Artigo sobre sociolinguistica

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VARIAÇÃO E MUDANÇA INTRODUÇÃO NA PESQUISA SOCIOLINGUISTICA Alexandra Carvalho Porcellis Resumo: Este artigo apresenta reflexões sobre o que foi aprendido durante a disciplina de Variação e Linguística, aplicada como cadeira eletiva ao 4º Semestre do curso de Letras. Serão abordados os conceitos de variação e mudança e em seguida, será apresentado o resultado de uma pequena pesquisa elaborada com a finalidade de mostrar-nos na prática, como elabora-se uma pesquisa Sociolinguística. Por fim daremos uma breve conclusão sobre o que se pôde depreender deste trabalho. Introdução: Durante as aulas de Variação e Linguística, fomos constantemente desafiados a questionarmo-nos sobre o que é mudança e o que é variação dentro da língua vernácula. Também fomos levados a refletir sobre o que realmente é certo e errado em termos de comunicação. Partindo de uma mini pesquisa de campo, como exemplificação prática, bem como do auxilio da bibliografia estudada durante o curso, podemos enfim, entender o que é variação e como se processa uma mudança, concluindo assim, que na verdade não existe uma justificativa para o conceito de “erro” quando tratamos da linguagem oral.

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Ocorrência dos pronomes eu e mim; tu e ti em linguagens informais

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VARIAÇÃO E MUDANÇA

INTRODUÇÃO NA PESQUISA SOCIOLINGUISTICA

Alexandra Carvalho Porcellis

Resumo:

Este artigo apresenta reflexões sobre o que foi aprendido durante a disciplina de

Variação e Linguística, aplicada como cadeira eletiva ao 4º Semestre do curso de

Letras. Serão abordados os conceitos de variação e mudança e em seguida, será

apresentado o resultado de uma pequena pesquisa elaborada com a finalidade de

mostrar-nos na prática, como elabora-se uma pesquisa Sociolinguística. Por fim

daremos uma breve conclusão sobre o que se pôde depreender deste trabalho.

Introdução:

Durante as aulas de Variação e Linguística, fomos constantemente desafiados a

questionarmo-nos sobre o que é mudança e o que é variação dentro da língua

vernácula. Também fomos levados a refletir sobre o que realmente é certo e errado

em termos de comunicação.

Partindo de uma mini pesquisa de campo, como exemplificação prática, bem como

do auxilio da bibliografia estudada durante o curso, podemos enfim, entender o que

é variação e como se processa uma mudança, concluindo assim, que na verdade

não existe uma justificativa para o conceito de “erro” quando tratamos da linguagem

oral.

Cada nativo usuário do português vernáculo é capaz de produzir novas e diferentes

palavras portadoras de sentido e significado.

Segundo Luiz Antônio Marcuschi (2001), "Falar bem não é ser capaz de adequar-se

às regras da língua, mas é usar adequadamente a língua para produzir um efeito de

sentido pretendido numa dada situação". Sendo assim o que temos como fenômeno

de nossa língua são modos diferentes de expressar o que desejamos comunicar,

seja no campo lexical, morfológico, sintáxico ou fonético/fonológico, afinal a língua,

assim como tudo o que é inerente ao ser humano está condicionado às mudanças.

Variação Linguística

Variação é o termo usado para designar o fenômeno de adaptabilidade usado pelos

falantes de determinada língua em sua forma de comunicar-se. Cezário e Votre

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(2009) afirmam que a língua é uma instituição social e, portanto, não pode ser

estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da

cultura e da história das pessoas que a utilizam. Dessa forma, podemos imaginá-la

como uma instituição viva, pois tendo em conta que a história constrói-se dia a dia,

as circunstancias variam de acordo com o contexto e a cultura se transforma a cada

geração, a língua inerente ao ser humano não poderia ser, nem estática nem

estável.

Ao adquirir a linguagem oral o homem que é um ser social passa a ter uma maior

interação com seus interlocutores de uma forma mais efetiva e dinâmica. Desse

modo, não podemos esperar que a língua oral ou escrita, que é um fenômeno social

próprio do homem, seja fixada por regras e padrões.

Cada grupo social tem um comportamento que lhe é peculiar e isso vai se

manifestar também na maneira de falar de seus representantes (CUNHA e col,

2009).

Nesse ponto, então é que são introduzidas as variações. Um adolescente não fala

como um ancião, um advogado não usa os mesmos termos que um trabalhador de

pouca instrução, um gaúcho não fala tal como os mineiros, o Português Brasileiro

não é o mesmo Português Europeu.

Da mesma forma, basta lembrar que você possui uma maneira verbal diferente de

dirigir-se a pessoas distintas em situações específicas. Isso é variação e deve-se ao

fato de que a variação é motivada por fatores linguísticos (estruturais) e

extralinguísticos (culturais e interacionistas).

A variação ilustra o caráter adaptativo da língua como código de comunicação e,

portanto a variação não é assistemática (CEZÁRIO e VOTRE, 2009).

Mas o que dizer, quando a variação resulta em uma mudança?

Uma boa ilustração para o fenômeno de mudança é traçarmos uma linha histórica

de nossa língua. O português brasileiro é uma evolução adaptativa do português

europeu que, por sua vez também tem sua evolução do latim.

A introdução de variantes, em um ambiente linguístico propício, poderá gerar

estabilidade entre as formas utilizadas; ou uma concorrência com o aumento do uso

de uma em detrimento de outra, levando ao longo do tempo ao desuso ou mesmo

extinção de uma forma, reforçando o conceito de que nem toda variação implica

mudança, mas que toda mudança pressupõe variação. (FARACO, 1991)

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A sociolinguística parte do principio de que a variação e a mudança são inerentes às

línguas (CEZÁRIO e VOTRE, 2009)

William Labov (Teoria da Variação ou Sociolinguística Variacionista/1966)

demonstrou, através de suas pesquisas, que as variantes na fala do locutor são

introduzidas conforme o contexto de uso da língua e o interlocutor a quem o discurso

é dirigido.

Nessa classificação contexto/interlocutor, de acordo com (CEZÁRIO e VOTRE,

2009) apresentamos três tipos básicos de variação:

Variação

Regional

opõe as diferenças geográficas

Variação

Social

opõe diferenças socioeconômicas, etárias,

gêneros, culturais e educacionais

Variação de

Registro

Refere-se ao grau de formalidade do

contexto comunicativo e do interlocutor a

quem o discurso é dirigido

Variantes em pesquisas sociolinguísticas

Elaborar uma pesquisa sociolinguística a fim de observar, demonstrar e explicar uma

variante é algo que requer organização, tempo e estudo aplicado, no entanto para

exemplificar o caráter de variação e demonstrar a ação de uma variante elaboramos

uma “micro pesquisa sociolinguística” como ilustração da prática de uma coleta de

dados após o estudo das variações e das variantes em linguística.

Para isso, começamos pela escolha do tema.

Como já foi dito antes não podemos esperar que a língua oral e escrita seja contida

em regras e padrões; a língua é própria da necessidade humana de comunicar-se e

o ser humano vai “utilizar-se dela” e não, “ser utilizado por ela”.

Dessa forma, mostra-se que usá-la significa emprega-la da forma como melhor lhe

parecer para atingir o seu objetivo de expressão.

Dito isso, pensamos nas tantas regras sintáticas para formação de frases dentro de

uma norma que para os gramáticos mais ortodoxos é vista como o “padrão ideal” de

uso.

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Como exemplo, podemos citar a estrutura de frases que se formam em torno de um

verbo de ação. Aristóteles (384 a.C) distribuiu as frases em dois elementos

essenciais: sujeito (implícito ou não) e predicados. Desde o inicio do aprendizado da

gramatica nos bancos escolares aprendemos que “sujeito é o termo da frase que

concorda com o verbo em número e pessoa” ou ainda “é a pessoa de quem se

declara algo”. Este é o padrão. Esta é a regra em sua definição básica aprendida

pelas crianças de 9 e 10 anos.

Ensinamos os alunos normas, regras e “macetes” para lembrarem-se das normas e

das regras, tais como: “Pergunte ao verbo: Quem é que? ou Que é que?”,

infelizmente esquecemo-nos de ensinar-lhes que a língua não é uma equação exata.

E pecamos em dizer-lhes que apenas os “pronomes retos” funcionaram como

sujeito, ou seja, “Eu sou eu, tu é tu e ele tanto pode ser o João ou o livro do João”.

Será possível explicamos, em sala de aula, o fato de que a construção “pra/para tu”

ainda que pareça feia é a forma padrão a qual deve ser usada, mesmo que os

diversos contextos do cotidiano apontem a formação “pra/para ti” como a menos

impositiva e deselegante?

E as próprias professoras dizem: “Dá pra ti sentar e aprender?”.

Bem, esses fenômenos não são explicados em sala de aula, embora devessem;

mas são perfeitamente explicáveis pelo conhecimento cognitivo de cada um, as

pessoas conhecem seu vernáculo e ao introduzirem variantes diferentes das que a

norma orienta é por razões que, ainda que elas não saibam explicar, possuem uma

lógica e uma função.

Baseado nisso fomos buscar se realmente a forma “para/pra ti é preferida em lugar

da forma para/pra tu” por pessoas que tem conhecimento da gramática normativa.

A pesquisa, definida por “micro pesquisa sociolinguística” teve por base o conceito

que a língua falada por uma comunidade é suficientemente heterogênea para tornar

desejável que se estudem diferenças entre sexos, classes sociais, faixas etárias e

tantos outras quanto possam. (SILVA, 2010).

Dessa forma, como escolhemos selecionar a comunidade falante de modo aleatório

estratificado, optamos pela variável social: gênero, e como variável de registro: o

grau informal.

Os selecionados foram funcionários que atuam dentro do seguimento

politico/burocrático, todos da faixa etária compreendida entre 37 e 50 anos,

geograficamente todos são de origem urbana, mas com algum convívio rural.

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5 homens com especialização superior em curso ou concluída.

5 mulheres com especialização superior em curso ou concluída.

Coleta de Dados:

A coleta deu-se através de um questionário elaborado com cinco contextos em que

se apresentavam duplas de frases com as formações "pra eu/mim" e "pra tu/ti", as

quais deveriam ser escolhidas como as mais naturais para os falantes em uma

situação informal.

Foram apresentadas perguntas do tipo:

1. Alguém, acaso, teria um analgésico pra eu tomar? Minha cabeça está

doendo./Alguém, acaso, teria um analgésico pra mim tomar? Minha cabeça

está doendo.

2. Daria pra ti prestar a atenção ao que eu digo?/ Daria pra tu prestar a atenção

ao que eu digo?

Interessante foi observarmos que entre as justificativas (espontâneas) mais comuns

às respostas selecionadas, era a de que optar pela forma “pra tu” era indelicada ou

feia, mesmo em situação informal e que em situação formal usar o tratamento

senhor/senhora era mais “polido”.

Provavelmente por questões regionais, nenhum falante optou pela forma você e

apenas um alegou que usaria o tu em um contexto formal.

O mesmo não acontece em relação à formação "pra eu/mim". Uma pequena parte

dos entrevistados que escolheram o “mim” alegaram que usariam a mesma

formação em contextos formais.

No resultado desse teste temos os seguintes parâmetros:

5 Mulheres

Tu – 03

Ti – 22

5 Homens

Tu – 01

Ti – 24

Eu – 17

Mim – 8

Eu – 11

Mim – 14

Observando esses resultados – que não devem ser considerados efetivos longe do

contexto em que foram estudados – observamos que, em tratando da variante

gênero, as mulheres tendem ao uso da forma padrão em maior grau que os homens.

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Uma explicação racional para esse fenômeno nos é dada por Calvet (2002) quando

afirma que encontrarmos em todos os falantes uma espécie de norma espontânea

que os leva a decidir qual forma deve ser proscrita e qual outra deve ser admirada.

Quando nos referimos a gênero, temos de considerar que em relação à pragmática,

culturalmente e historicamente as mulheres tendem à polidez de acordo com

BROWN e LEVINSON (1987).

Erving Goffman (...) introduz a noção de face como “o valor social positivo que uma pessoa reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem ser a linha por ela tomada durante um contrato especifico”. Face é uma imagem do self delineada em termos de atributos sociais aprovados. (1980, p.77 apud WILSON, 2009, p. 97)

Calvet (2002) resume a posição de Pierre Bourdieu (1982) alegando que os homens

não sentem necessidade de questionar o seu modo de falar.

Embora muito se tenha especulado sobre o porquê da variante entre gêneros existir,

ainda que não tão marcante, de acordo com a sociedade relacionada podemos

considerar as questões emotivas e culturais como forma de explicar esse fenômeno.

As mulheres ao longo do tempo, sempre tiveram seu comportamento social mais

questionado com relação ao dos homens. De certa forma, essas características

culturais são trazidas para a linguagem que reflete os comportamentos inerentes de

cada grupo social.

As formas empregadas Mim/Eu, Tu/Ti são exemplos de Variantes em Concorrência

(BAGNO, 2007), embora pudéssemos concluir que a forma Tu a partir dessa

amostra é desprestigiada, ainda que padrão, com relação a forma Ti

Seria uma tendência para a “mudança” linguística? Somente o tempo poderá

responder ao longo da evolução cultural das sociedades.

Marcos Bagno (2007) afirma que a concorrência entre as variantes inovadoras e

antigas, ao longo do tempo, pode resultar em inversão de prestígio de uma sobre

outra sem implicar, contudo, em extinção de uma das formas.

Considerações finais

Não é possível normatizar a língua de forma definitiva e dizer a alguém o quê e

como falar, como se o ser humano fosse capaz de sistematizar-se de um único

modo.

A capacidade do homem de gerir-se dentro de uma regra vai estar em conformidade

com seu cotidiano, sua cultura, o meio de seu convívio etc.

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Há necessidade de uma norma, de um padrão? Sim. Mas, que esse padrão e essa

norma sejam restritos aos graus mais formais de comunicação quer oral quer

escrita. As variações existem porque as pessoas são diferentes e comunicam-se de

maneiras diferentes. Como podemos perceber pela singela pesquisa.

Mesmo pessoas com graus de instrução mais elevados optam por não obedecerem

a um padrão, que lhes parece “rude”, quando se referem ao interlocutor “tu”.

E por que o fazem? Provavelmente porque as frases apresentadas, em geral,

possuem carga semelhante a uma frase imperativa.

Porque homens falam “diferente” das mulheres?

Tomemos como exemplo. Quantas vezes ouvimos alguém citar: “não fale assim que

parece um menino!”; “Isso não são modos de menina!”. Mesmo em sociedades

como a nossa, onde os gêneros são quase equivalentes, ainda temos fortes

conceitos de que, certas palavras ou expressões soam vulgares, feias ou grosseiras

se ditas ou escritas por mulheres. Alguma vez já nos deparamos com frases das

quais sem conhecer a autoria afirmamos: - Isso foi escrito por um homem. (Na maior

parte das vezes talvez estejamos corretos.)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da

variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: Uma introdução critica. São Paulo: Parabola,

2002.

CEZÁRIO, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: MARTELOTTA,

Mário Eduardo (org). Manual de Linguística. São Paulo. Contexto, 2009

DA CUNHA, Angélica Furtado. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo

(org). Manual de Linguística. São Paulo. Contexto, 2009

MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. Petropolis, RJ: Vozes, 2000

SILVA, Gisele Machline de O. Coleta de Dados. In: MOLLICA, M.G.; BRAGA, M.L.

(orgs). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto,

2010.

WILSON, Victoria. Motivações Pragmáticas. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org).

Manual de Linguística. São Paulo. Contexto, 2009