Artigo Ponto Final 29/08/2011

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segunda-feira · 29 de agosto de 2011 sociedade 12 Ele tem dois amores Em terra de histórias de concubinas, o poliamor não regista membros oficiais, mas no Japão sim. O modelo de relacionamento que permite namoros com várias pessoas ao mesmo tempo é mais frequente no Ocidente. Em Portugal tem dado que falar. Imagine que tira a tarde de domingo para calmamente ler um livro no jardim. Não será de espantar que se cruze com casais de namorados a partilhar um gelado, a passear de mãos dadas ou em sussurros ao ouvido. Mas com certeza que levantaria os olhos das páginas do seu livro se, em vez de dois apaixonados, fossem três os que em público trocavam beijos e carícias. Quem diz três, diz quatro ou cinco. A cena descrita não é de um filme e tam- pouco cabe no domínio da impossibilidade, se bem que em Macau será mais rara que noutras partes do mundo. Se pensar que os intervenientes são excêntricos revivalis- tas dos anos 60, desengane-se: os três do jardim são namorad@s (com @ para que o género não seja especificado), e assumem entre eles uma relação de compromisso, não casual. Subscrevem um modelo de relacionamento chamado poliamor, com adeptos e grupos de apoio ou intervenção nos cinco continentes. Alguns filmes e livros de ficção já se de- bruçaram sobre o tema, assumindo a exis- tência desta estrutura de relacionamento, sem, no entanto, nunca lhe dar um nome. “Os Sonhadores”, de Bernardo Bertolucci (2003), constitui um exemplo clássico. Mais recentemente, em 2008, Woody Allen fil- mou “Vicky Cristina Barcelona”, filme em que as personagens de Scarlett Johansson, Javier Bardem e Penélope Cruz se envolvem num tumultuoso relacionamento a três. O primeiro registo bibliográfico do termo é de 1953 e surge na Illustrated History of English Literature, Volume 1, por Alfred Charles Ward. A palavra é utilizada para descrever o rei Henrique VIII, ao qual a publicação chama de “determinado polia- morista”, apontando essa sua característica como motivo para o surgimento do protes- tantismo na Inglaterra. Em 2005 deu-se a primeira Conferência Internacional sobre Poliamor, em Hambur- go, Alemanha. O termo será, para muitos, novidade, mas o conceito há muito que convive entre nós, de forma mais ou menos discreta. Daniel Cardoso, investigador da Faculdade de Ci- ências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, e autor da tese de Mes- trado “Amando vári@s - individualização, redes, ética e poliamor”, diz que esta for- ma de relacionamento é “principalmente uma coisa anglo-americana e que tem tido uma penetração bastante mais singela na Europa”. Quanto à Ásia, a presença parece ficar-se pelo Japão, pelo menos de acordo com os dados oficiais referentes aos grupos registados – o que não significa que por es- tes lados as relações amorosas múltiplas não existam. Se podem receber o nome de relações poliamorosas é outra história. Mas já lá vamos. Ao PONTO FINAL, Daniel Cardoso expli- cou o conceito: “O poliamor é a ideia de que é possível, válido e valioso manter relações íntimas, sexuais e/ou amorosas com mais do que uma pessoa ao mesmo tempo. É uma forma de não monogamia responsável e consensual, onde as regras são decididas por todas as pessoas envolvidas”. No caso de um trio, por exemplo, as três pessoas podem tanto relacionar-se entre si, como com apenas um membro do triângulo – a regra, como explica Cardoso, é que não há regras, desde que se respeite o princípio da honestidade (tudo às claras!) e da paridade. Concubinas modernas Historicamente, a China nunca foi um país que prestasse homenagem à mono- gamia. As concubinas não eram segredo – eram, aliás, um sinal de estatuto social. Os imperadores chegavam a ter milhares e, apesar de ocuparem um lugar inferior ao da esposa, podiam ter filhos que concorressem ao trono. Émilie Tran, socióloga e docente da Uni- versidade de São José, recorda que “na cul- tura da China Antiga as concubinas eram oficialmente aceites, bem como a poliga- mia”. “Homens e mulheres com relaciona- mentos extraconjugais não eram algo invul- gar, e muitas vezes havia conhecimento dos parceiros”, aponta. De acordo com a especialista, esta rea- lidade não é algo do passado. Concubinas já não haverá, mas não é difícil encontrar exemplos semelhantes nos tempos moder- nos. “Muitos empresários de Hong Kong, Taiwan ou Japão têm segundas casas e fa- mílias (mulher e filhos) no Continente. Este tem sido um fenómeno muito relevante.” Tran faz referência ao magnata do jogo Stanley Ho. O octogenário não faz segredo das suas quatro “esposas” (em termos ofi- ciais, só foi casado com a primeira, Clemen- tina Leitão, mas sempre se referiu às restan- tes pela mesma designação). Não se tratam de amantes – partindo do pressuposto que uma amante é alguém que mantém inde- vidamente um relacionamento amoroso com um homem casado. A família (ou as famílias) Ho é pródiga em desavenças, mas as dos últimos tempos tiveram como pro- tagonistas os herdeiros do império SJM – e não foram propriamente motivadas por questões de afecto. O que é que isto tem de poliamor? Segun- do Daniel Cardoso, muito pouco. “O polia- mor fundamenta-se na paridade e respon- sabilidade de todas as pessoas envolvidas e opera muito mal em situações de óbvia desigualdade de poder.” Ou seja, relações em que o homem tenha claramente mais privilégios e direitos que as mulheres não podem ser vistas como poliamorosas. Cardoso não se cansa de referir que a igualdade é basilar para esta “identidade relacional”. Equívocos, aliás, há muitos. Confusões com os conceitos de poligamia, promiscuidade, falta de compromisso e re- lações abertas são as mais comuns, refere. Gerir o ciúme Não são apenas os mais conservadores que manifestam dúvidas sobre este modelo de relacionamento. Apesar de o conceito ser facilmente entendível, é na prática diária que residem as reservas. Se o ciúme é cau- sador de conflitos nas relações a dois, com mais pessoas é expectável que os problemas se multipliquem. Daniel Cardoso admite que os poliamoro- sos também sentem ciúme, mas é na forma como lidam com ele que as coisas divergem. “O ciúme, como qualquer outra prática so- cial complexa, é aprendido, criado e gerido culturalmente. Uma coisa aprendida pode ser desaprendida. Há uma ética muito forte de responsabilização pessoal: não é a ou- tra pessoa que me faz sentir ciúmes, sou eu que sinto ciúmes, o que não é de todo a mesma coisa. Assim, os ciúmes podem ser geridos, debatidos, pensados, pode lidar-se com eles.” Outra questão-base que causa interroga- ções é a forma como o poliamor coexiste com o próprio conceito de romantismo. É do entendimento comum, nas sociedades modernas, que as relações amorosas con- sistem em ligações íntimas e únicas, que elevam o ser amado a um patamar acima das outras pessoas. Um namorado/a ou ma- rido/mulher é alguém que consideramos, regra geral, especial. O investigador português considera que esta “é uma visão algo estranha”, sendo que “existem vários tipos de amor e todos eles funcionam da mesma maneira e se- guem as mesmas regras, excepto o amor romântico”. Cardoso explica: “Podemos ter vári@s amig@s, podemos ter vári@s irm@s, mas só podemos ter uma pessoa com quem temos uma ligação romântica – lá está a incoerência”. Cardoso conside- ra que esta é uma visão “redutiva, capita- lista, economicista”: “A ideia que o amor romântico é finito (muito embora se ouça à larga ‘amo-te mais que tudo’, ‘amo-te in- finitamente’, etc.) e que amar várias pes- soas é estar a dividir esse amor, ao invés de multiplicar”. O “ser especial”, continua, não deve ser equivalente a “estar acima”. “Se eu tenho Em “Vicky Cristina Barcelona”, filme de Woody Allen, as personagens interpre- tadas por Scarlett Johansson, Javier Bardem e Penélope Cruz envolvem-se num relacionamento a três.

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Artigo "Ele tem dois amores" Publicação Ponto Final Macau 29/08/2011

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segunda-feira 29 de agosto de 2011sociedade

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Ele tem dois amoresEm terra de histoacuterias de concubinas o poliamor natildeo regista membros oficiais mas no Japatildeo sim O modelo de relacionamento que permite namoros com vaacuterias pessoas ao mesmo tempo eacute mais frequente no Ocidente Em Portugal tem dado que falar

Imagine que tira a tarde de domingo para calmamente ler um livro no jardim Natildeo seraacute de espantar que se cruze com casais de namorados a partilhar um gelado a passear de matildeos dadas ou em sussurros ao ouvido Mas com certeza que levantaria os olhos das paacuteginas do seu livro se em vez de dois apaixonados fossem trecircs os que em puacuteblico trocavam beijos e cariacutecias Quem diz trecircs diz quatro ou cinco

A cena descrita natildeo eacute de um filme e tam-pouco cabe no domiacutenio da impossibilidade se bem que em Macau seraacute mais rara que noutras partes do mundo Se pensar que os intervenientes satildeo excecircntricos revivalis-tas dos anos 60 desengane-se os trecircs do jardim satildeo namorads (com para que o geacutenero natildeo seja especificado) e assumem entre eles uma relaccedilatildeo de compromisso natildeo casual Subscrevem um modelo de relacionamento chamado poliamor com adeptos e grupos de apoio ou intervenccedilatildeo nos cinco continentes

Alguns filmes e livros de ficccedilatildeo jaacute se de-bruccedilaram sobre o tema assumindo a exis-tecircncia desta estrutura de relacionamento sem no entanto nunca lhe dar um nome ldquoOs Sonhadoresrdquo de Bernardo Bertolucci (2003) constitui um exemplo claacutessico Mais recentemente em 2008 Woody Allen fil-mou ldquoVicky Cristina Barcelonardquo filme em que as personagens de Scarlett Johansson Javier Bardem e Peneacutelope Cruz se envolvem num tumultuoso relacionamento a trecircs

O primeiro registo bibliograacutefico do termo eacute de 1953 e surge na Illustrated History of English Literature Volume 1 por Alfred Charles Ward A palavra eacute utilizada para descrever o rei Henrique VIII ao qual a publicaccedilatildeo chama de ldquodeterminado polia-moristardquo apontando essa sua caracteriacutestica como motivo para o surgimento do protes-tantismo na Inglaterra

Em 2005 deu-se a primeira Conferecircncia Internacional sobre Poliamor em Hambur-go Alemanha

O termo seraacute para muitos novidade mas o conceito haacute muito que convive entre noacutes de forma mais ou menos discreta Daniel Cardoso investigador da Faculdade de Ci-ecircncias Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa e autor da tese de Mes-trado ldquoAmando vaacuteris - individualizaccedilatildeo redes eacutetica e poliamorrdquo diz que esta for-ma de relacionamento eacute ldquoprincipalmente uma coisa anglo-americana e que tem tido uma penetraccedilatildeo bastante mais singela na Europardquo Quanto agrave Aacutesia a presenccedila parece ficar-se pelo Japatildeo pelo menos de acordo com os dados oficiais referentes aos grupos registados ndash o que natildeo significa que por es-tes lados as relaccedilotildees amorosas muacuteltiplas natildeo existam Se podem receber o nome de relaccedilotildees poliamorosas eacute outra histoacuteria Mas jaacute laacute vamos

Ao PONTO FINAL Daniel Cardoso expli-cou o conceito ldquoO poliamor eacute a ideia de que eacute possiacutevel vaacutelido e valioso manter relaccedilotildees iacutentimas sexuais eou amorosas com mais do que uma pessoa ao mesmo tempo Eacute uma forma de natildeo monogamia responsaacutevel e consensual onde as regras satildeo decididas por todas as pessoas envolvidasrdquo No caso de um trio por exemplo as trecircs pessoas podem tanto relacionar-se entre si como com apenas um membro do triacircngulo ndash a

regra como explica Cardoso eacute que natildeo haacute regras desde que se respeite o princiacutepio da honestidade (tudo agraves claras) e da paridade

Concubinas modernasHistoricamente a China nunca foi um

paiacutes que prestasse homenagem agrave mono-gamia As concubinas natildeo eram segredo ndash eram aliaacutes um sinal de estatuto social Os imperadores chegavam a ter milhares e apesar de ocuparem um lugar inferior ao da esposa podiam ter filhos que concorressem ao trono

Eacutemilie Tran socioacuteloga e docente da Uni-versidade de Satildeo Joseacute recorda que ldquona cul-tura da China Antiga as concubinas eram oficialmente aceites bem como a poliga-miardquo ldquoHomens e mulheres com relaciona-mentos extraconjugais natildeo eram algo invul-gar e muitas vezes havia conhecimento dos parceirosrdquo aponta

De acordo com a especialista esta rea-lidade natildeo eacute algo do passado Concubinas jaacute natildeo haveraacute mas natildeo eacute difiacutecil encontrar exemplos semelhantes nos tempos moder-nos ldquoMuitos empresaacuterios de Hong Kong Taiwan ou Japatildeo tecircm segundas casas e fa-miacutelias (mulher e filhos) no Continente Este tem sido um fenoacutemeno muito relevanterdquo

Tran faz referecircncia ao magnata do jogo Stanley Ho O octogenaacuterio natildeo faz segredo das suas quatro ldquoesposasrdquo (em termos ofi-ciais soacute foi casado com a primeira Clemen-tina Leitatildeo mas sempre se referiu agraves restan-tes pela mesma designaccedilatildeo) Natildeo se tratam de amantes ndash partindo do pressuposto que uma amante eacute algueacutem que manteacutem inde-

vidamente um relacionamento amoroso com um homem casado A famiacutelia (ou as famiacutelias) Ho eacute proacutediga em desavenccedilas mas as dos uacuteltimos tempos tiveram como pro-tagonistas os herdeiros do impeacuterio SJM ndash e natildeo foram propriamente motivadas por questotildees de afecto

O que eacute que isto tem de poliamor Segun-do Daniel Cardoso muito pouco ldquoO polia-mor fundamenta-se na paridade e respon-sabilidade de todas as pessoas envolvidas e opera muito mal em situaccedilotildees de oacutebvia desigualdade de poderrdquo Ou seja relaccedilotildees em que o homem tenha claramente mais privileacutegios e direitos que as mulheres natildeo podem ser vistas como poliamorosas

Cardoso natildeo se cansa de referir que a igualdade eacute basilar para esta ldquoidentidade relacionalrdquo Equiacutevocos aliaacutes haacute muitos Confusotildees com os conceitos de poligamia promiscuidade falta de compromisso e re-laccedilotildees abertas satildeo as mais comuns refere

Gerir o ciuacutemeNatildeo satildeo apenas os mais conservadores

que manifestam duacutevidas sobre este modelo de relacionamento Apesar de o conceito ser facilmente entendiacutevel eacute na praacutetica diaacuteria que residem as reservas Se o ciuacuteme eacute cau-sador de conflitos nas relaccedilotildees a dois com mais pessoas eacute expectaacutevel que os problemas se multipliquem

Daniel Cardoso admite que os poliamoro-sos tambeacutem sentem ciuacuteme mas eacute na forma como lidam com ele que as coisas divergem ldquoO ciuacuteme como qualquer outra praacutetica so-cial complexa eacute aprendido criado e gerido

culturalmente Uma coisa aprendida pode ser desaprendida Haacute uma eacutetica muito forte de responsabilizaccedilatildeo pessoal natildeo eacute a ou-tra pessoa que me faz sentir ciuacutemes sou eu que sinto ciuacutemes o que natildeo eacute de todo a mesma coisa Assim os ciuacutemes podem ser geridos debatidos pensados pode lidar-se com elesrdquo

Outra questatildeo-base que causa interroga-ccedilotildees eacute a forma como o poliamor coexiste com o proacuteprio conceito de romantismo Eacute do entendimento comum nas sociedades modernas que as relaccedilotildees amorosas con-sistem em ligaccedilotildees iacutentimas e uacutenicas que elevam o ser amado a um patamar acima das outras pessoas Um namoradoa ou ma-ridomulher eacute algueacutem que consideramos regra geral especial

O investigador portuguecircs considera que esta ldquoeacute uma visatildeo algo estranhardquo sendo que ldquoexistem vaacuterios tipos de amor e todos eles funcionam da mesma maneira e se-guem as mesmas regras excepto o amor romacircnticordquo Cardoso explica ldquoPodemos ter vaacuteris amigs podemos ter vaacuteris irms mas soacute podemos ter uma pessoa com quem temos uma ligaccedilatildeo romacircntica ndash laacute estaacute a incoerecircnciardquo Cardoso conside-ra que esta eacute uma visatildeo ldquoredutiva capita-lista economicistardquo ldquoA ideia que o amor romacircntico eacute finito (muito embora se ouccedila agrave larga lsquoamo-te mais que tudorsquo lsquoamo-te in-finitamentersquo etc) e que amar vaacuterias pes-soas eacute estar a dividir esse amor ao inveacutes de multiplicarrdquo

O ldquoser especialrdquo continua natildeo deve ser equivalente a ldquoestar acimardquo ldquoSe eu tenho

Em ldquoVicky Cristina Barcelonardquo filme de Woody Allen as personagens interpre-tadas por Scarlett Johansson Javier Bardem e Peneacutelope Cruz envolvem-se num relacionamento a trecircs

sociedade

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pub

vaacuterias relaccedilotildees com vaacuterias pessoas cada uma dessas pessoas eacute especial para mimrdquo remata

Muitas matildeos dadasDaniel Cardoso licenciou-se em Ciecircncias

da Comunicaccedilatildeo na Universidade Nova de Lisboa e fez o seu mestrado sobre poliamor na mesma instituiccedilatildeo Mas foi aos 17 anos que teve pela primeira vez contacto com o conceito ldquoLi lsquoStranger in a Strange Landrsquo um livro do Robert Heinlein e percebi que fazia sentido a natildeo-monogamia Alguns meses depois iniciei uma relaccedilatildeo amorosa natildeo-monogacircmica mas foi preciso espe-rar mais uns dois anos para tropeccedilar na palavra lsquopolyamoryrsquo que depois me levou ao lsquopoliamorrsquo e por conseguinte ao grupo portuguecircsrdquo Durante a licenciatura tendo frequentado a vertente de Jornalismo es-creveu uma reportagem sobre o tema que natildeo chegou a ser publicada Com o passar do tempo o seu interesse sobre o tema foi crescendo e envolveu-se em actividades e debates do grupo online

O mestrado surgiu por achar que natildeo existia informaccedilatildeo suficiente sobre o assun-to Hoje Daniel Cardoso daacute frequentemente a cara pelo grupo PolyPortugal jaacute concedeu vaacuterias entrevistas e participou em debates sobre a temaacutetica

O papel de porta-voz natildeo-oficial do grupo deve-se agrave liberdade profissional e pessoal de que goza ldquoFelizmente sou uma daque-las pessoas que natildeo tem muitas represaacutelias familiares e profissionais que lhes podem dar cabo da vida e por conseguinte posso falar mais agrave vontaderdquo

Assumir uma relaccedilatildeo poliamorosa num paiacutes catoacutelico e conservador como Portugal pode relevar-se difiacutecil ldquoAlgumas pessoas adoptam a postura do lsquoquando cresceres isso passa-tersquo outras saem-se com o lsquoisso faz sentido mas nunca seria para mimrsquordquo

Na praacutetica a reacccedilatildeo dos outros pode ir da simples manifestaccedilatildeo de espanto ao insulto ldquoIr no meio da rua de matildeos dadas com duas pessoas causa bastante torcer de pescoccedilos ndash idem como jaacute me aconteceu quando trecircs pessoas se beijam simulta-neamenterdquo confessa ldquoTambeacutem existem situaccedilotildees de discriminaccedilatildeo carros que param para mandar bocas foleiras pes-

soas com comportamentos mais agressi-vos etcrdquo

Com apenas 24 anos Cardoso que jaacute ini-ciou o seu Doutoramento em Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo e daacute aulas noutra instituiccedilatildeo de ensino superior tem uma vida ocupada A gestatildeo de tempo eacute aliaacutes aquilo que apon-ta como sendo o maior desafio das relaccedilotildees poliamorosas ldquoGerir as vaacuterias relaccedilotildees e a manutenccedilatildeo dos tempos para cada uma ge-rir agendas calendaacuterios disponibilidades empregos eacute complicado Pessoalmente o Google Calendar eacute a minha boacuteia de salva-ccedilatildeordquo adianta

Poliamor vs monogamiaEm termos legais os poliamorosos dizem

ter uma luta semelhante agrave dos homossexu-ais por quererem combater todas as formas de discriminaccedilatildeo No entanto o poliamor natildeo eacute uma orientaccedilatildeo sexual nem tema com impacto poliacutetico ndash estaacute longe de motivar protestos sejam eles a favor ou contra Quem opta por este tipo de relacionamen-to considera que haacute assim uma menor protecccedilatildeo

ldquoExistem alguns trabalhos acadeacutemicos sobre como se poderia mudar a lei de forma a abarcar as relaccedilotildees polyrdquo explica Daniel Cardoso A alternativa poderaacute ser mais sim-ples ldquoHaacute um quase-consenso quase-inter-

nacional mandar o casamento (civil) para o caixote do lixo das ideias fora de prazo Ou seja remover o Estado da gestatildeo das relaccedilotildees amorosasrdquo

O acadeacutemico faz questatildeo de explicar que o poliamor natildeo se afirma como um mode-lo superior agrave monogamia As criacuteticas feitas satildeo relativas agrave ldquomononormatividaderdquo e agrave ideia de que a monogamia eacute a uacutenica opccedilatildeo Por outras palavras Cardoso diz-se apenas contra a imposiccedilatildeo de um modelo uacutenico de relacionamento

A rematar o investigador deixa algumas questotildees ldquoSeraacute que a monogamia eacute para uma dada pessoa a uacutenica possibilidade real e tudo o resto eacute inferior Que razotildees pessoais tem cada um de noacutes para ser mo-nogacircmico E poliamoroso Conseguir res-ponder a estas perguntas eacute bastante mais importante do que preocuparmo-nos com a lsquosauacutedersquo em torno dos modelos relacio-naisrdquo ISG

ldquoIr no meio da rua de matildeos dadas a duas pessoas cau-sa bastante torcer de pescoccedilos ndash idem como jaacute me aconteceu quando trecircs pessoas se beijam simultane-amenterdquo admite Daniel Cardoso

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Muitas matildeos dadasDaniel Cardoso licenciou-se em Ciecircncias

da Comunicaccedilatildeo na Universidade Nova de Lisboa e fez o seu mestrado sobre poliamor na mesma instituiccedilatildeo Mas foi aos 17 anos que teve pela primeira vez contacto com o conceito ldquoLi lsquoStranger in a Strange Landrsquo um livro do Robert Heinlein e percebi que fazia sentido a natildeo-monogamia Alguns meses depois iniciei uma relaccedilatildeo amorosa natildeo-monogacircmica mas foi preciso espe-rar mais uns dois anos para tropeccedilar na palavra lsquopolyamoryrsquo que depois me levou ao lsquopoliamorrsquo e por conseguinte ao grupo portuguecircsrdquo Durante a licenciatura tendo frequentado a vertente de Jornalismo es-creveu uma reportagem sobre o tema que natildeo chegou a ser publicada Com o passar do tempo o seu interesse sobre o tema foi crescendo e envolveu-se em actividades e debates do grupo online

O mestrado surgiu por achar que natildeo existia informaccedilatildeo suficiente sobre o assun-to Hoje Daniel Cardoso daacute frequentemente a cara pelo grupo PolyPortugal jaacute concedeu vaacuterias entrevistas e participou em debates sobre a temaacutetica

O papel de porta-voz natildeo-oficial do grupo deve-se agrave liberdade profissional e pessoal de que goza ldquoFelizmente sou uma daque-las pessoas que natildeo tem muitas represaacutelias familiares e profissionais que lhes podem dar cabo da vida e por conseguinte posso falar mais agrave vontaderdquo

Assumir uma relaccedilatildeo poliamorosa num paiacutes catoacutelico e conservador como Portugal pode relevar-se difiacutecil ldquoAlgumas pessoas adoptam a postura do lsquoquando cresceres isso passa-tersquo outras saem-se com o lsquoisso faz sentido mas nunca seria para mimrsquordquo

Na praacutetica a reacccedilatildeo dos outros pode ir da simples manifestaccedilatildeo de espanto ao insulto ldquoIr no meio da rua de matildeos dadas com duas pessoas causa bastante torcer de pescoccedilos ndash idem como jaacute me aconteceu quando trecircs pessoas se beijam simulta-neamenterdquo confessa ldquoTambeacutem existem situaccedilotildees de discriminaccedilatildeo carros que param para mandar bocas foleiras pes-

soas com comportamentos mais agressi-vos etcrdquo

Com apenas 24 anos Cardoso que jaacute ini-ciou o seu Doutoramento em Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo e daacute aulas noutra instituiccedilatildeo de ensino superior tem uma vida ocupada A gestatildeo de tempo eacute aliaacutes aquilo que apon-ta como sendo o maior desafio das relaccedilotildees poliamorosas ldquoGerir as vaacuterias relaccedilotildees e a manutenccedilatildeo dos tempos para cada uma ge-rir agendas calendaacuterios disponibilidades empregos eacute complicado Pessoalmente o Google Calendar eacute a minha boacuteia de salva-ccedilatildeordquo adianta

Poliamor vs monogamiaEm termos legais os poliamorosos dizem

ter uma luta semelhante agrave dos homossexu-ais por quererem combater todas as formas de discriminaccedilatildeo No entanto o poliamor natildeo eacute uma orientaccedilatildeo sexual nem tema com impacto poliacutetico ndash estaacute longe de motivar protestos sejam eles a favor ou contra Quem opta por este tipo de relacionamen-to considera que haacute assim uma menor protecccedilatildeo

ldquoExistem alguns trabalhos acadeacutemicos sobre como se poderia mudar a lei de forma a abarcar as relaccedilotildees polyrdquo explica Daniel Cardoso A alternativa poderaacute ser mais sim-ples ldquoHaacute um quase-consenso quase-inter-

nacional mandar o casamento (civil) para o caixote do lixo das ideias fora de prazo Ou seja remover o Estado da gestatildeo das relaccedilotildees amorosasrdquo

O acadeacutemico faz questatildeo de explicar que o poliamor natildeo se afirma como um mode-lo superior agrave monogamia As criacuteticas feitas satildeo relativas agrave ldquomononormatividaderdquo e agrave ideia de que a monogamia eacute a uacutenica opccedilatildeo Por outras palavras Cardoso diz-se apenas contra a imposiccedilatildeo de um modelo uacutenico de relacionamento

A rematar o investigador deixa algumas questotildees ldquoSeraacute que a monogamia eacute para uma dada pessoa a uacutenica possibilidade real e tudo o resto eacute inferior Que razotildees pessoais tem cada um de noacutes para ser mo-nogacircmico E poliamoroso Conseguir res-ponder a estas perguntas eacute bastante mais importante do que preocuparmo-nos com a lsquosauacutedersquo em torno dos modelos relacio-naisrdquo ISG

ldquoIr no meio da rua de matildeos dadas a duas pessoas cau-sa bastante torcer de pescoccedilos ndash idem como jaacute me aconteceu quando trecircs pessoas se beijam simultane-amenterdquo admite Daniel Cardoso