Artigo Perisson - AB Winnicott Esquizoidia 1

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    CONTRIBUIES WINNICOTTIANAS COMPREENSO DA ANLISE

    BIOENERGTICA DOS PACIENTES ESQUIZIDES

    Prisson Dantas do Nascimento

    Psiclogo Clnico. Trainee em Anlise Bioenergtica - IABSP.

    Mestre em Psicologia UFRN. Doutorando em Psicologia Clnica PUC/SP.

    Professor Assistente da Universidade Estadual do Piau e Faculdade Santo Agostinho.

    RESUMO

    O texto tem como objetivo central realizar uma discusso sobre o diagnstico, sintomatologia

    e tratamento psicoterpico de pacientes esquizides, pondo em dilogo os conceitos

    desenvolvidos por D. W. Winnicott, em sua teoria psicanaltica das relaes objetais e

    Alexander Lowen, criador da Anlise Bioenergtica. Apesar dos paradigmas diferenciados,

    percebemos muitas semelhanas na forma de compreender a esquizoidia como fenmeno

    clnico, no tocante a etiologia ligada a falhas graves do ambiente no desenvolvimento

    emocional que interromperam a continuidade do ser do beb, bem como uma teraputica

    preocupada com o restabelecimento da capacidade de vincular-se, propiciando ao paciente um

    setting aberto e regressivo de confiabilidade e holding para suportar as angstias indizveis de

    enlouquecimento e dissociao. Diferenas tericas e tcnicas so ressaltadas: a noo de

    estrutura caracteriolgica descrita por Lowen, a utilizao ativa de tcnicas corporais, bem

    como a necessidade de atividade interpretativa. No entanto, conclui-se que essas idias podem

    perfeitamente entrar em dilogo, de forma a contribuir para um maior potencial de sade e

    integrao psicossomtica nesse tipo de pacientes.

    PALAVRAS-CHAVE:Psicanlise Winnicottiana; Anlise Bioenergtica; Esquizoidia.

    Percebe-se na literatura psicanaltica (Figueiredo, 2002; Safra, 2003; Costa, 2007; Mezan,

    1998, Marty, 2001), como tambm na psicoterapia corporal (Lowen, 1998; Tonella, 2005;

    Boadella, 2000; Hortelano, 2003; Navarro, 1999) uma preocupao crescente com um

    fenmeno que est muito presente no cotidiano da clnica contempornea. Tais autores nos

    apontam que os pacientes mudaram encontramos em tendncia decrescente o nmero de

    pessoas com estruturas egicas bem formadas, queixando-se de problemticas referentes

    castrao e represso sexual, que originariam sintomas histricos, por exemplo. Pelocontrrio, a clnica atual requer sua ateno para pacientes que possuem repertrios frgeis de

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    defesa, com uma constituio fragmentada de sua personalidade, pobreza associativa,

    depresso, sentimentos de vazio, inexistncia, inutilidade e falta de perspectivas de existir.

    Tais pacientes revelam para ns, psicoterapeutas, um movimento social contemporneo de

    insegurana nos vnculos afetivos (Bauman, 2006) e de valores, um ambiente relacional de

    relaes virtuais, objetificadas, efmeras, baseadas na lgica da descartabilidade e do

    consumo, num ritmo que Lipovetsky (2007) qualificou como hipermoderno.

    Nesse contexto, o fenmeno clnico da esquizoidia e da problemtica borderline

    parecem trazer para a nossa escuta um contexto individual e social, exigindo uma nova forma

    de escuta e tratamento dessas pessoas que se encontram desprovidas de contato, de um self

    integrado residindo em um corpo encarnado, com um mundo interno que possa ter coerncia e

    perspectivas de crescimento e auto-realizao, ou seja, capacidade de estar s e esperana de

    viver, como nos diria Winnicott (1996).

    Centraremos nosso texto no fenmeno da esquizoidia, que etimologicamente nos

    remete a palavra schizo ciso/ruptura, que define bem, em termos fenomenolgicos e

    subjetivos a problemtica dessas pessoas. A proposta desse trabalho consiste em realizar um

    dilogo entre os conceitos desenvolvidos pela Anlise Bioenergtica sobre o carter

    esquizide em sua sintomatologia, etiologia e tratamento e os conceitos winnicottianos sobre

    o trauma, a teoria do desenvolvimento emocional primitivo e a funo de holding e

    confiabilidade do analista como atitude teraputica bsica nesse tipo de personalidade.

    Para iniciar a reflexo, trataremos das divergncias paradigmticas existentes entre a

    viso de Winnicott sobre o ser humano e a Anlise Bioenergtica. Loparic (2008a) nos aponta

    que a psicanlise winnicottiana aponta uma mudana de paradigma em termos relacionais de

    teoria do desenvolvimento e de constituio do ser humano como dotado de um tendncia

    inata para o amadurecimento e integrao, tendo em vista a nfase dada ao ambiente

    facilitador que possibilita um contnuo, para o beb, no tempo e no espao, de sentir-se

    existindo. Weigand (2006) acrescenta que esse paradigma, por ela conceituada como objetal, caracterizado por enfatizar o desenvolvimento do ser humano pr-edipiano, compreendendo

    a complexidade dos processos de formao egica nos primeiros anos de vida, fundamentais

    para o desenvolvimento subjetivo e psicodinmico. Essas idias contrapem-se ao paradigma

    freudiano que centra na sexualidade o ncleo central de etiologia das neuroses, privilegiando

    a castrao e a trama edpica como marcos psicolgicos fundamentais para a solidificao de

    estruturas de defesas.

    Nesse contexto, a Anlise Bioenergtica, em suas bases tericas, desenvolvidas porLowen, vai compreender o ser humano sob a tica do paradigma pulsional freudiano, a partir

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    da noo desenvolvida inicialmente por Reich (1988), de carter, que pode ser definida como

    a maneira defensiva e rgida como a pessoa se relaciona no mundo. Advm de frustraes

    contnuas que impedem o curso do fluxo libidinal, do prazer e sexualidade. Serve para evitar a

    angstia ou os fortes sentimentos de prazer, sendo a soma total funcional de todas as

    experincias de vida da pessoa, sua histria solidificada. O carter uma defesa narcsica do

    ego, vivido pela pessoa de maneira inconsciente, o jeito que a pessoa tem de estar no

    mundo neuroticamente. O cliente incapaz, no incio da terapia, de perceber o seu carter

    como prejudicial, um impedimento no seu modo de viver.

    Em termos psicossomticos, Lowen (1988) afirma que o carter expresso

    somaticamente na forma de couraas (tenses) musculares, as quais devem ser relaxadas,

    liberando o contedo e a energia existente, transformando a energia libidinal que foi represada

    pela represso das demandas pulsionais originais em energia agressiva, libidinal, sexual,

    voltada para a satisfao das necessidades do sujeito, propiciando melhor qualidade de vida,

    assertividade e auto-regulao emocional, assentada na realidade do seu mundo interno, do

    corpo e do mundo exterior. Assim, o carter consiste em uma srie complexa de defesas e

    formas substitutas de alcanar um prazer, uma descarga da energia (impulso) original.

    Protegendo-se contra a angstia, o cliente limita a sua capacidade de sentir prazer na vida.

    interessante observar que, para a compreenso da formao da estrutura de carter,

    Reich (1989) e Lowen (1988) admitiram seis fatores constitutivos dos traumas que so

    decisivos na determinao do tipo de defesa do carter que uma criana adquiria: o momento

    em que um impulso frustrado; a extenso e intensidade das frustraes; os impulsos contra

    os quais a frustrao central dirigida; a razo entre a permisso e a frustrao; o sexo da

    principal pessoa frustradora e as condies das frustraes em si. Numa perspectiva

    winnicottiana, Fulgencio (2008) e Neto (2008b) argumentam que a noo de trauma refere-se

    a falhas ambientais que persistem no tempo e na consistncia, despertando prematuramente no

    beb uma sensao de quebra da continuidade de existir no seu processo de amadurecimentona relao com a pessoa cuidadora (mais precisamente a me), gerando um colapso na

    confiabilidade em si mesma e no mundo.

    Percebemos a uma diferena fundamental entre: 1) uma perspectiva que analisa o ser

    humano como contnuo vir-a-ser em processos contnuos ou descontnuos de

    desenvolvimento, passveis constantemente de idas e vindas na anlise pelo processo de

    regresso para a progresso e 2) uma perspectiva que observa o fluxo do desenvolvimento

    emocional infantil sob o vis da sexualidade, aqui considerada como pr-genital, que vaidesenvolver uma srie de fixaes decorrentes de frustraes nos destinos pulsionais. Tais

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    desvios na relao com os objetos configuraro uma estrutura de defesas complexa, para

    assegurar narcisicamente a sobrevivncia psquica do sujeito, causando a ciso entre afetos e

    representaes. Numa perspectiva vemos um sujeito tendendo continuamente a uma

    integrao psicossomtica, numa outra percebemos um sujeito dividido, cindido, que tenta

    buscar uma integrao neurtica por meio de uma estruturao caracterial, sempre falha.

    Levando em considerao essas especificidades paradigmticas, problematizaremos

    agora a questo da esquizoidia, retomando o dilogo entre os autores. Em termos etiolgicos,

    Lowen (1990) conceitua o esquizide como uma criana odiada, ou seja, fruto de uma

    parentagem abusiva, de spera a no harmonizada, fria, distante, e desconectada. A criana

    experiencia a si mesma como odiada, no desejada ou insignificante. Com os recursos

    limitados de um beb, o indivduo pode apenas se retrair, dissociar ou migrar internamente. O

    bloqueio das expresses mais bsicas da existncia e o retraimento de energia com relao

    realidade externa, aos outros e a prpria vida gera indiferena e desconexo para consigo e

    para com as pessoas, da a dificuldade de estabelecer relaes. Isso pode acontecer desde a

    gestao, corroborando uma hiptese reichiana de que os pacientes com ncleos psicticos em

    sua personalidade teriam vivido energeticamente a experincia, durante a gravidez, de um

    tero frio, um dio inconsciente da me pelo feto. Experincias de depresso ps-parto,

    apatia, angstias da me no tocante a falta de apoio ambiental para que a mesma pudesse estar

    disponvel para suprir as poderosas e constantes demandas do beb tambm podem deixar

    marcas profundas de sentimentos de congelamento, terror e aniquilamento. Dessa forma, os

    esquizides clamam pelo direito de existir, de encarnar no prprio corpo, que se encontra

    dissociado por uma grande capacidade intelectual, criativa ou espiritualizada.

    Podemos j nesse ponto, dialogar com algumas idias de Winnicott. Dias (2008a)

    afirma que o beb, em seu processo de amadurecimento emocional, no estgio de dependncia

    absoluta nos primeiros meses de vida, precisa sentir-se acolhido, respeitado em suas

    necessidade e ter uma proviso ambiental que lhe garanta um holding de sustentabilidade econfiana. A principal tarefa maturacional do beb conquistar gradativamente o senso de

    existir, o eu sou primrio, atravs do processo de integrao psicossomtica e

    personalizao. A me consegue estar no lugar de pra-excitante e continente das angstias

    inominveis do beb em suas necessidades mais bsicas, dando-lhe um repertrio relacional

    contnuo de experincias que garantem um reconhecimento da vida em seu corpo,

    diferenciado do ambiente e da capacidade de conter as suas demandas e instintos.

    As falhas ambientais, conforme Fulgencio (op.cit.) e Neto (op.cit.) remetem aexperincias relacionais com mes que foram invasivas (desconsiderando as necessidades do

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    beb em privilgio das suas prprias necessidades), inconstantes emocionalmente ou evasivas

    (que no estavam disponveis emocionalmente para cuidar dos bebs e dar-lhes segurana,

    pois elas, muitas vezes, com o nascimento de seus filhos, reviviam as angstias e falhas

    ambientais que passaram com suas mes nesse estgio, deixando-as extremamente regredidas

    e vulnerveis). Em termos defensivos, Neto (op.cit., pg.5) nos afirma que: a persistncia e

    repetio constantes das invases levam a defesas de dissociao como as que constituem o

    falso self defensivo, que pode substituir a funo de holding materno falho. Ou seja, o beb,

    muito precocemente, abandona as suas necessidades para instaurar um processo interno de

    dissociao para perceber as sutilezas das relaes com o ambiente, formando nesse momento

    um falso self compensatrio, seja pela superadaptao, intelectualidade, ou retraimento.

    O quadro etiolgico descrito acima configura existencialmente uma constelao

    sintomatolgica vivida pelo indivduo esquizide, que se torna evidente durante as sesses na

    clnica, na relao com o terapeuta. Para Johnson (2003) e Lowen (op.cit.) algumas queixas

    centrais so definidoras da personalidade esquizide, tais como: a ansiedade crnica, os

    comportamentos de esquiva, o conflito quanto ao contato social, confiana e compromisso.

    H habitualmente indcios de comportamento auto-destrutivo ou prejudicial para consigo

    mesmo, e auto-estima precria. O indivduo demonstra freqentemente inabilidade para

    conhecer os prprios sentimentos e para manter um contato constante, quer social ou ntimo.

    Numa grande extenso, este indivduo pode ser definido como algum que no est em

    contato consigo mesmo e com os outros, principalmente porque possui uma auto-

    representao precria, o self experienciado como prejudicado, talvez defeituoso ou ruim. O

    indivduo questiona o seu prprio direito de existir e investe em ocupaes intelectuais ou

    espirituais, identificando-se com o seu intelecto e esprito. Os outros so vistos como

    negadores, amendrontadores e mais poderosos que o self. O indivduo particularmente

    sensvel aspereza social. Ele projeta com freqncia sua hostilidade nos outros e estimula a

    hostilidade atravs da identificao projetiva.Johnson (2004), em outra obra, aponta ainda que os esquizides possuem um estilo

    cognitivo de isolamento do pensamento com relao aos sentimentos, com um raciocnio

    abstrato freqentemente bem desenvolvido. As operaes concretas dirigidas ao mundo fsico

    so muitas vezes desenvolvidas de modo precrio e a inteligncia social est freqentemente

    prejudicada, como vimos anteriormente. No mbito afetivo, a pessoa esquizide experiencia

    um amendrontamento crnico e, com freqncia, terror, sentido como um medo de morrer ou

    enlouquecer, mediante estados em que precisa dar continncia interna para emoes detristeza, raiva ou frustrao, de forma que os afetos so isolados e/ou reprimidos, por serem

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    sentidos como desestruturadores do self. O indivduo no sabe como se sente e pode parecer

    frio, morto e sem contato consigo mesmo. Existe uma srie complexa de defesas que mantm

    esse padro afetivo, que so: projeo negao, intelectualizao, espiritualizao,

    retraimento, isolamento do afeto, dissociao e fuga. Na anlise, frequentemete encontramos

    um indivduo que pode ter uma memria fraca, particularmente para eventos interpessoais e

    conflitos da infncia, dificultando a construo, por meio da anamnese, de sua histria

    psicodinmica., com exceo dos sentimentos de ambivalncia com relao figura materna

    que representada ora como odiada, ora como amada de maneira idealizada pelo sentimento

    inconsciente de culpa

    importantssimo assinalar que, apesar de toda a descrio anterior exibir uma

    problemtica muito delicada e fonte de sofrimento para o indivduo esquizide, todas as suas

    defesas foram estratgias para sobreviver e se constituir egoicamente mediante as ameaas

    que foram vividas muito cedo em sua histria de vida. Robbins (2000) aponta que os

    indivduos esquizides possuem aspectos de bastante sade em seu carter, pois por estarem

    frequentemente em contato consigo mesmo no seu caos interno, frequentemente tornam-se

    grandes criadores, artistas, escritores, que usam da fantasia para expressar-se no mundo, numa

    tentativa de comunicao e contato. Lowen (op.cit.) acrescenta que, apesar do congelamento

    afetivo, esse tipo de paciente de bom prognstico, pois existe uma nsia interna de

    relacionamento, contato, uma esperana de poder vincular-se de maneira afetiva que, quando

    ocorre na situao teraputica, desperta ncleos de sade muito satisfatrios, que o paciente

    pode, no decorrer do processo, experienciar nas relaes significativas e sociais.

    Muitas dessas caractersticas sintomatolgicas descritas pelos analistas bioenergticos

    so confirmadas por Winnicott e seus seguidores (Winnicott, 1988; Masud Khan, 1977; Neto,

    2008a; Safra, 2001; Gurfinkel, 2000; Mello Filho, 1999). Vale ressaltar que esses autores

    relatam como problemtica principal no paciente esquizide a existncia de um falso self

    dissociado da realidade, inundado por fantasias para compensar o silncio e o vazio interior.Decorre da os freqentes silncios nas anlises, como expresso de seu vazio interno, mas

    tambm como uma forma de comunicao de sua necessidade de ser contido, suportado com

    segurana nessa condio. Em outro extremo, Masud Khan (1977) relata a verbalizao

    excessiva nesse tipo de pacientes como desprovida de afeto, geralmente exibicionista de seu

    potencial intelectualizado, com pouca ou quase nenhuma capacidade de reconhecimento e

    contato efetivo com o analista, que sentido frequentemente como um objeto persecutrio,

    temido. Os freqentes ataques, desqualificaes, sentimentos de desconfiana, revelam umaambivalncia relacional decorrente de uma agressividade interna que clama por expresso

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    segura e continncia. Neto (2008a) nos aponta a importncia desse processo na

    contratransferncia do analista que, muitas vezes, pode ser invadido pelos sentimentos de

    inutilidade, desprezo, destruio. Na realidade, deve-se evitar um procedimento analtico de

    interpretaes e no cair na tendncia da retaliao ou verborragia com o paciente que, em seu

    ntimo, deseja que o analista possa sobreviver aos ataques como um objeto total, dando-lhe a

    conscincia de existir e ser re-conhecido em sua autenticidade.

    Uma das contribuies especficas da Anlise Bioenergtica a descrio de

    tipologias corporais, em termos de fluxo orgnico de energia e distribuio das couraas e

    posturas dos pacientes como elementos de diagnstico e interveno no processo

    psicoterpico (Lowen, op.cit.; Cipullo, 2001; Volpi, 2000). Nesse sentido, o carter expresso

    corporalmente, em suas defesas, atravs de formas corporais/somticas especficas que podem

    ser observadas atravs dos exerccios, como tambm atravs de uma investigao sobre

    diversos elementos como: a fora da gravidade sobre o corpo e sua repercusso na

    musculatura global; expresso facial; gesticulao; tonalidade da voz; distribuio da cor e

    calor da pele no corpo; percepo de cises entre cabea e corpo, lados direito e esquerdo,

    frente e costas; alm da tonalidade tnica da musculatura, que pode ser de rgida a flcida. As

    seguintes caractersticas podem ser observadas em pacientes esquizides, tanto no tocante a

    estrutura corporal, como na condio bioenergtica:

    -

    Tenso na base do crnio e pescoo, configurando uma ciso cabea x corpo; a cabea

    no parece estar conectada com firmeza no pescoo, parece estar fora da linha central

    de fluxo energtico do corpo;

    - Corpo do tipo alto e magro, com fortes tenses isoladas no pescoo, articulaes;

    geralmente apresenta uma ciso na cintura (parte inferior x parte superior); com braos

    que parecem pendentes, sem vitalidade e expresso;

    - Tenso na plvis e espinha, verificvel pelo padro de movimentos mecnicos, o

    indivduo no sente que as partes que se movem so suas, um andar robtico,congelado, revelando uma plvis imvel com pouco desejo/estmulo sexual;

    - Arco acentuado nos ps, com tenso e inflexibilidade profundas nos tornozelos;

    - Msculos faciais frgeis, no sendo rara a aparncia de mscara, a expresso

    emocional denota uma ausncia de alegria, intensidade ou luminosidade, reforada

    pela presena de um olhar frio, vazio ou distante;

    - Pele subcarregada, geralmente plida e fria;

    -

    Voz montona, geralmente as palavras so claramente enunciadas;

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    - Respirao perturbada, devido baixa absoro de ar em virtude do diafragma estar

    relativamente imvel numa condio de contrao;

    - A agressividade reduzida e, quando ocorre, de forma compulsiva (fria assassina);

    - Sistema energtico subcarregado, seja por pouca energia circulando nas extremidades

    do corpo pontos de contato seja por uma desorganizao energtica, que reflete no

    senso interno de self fragmentado. Lowen (1991) traduz em um esquema toda a

    descrio corporal descrita, em seu livro Bioenergtica, a qual reproduzimos aqui:

    Figura 01: A dinmica corporal energtica do carter esquizide (Lowen, 1991).

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    Apesar da psicanlise no se propor a realizar uma descrio fenomenolgica das

    formas corporais do sujeito como faz a Anlise Bioenergtica, podemos traar algumas

    reflexes sobre o corpo esquizide. Loparic (2008b) argumenta que Winnicott se preocupou

    bastante com o corpo, enquanto dimenso biolgica da animalidade humana, devido

    principalmente a sua formao e exerccio mdicos como pediatra, tentando respaldar a

    tendncia filogentica do ser humano para a integrao e o desenvolvimento, na relao com

    o ambiente que facilita ou dificulta a emergncia dos potenciais hereditrios. Nesse sentido,

    Winnicott afirma categoricamente que a mente se constitui na trama dos funcionamento

    psicossomtico, que busca uma integrao contnua em um contnuo habitar, ou seja, faz

    parte das tarefas do desenvolvimento o beb gradativamente tomar o seu corpo como uma

    morada de si. Loparic (op.cit) chama ateno para uma passagem descrita por Winnicott

    (1990) que coaduna bastante com o raciocnio da Anlise Bioenergtica, quando afirma que

    os tecidos so vivos e esto intrinsecamente relacionados com os estados psicodinmicos do

    indivduo. A psique resultante da elaborao dos estados somticos do beb e o ambiente

    facilitador deve prover condies de continncia para que o beb possa experienciar esse

    corpo como fazendo parte do eu em formao. As funes de holding e headling, nesse

    aspecto, so decisivas para que o beb possa constituir-se psicossomaticamente e dar

    continuidade ao processo contnuo de existir como sujeito integrado.

    Podemos entender o corpo descrito anteriormente como resultante de falhas no

    processo maturacional, no qual as cises, dissociaes, angstias inominveis ficam

    registradas como padres de memria psicossomtica. um corpo que no teve a

    oportunidade de ser vivo com apoio e sustentao suficientes, o beb muito cedo precisou

    realizar um processo de segurar-se, retrair-se no reflexo de susto para dar conta de suas

    necessidades mais primrias. O amadurecer do beb consiste numa srie de acontecimentos

    ricos subjetivamente que nascem na vivncia do corpo, como mover-se, respirar, controle dos

    esfncteres, mamar, expressar-se pelo choro e voz, arrastar, at organizar-se lentamente para apostura ereta, resultando na ampliao da viso de mundo e da explorao ativa do ambiente

    no processo de engatinhar e andar (Keleman, 1998; Mahler, 1987). Esse contnuo precisa de

    uma relao viva, quente e vibrante com o corpo da me, que reconhece, acolhe, segura,

    contorna e prov o beb desse senso de self.

    Outro ponto interessante de observar de convergncia entre a descrio realizada por

    Lowen e as teorias winnicottianas sobre a psicossomtica diz respeito a como Winnicott

    descreve o beb humano: o beb uma barriga unida a um dorso, tem membros soltos eparticularmente uma cabea solta: todas essas partes so reunidas pela me que segura a

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    colcho, mobilizando as tenses musculares que represam emoes de medo, raiva e tristeza

    na cabea, pescoo, diafragma, olhos e plvis, reas que, como vimos anteriormente,

    encontram-se bastante bloqueadas e armazenam diversas memrias emotivas ligadas

    sensao de colapso, despersonalizao e medo da invaso. Enfim, todo o trabalho volta-se

    para recuperar a sensao do corpo como morada do ser, de uma maneira unitria e integrada.

    Johnson (2001), em seu livro Character Styles, desenvolve uma sistematizao muito

    interessante de metas teraputicas para o tratamento de pessoas com sintomatologia

    esquizide. Para esse autor, o terapeuta deve atentar para aspectos referentes a dimenses

    afetivas, cognitivas e comportamentais, de forma a traar objetivos que possa integrar a

    dimenso do pensamento, sentimento e ao no mundo. Os objetivos, em resumo, consistem

    em:

    OBJETIVOS AFETIVOS:

    1) Aumentar o contato sensrio com o ambiente ampliar a sensao de tocar, ouvir,

    olhar, cheirar e degustar o mundo e desenvolver o prazer e a conscincia de tocar os

    outros e ser tocado;

    2) Aumentar o senso de estabilidade ou grounding o senso de que seus ps esto

    plantados firmamente no cho, o senso que algum pode ter uma base slida de si

    mesmo, permanecendo seguro e centrado;

    3) Aumentar o contato corporal interno sentir os movimentos, a respirao, sensaes

    de tenso e relaxamento, e enraizar as emoes no corpo (raiva, dor, prazer, alegria,

    medo, etc);

    4) Reduzir a tenso/espasticidade crnica em todas as reas afetadas no corpo,

    conscientizando-se de sua dor e analisando-a psicologicamente;

    5)

    Abrir a possibilidade de sentir a fria e canaliz-la para alvos apropriados. Integrar afria com o self de forma a se tornar fonte de poder e assertividade;

    6) Abrir o acesso ao terror do cliente e acompanha-lo na explorao de suas origens.

    Integrar o terror com o self de forma que se torne uma fonte para vivenciar o medo, a

    tristeza e a vulnerabilidade;

    7) Acessar o desespero com a perda do amor e a perda do self. Integr-lo como uma parte

    da realidade do cliente uma realidade trgica. Eliminar a negao do passado,

    aceitando-o, integrando-o, de forma a pode viver plenamente o presente;

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    8) Desenvolver a relao fsica entre a pessoa e o mundo fsico (comida, casa, objetos

    pessoais e familiares, etc);

    9) Abrir os sentimentos de amor e a experincia do prazer, assentados (grounded) na

    realidade.

    OBJETIVOS COMPORTAMENTAIS E SOCIAIS

    1) Inicialmente estabelecer ou fortalecer o vnculo e eventualmente resolver a simbiose,

    se necessrio;

    2) Fortalecer a conscincia e deliberar o uso das defesas como forma de se afastar do

    social, de forma adequada;

    3) Aumentar o envolvimento em pequenos grupos, ou comunidades em que possa se

    sentir acolhido e vivenciar feedbacks autnticos;

    4) Desiludir a sensao de ser especial e do perfeccionismo, evitando a ansiedade de

    performance;

    5) Ajudar o cliente a descobrir formas de expressar/canalizar os impulsos agressivos

    negados (que so geralmente passivo/agressivos);

    6) Estimular/facilitar ou ensinar a formao de habilidades sociais (assertividade, contato

    ocular, expresso de afetos no social, comunicao, etc);

    7) Aumentar o comportamento agressivo/assertivo adequado nas situaes com as

    pessoas.

    OBJETIVOS COGNITIVOS

    ATITUDES E CRENAS

    1)

    Identificar, interpretar e desenvolver a compreenso e o insight internos, de forma amodificar o ego ideal/falso self (eu aceito todo mundo, sou compreensivo, sou

    especial, eu sou minhas idias e conquistas);

    2) Mudar os padres de defesa/crenas do destino (h algo errado em mim; eu no tenho

    lugar nesse mundo to ameaador; no posso confiar em ningum);

    3) Fortalecer a identificao com o self atravs do contato com o corpo e com os

    processos naturais da vida;

    4)

    Fortalecer a identificao com o self por meio da explorao e compreenso dahistria pessoal, focalizando e reconhecendo a vulnerabilidade. Eliminar a negao do

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    que aconteceu e reconhecer os efeitos que seus problemas de infncia tiveram em sua

    vida;

    5) Fortalecer a identificao do self com a assertividade, poder e fora.

    HABILIDADES COGNITIVO-EGICAS

    1) Identificar, fortalecer e trazer superfcie o controle voluntrio das defesas do ego;

    2) Ensinar defesas do ego ainda no aprendidas ou experienciadas;

    3) Reforar, reparar ou ensinar estratgias para lidar com ambientes speros, frios,

    ansigenos;

    4) Promover e ensinar o auto-alvio e o auto-cuidado;

    5) Discriminar e integrar a representao de si e do mundo, com particular ateno as

    introjees parentais negativas;

    6) Acessar e utilizar onde for apropriado: assimilao, acomodao, discriminao,

    integrao e generalizao.

    Na vertente winnicottiana, a inteno teraputica volta-se para propiciar um ambiente

    favorvel e de confiabilidade, de forma que o paciente possa sentir-se seguro para expressar

    seus sentimentos e regredir para uma posio de dependncia absoluta, na relao vincular

    com o analista (Dias, 2008b; Neto, 2008a). O manejo do setting comparado aos cuidados

    maternos, principalmente no que diz respeito a capacidade do terapeuta de holding, na atitude

    de dar continncia s angstias inominveis que devem ser revividas para acontecer uma

    retomada no processo de desenvolvimento. A inteno entrar em contato com o verdadeiro

    self potencial do paciente, atravs do contato efetivo e da presena sincera e despretensiosa,

    tomando o tempo necessrio para que a angstia se torne palavra, respeitando o lugar de

    silncio e incomunicabilidade existente na condio esquizide. A empatia e o calor humano

    devem ser experienciadas como interesse genuno do analista pelo mundo interno de seuanalisando, de forma a poder sobreviver aos constantes testes, ataques, desafios e rupturas que

    o paciente possa trazer durante o processo de tratamento. Dessa forma, propicia-se um

    descongelamento dos sentimentos decorrentes das falhas ambientais iniciais, possibilitando

    uma reparao teraputica de um holding mais adequado, que serve como uma memria

    emotiva e reconfiguradora da subjetividade, tendo em vista que os esquizides possuem um

    contato com o verdadeiro self mais preservado.

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