Artigo Revista Direcional Educador

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LEITURA

LITERATURA

DE CORDELPor Csar Obeid Ilustraes: xilogravuras de EduardoVer, do livro Vida rima com Cordel (Editora Salesiana)stamos vivendo, sem sombra de dvidas, um momento ureo da Literatura de Cordel, onde os educadores esto descobrindo a sua real grandeza e o auxlio que este tipo de narrativa trs para o desenvolvimento integrado dos estudantes, que, em todos os nveis, mostramse vidos por conhecer esta forma de contar histrias. Tambm observo que os rgos pblicos e entidades culturais esto abrindo espao para as culturas populares em geral e que ns, brasileiros, nalmente voltamos os olhos para a nossa terra, nossa arte e cultura. Nas ocinas e cursos que ministro para educadores, a histria quase sempre se repete: alguns educadores j ouviram falar sobre o tema e tm alguma noo, outros arriscaram at fazer os folhetos com imagens em xilogravuras e penduraram no barbante, completando o trabalho. Mas o caminho com o cordel em sala de aula pode ir muito alm, pode incluir o corpo, a voz e o corao dos envolvidos. Fao um convite para entrarmos neste fantstico mundo das rimas e da oralidade da cultura popular brasileira! Mas, se contente e satisfeito eu vejo o interesse por parte do sistema educacional, tambm co preocupado com o grande nmero de informaes equivocadas presentes nos livros didticos e na internet, reproduzidas sem o menor ltro nas salas de aula. Vale a pena fazer alguns esclarecimentos sobre este tema. Para tanto, nada melhor do que estrofes de cordel para nos elucidar!

E

Perceba que o cordel e o repente so duas manifestaes distintas. A literatura de cordel impressa na forma tradicional dos folhetos, ou seja, so versos escritos, preparados e corrigidos. J o improviso (repente) feito ao som da viola, instrumento que serve de base para o poeta construir suas estrofes. Vale lembrar que o improviso que originou a literatura de cordel foi este, o de viola, e no o de pandeiro (embolada) que no segue as mesmas regras do cordel. Como tambm vlido dizer que, hoje em dia, muitos cordelistas tambm fazem seus cordis em livros, cds e tambm na internet, pois o que vale, para o poeta, a tradio dos versos e no a forma de impresso. interessante notar que, durante a emisso do canto improvisado, raramente o poeta toca o instrumento, deixando para fazer somente no nal da estrofe. Esta uma caracterstica presente em muitos improvisos espalhados pelo mundo! O cordel desenvolveu-se Nas quebradas do serto Do agreste ou cariri Toda aquela regio Onde a chuva abenoada E o sol faz judiao. A maior parte dos poetas de cordel e de repente denominam-se sertanejos, ou seja, oriundos do serto nordestino, embora muitos tambm sejam nascidos no agreste, no cariri, no brejo e outras regies interioranas. A maior incidncia de poetas ligados ao cordel e ao repente de viola nos estados do Rio Grande do Norte, Paraba, Cear e Pernambuco. Mas o nome do cordel Provm l de Portugal Os cordis ali cavam Pendurados num varal No Brasil diferente Folheto o nome usual. Em Portugal e em alguns pases da Europa existia uma forma de impresso chamada literatura de cordel. Nome dado devido exposio dos folhetos em

barbantes que eram vendidos em feiras. Autores como Cames e Gil Vicente publicaram suas obras em folhetos de cordel. No nordeste brasileiro, mantivemos apenas o nome, mas a tradio de pendurar em barbantes no perpetuou. Claro que, mesmo nas feiras do serto, os folhetos poderiam ser expostos em varais, como muitos produtos so (temperos, utenslios, etc). Mas esta forma de exposio no caracteriza a tradio potica popular. Obs: Eu uso o verbo no passado poderiam pois o cordel no mais, pelo que eu tenho pesquisado, vendido em feiras populares e sim, em feiras de artesanato, aeroportos, shoppings, escolas, shows de poetas, etc. Na verdade, no haveria muito problema esta questo de ser ou no ser pendurado em barbantes; o problema maior que, quando este detalhe chega em sala de aula, aparece to folclorizado que acaba reduzindo todo o universo da tradio potica nordestina ao barbante. J encontrei muitos educadores que quiseram trabalhar a literatura de cordel com seus alunos, e assim zeram os folhetos, as capas em xilogravura, penduraram nos barbantes, mas no zeram sequer uma estrofe rimada e metricada, como o cordel brasileiro, que, por sinal, o povo nordestino chama de folheto. O cordel foi no passado O jornal do sertanejo Sem TV nem internet Num pequeno vilarejo Esperavam o poeta Com a rima e com gracejo. Hoje muito diferente De alguns anos atrs Porque hoje est presente Nas maiores capitais Todo o mundo j conhece Suas rimas naturais. A literatura de cordel serviu, durante muitos anos, como meio de comunicao entre as comunidades sertanejas, ou seja, acontecimentos, fatos histricos, nacionais, mundiais ou regionais eram escritos em versos pelos poetas.

O cordel diferente Do repente improvisado O cordel sempre escrito Em folheto e declamado O repente improviso Sem ter nada decorado. *

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LEITURA

Hoje em dia, esta tradio do cordel jornalstico ainda se mantm, embora em menor intensidade, pois os poetas tambm fazem seus textos para serem lidos independente do momento histrico. O cordel tambm feito Por migrante nordestino Mesmo longe de sua terra No esquece seu destino E preserva sua cultura Como um grande peregrino. No podemos esquecer que o migrante nordestino , em grande parte, o sertanejo, no o litorneo. Para se ter uma idia, residindo em So Paulo e na Grande So Paulo temos, em mdia, 300 artistas nordestinos ligados ao cordel. Rimas so terminaes Que possuem o mesmo som Por exemplo tdio e prdio Batom rima com bombom Cu no rima com cresceu Nem feijo rima com dom. A literatura de cordel escrita, invariavelmente, em versos, e esses versos so rimados, como grande parte da poesia oral e popular. Mas como so as rimas do cordel? So rimas que tm exatamente o mesmo som, no pode ser som parecido! Assim manda a tradio que rima com corao. No podemos confundir literatura de cordel com outros gneros de poesia popular, como por exemplo, a chamada Poesia Matuta, na qual Patativa do Assar um grande representante. Neste gnero, eu posso rimar Caf com Mui (referindo-se mulher) ou ento Horas com Aurora. O cordel no permite rimas assim. Xilogravura na capa O folheto recebeu Um desenho na madeira Que o verso engrandeceu Acho que voc capaz De tambm fazer o seu... Embora a xilogravura esteja umbilicalmente ligada tradio do cordel, existem muitos cordelistas que editam seus folhetos ou livros sem esta tcnica milenar de impresso na madeira. Como eu disse, o que vale para o cordelista a estrutura de versos e rimas. Claro que, em sala de aula, aconselhvel fazer com os alunos

um trabalho parecido com a xilogravura, pois a goiva (ferramenta que corta a madeira), pode causar acidentes. Muitos professores de educao artstica utilizam bandejas de isopor que pode resolver o problema da sala de aula, mas pssimo para o meio ambiente, pois a reciclagem deste material horrvel, ou seja, se pudermos nem consumi-lo o planeta agradece. Cada educador pode pesquisar materiais alternativos.

Mas no me olhem de lado Por eu ser deciente Minha vida to contente E bastante colorida Que eu adoro a minha vida Mesmo sendo diferente. Dcima: Estrofe de dez versos. Posio das rimas: ABBAACCDDC Se o planeta ameaado Pelo homem agredido Nosso ar poludo Respirar complicado At gua, o bem sagrado Vai ndar, no vamos ter O que ns vamos beber Sem ter gua bem potvel? Sem ter lixo reciclvel? O futuro o que vai ser?

Quanto estrutura...A estrofe mais utilizada no cordel a sextilha, uma estrofe de seis versos (reparem as rimas nos versos pares). E a mtrica de sete slabas, que a tcnica mais difcil de conquistar. A Mtrica a medida de um verso. A contagem das slabas poticas de um verso diferente da contagem gramatical. Nesta, contam-se todas as slabas, j no verso, a contagem feita como se fala. A contagem feita at a slaba tnica da ltima palavra. Os assuntos do cordel podem ser muito diversos: atualidades, histrias fantsticas, poesias, etc. O limite a imaginao de cada poeta! muito interessante em sala de aula deixar os alunos escreveram sobre temas que os interessem. Outras modalidades de estrofes: (Considere A, B e C: Versos que rimam e X: Versos livres) Setilha: Estrofe de sete versos. Posio das rimas: XAXABBA. A me-terra gera a vida Quando tem uma semente Mas precisa muita gua Terra fria e sol bem quente Assim a natureza Sua vida a certeza De dar vida para gente. Oitava: Estrofe de oito versos. Posio das rimas: AAABBCCB Mesmo sendo mais parado Sou um pouco limitado

tem esta manifestao? Voc conhece algum cordelista? Sabe algum verso de cor? Elabore outras tambm. Depois da pesquisa com a comunidade nordestina e, se possvel, com cordelistas e repentistas, faa uma pesquisa na internet e veja se h divergncias entre as informaes. Inicie agora o processo de escrita. O melhor a fazer propor um reconto de uma histria conhecida (conto de fadas, histria da tradio ou fbula). Ou seja, transformar um texto em prosa para alguma das modalidades de estrofes do cordel, respeitando sempre a mtrica e a posio das rimas. A sextilha sempre a modalidade mais fcil para o iniciante. Depois das estrofes escritas, proponha uma encenao ou um jogral. Separe um ou dois versos por aluno, faa-os decorar, incentive o uso da linguagem corporal expressiva, estimule-os a mexer os braos, as pernas, alterar a voz e as emoes. Use adereos, msica, etc. Faa, se possvel, uma apresentao nal para outros alunos e familiares. No se esquea de que o cordel para ser dito, falado com a voz e o corao! Tenho certeza que todos vo se encantar! * As estrofes deste artigo fazem parte do livro Vida rima com Cordel (Editora Salesiana).

Como trabalhar o Cordel em sala de aula O ProjetoPara comear o trabalho com o cordel em sala de aula importante conversar um pouco sobre a cultura popular (tambm chamada de folclore) e a cultura de massa (difundida na chamada grande mdia). Mostre algumas diferenas entre elas, mostre que a cultura de massa feita pela minoria, porm consumida na grande maioria do pas, independente da regio (por exemplo, o sabor da Coca-Cola o mesmo por todo o Brasil e por todo mundo). Mostre tambm que a cultura popular tradicional inversamente proporcional cultura de massa, ou seja, ela feita pela maioria e consumida pela minoria no mbito regional. Neste momento importante apontar e valorizar as diferenas regionais existentes no artesanato, culinria, dana, sotaque, etc. Este trabalho excelente para minimizar as diferenas, s vezes preconceituosas, existentes entre os alunos, alm de apontar para a riqueza da diversidade cultural brasileira. Depois de analisado este panorama, elabore uma entrevista, se possvel para ser feita com nordestinos ou artistas populares, e coloque seus alunos em campo. As perguntas podem ser: Voc j ouviu falar de literatura de cordel? Na sua regio

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Csar Obeid escritor, educador e pesquisador. Nasceu em So Paulo (SP) e tem dedicado suas atividades difuso da literatura de cordel e do repente de viola. Trabalha com a recriao do cordel e do repente na educao, no teatro, em eventos e na literatura. Instituies como SESC, SESI, casas de cultura, bibliotecas, empresas, escolas, faculdades, sindicatos de professores, secretarias estaduais e municipais de cultura e educao recebem seu trabalho. secretrio da Ucran (Unio dos Cantadores Repentistas e Apologistas do Nordeste). Formado em Administrao de Empresas pela Universidade Mackenzie, foi aluno especial na matria Cultura Popular no curso de psgraduao da Universidade de So Paulo (2001). autor dos livros: Minhas rimas de Cordel (Editora Moderna, meno altamente recomendvel FNLIJ-2005), O Cachorro do Menino (Editora Moderna) e Vida rima com Cordel (Editora Salesiana). Site do autor: www.teatrodecordel.com.br