ARTIGO - Um Olhar Geográfico Sobre a Indústria Têxtil Em Território Juizforano (1908 – 1920)

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  • UM OLHAR GEOGRFICO SOBRE A INDSTRIATXTIL EM TERRITRIO JUIZFORANO (1908 1920)1

    Tnia Regina Peixoto da Silva GonalvesFlvia Calvano

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    3

    RESUMO

    Palavras-chave:

    ABSTRACT

    Keywords:

    O presente artigo busca analisar e compreender a influncia que a indstriatxtil teve na organizao espacial do Municpio de Juiz de Fora no perodosituado entre 1908 a 1920. Esse perodo foi o de maior acelerao industrialcontando com a contribuio dos capitais oriundos da Companhia Unio eIndstria, reiverso de capitais, imigrantes e de empresrios locais. Os sistemasde engenharia presentes no municpio consolidaram o escoamento daproduo e proporcionaram a criao de novos fixos industriais que geraramuma nova organizao espacial, o que pode ser firmado atravs das vilasoperrias existentes no perodo citado.

    Juiz de Fora. Indstria Txtil. Organizao Espacial. Territrio.

    The present article search to analyze and understand the influence of thetextile industry in the space organization in the city of Juiz de Fora, in thesituated period between 1908 and 1920. We understand that this period wasthe biggest industrial acceleration, considering the funds contribution derivedof The Compania Unio e Indstria, commerce of funds, immigrants andlocale contractors. The engineering systems presents in the city consolidate theproduction flowage and provide the invent of new industrials fixes thatengender a new space organization that could be fixed of the worker villa thatexists in the situated period.

    Juiz de Fora. Textile Industry. Space Organization. Territory.

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    Artigo referente pesquisa intitulada A Indstria Txtil na Organizao Espacial do Municpio de Juiz deFora (1908 a 1920) financiada pelo Centro de Pesquisa do Centro de Ensino Superior de Juiz de ForaCES/JF em 2005.Graduada em Geografia. Bolsista de Iniciao Cientfica no ano de 2005.Professora Orientadora. Curso de Geografia CES/JF. Mestranda em Servio Social pela UFJF.

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    INTRODUO

    A INDSTRIA TXTIL NA ORGANIZAO ESPACIAL NO MUNICPIO DEJUIZ DE FORA (1908-1920)

    Durante a graduao, percebeu-se a existncia de uma lacuna nosestudos em Geografia sobre a industrializao de Juiz de Fora. As pesquisas jdesenvolvidas possuem uma conotao histrica ou econmica e nenhumatraz uma compreenso do processo de organizao territorial da cidade de Juizde Fora.

    Partindo desse pressuposto, esta pesquisa teve como propostaanalisar e compreender a relevncia social que a indstria txtil teve naorganizao espacial do territrio juizforano no perodo de 1908 a 1920,caracterizado por ser um dos momentos de maior crescimento industrial domunicpio, suas implicaes no ordenamento do territrio e as relaes entresociedade e o meio circundante. Como objetivos especficos propus analisar aimportncia e os impactos causados pela indstria txtil na organizao ereorganizao espacial do territrio juizforano, buscando compreender comoo crescimento industrial desse perodo foi capaz de influenciar nessaorganizao e reorganizao.

    O projeto envolveu a realizao de levantamentos de dados histricosem arquivos locais, utilizando-se de documentao literria, fontes primrias,documentos cartogrficos e estatsticos de poca.

    Os acervos levantados para a complementao e estudo dabibliografia citada foram o Arquivo Histrico da UFJF, Instituto Histrico eGeogrfico de Juiz de Fora, Biblioteca Municipal Murilo Mendes e BibliotecaCentral da UFJF onde foram consultadas obras sobre a industrializao de Juizde Fora.

    Os sculos XIX e XX so marcados por um nmero crescente deinovaes tcnicas que transformaram, profundamente, a organizao dassociedades.

    Uma dessas transformaes que levou bem-estar e conforto para asociedade foi a consolidao, no incio do sculo XIX, da criao do tear emtodo territrio mineiro, criando um uso mais intenso do meio tcnico.

    Suzigan (2002, p.129-130) nos mostra que a indstria txtil foi ognero mais importante da indstria de transformao do Brasil. Vrios foramos fatores que favoreceram o desenvolvimento da indstria txtil brasileira apartir da metade do sculo XIX. A presena de uma matria prima importante,

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    o algodo, a demanda crescente por vesturio principalmente para asroupas dos escravos, sacas de caf, acar e uma mo-de-obra barata, emborano treinada beneficiou o setor fabril.

    Verifica-se que o Brasil apresentou situaes favorveis para que aindstria txtil se desenvolvesse apesar das amarras econmicas e polticas; aeconomia brasileira, mesmo aps a Proclamao da Repblica, continuavadominada pelo complexo agroexportador cafeeiro, o que possibilitou oaparelhamento comercial e financeiro, a formao de uma burguesia,liberao de capitais para outros investimentos, proporcionando a formaode espaos isolados de produo. Apesar de todo esse processo ter seconcretizado tardiamente, foi justamente durante esse perodo que aindstria txtil brasileira se fortaleceu e teve condies para que aindustrializao se efetivasse. Foi o momento da economia exportadorabrasileira se incorporar no emergente capitalismo monopolista mundial.

    Santos (2002, p.172) afirma que:

    Dentro dessa perspectiva, Libby (1988, p. 187-199) nos mostra que osetor txtil em Minas Gerais, no sculo XIX, pode ser dividido em dois perodosdistintos. O primeiro ocorre na primeira metade do sculo com o predomnioda produo domstica fabril com rocas e teares manuais nas grandespropriedades rurais onde a produo estava diretamente relacionada amulheres e meninas escravas, com a orientao e ocasional participao dasmulheres da famlia. Nas vilas e aldeias o trabalho era realizado pela partefeminina da famlia, o que constituiu uma verdadeira indstria; aproveitavamo algodo e conquistaram boa parcela do mercado interno mineiro. Osegundo perodo marcado pelas primeiras tentativas de instalao defbricas de tecidos em territrio mineiro, somente em 1843 que a Gr-Bretanha liberou a exportao de vrias mquinas que faziam parte de umafbrica de fiao e tecelagem para a regio de Minas Gerais. Observa-se que afora de trabalho feminina no perodo citado era dividida em livre e escrava.

    No decorrer das dcadas de 1870 e 1880, algumas condiesfavoreceram o desenvolvimento da indstria txtil em Minas Gerais. O fim doconflito nos Estados Unidos e, posteriormente, a reorganizao da produo

    O papel que as tcnicas alcanaram, atravs da mquina, naproduo da histria mundial, a partir da revoluo industrial, fazdesse momento um marco definitivo. , tambm, um momento degrande acelerao, ponto de partida para transformaesconsiderveis.

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    algodoeira aliviou a matria prima brasileira do mercado europeu noincio da dcada de 1870, gerando uma grande queda nos preos internos doalgodo. A idia de desenvolvimento industrial criava adeptos na sociedadebrasileira. Um grande estmulo foi a mo-de-obra livre, disponvel e barataprincipalmente aps a abolio.

    Em territrio mineiro, a produo fabril de tecidos marcada pelafundao de dois fixos geogrficos importantes, a fbrica Cedro, dosirmos Mascarenhas, no Municpio de Sete Lagoas e a Brumado, noMunicpio de Pitangui.

    No ano de 1883, a regio da Zona da Mata Mineira inicia a produofabril com a instalao de um fixo geogrfico representado pela FbricaIndustrial Mineira pertencente a Morrit & Companhia localizada em Juiz deFora. Em 1885, a Fbrica So Silvestre, em Viosa, inicia suas atividades.

    O momento da circulao mecanizada e da industrializao emterritrio juizforano se caracterizou por dois perodos. O primeiro compredomnio de pequenos fixos representados por fbricas e oficinas, compouca produtividade e fluxo de operrios, marcado pela utilizao de baixondice de capital investido e absoro de pequena quantidade de mo-de-obra. O proprietrio do estabelecimento era, muitas vezes, o produtor direto eesta fase se entendeu at o fim do sculo XIX.

    O segundo perodo ocorre nos fins do sculo XIX e incio do sculo XX.Ao lado dos pequenos fixos industriais que se mantm e de outros quehaveriam de se organizar, iniciaram-se as fundaes e criao de mdios egrandes fixos industriais locais com a produo em srie e com grande fluxode operrios.

    Giroletti (1988, p. 80) observa que as razes para aconcentrao de capitais que, posteriormente, foram direcionados para aindstria txtil deram-se mediante acumulao de capital oriundo docomrcio, transferncia de capital acumulado num setor industrial para outro,exerccio das profisses liberais ou a combinao de todos esses fatores.

    A reiverso de capitais na indstria com o apoio de dois importantesfixos, o Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais e Banco de Crdito deMinas Gerais, os quais foram os vetores responsveis por uma fluidezeconmica voltada para uma base urbana industrial, favorecendo os atoreshegemnicos do territrio juizforano e regio.

    O estabelecimento da sede da Cia. Unio e Indstria, aintroduo dos imigrantes e, conseqentemente, a criao da colnia D.

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    304Reiverso de capital. Termo utilizado por: GIROLETTI, Domingos.

    . Juiz de Fora: EDUFJF, 1988.Industrializao de Juiz de Fora

    1850/1930

  • Pedro II, foram um forte estmulo ao crescimento urbano e industrial,fortalecendo a densidade viria e infoviria do municpio.

    Entre os imigrantes que chegaram, em 1865, em territrio juizforano,para serem utilizados como mo-de-obra especializada para a construo deum sistema de engenharia a Rodovia Unio e Indstria inclua-se um variadonmero de especialistas, mecnicos, ferreiros e tcnicos em construes depontes. A fixao dos imigrantes na cidade proporcionou a organizao depequenos fixos industriais, serrarias, curtumes, fbrica de implementosagrcolas, casa de comrcio ou outros setores de servios.

    Significou, por um lado, a existncia de um mercado consumidor parao qual destinavam-se produtos de suas especializaes e, por outro, mediantesua incorporao como produtores, a ampliao de mercado consumidorlocal, tornando mais forte as horizontalidades espaciais do territrio. medidaque o imigrante se consolida em territrio juizforano, uma nova organizaoespacial se manifesta.

    Aos imigrantes atribuiu-se a constituio de uma mo-de-obraassalariada, especializada e os primeiros estabelecimentos comerciaisinstitudos em territrio juizforano, desenvolvendo e fortalecendo uma fluidezcom base em uma infra-estrutura bsica municipal, como hotis, casascomerciais, escritrios, indstrias, correios, imprensa, escolas, hospitais,dentre outros.

    Os imigrantes foram instalados em territrio juizforano nos atuaisbairros So Pedro, Borboleta e Fbrica. Encontraram dificuldades com relao lngua, costumes e religio. Foram, aos poucos, transformando o espaogeogrfico em lugar, dotando-o de valor a cada conquista, integraram-se satividades urbanas e alguns se transformaram em grandes empreendedoreslocais.

    De acordo com Giroletti (1988, p. 47), em 1870 existiam 190estabelecimentos industriais e comerciais em Juiz de Fora. Dessesestabelecimentos, 114 eram industriais, indicando o grau de diversificaoatingido pelo Setor de Mercado Interno em territrio juizforano.

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    Indstrias1870

    N Indstrias1877

    N

    Oficinas de FerreiroOlariasFbrica de CarroasSelariasFbrica de Fogos de ArtifcioFunilariasOficinas de MarceneiroCharuteirosPadariasSapatariasFbricas de Chapu de SolOficina de ColcheiroFbrica de Cerveja

    7633222222111

    Oficinas de FerreiroOlariasFbrica de Carros e CarroasSelarias de Of. de CorreeiroFbrica de Fogos de ArtifcioOf. de Funileiro e CaldeireiroOficinas de MarceneiroFbrica de Charutos e CigarrosPadariasSapatariasOficinas de ChapeleiroOficinas de ColcheiroFbricas de CervejaOficinas de CarpinteiroConfeitariasCasas de Caf TorradoTipografiaOficinas Diversas

    12454293431022263216

    TOTAL 34 TOTAL 80

    Fonte: Industrializao de Juiz de ForaGIROLETTI, Domingos. : 1850/1930, EDUFJF. 1988. p. 50.

    Percebe-se que o nmero de estabelecimentos industriais emterritrio juizforano foi bastante diversificado na dcada de 1870. Os fixosgeogrficos mais registrados so os de sapatarias e de oficinas de ferreiro,devido precariedade das ruas da cidade. As principais indstrias sevinculavam a uma estrutura de demanda para os bens de consumo a fim deatender s necessidades da populao, por isso um nmero elevado deestabelecimentos registrado nesse perodo.

    No setor fabril, os empreendimentos em territrio juizforano, noperodo entre a primeira e a segunda fase de industrializao, foramorganizados pela associao de duas firmas que adquiriram, em 1883, umarea j decadente, da Companhia Unio e Indstria. Esse sistema deengenharia (oficinas, ptios etc.) perdeu a funcionalidade que lhe garantia umdinamismo e se tornou um outro fixo, tornou-se uma indstria txtil, aCompanhia Fiao e Tecelagem Industrial Mineira, dinamizando uma formade trabalho que foi adequado para essa configurao espacial. Proporcionouum novo fluxo de operrios e de mercadorias. Esta veio a ser a maior empresalocal e a nica do perodo organizada e controlada por capital ingls.

    Valiosa tambm foi a contribuio do no imigrante ao processo deindustrializao do territrio juizforano. Giroletti (1988, p.82) afirma que estepoderia ser empresrio da cidade ou de municpios vizinhos e foi responsvelpor 50% dos estabelecimentos industriais criados entre 1889 e 1930. Oscapitais que animaram esses empreendimentos se originaram, basicamente,

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    TABELA1-Relao dos Estabelecimentos Industriais Juiz de Fora 1870-1877

  • do setor primrio, comrcio, exerccio das profisses liberais, ouainda da combinao de uma ou mais fontes.

    Um dos empresrios que viria a se consagrar, por reorganizar o espaogeogrfico atravs de mudanas significativas em relao aos sistemas deobjetos e aes do municpio, foi Bernardo Mascarenhas com a criao pelaCompanhia Mineira de Eletricidade em 1887. Este foi, sem dvida, um dosvetores da dinamizao fabril na cidade. O fato considerado o incio dodesenvolvimento industrial de Juiz de Fora que ficou conhecida,historicamente, como a pioneira da hidroeletricidade na Amrica do Sul.

    A utilizao da energia eltrica na produo industrial gerada pelofixo, a Companhia Mineira de Eletricidade trouxe um novo dinamismo aoespao de produo juizforano levando ao desenvolvimento de diversasindstrias no municpio.

    A Companhia Txtil Bernardo Mascarenhas entrou emfuncionamento, utilizando a energia produzida pela Companhia Mineira deEletricidade, instalada na Cachoeira de Marmelos. Com esse fixo, BernardoMascarenhas criou as bases para uma srie de inovaes urbanas a partir daatividade industrial. A primeira usina hidreltrica da Amrica do Sul passou afornecer o fluxo de energia necessrio ao funcionamento deempreendimentos comerciais, industriais e a iluminao pblica para cidadeao mesmo tempo. Isso implicou na possibilidade de se gerar novos sistemas deaes, ampliou a diversidade dos fixos comerciais e industriais. Essa afirmao reforada por Giroletti (1988, p.91) que nos mostra que, entre 1898 a 1914,se fundaram mais de 160 estabelecimentos industriais na cidade, justamente operodo em que a Companhia Mineira de Eletricidade entra emfuncionamento.

    TABELA 2 - Relao das principais indstrias txteis em Juiz de Fora at 1920.

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    Ano de Fundao Indstria

    1883 Cia. de Fiao e Tecidos Industrial Mineira

    1888 Cia. Txtil Bernardo Mascarenhas

    1896 Fiao e Tecelagem de Malha Antnio Meurer

    1907 Viva Carlos Stiebler & Filhos

    1908 Fbrica Santo Antnio

    1909 Cia. Fiao e Tecelagem Moraes Sarmento

    1910 Malharia Waltenberg

    1913 Malharia Stumpf

    1914 Cia. Fiao e Tecelagem Santa Cruz

    1914 Cia. Fabril Juiz de Fora

    Fontes: Dadosde 1877

    Elaborado por:

    Dados de 1870: OLIVEIRA, P. de Histria de Juiz de Fora. 2. ed. Juiz de Fora: Graf, 1966. p.103/: ESTEVES, A de O. (Org.). lbum do Municpio de Juiz de Fora. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,

    1915. p. 69.GONALVES, Tnia Regina Peixoto da Silva, 2005.

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    Os fixos geram um processo rpido de trabalho. Dessa forma, aCompanhia Mineira de Eletricidade favoreceu o empreendimento industrialno municpio porque, com a gerao do fluxo de energia, proporcionou osurgimento de um nmero maior de indstrias txteis em territrio juizforano.

    Giroletti (1988, p. 82) afirma que:

    Conseqentemente, uma nova etapa de modernizao se efetivacom a consolidao da indstria txtil no territrio. Esta traz consigo umgrande nmero de transformaes no processo produtivo. A produo fabrilgerou demandas alimentares, de vesturio, alm das de habitao etransporte, construindo um novo conjunto de objetos geogrficos, comoiluminao eltrica, telgrafo, telefone, estabelecimentos de ensino, casascomerciais e hospitais, como a Santa Casa de Misericrdia, efetivando, dessaforma, uma maior horizontalidade municipal.

    importante ressaltar que as instalaes das principais indstriastxteis em territrio juizforano utilizaram-se como em todo territrio mineirode uma mo-de-obra masculina livre, no deixaram tambm de utilizar-se demo-de-obra feminina e infantil, inclusive noturna, em suas fbricas.

    Andrade (1987, p. 53) observa que:

    A jornada de trabalho de 9 horas, chegando a muitos casos de at 22horas dirias de trabalho quando havia seres, era longa e exaustiva. Possuadois intervalos de, aproximadamente, quinze minutos cada um para que ooperrio pudesse fazer suas refeies. Essa situao demonstra que ascondies de trabalho dos operrios fabris no municpio eram precrias e

    Igualmente significativa foi a contribuio destes empresrios nodesenvolvimento da infra-estrutura (transporte, luz eltrica,telefones), do setor de servios (educao, sade) e do setorbancrio.

    O trabalho feminino e do menor era intensamente utilizado,sobretudo no setor txtil. Em 1912, o Dirio do Povo que registraser comum nas fbricas de tecidos, o trabalho de mulheres ecrianas, at menores de 10 anos. O que confirmado pela Uniooperria no seu relato ao 2 Congresso Operrio Brasileiro, em1913, acusando inclusive a existncia de trabalho noturno.

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  • insatisfatrias.O operrio juizforano, no incio do sculo XX, j possua uma

    produo do espao determinada pela classe dominante ou a burguesia local ej era encarada como objeto de lucro. Os fluxos de circulao operria pelacidade so demonstrados atravs das manifestaes de protestos por melhorescondies de trabalho e de vida. As greves de 1912 e 1920 so exemplosdessas manifestaes.

    Para se entender o relacionamento do operrio com os espaos dacidade, torna-se necessrio compreender a relao desse operrio com oprodutor desse espao, os donos do capital j que o homem que produz oespao no , de modo algum, um homem absoluto, mas sim que possui idias,valores culturais e pertence a uma determinada classe.

    Essa apropriao dos espaos da cidade pelo operrio,principalmente aquelas derivadas de manifestaes e greves, pode significar aluta por uma cidade voltada aos interesses pblicos ou da maioria. Se o capitalimpe suas necessidades ao processo de reproduo espacial, a sociedadetende tambm a impor suas necessidades.

    Andrade (1987, p. 76) afirma que:

    Andrade (1987, p.103) nos mostra que a conjuntura 1918-1920 foium perodo onde as condies de vida e de trabalho do proletariado da cidadeera delicada. A carestia de vida que castigava terrivelmente esta classe nombito nacional era tambm um problema local, resultante da economiabrasileira que se inseria na economia internacional conturbada com arepercusso da primeira Guerra Mundial.

    O perodo se caracteriza pela elevao do custo de vida,acompanhada pela falta de gneros. Por outro lado, uma fase de expansoindustrial em que, para poucos, a acumulao favorecida e peloachatamento real dos salrios.

    Dentro desta perspectiva, o espao no neutro j que produzidopor uma classe especfica. Carlos (2001, p. 19) expe que a categoriadeterminante era capaz de dominar e organizar o espao a partir de um pontoespacial, o capital.

    A partir dessas anlises, entendemos que o territrio juizforano, desde

    A greve de agosto de 1912, em Juiz de Fora, se insere no movimentoda classe operria brasileira pela reduo do horrio de trabalho.Em 1912, ocorrem vrias greves para a obteno das 8 horas, no sem Minas Gerais, mas no Rio e em So Paulo.

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    o incio de sculo XX, produz um espao alienado j que, emboraproduzida pela classe trabalhadora, essa produo no foi determinada pelosinteresses dessa classe e sim pela classe dominante, a burguesia.

    Graas aos rendimentos oriundos dos fixos industriais, o territriojuizforano passa no s por grande crescimento, mas tambm por fortetransformao espacial. Com a consolidao da indstria fabril ao territrio,houve uma intensificao da diviso territorial do trabalho urbano na cidade aburguesia e o proletariado dividiam o mesmo cotidiano.

    No espao geogrfico juizforano se interagiam as polticas sociais,atravs da construo de habitaes, manuteno de hospitais, abertura deruas na cidade, execuo do sistema de saneamento e abastecimento de gua,ou seja, uma infra-estrutura do meio urbano. O que se percebe que osoperrios que realizaram essas mudanas urbansticas pouco usufruram jque estavam confinados a um espao pr-determinado, onde quase no setinham benefcios urbanos.

    Com a industrializao, o municpio passa a ser encarado no pela suabeleza, mas pela suas possibilidades de uso e pelo lucro que se possa usufruirdela. Para aqueles que detinham o poder econmico e, posteriormente opoltico, a cidade passa a ser um objeto de lucro, com a inteno de facilitar acirculao de mercadorias. Surge uma outra cidade com a industrializao, asegregao espacial visvel, separando nos seus limites os vrios grupossociais que a compem.

    A cidade enfrentava dois problemas fundamentais em relao vidados operrios da cidade, a carestia e a moradia. Essa situao estava atrelada abaixos salrios. Fato este que no era uma realidade somente em territriojuizforano no fim do sculo XIX e incio sculo XX. O proletariado brasileiro, deum modo geral, enfrentava as mesmas dificuldades. A alimentao e amoradia urbana estavam abaixo do necessrio para a sobrevivncia comdignidade.

    Correia (2004, p.1) afirma que:5

    Durante as duas dcadas do sculo XIX e a primeira metade dosculo XX, a moradia urbana no Brasil passou por ampla reforma,que envolveu mudanas de ordem espacial e alteraes de uso e designificados. A partir da dcada de 1870, a situao das moradiasnas principais cidades brasileiras que cresciam e tinham suas reascentrais fortemente adensadas comeou a inquietar setores daselites.

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    365CORREIA, Telma de Barros. . So Carlos:Rima, 2004. Aborda o debate em torno da moradia em cidades brasileiras no perodo entre 1870 e 1950.

    A construo do habitat moderno no Brasil- 1870-1950

  • A economia urbana desenvolve-se apoiada na indstria fordista e nomercado imobilirio, gerando vilas operrias, bairros populares,aumentando, significativamente, a ocupao da rea central da cidade.

    Oliveira (1939, p. 69) afirma que:

    O problema da moradia tenta ser resolvido em territrio juizforanopela elite local atravs das vilas operrias que foram construdas para abrigar afora de trabalho contratada para os fixos representados pelas fbricas detecidos. As moradias foram construdas seguindo um padro. Eram formadaspor casas coladas umas s outras, de mesma fachada e igual diviso interna.

    A existncia dessas vilas operrias, apesar de serem construes quesegregavam, tambm se reproduzia a fora de trabalho perto do espao fabrilestas eram construdas nos arredores das fbricas, remodelando a organizaoespacial do municpio.

    A questo social e sanitria no Brasil, no final do sculo XIX e incio dosculo XX, preocupou vrios setores da sociedade, como industriais,comerciantes, religiosos, mdicos etc.

    Dessa forma, pensaram a moradia do proletariado como um espao afim de atender a vrios propsitos, como a medicalizao, disciplinamento,higiene dos indivduos mais pobres dentre outros. Tal idia tinha comopropsito controlar a cidade e seus habitantes.

    Correia (2004, p. 25) nos mostra que:

    A Companhia Txtil Bernardo Mascarenhas utilizou servios de uma

    A cidade apesar de conhecida como 'Manchester Mineira devidoao seu elevado nmero de indstrias, infelizmente, no tinha aindaum bairro popular segue traado nos moldes do modernismourbano. Os diversos barraces existentes em toda parte dacidade, constituam slidas provas do completo abandono em quevivem os seus habitantes pobres.

    A generalizao da idia do meio como formador dos indivduos correlata expanso de dois processos simultneos odisciplinamento e a medicalizao que aparecem associados nosdiscursos e praticas sobre a cidade do sculo XIX. Tais processosintegram-se em um projeto de sociedade e de controle sobre acidade e seus habitantes, no qual o espao aparece como elementocentral de interveno.

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    serraria situada no Largo do Riachuelo para as obras de construo desua vila operria, denominada de Vila Mascarenhas entre 1916 e 1920 .

    Atravs da planta da cidade de Juiz de Fora elaborada em 1932,constatou-se a existncia de outras vilas operrias nas proximidades dasprincipais indstrias txteis do municpio, So Bernardo, Braga e Meggiolaro.

    Observa-se que a indstria txtil, no perodo em estudo, trouxegrandes transformaes para a organizao espacial do municpio de Juiz deFora. Com a produo fabril surgiram novas formas de se pensar a aohumana. A chegada dos imigrantes e a consolidao do perodo tcnicoinseriram o territrio no complexo cafeeiro e consolidaram os sistemas deengenharia presentes.

    A consolidao desses fixos geogrficos representados pelaCompanhia Unio e Indstria e Estrada de Ferro D. Pedro II favoreceu umdinamismo que deu a base poltica, econmica e mo-de-obra para que aindstria txtil se consolidasse no municpio.

    A densidade populacional gerada por esses fixos delineou demandascomerciais, de vesturio, alimentao, moradia e neste espao passou a seconcretizar diferentes usos da terra, gerando concentraes de atividadescomerciais, servios, reas industriais e residenciais. Articulou-se, dessa forma,fluxo de transporte, fornecimento de gua e energia, escoamento demercadorias e produo.

    Essas articulaes s se realizaram por meio da circulao de decisese investimentos de capital, mais valia, salrios e lucros que so relaestipicamente espaciais .

    Torna-se evidente, portanto, que a indstria txtil teve relevante papelna expanso territorial do municpio de Juiz de Fora. O fato pode sercomprovado, ao se observar a evoluo histrica da mancha urbanaapresentada no Plano Diretor de Juiz de Fora de 1996.

    A indstria txtil em territrio juizforano provocou profundastransformaes no seu espao de produo. Esta gerou demandas atravs da

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    CONSIDERAES FINAIS

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    6TAMM, Paulo. . Belo Horizonte: Papelaria e TipografiaBrasil Velloso, 1940. p. 393-394. Devido a escassez de fontes primrias sobre a data correta daconstruo da vila operria Mascarenhas, subentendemos que entre 1916 a 1920 a Cia Txtil BernardoMascarenhas construiu uma vila operria.

    A famlia Mascarenhas e a Indstria em Minas

    7CORRA, Roberto Lobato. . 4. ed. So Paulo: tica, 2002. p. 7-10O espao urbano

  • expanso de servios, como transportes, educao, sade, saneamentobsico, energia, comrcio, alm de reestruturar a urbanizao da cidade com aconstruo de vilas operrias e bairros populares, mudando, aos poucos, apaisagem do municpio. Atravs desses fixos geogrficos gerou-se um grandefluxo populacional e, conseqentemente, um maior fluxo comercial, decapital e prestao de servios.

    Os sistemas de engenharia representados pela Rodovia Unio eIndstria e Estrada de Ferro D. Pedro II consolidaram no municpio todo esseprocesso porque geraram uma densidade populacional e asseguraram ofortalecimento da indstria txtil no territrio. A indstria txtil, ao se localizarem um ponto do espao juizforano, articulou e integrou a cidade com outrosmunicpios tanto de Minas Gerais quanto do Rio de Janeiro atravs dossistemas de engenharia existentes no territrio que possibilitaram relaes dereproduo do cotidiano, como comrcio, agricultura etc. e relaes deescoamento da produo e de mercadorias.

    A anlise da indstria txtil na organizao espacial do territriojuizforano, no incio do sculo XX, me permite afirmar que esta influenciou noordenamento do territrio porque, a partir do momento em que vilasoperrias foram construdas para abrigar seus operrios e familiares, esta foicapaz de influenciar na organizao e reorganizao espacial do municpio.

    Atravs da planta da cidade de Juiz de Fora, elaborada em 1932,consta-se a existncia de quatro vilas operrias nas proximidades dasprincipais indstrias txteis do municpio, a Vila Mascarenhas, So Bernardo,Braga e Meggiolaro. Na dcada de 1930, um urbanista juizforano trata datemtica, abordando a formao de bairros populares com capitais oriundosda indstria txtil.

    A Companhia Fiao e Tecelagem Industrial Mineira com a direodo Dr. Joaquim Inojosa mandou executar um plano de bairropopular para seus operrios. Tratava-se de um bairro de vidaautnoma, traado de acordo com as mais modernas normasurbansticas, onde os seus habitantes gozariam os salutaresbenefcios do sol, do ar e da vegetao. As construes foramprojetadas com a preocupao da resistncia, da higiene, dabeleza e da economia, permitindo o mximo conforto e muitoconcorreriam, com o seu conjunto harmonioso, para um ambientepitoresco e alegre. Alm do tipo de residncia adaptado,configurava no plano um cinema, uma igreja, um grupo escolar eum edifcio comercial, onde se encontrariam todos os gnerosnecessrios vida, isto , um grande prdio com acomodao para 39

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    Um olhar geogrfico sobre a indstria txtil em territrio juizforano (1908 1920), p.27 - p.42

  • Tnia Regina Peixoto da Silva Gonalves / Flvia Calvano

    aougue, sapateiro, padaria, farmcia, bombeiro, alfaiate,armazm, barbeiro, etc. OLIVEIRA (1939, p. 69)

    Essa citao comprova a relevncia da indstria txtil em territriojuizforano, suas implicaes no ordenamento do territrio e suas relaesentre a sociedade e meio circundante.

    Finalmente, esta pesquisa revelou uma sensvel lacuna porque, apesarde Juiz de Fora ser sido considerada Cidade Usina e Manchester Mineira peloseu dinamismo industrial, pde-se perceber a falta de sistematizao dedocumentos, dados e ilustraes sobre a criao das vilas operrias emterritrio juizforano, o que marca, portanto, a relevncia dos estudos aquiapresentados como um espao de reduzir tais lacunas e apresentar novosolhares industrializao de Juiz de Fora.

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    REFERNCIAS

    Classe operria em Juiz de Fora:

    O espao urbano.

    A construo do habitat moderno no Brasil 1870/1950.

    lbum do Municpio de Juiz de Fora.

    Territrio brasileiro:

    Industrializao de Juiz de Fora:

    Transformao e trabalho em uma economiaescravista.

    Origens de Juiz de Fora

    Notas urbansticas.

    Histria de Juiz de Fora.

    O Brasil:

    A natureza do espao:

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    Tcnica, espao, tempo globalizao e meio tcnico-cientficoinformacional.

    Territrio brasileiro:

    Indstria brasileira:

    A famlia Mascarenhas e a indstria em Minas.

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    Tnia Regina Peixoto da Silva Gonalves / Flvia Calvano