos, se manifesta NARDI23[23]. No tocante leso, o novo cdigo Civil brasileiro, no artigo 157 se afastou dos sistemas alemo e italiano, e, portanto, do adotado pelo Cdigo Civil portugus, que se orientou

21[21] Manual do Cdigo Civil Brasileiro, Parte Geral, Dos Fatos Jurdicos vol. III, , parte primeira, 2a ed., 378, Rio de Janeiro 1929. 22[22] 23[23]

Ob. cit., 265. Ob. cit., 70.

por ambos, j que observou a conceituao daquele, mas preferiu a soluo deste. Assim, no se preocupa em punir a atitude maliciosa do favorecido como sucede no

direito italiano e no portugus, que, por isso mesmo, no deveriam admitir se evitasse a anulao se, modificado o contrato, desaparecesse o defeito , mas, sim, em

proteger o lesado, tanto que, ao contrrio do que ocorre com o estado de perigo em que a outra parte tem de conhec-lo, na leso esse conhecimento indiferente para que ela se configure, bastando, apenas, a ocorrncia do requisito objetivo da manifesta desproporo entre a prestao e a contraprestao contrada por pessoa sob premente necessidade, ou por inexperincia. Ainda que haja a leso, no se decretar a anulao do negcio jurdico se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a reduo do proveito ( 2 do artigo 157). O direito romano conheceu a laesio enormis que vem regulada em duas Constituies atribudas a Diocleziano, as quais se encontram no C. 4, 44, 2 e 8 e que, segundo a opinio ainda majoritria dos romanistas, teriam sido interpoladas, tratando-se de inovao justiniania. Essa leso enorme ocorreria quando a coisa (e controvertido se qualquer delas, ou apenas a imvel) fosse vendida por menos da metade do seu efetivo valor, podendo o vendedor, por isso apenas, obter a resciso da venda, salvo se o comprador preferisse complementar o que havia pago para chegar ao iustum pretium. Ademais, essas Constituies no aludem a esse remdio em favor do que comprou coisa que valia menos da metade do preo pago. Como se v, a leso prevista no novo Cdigo Civil brasileiro, alm de no se restrin gir ao contrato de compra e venda, difere ainda da romana por no exigir que, ainda quando se trate de compra e venda, a diferena entre o preo e o valor da coisa seja de mais da metade. Em matria de erro, o novo Cdigo inova em vrios pontos. O artigo 138 exige, para que seja anulvel o negcio jurdico por erro substancial que este possa ser percebido por pessoa de diligncia normal em face das circunstncias do negcio, o que est em consonncia com a concepo subjetiva mitigada do negcio jurdico. A o enumerar, no artigo 139, os casos em que h erro substancial, supre omisso do Cdigo de 1916 (o erro que diz respeito identidade da pessoa a quem se refere a declarao de vontade), e determina que, tanto nesse caso, quanto na hiptese de erro sobre qualidade essencial dessa mesma pessoa, mister, para ser substancial, que a falsa

identidade ou a qualidade essencial tenha infludo, de modo relevante, na declarao de vontade. Por outro lado, no inciso III desse mesmo artigo 139, contempla o erro de direito nos moldes do Cdigo Civil italiano (art. 1.249, 4). Em seguida, no artigo 140, corrige impropriedade em que incidiu o artigo 90 do Cdigo de 1916, substituindo falsa causa por falso motivo. J o artigo 143 expresso no sentido de que o erro de clc ulo apenas autoriza a retificao da declarao de vontade. E tambm de notar-se que o novo Cdigo, na esteira do de 1916, atribui o mesmo efeito (a anulabilidade) ao erro obstculo (tambm denominado erro na declarao) e ao erro vcio (ou erro-motivo), no tratando das duas figuras separadamente. Por isso seu artigo 144 que estabelece

que o erro no prejudica a validade do negcio jurdico, quando a pessoa, a quem a manifestao de vontade se dirige, se oferecer para execut-la na conformidade da vontade real do manifestante se dirige a ambas as espcies de erro, e no apenas

ao erro-obstculo, semelhana do disposto no artigo 1.432 (combinado com o artigo 1.433 no particular) do Cdigo Civil italiano. No direito romano, quanto ao requisito da percepo do erro pela outra parte, DI MARZO24[24] o considera substancialmente conforme ao pensamento romano, citando o D. 18.1.9.2, no caso em que algum venda vinagre por vinho. No mesmo sentido NARDI 25[25], sem citar fonte romana. No tocante ao erro essencial quanto pessoa, h que distinguir, no direito romano, quando se trata de erro dessa natureza cometido em negcio jurdico mortis causa, em que este invlido (D. 28.5.9pr.), e em negcio jurdico inter vivos, hiptese em que este s invlido quando a identidade da pessoa determinante para o consentimento, como sucede em caso de emprstimo em que a solvncia do devedor tem particular importncia para o credor (D. 47.2.52.21 e D. 47.2.67(66).4). No que concerne ao erro de direito como defeito do negcio jurdico, os romanos levavam em considerao o homem mdio (D. 22.6.3.1), para considerar que a ignorncia de direito em que este no incorresse prejudicaria o que nela incorresse, excetuando, porm, dessa regra algumas categorias de pessoas (assim, as mulheres, os menores, os soldados e os rsticos) que podiam invoc -la em seu favor para evitar dano e no para conseguir vantagem (D. 22.6.9pr. e D. 22.6.7). Tambm a retificao do negcio

24[24] 25[25]

Ob. cit., 261. Ob. cit., 69.

jurdico quando h erro de clculo est em conformidade com o que preceitua o C. 2, V, 1, sendo, porm, de notar -se que o texto do artigo 143 do Cdigo Civil brasileiro, ao contrrio do que ocorre, de certa maneira, com o artigo 1.430 do Cdigo Civil italiano, no se refere ressalva contida na citada fonte romana, pela qual, se por erro de clculo se prometeu como devida uma quantidade que no o era, cabe a condictio para a liberao. Finalmente, nada h nas fontes romanas quanto norma do artigo 144 do novo Cdi go Civil brasileiro. Manteve o novo Cdigo, no concernente ao dolo, a distino 1916, que, nesse ponto, se afastou o BGB acolhida pelo Cdigo de

entre dolus causam dans e dolus incidens,

somente considerando o primeiro como vcio da vontade, e, portant o, como capaz de acarretar a anulabilidade do negcio jurdico. Nessa seo, alis, introduziu poucas alteraes, a saber: no que diz respeito ao dolo de terceiro (artigo 148), e na distino que faz (artigo 149), quanto ao dolo de terceiro, entre represen tante legal e voluntrio. Merece destaque o disposto no artigo 150: se ambas as partes

procederam com dolo, nenhuma pode aleg-lo, para anular o negcio, ou reclamar indenizao . No direito romano, no se encontra nas fontes base suficiente para sustentar que seja romana a distino entre dolus causam dans e dolus incidens, que, em verdade, vem dos glosadores at os pandectistas, embora j se tenham invocado para assentar essa distino no direito romano dois textos: D. 19.1.11.4 (para o dolus causam dans) e D. 19.1.13.4 (para o dolus incidens). Ademais, no direito romano antigo, o dolo no implicava a invalidade do negcio jurdico, seja pelo formalismo ento imperante, seja pela falta de diligncia do enganado, mas, alm de ser possvel prevenir-se do dolo inserindo a stipulatio uma clusula doli, nos iudicia bonae fidei o iudex poderia levar em considerao a existncia do dolo; posteriormente, no ius honorarium, o pretor concedeu ao enganado trs instrumentos processuais: a actio doli, a exceptio doli e a restitutio in integrum propter dolum, que permitiam evitar os danos patrimoniais dele decorrentes, sem, portanto, acarretar a invalidade do negcio jurdico (D. 4.3.38); e, no direito justinianeu, que o dolo se considera como vcio da declarao de vontade de que resulta a invalidade do negcio jurdico em que ele ocorre. Note-se, afinal, que a norma do artigo 148 do novo Cdigo Civil brasileiro,

semelhana da do artigo 1.439, 2, do Cdigo Civil italiano, encontra base romanstica no D. 4.3.18.3. No que concerne coao, o novo Cdigo Civil brasileiro apresenta duas alteraes dignas de meno. No pargrafo nico do artigo 151, admite que haja coao ainda quando o dano diga respeito a pessoa que no pertena famlia do coacto, cabendo ao juiz, com base nas circunstncias, decidir se ela se configurou. E se modificou substancialmente a disciplina da coao exercida por terceiro: no Cdigo de 1916, a coao, nesse caso, sempre vicia o negcio jurdico, ao passo que, pelo sistema do novo, o negcio subsiste se a coao decorrer de terceiro sem que dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a quem aproveite, mas o autor da coao responder por todas as perdas e danos do coacto. No direito romano, h tambm coao quando o dano dizia respeito pessoa dos filhos do coacto (D. 4.2.8.3). De outra parte, no direito clssico, no mbito do ius civile, o negcio jurdico, ainda quando houvesse coao, era vlido, mas, na esfera do ius honorarium, o pretor concedia, quando a coao decorria de terceiro, a actio quod metus causa, ao que, por ser penal, se prope contra o que causou a coao e que visa a uma reparao (o qudruplo do valor da coisa, se proposta dentro de um ano: se depois, apenas o valor da coisa); no direito justinianeu, ao que parece, o negcio jurdico celebrado sob coao vlido, mas passvel de anulao, passando a actio quod metus causa a ter o carter de actio in rem scripta. O ltimo dos defeitos de cuja disciplina trata o novo Cdigo a fraude contra credores. Manteve ele a anulabilidade como conseqncia desse defeito, embora reproduza, no artigo 162, a regra do artigo 110 do Cdigo de 1916, na qual PONTES DE MIRANDA identifica hiptese de ineficcia relativa. Algumas inovaes so dignas de realce: o artigo 158, 1, ampliou a legitimao ativa para a propositura da ao Pauliana, atribuda que foi, tambm, aos credores cuja garantia se tornar insuficiente; e o pargrafo nico do artigo 160 admitiu que o adquirente dos bens do devedor insolvente, se o preo for inferior ao corrente, poder conserv-los, se depositar em juzo o que lhes corresponda ao valor real. Nas fontes romanas, a respeito do contedo dessas normas, no se encontram textos de que se possam extrair iguais preceitos.

7. A invalidade do negcio jurdico

semelhana do Cdigo de 1916, duas so as gradaes de invalidade a que alude o novo Cdigo: a nulidade e a anulabilidade. Nesse captulo h vrias inovaes. Entre as relativas aos casos de nulidade do negcio jurdico, destaca-se, no artigo 166, III, a , do negcio jurdico em fraude lei imperativa (fraus legi facta). Quando ela ocorre, ao invs de sua sano ser a mesma que se comina violao direta (ou seja, a aplicao do princpio da exaequatio do agere in fraudem legis ao contra legem agere), ser sempre a nulidade do negcio fraudulento, que, assim, punido mais severamente do que o ato de violao direta se esta der margem apenas anulabilidade. J com relao ao direito romano, demonstrou ROTONDI, em seu livro Gli Atti in frode alla lege nella dottrina romana e nella sua evoluzione posteriore, e o reafirmou posteriormente no escrito Ancora sulla genesi della teoria della fraus legi (republicado em seus Scritti Giuridici) 26[26] que a doutrina dos atos in fraudem legis, como concebida e aplicada pelos autores e pela prtica no direito intermdio e moderno, absolutamente estranha s fontes romanas, nas quais aquela expresso no significa coisa diversa de uma verdadeira e prpria violao da lei, e por isso, por via de regra, se sujeita s sanes legislativas aplicadas a esta. Da, dizer BERGER27[27] que o agir in fraudem legis era considerado simplesmente uma violao da lei e produzia aquelas conseqncias que eram previstas pela lei. Conseqentemente, a violao direta e a indireta no eram tratadas como figuras diversas a produzir, por identidade de fins, a mesma sano (que o que d margem exaequatio acima

26[26]

Vol. III, 9 e seguintes, Milano 1922.

Encyclopedic Dictionary of Roman Law, verbete fraus legi facta, 477, Philadelphia 1953.

27[27]

referida), mas sim figuras que se consideravam indistintamente como violadoras da mesma lei e, por isso, por esta punidas. Da simulao, que no Cdigo Civil de 1916 era defeito do negcio jurdico que acarretava a anulabilidade quando no fosse inocente, resulta, no novo cdigo, sempre a nulidade do negcio jurdico simulado, quer seja a simulao absoluta quer seja relativa, sendo que, neste ltimo caso,subsiste o negcio que se dissimulou, se vlido na substncia e na forma (artigo 167, caput). O 2 desse dispositivo ressalva os direitos de terceiros de boa-f em face dos contraentes do negcio jurdico simulado, no direito romano, em sntese, se tem que, no perodo pr -clssico, o negcio jurdico simulado era vlido, uma vez que, em virtude do formalismo primitivo, a simulao era irrelevante; no perodo clssico, embora no se tenha estabelecido a regra geral de que o negcio simulado era nulo, no s h nas fontes decises nesse sentido (assim, D. 18.1.36; D.18.2.4.5; D. 23.2.30; D. 44.7.54, dentre vrias outras), mas tambm nulidade dos negcios jurdicos simulados conduzia o princpio da veritas actus relativo a contratos consensuais e reais (o contrato de compra e venda sem preo era nulo); finalmente, na poca justiniania, surge o preceito geral de que o negcio simulado nulo (cfe. A rubrica do C. I.22 Plus valere quod agitur, quam quod simulate

concipitur), sendo que, em caso de simulao relativa, o negcio dissimulado vlido se, alm de estarem seus elementos essenciais contidos na simulao, no infringir a lei, a moral ou os bons costumes. Inovando, o artigo 169 determina que o negcio jurdico nulo no sus cetvel de confirmao, nem convalesce pelo decurso do tempo . Em se tratando de negcio jurdico nulo, tambm no direito romano se acha a regra de Paulo, segundo a qual quod initio viciosum est, non potest tractu temporis convalescere (D. 50.17.29). Todavia, em hipteses excepcionais, e por determinao do ordenamento jurdico, pode validar-se um negcio jurdico originariamente nulo com a confirmao dele pela pessoa que possa valer-se de sua nulidade (cfe. Fr. Vat. 294; D. 31.77.17; D. 32.33.2; D. 34.2.13). No artigo 170, disciplina-se a converso do negcio jurdico nulo nestes termos: se, porm, o negcio jurdico nulo contiver os requisitos de outro, subsistir este quando

o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade . Em sentido semelhante o direito romano admitia a converso do negcio jurdico nulo, exigindo, para isso, a observncia dos seguintes requisitos: a) que ela fosse autorizada pelo ordenamento jurdico: b) que o negcio jurdico nulo

contivesse os elementos essenciais do negcio em que aquele iria converter -se; e c) que se pudesse presumir que teriam as partes querido o negcio jurdico em que se converteria o nulo, se tivessem sabido da sua nulidade, e isso porque esse novo negcio era apto a propiciar a elas o mesmo fim prtico que perseguiam com o antigo. Um exemplo de converso com a verificao desses requisitos o que se encontra no D. 2.14.27.9 e no D. 18.5.5pr., a saber: a acceptilatio um dos modos de extinguir a

obrigao , que, por qualquer razo, fosse nula, podia ser tomada como pacto de no pedir (pactum de non petendo) firmado pelas partes. Permite o artigo 176 que quando a anulabilidade do ato resultar da falta de

autorizao de terceiro, ser validado se este a der posteriormente . No direito romano, em que se tem que o negcio jurdico, na falta da necessria autorizao de terceiro, era tido como incompleto ou claudicante, podia ser ele validado se a autorizao fosse dada posteriormente sua celebrao (vide, por exemplo, D. 14.6.7.15, que trata da hiptese de emprstimo que, feito a filius familias sem o consentimento do pater, se validava se este, posteriormente, o desse expressa ou tacitamente). Esse ato, que supria tal falta, denominado, nas fontes, ratihabitio, expresso que tambm utilizada em textos jurdicos romanos para designar o ato de confirmao do negcio jurdico. Dispe-se, no artigo 178 do novo Cdigo Civil brasileiro, que o prazo para pleitear -se a anulao do negcio jurdico por defeit os deste de decadncia e no de prescrio. No perodo pr-clssico do direito romano, as aes da lei eram perptuas. No processo formulrio, as aes civis, em regra, so perptuas (Gaio, Institutas IV, 110), ao passo que as aes pretorianas, em geral, devem ser propostas dentro de prazo curto (as mais das vezes, um ano), o mesmo ocorrendo com vrios interditos (como o interdictum fraudatorium) e as restitutiones in integrum. Nos perodos ps -clssico e justinianeu, denominam-se actiones perpetuae as sujeitas a prescrio de 30 ou 40 anos, estando as actiones temporales sujeitas a prescrio mais breve. No processo

formulrio, como acentua AMELOTTI28[28], a palavra praescriptio no sentido de perda da ao por decurso de tempo estranha a ele, s tendo surgido na cognitio extra ordinem. Adverte ainda o mesmo autor29[29] que a regulamentao moderna da prescrio, enquanto no tem pontos de contacto com as prescries do processo formulrio, claramente inspirada na prescrio justiniania , e acrescenta que numerosos princpios seus permaneceram vlidos, como os do impedimento, da suspenso e da interrupo da prescrio, alm de no ser pronuncivel de ofcio. E, em se tratando de instrumentos processuais contra os defeitos dos negcios jurdicos (assim, no tocante ao dolo, coao e fraude contra credores, a actio de dolo e a actio quod metus causam gestum erit, bem como a restitutio in integrum e o interdictum fraudatorium), eram eles meios processuais pretorianos no perodo clssico, e, portanto, deviam ser exercidos em prazos breves, e, nos perodos psclssico e justinianeu, as duas aes acima referidas (que da natureza penal que tinham no direito clssico passaram a ter a funo restitutria da in integrum restitutio), bem como, na poca de Justiniano, a actio Pauliana, que substituiu o interdictum fraudatorium, se sujeitam a breve prazo de prescrio. Note -se, ainda, que h romanistas, como BETTI30[30], que sustentam que, no processo formulrio, as aes pretorianas enquanto anuais estavam sujeitas decadncia. De qualquer sorte, porm, no perodo ps -clssico, e principalmente no justinianeu, o que h, com relao ao decurso do tempo no tocante propositura de qualquer ao, ao

contrrio do que ocorre com as aes referidas nesse artigo 178 do novo Cdigo Civil brasileiro a prescrio e no a decadncia.

Finalmente, o artigo 184 preceitua que, para a invalidade parcial de um negcio jurdico no o prejudicar na parte vlida se esta for separvel, se h de respeitar a inteno das partes. No direito romano, o princpio utile per inutile non vitiatur adotado claramente no D. 45.1.1.5, quando o negcio jurdico parcialmente nulo no era incindvel. Nas fontes romanas, no entanto, no se encontra texto expresso que

28[28]

La prescrizione delle azioni in diritto romano, 8, Milano 1958. Ob. cit., 268. Ob. cit., vol. I, 49, nota 35, 92.

29[29] 30[30]

admita, para no-aplicao desse princpio, que se leve em conta a inteno das partes para a aferio da incindibilidade do negcio jurdico parcialmente nulo.