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A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
Ministério da Saúde – MSFundação Oswaldo Cruz – Fiocruz
Nísia Trindade Lima – Presidente
Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz – CEE/Fiocruz
Antonio Ivo de Carvalho – Coordenador
Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz
Fundação Oswaldo Cruz
Avenida Brasil 4.036 – 10º Andar – Manguinhos
21040-361 – Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Tel.: 55 21 3882-9133
cee.fiocruz.br
5
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
Introdução
Elaboramos o presente texto com o propósito de
contribuir com as reflexões levantadas pelo Seminá-
rio Saúde sem Dívida e Sem Mercado, realizado pelo
Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz. Nosso
objetivo é aprofundar o conhecimento sobre o Orça-
mento Geral da União, ressaltando a disparidade na
distribuição dos recursos orçamentários, devido ao
imenso privilégio da chamada Dívida Pública, em
detrimento de todas as demais áreas. O enfrentamen-
to do tema da dívida pública permite compreender a
sua importância para o modelo econômico adotado
no Brasil, com fortes reflexos na criação da crise atual
e do inaceitável cenário de escassez vigente no país.
Diante da necessidade de garantir recursos sufi-
cientes ao atendimento das necessidades da saúde
pública no Brasil, direito fundamental consagrado
na Constituição Federal e uma das áreas sociais mais
importantes da humanidade, desenvolveremos os se-
guintes tópicos:
1. Orçamento Geral da União e o privilégio dos
gastos com a Dívida Pública
a. Análise global do Orçamento Geral
da União
b. Manobras escondem o privilégio dos
gastos com a chamada Dívida Pública
2. Orçamento da Saúde e a desobediência à de-
terminação constitucional referente às despe-
sas obrigatórias
a. Evolução dos recursos destinados à
Saúde
b. Programas e respectivas ações or-
çamentárias destacadas pela Lei de
Responsabilidade Fiscal como despe-
sas que não podem ser objeto de limi-
tação de empenho
3. Por que faltam recursos para a Saúde, consi-
derando que o Brasil é tão rico?
a. Paradoxo entre a realidade de abun-
dância e o cenário de escassez no Brasil
b. A crise atual e os impactos na área da
Saúde
c. O que provocou a crise econômica
atual?
4. Sistema da Dívida e necessidade de auditoria
a. Funcionamento do endividamento
público às avessas: Sistema da Dívida
b. Evolução do Estoque da Dívida Fe-
deral – Externa e Interna
c. Principais indícios de irregularidades
na formação da Dívida Interna
5. Equador: caso concreto de aumento de recur-
sos para a Saúde Pública após a realização da
auditoria da dívida
6. Estimativa de montantes de recursos libera-
dos a partir da realização de uma auditoria
da dívida pública
7. Conclusão – Necessidade de mobilização so-
cial e formação de Núcleo da Auditoria Cida-
dã da Dívida na Fiocruz
1. O Orçamento Geral da União e o privilégio dos
gastos com a Dívida Pública
O Orçamento Geral da União é alimentado por
todas as receitas auferidas pelo governo federal e en-
globa principalmente as receitas de tributos e seus
acréscimos legais (impostos, contribuições e taxas
pagas pelas pessoas físicas e jurídicas); as receitas
patrimoniais (advindas de venda ou concessão de
patrimônio público por meio das diversas formas de
privatizações); as receitas financeiras (decorrentes
principalmente de emissão de novos títulos da dí-
vida pública); as receitas advindas de pagamentos
feitos por estados e municípios à União e as receitas
de serviços.
6
No ano de 2015, a soma de todas as receitas au-
feridas pela União foi de R$ 2,748 trilhões, confor-
me divulgado pela CGU1. Em 2016, esse montante
chegou a R$ 2,840 trilhões2. A distribuição desses re-
cursos é obtida por meio dos dados divulgados pelo
Siafi, que é o sistema oficial que contabiliza os gastos
públicos federais.
O total de gastos federais informados no Siafi re-
ferente ao ano de 2015 foi de R$ 2,268 trilhões e, em
2016, R$ 2,572 trilhões. A relevante sobra (R$ 480 bi-
lhões, em 2015, e R$ 268 bilhões, em 2016), referente
a recursos que não foram destinados em cada ano,
não tem sido explicada adequadamente pelo gover-
no federal, que reconhece, porém, que tem emitido
títulos da dívida pública (ou seja, tem se endividado)
1 http://www.portaltransparencia.gov.br/receitas/consulta.asp?Exercicio=20152 http://www.portaltransparencia.gov.br/receitas/consulta.asp?Exercicio=2016
em montante superior ao necessário, em centenas de
bilhões de reais, alegando uma necessidade de cons-
tituir reserva para o colchão de liquidez que garantirá
o pagamento dos juros da dívida pública. Essa sobra,
obtida por meio da emissão excessiva de títulos da
dívida pública, configura dano absurdo aos cofres pú-
blicos, tendo em vista que a partir do momento em
que os títulos são colocados, passa a existir a obriga-
ção de pagar os juros – e o Brasil pratica as taxas de
juros mais elevadas do mundo!
A seguir, detalhamos o quadro comparativo de re-
ceitas e despesas federais realizadas em 2015 (quadro
1), de acordo com os dados obtidos pela Auditoria
Cidadã da Dívida, em fontes oficiais da Controlado-
ria Geral da União (CGU) e do Siafi.
Fonte: CGU Acesso em 26/03/2016 http://goo.gl/adBGo3
RECEITAS FEDERAIS R$ 2,748 TRILHÕESRealizadas em 2015 - Fonte: CGU - Transparência Brasil
Receitas a classificar (R$ 19,5 bi)Receitas de Indústrias (R$1,58 bi), Receita Agropecuária (R$29,97 mi), Transf. Instituições Privadas (R$717 mi)
R$ 49,16 Bilhões Receitas de Serviços
R$ 1,319 TrilhõesEmissão de Títulos da Dívida Pública
e outras receitas financeiras
R$ 736,74 BilhõesReceitas de Contribuições Sociais
e Outras Contribuições
R$ 531,43 BilhõesReceitas de Impostos,Taxas, Multas e outros
R$ 21,78 Bilhões Receitas provenientes de Estados e Municípios
R$ 68,4 Bilhões Receitas de Privatizações e Patrimoniais
Fonte: SIAFI Acesso em 26/03/2016 http://goo.gl/YDH5Bn
DESPESAS FEDERAIS R$ 2,268 TRILHÕESPagas em 2015 - Fonte: SIAFI - Sistema SigaBrasil Senado Federal
R$ 962,21 BilhõesJuros e Amortizações
da Dívida Pública
R$ 514,49 BilhõesPrevidência Social
R$ 69,19 Bilhões Assistência Social
R$ 88,6 Bilhões Educação
R$ 93,86 Bilhões Saúde
R$ 203,21 Bilhões Transferências a Estados e Municípios
R$ 480,00 Bilhões
?????
Legislativa (R$ 6,75 Bi), Judiciária (R$ 29,03 Bi), Essencial à Justiça (R$ 5,9 Bi), Administração (R$ 20 Bi), Defesa Nacional (R$ 33,35 Bi), Segurança (R$ 7,75 Bi), Relações Exteriores (R$ 3,09 Bi), Trabalho (R$ 65,32 Bi), Cultura (R$ 856 Mi), Direitos da Cidadania (R$ 714,9 Mi), Urbanismo (R$ 1,13 Bi), Habitação (R$ 2,4 Mi), Saneamento (R$ 259,59 Mi), Gestão Ambiental (R$ 3,02 Bi), Ciência e Tecnologia (R$ 6,11 Bi), Agricultura (R$ 18,4 Bi), Organização Agrária (R$ 1,66 Bi), Indústria (R$ 1,97 Bi), Comercio e Serviços (R$ 1,11 Bi), Comunicações (R$ 1,2 Bi), Energia (R$ 1,58 Bi), Transporte (R$ 9,75 Bi), Desporto e Lazer (R$ 657 Mi). Outros Encargos Especiais (R$116,26 Bi).
O grá�co mostra também que os recursos da Seguridade Social foram mais que su�cientes para cobrir as despesas com Previdência Social, Saúde e Assistência Social e ainda sobraram dezenas de bilhões! O maior gasto é com a dívida pública, que tem crescido por conta dos diversos mecanismos que geram emissão de volumes crescentes de mais dívida. O Banco Central (BC) tem sido o maior responsável pelo gasto com remuneração da sobra de caixa dos bancos e swaps cambiais. Em que rubrica estariam tais gastos?
2016: O governo federal quer aprovar uma meta �scal para 2016 prevendo dé�cit de R$170,5 bilhões nas contas do Setor Público Consolidado (que engloba os orçamentos do Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social).
2015: No ano de 2015, o mesmo Setor Público Consolidado fechou em dé�cit de R$ 111,2 bilhões, como amplamente noticiado.
Que dé�cit é esse?
Comparando-se as receitas federais realizadas em 2015 e as despesas federais pagas em 2015, constata-se uma “sobra” de recursos da ordem de R$480 bilhões - quase meio trilhão de reais. Ou seja, tal valor aparece do lado das receitas realizadas, mas não há indicação de onde teria sido gasto, conforme grá�co:
ONDE MESMO ESTÁ O ROMBO DAS CONTAS PÚBLICAS???
Quadro 1:
Fontes: CGU e Siafi. Reprodução.
7
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
Consideramos relevante divulgar a informação
sobre essa impressionante sobra de recursos que se
destinará a assegurar pagamentos futuros de dívida
pública, a fim de ressaltar o seu privilégio. Adicional-
mente, é preciso recordar a ampla divulgação feita
acerca de “déficit primário3 do setor público conso-
lidado de R$ 111,2 bilhões”, no ano de 2015, o que
justificaria a Proposta de Emenda à Constituição
nº 241 (divulgada como a PEC do teto de gastos) e
outras contrarreformas propostas pelo governo. Na
verdade, o maior responsável pelo déficit nominal4
(que chegou a R$ 613 bilhões em 2015) tem sido os
gastos com a dívida pública que a PEC 55 privilegia.
E essa dívida tem sido gerada e aumentada devido à
3 Denomina-se primário o montante do resultado comparativo entre as receitas primárias (principalmente as receitas tributárias, de priva-tizações, de lucro das estatais) e as despesas primárias (principalmente os gastos sociais e com a manutenção do Estado, sem considerar os gastos com a dívida pública).
4 Déficit nominal é aquele no qual se incluem os gastos com a dívida pública.
política monetária adotada pelo Banco Central, tema
que será abordado posteriormente.
a. Análise global do Orçamento Geral da União
O gráfico 1 reproduzido abaixo mostra como foram
distribuídos os recursos do orçamento federal, levando
em conta todas as despesas efetivamente realizadas no
ano de 2016. Anualmente, a Auditoria Cidadã da Dí-
vida elabora o gráfico nesse formato, a fim de realçar
a relevância dos gastos com o pagamento de juros e
amortizações da dívida pública, cabendo ressaltar que
utilizamos exclusivamente fontes de dados oficiais.
Gráfico 1: Orçamento Geral da União 2016 Executado (pago) Total = R$ 2,572 trilhões
Fonte: Siafi. Reprodução. Nota: Inclui a ‘amortização’ ou ‘refinanciamento’ da dívida, tendo em vista que a CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados comprovou que grande parte dos juros está sendo contabilizada como se fosse ‘amortização’ ou ‘refinanciamento’ (rolagem).
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Verifica-se que quase 44% dos recursos (R$ 1,13 tri-
lhão) foram destinados ao pagamento de juros e amor-
tizações (principal) da dívida pública federal, enquanto
áreas sociais fundamentais recebem quantias dezenas
de vezes inferiores, como é o caso da Saúde, que ficou
com apenas 3,9%.
O gráfico 2 a seguir apresenta uma série histórica de
gastos selecionados do orçamento federal, desde 1995.
Verifica-se que, historicamente, o pagamento de juros e
amortizações da dívida pública tem sido o maior gasto
federal, superando largamente todas as demais despe-
sas, enquanto setores como saúde e saneamento estive-
ram estagnados durante muitos anos e recebem volume
de recursos várias vezes inferior ao destinado aos gastos
financeiros. Os gastos com Pessoal e Encargos, rubrica
que inclui todas as despesas com servidores públicos
ativos, aposentados e pensionistas de todas as áreas –
inclusive os médicos, professores e demais profissio-
nais da saúde – têm sido muitas vezes inferiores aos
gastos financeiros, limitando-se a menos de um terço
dos gastos com o endividamento público em 2016.
Gráfico 2: Orçamento Geral da União – Gastos selecionados (R$ milhões)
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional/Siafi. Reprodução.
Nota 1: Inclui a ‘amortização’ ou ‘refinanciamento’ da dívida, tendo em vista que a CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados comprovou que grande parte dos juros está sendo contabilizada como se fosse ‘amortização’ ou ‘refinanciamento (rolagem).
Nota 2: Foram somadas as despesas de saúde e saneamento para possibilitar o comparativo dos gastos no período, tendo em vista que até o ano 2000 tais rubricas eram apresentadas conjuntamente.
Como se vê, o montante dos gastos com a dívida
pública tem crescido de forma exponencial. O es-
toque da dívida pública federal interna (DPMFi)
também tem crescido exponencialmente, tendo
atingido R$ 4,5 trilhões em dezembro de 2016.
A Dívida Externa bruta alcançou US$ 550 bi-
lhões. Analisaremos a trajetória dessas dívidas
mais adiante.
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A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
b. Manobras escondem o privilégio dos gastos com a
chamada dívida pública
A relevância dos gastos com a dívida tem sido
escondida por meio de diversas manobras, que são
utilizadas para dificultar a percepção do imenso dano
provocado pelo tipo de endividamento público sem
contrapartida, que tem sido realizado no Brasil.
b.1 – Contabilização de Juros como se fosse Amortização/Refinanciamento da Dívida
Uma das manobras mais relevantes, compro-
vada durante a CPI da Dívida Pública concluída
na Câmara dos Deputados Federais em 2010 é a
contabilização de grande parte dos juros como se
fosse amortização ou refinanciamento (rolagem).
Essa manobra tem sido desmascarada pelos
próprios dados oficiais divulgados pelo governo
federal. Tomando-se por base o Orçamento Fe-
deral de 2015, verificamos que a dívida absorveu
42,43% dos recursos (R$ 962 bilhões), enquanto
para a Saúde foram destinados apenas 4,14%;
para a Educação 3,91%; Assistência Social
3,05%; Ciência e Tecnologia 0,27%, enfim, todas
as rubricas orçamentárias ficaram sacrificadas
devido ao privilégio na destinação de recursos
para a dívida.
Gráfico 3: Orçamento Geral da União 2015 (Executado) Total = R$ 2,268 trilhões
Fonte: Siafi. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida
Para esse mesmo ano de 2015, o Siafi indicou
apenas o valor pago de R$ 208,36 bilhões para
a despesa com Juros e Encargos da Dívida, e o
valor pago de R$ 753,85 bilhões para Amorti-
zação/Refinanciamento da Dívida, conforme o
quadro 2, a seguir.
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Quadro 2
Fonte: Senado Federal. Reprodução.
Caso o valor de R$ 753,85 bilhões (indicado
no Siafi) tivesse sido empregado em Amortiza-
ção, o estoque da dívida teria caído fortemente,
certo? Caso tivesse sido empregado somente no
Refinanciamento (também chamado de rolagem,
ou seja, a troca de dívida que está vencendo
por outra), o estoque da dívida teria se mantido
constante, certo?
No entanto, o que ocorreu com o estoque da dívi-
da interna em 2015? Conforme publicado pelo Ban-
co Central, em 2015 o estoque de títulos da dívida
interna aumentou R$ 732 bilhões, saltando de R$
3,204 trilhões para R$ 3,937 trilhões, em apenas 11
meses de 2015 (31/01 a 31/12/2015), como pode ser
conferido na primeira coluna do quadro 3, reprodu-
zido a seguir.
Quadro 3: Títulos públicos federais
Fonte: Banco Central. Reprodução.
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A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
5 www.auditoriacidada.org.br/blog/2012/03/25/clique-aqui-para-saber-como-foi-a-cpi-da-divida/
6 Ver Relatório Específico da Auditoria Cidadã da Dívida no 1/2013, disponível em www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2013/11/Parecer-ACD-1-Vers%C3%A3o-29-5-2013-com-anexos.pdf
Constata-se, portanto, que a dívida não foi
amortizada, nem simplesmente rolada ou refinan-
ciada, mas, ao contrário, cresceu fortemente em
2015. Isso ocorre porque grande parte dos juros
nominais está sendo contabilizada como se fosse
amortização.
Desde a CPI da Dívida Pública concluída em
20105, temos denunciado6 esse procedimento, que
constitui uma mega pedalada fiscal e vem sendo
adotado desde o Plano Real, quando a atualização
monetária automática foi, em tese, abolida.
Esse procedimento é ilegal e tem permitido trata-
mento privilegiado aos gastos com juros, ao mesmo
tempo em que promove o crescimento exponencial
do estoque da dívida interna, além de significar uma
afronta direta à Constituição Federal, especificamen-
te, no art. 167, III, conhecido como regra de ouro.
Esse procedimento paralelo tem sido possibilitado por
meio de cálculo paralelo que corrige monetariamente (pelo
IGP-M) todo o estoque da dívida e em seguida deduz essa
atualização dos juros e a transforma em amortização,
tal como retratado no diagrama do quadro 4, a seguir.
Quadro 4: Contabilização de juros como se fosse amortização
O gráfico 01 do diagrama acima demonstra o
estoque de títulos da dívida interna federal e, ao
lado, os volumes de juros nominais incidentes so-
bre os diversos tipos de títulos que compõem o re-
ferido estoque. A variação na altura dos diversos
volumes dos juros decorre da existência de diver-
sos tipos de títulos, que possuem rendimentos no-
minais distintos.
O gráfico 02 do mesmo diagrama demonstra o efeito
da atualização monetária paralela de todo o estoque da
dívida (representada em amarelo). Referida atualização
tem sido excluída do volume dos juros nominais, que
passa a ficar restrito apenas à parcela que ultrapassa tal
atualização. Simultaneamente, essa atualização passa a
fazer parte do estoque da dívida e é paga como se fosse
amortização, mediante a emissão de novos títulos.
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7 Não existe fundamento legal que autorize a atualização monetária do conjunto da dívida pública. Uma distorção grave tem sido reiterada-mente praticada devido à introdução de parâmetro inócuo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabelece o limite da variação do IGP-M para a atualização monetária do principal da dívida mobiliária refinanciada da União. Trata-se de distorção porque não há que se estabelecer parâmetro para atualização monetária de toda a dívida se não há lei que autorize tal atualização e adicionalmente se tal atualização é na prática parte dos juros nominais pagos aos detentores dos títulos da dívida. Essa distorção reiterada aparece também na Lei de Responsabilidade Fiscal, na medida em que indica que a atualização monetária da dívida deveria ser incluída no refinanciamento. Tal distorção tem provocado um cálculo paralelo dessa atualização monetária não prevista em lei, que por sua vez está mascarando a contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização/refinanciamento da dívida, em flagrante desrespeito ao artigo 167, III da Constituição.
À medida que a parcela da atualização mone-
tária (que integra os juros nominais) é deslocada da
categoria de Despesas Correntes e passa a ser compu-
tada como Despesas de Capital (amortização), o li-
mite para emissão de nova dívida fica artificialmente
ampliado nesse montante.
Esse procedimento burla o disposto no art. 167,
III, da Constituição Federal (regra de ouro), que visa
proibir a emissão de nova dívida para pagar juros
(despesas correntes) e tem provocado o crescimento
exponencial do estoque da dívida interna federal.7
Em 2016, a mesma manobra se repetiu. O
estoque de títulos saltou de R$ 3,873 trilhões
(em 31/01/2016) para R$ 4,509 trilhões (em
31/12/2016), conforme dados do Banco Central,
reproduzidos no quadro 5.
Quadro 5: Títulos públicos federais
Fonte: Banco Central. Reprodução.
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A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
Quadro 6
Apesar do crescimento exponencial de R$ 636
bilhões no estoque da dívida interna em 2016, o
Siafi divulgou uma Amortização/Refinanciamen-
to de R$ 925 bilhões e juros de apenas R$ 205 bi-
lhões (quadro 6). É evidente que se tivesse havido
de fato o pagamento de amortização de R$ 925
bilhões, o estoque da dívida teria caído e não au-
mentado em R$ 636 bilhões, como apontam os
dados divulgados pelo Banco Central, acima re-
produzidos. Se tivesse havido somente rolagens, o
estoque teria se mantido constante, e não foi isso
que ocorreu.
Fonte: Senado Federal. Reprodução.
Diante dessa grave constatação de irregularidade
na contabilização dos gastos com a dívida, mascaran-
do o valor efetivamente pago a título de juros, con-
forme comprovado por dados oficiais, não há outra
alternativa senão somarmos as rubricas Juros com
Amortizações/Refinanciamento, para que possamos
indicar o montante dos gastos com a dívida.
Outra forma de apontar a insuficiência do mon-
tante dos juros indicados no Siafi advém da multipli-
cação do valor do estoque da dívida interna no início
de 2016 (R$ 3,936 trilhões) pela taxa de 13%, que
corresponde à taxa de juros média da dívida interna
em 2016, segundo o próprio Tesouro Nacional. O re-
sultado é um valor de juros mínimo estimado, de R$
512 bilhões. Cabe ressaltar que esse é o cálculo mais
conservador possível, pois considerou o estoque no
início do ano. Se considerássemos o estoque médio
da dívida no ano (R$ 4,222 trilhões), o valor míni-
mo dos juros estimados seria de R$ 549 bilhões, valor
muito superior ao valor indicado no Siafi, de apenas
R$ 205 bilhões.
A contabilização de grande parte dos juros como
se fosse amortização é uma das grandes máscaras do
Sistema da Dívida, e tem possibilitado o pagamento
de juros (despesas correntes) mediante a emissão de
novos títulos da dívida pública, burlando-se o dispos-
to no art. 167, III, da Constituição Federal.
Infelizmente, alguns especialistas deixam de apro-
fundar os seus estudos, não percebem a manobra antes
detalhada e limitam-se a criticar o fato de a Auditoria
Cidadã da Dívida somar os valores dos juros e amor-
tizações para indicar o montante efetivamente gasto
com a dívida. É importante estar alerta para não sermos
iludidos por tais análises superficiais e, eventualmente,
mal intencionadas, pois seguem interesses do mercado
financeiro que não quer revelar o verdadeiro gasto com a
dívida pública e a necessidade da auditoria dessa dívida.
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b.2 – Omissão na divulgação dos gastos com a dívida pública
Dados comumente divulgados pelo governo e por
especialistas ligados aos grandes beneficiários da dí-
vida pública (bancos) e à grande mídia não incluem
os gastos com a dívida pública, limitando-se a culpar
os gastos sociais pela “crise fiscal”.
Essa postura tem sido dominante e utilizada
para justificar o aprofundamento do ajuste fiscal,
isto é, o corte de despesas primárias (que corres-
ponde a todas as despesas para a manutenção do
Estado e serviços prestados à população, exceto
as despesas financeiras com a dívida pública);
as privatizações de patrimônio público e diver-
sas contrarreformas, a fim de que sobrem mais
recursos ainda para o pagamento dos gastos com
a dívida.
A partir da aprovação da Emenda Constitucio-
nal 95, o ajuste fiscal foi parar no texto constitu-
cional e, por 20 anos (!), todas as despesas primá-
rias ficarão limitadas ao patamar de 2016, ano de
crise e contenção brutal de gastos, podendo haver
simplesmente uma atualização anual pelo IPCA.
É evidente o impressionante retrocesso que tal me-
dida provocará nos direitos sociais, o que já pode
ser evidenciado no gráfico 4, referente aos dados
do orçamento federal proposto para 2017.
Gráfico 4: Orçamento Geral da União (Projetado para 2017) Total = R$ 3,399 trilhões
Fonte: Projeto de Lei Orçamentária para 2017. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida.
Cabe ressaltar que no período de 1995 a 2015,
a arrecadação tributária superou em cerca de R$
1 trilhão o valor gasto com todas as despesas
primárias. Essa “economia” brutal de recursos,
denominada “Superávit Primário”, foi obtida
por meio de cortes e contingenciamentos em to-
das as áreas, especialmente saúde e educação,
dentre várias outras finalidades urgentes para
o país.
Essa produção de superávit primário era anuncia-
da como necessária para pagar a dívida pública in-
terna que, apesar disso, cresceu de R$ 86 bilhões em
1995 para R$ 4 trilhões em 2015.
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A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
8 A legislação define quais tipos de gastos podem ser considerados como ASPS.
Portanto, a explosão do endividamento nada tem
a ver com um suposto excesso de gastos sociais, mas
sim com os gastos excessivos com os juros da própria
dívida e com os mecanismos de política monetária
que geram dívida continuamente, sem contrapartida
alguma ao país ou à sociedade.
2. Orçamento da Saúde e a desobediência à determinação
constitucional referente às despe-sas obrigatórias
O art. 6º da Constituição Federal Brasileira estabe-
lece que “são direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição”.
Em relação ao respeito ao direito à saúde, a
CF/1988 determina:
a) art. 23, inciso II – estabelece entre as obrigações
da União, estados e Distrito Federal a de “cuidar da
saúde e assistência pública, da proteção e garantia
das pessoas portadoras de deficiência”;
b) art. 196 – estabelece que “a saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”.
A carência geral de serviços e materialidade, em
todas as regiões do país, indica que a importância que
a Constituição Federal deu ao direito à saúde não
tem sido devidamente respeitada.
a. Evolução dos recursos destinados à Saúde
Nas últimas décadas, a Constituição tem garan-
tido um piso de recursos para a saúde, na forma da
Emenda Constitucional nº 20/2000.
De 2001 a 2015, ela previu que os gastos federais
com Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS)8
deveriam aumentar anualmente na mesma propor-
ção do Produto Interno Bruto (PIB) nominal, o que
se refletiu em uma estabilidade dos recursos em rela-
ção ao PIB, conforme se vê no gráfico 5.
Em 2016, tal regra foi alterada, para um piso equi-
valente a 13,2% da Receita Corrente Líquida em
2016 (crescendo progressivamente até 15% em 2020),
o que, diante da queda da arrecadação nos últimos
anos, também não contribuiu para um aumento sig-
nificativo dos recursos da saúde.
Gráfico 5: Governo Federal: despesas com ações e serviços públicos de saúde (% do PIB)
Fonte: www.tesouro.fazenda.gov.br/-/relatorio-resumido-de-execucao-orcamentaria. PIB: Banco Central. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida.
16
Conforme se observa no gráfico, os recursos da
saúde não têm crescido, quando comparados ao
PIB, uma medida mais adequada, dado que, com
o aumento do Produto Interno Bruto, aumenta-se
também a demanda pelos serviços de saúde (mais
acidentes de trabalho, de trânsito etc.). Isso também
significa que a parcela da riqueza produzida pelo país
destinada à saúde não tem aumentado, apesar de ser
muito insuficiente para o atendimento à população.
Adicionalmente, os valores divulgados pelo go-
verno como Ações e Serviços Públicos de Saúde não
são apenas os efetivamente gastos durante o ano, in-
cluindo também recursos empenhados e não gastos,
sob a justificativa de que eles seriam executados no
ano seguinte, na forma de restos a pagar. Porém, nem
sempre todos estes recursos são efetivamente gastos
no ano seguinte, o que significa que os recursos des-
critos no gráfico acima estão superestimados.
Em 2016, o governo declarou que gastou R$ 106
bilhões com Ações e Serviços Públicos de Saúde, va-
lor este menor que um décimo dos gastos com juros e
amortizações da dívida pública federal.
Portanto, fica claramente caracterizado que o en-
dividamento público é principal entrave ao aumento
dos gastos sociais, dentre eles, o da saúde.
b. Programas e respectivas ações orçamentárias destacadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal
como despesas que não podem ser objeto de limitação de empenho
Recente estudo realizado por colaboradora da Au-
ditoria Cidadã da Dívida apontou diversos indícios
de ilegalidades na limitação orçamentária de despe-
sas obrigatórias, isto é, que não poderiam ficar su-
jeitas a limitações por se tratar de grave ofensa aos
direitos humanos e sociais fundamentados no texto
constitucional.
Considerando a relevância do referido estudo
para o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz,
este está incluído, na íntegra, como Anexo I ao pre-
sente texto.
3. Por que faltam recursos para a saúde, considerando
que o brasil é tão rico?
a. Paradoxo entre a realidade de abun-dância e o cenário de escassez no Brasil
A realidade brasileira é de extrema abundância
em todos os sentidos (energético, mineral, climático);
entretanto, enfrentamos inaceitável cenário de escas-
sez, com falta de recursos para investimentos estra-
tégicos ou atendimento aos direitos sociais básicos,
além de anúncios de déficits e crises diversas: econô-
mica, financeira, social, ambiental, política e ética.
Apesar de o Brasil ser, atualmente, a nona maior
economia do mundo, nossa situação social passa por
uma verdadeira calamidade. O desemprego atinge
patamar elevadíssimo. Segundo pesquisa do IBGE9,
temos 166 milhões de pessoas em idade de trabalhar
no Brasil. Destas, 90 milhões estão empregadas; 14
milhões, desempregadas; e 64 milhões, fora da for-
ça de trabalho, ou seja, já não procuram emprego.
Obviamente, nesse cenário, os dados da violência
disparam. O nível salarial é extremamente baixo e
23,4% da população ativa vive com menos de um
salário mínimo10.
Somos o país mais injusto do mundo, onde a distân-
cia entre ricos e pobres é a mais cruel, e a concentração
de renda é vergonhosa: apenas 0,5% da população ati-
va concentra 43% de toda a riqueza declarada em bens
9 IBGE-PEA 2016. Quadro-resumo publicado em O Estado de São Paulo, em 1º/10/2016.10 Correio Braziliense em 12/7/2016.
17
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
11 Fonte: Ipea, Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair, com base em dados da Receita Federal.12 http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/21/politica/1490112229_963711.html13 Índice Global de Habilidades Cognitivas e Realizações Educacionais.14 Ver em: <http://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2016/03/economia-brasileira-fecha-2015-com-queda-de-38-mostra-ibge.html>.
e ativos financeiros à Receita Federal11. Ocupamos
a vergonhosa 79a posição no ranking dos Direitos
Humanos segundo o IDH medido pela ONU12
e o penúltimo lugar no ranking da Educação entre
quarenta países analisados13.
O desenvolvimento socioeconômico está com-
pletamente travado, de tal maneira que nosso PIB
vem caindo, tendo encolhido 3,8% em 201514, 3,6%,
em 2016, e dados indicam mais recessão em 2017.
Como é possível que um país com tamanhas
potencialidades, em todos os sentidos, confor-
me indicado no quadro abaixo, fique engessa-
do dessa forma, submetido a inaceitável cenário
de escassez?
Quadro 7
Esse cenário não é obra do acaso, mas é construí-
do e sustentado pelo modelo econômico do país, vol-
tado para a concentração de renda e riqueza em seus
principais pilares:
• modelo tributário injusto e regressivo;
• política monetária suicida; e
• privilégio do Sistema da Dívida.
A fim de desmontar esse cenário, precisaremos
modificar o modelo tributário para que se transforme
em mecanismo de justiça fiscal e distribuição de ren-
da; alterar a política monetária para que atue em fa-
vor dos interesses do país e do povo, e não apenas
do setor financeiro; e enfrentar o Sistema da Dívida
por meio de completa auditoria, interrompendo esse
processo de sangria de recursos e submissão aos inte-
resses do mercado financeiro.
Adicionalmente, teremos que retirar algumas
máscaras mestras, como a revogação da EC 95, a fa-
lácia do déficit da Previdência e do setor público.
18
15 Nota Técnica do Ipea nº 26, de agosto de 2016: Crise econômica, austeridadeFiscal e saúde: que lições podem ser aprendidas? Disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160822_nt_26_disoc.pdf
b. A crise atual e os impactos na área da Saúde
A crise econômica gera, inegavelmente, efeitos
sobre a saúde das pessoas, decorrentes, por exemplo,
da preocupação com o desemprego e o endividamen-
to. Conforme afirma a pesquisadora do Ipea Fabiola
Sulpino Vieira15:
Entre as consequências sociais mais amplas, ve-
rifica-se que a perda do emprego e o aumento do
desemprego provocam perdas financeiras e o endi-
vidamento das famílias, levando ao empobrecimen-
to, ao aumento dos divórcios e da violência. Essas
condições, associadas à insegurança quanto à ma-
nutenção do emprego, ocasionam piora da saúde
mental, com elevação da incidência e prevalência
de ansiedade, depressão, estresse e abuso de álcool
e outras drogas. Ainda como consequências para a
situação de saúde, identificaram-se o aumento dos
casos de suicídio e de doenças crônicas e infeccio-
sas. Nesse contexto, a demanda por atendimento
no sistema público de saúde aumenta, tanto pela
piora das condições de saúde quanto pela diminui-
ção da capacidade de pagamento diretamente do
bolso e de planos privados de saúde pelas famílias.
Esta situação se agrava como consequência da ado-
ção de medidas de austeridade fiscal, baseadas na
redução do gasto com políticas sociais. A manuten-
ção e o reforço aos programas de proteção social
durante as crises econômicas são importantes me-
didas para reduzir o risco de desfechos negativos
sobre a saúde das populações e podem promover a
saúde e o bem-estar. Em conclusão, as crises eco-
nômicas e as medidas de austeridade fiscal, que
reduzem o gasto com políticas sociais, pioram a
situação de saúde da população (VIEIRA, 2016).
Portanto, em uma conjuntura de crise, torna-
-se ainda mais necessário o aumento dos recursos
da saúde, para compensar os efeitos nocivos do
desemprego, endividamento e aumento da incerteza.
Porém, na conjuntura nacional, a crise veio acom-
panhada de uma política monetária restritiva (juros
altíssimos) e severos cortes de gastos sociais, justifi-
cados pelo governo como se fossem a saída para a
crise, quando na verdade, a causam e a aprofundam.
Esta relação de causalidade entre a política econô-
mica e a crise será vista no próximo item.
c. O que provocou a crise econômica atual
A dívida pública não restringe os gastos sociais
apenas por meio de cortes orçamentários (na saúde,
educação, e outras áreas), mas influencia na deter-
minação da política monetária praticada no Brasil
– com juros altíssimos e restrição da base monetária
– que impede o funcionamento do setor produtivo,
acarretando quebras, queda na arrecadação tributária
e uma gigantesca recessão, conforme explicaremos
neste item. A queda na arrecadação leva a mais cor-
tes de gastos, que por sua vez levam a mais recessão,
em um círculo vicioso.
O que provocou a crise econômica atual, que
está jogando dezenas de milhões de pessoas no
desemprego e gerando danos irreparáveis ao país?
Além desse desemprego recorde, essa crise tem
produzido desindustrialização, quebra de milhões
de estabelecimentos comerciais, encolhimento do
PIB, sucessivos cortes de direitos sociais, entrega
de patrimônio por meio de privatizações e diver-
sas modificações legais que representam inimagi-
nável retrocesso para a democracia e para a sobe-
rania nacional. Tivemos alguma catástrofe, peste,
desastre geral ou guerra?
Por que, então, o Brasil, nona economia mun-
dial, marcado pela riqueza e abundância em todos
os sentidos, está enfrentando essa crise brutal?
19
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
Responsabilidade do Banco Central
Quase ninguém toca na principal causa dessa crise.
Muitas pessoas acreditam que a corrupção é a princi-
pal causa da crise atual. De fato, há muita corrupção
no país, envolvendo todos os poderes e esferas, e que
deve ser completamente apurada e exemplarmente
punida. Mas os danos provocados pela política mo-
netária exercida pelo Banco Central atingem mon-
tantes infinitamente superiores a todos os conhecidos
escândalos de corrupção somados, e constituem a
principal causa da atual crise econômica.
Sob o argumento de controlar a inflação, o Banco
Central do Brasil tem aplicado uma política monetá-
ria fundada em dois pilares: 1) adoção de juros eleva-
dos e 2) redução da base monetária, isto é, do volu-
me de moeda em circulação, por meio das Operações
Compromissadas. Na prática, tais instrumentos têm
se mostrado um completo fracasso, pois além de não
controlar o tipo de inflação que existe no Brasil, em-
purraram o país para essa desnecessária crise.
Juros mais elevados do Planeta remuneram sobra de
caixa dos bancos no BrasilOs juros mais elevados do mundo praticados no
Brasil têm sido o principal fator responsável pelo
crescimento exponencial da dívida pública. Adicio-
nalmente, a necessidade de pagar esses juros tem
servido de justificativa para as políticas de inanição
de investimentos essenciais, executadas por meio
do ajuste fiscal, que foi parar na Constituição com
a aprovação da Emenda Constitucional 95 (PEC 55
ou 241).
Diversas outras medidas restritivas de investimen-
tos e direitos, tais como a EC-93 (que aumentou a
DRU para 30%), a PEC 287 (contrarreforma da Pre-
vidência), o PLP 343 (ajuste fiscal dos Estados), en-
tre outras, também visam gerar recursos para o paga-
mento de juros da dívida pública.
Além disso, os juros abusivos amarram toda a eco-
nomia do país, afetando negativamente a indústria,
o comércio, investimentos geradores de empregos, e
abortam possibilidades de nascimento de novos negó-
cios que dependem de crédito, constituindo a princi-
pal causa da crise fiscal e da paralisação da economia.
Esse impacto negativo fica ainda mais agravado
pela atuação do Banco Central com as Operações
Compromissadas que enxugam atualmente cerca de
R$ 1,1 trilhão que sobra no caixa dos bancos, tro-
cando essa sobra por títulos da dívida pública, que
pagam os juros mais elevados do mundo. Ao mesmo
tempo, tais operações provocam aumento da dívida
pública sem contrapartida alguma; aumento da des-
pesa pública com o pagamento dos juros diários aos
bancos e, adicionalmente, esterilizam esse imenso
volume de recursos que deveria estar irrigando a eco-
nomia e gerando empregos, instituindo cenário de
profunda escassez de recursos, o que acirra a eleva-
ção das taxas de juros de mercado.
Estamos falando em R$ 1,145 trilhão esterilizados
no Banco Central, montante correspondente a 18%
do PIB (de 2016), que gera imensa despesa pública
para sua remuneração diária, aos juros mais elevados
do planeta!
Aí está o desequilíbrio brutal das contas públicas,
com reflexos negativos para toda a economia do país.
Imaginem o que aconteceria se o Banco Central não
realizasse essas operações. O que os bancos fariam
com sua sobra de caixa? É evidente que se esforça-
riam para emprestar e, para isso, necessariamente
teriam que reduzir as taxas de juros, o que desamar-
raria o país.
A alegação de que tal operação é necessária para
controlar inflação não se sustenta. Basta observar as
causas da inflação no Brasil: preços administrados
(energia, telefonia, tarifas bancárias, combustível,
transporte público, planos de saúde etc.) e alimentos
(devido a fatores climáticos e erros de política agríco-
la que privilegia commodities de exportação e não a
produção de alimentos).
Um dos itens que mais influenciou a elevada in-
flação em 2014 e 2015 foi o preço da energia, que
chegou a aumentar 60%. Isso não teria acontecido se
20
os recursos esterilizados pelo Banco Central estives-
sem viabilizando investimentos no setor. Esse é ape-
nas um exemplo entre vários que podem ser levanta-
dos para caracterizar que o efeito dessas Operações
Compromissadas tem sido inverso ao que prega o
Banco Central.
As Contrarreformas não tocam na principal causa da crise atual
Enquanto a crise vem sendo provocada e aprofun-
dada pela política monetária praticada pelo Banco
Central, as contrarreformas que estão sendo aprova-
das caminham no sentido inverso e não atacam as
causas dessa crise.
A reforma de que precisamos é a urgente modifi-
cação da atuação do Banco Central, a fim de estancar
o excesso de gastos financeiros com a dívida pública,
que tem consumido, todo ano, cerca de metade do
orçamento federal e, apesar disso, não para de cres-
cer, devido à contínua geração de dívida sem contra-
partida por meio das Operações Compromissadas,
operações de swap cambial, além dos juros sobre ju-
ros escorchantes.
Nos três primeiros meses de 2017 a dívida interna
federal cresceu cerca de R$ 100 bilhões por mês, al-
cança quase R$ 5 trilhões, e nunca foi objeto de uma
auditoria integral!
E qual tem sido o foco das contrarreformas que
estão sendo aprovadas no Congresso Nacional?
Justamente as políticas públicas, cortando ou con-
gelando por 20 anos as despesas primárias, a fim
de que sobrem mais recursos ainda para os gastos
financeiros com a chamada dívida pública, o que
irá engessar e atrasar ainda mais o nosso desenvol-
vimento socioeconômico.
É urgente atentar para os danos da política mo-
netária suicida praticada pelo Banco Central, que
favorece escandalosamente o setor financeiro e se
submete à influência dos bancos e organismos inter-
nacionais – FMI e Banco Mundial.
4. Sistema da Dívida e a necessidade de auditoria
a. Funcionamento do endividamento público às avessas: Sistema da Dívida
Em geral, as pessoas acreditam que a dívida pública
corresponde ao que aprendemos na teoria, isto é, que
abrangeria recursos recebidos em decorrência de emprés-
timos contraídos pelo Estado. Caso tivéssemos recebido
a montanha de recursos equivalentes ao vultoso cresci-
mento da dívida verificado em 2015 (R$ 732 bilhões)
e 2016 (R$ 636 bilhões), não estaríamos enfrentando
crise alguma. Não recebemos tais recursos. Eles foram
aplicados na retroalimentação dos mecanismos ilegais
que geraram ainda mais dívida pública, tais como:
• pagamento de juros extorsivos (o que é in-
constitucional, pois fere o Art. 167, III, da
Constituição Federal, o qual impede a emis-
são de títulos da dívida para pagar despesas
correntes, tais como salários e juros);
• pagamento de juros sobre juros (o que é ile-
gal, conforme Súmula 121 do STF);
• remuneração da sobra de caixa dos bancos
(operações compromissadas que chegaram a
R$ 1,145 trilhão, ou seja, 18% do PIB), e
• prejuízos do Banco Central com operações
de swap cambial (ilegais, conforme represen-
tação de auditor do Tribunal de Contas da
União TC-012.015/2003-0)
Cabe ressaltar que o volume de investimentos fi-
cou limitado a apenas R$ 9,6 bilhões em 2015, o que
confirma que todo o crescimento do estoque da dívi-
da naquele ano foi consumido nos mecanismos acima
referidos. Em 2016, os investimentos federais foram
de apenas R$ 16,8 bilhões. Dessa forma, a capacida-
de de endividamento do país não tem sido utilizada
para o desenvolvimento econômico e social (como
ocorre nos países desenvolvidos, a juros baixos e
prazos longos), mas principalmente para pagar juros
extorsivos e demais mecanismos antes mencionados.
21
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
Gráfico 6: Lucro dos bancos (R$ bilhões)
Fonte: Banco Central (www4.bcb.gov.br/top50/port/top50.asp). Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida
16 www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/02/04/internas_economia,516532/reserva-de-bancos-contra-calotes-vai-a--r-183-7-bi.shtml
Esses mecanismos funcionam como uma engre-
nagem que, continuamente, promove a transferência
de renda para o setor financeiro privado. Estatísticas
do próprio Banco Central demonstram que, em 2015,
apesar da desindustrialização, da queda no comércio,
do desemprego e da retração do PIB em quase 4% o
lucro dos bancos foi 20% superior ao de 2014, e teria
sido 300% maior não fossem as exageradas provisões
que atingiram R$ 183,7 bilhões10, e reduzem seus lu-
cros tributáveis.
A dívida pública nunca foi auditada, como deter-
mina a Constituição Federal, e, conforme denuncia-
do inclusive por Comissões do Congresso Nacional,
é repleta de indícios de ilegalidade, ilegitimidade e
até fraudes, tais como a suspeita de renúncia à pres-
crição, diversas transformações de passivos privados
em dívidas públicas, além de mecanismos financeiros
que geram dívida sem contrapartida alguma ao país
ou à sociedade, a exemplo das escandalosas opera-
ções de swap cambial e operações compromissadas,
antes mencionadas.
A constatação acerca da atuação desses mecanis-
mos meramente financeiros que geram dívida sem
contrapartida alguma ao país ou à sociedade é algo
que se repete tanto internamente no Brasil (em rela-
ção à chamada dívida dos estados), como em outros
países. Essa constatação permitiu que identificásse-
mos a existência de um Sistema da Dívida, isto é, a
utilização do endividamento público às avessas, ou
seja, em vez de servir para aportar recursos ao Es-
tado, o processo de endividamento tem funcionado
como um instrumento que promove uma contínua
e crescente subtração de recursos públicos, que são
direcionados principalmente ao setor financeiro pri-
vado. É por isso que é tão importante realizar a au-
ditoria dessas dívidas, a fim de mostrar a verdade e
segregar o que é dívida legítima e ilegítima.
A atuação desses mecanismos financeiros tem
provocado não somente a geração de dívida pública,
mas também o seu contínuo crescimento, devido à
aplicação de condições extremamente onerosas, al-
cançando patamares insustentáveis. Além de sangrar
22
os orçamentos públicos e exigir a contínua privatiza-
ção de patrimônio público para o seu pagamento, a
dívida pública tem sido a justificativa para contrarre-
formas e um pacote de medidas que tramitaram em
regime de prioridade no Congresso Nacional (EC 95,
EC 93, PLP-257/2016, PLP-343/2017, entre outros)
que jogam essa conta ilegítima nas costas de traba-
lhadoras e trabalhadores públicos e privados, ativos
e aposentados, provocando danos patrimoniais, so-
ciais e morais à sociedade e ao país.
Além de privilegiar o gasto com a dívida, a EC
95/2017 ainda reserva recursos para outro perverso
mecanismo financeiro gerador de obrigações finan-
ceiras onerosas que se transformarão em dívida públi-
ca, semelhante ao que quebrou a Grécia e outros pa-
íses europeus17. Tal esquema está se espalhando pelo
Brasil, e a EC 95/2017, que impede o crescimento de
investimentos sociais geradores de desenvolvimento
socioeconômico por 20 anos, privilegia o pagamento
de juros e garante recursos para esse esquema18.
b. Evolução do Estoque da Dívida Federal – Externa e Interna
Conforme vimos, o endividamento público amar-
ra o país e impede o aumento dos gastos sociais, in-
clusive na saúde. Diante disso, é necessário buscar-
mos respostas para diversas perguntas, tais como: De
onde veio toda essa dívida pública? Quanto tomamos
emprestado e quanto já pagamos? O que realmente
devemos? Quem contraiu tantos empréstimos? Onde
foram aplicados os recursos? Quem se beneficiou
desse endividamento? Qual a responsabilidade dos
credores e organismos internacionais nesse processo?
Somente uma auditoria responderá essas questões.
No Brasil, a Auditoria da Dívida está previs-
ta na Constituição Federal de 1988 (artigo 26 das
Disposições Transitórias), e deveria ser realizada
na forma de uma Comissão Mista no Congresso
17 www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/09/20/pec-241-teto-para-investimentos-sociais-essenciais-e-garantia-de-recurso-para-esquema--fraudulento-que-o-pls-2042016-o-plp-1812015-e-pl-33372015-visam-legalizar/
18 www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/10/24/pec-241-ira-burlar-regra-de-ouro-da-constituicao/
Nacional, ou seja, por deputados e senadores. Po-
rém, esse artigo jamais foi cumprido, sendo esta a
principal violação constitucional perpetrada pelo
endividamento público.
No ano 2000, em um Plebiscito Popular, seis
milhões de pessoas se manifestaram pelo não paga-
mento da dívida enquanto não fosse feita a audito-
ria. Como os sucessivos governos não quiseram obe-
decer à vontade popular, surgiu a Auditoria Cidadã
da Dívida, que visa a realização de uma auditoria
feita pela sociedade, no sentido de se pressionar pela
auditoria oficial.
Em 2009, após muita mobilização social, foi ins-
talada a CPI da Dívida Pública na Câmara dos Depu-
tados, proposta pelo deputado Ivan Valente (PSOL-
-SP), que embora não tenha tido o tempo e o pessoal
necessários para uma auditoria – sendo que o gover-
no negou-se a responder vários itens solicitados pela
CPI –, pôde fornecer informações importantes para a
investigação das principais causas do endividamento.
Várias ilegalidades do endividamento foram do-
cumentadas, tais como a tomada de empréstimos por
governos ilegítimos (ditadores), a elevação ilegal das
taxas de juros pelos bancos internacionais, a estatiza-
ção de dívidas privadas, fatores que já haviam sido
apontados também por comissões anteriores do Con-
gresso Nacional, nos anos 80.
A CPI demonstrou que a dívida pública – tanto
externa quanto interna – não tem funcionado como
instrumento de financiamento, mas como um meca-
nismo de transferência de recursos ao setor financei-
ro privado nacional e internacional:
• Década de 70: contratos disponibilizados à
CPI (2009/2010) não comprovam nem 20%
da evolução do estoque da dívida externa com
bancos privados internacionais nessa fase da
ditadura militar;
23
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
• Década de 80: dívidas do setor privado (na-
cional e internacional instalado no país) junto
a bancos privados internacionais foram trans-
feridas a cargo do Banco Central do Brasil,
mediante contratos assinados em Nova York
e submetidos às leis de Nova York, em com-
pleto desrespeito à nossa Constituição;
• 1992: suspeita de prescrição dessa dívida ex-
terna com bancos privados internacionais,
que correspondia a cerca de 80% de toda a dí-
vida externa brasileira;
• 1994: Plano Brady em Luxemburgo converteu
aquela dívida suspeita de prescrição em títulos
da dívida externa;
• A partir de 1994: conversão de dívida externa
em interna, que à época chegou a pagar juros
de 50% ao ano;
• A partir de 1996: utilização dos títulos Brady como
moeda para comprar empresas privatizadas;
• Juros elevadíssimos e mecanismos financeiros
que geram dívida: remuneração da sobra de
caixa dos bancos, swap cambial, contabiliza-
ção de juros como se fosse amortização, ana-
tocismo, prejuízos do Banco Central...
O gráfico 7 mostra a evolução do endividamen-
to externo brasileiro, desde os anos 70, indicando os
principais fatores e ilegalidades que influenciaram o
seu crescimento.
Fonte: Banco Central – Nota para a imprensa – Setor Externo – Quadro – Dívida Externa Bruta – e Séries Temporais – BC.
Gráfico 7: Dívida Externa (US$ bilhões)
Observa-se que o pagamento antecipado de
parcelas da dívida externa ao FMI e a detento-
res de títulos da dívida externa que foram re-
comprados antecipadamente (com ágio de até
70%, o que representa grave dano às contas pú-
blicas) não implicou o fim desse endividamen-
to. Adicionalmente, tais parcelas foram pagas
às custas da emissão de títulos da dívida inter-
na, com juros ainda muito mais elevados que os
da dívida externa.
O gráfico 8 mostra a evolução da dívida inter-
na, apontando também os principais fatores que
influenciaram o seu crescimento exponencial.
24
c. Principais indícios de irregularidades na formação da dívida interna
c.1. Taxa de juros
Os juros têm sido, sem dúvida, o principal fa-
tor determinante do crescimento da dívida interna,
como mostra tabela reproduzida no quadro 8, apre-
sentado pelo Ministério da Fazenda à CPI da Dívida
Pública realizada na Câmara dos Deputados, o qual
evidencia o gasto de R$ 1,53 trilhão a título de juros
nominais no período de janeiro/1996 a julho/2009.
Cabe observar que no mesmo período a dívida cres-
ceu de R$ 208,5 bilhões para R$ 1,28 trilhões, e o su-
perávit primário produzido foi de R$ 678 bilhões. É
impressionante a relevância dos juros no crescimento
exponencial da chamada dívida interna brasileira.
Cabe reafirmar que no período de dezembro/1996
a julho/2009, os juros nominais somaram R$1,53
trilhão! Parte desse montante foi pago com o es-
forço do superávit primário, mas a maior parte foi
paga mediante a emissão de novos títulos, o que é
inconstitucional (art. 167, III), fazendo aumentar o
estoque da dívida, sobre o qual passariam a incidir
novos juros, no ilegal processo de anatocismo. Essa
afronta ao art. 167, III, da Constituição Federal tem
sido viabilizado mediante a ilegal contabilização de
juros como se fosse amortização19.
A determinação das taxas de juros não obedece
a uma fórmula matemática, como informou textual-
mente o Banco Central à CPI da Dívida Pública, em
resposta a requerimento de informações20. O diretor
de Política Econômica do Banco Central, Sr. Mário
Magalhães Carvalho Mesquita, informou à CPI21 que
as decisões do Copom são tomadas depois de apre-
sentações técnicas de diferentes departamentos
desta Autarquia e de exaustiva discussão sobre as
condições macroeconômicas correntes e futuras,
baseando-se em uma ampla gama de variáveis, as
quais fazem parte de documentos anexados àqueles
ofícios. As decisões não decorrem da aplicação de uma
fórmula que definiria qual deveria ser a decisão do Comitê
sobre a meta da taxa Selic (grifo nosso).
Fonte: Banco Central – Nota para a imprensa – Política Fiscal – Quadro: Títulos Públicos Federais.
Gráfico 8: Dívida Interna (R$ bilhões)
19 Relatório ACD 1/2013. Exame específico referente à contabilização de parte dos juros nominais como se fossem amortizações, disponí-vel em: www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2013/11/Parecer-ACD-1-Vers%C3%A3o-29-5-2013-com-anexos.pdf 20 Ofício 114/09-P, de 19/11/200921 Ofício 1007/2009-BCB-Secre, de 9/12/2009 e Ofício 999/2009-BCB-Diret
25
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
As apresentações técnicas que antecedem as reu-
niões do Copom são feitas com base em informações
obtidas em reuniões trimestrais com convidados pelo
Banco Central. A CPI da Dívida identificou os con-
vidados para a reunião ocorrida em setembro/2009,
observando que a imensa maioria são é de represen-
tantes do mesmo setor financeiro (bancos e fundos de
investimento) que se beneficia das elevadas taxas de
juros, em flagrante conflito de interesses. Esse mesmo
setor participa na condição de dealer, com prioridade
na compra dos títulos da dívida pública emitidos pelo
Tesouro Nacional e leiloados pelo Banco Central.
A participação do setor financeiro na condição de
dealers preferenciais para a compra dos títulos é ex-
tremamente relevante, pois, devido a essa preferên-
cia, os mesmos exercem grande pressão para que o
Tesouro ofereça taxas cada vez mais atraentes, caso
contrário, recusam-se a comprar os títulos leiloados
pelo Tesouro Nacional.
É devido a essa forma de operar que, apesar da
queda da taxa Selic (ao patamar de 7,25% ao ano
a partir de outubro/2012), o custo médio da dívida
pública federal interna atingiu 11,72% ao ano em
dezembro de 201222, custo esse 60% superior ao pa-
tamar da taxa Selic naquele momento. Tal disparate
decorre do oferecimento, pelo Tesouro Nacional, de
taxas de juros muito superiores à taxa Selic, caso con-
trário, os dealers simplesmente deixam de comprar os
títulos. É por isso que a maior parte dos títulos da
dívida interna deixou de ser indexado à taxa Selic,
mas a outras taxas, bem maiores.
Essa prática, durante anos seguidos, tem provoca-
do enormes danos ao patrimônio público nacional,
devido à contínua exigência de elevados montantes
de recursos públicos para o pagamento dos exorbi-
tantes juros da dívida.
A cada seis meses, por meio de atos administra-
tivos internos, são nomeados os 12 dealers que pos-
suem o privilégio de participar dos leilões de títulos
da dívida interna realizados pelo Banco Central. Es-
ses exercem grande pressão pela alta das taxas de ju-
ros nos leilões, e também sobre a fixação das taxas de
juros, como já reconheceu o próprio Banco Central
em diversas manifestações públicas, vide reportagem
Fonte: Banco Central do Brasil. Reprodução.
Quadro 8: Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) – Fatores condicionantes (R$ bilhões)
22 Tabela do Tesouro Nacional disponível em www.tesouro.fazenda.gov.br/images/arquivos/Divida_publica/Publicacoes/Relatorio_Mensal/Anexo_RMD_Dezembro_2012.zip – Quadro 4.1.
26
publicada no jornal O Estado de S. Paulo23: os críticos da pesquisa apontam que ela funciona como mecanismo de pressão do mercado financeiro sobre a condução da política de juros.
O referido jornal mencionou a intenção manifes-
tada por representantes do Banco Central na imple-
mentação de modificações em procedimentos para
a elaboração do Relatório de Inflação, visando diver-
sificar as fontes de informações, e, de certa forma,
reconhecendo que constitui irregularidade o fato de
o Copom basear a definição dos juros em consultas
feitas aos próprios rentistas que se beneficiam das ele-
vadas taxas de juros.
Dada a sua importância, reproduzimos trecho de
texto dos pesquisadores Marcelo Luiz Curado e José
Luis Oreiro24:
A decisão de fixação da taxa de juros é influenciada
por expectativas de inflação que não refletem a per-
cepção dos agentes com efetivo poder de formação
de preços a respeito da evolução futura da inflação,
mas sim as opiniões vigentes entre os analistas do
mercado financeiro sobre esse tema. Com efeito,
como se observa no Relatório de Inflação de setem-
bro de 2004 do Banco Central do Brasil, as expec-
tativas de mercado desempenham um papel impor-
tante na decisão do COPOM a respeito do valor da
taxa básica de juros. No entanto essas expectativas
de mercado nada mais são do que as expectativas
dos departamentos de análise econômica dos ban-
cos e agentes do sistema financeiro. Dessa maneira
cria-se um mecanismo perverso no qual o sistema
financeiro brasileiro pode influenciar a decisão do
Banco Central a respeito da fixação da taxa de ju-
ros, pois se os bancos entrarem em acordo entre si
eles podem "forçar" um aumento da taxa de juros
por intermédio de uma "revisão para cima" de suas
expectativas de inflação. Em função das fortes evi-
dências de comportamento oligopolista por parte
dos bancos brasileiros (cf. Belaisch, 2003), a ocor-
rência de um "conluio" para forçar um aumento
da taxa de juros não pode ser encarada como uma
simples "curiosidade teórica (CURADO E OREI-
RO, 2005)
Por outro lado, instituições financeiras que se fa-
zem representadas em tais reuniões também atuam
na compra de títulos públicos, credenciando-se como
dealers, definidos, segundo o glossário da Secretaria
do Tesouro Nacional25, da seguinte forma:
São as instituições financeiras mais ativas no mer-
cado de títulos públicos credenciadas pela Secreta-
ria do Tesouro Nacional e Banco Central do Brasil.
As instituições têm acesso às operações especiais
do Tesouro Nacional (1 – vendas de títulos pú-
blicos pelos preços médios apurados nas ofertas
públicas e; 2 – compras de títulos públicos fede-
rais, a preços competitivos, restritas às instituições
credenciadas). Atualmente, a participação nessas
operações está relacionada ao desempenho mensal
da instituição credenciada em uma série de metas
estabelecidas pelo Tesouro Nacional.
Durante os trabalhos da CPI da Dívida Pública
em 2009/2010, constatou-se que os mesmos bancos
que participavam das reuniões prévias realizadas
pelo Banco Central eram, frequentemente, as insti-
tuições credenciadas a comprar, em primeira mão,
os títulos da dívida emitidos pelo Tesouro, na con-
dição de dealers conforme tabela existente na página
do Tesouro Nacional na internet26, para o período
de fevereiro a julho de 2010, reproduzida na figura
(quadro 9).
23 Notícia do jornal O Estado de São Paulo, de 31/3/2011, disponível em: www.estadao.com.br/noticias/impresso,bc-muda-pesquisa--para-obter-mais-transparencia,699666,0.htm
24 Metas de Inflação: uma avaliação do caso brasileiro. Março de 2005. Disponível em http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/viewFile/1121/1452
25 www.tesouro.gov.br/servicos/glossario/glossario_d.asp
26 www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/downloads/dealers/Dealers_Primarios_1Sem10.pdf e www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/downloads/dealers/Dealers_especialistas_1Sem10.pdf
27
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
Comparando os nomes que aparecem na tabela anterior, de 2010, com a relação dos dealers que aparecem em outras tabelas dispo-níveis, constata-se que há uma pequena alter-nância entre as 12 instituições, porém todas são instituições financeiras que também tive-ram seus representantes convidados para as reuniões com o Banco Central para expressar
suas opiniões acerca da expectativa de infla-ção que dirigiria a definição do patamar das taxas de juros Selic.
Os mesmos atores permanecem no proces-so, conforme tabela consolidada reproduzida no quadro 10, referente ao período de feverei-ro de 2012 a janeiro de 2013.
Fonte: Tesouro Nacional. Reprodução.
Quadro 9
Quadro 10
Fonte: Tesouro Nacional. Reprodução.
28
O fundamento mencionado pelo Tesouro Nacio-
nal nas tabelas acima, que divulgam os nomes dos
dealers para cada período de seis meses, se resume à
indicação de Decisão Conjunta e Atos Normativos
Conjuntos, que não se encontram disponíveis para
consulta pública. O aprofundamento dessa questão é
necessário e exigiria diligências junto ao Tesouro Na-
cional para a verificação das normas que fundamen-
tam esse privilégio concedido a determinadas insti-
tuições do setor financeiro nacional e internacional.
Adicionalmente, outras instituições não dealers passaram a participar dos leilões, sem qualquer
transparência em relação aos critérios que possibi-
litam tal acesso.
Assim, é importante destacar a presença prepon-
derante do mercado financeiro em todas as fases:
• Membros do Copom (egressos do mercado
financeiro)
• Participantes de reuniões do Banco Central
com analistas independentes
• Dealers e não dealers
É fundamental que seja garantida a transparência
acerca do processo de aquisição dos títulos da dívida
pública brasileira, exigindo a apresentação de tabela
completa, com todas as operações realizadas (venda,
troca etc.), indicando a motivação e justificação para
a emissão dos títulos, os respectivos montantes, con-
dições financeiras e, especialmente, os adquirentes
dos referidos títulos, de forma clara e legível, a fim de
permitir a devida transparência que deve reger todo
ato público, especialmente aqueles atos onerosos que
obrigam a sociedade a tantos sacrifícios.
Uma justificativa oficial para as altas taxas de ju-
ros e o corte de gastos sociais é que eles seriam neces-
sários para desaquecer a economia para combater a
inflação, sendo que o governo tem afirmado que foi
essa política de ajuste (teto de gastos sociais, reforma
da Previdência, política monetária do Banco Central)
que gerou a queda da inflação recente. Porém, veri-
ficamos no gráfico abaixo que os itens que mais con-
tribuíram para a alta da inflação em 2015 (e para a
queda em 2017) foram as tarifas públicas e os preços
de alimentos, que não guardam relação com a taxa
de juros, mas com decisões políticas sobre preços de
serviços públicos (como energia elétrica, por exem-
plo) e fatores climáticos.
Fonte: IPCA/IBGE. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida.
Gráfico 9: Componentes da inflação
29
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
c.2 Outros fatores de crescimento da dívida pública
Além da altíssima taxa de juros, a compra de
reservas internacionais para o Banco Central pro-
vocou crescimento acelerado da dívida interna,
fato abafado principalmente pelo discurso de que o
Brasil estava muito bem, acumulando reservas, sem
contudo revelar o seu custo de cerca de R$ 1 Tri-
lhão, além dos juros sobre juros incidentes sobre os
títulos emitidos.
Também influenciou o crescimento da dívida in-
terna o repasse de centenas de bilhões de reais ao
BNDES, devido ao diferencial de taxa de juros. Não
que o BNDES não deva emprestar recursos ao setor
produtivo, mas o que ocorreu nesse caso é que o
governo federal se endividou junto aos bancos pri-
vados – pagando juros altíssimos – para obter re-
cursos a serem emprestados pelo BNDES a juros
baixos, arcando com elevadíssimo custo. Na reali-
dade, um sistema financeiro a serviço da sociedade
deveria viabilizar a destinação direta dos recursos
dos bancos para pessoas e empresas a juros baixos e
prazos longos, sem que o Estado tenha de remune-
rar os bancos com juros estratosféricos.
c.3 Falta de transparência
Não há a devida transparência em relação aos
detentores da dívida interna brasileira. Essa infor-
mação é considerada sigilosa no Brasil. O Tesouro
Nacional informa somente os grupos econômicos
que detêm os títulos, conforme gráfico a seguir.
Fonte: Tesouro Nacional (www.stn.fazenda.gov.br/documents/10180/590564/Anexo_RMD_Abr_2017.zip/4bbfca5a-9de1-4147-a874-e75602078c0d). Tabelas 2.7 e 5.4. Inclui as Operações de mercado aberto, que representam dívida interna do Banco Central junto aos bancos, que também pagam juros altíssimos. O Tesouro Nacional não considera esse item da dívida interna, no valor de mais de R$ 1 trilhão. Dado de abril/2017.
Gráfico 10: Beneficiários da dívida interna
O gráfico mostra que o grupo dos bancos, segura-
doras (que pertencem em grande parte aos próprios
bancos) e estrangeiros detém a maior parte da dívida.
O segmento dos Fundos de Investimento é formado
principalmente por grandes investidores, no entanto o
governo se nega a divulgar o perfil desses investidores.
Ademais, não somente os detentores dos títulos,
mas também todas as operações relacionadas à dívi-
da pública são consideradas sigilosas. Recentemen-
te, em resposta a pedido de informações formulado
pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara
dos Deputados, o Banco Central respondeu que os
30
beneficiários das Operações Compromissadas e dos
contratos de swap são sigilosos! Essa opacidade em
relação aos detentores dos títulos da dívida pública
brasileira, beneficiários dos elevados juros praticados
no Brasil, fere o princípio da transparência que deve
reger todas as operações públicas.
5. Equador: caso concreto de aumento de recursos para a
saúde pública após a realização da auditoria da dívida
Em 2007, o governo do Equador criou, por de-
creto, a Comissão de Auditoria Oficial, que contou
com a participação de entidades da sociedade civil
nacional e internacional. Isso permitiu a identifica-
ção de diversas ilegalidades, e, em 2009, o governo
fez uma Proposta Soberana de reconhecimento de no
máximo 30% da dívida externa representada pelos
Bônus 2012 e 2030, sendo que 95 % dos detentores
aceitaram a proposta equatoriana, o que significou
anulação de 70% dessa dívida com os bancos priva-
dos internacionais. Tal decisão gerou economia de
US$ 7,7 bilhões para os 20 anos seguintes, valor este
que parece pequeno para um país como o Brasil, mas
que para o Equador significou muito.
O aumento de gastos sociais no Equador, a partir
da auditoria, pode ser verificado a partir do gráfico
reproduzido na figura abaixo.
6. Estimativa de montantes de recursos liberados a
partir da realização de uma auditoria da dívida pública
O gasto com juros e amortizações do endivida-
mento público tem sido o maior entre todos os gastos
orçamentários, provocando uma restrição a todos os
demais investimentos sociais e gastos com a manu-
tenção do Estado.
A recente Emenda Constitucional 95 (decorrente
da aprovação da PEC 55 ou 241) não deixa dúvida
de que todos os gastos com a manutenção do Estado
e investimentos sociais (despesas primárias) ficarão
restritos durante 20 anos, para que toda a sobra de
recursos se destine ao pagamento dos gastos com a
dívida pública.
Diante disso, uma eventual anulação de parce-
las importantes da dívida pública – que se mostrem
Fonte: Ministério de Relações Exteriores do Equador – Elaboração: Prof. Dr. Hugo Arias Palacios. Reprodução.
Gráfico 11: Equador – resultado da auditoria
31
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
como ilegais ou ilegítimas, comprovadas por uma
auditoria, como se deu no Equador – aliviaria gran-
de parcela de recursos e possibilitaria um importante
aumento em gastos sociais como a saúde.
Por um lado, é evidente que somente poderíamos
saber exatamente qual seria o montante de dívida ile-
gal ou ilegítima após a realização da auditoria. Até
porque há uma pequena (porém não desprezível) par-
cela da dívida detida por pequenos investidores que
deve ser identificada por meio de auditoria, já que o
governo não divulga para quem está pagando a dívida.
Por outro lado, várias ilegalidades do endivida-
mento – tanto externo como interno – já foram docu-
mentadas por Comissões de investigação no Congres-
so Nacional (especialmente a CPI da Dívida Pública
concluída em 2010, como antes mencionado).
Assim, diversas ações poderiam ser tomadas para
enfrentar o histórico endividamento ilegal e ilegíti-
mo, tanto interno quanto externo, o que daria mar-
gem a diversos requerimentos de reparações de danos
financeiros, patrimoniais, econômicos e morais cau-
sados ao país e à sociedade brasileira.
A título exemplificativo, podemos estimar os mon-
tantes de recursos liberados a partir da realização de
uma auditoria da dívida pública sobre determinadas
operações atuais, que já se mostram claramente ile-
gítimas, por representarem um benefício flagrante a
grandes bancos, ao mesmo tempo em que provocam
danos à economia do país e geram dívida pública.
a. Juros pagos aos bancos nas questionáveis ‘Operações
Compromissadas’: R$ 115 bilhões em 2015 e R$ 142 bilhões em 2016
O volume de recursos consumidos pelos juros pa-
gos sobre as questionáveis Operações Compromis-
sadas realizadas pelo Banco Central (já abordadas
no item c.3 e que atingem cerca R$ 1,1 trilhão e sem
transparência alguma), pode ser estimado a partir de
dados oficiais.
O balanço do Banco Central divulgado em
201627apontou o pagamento de juros aos bancos pri-
vados, referente às tais Operações Compromissadas,
nos montantes de R$ 115 bilhões em 2015 e R$ 142
bilhões em 2016, valores que teriam sido suficientes
para mais que dobrar o orçamento federal da saúde
naqueles anos.
Cabe lembrar que, na prática, essas Operações
Compromissadas correspondem à remuneração da
sobra de caixa dos bancos e são, também, responsá-
veis pela altíssima taxa de juros de mercado, pois ins-
tituem cenário de escassez de moeda na economia.
Considerando que tais operações continuam ocorren-
do, essa exorbitante despesa com juros permanecerá
ao longo dos próximos anos. Para eliminar tais ope-
rações, bastaria regulamentar a aplicação do Decreto
3.088, de 21/6/1999, ou seja, sequer necessitaríamos
de aprovação do Legislativo. O referido decreto es-
tabelece o chamado Regime de Metas de Inflação e
obriga o Banco Central a utilizar a política monetária
como instrumento para controlar a inflação. Por sua
vez, internamente o Banco Central elege os instru-
mentos – juros altos e restrição da base monetária –
que têm se mostrado um completo fracasso para con-
trolar a inflação no Brasil, como já demonstrado no
item c.1, servindo para privilegiar o setor financeiro e
aprofundar a recessão da nossa economia.
Diversos países controlam o eventual excesso
de moeda em circulação com uma série específi-
ca de títulos sem remuneração alguma. No Bra-
sil, não há excesso de moeda em circulação e o
instrumento utilizado paga as taxas de juros mais
elevadas do planeta.
b. Disponibilidade de Recursos esterilizados pelas questionáveis "Operações Compromissadas":
R$ 1,145 Trilhão
27 www.bcb.gov.br/htms/inffina/be201612/Demonstra%E7%F5es_dez2016.pdf, fl. 39, item referente ao Compromisso de recompra em moeda local.
32
O grande volume de recursos - R$ 1,145 Trilhão
atualmente, correspondente a 18% do PIB de 2016 –
que têm sido esterilizados pelas questionáveis "Ope-
rações Compromissadas" podem ser devolvidos aos
bancos, juntamente com determinação legal para que
estes recursos devam ser destinados para investimen-
tos públicos de interesse social – saúde, educação,
energia, infraestrutura em geral, entre outros – a bai-
xas taxas de juros e longos prazos de pagamento.
Apesar do discurso oficial de que isso geraria in-
flação (pois aumentaria a quantidade de dinheiro em
circulação), tais investimentos é que poderiam forta-
lecer a oferta de produtos e serviços que atualmente
são os principais causadores da inflação, tais como
alimentos, energia elétrica, educação, saúde, trans-
porte, dentre outros28.
Investimentos efetivos e abundantes para garantir
o cumprimento da universalidade dos direitos fun-
damentais de saúde e educação; a ampliação das
universidades públicas (com a consequente forma-
ção de mais profissionais de saúde); o avanço das
pesquisas de ciência e tecnologia de todas as áreas,
especialmente na área da saúde; o reaparelhamen-
to da saúde (dos hospitais, laboratórios e fábricas
de medicamentos gratuitos), assim como os inves-
timentos em indústrias de base (fabricantes de insu-
mos para toda a economia, como cimento, aço, etc.);
na agricultura familiar (com reforma agrária, e siste-
mas de transporte dos alimentos para venda direta
à população das cidades), em fontes alternativas de
energia (eólica, solar etc.), garantiriam a reativação
da economia, a geração de empregos e a ampliação
dos serviços públicos para toda a população – e não
provocariam inflação.
Os investimentos possibilitados pela liberação
desse expressivo volume de recursos que atualmente
está esterilizado no Banco Central, gerando elevadas
despesas com os juros pagos aos bancos, possibilita-
ria uma modificação radical da economia do país:
• Reativação de toda a economia, com geração
de emprego, renda e ampliação dos serviços
públicos prestados à população;
• Fim das atuais pressões inflacionárias, evi-
tando-se os recentes e absurdos aumentos nos
preços de alimentos, energia elétrica, transpor-
te público, Planos de Saúde, medicamentos e
educação privada, dado que a população já te-
ria à disposição serviços públicos de qualidade;
• Aumento da arrecadação tributária;
• Redução da taxa de juros de mercado, bene-
ficiando todo o setor produtivo – indústria,
comércio e serviços – do país.
Não se trata de nada utópico. Esse funcionamento
virtuoso da economia é o que tem sido praticado his-
toricamente como estratégia de desenvolvimento em
países do Norte, que sempre apresentaram elevados
déficits primários, pois emitem moeda, investem na
economia e praticam juros baixos ou até negativos.
c. Anulação de parcela inconstitucional da dívida interna
Grande parcela da dívida interna federal decorre
da contabilização de juros como se fosse amortiza-
ção, como antes mencionado no item 1.b.1 do pre-
sente texto, em flagrante desobediência ao disposto
no art. 167, III, da Constituição Federal.
Toda dívida gerada dessa forma é inconstitucio-
nal e deve ser anulada e, consequentemente, toda a
despesa com os juros dessa dívida cessará, liberando
centenas de bilhões de reais anualmente, que pode-
rão ser revertidos para investimentos de interesse pú-
blico, como mencionado no item anterior.
A auditoria poderá segregar essa parcela inconsti-
tucional da dívida, desde o início dessa prática ilegal,
segregando também os seus efeitos cumulativos.
28 De acordo com a teoria utilizada pelos próprios neoliberais, quando se amplia a quantidade de produtos e serviços de um país (ou seja, o Produto Interno Bruto), a quantidade de moeda também pode (e até deve) aumentar, sem que isso gere inflação.
33
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
O setor financeiro é o maior detentor da dívida
interna: além dos R$ 1,145 trilhão de títulos da dí-
vida detidos pelos bancos por meio das Operações
Compromissadas, eles detêm mais R$ 693 bilhões em
títulos dessa dívida; outros R$ 725 bilhões são perten-
centes a fundos de investimentos (dos quais boa parte
também tem como beneficiários os grandes investi-
dores29) e R$ 420 bilhões são de estrangeiros.30
Além do elevado custo dessa dívida gerada de
forma inconstitucional, ela tem submetido o país à
chantagem dos grandes bancos, que exigem a conti-
nuidade da política monetária suicida do Banco Cen-
tral, com altíssimas taxas de juros e remuneração de
sua sobra de caixa, caso contrário, não participam de
leilões de títulos oferecidos continuamente pelo Ban-
co Central, nos quais obtém recursos para pagar os
juros e amortizações dos títulos que estão vencendo.
A chantagem dos bancos vai além, e tem exigido o
próprio comando da política econômica do país, como
historicamente assistimos a banqueiros comandando
o Banco Central e agora até o Ministério da Fazenda.
Essa chantagem tem impedido a adoção de medi-
das econômicas necessárias à correção dos rumos de
nossa economia, tais como o controle sobre o fluxo
de capitais, a tributação dos rentistas, a alteração da
política de controle da inflação, a queda dos juros, etc.
Por esta razão, a auditoria da dívida é ferramen-
ta fundamental como ponto de partida, para que as
medidas econômicas urgentes possam ser soberana-
mente adotadas.
d. Redução das Taxas de Juros da Dívida que consumiram no
mínimo R$ 512 bilhões em 2016
A estimativa mais conservadora aponta que os ju-
ros da dívida pública consumiram, no mínimo, R$
512 bilhões em 2016, como já mencionado no item
1.b.1. Não há justificativa técnica, política, econômi-
ca nem jurídica para as elevadíssimas taxas de juros
praticadas no Brasil. A política de juros praticada no
Brasil é completamente viciada, resultante de influ-
ência direta de bancos e fundos de investimento na
definição das taxas de juros – ver item 4.c.1).
Somente os juros incidentes sobre a parcela da dí-
vida detida pelo setor financeiro – bancos (incluindo-
-se as Operações Compromissadas), Fundos de Inves-
timento e rentistas estrangeiros – significaria uma
redução do pagamento de juros em cerca de R$ 388
bilhões31, valor que poderia mais que quadruplicar os
gastos com saúde a cada ano.
e. Anulação de parcela da dívida interna gerada pelo
mecanismo do Swap Cambial praticado pelo Banco Central
As operações de swap cambial têm gerado
prejuízos desde a década passada32, tendo atingido
mais de uma dezena de bilhões em 2005, em 2006, e
R$47,5 bilhões em 200733. Mais recentemente, a par-
tir de 2014, os prejuízos com as operações de swap
cambial disparam novamente: a soma dos resultados
negativos supera R$ 200 bilhões em 2014 e 2015.
29 O governo alega sigilo bancário para não informar os beneficiários dos fundos de investimento, e os respectivos valores detidos por cada um. Portanto, não é possível saber qual o perfil destes Fundos. Enquanto o governo não divulga tal perfil, vamos considerar o montante total de tais fundos. Porém, obviamente, uma das principais funções de uma auditoria é exata-mente identificar o perfil dos detentores de títulos, de modo a separar os pequenos aplicadores dos grandes investidores, que possuem influência na definição das taxas de juros e na política de endividamento.30 Conforme planilha do Tesouro Nacional, disponível na página www.stn.fazenda.gov.br/documents/10180/594725/Anexo_RMD_31 Considerando que o custo médio da dívida interna federal em 2016 foi de 13%, conforme dado do Tesouro Nacional.Mai_2017.zip/847986f9-8e4f-4355-97f0-339859c9eb99, planilha 2.732 Artigo Prejuízos do BC em favor de especuladores clamam por CPI da dívida pública, de Paulo Passarinho, disponível em https://goo.gl/K0z30S33 http://blogdojovemempresario.blogspot.com.br/2010/07/contratos-swap-e-falcatrua-do-banco.html
34
Esses prejuízos são pagos pelo Banco Central e
acabam onerando o orçamento federal ou gerando
dívida pública, pois são transferidos para o Tesouro
Nacional, de acordo com a "Lei de Responsabilidade
Fiscal", a qual não estabelece limite algum para os
danos decorrentes da política monetária.
O Banco Central não apresenta sistema eletrônico
de dados desse tipo de operação, indicando apenas
em planilha excell resultados positivos e negativos
para os diversos períodos, o que deveria alvo de uma
completa auditoria. Cabe ressaltar que a importante
representação objeto do TC-012.015/2003-0 esclare-
ceu que o tipo de operação de swap cambial realizada
pelo Banco Central não constitui operação cambial,
mas meramente de seguro (hedge):
Função estranha às atividades do Banco Central,
que acaba atuando como comprador de risco do
mercado, atividade tecnicamente especulativa. (...)
na descrição do swap que vem sendo realizado pelo
Bacen, não existe operação cambial, pois não há pa-
gamento em moeda estrangeira, depositada no ex-
terior, e recebimento em nacional, ou vice-versa. A
operação é executada somente em moeda nacional,
utilizando-se da moeda estrangeira apenas como re-
ferencial para o cálculo da variação cambial, não
sendo essa, de fato, transacionada (...)
O próprio presidente do Banco Central quando
esteve na Comissão de Assuntos Econômicos do Se-
nado Federal, em 23/03/2016, chegou a afirmar que
o mercado alegava não precisar de toda essa prote-
ção! Somente com as operações de swap cambial, o
Banco Central registrou perdas de R$ 90 bilhões em
201534, impulsionando o déficit nominal e o aumento
da dívida pública, conforme trecho de notícia repro-
duzido na figura 1 abaixo, que vale a pena ser revi-
sitado, pois escancara a transferência dos prejuízos
com swap cambial para a conta dos juros da dívida.
34 http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/bc-tem-perda-de-quase-r-90-bilhoes-com-intervencoes-no-cambio-
-em-2015.html
Figura 1
Reprodução: O Globo.
35
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
A dívida pública gerada por tais prejuízos com
operações de swap cambial é completamente ilegal
e ilegítima, e tem provocado elevados custos conti-
nuamente, devido à exigência de juros sobre juros.
As perdas com swap cambial em 2015, declaradas em
R$ 90 bilhões, teriam sido suficientes para dobrar o
orçamento da saúde naquele ano.
f. Recursos advindos de uma reforma tributária justa
Para que se consiga realizar uma reforma tribu-
tária efetiva, que modifique a atual estrutura regres-
siva e torne o modelo tributário aplicado no Brasil
mais justo, é fundamental que o Estado recupere o
comando de sua política econômica, que se encontra
completamente voltada aos interesses do setor finan-
ceiro privado nacional e estrangeiro.
Esse privilégio se revela de diversas formas, espe-
cialmente: na isenção tributária sobre lucros distri-
buídos aos sócios e acionistas de bancos e grandes
empresas; isenção na remessa de lucros ao exterior,
isenção de tributação sobre lucros auferidos por es-
trangeiros que investem em títulos da dívida públi-
ca interna brasileira; dedução de juros sobre capital
próprio35; isenção indiscriminada sobre exportações;
ausência de cobrança do Imposto sobre Grandes
Fortunas; desrespeito ao princípio constitucional
da capacidade contributiva e da progressividade em
Reprodução: Banco Central.
Figura 2
35 Tal instrumento permite que as empresas descontem da sua base de cálculo do Imposto de Renda – Pessoa Jurídica e da CSLL o que teriam gasto com juros caso tivessem tomado seu capital emprestado, o que representa, portanto, despesa fictícia.
36
diversos tributos, especialmente Imposto de Ren-
da, IPTU, ITR, IPVA; falta de atualização da ta-
bela do Imposto de Renda – Pessoa Física; baixa
tributação sobre lucros exorbitantes de bancos,
entre várias outras distorções e aberrações que
englobam anistias (Refis), impunidade e desone-
rações que tornam o modelo tributário brasileiro
um dos mais injustos do mundo.
Grandes somas de recursos poderiam ser le-
vantadas por meio de uma tributação justa e pro-
gressiva, revendo cada um desses privilégios. O
modelo tributário injusto e regressivo juntamente
com a política monetária suicida praticada pelo
Banco Central e o sistema da dívida constituem
os principais pilares do modelo econômico con-
centrador de renda e riqueza aplicado no Brasil.
Esse modelo impossibilita o desenvolvimento so-
cioeconômico do país, na medida em que impede
o funcionamento do setor produtivo, a geração de
emprego e renda, além de sugar grandes volumes
de recursos que se destinam ao sistema da dívida,
principalmente por meio da atuação dos mecanis-
mos de política monetária do Banco Central.
Diante de qualquer iniciativa no sentido de
equilibrar a tributação do andar de cima, surge
a falácia de que os investidores fugirão do país.
Isso ocorre porque outro defeito grave da políti-
ca econômica brasileira (com reflexo nas ilegais
operações de swap cambial) é a falta de controle
sobre a movimentação de capitais.
Enquanto não retomarmos o comando des-
ses pilares que sustentam o distorcido modelo
econômico brasileiro, não obteremos resultados
efetivos, pois todos estão interligados entre si, e
o funcionamento de um reflete no outro.
A auditoria da dívida é importante para que
os recursos obtidos com uma Reforma Tribu-
tária justa sejam destinados efetivamente para
as áreas sociais. Do contrário, tais recursos se-
riam automaticamente destinados ao chamado
superávit primário, para se pagar apenas uma
pequena parcela dos juros da chamada dívida
pública, que não teve contrapartida em termos
de desenvolvimento nacional.
Um primeiro ponto de uma reforma tributária
justa deveria ser o fim de desonerações injustifica-
das (renúncias tributárias) realizadas nos últimos
anos, as quais prejudicam as receitas da Segurida-
de Social (onde se inclui a área da saúde), sob a
justificativa de combater a crise e o desemprego, o
que se mostrou ineficaz, dada a atual conjuntura
de brutal recessão.
A Associação Nacional dos Auditores-fiscais
da Receita Federal do Brasil (Anfip) elaborou qua-
dro reproduzido abaixo (quadro 12), que mostra
como tais renúncias aumentaram exponencial-
mente a partir de 2008, e chegaram a R$ 88 bilhões
em 2015.
7. Conclusão – Necessidade de mobilização social e formação
de Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida na Fiocruz
37
A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde
Como vimos, recurso é algo que não falta no Bra-
sil. Nosso problema é a distribuição da riqueza e da
renda, tendo em vista que o Sistema da Dívida ab-
sorve, anualmente, quase a metade dos recursos do
orçamento federal, afetando também os orçamentos
estaduais e municipais.
A dívida pública brasileira nunca foi auditada,
como determina a Constituição Federal, e, como vi-
mos, é repleta de indícios de ilegalidade, ilegitimida-
de e até fraudes, sendo resultante, principalmente, de
mecanismos financeiros que geram dívida sem con-
trapartida alguma ao país ou à sociedade, acrescidas
de juros extorsivos.
O enfrentamento do Sistema da Dívida exi-
ge grande mobilização social consciente e, para
isso, é necessário popularizar esse conhecimento
e expandi-lo.
Fonte: Anfip (obtido em www.anfip.org.br/doc/publicacoes/20161013104353_Analise-da-Seguridade-Social-2015_13-10-2016_Anlise-Seguridade-2015.pdf. pág 50). Reprodução.
Quadro 12: Arrecadação, receitas de parcelamentos, juros, multas, dívida ativa e renúncias das contribuições sociais confins, PIS, CSLL; 2005, 2008, 2010 e 2012 a 2015
Nesse sentido, a formação de um Núcleo da Audi-
toria Cidadã da Dívida na Fiocruz, que possa agregar
a participação de servidores de todas as áreas, com
o apoio da Asfoc – Sindicato dos Trabalhadores da
Fiocruz e demais entidades, terá imensa importân-
cia para o aprofundamento dos estudos e pesquisas
que comprovam o funcionamento do endividamento
público às avessas, e que tem prejudicado de forma
cruel a área da saúde pública.
A auditoria é a ferramenta que permite, a partir
da análise dos documentos e dados oficiais, compro-
var o que efetivamente está ocorrendo com as contas
públicas. E o ideal é que ela seja realizada com a
participação efetiva da sociedade civil, como ocor-
reu no Equador.
O resultado da auditoria poderá apontar grandes
somas de recursos, que atualmente têm sido desviadas
38
para os extorsivos pagamentos de juros sobre dívidas
ilegais e ilegítimas, para as áreas da saúde, educação
etc. Por isso é tão importante enfrentar o Sistema da
Dívida e realizar a auditoria dessas dívidas.
Agradecemos o convite do Centro de Estudos Es-
tratégicos da Fiocruz para a realização do presente
estudo e esperamos que os temas aqui abordados se-
jam úteis para os propósitos do debate que essa im-
portante instituição tem propiciado.
Ficamos à disposição para maiores esclarecimen-
tos e para formalizarmos a formação do Núcleo da
Auditoria Cidadã da Dívida na Fiocruz.
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A auditoria da dívida e o necessário aumento dos gastos com a saúde