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    Centro Internacional de Semitica e Comunicao CISECO

    III COLQUIO SEMITICA DAS MDIAS ISSN 2317-9147Praia Hotel Albacora Japaratinga Alagoas 24 de setembro de 2014

    1

    O papel do no dito na significao da realidade social:

    reflexes sobre a violncia na Copa

    Kamila Bossato Fernandes1

    Universidade Federal do Cear

    Rafael Rodrigues da Costa2

    Universidade Federal do Cear

    Resumo

    Em uma sociedade midiatizada, urge compreender os sentidos construdos pelos meios de

    comunicao, uma vez que eles permeiam e so permeados por interesses nem sempre

    benficos coletividade (FAUSTO NETO, 2008). Durante a Copa do Mundo no Brasil, entre

    junho e julho de 2014, uma sensao de segurana foi percebida tanto por turistas que visitavam

    as cidades-sede dos jogos, como pelos moradores dessas localidades (CANTANHEDE, 2014,

    REMIGIO, 2014). Contudo, ao se deparar com dados da segurana pblica, constatou-se que,

    no perodo da competio, os nmeros da violncia no melhoraram. Em Fortaleza, a

    quantidade de homicdios aumentou no primeiro semestre de 2014 em relao ao mesmo

    perodo de 2013. Em vista de tal disparidade, propomos neste artigo refletir sobre as

    implicaes do que dito e do que no dito nos meios de comunicao. Para tanto, verificamos

    a incidncia do tema violncia urbana nos telejornais da TV Verdes Mares, de Fortaleza (CE),

    a partir de uma comparao entre o que foi exibido em uma semana da Copa do Mundo (de

    30/6 a 4/7) e um perodo anterior ao evento (de 19 a 23/5). Apoiamo-nos em pressupostos acerca

    da produo social da realidade pelos media, como a noo de valor-notcia (GOMIS, 2002) e

    fontes jornalsticas (GOMIS, 2004). O tom (DUARTE, 2007, 2008) assumido por tais

    produes tambm investigado. Foi possvel constatar uma inverso dos valores-notcia

    estabelecidos pelo telejornalismo produzido na emissora, a qual induz a uma percepo positivada realidade de modo a favorecer o evento esportivo.

    Palavras-chave:

    Telejornalismo. Copa do Mundo. Violncia urbana. Valores-notcia. Efeitos de sentido.

    1 Professora Assistente do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cear. Tutora do Programa deEducao Tutorial da Comunicao SocialUFC.

    2Professor Assistente do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cear. Doutorando em Lingustica pelaUniversidade Federal do Cear.

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    Abstact

    In a mediatizated society, it is necessary to understand the meanings produced by the media

    institutions, as they influence and are influenced by interests not always beneficial to the

    society. During the FIFA World Cup in Brazil, between June and July 2014, a feeling of security

    was perceived by tourists visiting the cities hosting the games, as well as the residents of these

    places (CANTANHEDE, 2014, REMGIO, 2014). However, when faced with public security

    data, it was found that in the period of the competition, the statistics of urban violence did not

    decrease. In fact, in Fortaleza, the number of homicides increased in the first half of 2014

    compared to the same period of 2013. Considering this disparity, we propose in this article to

    reflect on the implications of what is said and what is not said in the media. To do so, weinvestigated the incidence of urban violence theme in newscasts from TV Verdes Mares, of

    Fortaleza (Cear). We did a comparison between what was displayed in one week of the World

    Cup (from June 30th to July 4th) and a pre-event period (May 19th to May 23th). We rely on

    assumptions about the social production of reality by the media, as the notion of news-value

    (GOMIS, 2002) and journalistic sources (GOMIS, 2004). The tone (DUARTE, 2007, 2008)

    settled by such productions is also investigated. As results, we found that there has been an

    inversion of news values set by the broadcaster, which induces a positive perception of realityin order to promote the sporting event.

    Keywords:

    Telejournalism. FIFA World Cup. Urban violence. News values. Meaning effects.

    1. Introduo

    No de hoje que um acontecimento, para existir como parte relevante da realidade

    social, precisa ser publicizado, ou midiatizado. Ao se debruarem sobre o papel dos mediaao

    longo da histria, Briggs e Burke (2006) relacionam o advento e a popularizao de cada meio

    de comunicao a diferentes eventos histricos mundiais, como guerras e revolues. Com o

    advento dos meios de comunicao de massa, no sculo XX, a dimenso miditica passou a

    assumir cada vez um espao mais central na produo e difuso de sentido na sociedade,

    passando a ditar como cada um de ns deve se vestir, pensar, agir. Tanto que, para os autores

    dos primeiros estudos comunicacionais, tratava-se de um poder com a fora de uma bala

    mgica, capaz de transpor as intenes do produtor ao receptor sem qualquer questionamento

    (WOLF, 1997). H muito, a viso desse poder supremo de manipulao foi deixada de lado, a

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    partir da percepo dos limites da apropriao dos contedos miditicos. Porm, no possvel

    ignorar o papel dos mediaem uma sociedade em que, cada vez mais, toda etapa da vida social

    - desde interagir com um colega ou familiares at acessar e compartilhar informaes - passa

    por meios de comunicao.

    Orozco Gomez (1997), seguindo a linha dos estudos culturais latino-americanos,

    considera que no se pode enxergar os meios de difuso modernos apenas como meios.

    So linguagens, metforas, dispositivos tecnolgicos, cenrios onde se gera, se ganhaou se perde o poder; so mediaes e mediadores, lgicas, empresas mercantis, soinstrumentos de controle e formao social, e alm disso, so dinamizadores culturaise fonte de referentes cotidianos; so educadores, representadores da realidade e sogeradores de conhecimento, autoridade e legitimao poltica3. (OROZCO GOMEZ,1997, p. 26, trad. livre)

    Com um olhar especfico para a televiso, Martn-Barbero e Rey (2004) consideram que

    o fluxo continuum deste que ainda segue como o veculo de maior audincia entre o pblico

    latino-americano, ao tornar os gneros indiferentes e ao equivaler os discursos, remete s

    sociabilidades cotidianas que o caos urbano suscita, uma vez que, ao mesmo tempo que

    desagrega a experincia coletiva, impossibilitando o encontro e dissolvendo o indivduo no

    mais opaco dos anonimatos, introduz uma nova continuidade: a das redes e dos circuitos, a dos

    conectados. (2004, p. 36)

    Para Fausto Neto (2008), porm, o novo cenrio de difuso e apropriao dos meios,

    intensificado nos ltimos 30 anos, nos leva a uma transformao ainda mais profunda das

    relaes sociais, no se restringindo a mediaes. O autor percebe uma fuso entre os referentes

    scio-tecnolgicos e todas as prticas sociais, constituindo o que ele chama de cultura da

    mdia, namedida em que no se trata de mais uma possibilidade ou variao das vivncias

    sociais, mas a prpria organizao social que passa a se estabelecer a partir das dinmicasestabelecidas pelos media. Assim, acima de tudo, vivencia-se uma sociedade midiatizada, sem

    que se perceba nem se questione, em geral, as limitaes impostas por estes mesmos media.

    Diante de tudo isso, recai sobre a pesquisa em comunicao questionar o sentido

    produzido pelos meios de comunicao em determinadas situaes, de modo a melhor

    3Son lenguajes, metforas, dispositivos tecnolgicos, escenarios donde se genera, se gana o se pierde el poder;

    son mediaciones y mediadores, lgicas, empresas mercantiles, son instrumentos de control y moldeamiento social,y a la vez, son dinamizadores culturares y fuente de referentes cotidianos; son educadores, representadores de larealidad y son generadores de conocimiento, autoridad y legitimacin poltica.

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    compreender fenmenos sociais e, a partir disso, suscitar uma crtica a essa difuso, de modo a

    ampliar as formas de ler e de intervir em prticas que possam gerar o bem comum. Sem qualquer

    questionamento, muitas vezes interesses privados prevalecem sobre interesses pblicos

    mascarados como demandas sociais.

    O perodo da Copa do Mundo de futebol foi bastante profcuo neste sentido.

    Campeonato que movimentou bilhes de dlares (s o governo brasileiro investiu 11 bilhes

    de dlares para a organizao do evento4), sob os olhos de milhes de telespectadores (apenas

    no jogo de abertura, 42 milhes de pessoas assistiram ao jogo entre Brasil e Crocia pela TV

    Globo, segundo dados da Fifa5, entidade privada que promove o evento6). Os valores

    multiplicam-se diante da cadeia comercial que se estabeleceu no entorno do evento, com vistas

    ao turismo, venda de produtos licenciados, difuso da imagem dos jogos, jogadores e

    tcnicos, das selees, constituindo assim uma sucesso de interesses que passava ao largo dos

    interesses pblicos.

    Um desses interesses resvala na prpria construo da realidade social. Cotidianamente,

    os mediaabordam casos de violncia com grande intensidade ao longo de toda a programao,

    seja em atraes de cunho fictcio, seja em programas informativos. A violncia atravessa anarrativa cotidiana das periferias e se estabelece como uma das mais recorrentes faces da rotina

    de toda grande cidade brasileira. Coincidindo com a sensao de insegurana percebida pela

    populao, como demonstra pesquisa divulgada no incio de 2014, realizada pelo Ibope, que

    mostra que 91% da populao de So Paulo acreditam que a cidade pouco segura - ainda que

    o local registre uma das mais baixas taxas de homicdio do pas7. O que no significa que o

    Brasil no seja de fato inseguro: segundo pesquisa da ONU (Organizao das Naes Unidas),

    4Segundo matria da revista Exame, publicada em 13 jul. 2014, no link http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/os-grandes-numeros-da-copa-no-brasil. Acesso em 16 set. 2014.

    5Fdration Internationale de Football Association.

    6 Disponvel em http://pt.fifa.com/worldcup/news/y=2014/m=6/news=primeiros-jogos-da-copa-do-mundo-quebram-recordes-de-audiencia-2378900.html. Acesso em 16 set. 2014.

    7

    Reportagem que mostra os dados da pesquisa pode ser vista no link http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2013/01/pesquisa-aponta-sensacao-recorde-de-inseguranca-entre-paulistanos.html. Acesso em 16set. 2014.

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    o pas tem 11 das 30 cidades mais violentas do mundo (REMIGIO, 2014). E entre essas cidades

    esto locais que foram sede de jogos da Copa, como Fortaleza.

    Contudo, durante o evento esportivo, essa sensao mudou, como constatou uma das

    mais importantes colunistas da imprensa do pas.

    Houve um hiato. Antes da Copa, os brasileiros e a imprensa nacional e parte dainternacional relatavam casos horrendos, estatsticas cruis. Cada um de ns tinhalistas de casos de violncia do dia, da semana, do ms, da amiga, do vizinho, da me,do sobrinho - quando no de ns mesmos. Durante a Copa, silncio geral(CANTANHEDE, 2014).

    E essa sensao no se restringiu imprensa. Nas redes virtuais, no era incomum ouvir

    ou ler relatos, durante o evento, com elogios segurana padro Fifa e sensao de paz que

    a realizao dos jogos estava trazendo. Porm, quando os nmeros vieram tona, aps a

    competio, foi possvel constatar que nada havia mudado: pelo contrrio, ao invs de

    recrudescer, a violncia havia at aumentando em algumas regies do pas, como em Fortaleza,

    uma das cidades-sede do campeonato. Segundo dados da Secretaria de Segurana Pblica do

    Estado, nos meses de junho e julho de 2014, meses da Copa, houve 697 homicdios no Cear,

    nmero 3,4% maior que o registrado no mesmo perodo do ano anterior (quando houve 674

    mortes violentas)8. Por que, ento, a populao se sentia mais segura?

    Uma das respostas possveis pode estar justamente na atuao dos media, em especial

    da televiso. Para tanto, propomos aqui uma anlise da cobertura noticiosa durante o perodo

    da Copa no principal veculo de comunicao do Cear, a TV Verdes Mares, afiliada TV

    Globo - e que, por isso, era a principal detentora do direito de transmisso dos jogos da Copa

    no Estado. Anlise de carter comparativo, com perodo equivalente anterior Copa, para

    buscar padres de noticiabilidade dos programas informativos desse veculo e possveis

    mudanas durante o Mundial de Futebol, expondo-se o que foi dito e o que no foi dito nesse

    perodo, com especial ateno s notcias relacionadas violncia.

    2. A construo da realidade pelos media

    antigo o questionamento sobre como os acontecimentos se transformam em notcia.

    Ainda no sculo 17, estudiosos j se preocupavam com aspectos da seleo de informaes para

    8

    Dados da Secretaria de Segurana Pblica do Estado do Cear podem ser conferidos no linkhttp://www.sspds.ce.gov.br/informacaoDetalhada.do?tipoPortal=1&codNoticia=2987&titulo=Indicadores%20Criminais%202013&action=detail.Acesso em 16 set. 2014.

    http://www.sspds.ce.gov.br/informacaoDetalhada.do?tipoPortal=1&codNoticia=2987&titulo=Indicadores%20Criminais%202013&action=detailhttp://www.sspds.ce.gov.br/informacaoDetalhada.do?tipoPortal=1&codNoticia=2987&titulo=Indicadores%20Criminais%202013&action=detailhttp://www.sspds.ce.gov.br/informacaoDetalhada.do?tipoPortal=1&codNoticia=2987&titulo=Indicadores%20Criminais%202013&action=detailhttp://www.sspds.ce.gov.br/informacaoDetalhada.do?tipoPortal=1&codNoticia=2987&titulo=Indicadores%20Criminais%202013&action=detail
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    publicao, tais como a veracidade dos eventos relatados, suas consequncias e o impacto que

    podem obter junto ao meio social (SILVA, 2005). Essas reflexes servem de ponto de partida

    para o aprofundamento, sculos depois, da compreenso do funcionamento das instituies

    jornalsticas de feio industrializada.

    Estabelece-se, assim, o campo de interesse inicial do chamado newsmaking ou

    construo noticiosa, parte relevante de uma sociologia dos emissores jornalsticos. A

    conjuno entre os valores profissionais e o modo de organizao do trabalho jornalstico

    produz os chamados critrios de noticiabilidade (newsworthiness), isto , a aptido de cada fato

    para ser transformado em notcia. Um fato vai ser considerado jornalstico, portanto, se for visto

    como tal pelos jornalistas e se cumprir certos requisitos das rotinas de produo. Segundo essa

    teorizao, tudo o que no corresponde a esses critrios excludo por no ser adequado aos

    cnones da cultura profissional e s exigncias das rotinas produtivas (WOLF, 2009).

    Silva (2005) distingue trs grupos de componentes da chamada noticiabilidade: a)

    elementos por meio dos quais a empresa jornalstica controla e administra a quantidade e o tipo

    de acontecimentos noticiados; b) elementos intrnsecos que demonstram a aptido ou potencial

    de um evento para ser transformado em notcia; e c) questes tico-epistemolgicas do prpriojornalismo incidentes sobre o fenmeno. A partir de uma explorao diacrnica do conceito de

    valor-notcia, Silva (2005) chega a 12 elencos listados por diferentes estudiosos. Em comum

    maioria dos grupos de valores-notcia apresentados, aparecem novidade/ineditismo e

    importncia/interesse, o que indica serem esses os valores mais recorrentes dentre aqueles

    enunciados para justificar a publicao de notcias.

    Em relao ao eixo importncia/interesse, Gomis (2002) distingue o importantecomo

    o tipo de informao que todos precisam saber; j o interessanteconsiste numa informao que

    o pblico gostaria de saber, uma informao agradvel de se conhecer. Os dois conceitos,

    segundo o autor, cobrem todo campo de valores-notcia (p. 226). Esses seriam, assim, macro-

    valores notcia capazes de reger os demais. Como aponta Silva (2005), os valores-notcia so

    entendidos concomitantemente como causa e consequncia da seleo de notcias.

    Assume-se, neste trabalho, que a noticiabilidade dos acontecimentos ligados Copa

    um fator que agencia a construo discursiva dos telejornais analisados - e mais do que isso,

    custa do que no noticiado que se estabelecem os sentidos ofertados ao pblico. Esse

    agenciamento parece se orientar pela lgica da assuno de valores-notcia de referncia

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    (GUERRA, 2003), isto , aqueles que para a organizao jornalstica so mais relevantes, seja

    pelo prisma das demandas institucionais, seja pelo que se presume ser a expectativa da

    audincia. Ainda que estas escolhas no contemplem outros acontecimentos que,

    rotineiramente, so os que dominam a pauta desses mesmos telejornais.

    3. Efeitos de sentido no telejornalismo

    No difcil concordar com a ideia de que a tessitura social produzida ou afirmada

    por meio da circulao de discursos. A esse respeito, sintomtico o fenmeno da midiatizao,

    bem como o da fixao de valores-notcia pelos produtores de notcias, j referidos em

    momentos anteriores deste trabalho. Nessa visada semitica acerca das significaesproduzidas socialmente, so sobremaneira relevantes as tentativas de compreender as

    estratgias e os padres de textualizao que presidem tais processos. Uma das noes mais

    produtivas nesse mbito a de gnero textual/discursivo, que vem sendo abraada, em

    diferentes contextos, por estudiosos de mltiplas origens (ARISTTELES, 1979; BAKHTIN,

    2006 [1929]; MARCUSCHI, 2002; KRESS, 2010, entre outros).

    Sem a pretenso de esgotar esse campo vasto e aberto de estudos, limitamo-nos a

    apresentar apontamentos sobre como a ideia de gnero pode servir de ponto de partida para aapreenso de uma textualidade televisiva (DUARTE, 2004). Conforme definidos em

    Aristteles, gneros podem ser entendidos como classes de discursos que serviam, cada uma, a

    fins retricos distintos. Alm do carter precursor, a contribuio de Aristteles ao estudo dos

    gneros est, entre outras coisas, em perceber essa categoria como baliza para o estabelecimento

    de pontos-de-vista e lugares de fala inscritos nos discursos, antecipando em alguns milhares de

    anos as discusses contemporneas sobre as relaes entre linguagem e sociedade. Essa

    tipificao abre espao para uma compreenso do gnero como um dispositivo capaz de nosfalar acerca da relativa estabilidade de enunciados recorrentes, que por sua vez cristalizam

    prticas socioculturais minimamente consagradas - ou, em muitos casos, regulam e constroem

    essas mesmas prticas. Em se tratando de prticas miditicas, os gneros funcionam tanto como

    essa espcie de espelho que refrata os estados de coisas e objetos do mundo, mas tambm como

    uma garantia institucional de que os bens simblicos sero reconhecidos e frudos a partir de

    uma determinada lgica, instituindo um certo quadro de afetos, apropriaes e operaes

    cognitivas variveis conforme o gnero em questo.

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    ilustrativa, a esse respeito, a concepo de gnero como instncia de mediao entre

    as lgicas da produo e do consumo, defendida em Martn-Barbero (1997). O modo de

    funcionamento dessas diferentes instncias molda os formatos assumidos pelas produes

    televisivas, foco da reflexo desse autor. Jost (2004) caminha em direo semelhante ao afirmar

    que os gneros podem surgir de instncias diversas, inclusive aquelas situadas fora da mdia,

    validando a ideia de que as prticas discursivas se entremeiam s prticas sociais, assim como

    emisso e recepo se relacionariam de maneira simbitica.

    Nas suas nuances, os gneros estabelecem interlocues possveis com seus

    destinatrios. Um dos elementos que podem ser considerados nesse sentido o tom, definido

    por Duarte (2007) como um dispositivo sinttico-semntico que conforma um ponto de vista

    ou ancoragem a partir do qual um discurso pretende ser reconhecido. Nesse sentido, a noo de

    tom suplanta o sentido comumente a ela associada em outros contextos, como o presente em

    linguagens isoladassai-se do plano da expresso em direo ao plano do contedo, em funo

    da complexidade do produto televisual. A autora ressalta que o tom difere dos mecanismos de

    modalizao e sensibilizao passional, bem como da fora ilucionria ou perlocucionria que

    se possa atribuir aos enunciados.

    Em geral, nos telejornais, um tom principal acionado, podendo se somar a tons

    secundrios. A definio desse tom responsabilidade da instncia televisual e se dirige ao

    meio social, buscando a adeso de um interlocutor, que reconhece no produto televisivo o

    cumprimento de certas promessas pragmticas (JOST, 2004). O tom se orienta por um feixe de

    relaes representado por uma tentativa de harmonizar o tema da emisso, o gnero e o

    subgnero do programa, o pblico a que se destina e o tipo de interao que pretende manter

    com ele. Duarte defende que cada subgnero televisual atualize um certo tipo de tom ou

    combinatria tonal, com o fito de controlar o discurso e sua aleatoriedade. Como os produtos

    televisuais evidenciam seus tons de forma difusa e dissipada, necessrio, ainda conforme a

    autora, perscrutar "o texto em busca desses elementos que sustentem sua manifestao"

    (DUARTE, 2007, p. 48).

    As emisses televisuais se orientariam em funo de uma categoria fundamental de tom,

    a saber, a disposio. Esta, por sua vez, se estrutura a partir de dois eixos opostos, sobriedade e

    ludicidade (DUARTE, 2008). Contudo, em relao aos telejornais, a autora assinala que o tom

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    principal perseguido o de seriedade, ao qual se agregam tons complementares como

    formalidade, neutralidade, contrao e profundidade.

    Neste trabalho, apresentamos a suposio de que os tons televisuais consubstanciam

    escolhas de construo noticiosa (newsmaking), possuindo relao prxima com os valores-

    notcia observveis no contedo dos produtos jornalsticos. No caso em tela, o tom e os valores-

    notcia serviriam como chaves interpretativas a partir das quais se pode compreender um certo

    tipo de enquadramento do tema Copa do Mundo nas matrias da TV Verdes Mares.

    4. Metodologia

    Para este trabalho, foram analisadas transmisses dos trs telejornais da grade da TV

    Verdes Mares, afiliada TV Globo no Cear, em dois momentos distintos: um anterior Copa

    do Mundo, na semana de 19 a 23 de maio de 2014perodo escolhido aleatoriamente, tendo

    como critrio que fosse uma semana comum , e outro durante a Copa, na semana de 30 de

    junho a 4 de julho de 2014. Os trs telejornais em questo so o Bom Dia Cear, que vai ao ar

    de segunda a sexta-feira, das 6h30 s 7h30; CETV 1 Edio, no ar das 12h s 12h45, de segunda

    a sbado, e o CETV 2 Edio, com transmisso das 19h15 s 19h30, tambm de segunda a

    sbado. No perodo da Copa, contudo, o CETV 2 Edio foi encurtado, com veiculao de 5 a10 minutos dirias, por causa dos jogos.

    Outro elemento a ser levado em conta para esta anlise que as matrias foram

    acessadas no site de notcias da emissora, em que os vdeos so disponibilizados de forma

    avulsa, e no o telejornal completo. Com isso, no possvel estabelecer em que ordem as

    matrias foram veiculadas, nem dispor de outros elementos que compem o telejornal, como

    notas peladas. Assim, o delineamento de uma tonalizao da emisso restringe-se ao que se

    pode verificar nos gneros notcia/reportagem, matria-prima bsica dos telejornais.

    O levantamento, assim, teve como intuito primeiro enumerar as matrias veiculadas em

    cada dia, em cada telejornal, a partir do tema tratado. Considera-se, para isso, como os valores-

    notcias dessas reportagens correspondem diviso fundamental entre importante e interessante

    (GOMIS, 2002). Em um segundo momento, foi possvel estabelecer um quadro com esses

    vdeos, dividindo-os a partir do teor de cada matria, se de carter negativo (reportagens que

    tratassem de acontecimentos problemticos ou crticos, como situaes de violncia, dennciasde problemas urbanos, sociais ou ambientais, piora em indicadores, acidentes e qualquer tipo

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    de conflito) ou de carter positivo (notcias relacionadas a eventos, oferta de servios pblicos,

    agenda cultural, esportes). Importante ressaltar que tal diviso se deu especificamente a partir

    do tema da reportagem, e no do seu teor integral. Essa deciso metodolgica se deu levando

    em conta as consideraes de Van Dijk (1990) sobre uma das principais caractersticas do

    discurso jornalstico, de trazer, logo em seu ttulo, elementos que permitem a identificao de

    um tema, como elemento que situa macroproposies, possibilitando que o leitor, ou a

    audinciano caso do telejornalismo, construa determinadas expectativas em relao quele

    enunciado, de acordo com seus valores e conhecimentos do mundo.

    Duarte (2007) tambm observa que a temtica de uma emisso capaz de apontar que

    proposies em nvel de contedo esto expressas por tal fragmento. Esses dados quantitativos,

    porm, serviro apenas como ponto de partida. Em seguida, partimos para uma anlise

    qualitativa de tal modo a visibilizar os critrios de noticiabilidade que prevaleceram na seleo

    das notcias e a tonalizao dada a esses telejornais, de acordo com cada momento proposto,

    para, a sim, ser possvel visualizar o sentido produzido por essas escolhas, tanto temticas

    como tonais, a partir do que foi dito e do que no foi dito nas transmisses em questo.

    5. Anlise de dados

    5.1 Teor das matrias

    De acordo com os temas levantados, na semana de 19 a 23 de maio de 2014, os

    telejornais da TV Verdes Mares apresentaram a seguinte relao entre matrias com temas tidos

    como positivos e negativos:

    Bom Dia Cear CETV 1 Edio CETV 2 Edio

    Positivas 35 16 10

    Negativas 20 21 20

    Nota-se que o telejornal de maior extenso, Bom Dia Cear, com uma hora de durao

    , o que apresenta o maior nmero de matrias de tema positivo, o que explicado por uma de

    suas caractersticas, de abrir um grande espao para o chamado jornalismo de servio (ou, para

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    alguns autores, jornalismo cidado), com o anncio de servios pblicos populao e notcias

    que informam sobre trnsito e aspectos relacionados sade e educao. J as duas edies

    do CETV se caracterizam por uma quantidade maior de matrias de cunho negativo, que vo

    desde a denncia de problemas urbanos em bairros, ou queda de ndices educacionais ou

    econmicos, at matrias relacionadas segurana pblica. S nessa semana, no CETV 1

    Edio, foram sete matrias que enunciavam crimes; no CETV 2 Edio, foram seis que

    relatavam algum tipo de violncia provocada por um crime. No Bom Dia Cear, tambm foram

    veiculadas sete matrias com relatos sobre violncia nessa mesma semana.

    Abaixo, os dados levantados a partir das transmisses realizadas no perodo de 30 de

    junho a 4 de julho de 2014, durante a Copa do Mundo:

    Bom Dia Cear CETV 1 Edio CETV 2 Edio

    Positivas 42 37 17

    Negativas 8 3 4

    O desequilbrio entre temas tidos como positivos e negativos nesta semana

    evidenciado nas tabelas. Especialmente no CETV 1 Edio, praticamente deixou-se de lado as

    matrias de cunho negativo, preponderantes na semana de 19 a 23 de maio. Em seu lugar, vdeos

    sobre a Copa, inclusive sobre os jogos (resultados e preparativos das equipes), mas sobretudo

    sobre como a cidade de Fortaleza estava se preparando para o prximo jogo, ou como os

    torcedores estavam fazendo para comemorar ou para comprar ingressos para assistir ao jogo do

    Brasil, e ainda histrias de torcedores apresentados como especiais, por algum tipo de esforo

    realizado para comparecer ao evento. Tambm houve espao para matrias relacionadas a

    ganhos financeiros com a Copa e sobre turismo. As excees foram matrias relatando um caso

    de violncia envolvendo torcedores mexicanos e dois crimes que envolviam policiais.

    Problemas urbanos nos bairros, indicadores socioeconmicos negativos, falhas na sade

    pblica, ineficincia de servios pblicos ou privadosnada disso foi relatado durante toda

    esta semana nos trs telejornais estudados.

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    Especificamente sobre violncia, alm de no haver relatos sobre crimes no mesmo

    volume que em edies regulares, durante esta semana da Copa foram veiculadas matrias sobre

    iniciativas do governo para reforar a segurana pblica, como a que foi ao ar no Bom Dia

    Cear no dia 1 de julho, mostrando que o Corpo de Bombeiros havia sido acionado para

    aumentar o efetivo policial, com um vis positivo.

    5.2 Critrios de noticiabilidade

    Do ponto de vista da noticiabilidade, percebe-se, no corpuscoletado, a prevalncia dos

    valores-notcia de referncia, conforme definidos por Guerra (2003). Sobressaem as

    reportagens que evidenciam algum tipo de vinculao aos interesses da empresa jornalsticanos dois momentos. No primeiro, a prevalncia de notcias relacionadas violncia refora a

    funo social do jornalismo de TV que, acredita-se, esperada pelo pblico, ao expor situaes

    crticas e violentas como forma de cobrar solues - o jornalismo, assim, se estabelecendo como

    os olhos da sociedade perante o poder pblico, servindo de mediador dos problemas e at parte

    das solues, o que reforado pelas reportagens de servio (inclusive as de cunho positivo).

    J no perodo da Copa, sobressaram os interesses privados da empresa de comunicao

    - como foi dito, a TV Verdes Mares, afiliada TV Globo, era a principal emissora no Cear a

    deter o direito de transmisso dos jogos da Copa do Mundo, o que favorecia diretamente a

    captao de publicidade ao longo do evento (os valores envolvidos no foram divulgados). Com

    jogos durante todo o dia, a grade de programao da emissora - o que inclui os programas de

    carter jornalstico - foi diretamente envolvida com a cobertura do evento esportivo, com o

    propsito de demonstrar o quanto estava sendo positivo, um sucesso. Mais do que isso: ao

    omitir quaisquer outros problemas que envolvessem a cidade e a sociedade naquele momento,

    a TV produziu um ambiente ainda mais favorvel a uma percepo positiva de todo o evento,

    como algo que, alm de propiciar diverso e bons negcios, favoreceu o bem estar de toda a

    populao. Essa percepo possvel especialmente pela oscilao entre as notcias

    pertencentes ao polo do importante para o do interessante, de acordo com os prefeitos

    defendidos por Gomis (2002), quando comparamos os dois perodos. No primeiro momento,

    prevalecem as de importantes, j que grande parte das matrias de cunho negativo traziam

    denncias e avaliaes crticas de servios pblicos, como a exibida em 20 de maio, no Bom

    Dia Brasil, que mostrava que o municpio de Morrinhos possua apenas uma ambulncia, ou

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    uma matria exibida no dia 21 de maio, no CETV 1 Edio, que mostrava a situao de

    abandono de um dos bairros da capital.

    Durante a Copa, com a omisso desse tipo de matria, ganharam espao vdeos que

    enfatizavam narrativas (storytelling, nas palavras de Ekstrm, 2000), com predomnio das

    histrias que enalteciam algum tipo de ao em prol do evento esportivo. Alguns exemplos: o

    caso da famlia cearense que mostrou exemplo de cidadania ao devolver pertences de um

    torcedor estrangeiro, exibida no dia 1 de julho, no CETV 1 Edio; a iniciativa de moradores

    do entorno do estdio do Castelo que estavam faturando renda extra com os jogos, que foi

    ao ar no CETV 2 Edio do dia 2 de julho; e a histria do torcedor amazonense que mantinha

    a tradio de viajar para acompanhar jogos da Copa, veiculada no dia 3 de julho, no Bom Dia

    Cear. Nesse sentido, o perodo da Copa do Mundo acabou por suscitar reportagens que

    convocam valores-notcia como raridade (incomum, inusitado), surpresa (inesperado) e

    tragdia/drama, sobremaneira nos aspectos emoo e interesse humano, havendo diminuio

    drsticas do item violncia.

    Como visto, os dados tambm apontam para uma tendncia mais global dos noticirios

    telejornalsticos: sua aproximao com o infoentretenimento, isto , a construo de narrativasmais palatveis e espetacularizadas (SILVA, 2008). Numa acepo mais precisa, pode-se

    relacionar uma parte considervel das reportagens consideradas para anlise s categorias de

    narrativas (storytelling) e de atraes elencadas por Ekstrm (2000) em sua caracterizao dos

    modos de comunicao televisiva. Para o autor, melhor do que falar da unio entre informao

    e entretenimento como dois polos opostos, mais preciso estabelecer, como categorias de

    anlise, trs estratgicas comunicativas que vm sendo empregadas na produo televisual, dos

    mais diversos gneros: informao,storytellinge atrao. Trs modos que no necessariamente

    surgem puros na programao: estes se misturam em diferentes graus, na busca por constituir

    produes que atraiam os olhares do pblico. Assim, uma situao que, no cotidiano,

    dificilmente seria considerada notcia, como a relao afetiva entre uma cearense e um

    colombiano, vira foco de uma matria de TV, ao se abordar como estava a expectativa de ambos

    para o jogo entre as selees do Brasil e da Colmbia, que iria se realizar em Fortaleza, como

    mostrou o Bom Dia Cear do dia 3 de julho. Mais do que um fato relevante socialmente,

    prevaleceu, ao se selecionar este episdio para integrar o telejornal matutino, a histria de vida,

    a emoo e a tenso que poderia envolver o casal, ainda que este no fosse formado por

    celebridades.

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    5.3 Tonalizao

    Em perodos ordinrios, os trs telejornais da TV Verdes Mares seguem rotineiramenteum tom tradicional em sua composio, de sobriedade, em primeiro plano, em que os

    apresentadores desenvolvem performances contidas, srios, com um espao curto para o tom

    ldico - envolvendo sorrisos e comentrios amenos - restrito apenas a pautas especficas, como

    esportes e cultura. A sobriedade imposta maior parte da emisso integra o padro adotado

    pelos demais telejornais nacionais - marcadamente os da Rede Globo usam esse tom em larga

    escala -, como forma de enfatizar a seriedade e a credibilidade de sua produo, agregando

    confiabilidade ao que se diz. No foi o verificado, porm, no perodo da Copa. Na semana

    analisada, houve o predomnio de reportagens com a tonalizao ldica. Como exemplos,

    matria que mostrava que garons faziam at mmica para atender os turistas estrangeiros,

    exibida em 1 de julho no CETV 1 Edio; outra que afirmava que os visitantes estrangeiros

    descobriram que o melhor do Cear o cearense, que foi ao ar nesse mesmo dia, no mesmo

    telejornal; e ainda matria que mostrava a comemorao de torcedores holandeses com a vitria

    da seleo de seu pas, exibida em 30 de junho, no Bom Dia Cear.

    A partir de uma temtica positiva, que enaltecia a celebrao propiciada pelo eventoesportivo, o tom da apresentao do telejornal tambm se diferenciou do padro, adotando, para

    tanto, uma performance tambm mais informal, envolta a sorrisos, Um exemplo pde ser visto

    no dia 30 de junho, quando o CETV 1 Edio, ao invs de comear com sua vinheta tradicional

    de abertura, foi iniciado com uma sequncia de imagens da torcida brasileira, durante vitria da

    seleo no estdio do Castelo, no final de semana anterior. As imagens foram lanadas como

    em um clipe musical, selecionando apenas momentos alegres, em que o pblico comemorava

    ou acenava alegremente. Na sequncia, apareceu a apresentadora do telejornal, em p,

    gesticulando bastante - em gestos bem menos regrados do que os costumeiros -, seguindo em

    direo ao telo onde aparecia, tambm sorrindo, uma reprter que falaria, em seguida, cercada

    de mais torcedores. O tema era o comportamento da torcida brasileira, entusiasmada com a

    competio.

    6. Consideraes finais

    Como visto, a Copa do Mundo ensejou um reposicionamento dos critrios de

    noticiabilidade empregados com mais frequncia pelos telejornais da TV Verdes Mares,

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    privilegiando uma pauta de interesses da instituio e de outras instncias privadas, em

    detrimento do que vinha sendo considerado de interesse pblico.

    Tais reflexos dos padres de noticiabilidade se fazem evidentes especialmente nos tons

    assumidos por diversas reportagens e da prpria apresentao do telejornal, os quais

    compuseram o corpus coletado durante o evento esportivo, que oscilam claramente em direo

    ao ldico aproximando o programa informativo do entretenimento, a partir da opo por

    contar histrias e enfatizar a emoo e o incomumo interessante. Diante dessa ambientao,

    mesmo assuntos relacionados violncia, antes situadas em primeiro plano nos trs telejornais

    da TV Verdes Maresmas especialmente no telejornal noturno, CETV 2 Edio, perde espao,

    deixa, momentaneamente, de ser notcia.

    O que no dito, assim, assumido como no-existente, na perspectiva de um tempo-

    espao construdo nos telejornais, o que reconhecido pelo pblico a partir de um contrato de

    comunicao (CHARAUDEAU, 2006) previamente estabelecido - e no desfeito

    explicitamente durante essas transmisses. Ainda que, no mundo real, a incidncia de casos

    de violncia no tenha cado, como demonstra a estatstica.

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