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    DILOGOS ENTRE TEXTO E IMAGEM NAS CAPAS DA REVISTA UNESP CINCI UMA ANLISE

    MULTIMODAL

    Bruno Sampaio Garrido1

    Introduo

    Este trabalho tem por finalidade analisar as relaes existentes entre os elementos verbais

    e no-verbais das capas da revista Unesp Cincia, editada pela Assessoria de Comunicao e

    Imprensa (ACI) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e verificar as decorrncias desse dilogo

    construo do sentido global das peas visuais.

    A razo para um estudo desse porte fundamenta-se no forte apelo multimiditico dos

    gneros de mdia da atualidade. Embora a confluncia entre vrias linguagens no seja algo novo,

    esse aspecto nunca esteve to em evidncia quanto agora, principalmente aps o desenvolvimento

    de tecnologias como a internet, o telefone celular, as redes de informao e comunicao etc.

    Assim, torna-se imperativo que os usurios dessas mdias sejam capazes de dialogar com

    esse mix de linguagens interligadas e inter-relacionadas de forma que ele consiga efetuar uma

    leitura apropriada desses elementos, em vez de focalizar sua ateno em apenas um aspecto no

    caso, os elementos verbais. Isso implica em um novo modo de se entender a leitura

    principalmente desses meios multimiditicos , por meio da qual a decodificao da palavra

    escrita insuficiente para se compreender o todo da mensagem, exigindo-se outras habilidades.

    No caso do objeto de estudo, uma revista de jornalismo cientfico, a presena de elementos

    visuais d-se de forma intensa, graas a um projeto grfico de grande apelo s imagens, as quais

    dialogam com os textos escritos e interferem no sentido final da mensagem transmitida. Elas

    ajudam a reforar o impacto e a importncia da cincia na vida humana, at mesmo em

    situaes corriqueiras e aparentemente banais.

    O corpusde anlise deste trabalho composto pelas capas das edies de nmeros 4, 5 e

    6 da revista Unesp Cincia (lanadas, respectivamente, em novembro e dezembro de 2009 e

    1 Jornalista, licenciado em Letras, especialista em Comunicao nas Organizaes e Mestre

    em Comunicao pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru. Assistente de

    Suporte Acadmico do Departamento de Psicologia da Unesp de Bauru. E-mails:

    [email protected]@fc.unesp.br.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    janeiro de 2010). O suporte terico-metodolgico utilizado encontra-se nas obras de Kress e Van

    Leeuwen (1996), os quais trabalham com o conceito de multimodalidade. De acordo com esse

    conceito, um texto multimodal quando combina mais de um cdigo semitico (visual, textual,

    sonoro) e dessa combinao so construdos significados. A leitura integrada desses cdigos

    permite a compreenso global das mensagens por eles fornecidas e relacion-los, gerando um

    sentido global ao texto.

    Alm disso, tambm ser utilizado na anlise das capas o modelo de Gramtica do Design

    Visual desenvolvido pelos autores, de modo a identificar as relaes existentes entre os elementos

    grficos no conjunto da imagem, sejam entre si ou em conjunto com os elementos textuais

    presentes. Essa anlise prioriza aspectos como a posio de cada elemento e a existncia de

    conexes que viabilizem a construo de uma narratividade entre eles.

    Sobre a multimodalidade

    Como j foi dito, as inmeras mensagens da contemporaneidade, sobretudo aquelas

    produzidas pelos meios de comunicao, agregam mais de um cdigo semitico (textos escritos,

    imagens e sons). Apesar de o advento das mdias eletrnicas ter intensificado e complexificado a

    produo desse tipo de mensagem, a combinao entre diferentes linguagens no se trata de algo

    novo.

    Dionsio (2006) lembra que, ao usarmos a linguagem, combinamos a escrita com gestos,

    entonaes, expresses faciais, tipografias entre outros elementos, de modo no apenas a

    viabilizar a comunicao, mas exercer aes individuais e sociais, entremeadas pela cultura.

    Assim, o uso da linguagem , desde seus primrdios, multimodal.

    O desenvolvimento das tecnologias de informao e comunicao impulsionou essa

    caracterstica multimodal da linguagem, ao conjugar em um mesmo suporte um conjunto de

    cdigos. Esse fator aproxima ainda mais a relao entre cdigos verbais e no-verbais,

    principalmente palavra e imagem, cujas combinaes tm sido mais intensas e complexas. As

    mensagens contemporneas, enfim, so cada vez mais visuais, e exigem de seus leitores uma

    maior capacidade de percepo e discernimento ao l-las, interpret-las e reconstru-las

    (DIONSIO, 2006).

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    Diante disso, tornou-se necessria a construo de uma teoria capaz de atender essa

    demanda apontada por Dionsio. Uma dessas propostas foi construda por Gunther Kress e Theo

    van Leeuwen. Segundo Carmagnani (2008), o objetivo desses tericos apresentar uma teoria

    capaz de abarcar os diversos cdigos semiticos constituintes das mensagens contemporneas, as

    quais operam por meio de interfaces, focalizando especialmente os recursos semiticos da

    comunicao, os modos, meios e as prticas comunicativas em que esses recursos so

    empregados. Em outras palavras, uma prtica que explore melhor as possibilidades que temos

    disposio para a expresso de nosso pensamento e para a apreenso dos sentidos produzidos

    por outros (p. 3).

    Neste contexto, imprescindvel preparar a nossa sociedade para lidar coma linguagem visual, de forma que o ser humano desenvolva habilidades de

    compreender, ressignificar e produzir imagens capazes de realmente

    socializar as informaes requeridas pelo instante de sua produo. Assim

    sendo, a linguagem visual passvel de leituras, as quais devem ser

    ensinadas e praticadas, levando em considerao a sua funcionalidade

    (BESSA; BARBOSA; CMARA, 2008, p. 2).

    Sobre a gramtica do design visual

    Em meio aos objetivos apresentados acima, Kress e van Leeuwen (1996) desenvolveram

    uma metodologia de anlise de imagens conhecida como Gramtica do Design Visual (GDV), com

    o objetivo de verificar e compreender o sentido de tais imagens, levando-se em conta no apenas

    seus aspectos estticos e formais, mas tambm o contexto histrico-social em que so

    produzidas e a maneira como produtores e espectadores se relacionam por intermdio dessas

    imagens, assim como as relaes de sentido dela decorrentes.

    A importncia dessa metodologia ensinar as pessoas a ler os textos no-verbais, em

    articulao com o contedo verbal. Se, em mensagens verbais, o produtor define quais so os

    elementos prioritrios na composio de sua mensagem e o seu modo de organizao, o mesmo

    ocorre com os textos no-verbais, em que possvel combinar diversos elementos (como pessoas,

    lugares e coisas) e organiz-los de tal modo a se constiturem como verdadeiras assertivas

    visuais, de varivel complexidade e extenso assim como na linguagem escrita (KRESS; VAN

    LEEUWEN, 1996).

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    Petermann (2006) reitera a importncia desse referencial analtico na leitura de textos

    combinados com elementos visuais, o qual se revela til tanto para a prtica, ou seja, para a

    construo desses textos, quanto para a anlise crtica, em uma verificao dos significados que

    esto amarrados aos elementos visuais e que devem ser interpretados (p. 2).

    Contudo, lembra Novellino (2006), um equvoco pensar que as mensagens visuais e

    verbais significam a mesma coisa, ou que ambas possuem as mesmas estruturas. Embora ambas

    apresentem entre si uma relao mais geral, abrangente, cada linguagem possui regras prprias

    de estruturao e construo de sentidos, mesmo que trate de contedos passveis de

    representao tanto visual quanto verbal, j que a maneira como isso se d tambm diferente

    uma da outra (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996).

    Os sistemas semiticos possibilitam que os objetos possam ser

    representados e se relacionem uns com outros de maneiras diferentes. Isso

    no significa que as estruturas da lngua e da imagem sejam

    correspondentes. Cada uma possui suas prprias regras, estruturas e

    formao social. Enquanto a lngua realiza significados atravs de

    estruturas lingusticas, a comunicao visual realiza significado atravs de

    estruturas visuais. (NOVELLINO, 2006, p. 2).

    A GDV foi concebida tendo como base terica a Gramtica Sistmico-Funcional (GSF) de

    Michael Halliday, mais especificamente a noo de metafunes da linguagem por ele proposta. O

    objetivo de Kress e van Leeuwen (1996) estabelecer uma ponte entre as imagens e as

    representaes sociais na lngua, assim como as relaes entre produtores e consumidores dessas

    imagens, verificando assim a correspondncia entre esses elementos.

    Segue abaixo um quadro-resumo elaborado por Bessa, Barbosa e Cmara (2008), o qual

    traz as metafunes da linguagem de Halliday e suas correspondncias dentro da metodologia da

    GDV. Para este trabalho, optamos apenas por mostrar essas snteses e pormenorizar a metafuno

    representacional (mais especificamente as estruturas narrativas), a qual servir de base para as

    anlises propostas aqui.

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    Quadro 1: As metafunes da linguagem sob as perspectivas de Halliday e Kress e van Leeuwen

    Fonte: BESSA; BARBOSA; CMARA, 2008, p. 3.

    Representao e narratividade nas capas da

    Unesp Cincia

    Dentro da GDV, Kress e van Leeuwen (1996) dizem que a metafuno representacional

    ocorre em consequncia dos participantes representados nas imagens ou, em outros termos, das

    relaes de afinidade entre esses elementos na composio e organizao desses elementos no

    conjunto imagtico. Ela equivale funo ideacional de Halliday, na qual os indivduos, por meio

    da linguagem, constroem suas experincias.

    J nos processos narrativos, os participantes em uma imagem so aqueles que iroexecutar aes, exercendo o papel de atores, ou iro sofr-las, sendo assim as metasou alvosde

    tais aes. Essa relao equivale transitividade verbal na sintaxe lingustica, em que o ator

    exerce um papel de sujeito e a meta, de objeto.

    A principal caracterstica dos processos de ao a presena dos vetores (tambm

    chamados de linhas de ao), os quais representam a interao entre dois objetos (ator e meta),

    indicando a direo do processo acional. Esses vetores tanto podem ser unidirecionais (partindo

    do ator em direo meta) ou bidirecionais (o que significa que os participantes envolvidos so

    ora atores, ora metas).

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    Alm dos processos de ao, tambm h os de reao, em que o principal elemento o

    olhar dos participantes chamados nessa situao de reatores. Por conta disso, Kress e van

    Leeuwen (1996) dizem que, nos processos reacionais, os participantes devero apresentar

    caractersticas humanas ou semelhantes.

    As capas escolhidas para serem analisadas neste trabalho apresentam processos

    narrativos, embora as relaes entre os participantes em cada uma se d de formas distintas.

    Durante o presente estudo, os vrios conceitos da GDV aplicados nesse recorte sero

    apresentados, especialmente no que tange ao uso dos vetores, de modo a viabilizar uma leitura

    mais profcua e criteriosa das imagens em questo.

    1)

    Evoluo 2.0

    Figura 2: Capa da Unesp Cincia n3, nov. 2009

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    A primeira capa escolhida mostra a caricatura do cientista britnico Charles Darwin,

    segurando um emaranhado helicoidal que, na verdade, a estrutura do DNA. Enquanto a segura, o

    cientista a observa com um misto de ateno e perplexidade. O cientista retratado de forma

    caricata, mas o estilo de desenho remonta poca em que este viveu (sculo XIX), em que se

    procurava retratar o objeto de forma fidedigna, traos sbrios, sem cores.

    Nessa figura, podemos identificar dois processos narrativos: o primeiro deles, manifesto

    quando Darwin segura a cadeia de DNA, uma ao transacional. Conforme a GDV de Kress e van

    Leeuwen, trata-se de um fenmeno composto de duas partes, em que Darwin, sob o papel de

    ator, exerce uma ao no emaranhado de DNA (no caso, segur-lo), a qual faz o papel de meta. J

    o segundo processo narrativo trata-se de uma reao transacional. Aqui, Darwin (ator) olha fixa e

    perplexamente para a cadeia de DNA (meta) a forma como isso ocorre cientista est segurando

    um par de culos, reforando os sentidos criados pela ilustrao em anlise.

    A reao de surpresa de Darwin coaduna com a chamada de capa As cincias do DNA

    trazem para a teoria de Darwin uma complexidade que nem ele imaginava. De fato, a evoluo da

    cincia, mais especificamente as cincias naturais em especial a Gentica, a Biologia Molecular, a

    Biomedicina, etc. , atingiu propores outrora inimaginveis na poca em que o cientista viveu.

    Isso explica no apenas seu espanto diante da aclamada complexidade da cincia atual o mas o

    faz de forma atenta, compenetrada, de modo a conhecer melhor seu objeto de contemplao um

    comportamento tpico de um cientista de seu porte.

    O ttulo da chamada, Evoluo 2.0, por meio de uma relao intertextual, tambm remete a

    esse estgio da cincia moderna. Foi a partir das descobertas de Darwin e de outros

    pesquisadores renomados que esta avanou espetacularmente no sculo seguinte. Essa analogia

    com uma expresso comum da informtica uma metfora prpria cincia, a qual est em

    constante atualizao (ou upgrade).

    Tambm devemos reparar na estrutura de DNA, alvo de contemplao do cientista Darwin.

    Podemos perceber que a cadeia helicoidal em suas mos parece no ter um fim, tanto em sua

    extenso quanto em sua complexidade essa cadeia de DNA forma um enredado infinito (cujo

    smbolo , equivalente forma helicoidal desta). uma aluso de que no apenas a substncia

    elementar da vida terrestre vai se tornando mais complexa e infinita, assim como os prprios

    seres vivos. Alm disso, as cincias naturais acompanham essa evoluo, j que o potencial de

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    novas descobertas tambm ganha em complexidade e infinidade o que envolve maior empenho

    da comunidade cientfica.

    2)

    O peso da agricultura no clima

    Figura 3: Capa da Unesp Cincia n4, dez. 2009

    J a segunda capa analisada se trata de uma charge (desenho que retrata humoristicamente

    fatos e/ou personagens do cotidiano) envolvendo o presidente brasileiro, Lus Incio Lula da Silva,

    em que ele est carregando uma vaca em direo cidade de Copenhague.

    Nessa ilustrao, vemos quatro processos narrativos. O primeiro deles do tipo ativo

    transacional, na qual Lula (ator) carrega a vaca (meta) em direo a Copenhague. O segundo diz

    respeito prpria trajetria de Lula capital dinamarquesa, que, apesar de mencionada, no

    aparece na cena. Nesse caso, quando o ator exerce uma ao e a meta est ausente na

    composio da imagem, estamos falando em um processo ativo no-transacional. O mesmo

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    ocorre no terceiro processo, quando a vaca emite gases flatulentos a ao ocorre, o ator a

    executa, mas no h uma meta. J o quarto processo existente na cena do tipo reativo

    transacional bidirecional, em que Lula e a vaca trocam olhares entre si compondo, na verdade,

    dois processos narrativos reacionais, em que um dos personagens ator em uma situao e meta

    em outra.

    Aqui, h um ntido jogo de palavras entre o ttulo da chamada com o desenho, atravs de

    uma relao metonmica. A palavra pesono est sendo empregada em seu sentido usual, mas

    sim como sinnimo de impacto, efeito, consequncia. No entanto, a polissemia desse termo em

    conjunto com o desenho cria um efeito humorstico, ao relacionar o sentido usado na chamada

    com o expresso no desenho (o peso da agricultura, em relao metonmica, representado pela

    vaca que na verdade faz meno a toda atividade agropecuria brasileira, dando a entender que

    se trata de um assunto difcil, o qual requer habilidade do presidente para lid-lo). Esse jogo de

    significados se torna compreensvel ao se ler a chamada De vilo do aquecimento global, setor

    pode passar a mocinho se vingarem os planos do governo de reduzir as emisses de gases-estufa

    de rebanhos e plantaes.

    Um elemento ntido e marcante nessa ilustrao o jogo de olhares entre a caricatura de

    Lula e a vaca um elemento essencial na construo do humor. Um dos objetivos do presidente

    no encontro de Copenhague propor uma alternativa reduo de gases nos rebanhos

    (emanados pela decomposio de material orgnico fecal, ou mesmo na flatulncia dos animais),

    algo tido como um dos principais vetores do efeito estufa. No entanto, durante o percurso dos

    participantes, a vaca emite gases, gerando um olhar de reprovao por parte do presidente. Em

    resposta, o animal lhe devolve um olhar inocente, como querendo dizer que foi sem querer. Esse

    olhar de reprovao se justifica por conta das intenes de Lula no encontro que a de propor

    formas de reduzir a emisso desses gases j que a conduta do animal, alm de reprovvel por si

    s, vai de encontro s intenes do presidente.

    De forma geral, essa ilustrao retrata as dificuldades que Lula ir enfrentar ao fazer sua

    proposta em Copenhague, por lidar com um setor da economia altamente produtivo e que ocupa

    papel majoritrio em diversos pases entre os quais, o prprio Brasil. Alm disso, a conteno de

    gases estufa tambm um grande desafio, pois est se lidando com consequncias naturais do

    organismo dos animais dos rebanhos e so milhes deles espalhados pelo mundo algo que

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    requer investimentos macios em pesquisa e tecnologia para se tornar vivel. Por isso, lidar com

    esse assunto um peso para o presidente.

    3)

    Petrleo na mo vendaval

    Figura 4: Capa da Unesp Cincia n5, jan. 2010

    Por fim, a terceira figura analisada mostra a imagem de duas mos unidas em forma de

    concha segurando uma poro de lquido preto e viscoso (uma aluso ao petrleo, como diz o

    ttulo da chamada e o texto correspondente), o qual escorre por entre as frestas dos dedos.

    Enquanto isso ocorre, vrias cdulas de 100 reais caem como chuva.

    Aqui, podemos identificar os seguintes processos narrativos: primeiramente, h uma ao

    transacional quando a pessoa (no identificada, representada apenas por suas mos) segura a

    poro de petrleo, que sua meta. O petrleo, por sua vez, exerce uma ao no transacional ao

    escorrer por entre os dedos do indivduo em direo ao canto inferior esquerdo da imagem, sem

    destino especificado. H tambm outra ao no transacional exercida pelas notas de 100 reais,

    sob forma de chuva, em que caem em vrias direes sem um destino certo, presente na imagem.

    Quanto ao ttulo da chamada de capa (Petrleo na mo vendaval), chama imediatamente a

    ateno por ser uma adaptao do primeiro verso da msica Pecado capital, de Paulinho da Viola,

    o qual originalmente Dinheiro na mo vendaval. Essa cano trata das consequncias

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    especialmente negativas decorrentes de um enriquecimento momentneo (como a desiluso e a

    solido) especialmente para aqueles que no esto preparados em lidar com situaes desse tipo.

    Da mesma forma, na novela homnima veiculada pela Rede Globo (e cujo tema de abertura foi o

    samba de Paulinho da Viola), o taxista Carlo, em meio sua ambio de ficar rico a qualquer

    custo, no conseguiu ser feliz mesmo dispondo de uma grande quantia em dinheiro ele perde o

    grande amor de sua vida e, no final, assassinado.

    O jogo intertextual criado entre capa, chamada e msica no fortuito. Se repararmos

    novamente nas imagens do petrleo jorrando e da chuva de dinheiro caindo, logo imaginamos que

    tais fatos nos remetem ideia de desperdcio, pois se tratam de itens de valor que se esvaem sem

    direo conhecida. Em outras palavras, so riquezas que esto sendo desperdiadas, perdidas.

    Tal desperdcio esclarecido pelo texto da chamada, em que diz que os recursos dos

    royalties, uma espcie de indenizao paga pela Unio a Estados e municpios produtores de

    petrleo (no caso mostrado aqui, so cidades do litoral norte do Estado do Rio de janeiro) em

    troca da explorao da substncia pelas empresas petrolferas, no tm resultado em melhoria da

    qualidade de vida populao local. A explicao para isso, segundo a chamada, o jeito

    brasileiro de explorao dos recursos.

    Em nossa cultura, jeito brasileiro a maneira como os indivduos driblam as regras e

    convenes sociais para obter vantagens pessoais. No caso retratado em nossa anlise, esse jeito

    manifesta-se por problemas decorrentes da falta de um planejamento especfico para a destinao

    das verbas dos royalties do petrleo trazendo assim o desenvolvimento das cidades

    contempladas da concentrao dessa verba nas mos de poucos municpios (e, por sua vez, de

    poucos administradores), do gasto mal planejado desses recursos, da corrupo, das disputas

    polticas e, enfim, de outros sintomas comuns poltica nacional.

    Assim, esta capa do Unesp Cinciaretrata metaforicamente, remetendo intertextualmente

    cano Pecado capital, um problema de carter poltico, econmico e social da bacia petrolfera do

    norte fluminense. Da mesma forma que, na cano e na novela, a riqueza fonte de amargura e

    solido por conta da ambio, as riquezas proporcionadas pelo petrleo so fonte de discrdia e,

    paradoxalmente, estagnao dos municpios que deveriam ser beneficiados com isso, em virtude

    do jeitinho que impregna a poltica local. Logo, o que deveria ser sinnimo de desenvolvimento e

    prosperidade equivale, no entanto, a desperdcio.

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    Consideraes finais

    Pelas anlises mostradas, podemos reiterar o quanto as relaes entre texto e imagem

    mostradas nas capas da Unesp Cinciaajudaram na ampliao dos sentidos gerados por cada um

    desses elementos, assim como na criao de novos sentidos decorrentes dessas relaes.

    Tambm importante frisar a importncia do suporte terico-metodolgico usado neste

    trabalho, a Gramtica do Design Visual (ainda que tenha sido utilizada uma pequena parte do

    aporte oferecido por Kress e van Leeuwen), a qual permitiu a identificao e decomposio dos

    processos narrativos presentes nas capas analisadas, viabilizando um dilogo com o material

    verbal nelas presente e permitindo, assim, uma leitura desses elementos e, por conseguinte, mais

    aprofundada.

    Percebemos, ao longo das anlises, que o contedo verbal e no-verbal das capas

    estiveram permeados por outros recursos como a intertextualidade e a metfora, dando-lhes

    coeso e interferindo nas relaes de sentido criadas. Tais elementos atuam como pistas

    fundamentais na leitura e compreenso das capas analisadas.

    Portanto, verificamos que a leitura e anlise dos objetos propostos neste trabalho exigem

    no apenas um referencial terico que contemple a complexidade de relaes possveis entre o

    verbal e o no-verbal como mostra ser a GDV , mas um repertrio apropriado para a

    identificao dos elementos contidos nos itens estudados e a articulao destes em um todo, de

    modo a permitir uma leitura adequada e ampla dessas mensagens.

    Enfim, esses apontamentos reiteram a necessidade de os indivduos serem capazes de

    dialogar apropriadamente com a diversidade de cdigos semiticos integrantes das mensagens da

    atualidade, exigindo destes um maior repertrio e instrumentos que permitam essa leitura

    integrada, ou melhor, multimodal. Afinal, a integrao e coexistncia de diversas linguagens e

    mdias um fenmeno j existente em nosso meio e sua complexidade tende a aumentar.

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