Artigo Jurídico_A ABIN e o combate à espionagem militar
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Artigo Jurídico: A ABIN E O COMBATE À ESPIONAGEM MILITAR
Por Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa
Advogado e mestre em Ciência Política pela UFRJ
E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente artigo aborda as possibilidades jurídicas de cooperação entre a Agência Brasileira de
Inteligência e os órgãos de persecução penal militar para a prevenção e repressão à espionagem militar.
Palavras-chave: espionagem militar, direito penal militar, Inteligência, Abin.
SUMÁRIO
Introdução. Conceito de espionagem. Espionagem no direito brasileiro. Espionagem militar. Papel da
Abin no combate à espionagem. Proteção do conhecimento sensível. Meios de investigação da Abin.
Cooperação Abin/MPM/PJM. Sigilo nas forças-tarefas. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A figura da espionagem está muito presente na realidade castrense e é tratada pela
legislação penal militar com bastante detalhamento e vigor. Afora os conhecidos
mecanismos de repressão, previstos na legislação penal militar e processual penal
militar, o Poder Público dispõe de outros mecanismos de combate preventivo, como as
ações de Inteligência.
Tais ações são promovidas por centros de Inteligência militar[1], mas podem contar
também com o apoio da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão central do
Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e o ente responsável pela Inteligência de
Estado no País. Pretendo analisar, do ponto de vista jurídico, como poderia dar-se a
cooperação da Abin no combate à espionagem militar.
CONCEITO DE ESPIONAGEM
A espionagem é comumente compreendida como a atividade de agentes secretos de um
governo ou outra entidade voltada para a busca de dados sigilosos e estratégicos de
outro governo ou entidade.
O termo provém do francês (espionnage) e foi incorporado a diversos idiomas, como o
inglês (espionage), o alemão (spionage), o italiano (spionaggio), o russo (??????? –
shpianash) e espanhol (espionaje).
No dicionário on-line Michaelis, a espionagem é definida como ato ou efeito de
espionar e espião como o indivíduo encarregado de observar secretamente os atos
políticos de um governo, de agentes diplomáticos, de um campo inimigo etc[2]. A
enciclopédia eletrônica Wikipédia apresenta uma definição mais completa, a ver:
A espionagem é a prática de obter informações de caráter secreto ou confidencial sobre
governos ou organizações, sem autorização destes, para alcançar certa vantagem
militar, política, econômica, tecnológica ou social. A prática manifesta-se geralmente
como parte de um esforço organizado (ou seja, como ação de um grupo governamental
ou empresarial). Um espião é um agente empregado para obter tais segredos. A
definição vem sendo restringida a um Estado que espia inimigos potenciais ou reais,
primeiramente para finalidades militares, mas ela abrange também a espionagem
envolvendo empresas (conhecida como espionagem industrial) e pessoas físicas,
através de contratação de detetives particulares.[3]
Pode-se dizer que a espionagem apresenta modalidades segundo aos fins a que se
destina. Os tipos de espionagem mais comuns são a industrial, a militar, a tecnológica, a
econômica, a financeira, a política e a eleitoral.
A ESPIONAGEM NO DIREITO BRASILEIRO
A espionagem não tem um tratamento específico na legislação brasileira, sendo tratada
de maneira esparsa na legislação penal, geralmente referenciada à espionagem militar,
isto é, ao acesso e apropriação desautorizados a informações e dados atinentes à defesa
do Estado. Ademais da legislação penal, a espionagem também pode ter efeitos em
outras instâncias do direito, como a civil e a administrativa.
Nas côrtes brasileiras, as raras referências à espionagem, quando não estão ligadas à
mera obtenção desautorizada de informações privadas ou sigilosas, referem-se
especificamente à espionagem industrial. Não se encontra na jurisprudência uma
aplicação técnica ou bem delimitada do termo. No que diz respeito ao Superior Tribunal
de Justiça, a única menção que podemos encontrar à espionagem é um caso de
interceptação telefônica ilegal[4]. As orientações dos tribunais estaduais ou seguem no
mesmo sentido ou se referem à espionagem industrial[5].
Afora os casos específicos e nominais de espionagem, a lei pune o acesso a dados ou os
meios de obtenção, conforme o caso. Há que encarar o corpo de leis de modo
sistemático; a mera ausência de menção ao termo espionagem não significa que ela não
gere repercussões perante nosso ordenamento jurídico. Não obstante, há casos, sim, em
que o termo espionagem é cunhado. Isto acontece no Código Penal Militar e na Lei de
Segurança Nacional.
ESPIONAGEM MILITAR
No Código Penal Militar (CPM)[6] há diversas condutas descritas como crime que
configuram em tese espionagem militar, mas que não levam essa rubrica. Em outros
casos, há menção expressa ao termo. Há ainda condutas criminosas que não configuram
espionagem, mas que poderiam ser vistas como colaboração a este tipo de prática. Há
ainda as condutas criminosas que, em si, não estão ligadas à espionagem militar, mas
que poderiam ser praticadas no exercício da espionagem, como furto, violação de
correspondência, falsa identidade, etc. Em outras palavras, apenas contingencialmente
poderiam ser classificadas como crimes de espionagem, e não em tese, por sua essência
mesma.
Abaixo, enumero todos os crimes do CPM que entendo que possam estar relacionados
de alguma maneira à atividade de espionagem militar. Divido-os em duas categorias: os
crimes próprios de espionagem ou de colaboração com ela, que, por definição, estão
ligados a esse tipo de atividade; e os eventuais, que podem ter relação com a
espionagem militar, mas que não necessariamente lhe estão atrelados.
CRIMES DE ESPIONAGEM OU DE COLABORAÇÃO COM A ELA
PRÓPRIOS EVENTUAIS
Art. 140 – entendimento para empenhar o
Brasil à neutralidade ou à guerra Art. 148 – sobrevôo em local interdito
Art. 141 – entendimento para gerar conflito
ou divergência com o Brasil Art. 226 – violação de domicílio
Art. 143 – consecução de notícia, informação
ou documento para fim de espionagem Art. 227 – violação de correspondência
Art. 144 – revelação de notícia, informação
ou documento Art. 229 – violação de recato
Art. 145 – turbação de objeto ou documento Art. 230 – violação de segredo
profissional
Art. 146 – penetração com o fim de
espionagem Art. 240 – furto
Art. 147 – desenho ou levantamento de plano
ou planta de local militar ou de engenho de
guerra
Art. 248 – apropriação indébita
Art. 228 – divulgação de segredo Art. 254 – receptação
Art. 325, par. ún. – violação ou divulgação
indevida de correspondência ou comunicação Art. 308 – corrupção passiva
Art. 359 – informação ou auxílio ao inimigo Art. 309 – corrupção ativa
Art. 362 – traição imprópria Art. 311 – falsificação de documento
Art. 366 – espionagem
Art. 312 – falsidade ideológica
Art. 367 – penetração de estrangeiro Art. 315 – uso de documento falso
Art. 316 – supressão de documento
Art. 317 – uso de documento pessoal
alheio
Art. 318 – falsa identidade
Art. 321 – extravio, sonegação ou
inutilização de documento
Art. 325, caput – violação ou divulgação
indevida de correspondência ou
comunicação
Art. 326 – violação de sigilo funcional
Art. 337 – subtração ou inutilização de
livro, processo ou documento
Tais crimes seriam apurados em sede de Inquérito Policial Militar (IPM) pela autoridade
de polícia judiciária militar (PJM) competente[7], embora este procedimento não seja
obrigatório[8]. Não obstante, entendo ser possível e às vezes até necessária a
colaboração da Abin nas investigações, seja por meio de uma cooperação com o
Ministério Público Militar (MPM), seja com o órgão de polícia judiciária responsável
ou até com ambos.
Quanto à Lei de Segurança Nacional[9], embora haja a previsão de crimes de
espionagem[10] e de competência da Justiça Militar para julgá-los[11], o Supremo
Tribunal Federal (STF) entendeu que a referida lei trata dos crimes políticos de que fala
a Constituição Federal de 1988 em seus arts. 102, II, „b‟, e 109, IV, sendo a
competência para seu julgamento dos juízes federais em primeira instância e do STF em
grau de recurso ordinário, equivalente à apelação[12].
PAPEL DA ABIN NO COMBATE À ESPIONAGEM
À Abin cabe, na qualidade de órgão de Inteligência de Estado, o combate à espionagem,
nas suas mais diversas modalidades, desde que haja interesse nacional envolvido. Essa
atribuição consubstancia-se na atividade de contra-inteligência.
A Lei Federal nº. 9.883, de 7 de dezembro de 1999, que criou a Abin, confere-lhe as
seguintes atribuições:
Art. 1º Fica instituído o Sistema Brasileiro de Inteligência, que integra as ações de
planejamento e execução das atividades de inteligência do País, com a finalidade de
fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.
§ 1º O Sistema Brasileiro de Inteligência tem como fundamentos a preservação da
soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da
pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias individuais
e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, convenções, acordos e
ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou
signatário, e a legislação ordinária.
§ 2º Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como inteligência a atividade
que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do
território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o
processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da
sociedade e do Estado.
§ 3º Entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva neutralizar a
inteligência adversa.
Art. 3º Fica criada a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, órgão da Presidência
da República, que, na posição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência,
terá a seu cargo planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades
de inteligência do País, obedecidas à política e às diretrizes superiormente traçadas
nos termos desta Lei.
Parágrafo único. As atividades de inteligência serão desenvolvidas, no que se refere
aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas e meios sigilosos, com irrestrita
observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e aos
princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado.
Art. 4º À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete:
I - planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de
dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da
República;
II - planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses
e à segurança do Estado e da sociedade;
III - avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional;
IV - promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de inteligência, e
realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento da atividade de
inteligência.
Portanto, além de órgão central coordenador do Sisbin, a Abin é em si um órgão de
Inteligência propriamente dito, cabendo-lhe ipso facto não apenas analisar dados, mas
também coletá-los, além de atuar positivamente na proteção de conhecimentos
sensíveis[13]. A busca de dados dá-se por investigação de Inteligência, que não tem
natureza de investigação criminal em sentido formal.
A Abin não tem poder de polícia judiciária, de modo que não lhe é facultado instaurar
inquéritos nem cumprir diligências de captura e busca e apreensão[14]. A investigação
criminal é, via de regra, repressiva, isto é, visa a apurar a prática de um crime, ocorrido
ou em vias de ser cometido, ao passo que a investigação de Inteligência é
eminentemente preventiva. Ademais, assuntos de interesse nacional, nem sempre
constituem crime. Daí concluir-se que o escopo das investigações de Inteligência pode
não coincidir com o das investigações criminais. Sendo assim, fica evidente que se trata
de categorias distintas, que não se confundem.
Apesar disso, há quem sustente que a Abin, como outros órgãos, tem competência para
conduzir investigações criminais[15] – o que é diferente de instaurar inquéritos ou de
exercer funções de polícia judiciária. Chamando-se ou não qualquer tipo de investigação
que produza prova para ação penal de investigação criminal, o fato é que qualquer
cidadão pode, dentro dos limites da lei, empreender investigações que venham a instruir
ação penal, naquilo que o Código de Processo Penal chama de peças de
informação[16]. De qualquer forma, o objetivo da Abin não é instruir processos e, caso
suas informações sirvam para isso, estar-se-á diante de fato meramente contingencial,
do ponto de vista da sua missão institucional.
Havendo interesse nacional num fato, caberá à Abin conhecê-lo, a fim de informá-lo ao
presidente da República. Se o agente no curso de suas ações tomar conhecimento de
fato criminoso, deverá noticiá-lo à autoridade competente, sob pena de responder
criminalmente pela contravenção do art. 66, I, da Lei das Contravenções Penais[17], sem prejuízo das sanções cíveis e administrativas cabíveis. Ainda assim, pode a Abin
prosseguir em suas investigações, pois estará agindo conforme suas atribuições. Cabe
ressaltar que a Abin não estaria usurpando atribuições da polícia judiciária ao conduzir
investigações que envolvam fato criminoso. Trata-se de esferas de atuação distintas que
podem sobrepor-se. É muito comum haver apurações investigativas policiais, fiscais e
ambientais sobre o mesmo fato. A esfera criminal é independente da cível e das
administrativas, como já pacificado pelo STF[18]. E a investigação de Inteligência, se
se quer enquadrá-la em alguma dessas categorias, só poderia ser, por exclusão, de
natureza administrativa.
Como, então, deve ser o procedimento do agente da Abin que, durante suas ações, toma
conhecimento de fato criminoso? A resposta depende das circunstâncias do fato. Se o
crime estiver em curso, em fase de execução, o agente pode impedi-lo ou fazê-lo cessar,
mas só estará obrigado a isso quando estiverem sendo ameaçados ou violados
conhecimentos sensíveis relativos aos interesses e à segurança do Estado e da
sociedade. Trata-se de hipótese em que o agente da Abin será garantidor legal. Explico.
O Código Penal Militar prevê a figura do garante ou garantidor, em seu art. 29, §2º, pela
qual se responsabiliza criminalmente a pessoa que se omite em situação na qual poderia
e deveria ter agido para evitar o resultado danoso causado a outrem por um ato
delituoso[19]. Umas das três hipóteses do dever de agir previstas no referido
dispositivo diz respeito à obrigação de cuidar, proteger ou vigiar decorrente da lei, tal
como ocorre com os pais em relação aos filhos e com os policiais em relação aos
cidadãos. No caso do agente da Abin, a Lei 9.883, em seu art. 4º, II, determina que lhe
compete a proteção de conhecimentos sensíveis relativos aos interesses e à segurança do
Estado e da sociedade. Sendo assim, quando um agente da Abin tem condições de evitar
resultado danoso a conhecimento sensível e se omite injustificadamente, pode ser
penalmente responsabilizado pela omissão, e responderá na Justiça Militar se se tratar
de crime militar. Ex.: suponhamos que agentes da Abin, por casualidade, descubram
que um indivíduo está em vias de se evadir do País com fotografias de planos de
construção de uma aeronave militar desenvolvida pela Aeronáutica. Suponhamos ainda
que os agentes da Abin estejam armados, próximos ao indivíduo, que está prestes a
cruzar a fronteira do País em seu automóvel. Nesse caso, entendo que os agentes de
Inteligência têm o dever de deter o criminoso, pois, ainda que o crime[20]esteja
consumado, devem impedir o seu exaurimento, a fim de que não se implemente o
resultado danoso.
Afora as hipóteses de ameaça ou violação a conhecimento sensível, não há a obrigação
legal de agir por parte do agente da Abin. Em outras palavras, o agente da Abin não
pode ser responsabilizado por não resgatar pessoas em estado de perigo nem por deixar
de protegê-las de agressões injustas. Nessas hipóteses, o único dever legal do agente da
Abin é de dar ciência do fato à autoridade competente, como dito acima[21].
PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO SENSÍVEL
Como acima referido, o art. 4º, II, da Lei 9.883, impõe que a Abin planeje e execute, ela
própria, ações de proteção aos conhecimentos sensíveis relativos aos interesses e à
segurança do Estado e da sociedade. Sucede, portanto, que a Abin não deve se limitar a
informar o chefe do Poder Executivo da prática de certo ato atentatório aos interesses da
segurança e da sociedade, criminoso ou não.
As ações de proteção podem ser as mais diversas possíveis. Vão desde a
conscientização e instrução de profissionais envolvidos com conhecimentos
sensíveis[22], até detecção de agentes envolvidos com a espionagem[23], passando
pela produção de tecnologia de segurança da informação[24]. A idéia da lei é evitar a
violação dos conhecimentos sensíveis, e não apenas punir os que a violam. Fica notório,
pois, o caráter preventivo da atuação da Abin neste particular.
No Brasil, não se punem os atos meramente preparatórios de crimes. Para que se
configure tentativa punível de crime, é necessário que se tenha iniciado a sua
execução[25]. Desse modo, a autoridade policial só poderá intervir se o crime já estiver
em andamento, ou, no máximo, para exercer um papel intimidatório por meio de uma
vigilância ostensiva[26]. Todavia, nem sempre será possível ou desejável chamar a
autoridade policial para intimidar um agente na iminência de cometer espionagem.
Desse modo, a Abin pode intervir para neutralizar a ação adversa[27], podendo até usar
da força, desde que não ultrapasse os limites do estritamente necessário para contê-
la[28]. Recorde-se que o Estatuto do Desarmamento confere aos agentes operacionais
da Abin direito a porte de arma[29].
Não obstante, suponho que melhores ações de contra-inteligência devam ser silenciosas,
e que o uso da força só deva ser feito em último caso. O ideal, do ponto de vista da
Inteligência, é que se evite a violação do conhecimento sensível com o menor desgaste
possível. A discrição também é muito importante, pois assim se podem evitar
constrangimentos diplomáticos, políticos ou de qualquer natureza. O mero
conhecimento das intenções do agente adverso pode ser o bastante para que se tomem
medidas protetivas ou para que o Poder Executivo tome alguma providência
administrativa, como a expulsão[30], no caso de estrangeiro, sem a necessidade de
deflagração de um procedimento criminal e antes que se inicie qualquer iter criminis.
MEIOS DE INVESTIGAÇÃO DA ABIN
Os meios de obtenção de dados pela Abin não estão discriminados na Lei 9.883 e, por
isso, devem ser analisados caso a caso, à luz da legislação pertinente. Há os meios
comuns, franqueados a qualquer cidadão, dos quais se valem os jornalistas e detetives
particulares e que compreendem a vigilância, a fotografia, a entrevista, a estória-
cobertura e o recrutamento[31], desde que dentro dos limites da lei. Outro recurso para
se obter informações é aquilo que se chama de inteligência de fontes abertas (osint,
acrônimo inglês para open source intelligence), que consiste na busca de dados que
estão abertos ao público, como revistas especializadas, a mídia, a internet, etc[32].
Há, contudo, meios de obtenção de dados que atingem direitos individuais de
privacidade/intimidade. Nesses casos, devem ser observadas as restrições e exigências
legais. Em outro trabalho, tive a ocasião de analisar alguns meios de obtenção de
dados[33]. Sustentei serem possíveis interceptações telefônicas sobre estrangeiros não-
residentes, independentemente de autorização judicial, e entrada em domicílios, esta
com autorização judicial. Afirmei também serem possíveis, sem necessidade de
autorização judicial, as escutas e gravações telefônicas e as captações e interceptações
ambientais[34].
Ademais, a Abin pode obter dados por meio dos membros do Sisbin, que estão
obrigados a lhe transmitir informações de interesse da atividade de Inteligência. Isso
inclui dados da Receita Federal, da Polícia Federal, da Secretaria Nacional de Segurança
Pública, dos órgãos de Inteligência Militar, do Ministério das Relações Exteriores,
dentre outros[35]. Veja-se o que estabelece o Decreto Presidencial nº. 4.376, de 13 de
setembro de 2002, que regulamenta o Sisbin:
Art. 6º Cabe aos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência, no âmbito
de suas competências:
IV - fornecer ao órgão central do Sistema, para fins de integração, informações e
conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses
nacionais; (...)
Art. 10. Na condição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, a ABIN
tem a seu cargo:
III - acompanhar a produção de conhecimentos, por meio de solicitação aos membros
do Sistema Brasileiro de Inteligência, para assegurar o atendimento da finalidade legal
do Sistema;
VI - solicitar dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal os dados,
conhecimentos, informações ou documentos necessários ao atendimento da finalidade
legal do Sistema;
Essas provisões foram endossadas pelo Poder Judiciário, que reconheceu a legalidade da
transmissão de informações da Polícia Federal (PF) – integrante do Sisbin – à Abin[36]. A seguir, transcrevo excerto do voto do Relator do processo:
Tanto a Polícia Federal como a ABIN, integram o Sistema Brasileiro de Inteligência,
como se infere dos incisos III e IV do artigo 4º do Decreto nº 4.376/02, que
regulamenta a Lei 9.883/99.
O artigo 6º do parágrafo único da Lei 9.883/99 apresenta a seguinte redação: “(...) Os
órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à ABIN, nos
termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, para fins de
integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das
instituições e dos interesses nacionais (...)” (grifei).
E o artigo 6º, IV, do Decreto nº 4.376/02, regulamentando o dispositivo legal acima
registrado, estabelece o quanto segue: “(...) Cabe aos órgãos que compõem o Sistema
Brasileiro de Inteligência, no âmbito de suas competências (...) fornecer ao órgão
central do Sistema, para fins de integração, informações e conhecimentos específicos
relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais (...)” (grifei).
Portanto, existe a possibilidade de compartilhamento de dados e informações entre a
Polícia Federal e a Agência Brasileira de Informação – órgão central do Sistema de
Inteligência – excetuando-se aquelas que digam respeito a operações militares, nos
termos do parágrafo único do artigo 10 do Decreto nº 4.376/02.
O Estado, para o aprimoramento do sistema de inteligência e combate ao crime,
notadamente aquele organizado, deve promover o compartilhamento de dados entre as
instituições, que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência.
O compartilhamento de dados e informações sigilosos entre os órgãos encarregados da
persecução penal e outros órgãos integrantes do Estado, não é novidade. Basta
lembrar que, ordinariamente, IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis), Receita Federal, INSS (Instituto Nacional do Seguro
Social), BACEN (Banco Central do Brasil) e CVM (Comissão de Valores Mobiliários),
os quais cito apenas a título de exemplo, compartilham dados com a Polícia Federal e
o Ministério Público Federal, visando o aprofundamento das apurações criminais, e
isso nunca causou perplexidade ou surpresa. Trata-se de salutar intercâmbio de
informações que permite a esses órgãos e entidades alcançar maior qualidade e
eficácia no desempenho de suas funções institucionais.
A transmissão desses dados à Abin é importante para que a Administração Federal
possa articular-se para agir de forma racional, coordenada e integrada. Além disso,
sustento, em trabalho a ser publicado, que a Abin pode requerer judicialmente a quebra
do sigilo bancário de indivíduos.
Seja na colheita perpetrada pela Abin, seja na transmissão de dados a ela, deve haver,
como estabelece a lei, irrestrita observância dos direitos e garantias individuais,
fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança
do Estado. O abuso, portanto, deve ser rechaçado e punido.
COOPERAÇÃO ABIN/MPM/PJM
Em havendo interesses comuns em certas investigações, a cooperação entre órgãos da
Administração Pública não somente é possível como desejável. A Administração
Pública, regida pelo princípio da eficiência do art. 37 da Constituição Federal, deve
buscar o máximo de resultado com o mínimo de dispêndio no exercício de suas funções.
A cooperação mostra-se, muitas vezes, como um excelente meio de atingir mais e
melhores resultados, evitando ou minimizando perdas.
A espionagem militar é atividade internacional que envolve interesses e recursos de
grande monta, e os indivíduos nela envolvidos tendem a ser agentes altamente
treinados. As repercussões da espionagem militar podem ser gravíssimas, como
impasses diplomáticos e até guerras, de modo que, toda a cautela é necessária para
combater esse tipo de prática.
A Abin, como único órgão exclusivamente voltado à Inteligência de Estado, certamente
goza de treinamento e especialização não acessíveis a outros órgãos da Administração
Pública brasileira. É certo que as Forças Armadas possuem frações de Inteligência, mas
essas provavelmente não têm a estrutura e a amplitude da Abin, além de não
concentrarem as informações e conhecimentos dos Sisbin.
Desta forma, em caso de suspeita de espionagem militar, pode ser conveniente que as
investigações sejam conduzidas ou executadas pela Abin, em lugar da autoridade de
PJM ou do MPM. Ou então pode ser que ações conjuntas entre esses órgãos sejam a
melhor opção.
As investigações penais militares dão-se por IPM promovido pelos órgãos de PJM,e por
Procedimento de Investigação Preliminar (PIP) do MPM[37]. A cooperação com a
Abin dar-se-ia mediante força-tarefa envolvendo a Abin e o MPM ou o órgão de PJM,
ou ambos[38]. No caso do MPM, a formalização de um instrumento faz-se ainda mais
necessária, porquanto este órgão não integra o Sisbin. Primeiro, analisemos a simples
troca de informações.
Tanto o MPM como a PJM têm poder para solicitar informações de outros órgãos da
Administração Pública. Entretanto, há também dispositivos legais que restringem o
fornecimento de informações e documentos produzidos pela Abin no exercício de suas
funções. Estamos diante de um caso de conflito aparente de normas, a ser superado pela
interpretação sistemática. Vejamos o que diz a lei.
O CPPM prevê a possibilidade de requisição de informações e medidas de autoridades
civis, a ver:
Art. 8º Compete à Polícia judiciária militar:
(...)
f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à
elucidação das infrações penais, que esteja a seu cargo;
O Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar Federal nº. 75, de 20 de
maio de 1993), no qual se insere o MPM, dispõe que:
Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos
procedimentos de sua competência:
(...)
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da
Administração Pública direta ou indireta;
III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e
meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou
relativo a serviço de relevância pública;
(...)
A leitura isolada desses dispositivos nos levaria a crer que a Abin estaria obrigada a
fornecer quaisquer informações ou documentos solicitados pelo encarregado do IPM ou
pelo MPM. Todavia, a Lei 9.883, em dispositivo incluído pela Medida Provisória nº.
2.216-37/2001, estabelece que:
Art. 9º-A - Quaisquer informações ou documentos sobre as atividades e assuntos de
inteligência produzidos, em curso ou sob a custódia da ABIN somente poderão ser
fornecidos, às autoridades que tenham competência legal para solicitá-los, pelo Chefe
do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, observado o
respectivo grau de sigilo conferido com base na legislação em vigor, excluídos aqueles
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
§ 1º O fornecimento de documentos ou informações, não abrangidos pelas hipóteses
previstas no caput deste artigo, será regulado em ato próprio do Chefe do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República.
§ 2º A autoridade ou qualquer outra pessoa que tiver conhecimento ou acesso aos
documentos ou informações referidos no caput deste artigo obriga-se a manter o
respectivo sigilo, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal, e, em se
tratando de procedimento judicial, fica configurado o interesse público de que trata o
art. 155, inciso I, do Código de Processo Civil, devendo qualquer investigação correr,
igualmente, sob sigilo.
Não somente pelo princípio da temporalidade[39], como pelo da especialidade[40], a
Abin deixa de estar sujeita à obrigatoriedade incondicional de fornecer documentos e
informações ao encarregado do IPM ou ao MP. Pelo dispositivo acima transcrito, o
fornecimento de documentos e informações pela Abin, além de só poder ser feito pelo
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), fica condicionado por seu
grau de sigilo e pelo respectivo credenciamento de segurança da autoridade destinatária.
Desse modo, para que o MPM ou a PJM recebessem um documento ou informação da
Abin, seria necessário que o solicitassem ao ministro-chefe do GSI e que obtivessem a
credencial de segurança correspondente ao grau de sigilo do documento ou informação
que buscam receber[41].
Já o contrário – a solicitação da Abin ao MPM ou às Forças Armadas – não apresenta as
mesmas restrições e está previsto no art. 10, VI, do Decreto 4.376. Abaixo, transcrevo o
mencionado dispositivo:
Art. 10. Na condição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, a ABIN
tem a seu cargo:
VI - solicitar dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal os dados,
conhecimentos, informações ou documentos necessários ao atendimento da finalidade
legal do Sistema;
No que diz respeito às ações conjuntas, entendo que a Abin pode cooperar como braço
estratégico-operacional nas investigações de crimes de espionagem militar, porquanto
necessariamente estará envolvido conhecimento sensível ou interesse nacional. Nesse
caso, até a realização de interceptação telefônica pela Abin seria possível, mediante
autorização judicial concedida por requerimento do MP ou do encarregado do IPM[42]. Por outro lado, medidas constritivas como diligências de busca e apreensão e captura
não poderiam ser cumpridas por agentes e oficiais da Abin, pois estes não gozam de
poder para tanto[43]. Todavia, entendo ser possível a aplicação da técnica operacional
de entrada ou intrusão[44] mediante autorização judicial que, nesse caso, seria
requerida pelo MPM ou pelo encarregado do IPM[45].
Outras técnicas a serem cogitadas seriam a infiltração[46] e a captação e interceptação
de sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos, previstas na Lei Federal nº. 9.034, de 3
de maio de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção
e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Saliente-se que a
regulamentação da infiltração e da captação e interceptação ambiental da Lei 9.034
incide apenas nos casos de investigação criminal de ações de organizações criminosas.
Fora dessas hipóteses, a regulamentação não se aplica, não cabendo cogitar da utilização
dessas técnicas investigativas para fins criminais[47].
No caso da espionagem militar, bem como no de todos os crimes militares, a aplicação
da Lei 9.034 está sujeita a uma controvérsia sobre a natureza jurídica do direito penal.
Para Damásio, Noronha, Zaffaroni e Pierangeli, o direito penal militar seria uma
especialização do direito penal comum, de modo que as disposições gerais deste se
aplicariam àquele em caso de omissão, sendo, assim, possível a aplicação da Lei 9.034.
Para Célio Lobão e Elias Corrêa, o direito penal militar seria um ramo autônomo, ao
lado do direito penal comum, logo, a Lei 9.034 não incidiria sobre os crimes
militares[48], não sendo, ato contínuo, admissíveis como meios de prova a infiltração
nem a captação e interceptação ambientais no direito processual penal militar por falta
de previsão normativa expressa do procedimento.
Convém lembrar que a infiltração em si não é crime e, por si só, não viola garantias
individuais. Portanto, do ponto de vista da Abin, a autorização judicial é dispensável, já
que esta, a rigor, não se preocupa em produzir provas judiciais. Também do ponto de
vista processual, não vejo motivo para nulidade de prova obtida por um agente
infiltrado sem autorização. A autorização judicial na infiltração, na verdade, serve
apenas como excludente de ilicitude para eventuais delitos praticados durante a
infiltração, que acabarão ocorrendo. Um agente infiltrado, no mínimo, terá de cometer
omissões criminalmente puníveis para manter sua estória-cobertura de infiltrado. O
mandado judicial servirá como espécie de salvo-conduto para o agente. Todavia, o que
se discute é a extensão deste “salvo-conduto” e se ele deve ser explícito quanto aos
delitos que pretende relevar. Como coloca a doutrina, a infiltração é um instituto pouco
utilizado no Brasil e ainda mal regulamentado.
Quanto à captação e à interceptação ambientais, a autorização judicial é necessária
também para evitar que o agente que a promover incorra em crime. Como bem salientou
o promotor André Vinicius de Almeida[49], as captações e interceptações ambientais
são crimes no direito penal militar, enquanto que no direito penal comum tais condutas
são atípicas. Veja-se o que diz o CPM:
Violação de recato
Art. 229. Violar, mediante processo técnico o direito ao recato pessoal ou o direito ao
resguardo das palavras que não forem pronunciadas públicamente:
Pena - detenção, até um ano.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem divulga os fatos captados.
A rigor, tratar-se-ia de crime militar próprio, pois não há crime idêntico na legislação
penal comum. Contudo, se o art. 229 for interpretado como tal, chegaremos à absurda
conclusão de que qualquer captação ou interceptação ambiental estaria sujeita à
jurisdição militar, até mesmo em causas que não tenham ligação alguma com a
realidade castrense, como casos de espiões particulares que investigam esposas de
clientes suspeitas de adultério. Por essa razão, entendo que esse crime só pode incidir
nas hipóteses dos incisos II e III do art. 9º do CPM.
Apenas discordo de Almeida no tocante à sua solução ao concurso aparente das normas
do art. 299 do CPM e do art. 10 da Lei de Interceptações Telefônicas[50]. O autor
entende que este dispositivo tem precedência sobre aquele por ser mais específico.
Discordo, pois estamos diante de um concurso de especialidades também: o tipo da Lei
de Interceptações é mais específico quanto ao objeto, pois abrange apenas as conversas
por meios telefônicos, de informática e de telemática; já o tipo do art. 299 do CPM é
mais específico quanto à incidência, pois só será aplicado se o crime for cometido por
militar ou contra militar, conforme o meu entendimento exposto acima. Entre as duas
especialidades, fico com a segunda, que é uma especialidade muito mais significativa e
que tem repercussões na definição da competência, que nesse caso é constitucional (art.
124 da Constituição).
Para as demais técnicas operacionais da Abin já admitidas como estória-cobertura,
fotografia, vigilância, entrevista e recrutamento, a cooperação com o MPM e com a
polícia judiciária militar em nada mudaria o quadro.
Cabe ressaltar que, para qualquer cooperação operacional entre os órgãos, deve haver o
credenciamento de segurança feito pela Abin aos membros dos outros órgãos
envolvidos, pois estes terão contato com informações e documentos obtidos ou
produzidos pela Agência no exercício de suas funções[51].
A força-tarefa seria formalizada por termo de cooperação[52]. Da parte da Abin, a
autoridade competente para a sua celebração é o Diretor-Geral[53]. Em sendo a
proposta encaminhada ao órgão de persecução penal militar responsável, deve-se dar
conhecimento prévio à sua autoridade de máxima ou um seu delegado[54]. Tal
documento deve conter provisões sobre a designação de recursos humanos,
remuneração ou indenizações, disponibilização de instalações, atribuições operacionais,
canais de comunicação, equipamentos e veículos, acesso a bancos de dados e partilha de
informações, compartilhamento de instrumentos de investigação e política de
comunicação social.
SIGILO NAS FORÇAS-TAREFAS
Neste particular, valho-me das considerações feitas em estudo elaborado pela Escola
Superior do MPU[55].
É da essência de toda e qualquer força-tarefa, notadamente das que tratam de matérias
sensíveis, a imposição de sigilo aos procedimentos de sua atribuição, a fim de que se
chegue a bom termo, não se contamine a prova que se pretende colher, não se frustre a
colheita da prova e não se prejudique a imagem ou a honra de investigados. Medidas
cautelares criminais como a busca e apreensão e interceptações telefônicas são o
clássico exemplo disso. Todo cuidado deve ser tomado para se evitar a exposição do
objeto e das pessoas investigadas.
Torna-se essencial que o sigilo seja adotado, desde a representação para a criação de
força-tarefa. As razões aqui são óbvias, pois o principio da publicidade não se coaduna
com o princípio da eficiência na coleta cautelar inaudita altera parte de provas.
Relativamente aos inquéritos, feitos e outros procedimentos afetados à força tarefa,
impõe-se o reforço, sendo o caso, para manutenção do sigilo devido.
Cabe acrescentar que, em havendo envolvimento da Abin, será necessário classificar a
documentação segundo algum grau de sigilo, conforme estabelece o Decreto 4.553, pois
forçosamente haverá assuntos de interesse da segurança do Estado e da sociedade
envolvidos.
CONCLUSÃO
A espionagem militar é um assunto altamente sensível e envolve diferentes órgãos da
Administração Pública, de modo que o mais conveniente a ser feito é a articulação e
integração dos diversos órgãos envolvidos, a fim de alcançar o melhor resultado, seja na
sua prevenção como na sua repressão. Neste afã, a cooperação entre os órgãos de
persecução penal militar e a Abin pode ser muito proveitosa. Mas, para tanto, devem ser
observadas as prescrições e limites legais. Espero, com este trabalho, ter elucidado e até
desvendado possibilidades para esse tipo de cooperação.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, André Vinicius de. Interceptação das Comunicações Telefônicas no Direito
Penal Militar. In http://www.tjmsp.jus.br.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 14ª ed., 2007.
CEPIK, Marco A. C. Serviços de Inteligência: Agilidade e Transparência como Dilemas
de Institucionalização. Tese de doutoramento em Ciência Política pelo Instituto
Universitário do Rio de Janeiro – Iuperj, Rio de Janeiro, 2001.
CONDEIXA, Fábio de M. S. P. Possibilidades para a Inteligência de Estado
brasileira. In V Seminário de Ciência Política do Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, 1º jan. 2010.
CORRÊA, Elias da Silva. Um Estudo Acerca da Natureza Jurídica do Direito Penal
Militar. In Revista Eletrônica Jus Militaris.
GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de Inteligência e legislação correlata, ed.
Impetus, Niterói, 2009.
PACHECO, Denílson F. Atividades de Inteligência e Processo Penal. In IV Jornada
Jurídica da Justiça Militar da União – Auditoria Da 4ª CJM, 30 set. 2005, Juiz de
Fora/MG.
PALUDO, Januário (Coord.); LIMA, Carlos Fernando dos Santos; ARAS, Vladimir.
Forças-Tarefas: direito comparado e legislação aplicável.
[1] São órgãos de Inteligência Militar, do Ministério da Defesa: o Departamento de
Inteligência Estratégica da Secretaria de Política, Estratégica e Assuntos Internacionais;
a Subchefia de Inteligência do Estado-Maior de Defesa; o Estado-Maior da Armada; o
Centro de Inteligência da Marinha; o Centro de Inteligência do Exército; e o Centro de
Inteligência da Aeronáutica.
[2] Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/ingles/index.php, acesso
em 29/11/2010.
[3] Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Espionagem, acesso em 29/11/2010.
[4] RHC 4158/SP.
[5] No primeiro sentido: Apelação Criminal nº. 1.033.718.3/6-00/TJSP, Apelação Cível
nº. 0149919-4/TJPR; no segundo: Agravo de Instrumento nº. 332.040-4/3-00/TJSP;
Apelação Cível nº. 96.001828-0-/TJSC.
[6] Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969.
[7] As autoridades que desempenham este papel estão arroladas no art. 7º do Código de
Processo Penal Militar (CPPM), Decreto-lei nº. 1.002, de 21 de outubro de 1969.
[8] Art. 28 do CPPM.
[9] Lei Federal nº. 7.170, de 14 de dezembro de 1983.
[10] Art. 13 e 21.
[11] Art. 30.
[12] Segundo Recurso Criminal 1468, rel. Min. Ilmar Galvão. Aparentemente, o
Recurso Extraordinário 160841, rel. Min. Sepúlveda Pertence, seguiu na mesma
direção.
[13] Sobre a atividade operacional da Abin, vide GONÇALVES, Joanisval
Brito. Atividade de Inteligência e legislação correlata, ed. Impetus, Niterói, 2009, pg.
112.
[14] Não se olvide, contudo, que um agente da Abin pode, como qualquer do povo,
efetuar prisão em flagrante, como dispõe o art. 301 do Código de Processo Penal.
[15] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 14ª ed., 2007. p.
109. Esta tese também foi esposada pelo mesmo autor no artigo “Investigações
criminais presididas diretamente pelo representante do Ministério Público”, disponível
em:http://jus.uol.com.br/revista/texto/7707/investigacoes-criminais-presididas-
diretamente-pelo-representante-do-ministerio-publico, acesso em 9 de dezembro
de 2010.
[16] Arts. 28, 46, §1º e 67, I, do CPP.
[17] Dec.-lei 3.688/1941, art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente: I –
crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde
que a ação penal não dependa de representação; Pena – multa, de trezentos mil réis a
três contos de réis.
[18] HC 86.568; Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 02.12.2005; HC 88.730, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, DJ 07.12.2006; entre outros.
[19] No Código Penal a figura do garantidor está prevista no art. 13, §2 º.
[20] Ver arts. 146 e 147 do CPM.
[21] O agente da Abin também está submetido aos deveres gerais de agir impostos
pelos crimes omissivos próprios, como a prestação de socorro (art. 135 do Código Penal
e arts. 304 e 305 do Código de Trânsito Brasileiro – Lei Federal nº. 9.503, de 23 de
setembro de 1997). Todavia, nesses casos a sua condição de agente da Abin nada influi
na situação jurídico-penal.
[22] A Abin desenvolve o Programa Nacional de Proteção ao Conhecimento Sensível –
PNPC, voltado a esse fim. Trata-se de um programa instituído pela Portaria nº. 42-
GSI/PR, publicada no DOU de 19 de agosto de 2009, pelo qual a Abin firma parcerias
com instituições brasileiras, publicas e privadas, que detêm conhecimentos sensíveis,
com o objetivo de lhes fornecer educação de segurança e identificar vulnerabilidades e
ameaças.
[23] Em 1998 foram noticiadas na Veja ações de vigilância sobre espiões estrangeiros
levadas a cabo pela Subsecretaria de Inteligência, órgão que depois se tornou a Abin.
Disponível em: http://veja.abril.com.br/180298/p_024.html, acesso em 10 de
dezembro de 2010.
[24] Isso é feito pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento para a Segurança das
Comunicações. Fonte: http://www.abin.gov.br, acesso em 6 de dezembro de 2010.
[25] STF, Recurso em Habeas Corpus nº. 59.383 e art. 14, II, do Código Penal.
[26] No Brasil, são as polícias militares e as polícias rodoviária e ferroviária (federais,
sem prejuízo das eventuais estaduais) que exercem essa função de polícia ostensiva e de
patrulhamento, conforme a CF, art. 144, §§ 2º, 3º e 5º. Entretanto, admite-se que as
Forças Armadas executem ações de patrulhamento contra delitos transfronteiriços e
ambientais em faixa de fronteira terrestre, no mar ou nas águas interiores (art. 16-A, da
Lei Complementar Federal nº. 97, de 9 de junho de 1999, incluído pela Lei
Complementar Federal nº. 136, de 25 de agosto de 2010). As Forças Armadas também
têm o poder e o dever de vigiar e patrulhar suas áreas e instalações.
[27] Art. 1º, §3º, da Lei 9.883. Dispositivo transcrito acima.
[28] Neste caso, estaremos diante de causa excludente de ilicitude por estrito
cumprimento do dever legal (art. 23, III, do Código Penal).
[29] Art. 6º, V, da Lei Federal nº. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Ressalte-se que
a expressão “agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência” deve ser
interpretada em sentido lato, abrangendo também os Oficiais de Inteligência, cargo
criado posteriormente ao Estatuto do Desarmamento pela Lei Federal nº. 11.776, de 17
de setembro de 2008. Antes desta lei, utilizava-se a expressão agente de
Inteligência indiscriminadamente para servidores de nível médio ou superior. Com o
advento da referida lei, o termo agente passou a designar os cargos de nível médio,
sendo os de nível superior denominados de Oficial de Inteligência. O objetivo o
Estatuto do Desarmamento não é discriminar os integrantes por escolaridade, mas tão-
somente restringir o porte de arma àqueles que têm atuação operacional. Deste modo,
deve-se interpretar a expressão agentes operacionais como servidores da Abin, agentes
e oficiais de inteligência, com atribuições operacionais, até porque, pela Lei 11.776,
aqueles são subordinados a estes.
[30] A expulsão está prevista no art. 65 do Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal nº.
6.815, de 19 de agosto de 1980), que dispõe que “É passível de expulsão o estrangeiro
que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social,
a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o
torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.”
[31] PACHECO, Denílson F. Atividades de Inteligência e Processo Penal. In IV
Jornada Jurídica da Justiça Militar da União – Auditoria Da 4ª CJM, 30 set. 2005, Juiz
de Fora/MG. Disponível em: http://www.advogado.adv.br, acesso em 10 de
dezembro de 2010.
[32] CEPIK, Marco A. C. Serviços de Inteligência: Agilidade e Transparência como
Dilemas de Institucionalização. Tese de doutoramento em Ciência Política pelo Instituto
Universitário do Rio de Janeiro – Iuperj, Rio de Janeiro, 2001. Disponível
em:https://www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/upload/60/Servi%C3%83
%C2%A7os%20de%20Intelig%C3%83%C2%AAncia.pdf, acesso em 12/01/2011.
[33] CONDEIXA, Fábio de M. S. P. Possibilidades para a Inteligência de Estado
brasileira. Artigo apresentado no V Seminário de Ciência Política do Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, em 1º de
dezembro de 2010.
[34] As considerações feitas no artigo referido na nota nº. 33 em relação às captações e
interceptações ambientais não se aplicam ao direito penal militar e aos propósitos deste
artigo, como se verá mais adiante.
[35] Compõem o Sisbin os seguintes órgãos: Casa Civil da Presidência da República,
por meio do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia –
CENSIPAM; Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; Abin
(órgão central); Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança
Pública, da Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal, do
Departamento de Polícia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário Nacional e
do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, da
Secretaria Nacional de Justiça; Ministério da Defesa, por meio do Departamento de
Inteligência Estratégica da Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais,
da Subchefia de Inteligência do Estado-Maior de Defesa, do Estado-Maior da Armada,
do Centro de Inteligência da Marinha, do Centro de Inteligência do Exército e do Centro
de Inteligência da Aeronáutica; Ministério das Relações Exteriores, por meio da
Coordenação-Geral de Combate aos Ilícitos Transnacionais da Subsecretaria-Geral da
América do Sul; Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria-Executiva do Conselho
de Controle de Atividades Financeiras, da Secretaria da Receita Federal do Brasil e do
Banco Central do Brasil; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério da Saúde, por
meio do Gabinete do Ministro de Estado e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
- ANVISA; Ministério da Previdência Social; Ministério da Ciência e Tecnologia, por
meio do Gabinete do Ministro de Estado; Ministério do Meio Ambiente; Ministério da
Integração Nacional, por meio da Secretaria Nacional de Defesa Civil; e Controladoria-
Geral da União. Além destes, unidades da Federação podem compor o Sisbin, mediante
ajustes e convênios, ouvido o órgão de controle externo da atividade de Inteligência (Lei
9.883, art. 2º, §2º, e Decreto 4.376, art. 4º, par. ún.).
[36] TRF 3ª Região, HC 34.848/SP, Rel. Juiz Federal convocado Hélio Nogueira,
julgado em 23/03/2009.
[37] O PIP é regulado pela Resolução nº. 30 do Conselho Superior do MPM, de 24 de
agosto de 1999.
[38] O CPPM prevê a assistência de promotor ao encarregado do IPM no caso de fato
de excepcional importância ou de difícil elucidação (art. 14).
[39] O princípio da temporalidade, expresso no jargão jurídico lex posterior derogat
priori, implica que a lei posterior derroga (revoga, substitui) a lei anterior. No caso em
tela, as leis que conferem à autoridade de polícia judicial militar e ao MP poder de
requisição de informações e documentos são de 1969 e 1993, respectivamente, ao passo
que a lei – no caso, Medida Provisória – que incluiu a restrição à oferta de informações
e documentos da Abin é de 2001.
[40] Mesmo que a lei da Abin fosse posterior, há outro princípio jurídico que estabelece
que a lei especial prevalece sobre a lei geral, ainda que anterior a esta (lex specialis
derogat generali).
[41] Art. 38 do Decreto Presidencial nº. 4.553, de 27 de dezembro de 2002. Por este
decreto, os graus de sigilo são quatro: reservado, confidencial, secreto e ultra-secreto.
[42] O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser legal a realização de
interceptação telefônica por órgão não requerente da medida e não arrolado entre os
legitimados para requerê-la pela Lei de Interceptação Telefônica (Lei Federal nº. 9.296,
de 24 de julho de 1996). A Quinta Turma da Corte negou liminar no habeas corpus nº.
131.836, que sustentava a ilegalidade de interceptação requerida pelo MP e efetuada
pela Coordenadoria de Inteligência do Sistema Penitenciário da Administração
Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (Cispen).
[43] Embora a jurisprudência tenha admitido o cumprimento de diligência de busca e
apreensão pela Polícia Militar – órgão que não constitui polícia judiciária – (STF, HC
91.481 e RE 404.593), entendo que tal posição não pode ser estendida à Abin, pois esta
não é órgão policial nem de segurança pública, além de este tipo de atividade fugir
completamente ao escopo da missão institucional da Agência.
[44] Essa técnica operacional consiste no acesso físico a instalações protegidas por
mecanismos de fechamento para fins de varredura e observação, somente,
diferentemente do que acontece na busca e apreensão, em que objetos são subtraídos do
recinto. A entrada ou intrusão tem a característica de não deixar vestígios, preocupação
não existente na busca e apreensão. Ver o manual de Inteligência competitiva disponível
em: http://www.abraic.org.br, acesso em 10 de janeiro de 2011.
[45] No artigo referido na nota nº. 33, sustentei a possibilidade de a Abin, ela própria,
requerer judicialmente mandado para efetuar entrada ou intrusão. Entretanto, no caso de
partir exclusivamente da Abin, tal providência teria de ser feita perante juízo cível
(federal). Já numa diligência requerida pelo MPM, o juízo competente seria aquele
perante o qual oficia o requerente. Lembre-se que, pela Lei Federal nº. 8.457, de 4 de
setembro de 1992, os órgãos judiciais de primeira instância da Justiça Militar são as
Auditorias.
[46] No caso da infiltração, há expressa menção a agentes de inteligência (art. 2º, V, da
Lei 9.034).
[47] No artigo referido na nota nº. 33 também abordei essas técnicas operacionais do
ponto de vista jurídico.
[48] CORRÊA, Elias da Silva. Um Estudo Acerca da Natureza Jurídica do Direito
Penal Militar. Publicado no site Jusmilitares, disponível
em: http://www.jusmilitaris.com.br/uploads/docs/natjurdirpenmil.pdf, acesso em
10 de janeiro de 2011.
[49] ALMEIDA, André Vinicius de. Interceptação das Comunicações Telefônicas no
Direito Penal Militar, disponível
em:http://www.tjmsp.jus.br/exposicoes/art012.pdf, acesso em 7 de janeiro de
2011.
[50] Lei 9.296, art. 10. “Constitui crime realizar interceptação de comunicações
telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem
autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a
quatro anos, e multa.”
[51] Trata-se de exigência imposta pelo já citado art. 38 do Decreto 4.553.
[52] Lei 9.883, art. 7º: “A ABIN, observada a legislação e normas pertinentes, e
objetivando o desempenho de suas atribuições, poderá firmar convênios, acordos,
contratos e quaisquer outros ajustes”.
[53] Art. 18, XI, do Decreto Presidencial nº. 6.408, de 24 de março de 2008, que
aprovou a estrutura regimental da Abin.
[54] Lei 9.883, art. 10: “A ABIN somente poderá comunicar-se com os demais órgãos
da administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com o conhecimento prévio
da autoridade competente de maior hierarquia do respectivo órgão, ou um seu
delegado”.
[55] PALUDO, Januário (Coord.); LIMA, Carlos Fernando dos Santos; ARAS,
Vladimir. Forças-Tarefas: direito comparado e legislação aplicável. Trabalho disponível
em: http://2ccr.pgr.mpf.gov.br/docs_institucional/eventos/ix-
encontro/forca_tarefa_organizacoes_criminosas/manual_forcas_tarefa.pdf, acesso em 5 de janeiro de 2011.