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BOM SELVAGEM, MAU SELVAGEM O imaginário brasileiro sobre o índio oscila entre os extremos de duas visões herdadas da filosofia europeia. Ele é “puro” ou “atrasado”? Mércio Pereira Gomes Admiração e desprezo, encantamento e repulsa. Os mesmos sentimentos dos portugueses que primeiro se depararam com um grupo tupinambá na costa de Porto Seguro, há mais de 500 anos, perduram ainda hoje. Do mais odiento dos fazendeiros ao mais diligente dos antropólogos, compartilhamos doses variadas dessa ambígua impressão sobre os índios brasileiros. Pode-se argumentar que o encantamento e o respeito vêm se impondo nas últimas décadas. Provas disso seriam a Constituição de 1988, a extensão de terras demarcadas, o crescimento demográfico indígena, a participação do índio no panorama político-cultural brasileiro. Finalmente aprendemos a respeitar o índio? Tal certeza se esvai quando, na menor confusão que surge na mídia – disputa de terras, atitudes beligerantes contra invasores, assassinatos de índios e por índios – levantam-se as suspeitas antigas: os índios, afinal, são gente inconfiável, incontrolável... “incivilizável”! Foi pelo espanto que começou a ser elaborada a visão sobre os índios. Cartas de Américo Vespúcio se difundiram pela Europa desde sua publicação, em 1512. Lá estava o encantamento e a repulsa pelo índio, sua nudez confiante, seu destemor, seu “comunismo primitivo”, mas também sua crueldade, sua inconfiabilidade e o mais abominável de todos os seus costumes: o canibalismo. A partir de então, muitos visitantes se arriscaram a escrever sobre os índios que viviam no Brasil. No entanto, foram dois pensadores que nunca conviveram com os índios que escreveram as obras mais influentes do século XVI. O teólogo e humanista inglês Thomas Morus publicou em 1516 aquele que seria um dos mais importantes livros de todos os tempos:Utopia. Trata-se de uma descrição conjectural de um não lugar, numa ilha do Atlântico Sul, com uma baía esplendorosa e ao fundo uma cadeia de montanhas. Ali viveria um povo diferente: homens e mulheres solidários uns aos outros, sem diferenças sociais ou econômicas, decidindo os assuntos políticos em coletivo. De onde Morus havia tirado as informações? No prólogo, ele relata que conversara com marinheiros irlandeses que haviam estado no Brasil e lhe contado detalhes sobre o povo que lá vivia: eram os tupinambás. Foi esse povo o modelo para a obra que iria influenciar todo um sonho utópico do Ocidente. Em Paris, na década de 1560, alguns tupinambás foram trazidos da Baía da Guanabara para conhecer os franceses. Na ocasião, através de um intérprete, Michel de Montaigne indagou sobre seus costumes, sua visão de mundo e até suas opiniões sobre a França. No brilhante artigo “Dos canibais”, ele demonstra ter compreendido bem o significado do canibalismo tupinambá, que horrorizava os europeus: os inimigos aprisionados são honrados como grandes guerreiros ao serem mortos e devorados, transmitindo sua coragem aos vencedores. Sorrateiramente, Montaigne compara a prática com as guerras civis que estavam ocorrendo entre huguenotes e católicos franceses, e seus horrendos métodos para obter informações, castigar ou simplesmente torturar os inimigos mútuos – todos franceses. Corpos despedaçados, chumbo derretido derramado nos ouvidos, queima nas fogueiras. Quem é o selvagem nessa comparação? Montaigne sugere que a

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Série de artigos para uso em sala de aula ou para aprofundamento do professor.Ele pode ser usado para fazer uma comparação com o texto É, LEITOR, CADA VEZ MAIS, O BOM NEGÓCIO É SER ÍNDIO. COMECE A PENSAR NO ASSUNTO, publicado na revista Veja e de autoria de Reinaldo Azevedo.Link:http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/e-leitor-cada-vez-mais-o-bom-negocio-e-ser-indio-comece-a-pensar-no-assunto/

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BOM SELVAGEM, MAU SELVAGEM

O imaginário brasileiro sobre o índio oscila entre os extremos de duas visões herdadas da filosofia europeia. Ele é “puro” ou “atrasado”?

Mércio Pereira Gomes

Admiração e desprezo, encantamento e repulsa. Os mesmos sentimentos dos portugueses que primeiro se depararam com um grupo tupinambá na costa de Porto Seguro, há mais de 500 anos, perduram ainda hoje. Do mais odiento dos fazendeiros ao mais diligente dos antropólogos, compartilhamos doses variadas dessa ambígua impressão sobre os índios brasileiros.

Pode-se argumentar que o encantamento e o respeito vêm se impondo nas últimas décadas. Provas disso seriam a Constituição de 1988, a extensão de terras demarcadas, o crescimento demográfico indígena, a participação do índio no panorama político-cultural brasileiro. Finalmente aprendemos a respeitar o índio? Tal certeza se esvai quando, na menor confusão que surge na mídia – disputa de terras, atitudes beligerantes contra invasores, assassinatos de índios e por índios – levantam-se as suspeitas antigas: os índios, afinal, são gente inconfiável, incontrolável... “incivilizável”!

Foi pelo espanto que começou a ser elaborada a visão sobre os índios. Cartas de Américo Vespúcio se difundiram pela Europa desde sua publicação, em 1512. Lá estava o encantamento e a repulsa pelo índio, sua nudez confiante, seu destemor, seu “comunismo primitivo”, mas também sua crueldade, sua inconfiabilidade e o mais abominável de todos os seus costumes: o canibalismo.

A partir de então, muitos visitantes se arriscaram a escrever sobre os índios que viviam no Brasil. No entanto, foram dois pensadores que nunca conviveram com os índios que escreveram as obras mais influentes do século XVI. O teólogo e humanista inglês Thomas Morus publicou em 1516 aquele que seria um dos mais importantes livros de todos os tempos:Utopia. Trata-se de uma descrição conjectural de um não lugar, numa ilha do Atlântico Sul, com uma baía esplendorosa e ao fundo uma cadeia de montanhas. Ali viveria um povo diferente: homens e mulheres solidários uns aos outros, sem diferenças sociais ou econômicas, decidindo os assuntos políticos em coletivo. De onde Morus havia tirado as informações? No prólogo, ele relata que conversara com marinheiros irlandeses que haviam estado no Brasil e lhe contado detalhes sobre o povo que lá vivia: eram os tupinambás. Foi esse povo o modelo para a obra que iria influenciar todo um sonho utópico do Ocidente.Em Paris, na década de 1560, alguns tupinambás foram trazidos da Baía da Guanabara para conhecer os franceses. Na ocasião, através de um intérprete, Michel de Montaigne indagou sobre seus costumes, sua visão de mundo e até suas opiniões sobre a França. No brilhante artigo “Dos canibais”, ele demonstra ter compreendido bem o significado do canibalismo tupinambá, que horrorizava os europeus: os inimigos aprisionados são honrados como grandes guerreiros ao serem mortos e devorados, transmitindo sua coragem aos vencedores. Sorrateiramente, Montaigne compara a prática com as guerras civis que estavam ocorrendo entre huguenotes e católicos franceses, e seus horrendos métodos para obter informações, castigar ou simplesmente torturar os inimigos mútuos – todos franceses. Corpos despedaçados, chumbo derretido derramado nos ouvidos, queima nas fogueiras. Quem é o selvagem nessa comparação? Montaigne sugere que a repulsa e as críticas a costumes diferentes brotam da visão interna de cada cultura, que pensa que os seus são os hábitos mais naturais e corretos – o que mais tarde a antropologia iria nomear de etnocentrismo. E foi assim que Montaigne semeou no pensamento ocidental a noção de relativismo cultural. Mais uma vez, a partir dos tupinambás.

Na Inglaterra, um século depois, Thomas Hobbes escreveria o Leviatã (1651) – o grande tratado que inaugura no pensamento político ocidental a visão de que o Homem é um ser intrinsecamente egoísta e mau, ainda mais na condição de selvagem, de ser da Natureza. Ilustríssimo conselheiro do rei Carlos II, Hobbes argumenta que só a dureza do poder soberano e a submissão dos homens a esse poder é que poderiam controlar os maus instintos.

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A visão hobbesiana sobre o Homem teve influência bem mais profunda e abrangente do que as obras de Morus e Montaigne. Estas, porém, iriam inspirar a filosofia do genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e a teoria do bom selvagem. Em Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, ele afirma que a utopia teria existido, sim, como um estado da humanidade: uma sociedade igualitária, na qual o bem comum prevalece sobre o individualismo. Mas esse estado teria sido suplantado desde o surgimento do egoísmo e da propriedade privada. Àquela altura, só com leis e um contrato social é que os homens teriam jeito. Restavam no mundo apenas ilhas de igualitarismo social, ainda no passado do bom selvagem. Como os tupinambás.No Brasil do século XIX, o índio emerge como herói trágico no romance O Guarani, de José de Alencar, e como herói das raízes nacionais no poema épico “Os timbiras”, de Gonçalves Dias, ambos publicados em 1857. Dom Pedro II usava sua estola real feita com penas de papo de tucano, à moda indígena, mesmo quando seu principal historiador, Francisco Adolpho de Varnhagen (1816-1878), apregoava que a civilização só poderia chegar aos rincões do país pela destruição do índio “incivilizável”.Veio a República e, em 1891, a Igreja do Apostolado Positivista propôs à Assembleia Constituinte o reconhecimento do índio como parte da nação, porém com direitos específicos: que suas terras fossem consideradas “estados autóctones americanos”. Anos depois, em 1910, um membro dessa igreja não cristã e que era oficial do Exército, o então coronel Cândido Rondon, inauguraria o Serviço de Proteção ao Índio, a agência mais francamente favorável à assistência e ao respeito aos indígenas, com a atitude filosófica mais humanista jamais estabelecida por um Estado. Rondon e seus seguidores consideravam os índios como "nações autônomas com as quais o Brasil deveria procurar estabelecer laços de amizade". Ao entrar em um território presumivelmente indígena, era preciso pedir licença a eles; se a resposta fosse um ataque, não se devia revidar, prevalecendo a atitude de "Morrer se preciso for, matar nunca!". Ao contrário de tantos slogans inúteis, este teve consequências reais. Em mais de cem anos de política indigenista rondoniana, foram muitos os que morreram cumprindo o solene dever de jamais atacar ou revidar o ataque de algum grupo indígena belicoso. Esse espírito influencia em muito a crescente tolerância do brasileiro com o índio.A teoria do bom selvagem prevalece no espírito nacional. O índio é inocente, puro, vive em harmonia com a natureza, é contra estradas que rasgam a Amazônia, contra desmatamentos criminosos e hidrelétricas que destroem rios e espécies animais e vegetais. Certo? Nem tanto. Os índios são seres históricos. Vivem na natureza, mas a modificam, criando novos meios ambientes. Agregam excedentes econômicos, criam sociedades complexas. Antes da chegada de Cabral, o Brasil abrigou, em bacias amazônicas, sociedades indígenas estratificadas, com sistemas religiosos complexos e cerâmica artisticamente elaborada.

Seres históricos fazem coisas históricas. Daí o espanto veemente sobre aspectos considerados negativos na atualidade indígena. Por que o índio vende madeira escondido das autoridades? Por que aqueles que têm tão poucas terras, sobretudo nos estados do Sul e no Mato Grosso do Sul, as arrendam para os brancos? Por que se tornam dependentes de programas de alimentação, quando têm tantas terras para plantar? Por que não se integram logo ao país e se sujeitam aos mesmos direitos dos demais brasileiros e sem mais privilégios? O mau selvagem é preguiçoso e incapaz, e sua cultura tem pouco a oferecer à humanidade.

Melhor conhecimento da nossa história: eis o que precisamos para incorporar o índio como parte da cultura brasileira, aceitando suas especificidades. Lutar por uma visão respeitosa, amorosa e solidária para com os índios é essencial para a sua pertinência no mundo contemporâneo, mas também para a transformação do Brasil numa nação digna e aberta aos seus primeiros filhos.

Mércio Pereira Gomes é antropólogo, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente da Funai.

 Saiba mais - Bibliografia

CUNHA, Manuela Carneiro da(Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 2012.MELATTI, Júlio Cesar. Índios do Brasil. Rio de Janeiro: EdUSP, 2007.RIBEIRO, Darcy. Diários Índios. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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QUANDO SER ÍNDIO É UM BOM NEGÓCIOMudança no questionário do Censo de 2010 permitiu ao instituto detalhar situação de grupos que, apesar de não se enquadrarem nas etnias indígenas, “consideram-se” índios e têm acesso às garantias legais previstas para tribos

Por: Cecília Ritto, do Rio de Janeiro10/08/2012 às 10:01 - Atualizado em 10/08/2012 às 11:08

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta sexta-feira os dados do Censo 2010 referentes à população indígena no Brasil. Trata-se do conjunto mais completo de dados numéricos sobre população, etnias, língua, localização e condições de vida dos índios e daqueles que se declaram como tal - principal contribuição desta fase do censo. Uma mudança na metodologia permite enxergar, com precisão

inédita, o tamanho da população que, apesar de declarar outra etnia, simplesmente "considera-se" indígena. Se levadas em conta as respostas positivas à pergunta "Você se considera índio?", que constava do questionário de 2010 aplicado em terras indígenas, o total de índios brasileiros salta de 817.963 para 896.917 - um acréscimo de 9%, ou 78.954, o equivalente à população da cidade de Ubatuba, no litoral paulista.As terras indígenas, pelo mapeamento feito pelo IBGE, são o local de moradia de 57% dos índios. Os outros 43% dessa população estão nas cidades ou em áreas rurais fora dos territórios demarcados. De forma global, 36,2% dos índios habitam áreas urbanas, enquanto 63,8% estão em regiões rurais. No entanto, há diferenças regionais marcantes. No Sudeste, 80% dos indígenas estão nas cidades; já no Norte, a situação se inverte: 82% estão no campo.O IBGE considerou necessária a inclusão da nova pergunta ao questionário a partir do Censo Experimental - a fase de testes com o questionário da pesquisa. "Em muitas situações, pessoas de uma mesma família de indígenas se classificavam em diferentes categorias", detalha a apresentação de resultados do estudo. Com isso, informações relevantes sobre etnia e língua - aplicados exclusivamente a quem se declarava índio - poderiam ficar de fora da entrevista. A partir da mudança, os pesquisadores puderam, nas terras indígenas, obter respostas mais precisas.Declarar-se índio, no entanto, não é mera questão de identidade cultural. Como no Brasil as leis atuais permitem que qualquer comunidade seja tratada como indígena, bastando para isso um laudo antropológico nem sempre elaborado com o rigor científico desejável, para alguns grupos passou a ser interessante gozar dessa condição. Dentro das áreas indígenas, só 8,8% (30.691) dos entrevistados não se declaram de etnia indígena nem se consideram índios. Aos olhos da lei, quem é considerado indígena passa a ter acesso garantido a terras demarcadas. O Brasil tem hoje 505 terras indígenas que ocupam uma área de 106,7 milhões de hectares. Dessa forma, os 817.900 índios que correspondem a 0,4% da população controlam 12,5% do território brasileiro - área comparável à de Portugal.

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Etnias - O censo de 2010 mostrou um 'boom' de etnias. No Brasil existem 305, segundo a pesquisa. "A expectativa da literatura, da antropologia, era de que houvesse cerca de 200 etnias. Estamos chegando talvez à descoberta de um novo recorte de indígena no país", afirmou a pesquisadora do IBGE Nilza Pereira. Foram entendidas por etnias comunidades definidas por afinidades linguísticas, culturais e sociais. O detalhe que chama atenção é a pessoa que se declarou indígena e sequer sabe o nome da etnia a que pertence. Um total de 16,4% dos índios (a maioria fora dadas terras indígenas) disseram não saber o nome do seu povo e outros 6% sequer mencionaram a etnia.O Rio de Janeiro é o estado com menor população indígena em terras indígenas, apenas 2,8%. Três estados - Piauí, Rio Grande do Norte e Distrito Federal - não têm áreas demarcadas como terra indígena. E em outros três - São Paulo, Sergipe e Goiás, 90% dos índios estão fora dessas áreas de exploração exclusiva. Dos 14 estados com maior concentração de territórios demarcados, sete estão no Norte, dois no Centro-Oeste, três no Nordeste e dois no Sul.As terras indígenas com maior população de índios são Yanomami, com 25 mil índios (ou 5% do total de indígenas do país), Raposa Serra do Sol (17 mil), Évare I (16 mil), Alto do Rio Negro (15 mil), Andirá Marau e Dourados, ambas com 11 mil indígenas. No país, em 2010, apenas essas seis terras indígenas tinham população de índios superior a 10 mil habitantes. A maioria dessas áreas (57,6%)- 309 terras indígenas, em números absolutos- abriga uma população entre 101 a mil habitantes.

(VEJA.com/VEJA)As condições de vida dentro e fora das reservas são bem diferentes. Os indígenas residentes nas reservas apresentaram uma idade mediana que corresponde à metade das dos residentes fora das terras. Nas terras demarcadas, metade da população de índios tinha até 17,4 anos. Fora delas, o índice foi de 29,2 anos. Os quesitos idade e sexo dos indígenas que estão fora das áreas delimitadas seguem os números da população não-indígena, com menores taxas de fecundidade e mortalidade. Os que moram nas áreas destinadas aos índios têm alta taxa de natalidade e de mortalidade.As terras indígenas são compostas basicamente por uma população jovem, principalmente entre a faixa etária de até 24 anos. Em 93,6% dessas áreas, a concentração de pessoas de até 24 anos de idade está acima de 50%. Em seis terras indígenas não há sequer um morador com mais de 50 anos.

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Para as populações indígenas, o IBGE considerou "alfabetizados" aqueles capazes de escrever um bilhete simples, em qualquer idioma. Dentro das terras indígenas 67,7% dos índios de 15 anos ou mais atendiam essa condição, enquanto a taxa de alfabetização era de 85,5% para os indígenas de fora das terras. Ainda em relação aos moradores dos espaços demarcados, 30,3% dos indígenas eram analfabetos ante 14,5% dos de fora. "Nas TI (terras indígenas), a oferta de educação é sensivelmente reduzida em função de vários fatores, sendo o geográfico um deles, destacando-se, entre outros, a dificuldade de acesso", diz o documento divulgado pelo IBGE.O levantamento identificou 274 línguas indígenas. Dos índios com cinco anos ou mais, 37,4% falavam uma língua indígena. A metade dos índios (55,9%) sabem somente o português, e, nesse grupo, a maior parte está fora de terras indígenas. Para Jose Ribamar Bessa Freire, presidente da sociedade dos amigos do Museu do Índio e Coordenador do programa de estudos dos povos indígenas da UERJ, as cidades, onde está a maior parte dos índios fora de suas terras, é um "cemitério de línguas" para os povos indígenas. "As línguas tendem a desaparecer pela falta de uso na cidade", afirma.

Retire da reportagem as principais informações sobre as populações “indígenas” que atualmente vivem no Brasil._____________________________________________________________________________________

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Diferentes estimativasA seguir, a antropóloga e demógrafa Marta Azevedo analisa os problemas e as perspectivas para o aprimoramento das fontes de dados demográficos sobre as populações indígenas no Brasil.Como não há um censo indígena no Brasil, os cômputos globais têm sido feitos – seja pelas agências governamentais [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fundação Nacional do Índio (Funai) ou Fundação Nacional de Saúde (Funasa)], pela Igreja Católica (Cimi) ou pelo Instituto Socioambiental (ISA) – com base numa colagem de informações heterogêneas, que apontam para estimativas globais as quais oscilam entre 590.000 e mais de 810 mil.Variam os critérios censitários e as datas; há povos sobre os quais simplesmente não há informações; sabe-se pouco sobre os índios que vivem nas cidades. Até o número de povos varia, seja porque índios isolados vêm a ser conhecidos, seja porque novos povos passem a reivindicar a condição indígena.A falta dos dadosEstudar as sociedades indígenas do ponto de vista demográfico envolve dificuldades de duas origens distintas. De um lado, a falta de dados confiáveis: na maioria dos casos, consegue-se uma cifra de população total por uma determinada área geográfica, sem caracterização por sexo, idade, número de mortes por idade e número de filhos nascidos vivos por idade da mãe, para citar as principais variáveis demográficas. Por outro lado, a metodologia da análise demográfica disponível é adequada para populações de grande porte, o que não é o caso da maior parte dos povos indígenas residentes no Brasil de hoje. A questão gerada pelo segundo caso pode ser contornada com um acúmulo de dados históricos ou com processos de correção e adequação estatística que ainda não foram muito testados ou usados para o caso brasileiro.A inexistência de fontes de dados confiáveis para as populações indígenas não é um problema isolado do Brasil. Na publicação Estudios Sociodemograficos de Pueblos Indígenas (1) - conclusões do seminário realizado no Chile em 1993 -, algumas constatações foram feitas comparando-se estudos sobre as populações autóctones de diferentes países latino-americanos. Existe pouca ou nenhuma possibilidade de comparação entre os diferentes censos demográficos nacionais, devido à disparidade de critérios de definição da categoria “índio”. Apesar disso, alguns avanços metodológicos nos censos específicos indígenas, como é o caso do censo da Colômbia de 1993, e algumas análises que usam como referência os censos demográficos e outros tipos de registros, como cálculos de fecundidade baseados no método do filho tido no ano anterior ao censo, são instrumentos úteis para o cálculo de informações específicas sobre populações indígenas e suas preocupações, assim como nos induzem a realizar futuras investigações, como, por exemplo, a investigação sobre os povos autóctones do Canadá.Os métodos antropológicos, ou o uso combinado de diferentes métodos, permitem analisar com profundidade as condições de vida dos grupos indígenas nos contextos em que vivem, suas relações com a população do entorno, explicando assim alguns comportamentos demográficos específicos.Os índios e os censos oficiaisAs características demográficas das populações indígenas brasileiras nunca foram alvo de interesse específico dos censos demográficos até o censo de 2010 (não comentarei aqui as PNADs -Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios - também feitas pelo IBGE, que não pesquisaram os povos indígenas, talvez porque esses não fossem considerados como mão-de-obra possível, ou relevantes economicamente para o país). O censo de 1991 foi o primeiro a colocar a variável indígena como item específico no questionário da amostra relativo ao quesito “cor”. É, portanto, nesse quesito que os índios vão estar enquanto população diferenciada; em outros países, como os EUA, é o quesito race (raça) que pesquisa essas populações (no questionário do censo de 1990, estão classificados os povos autóctones em 3 grupos: índios americanos - escreve-se por extenso o grupo a que pertence; eskimos; aleutas; sendo que a definição é feita pelo recenseado e não pelo recenseador).Desde os primeiros censos brasileiros, nos quais os índios eram contados como “pardos”, havia sempre a ressalva (que se manteve no censo de 1991) de que só seriam recenseados “os índios que habitam postos da Funai ou missões religiosas”, sendo que os “aborígenes que vivem em tribos arredias ao contato” não foram nunca recenseadas. Esse tipo de classificação de

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indianidade, que toma como critério o tempo de contato com a sociedade não-índia, não existe mais nem em outros países, nem no Brasil (desde a Constituição de 1988). Pela última Constituição, todos os povos indígenas brasileiros são cidadãos, e, portanto, recenseáveis. No México, pesquisam-se esses povos autóctones nos censos através do quesito “língua falada” (não estrangeira), prevalecendo assim um critério linguístico e não racial e nem de cor da pele.As novidades do censo demográfico brasileiro realizado em 2010 foram muitas, desde a utilização de um pequeno computador manual pelos recenseadores – o que agilizou muitíssimo o processamento das informações – até novas perguntas no questionário do universo, como aquelas específicas relativas às populações autodeclaradas indígenas, incluindo perguntas sobre etnia e línguas faladas.Essas mudanças foram resultado de um longo processo coordenado por especialistas do IBGE, com ampla participação das instituições governamentais federais, da sociedade civil e da comissão de especialistas que assessora o censo; o IBGE realizou diversas provas-piloto nos anos anteriores ao censo, com diferentes versões do questionário, sendo que duas dessas provas foram especificamente voltadas à população autodeclarada indígena e populações residentes em Terras Indígenas. Desde o início dos anos 2000, a invisibilidade estatística dos povos indígenas no Brasil (e também na América Latina e Caribe), bem como as possibilidades de melhoria nos sistemas de informações censitários, tem sido discutida em vários congressos de estudos populacionais e seminários específicos de Demografia Indígena promovidos pelo Grupo de Trabalho da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), pela Associação Latinoamericana de População (ALAP). Tais temas também foram debatidos nas reuniões e discussões promovidas pelo próprio IBGE que, em 2008, criou um grupo de trabalho para discutir a metodologia do censo 2010 relativa aos povos indígenas. Três recomendações importantes foram então acordadas: a) a pergunta sobre raça/cor da pele deveria passar do questionário da amostra para o questionário do universo; b) além da autoidentificação como indígena na pergunta raça/cor da pele, dever-se-ia perguntar povo/etnia de pertencimento; c) as terras indígenas deveriam coincidir com o perímetro dos setores censitários. O Censo Demográfico de 2010A inclusão da pergunta sobre raça/cor da pele no questionário do universo foi devida às grandes dificuldades que tínhamos em analisar as informações sobre os indígenas a partir de regiões ou áreas pequenas; nunca seria possível fazer análises por TIs, ou mesmo municípios, devido à rarefação dessa população e aos poucos números amostrados. Como para todas as análises sobre populações afrodescendentes, essa sempre foi uma questão problemática, no entanto a demanda se tornou imprescindível e foi facilitada agora com o uso do computador de bolso pelos recenseadores. Já a questão dos mapas e dos perímetros das TIs coincidirem com os setores censitários especiais foi um longo trabalho iniciado em 2007, junto com a Funai e também com a Funasa, para acertar a base cartográfica, integrando as informações populacionais, e conseguir uma base que realmente possa ser utilizada em futuras análises e nos planejamentos e monitoramento das políticas públicas.As duas questões específicas sobre povo/etnia de pertencimento e línguas foram sendo definidas a partir de dois movimentos de discussões. De um lado, a criação de um Grupo de Trabalho sobre Línguas Indígenas, criado no âmbito do Ministério da Cultura com o intuito de inscrever as línguas indígenas como patrimônio imemorial cultural brasileiro. Esse grupo passou a ser a referência do IBGE para pensar sobre as línguas faladas por aqueles que se autoidentificassem como indígenas. A pergunta específica sobre pertencimento étnico foi discutida entre IBGE e Funai, com participação de especialistas, inclusive da ABA e do GT da Abep, e teve como referência a equipe do Instituto Socioambiental e a enciclopédia virtual Povos Indígenas no Brasil. Com isso foi criada uma extensa lista/biblioteca de etnônimos que poderiam ser referidos pelos indígenas quando consultadosDurante as provas-piloto duas outras questões surgiram: primeiramente, a pergunta raça/cor da pele não era muito inteligível para muitos indígenas, que preferiram outras categorias, como branco, pardo e até amarelo. Portanto, incluiu-se uma outra pergunta para todos os habitantes de TIs, quando não se autoidentificavam como indígenas na pergunta anterior: “Você se considera indígena?”, e, em caso afirmativo, perguntou-se sobre o pertencimento étnico, procurando assim incluir todos os habitantes das TIs.

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Por fim, a respeito das perguntas que constam no questionário da amostra, foi realizada uma reunião com um grupo de especialistas para pensar em alternativas mais adaptadas às aldeias e domicílios indígenas, o que aparentemente deu um bom resultado. Incluíram-se, por exemplo, voadeiras e canoas como utensílios e meios de transporte, e outras características específicas das TIs. Para os recenseadores que foram aos setores especiais das Terras Indígenas foi feito um manual especial com recomendações sobre etiqueta para conversar com as lideranças indígenas e as famílias nos domicílios.Os resultados desse primeiro censo com questões específicas para os povos indígenas ainda são preliminares. Não temos ainda os resultados do questionário da amostra, nem o perfil etário dos indígenas, embora já tenhamos inúmeras informações que por si só nos dão um retrato da população indígena e mostram as mudanças que se anunciam.Primeiros resultadosOs primeiros resultados do universo apontam para uma mudança importante na proporção da população branca em relação à população não branca (preta, parda, amarela e indígena), no Brasil 52,27% da população total são não brancos, ou seja, mais da metade de nossa população de declara como pertencendo a outra ‘raça/cor da pele’. Essa proporção aumenta nas regiões norte e nordeste, com mais de 70% da população tendo se declarado ‘não branca’. Apenas no sul a proporção da população ‘não branca’ permanece minoritária, porque mesmo na região sudeste quase metade da população não se declarou branca. Tabela 1: Proporção da população não branca em relação à população total por região do Brasil em 2010

regiãonº absoluto população não branca

nº absoluto população branca

total proporção

norte  12.143.777  3.720.168  15.863.945  76,55

nordeste  37.452.977  15.627.710  53.080.687  70,56

sudeste  36.029.262  44.330.981  80.360.243  44,83

sul  5.895.638  21.490.997  27.386.635  21,53

centro-oeste

 8.175.891  5.881.790  14.057.681  58,16

 total 99.697.545  91.051.646  190.749.191  52,27

Fonte: Censo 2010 | IBGE. Com relação à distribuição da população residente no Brasil por raça/cor da pele, temos um aumento da proporção dos ‘pardos’ e um pequeno aumento dos ‘pretos’, que perfazem os afrodescendentes, assim como um aumento da proporção da população indígena, de 0,43 para 0,44% da população total. Tabela 2: População residente no Brasil, por raça/cor da pele em 2010

raça/cor da pele nº absoluto proporção

branca 91.051.646 47,73

parda 82.277.333 43,13

preta 14.517.961 7,61

amarela 2.084.288 1,09

indígena 817.963 0,44

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 total  190.749.191  100,00

Fonte: Censo 2010 | IBGE. A proporção da população autodeclarada indígena no Brasil, desde que se incluiu essa categoria como resposta possível à questão da raça/cor da pele, tem aumentado bastante, mas podemos verificar que a ‘grande virada’ foi de 1991 para 2000, quando de 0,2% da população passou a 0,43%. Já de 2000 para 2010, tivemos um pequeno aumento na proporção, resultado de uma mudança na autodeclaração principalmente nas regiões sul e sudeste. No último censo, menos pessoas se autodeclararam indígenas naquelas duas regiões em relação ao anterior, realizado em 2000. É provável que tenha havido uma migração da declaração para a categoria ‘pardo’, principalmente. Tabela 3: Proporção da população auto-declarada indígena em relação à população total do Brasil, nos censos 1991, 2000 e 2010

1991 2000 2010

nº absoluto

306.245 734.131 817.963

proporção 0,2 0,43 0,44

Fonte: Censo 2010 | IBGE.Na região norte, vários fatores contribuíram para o aumento da população autodeclarada indígena: o crescimento vegetativo é um dos fatores principais desse aumento, seguido da melhoria da captação das informações com a ida efetiva dos recenseadores para as TIs, apoiados pela Funai, e de uma melhor declaração e reconhecimento das pessoas como indígenas. Os estados do Acre e Roraima, onde parecia haver uma subestimação da população indígena nos dois censos anteriores, no atual levantamento têm população muito próxima daquela contabilizada pela Funasa. Nas regiões nordeste e centro-oeste, o aumento foi menos significativo. Provavelmente isso se deve de forma majoritária ao crescimento vegetativo dessa população nas TIs e menos ao reconhecimento de pessoas como indígenas, que anteriormente se declaravam 'pardas'. É como se o fenômeno do autorreconhecimento e da valorização da categoria 'indígena' tivesse chegado a um ponto de esgotamento. Quanto ao outro fator sociológico apontado anteriormente por José Mauricio Arruti no artigo Etnogêneses Indígenas, publicado no livro Povos Indígenas no Brasil 2001/2005, que foi o ‘aparecimento’ ou ‘ressurgimento’ de povos que já se consideravam extintos, esse fenômeno também parece ter decrescido ou influenciado menos o aumento da população indígena. Essas hipóteses poderão ser mais bem exploradas e analisadas quando os resultados por sexo, idade, povo e microrregiões forem divulgados. No sul e sudeste, a população autodeclarada indígena foi menor em números absolutos do que aquela em 2000. Em todos os estados do sudeste, mas especialmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e Minas Gerais, a população autodeclarada indígena no censo de 2000 parece ter migrado para outra categoria, possivelmente a ‘parda’. Poderíamos supor que a população nesses estados oscilou nos últimos dez anos entre se autodeclarar afrodescendente ou indiodescendente. Tabela 4: Evolução da população autodeclarada indígena nos censos 1991, 2000 e 2010, por UFs e grandes regiões

1991 2000 2010

Região Norte 124.613  213.445 305.873

Rondônia 4.132 10.683 12.015

Acre 4.743 8.009 15.921

Amazonas 67.882 113.391 168.680

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Roraima 23.426 28.128 49.637

Pará 16.132 37.681 39.081

Amapá 3.245  4.972 7.408

Tocantins 5.053 10.581 13.131

Região Nordeste 55.849 170.389 208.691

Maranhão 15.674 27.571 35.272

Piauí 314 2.664 2.944

Ceará 2.694 12.198 19.336

Rio Grande do Norte 394 3.168 2.597

Bahia 16.023 64.240 19.149

Paraíba 3.778 10.088 53.284

Pernambuco 10.576 34.669 14.509

Alagoas 5.690 9.074 5.219

Sergipe 706 6.717 56.381

Região Sudeste 42.714 161.189 97.960

Minas Gerais 6.118 48.720 31.112

Espírito Santo 14.473 12.746 9.160

Rio de Janeiro 8.956 35.934 15.894

São Paulo 13.167 63.789 41.794

Região Sul 30.334 84.748 74.945

Paraná 10.977 31.488 25.915

Santa Catarina 4.884 14.542 16.041

Rio Grande do Sul 14.473 38.718 32.989

Região Centro-Oeste 52.735 104.360 130.494

Mato Grosso do Sul 32.755 53.900 73.295

Mato Grosso 16.548 29.196 42.538

 Fonte: Censos 1991, 2000 e 2010 | IBGE.Com relação à presença indígena nos municípios brasileiros, dos 5.565 municípios, 1.085 não têm nenhuma população autodeclarada indígena, 4.382 têm menos do que 10% de sua

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população declarada indígena e 12 municípios possuem mais de 50% da população contabilizada como indígena, sendo eles majoritariamente da região norte e nordeste. São 86 os municípios com 10 a 50% da população indígena. Como a proporção varia muito de acordo com o tamanho dos municípios e a população indígena no Brasil é composta de muitos povos – 235 – com populações de pequeno porte (se compararmos, por exemplo, com o tamanho de outros povos indígenas da América Latina), a presença indígena em municípios brasileiros é bastante expressiva. Tabela 5: Municípios no Brasil com mais de 50% de população indígena, em 2010

população total

população indígena

proporção de população indígena %

Uiramutã - RR 8.375 7.382 88,14

Marcação - PB 7.609 5.895 77,47

São Gabriel da Cachoeira - AM 37.896 29.017 76,57

Baía da Traição - PB 8.012 5.687 70,98

São João das Missões - MG 11.715 7.936 67,74

Santa Isabel do Rio Negro - AM 18.146 10.749 59,24

Normandia - RR 8.940 5.091 56,95

Pacaraima - RR 10.433 5.785 55,45

Santa Rosa do Purus - AC 4.691 2.526 53,85

Amajari - RR 9.327 5.014 53,76

Campinápolis - MT 14.305 7.621 53,28

Ipuaçu - SC 6.798 3.436 50,54

Fonte: Censo 2010 | IBGE.Urbano x Rural? Mudanças de paradigmasA presença indígena nas áreas urbanas tem crescido desde a inclusão da categoria indígena no censo de 1991, quando foi possível analisar e detectar esse fato. Os resultados de 2010 apresentam uma mudança, uma certa diminuição na proporção da população indígena residindo em áreas rurais. No Brasil, como um todo, 61% da população reside em áreas rurais, e nas regiões nordeste e sudeste essa proporção cai para 49 e 19%, respectivamente. Nas regiões norte e centro-oeste, a proporção de indígenas vivendo em áreas rurais é de 79 e 73% e no sul 54% das pessoas que se declaram como indígenas estão vivendo nas áreas rurais. As primeiras análises do censo de 2010 nos instigam a investigar fenômenos que antropólogos e demógrafos apenas começaram a analisar, seja a multilocalidade dos povos indígenas e os próprios conceitos de rural e urbano do ponto de vista dessa população. Cidades indígenas têm surgido em TIs e já têm sido objeto de estudos antropológicos; bairros indígenas são comuns seja em grandes cidades como Manaus, ou em cidades próximas a TIs, como Caarapó, no Mato Grosso do Sul. Há algumas décadas, geógrafos e economistas têm questionado o uso, desses conceitos e propuseram outras categorias como 'áreas rururbanas', ou 'aglomerados urbanos em áreas rurais'. A análise dos resultados desse censo deverá priorizar os trabalhos relacionados à migração, aos deslocamentos espaciais da população indígena em direção aos centros urbanos e, ao mesmo tempo, a sua presença - ou consideração de moradia principal - nas aldeias de origem. Dados variantes

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Outras fontes de dados sobre a população indígena são geradas por instituições como a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e o ISA, cada uma delas com uma metodologia e objetivos diferentes. O ISA tem efetuado um acompanhamento preciso do processo de identificação e demarcação das terras indígenas. Para tal trabalho, é necessário fazer estimativas do contingente populacional dos povos que habitam essas terras. Essas estimativas são feitas apenas com o objetivo de informar o processo de demarcação e acompanhar a evolução da população total de cada TI ou de cada etnia. Para isso, é necessário usar diferentes fontes de dados, uma vez que a instituição não tem como objetivo fazer recenseamentos ou análises demográficas, o que se torna “um verdadeiro quebra-cabeça”, como diz Beto Ricardo (2).A Funasa, a partir de 1991, procurou efetuar coletas de dados populacionais com enfoque para os epidemiológicos, para a melhoria da oferta dos serviços de saúde. A partir de 2000, com a estruturação dos Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena (DSEIs), hoje sob a tutela da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), essa atividade de coleta e registros de dados epidemiológicos melhorou consideravelmente para o Brasil como um todo, mas ainda é deficitária.A Lei 6001 de 1973, Estatuto do Índio, em seu capítulo III, artigo 12, postula que os registros vitais, ou seja, de nascimentos e óbitos e casamentos civis de índios “não integrados” serão efetuados pelo órgão de assistência ao índio, ou seja, pela Funai. Portanto, essa seria uma fonte de dados valiosa para se conhecer os dados das populações indígenas, mas, na maior parte dos casos, os postos indígenas não estão equipados com a infraestrutura necessária para essa atividade, ficando, assim, bastante comprometido o uso dessa fonte de dados. Apesar disso, a Funai, através de seu setor de acompanhamento à demarcação de terras e também do setor de assistência à saúde, tem efetuado levantamentos populacionais bastante abrangentes, embora sem muitas variáveis para se poder analisar os diferentes componentes demográficos.A igreja católica, desde a fundação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em 1972, vem também efetuando levantamentos populacionais dos povos indígenas onde possui bases missionárias e atividades indigenistas. O Cimi alertou para o aumento do contingente populacional dessas populações já no início da década de 1980, tendo feito um levantamento bastante amplo em diferentes regiões do Brasil, apesar de não possuir rendimento para análises demográficas, já que não são pesquisadas as variáveis como idade, sexo, nascimentos e mortes em um mesmo período de tempo para diferentes povos.

Tutela nunca mais

Auto declaração é a maior conquista recente dos indígenas, mas eles são vistos ainda como entraves para o progresso

Clarice Cohn

Os índios brasileiros não verão a chegada do século XXI. Assim previa o antropólogo Darcy Ribeiro, enquanto escrevia Os índios e a civilização (1970). A profecia do indigenista não se concretizou. Ao contrário: é crescente a presença demográfica e política dos povos indígenas brasileiros. O que teria acontecido?

Não foi um erro de Darcy. Em sua obra, ele fez uso das mais extensas informações estatísticas e demográficas disponíveis à época, tiradas do Serviço de Proteção dos Índios (SPI), onde trabalhava, e utilizou um moderno arsenal interpretativo para avaliar a situação. O que mudou de lá para cá foram as garantias legais que protegem esses povos, e o modo como se pensa e se reconhece hoje a própria condição indígena.

Na década de 1950, o Estado brasileiro via o índio como alvo de uma inevitável e gradativa integração à sociedade nacional. Desde o Marechal Rondon e a criação do SPI, em1910, estabeleceu-se que o papel do governo seria tornar essa marcha para a civilização a mais indolor possível. Criaram-se Frentes de Atração e Pacificação, postos indígenas nas aldeias e todo um aparato institucional para que o Estado pudesse tutelar o índio. Os indigenistas

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funcionários do SPI (depois Funai) deveriam garantir que essa transição se desse de modo mediado e sem violência. Ao fim, ele se tornaria um índio integrado, indistinto no meio dos demais brasileiros.

A própria ideia de tutela é uma continuidade histórica, uma resposta à difícil pergunta de qual deve ser o status dos primeiros habitantes das terras brasileiras. Trata-se de cidadãos de segunda classe, condição semelhante à dos órfãos no século XIX: ambos necessitam de um responsável perante a lei. O Estado tutor é aquele que decide pelos índios e, sob pretexto de cuidar deles, os mantém sob controle. Aquele era também o tempo em que se começava a pôr em prática a ideia de territórios indígenas, nos quais poderiam dar continuidade a seus modos de vida sob a proteção (ou o controle) do Estado. Era este também responsável por definir quem é índio ou não.

A mudança mais importante nesse quadro foi a Constituição de 1988, que reconhece o direito dos índios às suas terras e à cidadania plena. Esse avanço jurídico só pôde ocorrer por conta da mobilização indígena e de sua atuação junto a aliados na Assembleia Constituinte. Imagens da época mostram a presença maciça de representantes indígenas acompanhando os debates e a votação da nova Constituição.

O direito a terra, reconhecido como originário, evita um antigo dilema dos índios: tendo sido muitos deles obrigados, pela colonização, a se embrenharem cada vez mais para o interior, nem sempre era fácil comprovar sua ocupação histórica e tradicional. Agora se deixa de procurar vestígios da ocupação milenar para se estudar seu território atual, designando-lhes uma porção suficiente para sua sobrevivência física e cultural. “Há muita terra para pouco índio”, dizem os críticos. Ou, mais grave: “Eles estão tomando conta do território nacional”. A primeira acusação não merece crédito, em um país de latifundiários. Quanto à segunda, vale lembrar algo que muitas vezes é omitido: os territórios indígenas demarcados pelo Estado brasileiro são terras alienáveis da União, cedidas aos índios em regime de usufruto, ou seja, eles não têm a posse das terras: ganham o direito de nelas residir e fazer uso das riquezas do solo e das águas para viver.

Incorporados aos sistemas nacionais de educação escolar e saúde, os índios passaram a compartilhar direitos universais de todos os cidadãos. Têm também garantido o direito de que estes serviços respeitem suas culturas e organizações sociais e políticas. A educação indígena é regulamentada por diversas legislações, a começar pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Garante-se o direito ao ensino bilíngue, aos próprios processos de ensino e aprendizagem, à cultura e aos conhecimentos indígenas, além de poderem desenhar seus próprios currículos e rotinas escolares com gestão indígena e professores indígenas. Na prática, em sistemas de ensino engessados, isso nem sempre é tão fácil. Mas os direitos existem e demarcam as políticas.

Em linhas gerais, o mesmo vale para a saúde. Antes atendidos por um serviço da Funai, os índios agora são integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Como a educação escolar indígena, em muito se ganha no respeito às culturas e às práticas indígenas. Da mesma forma, a aplicação desses princípios é um desafio, assim como a formação e a contratação de pessoal especializado e a operação do sistema.

Mesmo com tantas conquistas, diversas violações aos direitos indígenas permanecem. A começar pelo direito a terra. Quando promulgada a Constituição, o Brasil teria cinco anos para demarcar todas as terras indígenas. Até hoje isso não aconteceu. E muitas terras demarcadas se transformam em uma espécie de confinamento – em especial, as áreas devassadas e ocupadas pela monocultura.

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Permanece a visão de que os índios são um empecilho ao desenvolvimento nacional. Suas terras têm sido cada vez mais ameaçadas por projetos de criação de hidrelétricas, pela construção e pelo asfaltamento de estradas que cruzam suas terras, por projetos de mineração. A hidrelétrica de Belo Monte é um caso exemplar entre tantos outros, em praticamente todos os rios amazônicos. Nisso, parece que a história se repete. Darcy dizia que os índios são atingidos por algumas frentes de expansão e colonização do território: a extrativista, a agrícola e a pecuária. Entre hidrelétricas, projetos de mineração, fazendas de gado e grandes plantações de monocultura, o Brasil está sacrificando sua diversidade ecológica, biológica, social e cultural. E os índios, frequentemente, são vistos como os bandidos desta história.

Ao longo do tempo, foram superadas as dificuldades em reconhecer sua humanidade, sua liberdade (direito a não escravização) e sua capacidade (direito a não serem tutelados). Resta, hoje, a questão das identidades étnicas.

A diversidade étnica baseia-se no autorreconhecimento e na autoidentificação. É índio aquele que se reconhece como tal, e é reconhecido por uma comunidade indígena como seu membro. Assim, evita-se o arbítrio de ter um terceiro definindo a “indianidade” de qualquer pessoa – porque se estes, como foram a Funai ou o SPI por tanto tempo, podem afirmar a identidade indígena, podem também, com frequência e de modo arbitrário, negá-la. O Brasil ratificou em 2000 a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual a identidade dos povos indígenas só pode ser autodeclarada – e não mais atribuída. Por isso, não há critérios fixos para definir essa identidade.

Assistimos ao que parece ser o ressurgimento de grupos indígenas. Isto se dá porque comunidades que tiveram que praticar sua diversidade cultural e étnica em silêncio e às escondidas finalmente podem vir a público, dadas as garantias legais. Por muito tempo, ser índio no Brasil significou ser reduzido às missões, escravizado, ser alvo de discriminação e até de chacinas. Diversos povos foram obrigados a abrir mão de suas línguas e de muitos costumes que eram importantes para eles. Voltam agora a afirmar sua diferença, a ver reconhecida sua identidade e a recuperar muito do que perderam.

Mas a condição de indígena só faz sentido em contraponto ao Estado nacional. Os índios são muito diversos entre si, em comum eles têm sua diferença em relação aos não indígenas. Assim, hoje todos se descobrem parte de algo que é maior do que suas identidades particulares: sua condição indígena. Dos yanomamis embrenhados na selva aos kayapós emplumados e aos indígenas do Nordeste que perderam suas línguas, todos igualmente assumem esta condição.

Não vale para eles acusações de artificialidade: não há nada que defina um índio, a não ser seu reconhecimento e o de seus pares de que ele o é. E esta é uma das maiores conquistas do Brasil contemporâneo, de que todos temos que nos orgulhar.

 Clarice Cohn é antropóloga, professora da Universidade Federal de São Carlos e autora da tese  “Relações de Diferença no Brasil Central: os Mebengokré e seus Outros” (USP, 2006)

 Saiba mais - Bibliografia

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. História dos índios no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998

OLIVEIRA FILHO, João Pacheco (org.) A viagem da volta: etnicidade, política e reelaboraçâo cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria. 1999.

Internet

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 Povos Indígenas no Brasil. http://pib.socioambiental.org/pt