Artigo Zé Do Caldo (2)

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  • Z DO CALDO, ENTRE O BAR E O BAIRRO

    RESUMO: Este trabalho baseia-se no estudo sobre a trajetria de um simples

    comerciante morador do bairro do Bom Jardim, Jos Maria Uchoa (o Z do caldo).

    Sobre seu bar, seus frequentadores e as histrias ou memrias que cada qual guarda

    sobre o lugar onde vivem e convivem. O uso dos espaos e a criao de lugares dentro

    de um lugar, as formas de morar, a calada e a rua, o bar e os bordeis, os campos de

    vrzea, o time do bairro. Como os espaos de socializao surgem e seus intermedirios,

    o bar, a cachaa, o caldo de carne e outras refeies, uma roda descontrada de amigos

    narrando casos ou a fofoca no p da calada. Por fim, aquilo que pode acontecer ente

    o bar e o bairro.

    Palavras chave: Z do caldo. Bom Jardim. Lugares. Espaos. Narrativas.

    Introduo: Z do caldo, o que seria isso? Um apelido, um comercio, uma pessoa, um

    local, um personagem que paira nas mentes dos que conhecem e dos que no fazem

    ideia do que se trata. Mas na verdade o que ou quem Z do caldo? Esta certamente

    ser uma pergunta recorrente para todos que tiverem a oportunidade de estar com este

    artigo em mos.

    Primeiro s ouvia falar, e eram coisas ruins, mentiras, fofocas e a verdade de forma

    distorcida. Depois vieram as coisas boas. Historias e casos engraados que divertiam a

    todas em uma descontrada roda de amigos. A curiosidade foi tomando conta de minha

    pessoa, j no podia mais ficar apenas nos relatos de terceiros, precisava saber quem era

    e o que era esse tal Z do caldo, e o que realmente ele, a pessoa e o espao,

    representavam para os que conhecem a pessoa Z do caldo, e para os que frequentam o

    espao Z do caldo. Eis ai o primeiro passo para a elaborao desta pesquisa.

    AS ROSAS E O BOM JARDIM

    O bairro do Bom Jardim est situado na regio sudoeste da cidade de Fortaleza,

    com mais de trinta mil moradores este lugar mais conhecido pela violncia recorrente

    que a mdia insiste em reproduzir dando maior foco a este fato do que todas as outras

    coisas boas que este bairro tem a oferecer.

  • E j que esta pesquisa tem como objetivo analisar histrias acontecidas no bar do Z do

    caldo vou tambm contar como provavelmente surgiu o nome Bom Jardim, quem me

    contou esta histria foi um padre h uns sete ou oito anos. Entre o final dos anos 1940 e

    inicio da dcada de 1950 havia uma casa de prostituio de alto padro as margens do

    rio, ainda no poludo, Maranguapinho, na antiga estrada para Maranguape, hoje

    Avenida General Osrio de Paiva. Para quem tem curiosidade uma parte do local onde

    existia esse casaro ainda existe at hoje, fica exatamente na Avenida Osrio de Paiva

    entre as ruas Oscar Araripe e Oscar Frana, por trs de alguns outdoors. Como j dito a

    casa de prostituio, tambm conhecida como casaro e que era frequentada por figuras

    importantes do Estado, polticos, empresrios e outros homens poderosos. Dizem que

    para no levantar suspeitas as tais figuras importantes quando queriam combinar entre si

    alguma visita ao casaro usavam os seguintes termos: rosas como falavam sobre as

    profissionais do sexo, e jardim como chamavam o lugar, tudo para no levantar

    suspeitas, ento diziam: vamos hoje para o jardim ver as rosas, as belas rosas e l sim

    que um bom jardim. Esta ideia de bom jardim foi se propagando, e os primeiros

    moradores do bairro eram familiares das moas que trabalhavam no casaro, e

    futuramente veio a se tornar um dos maiores bairros de Fortaleza. No h como garantir

    a legitimidade de tal historia, apenas estou narrando o que me foi dito, mas tenho

    convico que uma historia mais ou menos real.

    Em outra pesquisa desenvolvida por Valdeci Carvalho em maio de 2008, e que

    bem mais aceita pelas autoridades locais, conta que o surgimento do bairro e do nome

    Bom Jardim deu-se no inicio dos anos de 1950, diz ele que antes de receber o nome

    oficial, existia apenas a fazenda Boa Vista. A proprietria, conhecida como dona Gilda,

    vendeu o terreno para Joo Gentil e Zezito Tavares, seu scio. Joo Gentil decidiu lotear

    uma parte das terras, espalhando varias placas com o nome Bom Jardim [...], porm, o

    loteamento s comeou a vender bem em 1958, com Carlos Tavares e Joo Brotin

    trabalhando como corretores, os lotes foram repartidos e vendidos com nomes

    diferentes. Isso explica o porqu do bairro ser dividido em comunidades diferentes.

    (CARVALHO, Valdeci. Bom Jardim: a construo de uma histria. 2008).

    Certa vez um amigo me contou que quando criana gostava de ouvir as

    narrativas de sua velha av, segundo Cicero Alexandre ela contava que quando jovem

    isso antes dos anos 1950 j havia adquirido um lote de terra no Jardim Paulista, atual

    Bom Jardim, em suas lembranas ela contava de um tempo quando trabalhava lavando

  • roupa prxima a praia, para ela era muito estranho seus patres no acenderem as luzes

    quando anoitecia, era estranho ver aqueles rapazes falando esquisito todos

    uniformizados. Eram tempos difceis, a segunda grande guerra mundial, este pequeno

    trecho descrito acima foi apenas para tentar mostrar que praticamente no existe uma

    histria ou data oficial que sintetize a fundao do bairro.

    O HOMEM, O BAR E O LUGAR

    Era uma vez um homem, que veio do interior do Estado procura de melhoras,

    que posteriormente abriu um negcio, ganhou notoriedade, com seu jeito carismtico e

    caricato conquistou sua freguesia. A historia tem cheiro e sabor de caldo de carne,

    iguaria esta que lhe rendeu o apelido de Z do caldo, epiteto esse que se perpetuou ao

    longo das dcadas. Pois bem, a histria que est sendo desenvolvida sobre um Jos, ou

    simplesmente Z, como de costume no Brasil chamar assim os que foram batizados

    com tal nome, sabe-se que por esse mundo a fora deve existir milhares de zs, mas, a

    gramatica que me perdoe, mas o Z de l no o mesmo que o Z de c.

    Jos Maria Uchoa o nome do protagonista desta histria, nascido a 17 de

    junho de 1945 em Canind CE o segundo filho mais velho de uma famlia de nove

    irmos, sendo cinco mulheres e quatro homens, guarda muitas recordaes de sua

    infncia, lembra ele que por motivo de pobreza seu pai no podia lhe garantir

    vestimenta, por isso andou pelado e descalo at seus sete ou oito anos de idade. Um de

    seus hobbies favorito enquanto criana era ver a me cozinhando, gostava do cheiro do

    refogado, do chiado das panelas fervendo o feijo, prestava ateno na forma como ela

    manipulava os alimentos e temperos. Cozinhou pela primeira vez aos nove anos de

    idade um frango que ele mesmo matou.

    J em sua adolescncia pensou algumas vezes em suicdio, devido seu problema

    de nascena, lbio leporino ou beio lascado como ele mesmo diz. Por volta de seus

    dezesseis ou dezessete anos teve um sonho que mudara sua vida, sonhou com So

    Francisco de Assis pairando sobre ele e dizendo voc vai ficar bonzinho do teu

    problema. Algum tempo depois foi convidado por uma conhecida da famlia a morar e

    trabalhar em Fortaleza, Francisca Zizinha Abreu, que era proprietria de um pequeno

    hotel na Rua Visconde de Saboia com Rua So Jos, ela lhe garantiria tratamento

    mdico para que o Jovem Jos Maria Uchoa ficasse curado. Logo aps sua primeira e

    bem sucedida cirurgia teve outro sonho, agora com o Padre Ccero, que lhe aparecia

    cantando aboios, batia com seu chapu na rede de Jos Maria e dizia voc vai fazer

  • mais uma cirurgia, mas no vai adiantar de porra nenhuma, coincidncia ou no afirma

    ele que teve complicaes durante o procedimento cirrgico.

    Durante os dez anos em que trabalhou no hotel ele aprendeu como que um

    negcio bem gerenciado poderia dar certo, durar muito tempo, lucrar. Soube como

    manipular ainda mais os alimentos e como devia tratar os hospedes. Mas, foi fora desse

    espao que ocorreu algo que futuramente mudaria novamente sua vida. Em quanto

    caminhava pelo centro de Fortaleza sentiu um saboroso cheiro de caldo de carne, entrou

    na lanchonete saboreou e perguntou para o cozinheiro qual era a receita.

    Antes de se tornar comerciante e depois de sair do hotel onde trabalhou por

    tanto tempo Jos Maria Uchoa exerceu a funo de zelador no mercado So Jos,

    sempre escondeu que sabia cozinhar, no queria ser cozinheiro nesse lugar, pois seu

    servio era bem mais tranquilo na limpeza e ainda lhe rendia dinheiro extra, encontrava

    muitas moedas perdidas. Sua veia para os negcios surgiu nesta mesma poca, explica

    ele que certa vez foi convidado para uma reunio com o diretor do mercado onde ele

    (Jos Maria) era a pauta principal, quando foi perguntado por seu gestor o porqu de

    enquanto todos os demais funcionrios se lamentavam pela falta de dinheiro ele fazia

    emprestimos at para a gerencia, sua resposta foi bem simples: no estudei nem sou

    formado em economia, mas eu gasto menos do que ganho!

    Jos Maria Uchoa foi demitido do mercado So Jos porque se recusava a ter de

    usar farda, achava aquela roupa muito feia. Agora casado com Luiza Santos Uchoa

    amorando no bairro do Bom Jardim resolveu montar seu prprio comercio na Rua

    Mirtes cordeiro, uma bodega pequena que vendia todos os tipos de miudeza, conta ele

    que ganhava um bom dinheiro no local primeiro porque no existiam mercados de

    pequeno ou mdio porte nas proximidades, e que costumava vender praticamente todos

    os seus produtos a retalho, o que lhe rendia maior lucro uma vez que com o apurado,

    por exemplo, de um quilo de acar ele poderia comprar outros dois quilos.

    Passado dois anos desde que montou seu primeiro comercio Jos Maria Uchoa

    mudou-se para a Rua Monsenhor Sabino Feijo 1224 onde montou novamente outro

    comercio, agora vendendo tambm refeies, como: buchada, panelada, sarrabulho,

    peixe frito e caldo de carne. Foi por volta de 1978 que foi apelidado por Luiz Cadeca de

    Z do caldo, uma vez que era essa a iguaria mais vendida. Ao mudar para outro ponto

    na mesma rua, Monsenhor Sabino Feijo 1272, onde mantem seu comercio at os dias

    de hoje, o lucro era fcil uma vez que ele era o nico comerciante da regio que vendia

    comida pronta e tambm porque sabia negociar, diz ele que na poca um quilo de carne

  • custava trs cruzeiros, e ele vendia um prato de carne tambm a trs cruzeiros, na poca

    a cerveja custava um cruzeiro e oitenta centavos, mais barato que um prato de caldo, o

    que tornava este ultimo produto muito mais lucrativo.

    No inicio o bar era todo feito de taipa, e segundo o prprio senhor Jos Maria disse:

    aqui era igual a um camel, eram sete mesas, mas era assim de gente. Orgulha-se

    dos velhos tempos quando o comercio ia de vento em popa, quando os lucros eram

    maiores afirmou durante a entrevista: eu andava com mais dinheiro do que esse

    pessoal ai andando de carro bonito. As refeies dirias eram servidas para os

    moradores locais, operrios que trabalhavam nas proximidades, policiais, militares e

    civis que faziam a patrulha no bairro, e at as meninas que trabalhavam nas casas de

    baixo meretrcio que ficavam bem prximas ao bar. Afirmava que vinha gente do bairro

    inteiro para almoar l, s vezes at de fora.

    Hoje em dia para quem entrar no bar ter uma sensao de saudosismo, como

    se o tempo ali tivesse sido paralisado na melhor poca, os bons tempos. Pequeno com

    trs mesas rsticas de madeira, cada qual com algumas garrafas de molho de pimenta

    com leite de vaca, algumas cadeiras descombinadas e uns tamboretes, as paredes

    pintadas com tinta base dgua de cor azul celeste, trs grandes portas de ficha. Os

    retratos antigos emoldurados na parede remetem a um passado alegre, da mesma forma

    que os vasos com plantinhas deixam o ambiente ainda mais harmonioso. Aps o

    pequeno balco de cimento as prateleiras com algumas dezenas de cachaa Pitu em

    cascos de cerveja, outras garrafas de Ypica um pouco empoeiradas e logo acima uma

    moringa coberta com couro de boi. Alguns dos pertences do senhor Jos Maria so

    quase peas de museu, ou fora de linha como ele gosta de dizer, como uma vitrola trs

    em um, que h tempos no funciona mais. E quanto aos seus bibels e carrancas, suas

    esculturas feitas por ele mesmo com velhos pedaos de raiz que ornamentam todos os

    quatro cantos do bar.

    Vale lembrar que o bar nunca teve um nome oficial escrito em sua fachada, em

    todas essas dcadas de existncia todos chamavam de bar do Z do caldo, e o apelido

    pegou. Ao ser questionado se tinha raiva de assim ser chamado Jos Maria Uchoa disse

    que nunca se importou com o titulo, e que no usou o nome de fantasia para registrar o

    lugar. Se algum perguntar onde fica o bar do senhor Jos Maria provvel que

    ningum saiba onde fica, mas pergunte onde o Z do caldo, dois locais aparecero na

    imaginao, o bar e o lugar com esse mesmo nome.

  • Por volta de 1978 quando Jos Maria Uchoa se estabeleceu na Rua Monsenhor

    Sabino Feijo o bairro do Bom Jardim passava por um processo de crescimento

    demogrfico totalmente desorganizado, onde o processo de favelizao era alarmante,

    informa Georgiano de Castro, morador do bairro desde a infncia. Afirma ele que a

    venda de loteamentos no tinha planejamento algum, e que era comum ver surgir

    invases de terra satlites logo que se estabeleciam residncias, sejam essas provindas

    de pequenos conjuntos habitacionais (COHAB) ou construes de novos proprietrios

    de lotes. O bairro ento crescia desgovernado assim como um bolo que tenha sido

    adicionado muito fermento na massa, porem crescia em ncleos onde existia uma

    grande concentrao demogrfica em pequenos espaos de terra, e logo em seguida

    grandes lotes ociosos coberto por vegetao rasteira e arvores frutferas, essa ocupao

    de pequenos loteamentos gerou o que hoje sub divide o bairro em parques ( Parque

    Santo Amaro, Parque Santa Cecilia, Parque Jerusalm, etc.).

    O entorno do bar do Z do caldo no fugia dessa realidade, com um

    planejamento urbano inexistente ou totalmente omisso a invaso de lotes rodeavam o

    estabelecimento comercial do senhor Jos Maria, afirma ele que naquela poca s havia

    agua encanada e luz eltrica at onde se encontrava o seu bar, todo o restante era

    abastecido e iluminado de forma clandestina. No inicio dos anos 1980 o bar do Z do

    caldo j era ponto de encontro popular do lugar, como no passava transporte publico

    nas ruas prximas, uma media de pelo menos duas ou trs quadras, quem tinha que

    acordar cedo para ir ao trabalho costumeiramente se dirigia at o bar para merendar,

    aguentar a primeira parte do trabalho com aquele reforado caldo de carne. O fato de em

    alguns becos e invases de terra que circulavam o bar do Z do caldo no ter o

    reconhecimento se quer por parte dos prprios moradores os mesmos numa tentativa de

    explicar onde residiam informavam: moro ali perto do bar do Z do caldo, com o

    tempo passaram a dizer: moro no Z do caldo.

    o que me referi logo no inicio deste artigo como um lugar dentro de outro

    lugar, que s pode existir se for permitido pelo imaginrio de seus moradores, uma vez

    que no foi definido durante a pesquisa onde comea de fato o lugar Z do caldo e

    onde termina. Seu marco zero ou suas fronteiras so flutuantes, por meio do discurso e

    da legitimao que esse lugar existiu ou ainda existe. Outro fato que contribuiu com a

    inveno deste lugar foi formao de grupos ou gangues em varias partes do bairro,

    uma delas conhecida como a gangue do Z do caldo.

  • Como j mencionado acima o bairro cresce de forma descontrolada, as escolas

    da poca no eram suficiente para proporcionar uma educao de qualidade, segundo

    Georgiano de Castro um dos programas do governo do Estado visando aumentar a

    frequncia de jovens dentro das escolas era a incluso de faixa etrias diferentes dentro

    da mesma sala de aula, lembra ele que com dez anos de idade tinha que estudar com

    outros jovens de quatorze ou quinze anos, estes por sua vez j tinha envolvimento como

    o crime ou gangues e de certa forma a escola era o espao onde se repassava esse

    conhecimento, aproximando cada vez mais as crianas de praticas ilcitas. Para Tchesco

    outro morador do bairro desde sua infncia o problema surgiu com a falta de assistncia

    adequada ao publico infanto-juvenil, uma vez que o ensino nas escolas publica eram

    ineficientes, no existiam oportunidades de cursos de capacitao ou emprego, com as

    influencias externas tais como a pichao, o crime e a prpria formao de gangues, o

    que segundo ele era assistido por meio da televiso e os inmeros seriados americanos,

    o modismo caia em cima desses jovens que tambm como arma de defesa se

    intitulavam como membros de gangues. Lembra Georgiano e Tchesco que para eles que

    desde cedo foram engajados com a renovao carismtica da igreja catlica, as

    comunidades eclesiais de base viam a agremiao juvenil como uma forma de preencher

    o tempo ocioso, para eles ouvintes do punk rock, principalmente o de Braslia, havia a

    necessidade de demonstrar sua identidade por meio da forma de vestir e falar, mas

    afirmam que seu estilo estava muito mais pautado no modismo do que na ideologia

    original do gnero musical, diz Georgiano que o punk era apenas mais uma alienao

    enlatada norte americana. Eram eles minoria, uma vez que para estar engajado no

    grupo exigia-se o mnimo de conhecimento politico e um pouco de atitude. Quanto s

    demais agremiaes ou gangues o ritmo que conduzia era o funk carioca, o que no

    exigia muito conhecimento com o contemporneo ou politica. Fazer parte de alguma

    gangue que cobria um pequeno territrio era importante at mesmo para a prpria

    segurana, um membro da gangue do Z do caldo no andava no territrio da galera do

    beco, esta por sua vez tinha rixa com o pessoal do campo da fumaa, inimigos estes da

    galera do beco da raposa, etc.

    Jos Maria Uchoa lembra que existiam os boatos em meados dos nos 1980

    sobre a tal gangue do Z do caldo, que foi confirmado a existncia por um morador e

    frequentador do bar, Luiz Vieira. A fama da gangue aumentou depois da execuo de

    um homem, Jos Maria informa que o lder da gangue, Paulo, mais conhecido como

    fofo esfaqueou um homem enquanto Edileuso o segurava, ao ser preso lhe foi

  • perguntado se ele pertencia a alguma gangue, ele respondeu que era da gangue do Z do

    caldo. Pouco tempo depois Jos Maria foi intimado a prestar esclarecimento no frum

    sob a acusao de chefiar uma gangue, aps trs depoimentos foi liberado da acusao.

    No bairro do Bom Jardim no havia apenas violncia e conflito de gangues, o

    lazer era composto por forrs e cabars, assunto que abordarei a seguir. Uma das

    paixes de grande parte dos moradores, na maioria homens, era o futebol de vrzea e o

    time mais amado por todos chama-se Jardim Paulista futebol clube, carinhosamente

    apelidado de Punho de Rede, o fato curioso deste apelido deve-se a qualidade dos

    primeiros uniformes do time de tecido rustico onde os cales eram amarrados com

    cordo de punho de rede. A histria deste time se contrasta coma do prprio bairro,

    ambos surgem no inicio dos anos 1950, para ser mais exato o time tem como data de

    fundao o dia 18 de outubro de 1951, para os mais velhos que frequentam o bar sempre

    afirmam que no havia time melhor que o Punho de Rede. Outro motivo do tive ser to

    querido vem de sua base com jogadores apenas do bairro em sua maioria composto por

    trabalhadores que aproveitavam a folga do final de semana para jogar futebol. As tardes

    de domingo eram bem mais animadas, por volta das quatorze horas torcida j cercava

    o campo de piarra que ficava por trs do bar do Z do caldo, algum do time era

    responsvel por passar o chapu, ou coletar a contribuio dos torcedores tanto para

    lavar os uniformes quanto para a barca (bebedeira) depois do jogo. Os esfria sol,

    time aspirante, entravam em campo enquanto a charanga (banda musical composta por

    percusso e instrumentos de sopro) conduzia o ritmo da algazarra. No tinha nenhum

    time da regio que fosse capaz de vencer o Punho de Rede. Times como Dend,

    Salgado da Gama, Agapito dos Santos, Globo Esporte e o maior rival de todos, Ouro

    Preto futebol clube, todos estes times citados acima tinha patrocinadores locais,

    conseguiam se manter da forma mais simples possvel.

    O Jardim Paulista futebol clube existe at os dias de hoje, porem no tem mais o

    brilho de outrora, Goi ex-jogador do time informa que os jovens de hoje em dia no

    tem mais o mesmo encantamento pelo esporte devido envolvimento com o crime e o

    uso de drogas. A maioria dos jogos disputado hoje em dia com o time dos veteranos,

    outro problema para o enfraquecimento do time foi venda dos terrenos que serviam de

    campo para a realizao dos jogos.

    A diverso for man acontecia nos inmeros forrs e cabars do lugar Z do

    caldo, entre meados dos anos 1970 e o fim da dcada de 1980 consegui catalogar

    durante as entrevistas os seguintes pontos de entretenimento: boate Gamerr, boate

  • Casaro (uma das primeiras do bairro), boate do espelho, Z bolero, boate coringo,

    cabar da Rosilda, boate oceano, cabar da Maria, a casa da v (uma espcie de motel

    que alugava quartos nos fundos da residncia para casais), forr do Betinho, forr do

    Heitor, forr da palhoa, forr do carneiro. Entre outros. O espao era organizado para

    diverso adulta masculina, no bastava apenas ser homem, mas tinha que ser macho

    para frequentar tais lugares, as rivalidades eram resolvidas na ponta da faca.

    Em todas as entrevistas que fiz com Jos Maria Uchoa, Zequinha da mata,

    Manoel Messias, entre outros, sempre recordam do bairro antigamente com bastante

    saudosismo, mesmo levando em conta que a maioria das ruas no tinha pavimentao,

    agua encanada ou esgoto, energia eltrica, o trabalho geralmente era braal e apesar do

    cansao sabiam que podiam se reunir no bar do Z do caldo para conversar com os

    amigos, como acontece at os dias de hoje. O lugar onde todos se renem, para tomar

    aquela cerveja gelada ou caldo de carne s chamado de bar porque assim foi permitido

    por seu proprietrio, no inicio ele chamava aquele lugar de restaurante que dentro de sua

    simplicidade sempre tentou oferecer seus servios da melhor forma possvel. O

    alimento que faz sociabilizar preparado todas as manhs, faa chuva ou faa sol, no

    apenas aquela troca meu dinheiro seu alimento, as discusses, as histrias e as

    amizades preenchem muito mais aquele lugar.

    Jos Maria Uchoa, o proprietrio, pode at no admitir, mas, aquele lugar

    muito mais que um bar, sua casa, sua vida. Ele possui outro imvel, sua casa de

    morada, que a visita a cada trs meses pelo menos, desde o tempo que era casado mal ia

    ver sua esposa, sempre com desculpas de que o bar poderia ser saqueado ou alguma

    outra coisa ruim. Ele (Z do caldo) organizou aquele espao (bar do Z do caldo) para

    as pessoas que moram naquele lugar (Z do caldo), no o formato tpico dos outros

    bares que todos conhecem, no existe aquela relao onde o dono do estabelecimento

    fica por trs do balco servindo seus clientes, no existe balco. Ali se encontra a sala

    de estar da casa daquele homem que divide seu tempo servindo as mesas e conversando

    com seus amigos, assim que ele chama os que frequentam. Durante o perodo da

    manh sempre ter o caf quentinho, que ele no cobra, durante a tarde o bar cheira a

    ch de erva cidreira, oferecido varias vezes para os convidados que esto visitando sua

    casa. O que lembra as residncias do interior e seus moradores sempre simpticos e

    convidativos para uma prosa. L tem que saber chegar, tem que saber sair e respeitar a

    opinio do prximo tem que ter procedncia, voc filho de quem? ou conhecido de

    quem.

  • Encerro esse artigo na tentativa de repassar para o amigo leitor o que foi e o que

    o lugar, o homem e o bar do Z caldo, o Bom Jardim. Trabalho no muito fcil devido

    tamanho a sua complexidade.

    Sentado em cadeira rustica de um velho bar de esquina enquanto tomo um caf

    puro e forte, ao meu lado um sbio, porm simples senhor, mais adiante outro fuma

    cigarro, do outro lado da rua tem uma mulher varrendo a calada enquanto canta uma

    velha cano. Em meio a isso vejo o vai e vem das pessoas, o que ser que elas esto

    pensando? De que forma entende o bairro em que moram, a cidade na qual vivem. Tal

    tentativa s pode ser concretizada com auxilio de amigos, que j tinha e os que

    conquistei durante a pesquisa. Fica aqui a mensagem de que nem sempre o melhor a ser

    pesquisados so as grandes revolues sociais, os conflitos ou povos primitivos, o

    diferente nem sempre interessante e penso que o mais importante a conversa com

    algum assim igual a eu, que trabalha dia aps dia, que paga contas, que come, chora,

    rir, sofre mas se diverte. Ver qual o gosto da vida real, com sabor de caldo de carne.