Artigos de Reviso para Abril 2006, Neuroatual · medicamentos, meningite carcinomatosa, doenças...
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NeuroAtual Volume 4, número 2, 2008
NEUROLOGIA GERAL Dr. Osvaldo M. Takayanagui
Community-acquired bacterial meningitis in adults. Schut ES et al. Practical Neurol,
8: 8, 2008.
Os neurologistas são freqüentemente chamados para “excluir meningite
bacteriana”, o que pode ser difícil apenas com a anamnese e o exame físico.
A meningite bacteriana purulenta é uma emergência neurológica e o paciente
necessita avaliação imediata e instituição precoce do tratamento.
Os agentes causais predominantes no adulto são Streptococcus pneumoniae
(pneumococo) e Neisseria meningitides (meningococo), responsáveis por cerca de 80%
de todos os casos. A Listeria monocytogenes é a terceira causa mais comum e ocorre
mais freqüentemente em pacientes com comprometimento da imunidade celular.
Desde os primórdios da era antibiótica, a resistência antimicrobiana tem sido
motivo de preocupação. A resistência de pneumococos à penicilina surgiu na década de
1960, requerendo a combinação de cefalosporinas de terceira geração com vancomicina
em várias partes do mundo.
Outra modificação epidemiológica ocorreu com a vacinação de crianças contra
H. influenzae do tipo b e 7 sorotipos de S. pneumoniae. Como conseqüência, a
meningite bacteriana ocorre atualmente mais freqüentemente em adultos que em
crianças. O advento de vacinas contra o meningococo do sorogrupo C resultou numa
redução expressiva da doença meningocócica invasiva.
Manifestações clínicas
Os neurologistas são chamados para exclusão de meningite bacteriana em
pacientes apresentando cefaléia, febre e confusão mental. Na inexistência de
diagnósticos alternativos claros e na persistência da possibilidade de meningite
bacteriana, o exame do LCR é mandatório.
Um estudo prospectivo de 696 adultos com meningite bacteriana revelou:
cefaléia em 87% dos casos, rigidez de nuca em 83%, febre (≥38ºC) em 77% e
comprometimento da consciência (Glasgow <14) em 69%. Apesar da “tríade clássica”
(cefaléia, rigidez de nuca e distúrbio da consciência) estivesse presente em apenas 44%,
pelo menos 2 dos 4 sinais (cefaléia, febre, rigidez de nuca e distúrbio da consciência)
foram observados em 95%. A tríade clássica ocorre mais comumente em meningite
pneumocócica que meningocócica (58% vs 27%).
Os sinais clássicos de irritação meníngea são rigidez de nuca, Kernig e
Brudzinski. Entretanto, um estudo prospectivo com 297 casos revelou que nenhum
deles permite identificar meningite de qualquer causa com total segurança. Os sinais de
Kernig e Brudzinski apresentaram baixa sensibilidade (5%) embora a especificidade
fosse elevada (95%). A rigidez de nuca revelou sensibilidade de 30% e especificidade
de 68%. Portanto, a decisão de indicar o exame do LCR não deve ser baseada somente
na presença ou ausência desses sinais e a punção do LCR deve ser efetuada na
persistência da suspeita de meningite.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da tríade de febre, cefaléia e rigidez de nuca inclui:
meningites bacteriana, viral, tuberculosa, fúngica, meningite asséptica induzida por
medicamentos, meningite carcinomatosa, doenças inflamatórias sistêmicas (lúpus
eritematoso sistêmico, sarcoidose, doença de Behçet, síndrome de Sjögren, etc.) e, na
ausência de febre com cefaléia de início abrupto, hemorragia subaracnóide. Na presença
do quadro de comprometimento da consciência, sinais localizatórios e crises associado à
tríade clássica, o diagnóstico diferencial inclui encefalite viral, trombose venosa
intracraniana, abscesso cerebral e empiema subdural e, nos indivíduos infectados pelo
HIV, meningite por Cryptococcus neoformans, M. tuberculosis e Treponema pallidum.
Lesões focais com efeito de massa são mais comumente causadas por Toxoplasma
gondii e M. tuberculosis.
Diagnóstico e tratamento
Pela alta taxa de mortalidade da meningite bacteriana, o diagnóstico e tratamento
devem ser efetuados rapidamente e muitas vezes de forma simultânea. O primeiro passo
é a avaliação dos sinais vitais, obtenção de hemocultura e exames sanguíneos que não
devem levar mais que 1 ou 2 minutos. Se o indivíduo estiver chocado, deve-se
administrar doses baixas de hidrocortisona EV ou fludrocortisona VO. Se não houver
contraindicação, deve ser realizada a punção do LCR.
Indicação de Tomografia computadorizada (TC) antes do LCR
Embora haja uma preocupação quanto a herniações pela punção do LCR, a TC
não é necessária em todos os casos de suspeita de meningite. Podem ser empregados
critérios clínicos na seleção dos pacientes que devem ser submetidos ao exame de TC:
1- Déficit neurológico focal, excetuando paralisia de nervos cranianos
2- Crises de início recente
3- Papiledema
4- Comprometimento do nível de consciência (Glasgow <10)
5- Imunodeficiência
Nos pacientes em que houver indicação de TC antes do LCR, deve ser iniciado o
tratamento com dexametasona (10mg EV) e antibioticoterapia empírica antes da
realização da TC. Embora o resultado de Gram e da cultura do LCR esteja prejudicado,
a administração de antibióticos não irá afetar a contagem celular e a dosagem no LCR.
Achados do LCR
As alterações do LCR compreendem: aspecto turvo, hipertensão (mais de 40 cm
de H2O em 40% dos casos), pleocitose superior a 1.000 células/mm3, predomínio de
neutrófilos, hipoglicorraquia (65% dos casos) e hiperproteinorraquia superior a
50mg/dl. A coloração pelo Gram identifica o microorganismo em 50-90% dos casos e a
cultura em 80%. A aglutinação do látex pode confirmar a infecção por N. meningitidis,
S. pneumoniae, H. influenzae e S. agalactiae.
Exames de sangue
A leucocitose com desvio a E é um marcador de infecção bacteriana e pode
auxiliar na distinção de meningite viral.
A hiperglicemia e resistência a insulina ocorrem freqüentemente na septicemia.
Provas de coagulação e contagem de plaquetas são importantes nos pacientes
com suspeita de coagulopatias para verificar a possibilidade da realização da punção do
LCR e nos casos suspeitos de coagulação intravascular disseminada como complicação
sistêmica de meningite bacteriana.
A proteína C reativa pode ser útil na distinção entre meningite bacteriana e viral,
com sensibilidade de 69-99% e especificidade de 28-99%.
Antibioticoterapia
A escolha do antibiótico para o tratamento empírico é baseada na possibilidade
de pneumococo resistente a penicilina e a cefalosporina, na faixa etária do paciente e
qualquer condição predisponente à meningite.
Nos países onde a freqüência de pneumococos com resistência a penicilina é
baixa, a penicilina pode ainda ser usada como agente de primeira escolha nos pacientes
adultos até os 50 anos de idade.
Associação de dexametasona
Os resultados de um grande estudo randomizado sugerem que o uso combinado
de dexametasona (10mg EV 15-20 minutos antes ou simultaneamente à primeira dose
de antibióticos, de 6/6 horas, por 4 dias) é benéfico no tratamento de meningite
bacteriana de adultos; o desfecho desfavorável foi reduzido de 15% para 7%,
principalmente na meningite pneumocócica.
Complicações sistêmicas
O choque séptico é importante fator preditivo de pior prognóstico e pode ser
manifesto de diferentes formas: hipotensão (pressão arterial ≤90 mmHg ou uma redução
de ≥40 mmHg da medida basal) apesar de infusão hídrica adequada, taquicardia
(>100/min), taquipnéia (>20/min), temperatura >38oC ou <36oC, sonolência e oligúria.
A hiponatremia acentuada é observada em 6% dos casos.
A concomitância de artrite ocorre em 7% dos casos, principalmente na
meningite meningocócica (12%), por artrite séptica ou depósito articular de
imunocomplexos.
Comprometimento da consciência
O desenvolvimento de coma na meningite bacteriana representa pior prognóstico
e os pacientes devem ser rapidamente avaliados para o surgimento de edema cerebral,
hidrocefalia, atividade epiléptica, infarto cerebral por vasculite e trombose venosa
intracraniana.
Viral Meningitis. Logan SAE et al. BMJ, 336; 36, 2008.
A meningite viral ocorre em qualquer idade mas é mais freqüente nas crianças
menores. Os enterovirus são atualmente os principais vírus causadores de meningite
viral. É responsável por 80% dos casos em adultos, mas freqüentemente a causa é
desconhecida. Num estudo com 144 casos consecutivos de meningite asséptica em
adultos, apenas 72 tiveram o agente identificado. Os enterovirus eram os mais
freqüentes, com 46% dos casos, seguidos por herpes simplex tipo 2, com 31%, varicella
zoster com 11% e herpes simplex tipo 1 com 4%.
Meningite por Enterovírus
O termo enterovírus se refere ao modo de transmissão e compreende vírus
Coxsackie A e B, echovirus, poliovírus e o mais recentemente identificado e designado
pelo número, tal como o enterovirus 71. A maioria dos casos de meningite viral é por
Coxsackie B e echovirus.
As crianças mais jovens são mais susceptíveis ao enterovirus e a incidência
diminui com a idade.
A meningite pode ser acompanhada de manifestações mucocutâneas, incluindo
vesículas localizadas nas mãos, pés e na boca. Na maioria das vezes é uma infecção
autolimitada e apresenta bom prognóstico. Não existe qualquer tipo de tratamento
antiviral e a conduta é conservadora.
Meningite por Herpesvírus
A detecção de herpesvírus pode suscitar dúvidas num paciente com meningite
clínica. É fundamental que se tenha em mente que a meningite herpética e a encefalite
herpética num indivíduo imunocompetente não são partes de um espectro contínuo e
sim entidades distintas. Enquanto a encefalite herpética é uma emergência médica
requerendo tratamento antiviral empírico, a meningite por herpes simplex é uma
condição autolimitada em indivíduos com imunidade normal. Embora o tratamento
antiviral com aciclovir, valaciclovir ou famciclovir seja indicado para o primeiro
episódio de herpes genital, os ensaios terapêuticos não têm sido feitos na meningite por
herpes simplex. Apesar da falta de evidências, o tratamento precoce pode diminuir a
carga viral, acelerar a resolução dos sintomas e reduzir a recorrência.
Central nervous system infections of Herpesvirus family. Bulakbasi N et al.
Neuroimag Clin N Am, 18: 53, 2008.
Os Herpesvirus são uma das causas mais comuns de infecções virais do ser
humano. A família dos Herpesvirus compreende uma amplo grupo de vírus DNA,
categorizados pelas propriedades moleculares e biológicas como alfavírus, incluindo
herpes simplex tipo 1 (HSV-1), tipo 2 (HSV-2), vírus B e varicella zoster (VZV);
betavírus, incluindo citomegalovirus (CMV), HHV tipo 6 (HHV-6) e tipo 7 (HHV-7); e
ao gamavírus, incluindo vírus Epstein-Barr (EBV) e HHV tipo 8 (HHV-8).
O ser humano é o único reservatório e a disseminação ocorre por contato direto
com secreções infectadas de outros indivíduos e raramente por transfusão sanguínea e
transplante de órgãos. Os sítios primários de entrada são pele, conjuntiva e mucosa
orofaríngea ou genital. Após replicação no local de entrada, os vírus habitualmente
sofrem disseminação hematogênica, denominada viremia, alcançando tecidos distantes.
A disseminação hematogênica para o SNC parece ser o mecanismo de infecções
neonatais de HSV-1, HSV-2, CMV, EBV, HHV-6 e HHV-7. Por outro lado, a
transmissão neuronal parece ser o mecanismo de infecções de adultos de HSV-1, VZV e
vírus B, por transporte retrógrado pelos axônios de neurônios sensitivos e simpáticos em
direção a seus gânglios. Nos indivíduos imunodeprimidos, ambos mecanismos podem
ser responsáveis pela infecção do SNC.
A característica mais importante dos herpesvirus é sua latência no tecido
neuronal antes de ser reativado por um estímulo. Alguns eventos como stress físico ou
emocional febre, luz ultravioleta, lesão tecidual podem reativar o vírus latente e, em
alguns casos, provocar exacerbação da doença herpética no SNC.
O herpesvírus é a causa mais comum de encefalite esporádica no homem,
habitualmente de caráter focal. Na maioria das vezes é causada pelo HSV-1 (>90%) e o
restante pelo HSV-2. A incidência anual de encefalite herpética é de 1/250.000 a
1/500.000, predominantemente em crianças e nos idosos. A taxa de mortalidade é
superior a 70% nos pacientes não tratados e apenas 2,5% de todos os casos confirmados
(9,1% dos sobreviventes) retornam à função normal após a recuperação da doença.
O quadro clínico da encefalite por HSV-1 compreende cefaléia, febre, rigidez de
nuca, alterações do comportamento e da consciência, crises focais ou generalizadas,
sinais neurológicos focais como paresia, alterações da sensibilidade, afasia, déficit de
campo visual e paralisia de nervos cranianos.
O LCR revela pleocitose, hiperproteinorraquia e ausência de bactérias ou
fungos. O isolamento viral no LCR é raro e a detecção de anticorpos tardia. O EEG
pode revelar descargas de espículas e ondas lentas periódicas. A sensibilidade dessa
alteração é de 84%, mas a especificidade é de apenas 32,5%. A biopsia apresenta
sensibilidade de 96% e especificidade de 99%. O PCR para DNA do HSV tem
sensibilidade de 98%, especificidade de 94%, valor preditivo positivo de 95% e valor
preditivo negativo de 98%, valores semelhantes aos da biopsia cerebral. O PCR obtido
precocemente, nas primeiras 72 horas, pode revelar resultado falso negativo, devendo
ser repetido durante a evolução da doença.
A TC pode ser normal em até 25% dos casos e revela anormalidades apenas
após a 2ª semana. A RM é mais sensível que a TC na detecção de alterações iniciais.
Nos adultos a encefalite herpética envolve a porção anterior e medial dos lobos
temporal e frontal orbital, mas um dos lados é mais afetado que o outro. O
envolvimento extra-temporal ocorre em até 55% dos casos, incluindo lobos frontal,
parietal, occipital, sistema límbico, giro do cíngulo, tronco encefálico e tálamo. Em 15%
dos casos o envolvimento pode ser exclusivamente extra-temporal.
Nos neonatos e nas crianças menores, a encefalite difere do padrão fronto-
temporal, podendo o envolvimento ser mais difuso ou multifocal e mais simétrico que
nos adultos.
Emergency department management of meningitis and encephalitis. Fitch MT et al.
Infect Dis Clin N Am, 22: 33, 2008.
Excelente trabalho de revisão sobre meningites e encefalites, virais e bacterianas.
Enfatiza manifestações clínicas, diagnóstico laboratorial e tratamento, discutindo
detalhes para o diagnóstico diferencial.
The usefulness of clinical findings in localising lesions in Bell’s palsy: comparison
with MRI. Seok JI et al. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 79: 418, 2008.
A paralisia facial idiopática, ou paralisia de Bell, é um dos quadros neurológicos
mais freqüentemente encontrados nos consultórios. Os exames eletrofisiológicos e a
neuroimagem fornecem indicações do local de comprometimento do nervo facial. O
exame clínico é o método mais simples na determinação do local da lesão e os clínicos
supõem que as manifestações associadas, tais como hipolacrimejamento, hiperacusia e
comprometimento da gustação, indiquem o ponto lesado. O diagnóstico topográfico
clínico é fundamentado na noção de perda das funções distalmente ao ponto lesado e
conservação daquelas mais proximais. Entretanto, a precisão da localização por meio da
avaliação clínica é desconhecida. O presente estudo teve como objetivo comparar a
topografia sugerida pela análise clínica com os dados de ressonância magnética (RM).
Os 57 pacientes do estudo foram divididos em 4 grupos, de acordo com os
achados clínicos. Aqueles apresentando diminuição do lacrimejamento foram
classificados como lesão infrageniculado-supraestapédio, os com hiperacusia como
infrageniculado-supraestapédio, os com distúrbio na gustação como infraestapédio-
supracordal e aqueles unicamente com paralisia facial como mastoideo.
A RM do crânio foi realizada para visualização do canal auditivo interno com
injeção de gadolíneo. A classificação topográfica foi dividida em segmentos
intrameatal, labiríntico, gânglio geniculado, timpânico e mastóideo.
Clinicamente, a distribuição topográfica foi: infrageniculado-supraestapédio em
23%, infraestapédio-supracordal em 16% e mastoideo em 61%. Nenhum foi classificado
como segmento suprageniculado.
Pela RM, 51 (89%) apresentaram reforço anormal de contraste do nervo facial.
A maioria apresentava reforço na parte proximal do nervo, principalmente do segmento
suprageniculado, diferindo claramente dos achados clínicos.
As manifestações clínicas indicavam o processo lesional nas porções distais do
nervo na maioria dos casos, mas a RM mostrou maior freqüência de comprometimento
dos segmentos proximais, incluindo o segmento intrameatal distal, labiríntico e gânglio
geniculado. Portanto, os locais indicados pela clínica não corresponderam aos achados
da RM.
Este estudo mostrou que os achados clínicos não são úteis na determinação
topográfica das lesões e que o acometido é mais freqüentemente no segmento proximal
do nervo facial.
Myelopathy but normal MRI: where next? Wong SH et al. Pract Neurol, 8: 90, 2008.
As síndromes medulares são freqüentes e habitualmente de fácil
reconhecimento. A etiologia e o nível da lesão podem ser definidos clinicamente mesmo
sem a neuroimagem. Mas, para exclusão de lesões cirurgicamente tratáveis, a
ressonância magnética (RM) é essencial. De fato, isto é realizado precocemente, antes
mesmo do encaminhamento ao neurologista. Entretanto, uma variedade de condições
pode revelar uma RM de medula normal e o neurologista é então acionado.
Diagnóstico Diferencial de Mielopatia com RM normal
Processos inflamatórios de autoimunes
- Esclerose múltipla primariamente progressiva
- Neuromielite óptica
- Síndrome de Sjögren
- Lupus eritematoso sistêmico
- Sarcoidose
- Doença do neurônio motor
Doenças hereditárias
- Paraplegias espásticas hereditárias
- Adrenoleucodistrofia
- Ataxia de Friedreich
Distonia responsiva à L-dopa
Doenças Infecciosas
- HIV
- HTLV-1 e HTLV-2
- Outras infecções virais (varicella zoster, Epstein-Barr, CMV, enterovírus, etc.)
Distúrbios metabólicos e nutricionais
- Vitamina B12
- Deficiência de cobre
- Hepatopatia crônica
- Nefropatia crônica
Doenças vasculares
- Infarto medular
- Fístula dural arteriovenosa/malformação arteriovenosa
- Vasculite primária do SNC
Causas tóxicas e físicas
- Radioterapia
- Aracnoidite química por contraste iodado de mielografia
- Óxido nitroso
Síndromes paraneoplásicas
Linfoma intravascular
Paraneoplastic syndromes of the CNS. Dalmau J et al. Lancet Neurol, 7: 327, 2008.
A maioria das síndromes paraneoplásicas do SNC é imunomediada e a melhor
evidência para essa idéia é a demonstração de anticorpos antineuronais no LCR e no
soro desses pacientes. Esses anticorpos reagem com proteínas neuronais que são
habitualmente expressas pelo tumor dos pacientes e sua detecção é a base dos testes
diagnósticos.
Há 2 características clínicas comuns na maioria das síndromes paraneoplásicas
do SNC: o desenvolvimento rápido do quadro e sinais de inflamação no LCR, incluindo
pleocitose linfocitária, hiperproteinorraquia, índice de IgG elevado e presença de bandas
oligoclonais. Em cerca de 70% dos casos o envolvimento neurológico é a manifestação
inaugural do tumor. Nesses pacientes, ocorre a detecção do câncer em 70-80% por meio
de exames de tomografia computadorizada (TC) e/ou PET-fluordeoxiglicose do tórax,
abdômen e pelve.
Degeneração cerebelar paraneoplásica
A disfunção cerebelar é uma das apresentações paraneoplásicas mais freqüentes
do câncer. Os tumores mais comumente envolvidos são câncer de pequenas células do
pulmão, tumores ginecológicos e mamários e linfoma de Hodgkin.
O quadro neurológico é ocasionalmente precedido por sintomas prodrômicos tais
como doença similar a virose, tontura, náusea e vômitos. Estes são seguidos de
distúrbios da marcha que progride para ataxia, diplopia, disartria e disfagia.
A ressonância magnética (RM) é normal na maioria dos pacientes, embora
alguns apresentem alargamento hemisférico cerebelar difuso ou reforço córtico-
meníngeo. Posteriormente, a RM revela atrofia cerebelar e o PET sinais de
hipometabolismo.
A experiência clínica sugere que o tratamento do tumor é necessário para a
melhora do quadro. O uso de corticosteróide, plasmaferese, imunoglobulina
endovenosa, cisclofosfamida ou tacrolimus não modificam substancialmente a evolução
neurológica dos pacientes cujos tumores foram tratados com sucesso. Entretanto, há
relatos de um aparente benefício com imunoterapia. As respostas imunes associadas a
déficit neurológico mais acentuado (Yo, Hu, CRMP5) são também mais refratárias ao
tratamento. A sobrevida é pior nos pacientes com anti-Yo (mediana 13 meses) ou anti-
Hu (mediana 7 meses) do que naqueles com anti-Tr (mediana >113 meses) ou anti-Ri
(mediana >69 meses). Os pacientes submetidos ao tratamento antineoplásico, com ou
sem imunoterapia, sobreviveram por tempo significativamente maior que aqueles não
tratados.
Opsoclonus-mioclonus
Compreende movimentos sacádicos involuntários, caóticos, mutidirecionais,
com componentes horizontais, verticais e de torsão e frequentemente acompanhados de
abalos mioclônicos nos membros e no tronco, ataria cerebelar, tremor e encefalopatia.
Nas crianças a doença é relacionada com presença de neuroblastoma em cerca de
50% dos casos. Nos adultos, os tumores mais comumente relacionados são câncer de
pequenas células do pulmão, da mama e do ovário.
O achado imunológico mais interessante é a demonstração de anticorpos contra
antígenos pós-sinápticos ou de superfície celular.
Nas crianças com opsoclônus paraneoplásico, a imunoterapia inclui
corticosteróides, hormônio adrenocorticotrópico, imunoglobulina endovenosa,
plasmaferese, ciclofosfamida ou rituximab. Embora o opsoclônus responda ao
tratamento, freqüentemente persistem distúrbios residuais motores, da fala, do
comportamento e do sono. Nos adultos o quadro é mais refratário ao tratamento com
imunoterapia.
Encefalite límbica e variantes
A encefalite límbica é um processo inflamatório confinado às estruturas do
sistema límbico. Os pacientes desenvolvem distúrbios do humor e do sono, crises,
alucinações e perda da memória recente que pode evoluir para demência. O EEG revela
focos de atividade epiléptica em um ou em ambos os lobos temporais ou atividade lenta
focal ou generalizada. Assim, na maioria dos casos, o diagnóstico é sugerido pelo
quadro clínico, achados do EEG e RM e alterações inflamatórias no LCR.
Os tumores mais freqüentemente envolvidos são câncer de pulmão, do testículo,
timoma, linfoma de Hodgkin e teratoma.
Ipsilateral motor disfunction from unilateral stroke: implications for the
neuroanatomy of hemiparesis. Noskin O et al. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 79:
401, 2008.
Acredita-se que o acidente vascular cerebral (AVC) unilateral responsável por
hemiparesia afete somente o lado oposto. As conseqüências do AVC na mão ipsilateral
ao hemisfério lesado têm sido pouco estudadas. Há mais de 30 anos, Brodal observou
que sua escrita com a mão direita havia sido comprometida após sofrer um AVC no
hemisfério D causando hemiparesia a E. Posteriormente, outros pesquisadores
confirmaram esse achado, mas em estudos transversais.
O objetivo do presente estudo foi a avaliação longitudinal do desempenho da
mão ipsilateral ao hemisfério lesado, desde a instalação, 1 semana, 3 meses e 1 ano após
o AVC. Foram incluídos 30 pacientes, 23 com lesões subcorticais afetando o trato
corticoespinal e 7 com envolvimento cortical. Foram empregados 2 testes de função
muscular das mãos bilateralmente: um de força muscular (dinamômetro) e outro de
destreza manual (velocidade de encaixe e remoção de 9 blocos plásticos em orifícios –
9HPT).
Resultados
O desempenho motor nas 2 funções mostrou que o teste 9HPT (destreza) foi
significativamente pior que o teste com dinamômetro (força) na mão ipsilateral nos 3
primeiros meses. O teste de destreza melhorou com o passar do tempo enquanto a força
muscular permaneceu minimamente afetada na mão ipsilateral. A análise comparativa
entre a força muscular e destreza nas 2 mãos mostrou que maior fraqueza contralateral
não esteve associada a pior desempenho no teste 9HPT do lado ipsilateral, sugerindo
que as duas funções são dissociáveis.
Conclusões
O comprometimento motor ipsilateral é demonstrável imediatamente após o
AVC e perdura nos períodos subagudos e crônicos. A dissociação entre a força e a
destreza apóia a noção de que elas operem como entidades anatômica e funcionalmente
distintas.
Este estudo sugere que na avaliação da recuperação do AVC o emprego da assim
chamada “mão não afetada” como controle pode subestimar tanto o grau de
comprometimento como o ritmo de melhora funcional.
Vitamin B12 deficiency neurological syndromes: correlation of clinical, MRI and
cognitive evoked potential. Kalita J et al. J Neurol, 255: 353, 2008.
A deficiência de vitamina B12 resulta em várias síndromes neurológicas que
incluem degeneração combinada subaguda da medula, neuropatia periférica, demência e
distúrbios psíquicos. Tem sido relatado o comprometimento da via visual subclínica em
potencial evocado visual em 60% dos pacientes com síndromes neurológicas de
deficiência de B12.
O objetivo do presente estudo foi a avaliação da função cognitiva em pacientes
com deficiência de B12 e a resposta ao tratamento.
Foram incluídos 36 pacientes com baixo nível sérico de B12 (<211pg/ml) e/ou
medula óssea megaloblástica. O teste cognitivo empregou o Mini Mental State
Examination; a função visual foi avaliada por campo, cor e acuidade visual. Os
pacientes foram submetidos ao potencial evocado cognitivo e a Ressonância magnética
da medula cérvico-dorsal e, em alguns casos, a do crânio. Os pacientes foram tratados
com administração parenteral de vitamina B12 1000 ug/dia por 10 dias, dias alternados
por 10 injeções, semanalmente por 1 mês e, então, mensalmente. O desfecho funcional
foi definido como completo (independente para atividades da vida diária) e pobre
(confinamento ao leito).
As síndromes neurológicas constatadas foram: mieloneuropatia com
comprometimento cognitivo em 9, mieloneuropatia em 10, mielocognitivo em 8,
mielopatia em 8 e comprometimento cognitivo isolado em 1. Quinze pacientes referiram
distúrbios de memória e 17 apresentaram baixo escore no Mini Mental.
Os distúrbios de comportamento, sob a forma de agressividade, rigidez de
pensamento, ansiedade, ilusão e alucinação foram características dominantes em 5
pacientes. Dois pacientes eram tratados como tendo esquizofrenia. A paraparesia era
acentuada em 1, moderada em 3, leve em 10 casos; os demais apresentavam força
normal nos membros inferiores. A sensibilidade vibratória e noção de posição
segmentar nos membros inferiores estavam comprometidas em todos os pacientes,
exceto em um e 2 pacientes mostravam nível sensível medular (C4 e D10).
A RM, realizada em 24 pacientes, revelou hipersinal em T2 da região
cervicodorsal e atrofia medular em 11 pacientes cada. A RM do crânio foi realizada em
14 pacientes com múltiplas lesões hiperintensas em T2 em 3 deles.
O potencial evocado cognitivo, realizado em 33 pacientes, não foi registrável em
7 e havia uma latência CzP3 prolongada em 8. A latência P3 e o Mini Mental eram
significativamente anormais nos pacientes em relação ao grupo controle, apesar da
amplitude não ter sido significativamente diferente.
Trinta e um pacientes foram seguidos por 3 meses; 29 deles tiveram recuperação
funcional completa e 2 parcial. A força muscular dos membros inferiores melhorou em
todos e a noção de posição segmentar em 5 pacientes. O distúrbio comportamental
melhorou em todos. O escore do Mini Mental melhorou em todos e normalizou em 29
deles. O potencial evocado apresentou também significativa melhora na latência de P3.
Este estudo mostrou um comprometimento cognitivo leve a moderado, de
caráter reversível, em 47,2% dos pacientes, com associação freqüente de mielo e
mieloneuropatia. Esses quadros apresentaram melhora significativa com o tratamento
com vitamina B12.
On the origin of the treponematoses: a phylogenetic approach. Harper KN et al.
PLoS Negl Trop Dis 2: e148, 2008.
A primeira epidemia de sífilis registrada na história ocorreu na Europa em 1495
e muitos pesquisadores acreditam que a doença tenha chegado ao velho continente
vinda da América, descoberta por Cristovão Colombo em 1492. Este estudo sugere que
a bactéria realmente partiu do Novo Mundo, mas só deu origem à doença sexualmente
transmissível ao se adaptar às condições européias. Compara geneticamente diversas
variedades de Treponema, uma família que inclui, além da sífilis, outras moléstias que
não são sexualmente transmissíveis. Depois de analisar 26 tipos de Treponema
causadores de doenças, os autores montaram uma árvore genealógica da sífilis e
concluiu que a versão sexualmente transmissível da bactéria é a mais recente e tem
como parentes mais próximas versões sul-americanas causadoras de uma doença
conhecida como bouba ou framboesia, que surge sob a forma de lesões na pele. É
possível que os viajantes europeus que levaram a doença para a Europa não tenham
adquirido a bactéria por via sexual; podem ter sido contaminados por meio de qualquer
tipo de contato de pele com uma pessoa com lesões ativas.
Na base da árvore genealógica da bactéria está uma variedade de treponema
natural do Velho Mundo. A teoria mais plausível é de que a bactéria tenha chegado ao
continente americano junto com a humanidade, há milhares de anos. As mudanças que
tornaram a doença mais parecida com a sífilis começaram a emergir nas doenças de
treponema à medida que a bactéria saía da África, rumo ao Oriente Médico e sul da
Europa.
CEFALÉIA Drª. Célia Aparecida de Paula Roesler
Evaluation of an electronic diary as a diagnostic tool to study headache and
prevent premenstrual symptoms in migraineurs. Goldberg J et al. Headache, 47:
384, 2007.
Muitas mulheres apresentam ataques de migrânea durante a menstruação. A migrânea
relacionada com a menstruação (MRM) é caracterizada por crises que ocorrem 2 dias
antes da ocorrência da menstruação até 4 dias após e durante outros períodos do ciclo
menstrual. A migrânea puramente menstrual (MPM) ocorre em algumas mulheres,
somente durante a menstruação.
Este estudo avaliou a eficácia do uso de um diário eletrônico para verificar a relação
entre a ocorrência entre dores de cabeça e a tensão pré-menstrual (TPM) durante o ciclo
menstrual em mulheres com migrânea. Foram analisadas durante 3 meses 20 mulheres
com migrânea que apresentavam ciclos menstruais regulares.
Os resultados obtidos com o estudo nos mostram uma simultaneidade entre as
ocorrências de dor de cabeça e de sintomas de TPM. Elevados sintomas de tensão pré-
menstrual foram persistentes durante a menstruação e foram associadas as dores de
cabeça. Isso sugere que as pacientes com desconforto pélvico e com sintomas da TPM
são mais propensas a problemas relacionados à dor ou que os sintomas da TPM podem
exarcebar a migrânea.
NEUROLOGIA COGNITIVA E DO ENVELHECIMENTO Dr Rogério Gomes Beato
Dr Paulo Caramelli
Eficácia da memantina sobre sintomas psicológicos e comportamentais
relacionados à demência. [Efficacy of Memantine on Behavioral and Psychological
Symptoms Related to Dementia: A Systematic Meta-Analysis]. Maidment ID et al.
Ann Pharmacother 42: 32, 2008.
Os sintomas comportamentais e psicológicos associados à demência (BPSD) são
com freqüência de difícil tratamento e estão associados a um prognóstico ruim. Entre as
alterações comportamentais associadas a maior estresse dos cuidadores destacam-se as
psicoses, os sintomas depressivos, a agressividade, a agitação psicomotora e a apatia.
O objetivo do presente artigo foi avaliar a eficácia da memantina no tratamento
de BPSD.
Foi realizada pesquisa estratégica nas principais bases de dados para identificar
todos os estudos relevantes que tinham sido publicados no período de 1966 a julho de
2007.
Os critérios de inclusão da pesquisa inicial foram: 1) estudos duplo-cegos,
randomizados; 2) sintomas comportamentais e psicológicos associados à demência
avaliados pelo Inventário Neuropsiquiátrico (NPI); 3) Doença de Alzheimer provável,
de acordo com os critérios de NINCDS/ADRDA; 4) tratamento com memantina ou
placebo por pelo menos um mês. A qualidade dos estudos incluídos foi realizada pela
escala Jadad.
A eficácia do tratamento foi avaliada pela comparação da mudança nos escores
do NPI do início até o fim do estudo no grupo com memantina e no grupo placebo.
Inicialmente, foram identificados 161 artigos. Destes, apenas 22 foram
selecionados. Posteriormente, 16 desses estudos foram excluídos, sendo incluídos
apenas seis estudos na meta-análise sistemática.
Em dois estudos a memantina foi usada em combinação com inibidores da
colinesterase e em quatro estudos apenas a memantina foi comparada ao placebo. A
dose de memantina utilizada em todos os trabalhos foi 20 mg/dia.
Foram obtidos dados de alterações do NPI em cinco estudos; um estudo, onde
foram relatados apenas dados iniciais do NPI, não foi incluído no cálculo do efeito
global. Nos cinco estudos, o número de pacientes que receberam memantina foi 868,
enquanto 882 receberam placebo. As perdas de seguimento após a primeira avaliação
foram pequenas a moderadas em todos os estudos, contribuindo para uma perda total de
11-27%. Em nenhum dos trabalhos houve diferença estatisticamente significativa entre
o grupo placebo e o grupo da memantina na porcentagem de perda de seguimento.
Em relação aos resultados, foi observado um efeito estatisticamente significativo
da memantina no NPI em dois estudos, um efeito positivo, mas estatisticamente não
significativo em outros dois estudos e um efeito positivo, mas não significativo, do
placebo em um estudo. A diferença total no valor médio do NPI nos cinco estudos foi -
1,99 (95% IC - 0,08 a - 3,91; p= 0,041).
Como um todo, a memantina mostrou um efeito relativamente modesto, mas
estatisticamente significativo nos escores do NPI. Este resultado é semelhante ao
observado em outra revisão recente (Cochrane), que incluiu três dos estudos mostrados
no presente artigo e mostrou que a memantina melhorou o NPI em 2,76 pontos. Nessa
meta-análise, foi sugerido que a memantina pode ter um papel na agitação associada à
demência.
A redução no escore do NPI de quase dois pontos neste estudo também foi
verificada em outra meta-análise que avaliou os efeitos do tratamento dos inibidores da
colinesterase. Entretanto, as duas meta-análises não podem ser comparadas diretamente
porque os pacientes tratados com inibidores da colinesterase apresentavam sintomas
comportamentais menos intensos.
Os autores enumeraram algumas das limitações do estudo, como o número
reduzido de artigos (cinco), a utilização apenas de artigos em língua inglesa e a
heterogeneidade dos estudos (intensidade da doença e uso concomitante de inibidor da
colinesterase).
Em relação ao efeito sobre a agitação, os autores sugerem que sejam usadas
escalas específicas para a avaliação do sintoma, já que apenas uma questão do NPI é
empregada com essa finalidade.
Por fim, os autores concluíram que a memantina pode ter um efeito positivo no
tratamento de BPSD. Entretanto, esse efeito é relativamente pequeno, e as evidências
disponíveis são insuficientes para que seu uso seja recomendado no tratamento de
BPSD.
Diagnóstico e tratamento da demência: 1. Avaliação de risco e prevenção primária
da doença de Alzheimer. [Diagnosis and treatment of dementia: 1. Risk assessment
and primary prevention of Alzheimer´s disease].
Patterson C, Feightner JW, Garcia A, Hsiung GYR, MacKnight C, Sadovnick D.
CMAJ, 178: 548, 2008.
O objetivo do artigo foi apresentar um guia prático para avaliação de risco e
prevenção primária da doença de Alzheimer (DA) baseados nas recomendações da
Terceira Conferência de Consenso Canadense para o diagnóstico e tratamento de
demência. Como metodologia, foram selecionados estudos publicados entre janeiro de
1996 e dezembro de 2005 que preencheram os seguintes critérios: demência (todas as
causas, DA ou demência vascular) como desfecho, estudos longitudinais, estudos
populacionais, fatores de risco genéticos e fatores de risco gerais (hipertensão,
educação, exposição ocupacional e a agentes químicos). Foram selecionados 60 artigos
sobre fatores de risco modificáveis e 62 sobre fatores de risco genéticos. Avaliando as
bases de evidência destes artigos, foram elaboradas recomendações para a prevenção
primária e avaliação do risco de desenvolvimento da DA.
As recomendações encontram-se resumidas abaixo:
Fatores de risco vasculares:
1- Recomenda-se o tratamento da hipertensão sistólica (>160 mmHg) em
indivíduos com idade acima de 60 anos (além da redução do risco de acidentes
vasculares, a incidência de demência pode ser reduzida). O nível da pressão
arterial sistólica a ser mantido deve ser ≤ 140 mmHg (recomendação grau A,
nível 1 de evidência).
2- Existem evidências favoráveis para o uso de ácido acetilsalicílico e de estatinas
após infarto do miocárdio, de terapia antitrombótica para fibrilação atrial não
valvar e de correção de estenose de carótida > 60%, com o objetivo de reduzir o
risco de evento encefalovasculares. Entretanto, as evidências são insuficientes
para que estas medidas sejam recomendadas com o objetivo específico de
reduzir o risco de demência (recomendação grau C, nível 1 de evidência).
3- Apesar de existirem razões específicas para o tratamento do diabetes mellitus
tipo II, da hiperlipidemia e da hiperhomocisteinemia, as evidências são
insuficientes que se recomende o tratamento destas condições com o objetivo
específico de reduzir o risco de demência (recomendação grau C, nível 2 de
evidência).
Fatores de risco relacionados ao estilo de vida:
1- Apesar das evidências serem insuficientes para a prevenção primária de
demência, os médicos podem ajudar na elaboração de estratégias para a redução
do risco de traumas cranianos graves (recomendação grau C, nível 2 de
evidência).
2- Apesar das evidências serem insuficientes para a prevenção primária de
demência, os pacientes devem ser aconselhados a usarem roupas protetoras
adequadas durante a aplicação de pesticidas, fertilizantes ou outros produtos
químicos (recomendação grau C, nível 2 de evidência).
3- Apesar das recomendações poderem ser feitas com outros objetivos (como parte
de um estilo de vida saudável), as evidências são insuficientes para que se
recomende o aumento dos níveis de atividade física ou mental com o objetivo
específico de reduzir o risco de demência (recomendação grau C, nível 2 de
evidência).
4- Apesar das evidências serem insuficientes para a prevenção primária de
demência, os pacientes podem ser aconselhados a melhorar seu nível
educacional (recomendação grau C, nível 2 de evidência).
5- Apesar das evidências serem insuficientes para a prevenção primária de
demência, os pacientes podem ser aconselhados a aumentar o consumo de peixe,
a reduzir o consumo de gordura da dieta e a ingerir vinho moderadamente
(recomendação grau C, nível 2 de evidência).
Medicações:
1- As evidências são insuficientes para que se recomende a prescrição de
antiinflamatórios não hormonais com o objetivo específico de reduzir o risco de
demência (recomendação grau C, nível 2 de evidência).
2- Existem evidências suficientes contra o uso de estrógeno, sozinho ou em
combinação com progesterona, com o objetivo específico de reduzir o risco de
demência (recomendação grau E, nível 1 de evidência).
3- As evidências são insuficientes para que se recomende a suplementação da dieta
com vitaminas E e C para a prevenção de demência (recomendação grau C, nível
2 de evidência). A vitamina E utilizada em altas doses (≥ 400 UI/dia) está
associada a aumento de mortalidade e não deve ser recomendada (recomendação
grau E, nível 1 de evidência).
Fatores de risco genéticos:
1- Teste genético preditivo, com aconselhamento adequado pré e pós-teste, pode ser
solicitado para os indivíduos com herança autossômica dominante aparente quando uma
mutação familiar específica foi identificada (recomendação grau B, nível de evidência
2), nos seguintes casos:
a- Parentes de primeiro grau (filhos, irmãos, irmãs) de um indivíduo com a mutação;
b- Primos de primeiro grau de uma pessoa afetada se o ancestral comum morreu antes
da idade média de início da demência na família.
c- Sobrinhas e sobrinhos de uma pessoa afetada cujo pai ou mãe (irmão ou irmã da
pessoa afetada) morreu antes da idade média de início da demência na família.
2- Genotipagem para a apolipoproteína E (APOE) em indivíduos assintomáticos na
população geral não é recomendado devido à baixa especificidade e sensibilidade
(recomendação grau E, nível 2 de evidência).
Baseando-se em um trabalho publicado em 2006 sobre os fatores de risco
cardiovasculares e a incidência de demência na população da Escandinávia, os autores
do presente artigo elaboraram um modelo de regressão logística para o risco demência
em 20 anos.
Fator de risco Odds ratio (95% IC) Escore Idade <47 1 0 47-53 2,958 (1,261 – 6,938) 3 >53 5,825 (2,192-15,476) 4 Educação (anos) ≥ 10 1 0 7-9 2,485 (0,982-6,291) 2 <6 3,599 (1,453-8,913) 3 Pressão Arterial Sistólica ≤140 1 0 >140 2,206 (1,169-4,161) 2 Índice de massa corporal (kg/m2) ≤30 1 0 >30 2,296 (1,263-4,173) 2 Colesterol total (mmol/L) ≤6,5 1 0 >6,5 1,879 (1,012-3,491) 2 Atividade física Ativo 1 0 Inativo 1,693 (0,953-3,009) 1 De acordo com os escores obtidos com os fatores de risco, os autores
estabeleceram a probabilidade da ocorrência de demência em idade avançada. Escore Risco (95% IC), % 0-5 1,0 (0,0-2,0) 6-7 1,9 (0,2-3,5) 8-9 4,2 (1,9-6,4) 10-11 7,4 (4,1-10,6) 12-15 16,4 (9,7-23,1) Apesar das recomendações propostas, os autores salientaram que, mesmo
conhecendo alguns dos fatores de risco para demência individualmente, não se sabe a
maneira como eles interagem ou quais fatores de risco são importantes para determinada
proporção de casos de demência. De uma maneira geral, não se conhece exatamente
quais intervenções específicas podem reduzir este risco, e em qual idade elas devem ser
implementadas. E, finalmente, eles discutem a importância da realização de outros
estudos de intervenção longitudinais para se definir as estratégias ótimas de prevenção
de demência.
NEUROIMUNOLOGIA Dr. Marcos Moreira
The differential diagnosis of multiple sclerosis. Rolak LA et al. Neurologist, 13:57,
2007.
O objetivo deste artigo foi rever doenças que podem causar confusão no
diagnóstico de esclerose múltipla (EM). No final do artigo, os autores listam 100
doenças ou condições que podem mimetizar a EM.
Princípios diagnósticos:
Apesar de critérios diagnósticos internacionais serem propostos para o diagnóstico da
EM, eles possuem um valor limitado para os neurologistas. Não existe um manual que
explique como confirmar ou afastar um diagnóstico de EM. O diagnóstico deve ser
baseado por uma história e exame clínico cuidadosos.
Tabela 1. “Red flags” para diagnóstico incorreto de EM I.. História e exame neurológico 1. Exame neurológico normal 2. Anormalidade unifocal; ausência de disseminação no espaço 3. início progressivo desde o início; ausência de disseminação no tempo 4. Início em crianças ou acima dos 50 anos de idade 5. Presença de doença psiquiátrica 6. Presença de doença sistêmica 7. História familiar evidente; considerar doença genética 8. Sintomas relacionados ao acometimento da substância cinzenta, p.e., demência, convulsões, afasia 9. Sintomas relacionados ao sistema nervoso periférico, p.e., neuropatia periférica, fasciculações 10. Ausência de sintomas típicos como neurite óptica, distúrbio esfincteriano, sinal de Lhermitte, etc. 11. Hemiparesia aguda 12. Curso benigno prolongado II. Exames laboratoriais 1. Imagem por ressonância magnética (IRM) anormal ou atípica 2. LCR normal
Tabela 2. Doenças que apresentam disseminação no tempo e espaço e podem
mimetizar o diagnóstico de esclerose múltipla
1. Doença cerebrovascular 2. Hemangioma cavernoso familiar 3. Linfoma SNC 4. Vasculite SNC 5. Neurite sensitiva migratória 6. Miastenia gravis 7. Doença mitocondrial 8. Doença de Sjögren 9. HIV 10. Doença de Eale 11. Lupus eritematoso sistêmico 12. Porfiria 13. Sarcoidose 14. Síndrome do anticorpo antifosfolípide 15. Degeneração espinocerebelar 16. CADASIL 17. Síndromes psiquiátricas 18. Doença de Devic
EPILEPSIA Dr. Luiz Eduardo Betting
Dr. Fernando Cendes
Temporal lobe epilepsy surgery and the quest for optimal extent of resection: A
review. Schramm J. Epilepsia, Online Early Publication: 1, 2008.
Epilepsia de lobo temporal mesial (ELT) é uma síndrome bem caracterizada e
constitui uma das mais freqüentes formas de epilepsia parcial. As principais estruturas
envolvidas na fisiopatologia da ELT são a amígdala e o hipocampo. A maioria dos
pacientes com ELT apresenta refratariedade ao tratamento medicamentoso. Estes
pacientes são candidatos ao tratamento cirúrgico com grande parte deles permanecendo
livres de crises. Estudos prévios sugerem que a ressecção total, ou quase total, do
hipocampo oferece melhor prognóstico com maior porcentual de pacientes livres de
crises. Entretanto, déficits neuropsicológicos podem ser agravados pela cirurgia. Apesar
da melhora de alguns pacientes após o procedimento, o declínio na função cognitiva
constitui uma grande preocupação para epileptologistas e neurocirurgiões. A tentativa
de minimizar esta piora cognitiva é o principal argumento para as cirurgias mais
conservadoras e menos extensas. Portanto, permanece controverso qual tipo de
ressecção oferece o melhor resultado com relação ao controle das crises e função
neuropsicológica. Este artigo procura revisar estudos que detalham o prognóstico
cirúrgico dos pacientes com ELT relacionados com o tipo e extensão da ressecção.
Métodos
O autor realizou a revisão de 53 estudos. Dentre estes, 7 foram prospectivos
sendo que 4 destes 7 foram randomizados.
Resultados
Ressecção ou conservação das estruturas mesiais: Conservar totalmente ou boa parte
de um dos dois principais componentes (amígdala ou hipocampo) das estruturas mesiais
levam a um pior prognóstico. Todos os estudos foram retrospectivos e quase todos os
estudos avaliados não utilizaram ressonância magnética (RM) no pré e pós-operatório.
Lobectomia versus amigdalohipocampectomia seletiva:
1- Prognóstico das crises: 6 de 8 estudos não demonstraram um pior prognóstico
para uma ressecção menor tipo amigdalohipocampectomia seletiva.
2- Prognóstico neuropsicológico: existe considerável evidência para um melhor
resultado com a amigdalohipocampectomia seletiva.
Extensão da lobectomia temporal:
1- Prognóstico das crises: 5 séries demonstraram melhor controle das crises com
ressecções mais extensas. Entretanto, 7 estudos não obtiveram resultados semelhantes.
2- Prognóstico neuropsicológico: a diferente metodologia empregada nos
diversos estudos não possibilitou ao autor traçar conclusões.
Definir a extensão da ressecção através de eletrofisiologia:
Com relação ao prognóstico das crises e neuropsicológico, em apenas 1 de 10
estudos realizados com mapeamento funcional (maioria através de eletrocorticografia)
os autores observaram que a extensão da ressecção mesial afeta o prognóstico. 6 destes
10 estudos não mostraram benefícios com ressecções maiores.
Estudos retrospectivos
Alguns estudos não mencionam a extensão da ressecção. Um estudo que
investigou retrospectivamente fatores preditivos de um melhor prognóstico mostrou que
não houve diferença entre os tipos de ressecção. Entretanto, ressecções limitadas
apresentaram um melhor prognóstico neuropsicológico em comparação com a
lobectomia temporal. Em outra avaliação, os autores demonstraram que 86% dos
pacientes com prognóstico insatisfatório apresentavam estruturas mesiais posteriores
residuais na RM pós-operatória.
Resultados de volumetria pós-operatória
Vários autores concluíram que a análise volumétrica após
amigdalohipocampectomia seletiva indica que existe uma considerável variação entre a
quantidade de tecido ressecado.
Conclusões
Existe pouca evidência classe I (prospectiva, randomizada e controlada pela
RM) favorecendo uma ressecção mais extensa e a maioria dos estudos retrospectivos
não concluíram que a extensão da ressecção está associada a um melhor prognóstico do
controle de crises. A amigdalohipocampectomia parece apresentar um prognóstico
semelhante para o controle de crises e possivelmente melhor na esfera cognitiva.
Permanece pouco claro se a extensão da ressecção das estruturas mesiais esta
relacionada a um melhor prognóstico.
Figura: Figura esquemática (gráfico de barras) mostrando o número e percentual de
estudos indicando: i) os resultados principais dos estudos comparando
amigdalohipocampectomia seletiva (AHS) e ressecção temporal (RT) quanto ao
prognóstico de crises e neuropsicológico; ii) prognóstico de crises e neuropsicológico de
acordo com a extensão da ressecção.
Prognóstico das CrisesAHS vs RT
Prognóstico NeuropsicológicoAHS vs RT
Prognóstico das Crisese extensão da ressecção
Prognóstico Neuropsicológicoe extensão da ressecção
Semelhante
Melhor
Não relacionadoao prognóstico
Relacionado ao prognóstico
Melhor
Semelhante
Relacionadoao prognóstico
Não relacionadoao prognóstico
Número / porcentagem de estudos indicando queressecção menor ressecção maior
6 / 75% 2 / 25%
11 / 79% 3 / 21%
7 / 58% 5 / 42%
1 / 11% 8 / 89%
Schramm J. Epilepsia, 2008.
The ketogenic diet for the treatment of childhood epilepsy: a randomized
controlled trial. Neal EG et al. Lancet Neurol, Published online: 1, 2008.
A dieta cetogênica é uma forma de tratamento utilizada para epilepsia refratária
desde 1920. Seu mecanismo de ação permanece desconhecido. O predomínio de
gorduras e a restrição de carboidratos provavelmente mimetizam a resposta bioquímica
ao jejum fazendo com que corpos cetônicos predominem como a principal fonte
energética para o cérebro. A dieta cetogênica tradicionalmente é considerada mais útil
para o tratamento de pacientes com crises mioclônicas, atônicas, ou o padrão misto
observado na síndrome de Lennox-Gastaut. Entretanto, estudos recentes mostram que
não há diferença de eficácia entre os tipos de crises inclusive entre as crises focais.
Existem estudos evidenciando também utilidade da dieta em pacientes com espasmos
infantis, epilepsia mioclônica severa da infância, esclerose tuberosa e epilepsia
mioclônico astática. Os autores tiveram como objetivo testar a eficácia da dieta
cetogênica com um estudo randomizado e controlado.
Métodos
1- Critérios de inclusão: Foram selecionadas crianças de 2-16 anos, com crises
diárias ou mais de 7 crises por semana, que não responderam a pelo menos 2 drogas
antiepilépticas e que não foram previamente tratadas com dieta cetogênica.
2- Critérios de exclusão: História de hiperlipidemia, litiase renal ou síndromes
de deficiência de ácido orgânico.
As crianças foram randomicamente designadas a receber a dieta cetogênica
imediatamente ou após 3 meses de espera sem modificação no tratamento prévio (grupo
controle). Familiares e investigadores tinham o conhecimento do grupo em que os
pacientes pertenciam. As medicações antiepilépticas não foram modificadas durante
este período.
O objetivo principal foi avaliar a eficácia da dieta caracterizada por redução no
número de crises. Esta redução foi investigada através de diários de crises. As crises
foram documentadas após um período de 3 meses e o grupo de pacientes recebendo
dieta cetogênica foi comparado com o grupo controle.
Resultados
73 crianças receberam dieta cetogênica e 72 foram selecionadas para o grupo
controle. Para análise, os dados de 54 crianças recebendo dieta e de 49 controles
estavam disponíveis. Após 3 meses, a porcentagem média das crises estava
significativamente menor no grupo de pacientes recebendo dieta em comparação com
controles (diminuição de 75%). 38% (24 crianças) no grupo recebendo dieta
apresentaram uma diminuição maior do que 50% na freqüência de crises em
comparação com 6% (4 crianças) do grupo controle e 7% (5 crianças) apresentaram
redução de 90% das crises. Não houve diferenças de eficácia entre epilepsias
generalizadas sintomáticas e epilepsias focais sintomáticas. Os efeitos adversos mais
freqüentes foram: constipação, vômitos, falta de energia e fome.
Conclusões
Os resultados desta pesquisa favorecem a dieta cetogênica como forma de
tratamento para crianças com epilepsia refratária ao tratamento medicamentoso
independentemente da síndrome epiléptica.
MOLÉSTIAS INFECCIOSASDr. Marcus Tulius T Silva
The varicella zoster virus vasculopathies. Clinical, CSF, imaging, and virologic
features. Nagel et al. Neurology, 70:853, 2008.
O diagnóstico clínico da doença vascular cerebral da varicela zoster baseia-se na
história recente de zoster, sinais e sintomas neurológicos agudos, anormalidades na TC
ou RNM que indicam isquemia ou hemorragia, evidência angiográfica de estreitamento
vascular e pleocitose liquórica. Tipicamente, a doença vascular da varicela zoster
envolve uma ou mais artérias cerebrais. A vasculopatia unifocal habitualmente segue a
distribuição oftálmica do zoster e comumente afeta grandes artérias da circulação
anterior ou posterior. A vasculopatia multifocal normalmente envolve ramos de grandes
ou de pequenas artérias, sobretudo em pacientes imunodeprimidos.
O diagnóstico da vasculopatia pelo zoster nem sempre é fácil, haja vista que (1)
a doença neurológica desenvolve-se semanas e mesmo meses após o zoster e o AVC ou
AIT são, nestes casos, atribuídos à doença ateroesclerótica, (2) nem todos os pacientes
têm uma história de lesões cutâneas, (3) outras vasculopatias produzem os mesmos
sintomas e alterações na imagem e no liquor, e (4) a análise virológica normalmente é
limitada à pesquisa do DNA viral.
Nesta interessante revisão de 30 casos de vasculopatia por zoster os autores
descrevem as características clínicas, radiológicas, virológicas e a evolução com o
tratamento. Destes 30 casos, 23 já haviam sido publicados no passado. Eles
classificaram radiologicamente os casos em doença de grandes vasos exclusivamente
(se havia acometimento em carótida interna, carótida externa, cerebral anterior ou seus
principais ramos, cerebral média ou seus ramos, cerebral posterior, basilar, vertebrais,
cerebelar posterior-inferior ou cerebelar anterior-inferior), exclusivamente de pequenos
vasos (lesões isquêmicas em territórios de artérias perfurantes) ou acometimento misto
(pequenos e grandes vasos).
A idade dos pacientes variou de 1 a 88 anos, e 50% eram do sexo masculino.
Onze pacientes apresentavam alguma imunodeficiência, sendo que cinco pacientes eram
infectados pelo HIV. A lesão cutânea pode ser identificada em 63% dos casos.
Pleocitose liquórica foi observada em 67% dos pacientes. Em 97% dos pacientes
alguma anormalidade foi encontrada nos exames de TC ou RNM compatíveis com
vasculopatia, sendo que as lesões em substância branca foram mais prevalentes do que
as lesões corticais. Dos 23 pacientes que foram submetidos à arteriografia, 70%
apresentavam alguma anormalidade (oclusão ou estreitamento). De acordo com a
classificação utilizada, 50% dos pacientes tinham doença de grandes vasos, 37% tinham
doença de pequenos vasos e 13% tinham doença mista.
Quando os autores compararam os pacientes com imunossupressão com os
imunocompetentes, a única variável que mostrou diferença significativa foi a presença
do DNA viral pela PCR, que foi mais freqüente entre os imunodeprimidos.
Dos 30 pacientes, apenas 30% apresentavam DNA viral no liquor pela PCR,
enquanto que em 97% dos casos foi possível a detecção de anticorpos IgG anti-varicela.
Assim, a sensibilidade do PCR para a detecção de vasculopatia do zoster foi de 30% e a
sensibilidade do anticorpo IgG anti-varicela foi de 93,33%.
Interessante observar que o intervalo médio entre o surgimento da lesão cutânea
e o déficit neurológico foi de 4,2 meses, tendo variado de um dia a até dois anos.
Dos 30 pacientes, 15 receberam aciclovir IV por 14 a 28 dias. Destes, 60%
melhoraram precocemente, 7% estabilizaram, 13% pioraram e morreram. Em outros
três que pioraram foi acrescentado corticóide ao esquema, o que foi seguido por
melhora clínica. Em 12 pacientes o corticóide foi acrescentado desde o início da infusão
do aciclovir. Destes, 67% melhoraram rapidamente, 8% permaneceram estáveis e 25%
pioraram.
Os autores concluem dizendo que a ausência de lesão cutânea não afasta a
possibilidade do diagnóstico de vasculopatia pelo zoster, tendo em vista que alguns
pacientes podem mesmo não ter tido a lesão e que em muitos o tempo entre a lesão e o
evento cerebral é tão longo que o zoster passa a não ser mais considerada como uma
possibilidade como causa da doença cerebrovascular (isto é particularmente verdadeiro
para pacientes idosos com conhecidos fatores de risco para doença cerebrovascular).
Outro dado ressaltado é que a ausência de pleocitose e a PCR negativa não afastam o
diagnóstico, tendo em vista que a única prova liquórica com alta sensibilidade é a
pesquisa dos anticorpos IgG anti-varicela. Eles verificaram que o DNA viral torna-se
indetectável a partir do 14° dia de infecção, quando então os títulos de anticorpos
começam a se elevar. O longo período entre a lesão cutânea e o início do quadro
neurológico é que explica a possibilidade do PCR ser negativo.
NEUROLOGIA INFANTIL Dra. Umbertina Conti Reed
Epileptic spasms: a variety of etiologies and associated syndromes. Goldstein J et al
J Child Neurol, 23:407, 2008.
Os espasmos epilépticos são crises epilépticas generalizadas de difícil classificação,
caracterizadas por surtos periódicos de flexão ou extensão súbita do segmento axial ou
proximal de ambos os membros, fora da faixa etária de incidência da síndrome de West.
Quando se limitam ao segmento cefálico, aos ombros ou à região abdominal são de
difícil reconhecimento pelos pais e, conseqüentemente, dificultam a avaliação da
eficácia do tratamento por não serem interpretadas como crises epilépticas. O padrão
eletrencefalográfico consiste de uma onda lenta difusa mais evidente nas derivações
frontais, seguida por um surto de poliespículas de amplitude decrescente, não existindo
padrão hipsarrítmico, cuja falta é justamente o principal dado para diagnóstico
diferencial com casos de síndrome de West de início tardio. O objetivo do estudo foi
avaliar 28 pacientes entre 22 meses e 13 anos de idade com espasmos epilépticos a fim
de investigar a etiologia e o melhor esquema de tratamento. Foram incluídas as crianças
que tiveram inicialmente o diagnóstico de espasmos infantis e aquelas nas quais os
espasmos epilépticos representaram um evento novo dentro do seu quadro clínico.
Assim, 15 crianças pertenceram ao primeiro grupo, enquanto 13 apresentaram os
espasmos como acontecimento novo ao longo da evolução de um quadro epiléptico.
Dois terços dos pacientes apresentavam mais de um tipo de crise epiléptica e em pouco
menos de um terço foi diagnosticada uma síndrome epiléptica específica: Lennox-
Gastaut em cinco, Doose em dois, Dravet em um e uma combinação de Lennox-Gastaut
e Doose em um. Os tipos de crises epilépticas mais freqüentemente associadas aos
espasmos foram: parciais em sete (25%) e tônico-clônicas, tônicas e mioclônicas, cada
tipo em cinco crianças respectivamente (18%). Os autores não obtiveram dados para
confirmar se os espasmos predominam ao acordar ou ao ser acordado, fato que é
descrito comumente na literatura. A eficácia dos esquemas de tratamento combinando
drogas anti-epilépticas, ACTH e/ou utilizando dieta cetogênica, mostrou-se muito baixa
sendo que apenas 18% das crianças estavam livres de crises no momento da avaliação.
A investigação etiológica, metabólica, genética ou de neuroimagem permitiu a
confirmação etiológica em apenas quatro crianças, sendo três com esclerose tuberosa e
uma com síndrome de Aicardi. Entretanto, entre 23 crianças que dispunham de
ressonância magnética, em 17 (74%) a neuroimagem evidenciou anormalidades
estruturais ou displásicas (em 10 pacientes) e anormalidades provavelmente seqüelares a
eventos pré ou perinatais (em sete pacientes). Os autores concluem que os espasmos
epilépticos sugerem nitidamente um mau prognóstico e grande refratariedade ao
tratamento e que alterações estruturais corticais ou subcorticais parecem ser mais
implicadas na etiologia dos espasmos do que distúrbios metabólicos e genéticos. Isto
sugere que tratamento cirúrgico da epilepsia pode eventualmente ser considerado entre
as opções terapêuticas. Em relação à esclerose tuberosa, classicamente associada aos
espasmos infantis, consideram que esta também pode ser uma causa comum de
espasmos, mais freqüentemente do tipo recorrentes após a ocorrência de síndrome de
West inicialmente.
Autism and metabolic diseases. Manzi B et al. J Child Neurol, 23:307, 2008.
Embora cerca de 80% dos casos de autismo permaneçam sem etiologia definida,
as anormalidades citogenéticas e os defeitos de genes específicos, tais como síndrome
do X frágil e esclerose tuberosa são responsáveis por cerca de 10% dos casos e acredita-
se que cerca de 5% possam ser atribuídos a erros inatos do metabolismo. Os autores
revisam as principais doenças neurometabólicas que podem se apresentar com fenótipo
de autismo; este pode estar evidente desde os primeiros meses, por exemplo, na
fenilcetonúria, ou ser desencadeado por algum tipo de stress ou agressão ao sistema
nervoso central ao longo dos dois primeiros anos de vida, por exemplo, na deficiência
de adenilsuccinase. Outras doenças progressivas como a forma infantil de ceróide-
lipofucsinose, a doença de Sanfilippo e a deficiência de biotinidase podem manifestar-
se com demência precoce, atraso e posteriormente involução do desenvolvimento
neuropsicomotor com perda da função cognitiva.
As principais doenças neurometabólicas que começam nos três primeiros anos
de vida podendo apresentar manifestações de autismo são de herança autossômica
recessiva e algumas são potencialmente tratáveis: fenilcetonuria; deficiência de
adenilsuccinase; deficiência de creatina (guanidino-acetato metiltransferase, arginina-
glicina amidinotransferase, ou do transporte transmembrana de creatina); erros inatos da
biosíntese do colesterol (variante da síndrome de Smith-Lemli-Opitz); deficiência de
biotinidase; forma infantil de ceróide lipofuscinose; doença de Sanfilippo; histidinemia;
deficiência de desidrogenase semialdeído succínico; deficiência de dihidropirimidina
desidrogenase. Os autores revisam os principais aspectos destas doenças, lembrando
que mais recentemente também algumas miotocondriopatias têm sido implicadas em
manifestações autísticas. Os autores salientam que a investigação metabólica deve ser
efetuada somente em casos seletivos de autismo que se acompanham de letargia,
vômitos cíclicos, crises epilépticas de início precoce e aspectos dimórficos. No entanto,
em crianças com aparência normal e comprometimento moderado da linguagem que
mostrem comportamento autista, a investigação metabólica não traz resultados
conclusivos.
Em algumas doenças o diagnóstico precoce permite intervir também
precocemente para minorar o déficit cognitivo e comportamental. Assim, para a
fenilcetonúria e a histidinemia existem dietas apropriadas; para a deficiência de creatina,
esta é suplementada por via oral; para a síndrome de Smith-Lemli-Opitz e para a
deficiência de biotinidase utiliza-se a terapia de reposição, respectivamente com
colesterol e cofator de biotina e, finalmente para a deficiência de desidrogenase
semialdeído succínico pode-se tentar a vigabatrina.
DOPPLER TRANSCRANIANO Dra. Adriana Fontoura Alves
Dr. Marcos Lange
Papel do Doppler transcraniano em neurointensivismo. Saqqur M et al. Crit Care
Med, 35[Suppl.]:S216, 2007.
O exame de Doppler transcraniano (DTC) tem sido utilizado de forma crescente
para avaliação de pacientes portadores de lesões neurológicas que ameaçam a vida. O
propósito dessa revisão é descrever suas indicações mais comuns nas unidades que
envolvem cuidados de pacientes neurológicos críticos.
A aplicação mais utilizada do DTC em Unidades de Terapia Intensiva é na
detecção de vasoespasmo em vítimas de hemorragia subaracnóidea. Adicionalmente, o
DTC vem sendo utilizado para estimar, de forma não invasiva, a pressão intracraniana e
pressão de perfusão cerebral em portadores de traumatismo craniencefálico. Ainda, o
estudo da auto-regulação vascular cerebral e da vasorreatividade ao CO2 tem
demonstrado implicações prognósticas e potencial de orientação para terapias
individualizadas. O DTC é também amplamente utilizado no contexto da confirmação
do diagnóstico de morte encefálica.
Hemorragia subaracnóidea (HSA): vasoespasmo cerebral é uma constrição
tardia dos vasos cerebrais, induzida por componentes do sangue em contato com as
parede desses vasos, após a hemorragia subaracnóidea. Usualmente, começa após o 3º
dia do quadro ictal, sendo máximo entre o 6º e o 8º dias, e pode causar déficits
isquêmicos tardios, evidenciados nesses pacientes, além da elevação de suas estatísticas
de mortalidade.
A angiografia cerebral é considerada o padrão ouro para a detecção do
vasoespasmo, entretanto, é um procedimento invasivo e não isento de complicações,
como AVEI, devido à embolia, dissecção ou ruptura das artérias cerebrais. Há cerca de
20 anos foi proposta a utilização do DTC para o diagnóstico do vasoespasmo, baseando-
se no princípio hemodinâmico que define ser a velocidade do fluxo sangüíneo, na
artéria, inversamente relacionada ao seu diâmetro. Atualmente alguns pesquisadores
têm defendido até a substituição da angiografia pelo DTC.
A avaliação começa com a obtenção de um estudo basal 2 ou 3 dias após o ictus
hemorrágico e os exames são repetidos diariamente do 4º ao 14º dia, através da análise
por DTC das artérias cerebrais médias (ACM), através da janela temporal. A seguir, via
janela submandibular, obtêm-se as velocidades de fluxo das artérias carótidas internas
cervicais (ACIC). Dessa forma é possível calcular o índice de Lindegaard, ou índice
hemisférico, que consiste na razão entre as velocidades médias de fluxo da ACM e da
ACIC ipsilateral. Salvaguardadas características individuais (definidas por ocasião do
exame basal), valores de 1,7 +/- 0,4 são considerados normais; valores > 3 indicam
vasoespasmo moderado e valores > 6 indicam vasoespasmo severo da ACM.
O DTC apresenta a vantagens para a monitorização do vasoespasmo cerebral em
ambiente de neuro-UTI por ser portátil, não invasivo e facilmente executado de forma
seriada. Por outro lado, há limitações operador-dependentes.
Traumatismo craniencefálico (TCE): as medidas de pressão intracraniana (PIC)
e pressão de perfusão cerebral (PPC) são recomendadas para o acompanhamento de
pacientes com TCE grave. De forma convencional, a PIC é medida de forma invasiva,
envolvendo riscos de infecção, hemorragia, obstrução, mau posicionamento. Tem sido
sugerida a utilização do DTC como método não invasivo desses parâmetros, entretanto,
as fórmulas inicialmente propostas demonstraram, até o momento, resultados não
animadores.
Avaliação da reatividade ao CO2 e auto-regulação: após injúria encefálica,
comprometimento da reatividade ao CO2 tem sido associada a pior prognóstico. Há a
sugestão de que os distúrbios evidenciados pelo DTC possam ser utilizados para
otimizar o estado hemodinâmico encefálico após a lesão, entretanto, a utilidade dessa
abordagem ainda deve ser testada, quanto aos efeitos sobre o prognóstico, em estudos
clínicos.
Morte encefálica: os achados do DTC compatíveis com morte encefálica
incluem: 1) espículas sistólicas e fluxo diastólico reverso; 2) espículas sistólicas e
ausência de fluxo diastólico; 3) ausência completa de fluxo, em paciente cujo fluxo
tenha sido claramente documentado em exame de DTC prévio. A sensibilidade tem sido
descrita em 88% e a especificidade em 98%, observando-se que alguns pacientes
necessitam de exames seriados para atingirem os critérios descritos.
Conclusão: o DTC é uma modalidade de monitorização estabelecida para
unidades de pacientes neurológicos críticos. É um teste válido para detecção de
vasoespasmo em pacientes com HSA e pode utilizado para orientar sua terapêutica.
Evidências recentes sugerem que se trata de um método que pode diagnosticar
elevações críticas da PIC e reduções da PPC. Sua utilização quanto à reatividade ao
CO2 pode auxiliar o intensivista a otimizar a CPP e individualizar a terapêutica
ventilatória. Finalmente, os achados do DTC em morte encefálica permitem uma
abordagem mais dinâmica, como teste confirmatório, em relação à angiografia.
Sonothrombolysis with transcranial color-coded sonography and recombinant
tissue-type plasminogen activator in acute middle cerebral artery main stem
occlusion. Results from a randomized study. Eggers J et al, Stroke, 39:1470, 2008.
Nos últimos anos, após a introdução da terapia trombolítica no AVCi
hiperagudo, vários pesquisadores vêm tentando aprimorar esta técnica para uma melhor
evolução clínica dos pacientes tratados, isto podendo ocorrer por diferente meios como
via de infusão medicamentosa (arterial), uso de mecanismos (“Mercy”) e associação da
sonotrombólise, esta tendo sido demonstrada eficaz em um estudo recente (CLOTBUST
– resumo publicado no primeiro número deste periódico em 2005). No momento,
sabemos que a utilização da sonotrombólise por meio do Doppler transcraniano (DTC)
com transdutor de 2MHz aumenta a possibilidade de recanalização completa (38% x
13%) e ainda que o uso de solução contrastante associada aumenta ainda mais a
recanalização (54,5% x 23,9%).
No caminho contrário, a utilização de Doppler de menor frequência (300KHz –
estudo TRUMBI) apresentou altos índices de transformação hemorrágica sintomática
(36%), muito acima dos estudos com tPA (6,4%) ou tPA associado com sonotrombólise
por DTC (4,8%).
Neste estudo, os autores analisaram o efeito da sonotrombólise em pacientes
com TIBI = 0 em artéria cerebral média, isto é, oclusão proximal deste vaso através do
ecoDoppler transcraniano, método que difere do DTC por permitir a visualização do
parênquima e do vaso insonado por meio de Doppler colorido, além de utilizar
transdutor de 1,8MHz. Os resultados obtidos comparando-se o grupo sonotrombólise +
tPA (n=19) versus tPA isolado (n=18), demonstrou maior velocidade na recanalização
nos primeiros 20 minutos após o início do tratamento no grupo sonotrombólise + tPA
versus tPA (31,6% versus 5,5%) persistindo até a primeira hora (57,9% versus 22,2%)
respectivamente, além de melhora clínica através da avaliação pela escala do NIH para
AVC no quarto dia (mediana: 14 versus 17) e do Índice de Barthel após 90 dias (oito
pacientes do grupo sonotrombólise + tPA com IB > 95 versus nenhum no grupo tPA).
Porém houve um aumento significativo de transformação hemorrágica sintomática no
grupo de sonotrombólise + tPA versus tPA (15,8% versus 5,6%), o que nos demonstra
que apesar de o ecoDoppler transcraniano já estar incluído na prática clínica de
diferentes serviços de neurologia vascular, sua utilização como amplificador do efeito
trombolítico do tPA ainda não está estabelecida, e novos estudos devem ser aguardados
para melhor conduta para nosso pacientes.
NEUROFISIOLOGIA CÍNICA Dr. Lineu Correa Fonseca
Dra. Jeanette Inglez de Souza Farina
Memory activation enhances EEG abnormality in mild cognitive impairment.
Hiele et al. Neurobiology of aging, 28:85-90, 2007.
Perda progressiva da memória é considerada um dos sinais mais precoces da doença de
Alzheimer (DA). O termo comprometimento cognitivo leve (CCL) foi introduzido para
definir um grupo de pacientes com probabilidade elevada de conversão para doença de
Alzheimer. No CCL há um comprometimento isolado da memória que não interfere nas
atividades cotidianas. CCL é um grupo heterogêneo, pois alguns pacientes desenvolvem
DA, outros caminham para outros tipos de demência e, ainda, outros voltam ao seu
estado funcional anterior. Identificar os pacientes que caminham para demência é
importante, pois poderá, no futuro, haver benefício com terapêutica e conseqüente
melhora da qualidade de vida. O eletrencefalograma tem potencial como ferramenta no
diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com DA. Nesta pesquisa, os autores
adotaram a hipótese de que a análise quantitativa de freqüências do EEG (EEGq), em
diferentes estados funcionais, pudessem detectar diferenças entre indivíduos com CCL e
indivíduos sadios.
Treze pacientes com CCE e 17 controles sadios foram submetidos a avaliação médica
geral, neurológica, ressonância de crânio e com testes neuropsicológicos (Groninger
Intelligence Test, Cambridge Cognitive Examination, Mini Exame do Estado Mental e
Escala de Memória de Wesdchler). Todos os participantes estavam sem medicação
psicotrópica e não apresentavam distúrbios psiquiátricos ou neurológicos.
Os EEGs foram obtidos com eletrodos segundo o sistema 10/20, com 200 amostras por
segundo e em cinco condições funcionais, a saber. Na primeira condição os olhos
estavam fechados, em repouso e na segunda, com os olhos abertos. Nas duas fases
seguintes foram apresentadas visualmente palavras e figuras e os indivíduos eram
solicitados a memorizar. Foram escolhidos para análise do EEGq os períodos em que os
indivíduos tentavam memorizar, de olhos fechados, o que foi apresentado. Na última
fase, foi analisado o período do EEG em que, após solicitação, o indivíduo tentava
lembra de nomes de animais (fluência verbal). Foram comparados os espectros de
potência nas faixas teta, alfa inferior e alfa superior nos grupos CCL e controle. Não
houve diferenças significativas na fase de repouso, com os olhos fechados entre CCL e
controles, porém, nas fases de memorização de figuras, houve, estatisticamente, menor
redução (reatividade) da potência alfa inferior, de modo difuso, nos pacientes com CCL.
Comentários
A faixa alfa inferior da atividade elétrica cerebral refletiria os processos de atenção e
estaria ligada a desempenho inferior em tarefas de memorização, em acordo com outros
estudos da literatura. O EEGq permitiria detectar alterações não evidentes no EEG
convencional. Vários estudos do EEGq durante atividades cognitivas têm sido
realizados e evidenciado diferenças entre controles, pacientes com CCL e com
Alzheimer. Os métodos de estudos funcionais implicam em várias dificuldades
metodológicas, mas parecem ser um caminho promissor de pesquisas com objetivos de
contribuição diagnóstica e de acompanhamento de terapêuticas.
Improved predicition of awakening or non awakening from severe anoxic coma
using tree-based classification analysis. Fischer C et al. Crit Care Med, 34:1520,
2006.
Os autores enfatizam a necessidade de se estabelecer uma predição acurada do despertar
ou não-despertar nos pacientes em coma pós-anóxia. Utilizando os potenciais evocados
cognitivos e somatossensitivos para avaliar a função cerebral nesses pacientes,
estabeleceram um algoritmo para a predição do despertar ou não-despertar nessa
situação clínica. Foi realizado um estudo prospectivo com 62 pacientes consecutivos
que chegaram a um hospital universitário em coma severo após parada cardíaca fora do
hospital. Foram registradas as variáveis clínicas e realizados estudos de potenciais
evocados somatossensitivos, auditivos e cognitivos em um período médio de 8 dias após
a parada cardíaca. Os pacientes foram, então, seguidos por 12 meses e classificados
como despertos ou ou não-despertos ( estado vegetativo permanente ou morte). A
análise estatística incluiu medidas de sensibilidade, especificidade e valores preditivo
positivo e negativo para cada variável clínica e neurofisiológica registrada no estágio
inicial do coma. Alem disso, foi realizada a análise de um algoritmo de classificação
aplicado. Todos os pacientes nos quais os potenciais somatossensitivos ou auditivos de
média latência estavam abolidos não acordaram: 100% de especificidade. Todos os
pacientes nos quais a mismatch negativity (MMN) estava presente acordaram: 100% de
especificidade. A MMN foi superior aos potenciais somatossensitivos para a predição
do despertar e teve a melhor especificidade e valor preditivo positivo para o despertar.
No algoritmo de tomada de decisão, as variáveis explicativas para despertar e não-
despertar foram, por ordem de importância, MMN, reatividade pupilar e potenciais
somatossensitivos. Os autores concluem que o protocolo descrito é aplicável a qualquer
paciente nessas condições e prediz com alta probabilidade o despertar quando a MMN
(o componente mais precoce dos potenciais cognitivos) está presente, e o não-despertar
quando a MMN e os reflexos pupilares estão ausentes ou os componentes corticais dos
potenciais somatossensitivos estão abolidos.
DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR/ELA
Dr. Mário Emílio Dourado Jr.
A presença em determinados indivíduos de fraqueza muscular assimétrica e
progressiva, acompanhada de arreflexia e preservação da sensibilidade é comum na
prática neuromuscular. Nessa síndrome está incluindo desde Doenças do Neurônio
Motor (Atrofia Muscular Progressiva ou Esclerose Lateral Amiotrófica), formas raras
de Atrofia Muscular Espinhal e, em especial, a Neuropatia Motora Multifocal (NMM).
A NMM é uma neuropatia inflamatória caracterizada por fraqueza muscular
assimétrica sem alteração sensitiva, de início focal e distal nas extremidades inferiores,
secundária a bloqueio da condução motora. É mais freqüente em homens, com média de
idade de 40 anos. A fraqueza se distribui num nervo e fasciculação não é comum.
Diferente da DNM, a fraqueza na NMM não é acompanhada de atrofia, especialmente
na fase inicial da doença.
Critérios diagnósticos para NMM, baseados na clínica e no estudo
eletrofisiológico, foram propostos (anexo 1). Os pacientes também podem apresentar,
em 20 a 80% dos casos, anticorpos da classe IgM contra gangliosídeos (GM1, asialo-
GM1, GM2 e GD1a).
A característica principal da NMM é a presença de bloqueio da condução (BC)
motora (BC = redução da amplitude do potencial com estimulação proximal,
comparando com a amplitude do potencial estimulando o nervo distalmente). O BC
deve está fora dos locais comuns de compressão (p ex, síndrome do túnel do carpo). O
BC na NMM é devido a uma desmielinização regional resultando numa falha focal de
propagação do impulso elétrico do axônio motor ou por alteração da excitabilidade e da
condução iônica do axônio motor imuno-mediada.
O BC não é específico da NMM, pode existir em neuropatias desmielinizantes
(SGB, PDIC) e em neuropatias compressivas. Todavia, na NMM não há envolvimento
sensitivo. Na PDIC outras alterações desmielinizantes são observadas (alteração da
latência distal, redução da velocidade de condução, aumento da duração dos potenciais
de ação composto muscular).
Diferentemente da DNM/ELA, a NMM tem evolução favorável e pode melhorar
com imunoglobulina endovenosa (IgEV), plasmaferese ou ciclofosfamida. A prednisona
é ineficaz. A melhora com IgEV na maioria das vezes é transitória, necessitando
infusões repetitivas e por tempo prolongado.
Intravenous immunoglobulin as short- and long-term therapy of multifocal motor
neuropathy: a retrospective study of response to IVIg and of its predictive criteria
in 40 patients. Léger J-M et al. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 79:93, 2008.
Os autores apresentam a resposta em curto e longo prazo do tratamento com
infusões periódicas de um único tipo de imunoglobulina humana intravenosa em
pacientes portadores de neuropatia motora multifocal (NMM). Também analisaram
possíveis fatores indicadores de uma boa resposta ao tratamento.
A resposta de curto tempo era definida com melhora de pelo menos um ponto na
força muscular manual em pelo menos 16 músculos estudados num período de 6 meses.
A resposta ao longo prazo era dividida em três grupos: grupo 1: remissão; grupo 2:
estabilização, com necessidade de infusão periódica de IgEV; e grupo 3: sem resposta.
Foram avaliados retrospectivamente 40 pacientes, 22 nunca receberam
tratamento com IgEV e 18 já foram tratados previamente. A dose administrada era
2g/Kg, por 3 a 5 dias, a cada mês, por 6 meses, seguida de tratamento de manutenção
(com a mesma dose) em caso de piora clínica.
A força muscular melhorou significativamente em 14 dos 20 pacientes que
nunca receberam tratamento (p=0,0001). O bloqueio da condução diminui em 8
indivíduos, com desaparecimento completo em 2; não modificou em 4 e aumentou em
2. Não foi identificado nenhum fator que indicasse uma boa resposta ao tratamento.
Após 6 meses de tratamento, apenas 8 indivíduos (22%) estavam em remissão, 25
pacientes (68%) eram dependentes de infusões periódicas de IgEV, 4 (11%) não
melhorara. Os dados foram insuficientes para uma análise em longo prazo em três
pacientes.
Os autores comentam a dificuldade de comparar os trabalhos previamente
publicados sobre o tratamento de NMI com IgEV em face de diferentes doses
utilizadas, a não uniformidade quanto a formas de avaliar a resposta terapêutica, a
ausência de uma escala funcional validada. Eles confirmam a boa resposta terapêutica
em curto prazo (6 meses) na maioria dos indivíduos, entretanto a resposta em longo
prazo não é a ideal (apenas 20% eram capazes de parar o tratamento).
Case records of the Massachusetts General Hospital. Case 40-2007. A 38-year-old
man with weakness in the hands. Triggs WJ et al. N Engl J Med, 357:2707, 2007.
Trata-se de estudo de um caso de um homem, de 38 anos, que apresentava
fraqueza assimétrica nas mãos, direita pior que a esquerda, arreflexia generalizada, sem
dor ou perda da sensibilidade e de 8 meses de evolução. A fraqueza era mais intensa na
distribuição do nervo radial. Não havia fasciculações. Antecedente pessoal de artrite
reumatóide. O paciente submeteu-se a um estudo eletromiográfico que concluiu como
envolvimento difuso do segundo neurônio motor, sem bloqueio da condução. Estudos
hematológico, bioquímico, genético e imunológico, incluindo anticorpos anti-
gangliosídeos, foram normais ou negativos, exceto anticorpo anti peptídeo citrulinade.
RNM cervical normal. Submeteu-se a infusão de IgEV por cinco dias. O paciente
referiu uma melhora subjetiva, porém o seu neurologista não objetivou. Posteriormente
o paciente foi tratado com riluzole, minoxciclina, celocoxib e conenzima Q10. Evoluiu
com fraqueza para a dorso-flexão dos pés. Não havia sinais de envolvimento do
primeiro neurônio motor.
Na discussão é feito uma revisão sobre as manifestações neurológicas da artrite
reumatóide (neuropatias compressivas e neuropatias periféricas), onde o envolvimento
sensitivo é regra. Também se aborda as Doenças do Neurônio Motor, em especial a
atrofia muscular progressiva. Segundo o debatedor, a presença de arreflexia nos
miótomos não afetados é mais sugestiva de NMM. Outros dados clínicos importantes
para o diagnóstico de NMM são: a fraqueza na distribuição de um nervo e a ausência ou
pouca freqüência de fasciculações.
O estudo realizado para o diagnóstico foi a repetição da eletromiografia, agora
estudando um maior número de nervos motores e incluindo a análise de segmentos
proximais (incluindo a estimulação de raízes cervicais).
Na nova EMG havia bloqueio da condução motora (BC de 53% no radial direito;
BC de 63% no mediano direito, estimulação cervical; BC de 56% no cubital direito,
entre cervical e axila).
A ausência de resposta a IgEV não afasta o diagnóstico de NMM. A melhora
com IgEV pode ser de curto tempo e pode não ser perceptível por avaliação clínica,
sendo necessário quantificá-la (força muscular ou estudos neurofisiológicos).
The history of progressive muscular atrophy. Syndrome or disease? Visser J et al.
Neurology, 70:723, 2008.
Atrofia Muscular Progressiva, uma síndrome ou uma doença? A partir desse
questionamento os autores fazem uma excelente e concisa revisão história sobre o
diagnóstico AMP.
Aran, em 1850, publicou 11 casos de uma doença até então não conhecida
caracterizada por fraqueza muscular progressiva, atrofia e fasciculações. O mesmo
designou-a de AMP. Duchenne realizou estimulação elétrica em todos os pacientes de
Aran. A doença ficou também conhecida como doença de Aran-Duchenne.
Ambos os pesquisadores acreditavam que a doença era muscular. Porém, em
1953, Cruveilhier especulou que fosse de origem neural ao descobrir na autopsia de um
dos pacientes de Aran atrofia nas raízes ventrais. A origem neuronal foi confirmada por
Luys em Paris (1860) e Lockhart Clarke em Londres ao demonstrar degeneração das
células da ponta anterior da medula.
Charcot e Joffrol, em 1869, publicaram a autopsia de dois pacientes clinicamente
com AMP que apresentavam degeneração das células da ponta anterior da medula e dos
fascículos anterolateral da medula espinal. O final dessa história já é bem conhecido.
Após uma série de trabalhos Charcot delimita bem a AMP da ELA. Para Charcot na
AMP há uma lesão primária das células da ponta anterior da medula. Na ELA, a lesão
primária está nas vias descendentes da coluna lateral causando uma degeneração
secundária da ponta anterior da medula (“amiotrofia espinal secundária”).
Ao mesmo tempo em que a ELA era conhecida, outras enfermidades,
neuropáticas e miopáticas, adquiridas ou hereditárias, foram descritas. Muitas eram
classificadas erroneamente como AMP.
Desde o início de suas descrições, existiu discussão se a AMP pertencia ou não a
um mesmo grupo de doença da ELA. Charcot insistia em distingui-las, mas Dejerine
considerava a ELA, AMP, paralisia bulbar progressiva e esclerose lateral primária um
espectro de uma mesma doença. Foi Gower, em 1899, que as agrupou em “doença do
neurônio motor”.
A discussão continuava quando vários pacientes com AMP pura, sem sinais de
envolvimento do primeiro neurônio motor, apresentavam degeneração corticoespinhal
nos estudos de autopsia. Para Swank e Putnam (1943) a AMP era uma forma
incompleta de ELA. A ausência de sinais de envolvimento corticoespinal é mascarada
pela intensa amiotrofia. Entretanto os defensores de que a AMP é uma entidade própria
justificam pela a evolução lenta dessa enfermidade (“vive por muitos e muitos anos”)
que é totalmente diferente da ELA (Muller, 1952; Norris, 1975).
Nas últimas décadas outras síndromes com envolvimento do segundo neurônio
motor, mimetizando a AMP, foram descritas (amiotrofia focal benigna, diplegia
amiotrófica braquial ou variante de Vulpian-Bernardt de ELA, atrofia muscular espinhal
distal, Neuropatia Motora Multifocal).
A Neuropatia Motora Multifocal (NMM), descrita inicialmente por Pestronk e
col, em 1988, cursa com envolvimento motor puro, progressivo, assimétrico e de
predomínio distal simulando uma AMP. A característica principal da NMM é a
presença de bloqueio da condução motora, entretanto muitas vezes não é encontrado.
Trata-se de uma enfermidade mediada pelo sistema imune e potencialmente tratável.
Mutações genéticas foram identificadas em diferentes síndromes com
envolvimento do segundo neurônio motor (Doença de Kennedy, atrofia muscular
espinhal tipo IV, mutação da SOD1 em ELA familiar).
Para os autores a AMP é definida como: doença esporádica, caracterizada por
fraqueza e atrofia muscular progressiva secundária a degeneração das células da ponta
anterior de medula e com início na idade adulta. Porém, muitos pacientes
diagnosticados de AMP podem, após investigação e ou segmento, receberem um outro
diagnóstico (NMM, ELA). Portanto, AMP deveria ser considerada uma síndrome.
Anexo 1: Critérios diagnósticos para Neuropatia Motora Multifocal Definitivo
• Bloqueio da condução definido* em dois ou mais nervos, fora dos locais habituais de compressão;
• Velocidade de condução sensitiva normal no mesmo segmento com BC motor; • Condução sensitiva normal em todos os nervos testados (pelo menos três
nervos); • Ausência de sinais de envolvimento do primeiro neurônio motor: clonus,
espasticidade, sinal de Babinski, paralisia pseudo-bulbar. Provável
• Fraqueza muscular na distribuição de dois ou mais nervos sem déficit sensitivo objetivo; a presença de fraqueza simétrica e difusa exclui o diagnóstico;.
• Presença de pelo menos um dos critérios abaixo o Provável BC em dois ou mais nervos, fora dos locais habituais de
compressão; o BC definido* em um nervo e provável BC em outro nervo, fora dos
locais habituais de compressão; • Velocidade de condução sensitiva normal no mesmo segmento com BC motor; • Condução sensitiva normal em todos os nervos testados (pelo menos três
nervos); • Ausência de sinais de envolvimento do primeiro neurônio motor: clonus,
espasticidade, sinal de Babinski, paralisia pseudo-bulbar. . Bloqueio da condução definitivo: redução de ao menos 50% da amplitude do potencial de ação composto muscular nos nervos mediano e cubital, com aumento de menos de 30% da duração do potencial. Para BC provável a redução seria de ao menos 40% da amplitude nos nervos mediano e cubital; exame com estudo proximal, por exemplo, estimulação de raízes, é aceito. Olney RK, Lewis RA, Putnam TD, Campellone JV Jr. Consensus criteria for the diagnosis of multifocal motor neuropathy. Muscle Nerve 2003;27:117-21.