(Artigo)Fundamentos Filosóficos Da Pedagogia de Paulo Freire - José André de Azevedo

download (Artigo)Fundamentos Filosóficos Da Pedagogia de Paulo Freire - José André de Azevedo

of 12

Transcript of (Artigo)Fundamentos Filosóficos Da Pedagogia de Paulo Freire - José André de Azevedo

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    1/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 2010 37

    FUNDAMENTOS FILOSFICOS DA PEDAGOGIA DE PAULOFREIRE

    PHILOSOPHICAL FOUNDATIONS OF PAULO FREIRES PEDAGOGY

    Jos Andr de Azevedo1

    Recebido em dezembro/2009Aceito em fevereiro/2010

    1 Mestrando em Filosoa Moderna e Con-tempornea da Universidade Estadual doOeste do Paran UNIOESTE. Professor

    da Faculdade Global de Umuarama FGU.E-mail: [email protected]

    AZEVEDO, J. A.Fundamentos loscos da pedagogia de Pau-lo Freire. Akrpolis Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar.2010.

    RESUMO:Paulo Freire, educador mundialmente conhecido, obteve naencarnao histrica a sua maneira de educar: educar para a liberta-o. O processo educativo nasce, necessariamente, das concepesloscas, antropolgicas e cosmolgicas do educador. Compreendera pedagogia de Paulo Freire a partir de seus fundamentos loscos defrontar-se com a arch de sua forma de conceber o mundo eagir no mesmo. Uma educao como prtica da liberdade, almejandoser conscientizadora e propondo a relao dialgica como instrumen-tal para a libertao somente pode ser compreendida a partir de seusfundamentos, ou seja, das concepes loscas daquele que propeum mtodo educativo, ou melhor, um caminho pedaggico.PALAVRAS-CHAVE:Paulo Freire; Filosoa; Fundamentos.

    ABSTRACT: Paulo Freire, an educator known worldwide, obtained withinan historical incarnation his way of educating: education for liberation.The educational process arises necessarily from the educators phi-losophical, anthropological and cosmological conceptions. Understan-ding the Paulo Freires pedagogy from its philosophical foundations is

    to face the arch of his way of conceiving and acting over the world.Education as a practice of freedom, aiming to be awareness and pro-posing a dialogical relationship as a tool for liberation can only be un-derstood from its foundations, namely the philosophical ideas from thatwho proposes an educational method, or rather a pedagogic path .KEYWORDS: Paulo Freire; Philosophy; Fundaments.

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    2/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 201038

    AZEVEDO, J. A.

    INTRODUO

    Este artigo objetiva apresentar quais soas bases loscas da pedagogia freireana edemonstrar a urgncia e a necessidade de pen-sarmos o processo educativo a partir de seussubstratos antropolgicos e cosmolgicos e, nocaso da pedagogia de Paulo Freire, a partir dassituaes de conscientizao, dilogo e liberta-o.

    Compreendendo a educao como agrande possibilidade de se construir uma identi-dade slida e rme, baseada na liberdade, dilo-go e conscientizao, Paulo Freire, partindo deum simples mtodo de alfabetizao de adultos,apresenta um ideal losco a ser seguido, re-etido, questionado e buscado: o dilogo ca-

    paz de criar vnculos de libertao e possibilitaro acesso a uma conscincia clara e objetiva notocante realidade.

    Nesse sentido, e com esse esprito, estu-dar-se- e reetir-se- sobre os conceitos funda-mentais de Freire a partir da bibliograa bsicado autor, que se encontra no nal do trabalho. Oque se procurar demonstrar, a partir disso, emsntese, a sua gnese ideolgica que se apoiaem fortes argumentos loscos.

    Sero apresentados, ento, os concei-

    tos fundamentais de sua prtica educativa e ossubstratos antropolgicos da mesma da seguin-te maneira:

    A educao como uma prtica de liber-dade, na qual, o ser humano deixa seu estadode coisicao e passa a ser objeto de sua pr-pria histria e destino.

    A teoria do conhecimento freireana, umateoria que nasce das relaes dialticas consci-ncia-mundo.

    O dilogo como condio de gnese do

    processo educativo, ou seja, atravs de umarelao dialgica, o ser humano se descobre etoma conscincia de sua objetividade diante davida.

    A gnese ideolgica de Paulo Freire,isto , a percepo das fontes loscas queo grande educador brasileiro bebeu, como, porexemplo: Tristo de Atayde, Jacques Maritaine o neotomismo, o personalismo de Mounier,o existencialismo de Kierkegaard, a existnciaconcreta de Marcel, a incompletude do ser hu-mano de Heidegger, a relao dialgica de KarlJaspers, o neomarxismo de Eric Fromm e a edu-cao como poltica de Gramsci.

    Assim sendo, apresentar as bases lo-scas de Freire e seu substrato antropolgicoe cosmolgico , de certa maneira, o teroda compreenso de educao e alfabetizaocomo transformadoras da prpria realidade e fa-cilitadoras de uma leitura da realidade.

    Dado o seu carter de relevante impor-tncia no momento atual, este trabalho revelara necessidade de uma retomada dos conceitosfreireanos e a busca de uma educao que vise construo do conhecimento a partir da liber-dade e da prpria pessoa.

    1. O CONCEITO DE EDUCAO COMO PR-TICA DA LIBERDADE

    Paulo Freire, por se tratar, acima de tudo,

    de um educador, tem uma concepo toda ori-ginal de educao, vista como instrumento delibertao, como processo dialtico de conscien-tizao. As caractersticas do termo educaoesto profundamente ligadas sua pessoa, poisele um homem que no somente se preocupacom a educao, mas faz dela o ideal e a metade sua vida e de suas atividades.

    A vocao para o educar de Paulo Freirenasceu, cresceu e se desenvolveu nas suas di-versas experincias no Nordeste do Brasil, onde

    grande parte da populao vivia em situao deanalfabetismo e em extrema situao de pobre-za. Essa realidade de analfabetismo e pobrezacolocava o homem numa condio de objeto, decoisa, de ser menos. Dentro desta realidade, eleperdia sua conscincia, vivia no anonimato damassicao e da alienao.

    Tornando-se coisa, transformando-se emhomem objeto, o ser humano anula em si o sen-tido de sua vocao ontolgica, ou seja, de sersujeito de seu agir e da prpria histria.

    Libertar, pois, o homem oprimido desta rea-lidade desumanizante, desta coisicao,desta situao de objetos, de ser menos,para ser mais, isto , adquirir a prpria dig-nidade humana perdida, realizar a sua voca-o histrica, tornou-se o objetivo principalde Paulo Freire e o ideal de sua luta. (JOR-GE, 1979, p. 24)

    Entretanto, o que era necessrio fazerpara realizar esse objetivo de tornar o homem

    sujeito de seu agir e de sua histria, deixando deser objeto e coisa? Para concretizar esse obje-tivo, Paulo Freire intuiu que era necessrio criar

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    3/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 2010 39

    Fundamentos loscos da pedagogia...

    um mtodo pedaggico que arrancasse aqueleshomens da manipulao e restitusse-lhes a suavocao humana, isto , a pedagogia seria o ca-minho que possibilitaria a prtica da liberdade.

    E aqui est a grande intuio de Paulo Freire

    e, tambm, a sua grande descoberta no cam-po da libertao e sua originalidade: paraque o homem oprimido pudesse se libertare no continuar vivendo sob a opresso decomandos estranhos a ele, deveria ser o su-jeito de seu agir e de sua histria. Naquelascondies, como em todas as outras, esteseria o nico mtodo capaz de libertar todaaquela massa das formas opressivas de queeram vtimas. Paulo Freire apresentou, en-to, quela regio onde trabalhava, como,posteriormente, a todo o mundo, a sua loso-

    a para libertao: a Educao como prticada liberdade, educao esta que, incidindo,diretamente, sobre a realidade daqueles ho-mens oprimidos, atravs de um mtodo es-pecco, libertaria todos aqueles indivduosda manipulao e os faria sujeito de seu pr-prio processo de libertao pelo conhecimen-to crtico da realidade onde viviam. (JORGE,1979, p. 24)

    Pode-se, apenas com as ideias expostasacima, antever os fundamentos da educao li-

    bertadora proposta por Paulo Freire: um conhe-cimento processado por meio das relaes dia-lticas educando-realidade.

    De fato, somente quando o homem oprimidodescobrir e conhecer o mundo da opresso,nas suas causas e conseqncias, quandoobjetivar a realidade escravizadora na qualvive, tendo uma conscincia crtica de am-bas, somente assim ele poder tomar umaatitude, tambm crtica, que o leve a realizara misso que lhe compete: transformao

    e humanizao das realidades opressoras.Ento, o homem oprimido no ser mais de-positrio de injunes de educadores opres-sores, mas ser capaz de tomar atitudes ver-dadeiramente humanas para a superao dacontradio existente entre ele e o educador.(JORGE, 1979, p. 25)

    E essa a educao que Paulo Freireprope: uma prtica de libertao, uma pedago-gia dos homens que esto em processo perma-nente de libertao. (FREIRE, 1975, p. 61)

    Todavia, fazem-se necessrias algumasponderaes mais consistentes sobre alguns

    aspectos da pedagogia freireana. Apenas umconhecimento supercial de Paulo Freire leva-nos a ver que o seu mtodo de alfabetizao,que sua prtica pedaggica, muito mais queuma tcnica para ensinar a ler; trata-se da trans-misso de uma losoa de vida, um ler a reali-dade de opresso com olhos crticos, aprendera ler a gramtica das relaes sociais.

    Partindo da concepo de que a socieda-de contempornea se apresenta em permanenteconito de foras contrrias, e essas foras sodesignadas como opressorese oprimidos, ondeos primeiros so os causadores da desumani-zao e os oprimidos objetos dos opressores,Paulo Freire almeja a transformao radical dasociedade, a qual, segundo ele, exige um pro-cesso de educao das massas que as habilite

    a tomar conscincia da sua condio de oprimi-dos e as leve a empreender a sua libertao. Taleducao chama-se libertadora.

    A caracterstica principal da educaolibertadora encontra-se em sua essncia: pro-blematizadora, isto , no deve trazer certezasou verdades acabadas e muito menos suscitarsegurana, mas procurar levantar problemas eprovocar conitos transformadores.

    na base dessas premissas que PauloFreire apresenta a alfabetizao. Esta , como

    foi dito acima, mais do que um mtodo de apren-dizagem de leitura, visto que est inseparavel-mente associada ao intuito de fazer do alfabe-tizando um agente transformador da realidade,um agente revolucionrio e libertador.

    isto que leva a dizer que Paulo Freire notem apenas preocupaes pedaggicas, mas tambm movido por intenes polticas. Ali-s, um reprter do Jornal da Repblica deRecife, aos 31/08/79, interrogou Paulo Freire[...] a respeito de eventual liao a partido

    poltico; o que respondeu o mestre: Fao po-ltica atravs da pedagogia. (FREIRE, 1979,p. 109)

    O conceito de educao libertadora dePaulo Freire contradiz os conceitos de transmis-so de hbitos bons ou virtudes, pelas quais oser humano faz reto uso das suas faculdades,ordenadas segundo a razo, como defendiaAristteles e muito menos signica ensinar a ra-ciocinar e pensar, para que a criana, o adoles-

    cente e o adulto cresam em cincia e saber,como esquematizava a Paideia grega.Estas concepes, segundo Freire, cons-

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    4/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 201040

    AZEVEDO, J. A.

    tituem o que ele chama educao domestica-dora, bancria ou alienante, ou seja, supe ummestre que sabe tudo e um educando que aceitatudo e sabe pouco; para o educador pernambu-cano, tal educao fruto de uma estrutura so-cial dominante e opressora.

    Desse modo, Paulo Freire entende poreducao bancria, o tipo de educao que eleno aceita:

    Em lugar de comunicar-se, o educador fazcomunicados e depsitos que os educan-dos, meras incidncias, recebem pacien-temente, memorizam e repetem. Eis a aconcepo bancria da educao, em que anica margem de ao que se oferece aoseducandos a de receberem os depsitos,guard-los e arquiv-los. Margem para se-rem colecionadores ou chadores das coisasque arquivam. No fundo, porm, os grandesarquivados so os homens, nesta [...] equi-vocada concepo bancria da educao.Arquivados, porm, fora da busca, fora daprxis no podem ser. Na viso bancriada educao, o saber uma doao dosque se julgam sbios aos que julguem nadasaber. Doao que se funda numa das ma-nifestaes instrumentais da ideologia daopresso - a absolutizao da ignorncia,segundo a qual esta se encontra sempre no

    outro. (FREIRE, 1975, p.67)

    Segundo Paulo Freire, a educao banc-ria ou domesticadora no faz o homem ser mais,mas o desumaniza. Por outro lado, a educaolibertadora deve eliminar o muro de diviso e adiferena de classe entre educador e educando.Em vez de falar de educador do educando e deeducando do educador, usar-se-o os termoseducador-educando e educando-educador.

    O educador j no o que apenas educa,mas o que, enquanto educa, educado, emdilogo com o educando, que, ao ser educa-do, tambm educa. Ambos assim se tornamsujeitos do processo em que crescem juntose em que os argumentos da autoridade jno valem [...]. J agora ningum educa nin-gum, como tampouco ningum se educaa si mesmo; os homens se educam em co-munho, mediatizados pelo mundo. Media-tizados pelos objetos cognoscveis, que, naprtica bancria, so possudos pelo edu-cador, que os descreve ou os deposita nos

    educandos passivos. (FREIRE, 1975, p. 78)

    No lugar de transmitir certezas ou ver-dades seguras, a educao, como prtica daliberdade, levanta problemas e suscita atitudescrticas.

    A educao problematizadora [...] futurida-

    de revolucionria. Da que seja proftica e,como tal, esperanosa. Da que corresponda condio dos homens como serem hist-ricos e sua historicidade [...]. Da que seidentique com o movimento permanente emque se achem inscritos os homens, comoseres que se sabem inconclusos. (FREIRE,1975, p. 84)

    Para romper com o sistema vigente, Pau-lo Freire no se utiliza da palavra Escola, masprefere a expresso Crculo de Cultura.

    A viso da liberdade tem nesta pedagogiauma posio de relevo. a matriz que atribuisentido a uma prtica educativa que s podealcanar efetividade e eccia na medida daparticipao livre e crtica dos educandos. um dos princpios essenciais para a estrutu-rao do crculo de cultura, unidade de en-sino que substitui a escola, autoritria porestrutura e tradio. Busca-se no crculo decultura, pea fundamental no movimento deeducao popular, reunir um coordenador a

    algumas dezenas de homens do povo no tra-balho comum pela conquista da linguagem.O coordenador, quase sempre um jovem,sabe que no exerce as funes de profes-sor e que o dilogo condio essencial desua tarefa, a de coordenar, jamais inuir ouimpor. (FREIRE, 1979, p. 05)

    Portanto, percebe-se que o dilogo oinstrumento para se descobrir a educao pro-blematizadora e a tentativa de renovao dasociedade. O mesmo compe-se depalavra(en-

    tra aqui um conceito importantssimo da losoa/pedagogia freireana: para o educador pernam-bucano, na palavra h duas dimenses: ao ereexo, solidrias entre si; no h palavra ver-dadeira que no seja prxis, podendo-se, assim,armar que a funo da palavra verdadeira sejaa de transformar o mundo).

    por meio do dilogo, tambm, que seelabora o contedo da educao, pois este no trazido pronto, mas concebido e realizado nogrupo, nasce das situaes histricas dessa co-

    munidade educativa e educadora, simultanea-mente.

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    5/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 2010 41

    Fundamentos loscos da pedagogia...

    Para o educador-educando, dialgico, pro-blematizador, o contedo programtico daeducao no uma doao ou imposio- um conjunto de informes a ser depositadonos educandos, mas a devoluo organiza-da, sistematizada, e acrescentada ao povo,

    daqueles elementos que lhe entregou de for-ma inestruturada. (FREIRE, 1975, p. 98)

    O fruto bvio da educao para a liber-tao h de ser, segundo Freire, uma revoluocultural dos opressores.

    Analisando toda a sua concepo deeducao, verica-se que seu mtodo educacio-nal est vinculado a uma ideologia, a uma visolosca que tende a transformar a sociedade. o prprio Freire quem o arma numa entrevistapublicada na Revista Veja (20/06/79); o reprterlanou a hiptese de que a educao freireanafosse um mtodo assexuado, neutro, descom-prometido com qualquer ideologia. Freire res-pondeu:

    Quem disse isso, ou no entendeu nada ouest de m-f. Em meu mtodo, parte-se doconhecimento do meio em que se vai desen-volver a experincia da educao. Toma-seem considerao o universo vocabular dogrupo em questo, as palavras que so uti-lizadas todos os dias e que exprimem a vidacotidiana daquelas populaes. Desse uni-verso vocabular so escolhidas as palavrasgeradoras. Essas palavras encerram em sios temas da discusso que devero corres-ponder aos interesses dos alfabetizandos edevero constituir o primeiro passo, por meioda discusso em grupo, em direo a umatomada de conscincia individual e coletivados problemas discutidos. Este aspecto pu-ramente mecnico poder ser utilizado porqualquer pessoa: tirar uma palavra geradorade um universo vocabular tambm pode ser

    feito por algum que pretende misticar a re-alidade e a conscincia dessa realidade. Deminha parte, o conhecimento de uma realida-de que vai sendo construdo pouco a poucoa partir da experincia dos analfabetizandos,est intimamente ligado conscincia cres-cente da capacidade de mudar essa reali-dade. Conhecer para transformar, este oobjetivo. O que cou sendo conhecido comoMtodo de Alfabetizao Paulo Freire, no algo que se possa reduzir a um aprendizadomeramente lingstico. Trata-se de aprender

    a ler a realidade - conhec-la - para em se-guida poder reescrever esta realidade - trans-form-la. (BITTENCOURT, 1981, p. 70)

    2. CONSCIENTIZAO

    Ao procurar o sentido que o educadorpernambucano atribui conscincia, nota-seimediatamente que ele parte, como na teoriado conhecimento, das relaes dialticas cons-cincia-mundo. Observa-se: A conscincia e omundo se do simultaneamente; exterior por es-sncia conscincia, o mundo por essncia,relativo a ela. Nessas relaes que a consci-ncia e o mundo fazem a sua vericao simul-tnea. (JORGE, 1979, p. 38)

    Como pode-se notar, Paulo Freire acen-tua o aspecto fundamental da conscincia, ouseja, no existe primeiro uma conscincia e de-pois um mundo; ambos esto em interao: omundo relativo a ela e ela relativa ao mun-

    do. E justamente essa relao dialtica cons-cincia-mundo que implica os homens comoseres conscientes, isto , so conscincia de sie conscincia do mundo; o ser humano todoconscincia.

    Por conseguinte, Paulo Freire o pri-meiro a aplicar as palavras conscientizao econscientizarao setor da pedagogia; alguns ato credenciam como autor do vocbulo. Com seucontedo vernculo especco, as palavras aci-ma foram introduzidas no vocabulrio de idiomas

    como o francs e o alemo, tidos como infensos aceitao de neologismos.Atualmente, por todas as partes se fala

    em conscientizao. Isso tanto os que conhe-cem a doutrina freireana como os que a igno-ram; o vocbulo parece que adquiriu um cartermgico. Conscientizar! Precisamos estar cons-cientizados... so expresses que aparecemnas salas de aula, conferncias, livros, artigos,nibus, escolas, ensinamentos. Mas, anal, oque conscientizao a partir da perspectiva

    freireana?Segundo Paulo Freire, creditar que a au-toria do vocbulo conscientizao de sua pes-soa engano.

    Na Amrica Latina e nos Estados Unidos,acredita-se que fui eu quem batizou esta pa-lavra. Porm, a verdade outra. Ela nasceude uma srie de reexes que uma equipede professores desenvolveu no ISEB (Institu-to Superior de Estudos do Brasil). [...] A pala-vra foi criada por um dos professores daque-

    la poca, eu no saberia dizer qual; porm,o fato que nasceu de suas reexes emequipe [...]. Eu convivia com todos eles e foi

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    6/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 201042

    AZEVEDO, J. A.

    precisamente no ISEB que ouvi, pela primei-ra vez, a palavra conscientizao. Ao ouvi-la,percebi, imediatamente, a profundidade deseu signicado, pois estava absolutamenteconvencido de que a educao como prti-ca da liberdade um ato de conhecimento,

    uma aproximao crtica da realidade. Ne-cessariamente, ento, esta palavra comeoua participar do universo vocabular com queexpressei minhas posies pedaggicas e,facilmente, passou a ser considerada criaominha. (TORRES, 1979, pp. 93-94)

    Na obra Pedagogia do oprimido, encon-tra-se a seguinte denio de conscientizao: aconscientizao o aprofundamento da tomadade conscincia. Em que consiste este aprofun-damento?

    [...] este aprofundamento um ir alm dafase espontnea da apreenso da realidadea uma fase crtica [...] a explorao da rea-lidade nas suas estruturas [...] um compro-misso no tempo [...] um compromisso decarter histrico [...] uma insero de manei-ra crtica na histria. (JORGE, 1979, p. 54)

    Portanto, o aprofundamento da tomadade conscincia, ou melhor, a conscientizao,nada mais do que um conhecimento proble-

    matizador da realidade, conhecimento este quevai requerer do homem uma ao transformado-ra sobre o objeto cognoscvel e que, no caso, a realidade opressora.

    Sendo, pois, a conscientizao este aprofun-damento da tomada de conscincia no qualo homem conhece e implicando este umaatitude transformadora do homem, vemosque ela, a conscientizao, est compostade dois momentos fundamentais: conhecerpara transformar. Portanto, o homem estar

    a nvel de conscientizao somente quandogozar do conhecimento da realidade, naquiloque ela em si, e for capaz de tomar umaatitude transformadora, isto , humanizado-ra, por sobre a mesma realidade. (JORGE,1979, p. 54)

    O primeiro passo para a libertao, naconcepo freireana, descobrir-se oprimido, a descoberta da opresso, que inibe a vocaoontolgica do homem, a qual ser mais e, porconsequncia, ele passa a ser menos; porm,este primeiro passo s se torna um processode libertao quando a libertao se transforma

    num compromisso histrico que signica enga-jamento.

    A conscientizao implica, portanto, que, aoperceber-me oprimido, eu saiba que s me li-bertarei se transformar essa situao concre-

    ta em que me encontro oprimido, e que noposso transformar essa situao em minhacabea, porque isso seria idealismo no sen-tido losco da palavra, seria cair em umaforma de pensar losca na qual a consci-ncia cria realidade. Eu decretaria que mi-nha conscincia agora seria livre. Entretanto,as estruturas continuariam sendo as mesmase isto no realiza minha liberdade. Ento, aconscientizao implica esta insero crticano processo, implica o compromisso histricode transformao. (TORRES, 1979, p. 97)

    Para Paulo Freire, o processo de cons-cientizao, o como do ato de conscientizar-se,d-se pela educao, educao libertadora e in-serida na realidade, o que a torna oposta edu-cao bancria, incapaz de ser instrumento paraa liberdade.

    A educao conscientizadora, portanto, paraa libertao, em vez de ser esse ato de trans-ferncia de conhecimento, no qual certamen-te no h conhecimento, um ato de conhe-

    cer. Porque um ato de conhecer, implicaum processo em que educadores e educan-do assumem, simultaneamente, a posio desujeitos cognoscentes mediatizados pelo ob-jeto conhecido. Aqui no h uma pessoa quepensa que sabe diante de muitas que dizemque no sabem e que necessitam ser educa-dos, mas h indivduos curiosos que procu-ram conhecer. (TORRES, 1979, p. 100)

    3. DILOGO E LIBERTAO

    Ao longo da proposta dessa reexo,constatou-se que o dilogo o instrumento paraa libertao, o mtodo para a comunho me-diatizante da humanidade, o meio de os homensentrarem em comunho.

    Muita gente leva, certamente, um grandesusto ou tem talvez uma grande decepoquando, lendo os escritos de Paulo Frei-re e procurando neles o instrumento paraa libertao do mundo, encontra o dilogo.Por certo, como comenta Jesus Arroyo, tais

    pessoas teriam desejado, seguramente, quePaulo Freire apresentasse outros instrumen-

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    7/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 2010 43

    Fundamentos loscos da pedagogia...

    tos para a libertao, instrumentos violentoscomo guerras, sangue, no estilo de tantosoutros revolucionrios. No. Tais instrumen-tos no aparecem no pensamento de Freire.Para ele, o real instrumento da libertao odilogo. (JORGE, 1979, p. 33)

    Porm, qual a justicativa para a presen-a do dilogo no processo de libertao?

    Observando as entrelinhas do pensa-mento freireano, notar-se- que a libertao quese procura a libertao dos seres humanos eno das coisas e, portanto, o processo para seconsegui-la deve ser, antes de tudo, profunda-mente humano. E nada mais humano que o di-logo; justamente por isso, ele o instrumentopor excelncia da libertao, por ser ele o meio

    para humanizar o homem. O dilogo a con-dio fundamental para a verdadeira humaniza-o dos homens. (JORGE, 1975, p. 160)

    O dilogo contm em si aquilo que o ho-mem tem de mais seu: a palavra, e a mesmase existencializa no dilogo. Por isso, na visolibertadora freireana, sem a palavra do homemno pode haver libertao. Esta palavra torna-da dilogo existencial - comunicao e interco-municao, ao e interao, relao - implicaum compromisso: a humanizao do mundo detodos os homens. Da que, segundo Freire, oshomens no podem se humanizar seno huma-nizando o mundo. (JORGE, 1979, p. 34)

    No pensamento de Paulo Freire, eis, poiso que o instrumento da libertao: o dilogo,palavra dos homens entre si, uns com outros,dialogicamente. E neste dilogo, consciente eautntico, que o mundo ser libertado. Segue-se, no mbito do dilogo libertador, a sua natu-reza, seus componentes e a palavra transforma-dora e humanizadora.

    Fundamentalmente, o dilogo, para Frei-

    re, uma relao de comunho entre dois plos,um eu e um tu, ambos sujeitos e conhecedoresdo mesmo objeto que os imediatiza. O objetoque mediatiza os sujeitos dialogantes a liber-tao. Da que a mediao do mundo a basedo dilogo autenticamente libertador. E nestalinha que Freire concebe o dilogo, como um en-contro por meio da mediao do mundo e cujoobjetivo dar um nome a este mundo.

    Mas este encontro para dar um nome ao

    mundo - e aqui Freire volta a insistir na vir-tude-base de todo dilogo libertador - nopode prescindir do amor. O amor a base do

    encontro dos homens que procuram tornaro mundo mais humano. E, ento, com estascoordenadas, encontro, mundo mediadore amor, Freire parte para a sua denio dedilogo: um encontro amoroso dos homensque, mediatizados pelo mundo, o pronun-

    ciam, isto , o transformam e transforman-do-o, o humanizam para a humanizao detodos. (JORGE, 1979, pp. 35-36)

    Sendo, pois, o dilogo este encontroamoroso para a humanizao, ele no podeprescindir da unio, coeso e participao de to-dos os sujeitos dialogantes. So esses elemen-tos que fundiro o eu e o tu no ns, por in-termdio das relaes personalizantes e dentrodaquele horizonte cultural que envolve todos oshomens.

    O dilogo se plenica na comunho, noser-come, justamente por isso, o dilogo s possvel na comunho e no nas posies an-tagnicas, as quais geram violncia, nas quais ohomem se transforma em objeto; transformando-se em objetos, no cumpre a vocao ontolgicae impedido de ser.

    Entretanto, para que o dilogo possaalcanar este objetivo de libertao, sendo overdadeiro instrumento, Paulo Freire coloca di-versas exigncias, as quais se constituem com-

    ponentes essenciais de todo dilogo libertador.Esses componentes essenciais so: o amor, ahumildade, a f e conana nos homens e a es-perana.

    A partir disso, Paulo Freire no admiteos homens que no sejam capazes de comuni-cao porque, por natureza, so comunicao.Ora, os homens se comunicam pela palavra e,para Paulo Freire, toda palavra autntica pr-xis e a prtica ao e reexo dos homens so-bre o mundo com o objetivo de transform-lo.

    A transformao do mundo um dever detodos os homens. Esta, porm, segundo opensamento freireano, no deve ter comomodelo ou mtodo a luta armada. A verda-deira transformao a da denncia de ummundo injusto e a proclamao de um mun-do mais justo e equnime. Ora, se ao homemcompete esta transformao como sujeito, aele compete esta denncia e este anncio.Tal ele o faz com a palavra. Pela sua palavra,pois, o homem alado ao pice de sua his-tria: sujeito da criao e recriao da hist-ria do mundo e dele. Com ela, o homem vaifazendo a verdadeira histria, pronunciando

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    8/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 201044

    AZEVEDO, J. A.

    o mundo. E este, problematizado, retor-na, por sua vez, aos sujeitos pronunciantes,exigindo deles um novo pronunciamento. Edeste modo, o homem vai criando, transfor-mando e humanizando o mundo e a si. Nestaperspectiva - a palavra criadora e transfor-

    madora [...] imita a palavra divina que criadora por excelncia. (JORGE, 1979, pp.48-49)

    4. A GNESE IDEOLGICA FREIREANA

    Um dos aspectos mais marcantes daideologia freireana sua concepo de liberda-de, sua origem e desenvolvimento. Para Freire,liberdade, educao, conscientizao, dilogoesto intrinsecamente ligados, justapostos. Des-sa maneira, pode-se, assim, perguntar: Qual agnese ideolgica de Paulo Freire? Quais assuas bases loscas?

    Num primeiro impulso, remeteramossuas idias e fundamentos aos socilogos e l-sofos que anteriormente haviam feito reexessobre o assunto. Mas se assim procedssemos,estaramos incidindo em dois graves erros. Oprimeiro seria aquele de uma falta de objetivida-de crtica frente ao pensamento de Paulo Freiree, o segundo, seria o de estarmos cometendoum erro contra a verdade, no aceitando suas

    idias como algo pessoal e autntico.Antes de procurarmos a gnese ideol-

    gica de Paulo Freire, necessrio armar queo seu pensamento totalmente autntico e pes-soal, isto , obra sua, nasce de sua vida e desuas experincias, provm de sua concepo deverdade e sinceridade, gerado pela luta e em-penho pela libertao do homem oprimido, prin-cpio dinamizador de suas atividades.

    Na vivncia da realidade dos oprimidos,Paulo Freire pensou, repensou e reetiu e ama-

    dureceu seus pensamentos e suas ideias atque, num dado momento, ele pde apresent-los como um fruto pessoal, autenticamente seu.

    Desse modo, podemos armar que a g-nese ideolgica de Paulo Freire ele mesmo.E nessa mesma prtica real que se encontraa origem de sua losoa prtica, da educaopara a libertao, reexo e ao, a qual se con-cretiza no seu objetivo: a libertao do homemoprimido.

    Para que esse objetivo - libertao do

    homem oprimido - se concretize, Freire se utilizade um estratagema: a educao.Passe-se, agora, a reetir um pouco so-

    bre as linhas loscas que mais inuenciaram opensamento de Paulo Freire e que so, de certamaneira, o substrato antropolgico e cosmol-gico de compreenso de suas obras e atividadepedaggica.

    O pensamento de Paulo Freire est, [...], em-bebido nas mais autnticas losoas que ti-veram o homem como centro, isto , aquelasque tm o mesmo objetivo dele. Ele no ,pois, uma antologia como se poderia con-cluir intempestivamente. Seu pensamentobaseado no neotomismo, no humanismo,no personalismo, no existencialismo e noneomarxismo uma sntese pessoal, masto pessoal e objetiva que, no ato mesmode ser sntese, j se constitui num sistemadoutrinrio com fundamentao, objetivos e

    mtodos especcos enquanto, retomandoessas losoas, cujo objetivo central o ho-mem, ele as repensou dentro das exignciasda realidade sua e com a qual se encontravacomprometido e as traduziu para uma linhade losoa prtica. Daqui que a gnese dePaulo Freire o prprio pensamento de Pau-lo Freire. (JORGE, 1979, pp. 21-22)

    No pensamento de Freire aparece, comespecial relevo, a gura de Tristo de Atayde,[...] crtico, pensador, professor e que, aps a

    sua converso em 1928, atravs de seu amigoJackson de Figueiredo, se tornou um lder ca-tlico e uma das maiores guras intelectuaisdo Brasil. (JORGE, 1979, pp. 18) Paulo Freiremesmo arma que sempre nutriu para com Tris-to de Atayde uma admirao ilimitada.

    Segundo Jorge, foi por intermdio deTristo que Paulo Freire chegou ao neotomismomaritanista.

    s vezes, clarssima a presena de Ma-

    ritain no pensamento de Freire, como porexemplo, quando ele diz que no se podepensar em educao sem antes pensar nohomem; o neo-tomista francs isso mesmo oarma dizendo que no se pode estabelecernem orientar a educao que precisa saber,antes de tudo, o que o homem, qual a suanatureza e a escala de valores que neces-sariamente abrange. Claro que, num homemto profundamente humano como o PauloFreire, toda a losoa humanstica tinha queter profundas repercusses nas suas ree-xes. (JORGE, 1979, pp. 18-19)

    O personalismo de Emanuel Mounier

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    9/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 2010 45

    Fundamentos loscos da pedagogia...

    tambm faz parte do aprofundamento do pen-samento de Freire, principalmente na questoda reivindicao da dignidade da pessoa comofundamento. Como Mounier, Freire combate acoisicao do homem e a sua alienao pelosopressores.

    Em seu pensamento tambm pode-seencontrar a presena da losoa existencialista,pois essa aparece nas noes sobre a existn-cia e sobre o carter histrico do homem. Assim,vemos Paulo Freire se aproximar de Kierkega-ard, tendo a mesma preocupao do lsofodinamarqus, isto , preocupao com uma -losoa da existncia na qual o homem reala-do no seu existir concreto: o homem um serconcreto, diz Freire, que existe no mundo e como mundo.

    A noo freireana de existncia vistacomo existncia concreta e no como mera lo-soa abstrata, isto , uma losoa que seja pr-xis, exatamente a mesma que procura GabrielMarcel. O tre avec de Gabriel Marcel reto-mado por Paulo Freire, tornando-se fundamentoda sua concepo do existir do homem no mun-do e com o mundo [...]. (JORGE, 1979, p. 19)

    A concepo antropolgica de PauloFreire aquela em que o homem um ser quepergunta, se interroga e vive num jogo de suas

    respostas; Heidegger pensa semelhante a PauloFreire: o homem o que se interroga pelo pr-prio ser.

    O mtodo para a libertao do homemoprimido, segundo Freire, o dilogo, porque,por meio dele, os homens se encontraro, secomunicaro e superaro as situaes de explo-rados.

    Em todo o decorrer da sua doutrina dialgi-ca, notamos a presena de Karl Jaspers queluta pela comunicao dos homens entre siporque o isolamento signica a destruio.Karl Jaspers o lsofo existencialista (sa-bemos que ele no aceita a sua classicaocomo existencialista) do dilogo. Para Freire,o dilogo que conduz libertao. (JOR-GE, 1979, p. 20)

    Muito interessante a presena do neo-marxismo no pensamento de Paulo Freire; issocertamente por ser essa doutrina a da luta contraa alienao e contra a massicao do homem.

    H muita presena do pensamento de EricFromm na ideologia freireana [...] cremos

    que o grande valor e sentido combativos dopensamento de Fromm contra a alienao econtra a massicao do homem que maisinteressam a Freire. Devido a esses elemen-tos de Eric Fromm, esse cou bem integradono pensamento freireano. (JORGE, 1979, p.

    21)

    Como no poderia deixar de ser, densi-cando o pensamento de Freire, ecoa Karl Marx.Torna-se importante entender a adoo de cer-tos parmetros marxistas por parte de PauloFreire: tal adoo, que deve ser entendida demaneira aberta e no dogmtica, no implicouutilizar os marxismos como modelos ou mesmoa concordncia com suas noes teleolgicas epositivistas, componentes das suas vulgatas.

    Freire tem a noo de democracia e dilogocomo fundamentais, as quais no suportariam aditadura do proletariado ou do partido ou qual-quer outra ditadura.

    Mais concretamente, pode-se armar queo materialismo histrico tem marcado maisprofundamente as anlises da realidade fei-tas por Paulo Freire principalmente a partirde 1970. Marx realizou uma fenomenologiaconcreta das relaes econmicas de seutempo, e seu mtodo tem profunda vignciana atualidade, embora no se possam apli-car os mesmos esquemas hoje, de formaestereotipada. Alm disso, orientou o sentidoda losoa para a ao como guia da prticae realou o sentido dialtico de toda a rea-lidade. Nesse aspecto, Freire segue a linhatraada por Marx, tanto ao fazer o retrato dooprimido como ao encarar a realidade da pr-xis como o verdadeiro caminho da libertaodo homem. E, sempre que fala da criticida-de da conscincia, Freire estabelece relaoimediata com a dialeticidade, considerando-acomo algo especco da prpria conscincia

    crtica. (TORRES, 1981, pp. 50-51)

    E no poderamos deixar de mencionar,como o prprio Freire admitiu, a grande inun-cia que Antonio Gramsci possui sobre o educa-dor brasileiro. Gramsci aquele que pensar aeducao partindo de sua realidade e contextohistricos como relao de poder transforma-dor do conhecimento, a partir do qual se tornariapossvel produzir a disseminao de uma culturaque compreende a ao poltica como uma pr-

    tica pensada no interior da sociedade civil e esteespao de recriao do conhecimento a educa-

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    10/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 201046

    AZEVEDO, J. A.

    o representa o surgimento de um novo tipode intelectual: algum que no se constitui comoreprodutor das estruturas sociais dominantes,mas, ao contrrio, se coloca a servio da cons-truo de um novo modelo de sociedade.

    Freire aquele que, tambm devido aoseu contexto histrico, percebe no espao pol-tico a disputa entre dois modelos de desenvolvi-mento e inicia a sua ao pedaggica libertado-ra, propondo uma educao que caminhe dosaspectos polticos para uma totalidade poltica,ou seja, prope uma pedagogia comos oprimi-dos e no uma pedagogiaparaos oprimidos.

    O contexto de vida de ambos os edu-cadores o italiano e o brasileiro -, que revelauma profunda experincia de cidadania, serviucomo base para a formao das teorias educati-

    vas suas. Paulo Freire armava que toda educa-o um ato poltico e todo ato poltico, um atoeducativo. Sua concepo, ento, lembra Gra-msci, para quem a educao deve possibilitar aconstruo de uma pedagogia que ultrapasseos limites do conhecimento formal das discipli-nas, alcanando a capacidade de relacionar ossaberes escolares com uma nova leitura da so-ciedade.

    Entretanto, como concluso de tal apro-ximao, faz-se necessrio estabelecer uma di-

    ferena entre Freire e Gramsci: o pensamentode ambos poltico-pedaggico, mas a nfase e deve-se frisar tal situao do primeiro se dno campo educativo e do segundo, no poltico.

    Dessa maneira, percebe-se em PauloFreire que a signicao do mundo e a conscien-tizao se estabelecem na relao com o outro,isto , o locusde transformao da realidade sed na alteridade.

    CONSIDERAES FINAIS

    Percorridas as reexes referentes aosconceitos fundamentais freireanos e as suas ba-ses loscas, necessrio relembrar: a exis-tncia na atualidade requer uma tomada de posi-o, exige uma iniciativa a favor ou contra a vidae a dignidade humanas. Perante isso, fazem-senecessrias certas anlises do sistema hodiernopara se entender as conjecturas e as necessida-des da sociedade.

    Assim sendo, a gura de Paulo Freirevem em nosso auxlio e possibilita relembrar queo ser humano um ser de dilogo e comunica-o, de abertura e comunho, de crescimento

    mtuo, um ser que cresce, espiritual e conscien-temente, na relao dialtica da construo dasociedade.

    Perante a massicao e alienao dasociedade, a ideologia freireana grita, por meiode um mtodo de alfabetizao e educao, queo homem necessita de liberdade e conscienti-zao, que o aprofundamento da tomada deconscincia.

    No se pode, de maneira alguma, silen-ciar a inteno fundamentalmente reta de PauloFreire, que se preocupa com as massas e o pro-letariado, visando a promoo dessa parte daspopulaes do Terceiro Mundo, dirigindo-se promoo da vocao ontolgica do ser huma-no: ser mais. Entretanto, alguns questionamen-tos quanto sua ideologia devem ser levados

    em conta:Segundo o pensador pernambucano, h

    uma subordinao do conhecimento e da pala-vra transformao do mundo ou prxis; ora,cr-se que no se pode dizer que a ecciatransformadora do conhecimento seja o critrioda autenticidade do prprio conhecimento.

    A realidade ou extenso do ser maisampla do que o mbito do socioeconmico-poltico. Por isto, h enorme valor em conhecertambm as verdades que no se prendem dire-

    tamente ao poltico; h verdades de ordem es-peculativa que no alienam necessariamente ohomem, mas o podem habilitar a ser mais sbiotransformador deste mundo.

    Para Freire, a educao domesticadoraou bancria inibe a vocao ontolgica do serhumano; segundo ele, a soluo para acabarcom a diminuio do ser a educao libertado-ra; todavia, a mesma no poderia ser manipula-dora e, num processo inverso, tornar-se domes-ticadora?

    Mas nenhum dos questionamentos acimaretira a sua inteno de imprimir no ser humanoo que ele possui de mais intrnseco: a humani-dade, a qual ele no se cansa de armar, crescenas relaes dialgicas em vista da libertao,que passa pela conscientizao.

    REFERNCIAS

    BITTENCOURT, E. O mtodo Paulo Freire emdebate. Revista Pergunte e Responderemos,Rio de Janeiro, n. 254, 1981.

    BRANDO, C. O que mtodo Paulo Freire.

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    11/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 2010 47

    Fundamentos loscos da pedagogia...

    So Paulo: Brasiliense, 1981.

    FREIRE, P. Ao cultural para a liberdade. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

    ______. Conscientizao: teoria e prtica daliberdade. So Paulo: Moraes, 1980.

    ______. Educao como prtica da liberdade.9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

    ______. Educao e mudana. 2. ed. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1979.

    ______. Extenso ou comunicao? Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1971.

    ______. Pedagogia da autonomia. Rio de Ja-neiro: Paz e Terra, 1997.

    ______. Pedagogia do oprimido. 3. ed. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1975.

    GRAMSCI, A. Dos cadernos do crcere. In:COUTINHO, C. N. Porto Alegre: LPM, 1981.

    JAPIASSU, H. A pedagogia da incerteza. Riode Janeiro: Imago, 1983.

    JORGE, J. A ideologia de Paulo Freire. SoPaulo: Loyola, 1979.

    ______. Sem dio nem violncia. So Paulo:Loyola, 1979.

    PILETTI, C. Filosofa da educao. 7. ed. SoPaulo: tica, 1995.

    ROSSETTI, F. Freire lana pedagogia da auto-

    nomia. Folha de So Paulo, So Paulo, 31 mar.1997. Caderno 3, Cotidiano. p. 10.

    ROSSI, W. Pedagogia do trabalho: caminhosda educao socialista. So Paulo: Moraes,1982.

    TORRES, C. A prxis educativa de Paulo Frei-re. So Paulo: Loyola, 1979.

    ______. Dilogo com Paulo Freire. So Paulo:Loyola, 1979.

    ______. Leitura crtica de Paulo Freire. So

    Paulo: Loyola, 1981.

    VANNUCCHI, A. Paulo Freire ao vivo. SoPaulo: Loyola, 1983.

    WREN, B. Educao para a justia. So Paulo:Loyola, 1979.

    FUNDAMENTOS FILOSFICOS DE LA PE-DAGOGA DE PAULO FREIRE

    RESUMEN:Paulo Freire, educador mundialmenteconocido, obtuvo en la encarnacin histrica asu forma de educar: educar para la liberacin.El proceso educativo nace, necesariamente,de las concepciones loscas, antropolgicasy cosmolgicas del educador. Comprender la

    pedagoga de Paulo Freire a partir de sus fun-damentos loscos es confrontarse con el ar-ch, de su forma de concebir el mundo y actuaren lo mismo. Una educacin como prctica de lalibertad, buscando concienciacin y proponien-do la relacin dialgica como instrumento parala liberacin, pudiendo ser comprendida a partirde sus fundamentos, o sea, de las concepcionesloscas de aquel que propone un mtodo edu-cativo, o mejor, un camino pedaggico.PALABRASCLAVE:Paulo Freire; Filosofa; Funda-

    mentos.

  • 7/23/2019 (Artigo)Fundamentos Filosficos Da Pedagogia de Paulo Freire - Jos Andr de Azevedo

    12/12

    Akrpolis, Umuarama, v. 18, n. 1, p. 37-47, jan./mar. 201048

    AZEVEDO, J. A.

    O conhecimento no nada se no for compartilhado

    Publica trabalhos referentes s reas de CinciasContbeis, Administrao e Economia.

    Periodicidade:Semestral

    e-mail: [email protected]://revistas.unipar.br/empresarial

    ISSN 1517-6304