Artigo sobre a conquista da América espanhola.

11
1 Comentários e anotações sobre os processos de conquista da América Espanhola. BADARÓ, Wilson Oliveira 1 Analisando cronologicamente os processos de conquista espanhola na América, podemos dizer que estas se deram de forma muito uniforme no tocante as práticas efetuadas pelos conquistadores. O acúmulo de informações das experiências passadas pelos primeiros aventureiros, disponibilizadas para a posteridade a partir do relato de cronistas, não está disponível apenas para nós, historiadores de hoje, mas, foram divulgadas as proezas em sua contemporaneidade. Assim, muito do que fora feito por um, foi, também, feito por outro conquistador, haja vista que tal procedimento, – repetir o que já fora feito levaria a um resultado satisfatório em relação ao objetivo desejado ou quiçá, usado como experiência para justamente evitar um erro indesejado. Seguindo esta linha de raciocínio, perceberemos aqui, as continuidades de um determinado conquistador, latentes em outro como as práticas do repartimiento, das encomiendas a subjugação dos indígenas e sua consequente dizimação, e ainda a ínfima, mas existente escravidão africana. 1 Graduando pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; Aluno bolsista de Iniciação Científica/CNPq.

Transcript of Artigo sobre a conquista da América espanhola.

Page 1: Artigo sobre a conquista da América espanhola.

1

Comentários e anotações sobre os processos de conquista da América Espanhola.

BADARÓ, Wilson Oliveira1

Analisando cronologicamente os processos de conquista espanhola na América,

podemos dizer que estas se deram de forma muito uniforme no tocante as práticas efetuadas

pelos conquistadores. O acúmulo de informações das experiências passadas pelos primeiros

aventureiros, disponibilizadas para a posteridade a partir do relato de cronistas, não está

disponível apenas para nós, historiadores de hoje, mas, foram divulgadas as proezas em sua

contemporaneidade. Assim, muito do que fora feito por um, foi, também, feito por outro

conquistador, haja vista que tal procedimento, – repetir o que já fora feito levaria a um

resultado satisfatório em relação ao objetivo desejado ou quiçá, usado como experiência para

justamente evitar um erro indesejado.

Seguindo esta linha de raciocínio, perceberemos aqui, as continuidades de um

determinado conquistador, latentes em outro como as práticas do repartimiento, das

encomiendas a subjugação dos indígenas e sua consequente dizimação, e ainda a ínfima, mas

existente escravidão africana.

A dizimação das comunidades indígenas

Foram várias as razões que levaram à drástica e dramática redução do contingente

indígena nas Américas. É interessante lembrar que de acordo com o texto “Às portas da

América”, ainda houve a compreensão negligenciada da razão indígena em relação a

valoração de objetos, pois, acreditou-se que, eles tinham tais objetos alheios aos seus

conhecimentos como sagrados. E naturalmente, isto também está ligado à mitificação deste

povo2, com estórias lúdicas e pouco verazes fazendo com que o trato descuidado e pouca

estima por estes povos sejam uma constante.

1 Graduando pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; Aluno bolsista de Iniciação Científica/CNPq.2 Como no caso das cabeças diferentes e tão resistentes que podiam quebrar as espadas dos conquistadores. BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p. 277.

Page 2: Artigo sobre a conquista da América espanhola.

2

Aliada a todas estas premissas supramencionadas estão as razões factuais e empíricas

que conduziram o dizimar destas populações: epidemias como sífilis, varíola, bicho de pé etc.;

troca de lado dos indígenas que temendo represálias pós guerra, passavam para o lado dos

conquistadores e contribuíam em muito com informações e para a melhor organização

estratégica dos invasores. Tais estratégias se resumiam às repressões ás revoltas após serem

conquistados; caça aos indígenas escravizados que fugiam; a diáspora indígena deflagrada

pelos conquistadores que movem um determinado contingente indígena para outro ponto a

fim de melhor aproveitar suas forças produtivas nesta nova área (práticas de repartimientos);

maus tratos generalizados. Alguns outros fatores, além das estratégias dos espanhois para

reprimir as resistências indígenas resultaram também em seu drástica redução populacional

tais quais: a pouca familiaridade dos conquistadores no uso de técnicas escravagistas,

exaurindo as forças dos indígenas escravizados até o limite da fadiga em prol de uma rápida

obtenção do lucro, causando-lhes, como por conseqüência, sua morte; o suicídio –

enforcamento, ou envenenamento – que era uma prática comum daqueles índios que não

queriam ser escravizados; a fome, pois agora a divisão de víveres é maior com a chegada dos

espanhóis e também considerando um fator extra que é o da inserção de uma cultura nova, a

criação de suínos que devastava toda a flora local e obviamente, prejudicava também o

desenvolvimento da fauna que, ao dividir seus recursos naturais com os porcos espanhóis

entram em situação parecida com a dos indígenas em termos de falta de víveres. Tais práticas

atestam o lado mais evidente da lógica colonizadora.

A morte em larga escala dos indígenas, em partes, não é algo planejado, e

seguramente, tampouco pretendido, no que tange as epidemias, que foram ainda mais eficazes

no quesito mórbido do genocídio, mais que os próprios espanhóis, e pior, “não obedece a

nenhum plano pensado”3 pois é válido pensar que os colonizadores não iriam querer matar

seus escravos, a sua fonte de lucro e ferramenta facilitadora da remoção de sua pilhagem,

exploração e butim.

Como já mencionado anteriormente, estas características de espalhar a mortandade

entre os índios é algo muito pertinente entre os conquistadores em geral, seguindo o exemplo

colonizador e conquistador deixado por Colombo, eles se sucedem. Assim o foi com Cortés

que mesmo ao perceber que os mexicas não se deixariam massacrar tão facilmente, buscou

em estratégias mais elaboradas as soluções para os seus problemas como: obter, através do

3 BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p. 281.

Page 3: Artigo sobre a conquista da América espanhola.

3

uso da comunicação4, auxílio de tribos opositoras ao senhor tlatoani, como os Tlaxcaltecas,

para, a partir daí, mais facilmente dominá-los com o conceito usado pelos autores de “dupla

linguagem” que foi, por sua vez, usado por Cortés.

No entanto, estas manobras não impediram que os embates “dizimadores” ocorressem,

como confirmado nesta assertiva:

Eles juraram muitas vezes por Deus que nunca tinham visto guerras tão furiosas nem entre cristãos, nem contra a artilharia do rei de França, nem contra o Grão-turco; nunca eles tinham visto gente que, como aqueles índios, cerrassem com tanta coragem as fileiras de seus esquadrões.5

Mesmo apesar da crença de Cortés na possibilidade de uma conquista pacífica, as

carnificinas foram inevitáveis. O exemplo final veio com a sua ausência momentânea do

Cortés na noche triste, daí, as mortes foram inegáveis e notórias. No entanto, deve-se fugir um

pouco à proposição dos autores do capítulo aqui abordado e enaltecer no relato acima

evidenciado a grande resistência e bravura indígena na tentativa de manter e continuar a luta

por sua soberania.

Igualmente mortal foi a empresa dos Pizarro, que diferente de Cortés, foi menos dada

às diplomacias, mas, que por força da ocasião e da inferioridade numérica, os componentes

desta empresa foram forçados a se utilizar de uma estratégia mui parecida. Digo, em relação

ao uso da estratégia de pender para um determinado lado – entre duas vertentes do poder

deixado pelo Huayna Capác – em prol da apropriação de informações valiosas que lhes

permitisse manter o objetivo maior – a conquista do tawantinsuyu6; também no uso da escusa

de combater as represálias atrozes do Atahualpa contra os Kuragas, por exemplo; uso da

comunicabilidade gestual e ritual; o uso de um interprete etc.

Portanto, os métodos de dominação acabaram sendo idênticos, com mínimas

variações, o que de fato fora muito idêntico em todos os aspectos foram as consequências

desta dominação – a mortandade desencadeada por esta. Estupros, pilhagem, assassinatos,

crueldade, epidemias etc., estes são apenas alguns pequenos detalhes das práticas européias

após a captura de Atahualpa. Aqui o que mais pesou foi a contribuição de comunidades de

4 Aqui Cortés vai se valer da índia Marina, sua interprete e amante que fará as vezes de interprete para o conquistador aproximando-o assim, mais concretamente da cultura indígena e seus valores consuetudinários.5 BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p. 349.6 Império Inca

Page 4: Artigo sobre a conquista da América espanhola.

4

indígenas opositoras ao tawantinsuyu de Atahualpa, e etnias abertas a insurreição contra o

sistema dominante. Daí para frente apenas teremos o dizimar indígena, pois, após o ato de

“desencantamento” da mística indígena que girava em torno de seu regente, o Inca, no centro

organizacional, eles não mais se propõem a subjugar-se facilmente, gerando as conseqüentes

insubmissões dos mitmaes (trabalhadores) que ainda com fé em suas huacas (divindades,

templos) acreditam poder resistir aos invasores que seguramente estariam afetados pelo

soroche7. Por fim, as investidas são todas coroadas de grande mortandade entre os índios que

são sem dúvida os vitimados deste intercâmbio de culturas não muito bem sucedido para

ambas as partes, mas, com maior efeito negativo para o nativos das Américas...

Os requerimientos e as encomiendas

Separei o comentário acerca destas práticas por serem de cunho conceitual e não de

tratamento causal e narrativo. E sem dúvida, por constituírem uma grande importância dentro

dos mecanismos de dominação e execução das relações de poder, merecem um destacado

lugar nesta anotação e discussão.

Os repartimientos e encomiendas são práticas que envolvem a necessidade de

organização dos conquistadores em certos pontos de sua conquista/invasão e também a

“justa” prestação de contas com quem era de direito, neste caso, todos os envolvidos nos

tramites de conquista e manutenção destas como: navegantes, marinheiros, soldados,

administradores, Rei etc. Tais conceitos contemplavam todas as práticas e efeitos

supramencionados, passando a estar presente em todos os atos de conquista, de todos os

invasores espanhóis. Sem eles, a conquista não teria sido a mesma, ou talvez, mesmo possível.

O que são cada um deles?

Repartimientos: Como a própria palavra, de origem castelhana, já diz, consiste em repartir,

dividir, distribuir entre os participantes de determinada empreitada o butin (butim) obtido. Tal

prática fora instituída pelo próprio Colombo, e um exemplo dele é como vemos nesta

passagem esclarecedora: “para acalmar os espíritos, o Almirante organiza a primeira

distribuição (repartimiento) de índios, antes de perder, no ano seguinte, a maior parte de seus

poderes.”8

7 Mal de la montaña.8 BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p.

Page 5: Artigo sobre a conquista da América espanhola.

5

Encomiendas: Já a, encomienda, também de origem castelhana, tem uma origem nas guerras

contra os mouros e “consistia em distribuir as terras mouras aos conquistadores cristãos.”9

Sendo que na “encomienda antilhesa” a terra é entregue “à coroa ou aos colonos insulares,

para que obriguem os índios – repartimientos – a trabalhar nos campos, nas minas e nas

casas.”10

Como vimos, estas instituições que detém, talvez, a mais importante concentração de

carga motivadora para a continuidade das atividades e para a chegada de novos colonizadores

às terras americanas, uma vez que sem elas teríamos um baixo interesse, por parte dos

castelhanos, em migrarem para uma terra onde as possibilidades estariam podadas e fadadas a

se reduzirem ao primeiro grupo de colonizadores – caso do Brasil – mesmo que as terras

fossem promissoras em termos de recursos naturais, riquezas e possibilidades como o eram.

Por isto, ambos os conceitos são tão constantes e persistem em grande parte das obras que

tratam de referir-se à America colonial espanhola.

Um último exemplo que demonstra o quão importante foi a presença destas

instituições pode-se perceber quando se trata de falar dos naborias (empregados domésticos)

que “estavam, ligados aos espanhóis como o tinham sido aos seus senhores indígenas antes da

Conquista; os outros submetidos ao sistema de repartimiento – ou encomienda –, devem

dedicar uma parte de seu tempo e de liberdade, a caçar e pescar”11, ou seja, para poder

devidamente sustentar o seu proprietário segundo as normas das encomiendas e

repartimientos. Se por um lado esta prática possibilitava aos espanhóis explorar melhor as

terras, por outro lado, ela era o estopim da sangria dos índios, que dentro deste processo de

redistribuição das forças e recursos produtivos entre os colonizadores, servia de ferramenta

que era constantemente explorada até a morte ou expirar de suas forças vitais. Esta é a

característica principal destas facas de dois gumes chamadas de repartimiento e encomienda.

Escravidão negra

Em se falando de escravidão, não que os negros estejam ligados exclusivamente a este

quesito, mas, o período é exatamente propicio para esta prática pois, na Costa do Marfim

(Còte d’ivoire), na Guiné, por exemplo, a venda destas pessoas escravizadas corria livre.

275.9 Id. Ibidem.10 Id. Ibidem.11 BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. Op. cit. p. 279.

Page 6: Artigo sobre a conquista da América espanhola.

6

Portanto, os negros tiveram nesta página da história das Américas, – na colonização espanhola

– sua atuação relativamente reduzida, mas não inexistente. Não que não houvesse tal

demanda, espaço ou ambiente propício, muito pelo contrário, houveram vozes que se

levantaram contra a escravidão dos indígenas nas Américas espanholas também, como o

Abade Pedro de la Rentería ou o dominicano Antonio de Montesinos, abrindo assim um

precedente para tal demanda.

Esta demanda foi de fato edificada com os hieronimitas governantes de Hispaniola, las

Casas e Zuazo (1517-1518) que indicam como solução para a preservação da vida indígena e

otimização da mão de obra exploratória através do uso dos bozales (negros d’Africa).

Contudo, as “santas intenções dos hieronimitas” acabam não vingando em virtude das

disputas de poder e interesses políticos. Não aconteceu exatamente como eles queriam talvez,

pois mesmo com a chegada dos negros, os índios continuaram escravizados, maltratados e

penalizados por um objetivo que não era o deles.

Os detalhes sobre a participação negra são raros, mas, perceptíveis, – ao menos no que

se refere a este período – são relegados a importância marginal como em retratações de

adaptabilidade ou resistência como nesta passagem: “De outro lado, os escravos negros,

porque são sujos, não tomam banho e porque sua epiderme é propícia, são devorados pelos

bichos-de-pé.”12 Embora as referências não sejam das melhores, os cronistas deixaram os

traços das condições, clima, e situação na qual o negro escravizado estava inserido. Também,

nesta outra passagem temos alusões à tradição posteriormente existente do uso de escravos

como no trecho que trata dos perigos encarados pelos espanhóis para a obtenção do negro e as

dificuldade de “(...) os caminhos arriscados do contrabando nas terras da África (pois os

portugueses não brincavam com as tripulações que conseguiam capturar), o tráfico

suspeito.”13

Por fim, o que se quer dizer é que, durante a colonização das Américas, diante de uma

evidente abundância de mão de obra local com os autóctones, por que os espanhóis deveriam

preocupar-se em importar africanos? Por isto sua participação nesta página da história

colonial se vê secundarizada. E como naturalmente estes índios já se encontravam em

processo de servidão – no caso do tawantinsuyu –, supõe-se que a adaptação não tenha sido

tão penosa como no caso do Brasil, os nativos locais acabaram por não dispor desta 12 BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p. 289.13 Id. Ibidem. pp. 292.

Page 7: Artigo sobre a conquista da América espanhola.

7

transposição, pois, não havia um sistema organizado de servidão difundido e politizado entre

estes. E como percebe-se, esta colonização inicia como disse Chaunu, “A conquista não visa a

terra, visa unicamente os homens.”14 esta dominação aconteceu no caso espanhol, com uma

grande vantagem: a de ter os dominados altamente propensos ao trabalho compulsório em

virtude de sua organização política posterior, secundando assim, como já disse, a participação

africana.

Bibliografia

BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492-1550. As portas da América. 2ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. Capítulo II. pp. 271-312.

CARMEN, Bernand e GRUZINSKI, Serge História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492-1550. A Conquista do México – 2. Ed. – São Paulo: Editado da Universidade São Paulo, 2001. Capítulo II. pp. 313-354.

14 CARMEN, Bernand e GRUZINSKI, Serge História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492-1550. – 2. Ed. – São Paulo: Editado da Universidade São Paulo, 2001. p. 325.