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ARTIGOS SOBRE HIPNOTISMO E SUGESTÃO (1888-1892)
INTRODUÇÃO DO EDITOR INGLÊS
Após retornar de Paris a Viena, em 1886, Freud dedicou, por alguns anos, grande parte
de sua atenção ao estudo do hipnotismo e da sugestão. Naturalmente, embora o assunto
apareça em muitos pontos (por exemplo, nos Estudos sobre a Histeria e no necrológio de
Charcot), os trabalhos escritos nesse período e diretamente referentes aos dois temas
pareciam ou não existir ou estar fora de alcance, exceto o prefácio à tradução de De la
suggestion (1888-9), de Bernheim, e o artigo sobre “Um Caso de Cura pelo Hipnotismo”
(1892-3). Como se verifica, podemos agora, entre esses dois, inserir três outros trabalhos
bastante extensos. Em primeiro lugar, conseguimos devolver à luz a resenha do livro de
Forel sobre hipnotismo (1889a), a qual, parece, nunca foi reeditada. Os outros dois, à sua
maneira, são trabalhos recém-chegados; ambos só vieram à luz em 1963. Destes, o
primeiro é realmente um velho conhecido: o artigo que tem por título “Tratamento
Psíquico (ou Mental)” (1890a) que se encontra na Edição Standard Brasileira, Vol. VII,
[1], IMAGO Editora, 1972. Esse artigo não foi incluído nas Gesammelte Schriften, mas
foi editado no quinto volume das Gesammelte Werke, sendo atribuída a ele a data de
1905, juntamente com outros trabalhos, como os Três Ensaios e o relato do caso clínico
de “Dora”. Foi ali classificado como uma contribuição a Die Gesundheit, um manual
coletivo de medicina em dois volumes, de caráter semipopular. O artigo versa sobre
hipnotismo e não encerra alusão sequer às descobertas de Freud, exceto uma possível e
única referência imprecisa ao tratamento catártico. Sempre pareceu misterioso que Freud
retrocedesse quinze anos no tempo, subitamente, em 1905. Recentemente, a explicação
desse fato foi dada pelo Prof. Saul Rosenzweig, da Washington University de St. Louis.
Suas investigações mostraram que a data de 1905, até há pouco tempo sistematicamente
atribuída a esse trabalho, realmente era a data da terceira edição de Die Gesundheit - fato
que os editores daquele manual deixaram de indicar. Sua primeira edição fora publicada
em 1890 e já continha o artigo de Freud, tal como o temos agora. (A segunda edição
surgiu em 1900.) “Tratamento Psíquico (ou Mental)”, portanto, simplesmente se situa
junto dos demais trabalhos de Freud publicados naquele período; de direito, deveria ter
sido incluído neste volume depois da resenha de Forel. A outra novidade, pelo que
sabemos, é uma revelação completa. Trata-se de um artigo sobre hipnose, com o qual
Freud contribuiu para um manual médico, Therapeutisches Lexikon, editado por A. Bum
e publicado pela primeira vez em 1891. (Saiu uma segunda edição em 1893 e uma terceira
em 1900.) Nenhum vestígio da existência desse artigo seria encontrado em parte alguma,
até ele ser descoberto pelo Dr. Paul F. Cranefield, editor do Bulletin of t
Academy of Medicine.
A experiência clínica de Freud com o hipnotismo pode ser rastreada de modo um tanto
detalhado. Em seu Estudo Autobiográfico (1925d), ele relata que, quando ainda era
estudante, compareceu a uma exibição pública feita por Hansen, o “magnetizador”, e se
convenceu da autenticidade dos fenômenos da hipnose (Edição Standard Brasileira, Vol.
XX, [1], IMAGO Editora, 1976). Além disso, mal tinha seus vinte anos, Freud ficou
sabendo que seu futuro colaborador Breuer (um homem quase quinze anos mais velho)
às vezes empregava o hipnotismo com fins terapêuticos. A essa época, entretanto, muitas
sumidades médicas de Viena ainda manifestavam opiniões alarmistas ou céticas sobre o
assunto. (Ver, por exemplo, os comentários de Meynert, antigo mestre de Freud, citados
na resenha de Forel, cf. em [1]. Somente quando, aos trinta anos de idade, chegou à clínica
de Charcot, em Paris, foi que Freud verificou que a sugestão hipnótica era reconhecida e
vinha sendo usada correntemente. A profunda impressão que isso lhe causou está
evidenciada no Relatório que escreveu quando de seu regresso de Paris, em 1886 (1956a),
[1], assim como em muitas outras passagens subseqüentes. Depois de se estabelecer como
neurologista em Viena, tentou valer-se de diferentes métodos, como eletroterapia,
hidroterapia e curas de repouso, para o tratamento das neuroses; entretanto, por fim,
retornou ao hipnotismo. “Durante essas últimas semanas”, escrevia ele a Fliess em 28 de
dezembro de 1887, “utilizei-me da hipnose e tive uma série de pequenos, porém notáveis,
êxitos.” Na mesma carta, relatava que já assumira o compromisso de traduzir o livro de
Bernheim sobre sugestão. Mas essa extrema rapidez não era resultado de entusiasmo,
pois, numa carta a Fliess, em 29 de agosto do ano seguinte, que provavelmente
acompanhava uma cópia do seu prefácio (este, com a data “agosto de 1888”) ao livro de
Bernheim, ele escrevia que só aceitara a tradução em meio a muita hesitação e por
motivos meramente práticos (Freud, 1950a, Carta 5). A sugestão hipnótica, sem dúvida,
era sua preocupação imediata; porém, mais uma vez, no Estudo Autobiográfico, ibid.,
Vol. XX, [1], ele menciona que, “desde o princípio, usei a hipnose de uma outra maneira,
diferente da sugestão hipnótica”. Naturalmente, com isso estava-se referindo ao método
de Breuer de usar o hipnotismo para determinar a origem dos sintomas. Existem algumas
dúvidas quanto à data exata em que começou a aplicar esse novo método; contudo, por
certo usou-o no caso de Frau Emmy von N., que começou a tratar em maio de 1889, ou
possivelmente um ano antes. (Ver em [1] e [2].) Daí em diante, aderiu cada vez mais ao
método catártico de Breuer.
Nesse ínterim, continuava o interesse de Freud pela sugestão hipnótica. A tradução da
obra de Bernheim parece ter sido concluída no início de 1889. Nessa época, Freud já
estava em contato com August Forel, conhecido psiquiatra suíço, cujo livro sobre
hipnotismo ele resenhou em dois fascículos, em julho e novembro de 1889 (em [1]); e foi
com a apresentação de Forel que (entre a publicação dos dois fascículos) fez uma visita
de algumas semanas a Bernheim e Liébeault, em Nancy. O motivo para fazer tal visita,
conforme nos conta (ibid., Vol. XX, [1]), foi a idéia de aperfeiçoar sua técnica de hipnose.
Pois o fato é que Freud não se considerava um grande adepto da arte de hipnotizar, ou
então era mais sincero do que muitas pessoas para reconhecer as limitações do método.
Já em 1891,quando publicou a contribuição ao dicionário médico de Bum, a qual será
encontrada adiante, ele estava provadamente consciente dessas dificuldades e, ademais,
começava a se irritar com elas (em [1]). Sua irritação foi expressa novamente, logo depois,
numa nota de rodapé à tradução que fez (1892-4) das Leçons du Mardi (em [1]), de
Charcot, e, ainda com maior franqueza, numa passagem do caso clínico de Miss Lucy R.
nos Estudos sobre a Histeria (1895d), Edição Standard Brasileira, Vol. II, [1]-[2],
IMAGO Editora, 1974. Muitos anos mais tarde, resumiria sua posição nas Cinco Lições
(1910a), ibid., Vol. XI, [1], IMAGO Editora, 1970: “Mas logo a hipnose passou a me
desagradar… Quando verifiquei que, apesar de todos os meus esforços, não conseguia
produzir o estado hipnótico senão numa parte dos meus pacientes, decidi abandonar a
hipnose…” Mas o momento adequado ainda não tinha chegado. Continuou a utilizar a
hipnose não só como parte do método catártico mas também para a sugestão direta; em
fins de 1892, publicou um relato minucioso de um caso desse tipo, especialmente bem-
sucedido. (Ver em [1]) Além disso, no mesmo ano, fez a tradução de um segundo livro
de Bernheim (1892a), embora dessa vez sem a introdução. No entanto, levou pouco tempo
para que concebesse um sistema pelo qual pudesse produzir os efeitos da sugestão, sem
a necessidade de colocar o paciente em estado de hipnose. O primeiro passo foi substituir
o sono hipnótico por aquilo que denominou estado de “concentração” (Estudos sobre a
Histeria, ibid., Vol. II, [1]-[2], IMAGO Editora, 1974). A seguir, desenvolveu a “técnica
da pressão” (ibid., [1]-[2], [3], [4] e [5]): simplesmente exercendo pressão com suas mãos
sobre a fronte do paciente, conseguia obter a informação desejada. Não está esclarecido
se teria empregado esse método pela primeira vez no caso de Miss Lucy R. ou no caso de
Fräulein Elisabeth von R., sendo que ambos os tratamentos começaram no final do ano
de 1892. Naturalmente, esse método era utilizado apenas no tratamento catártico e não no
tratamento sugestivo.
Não é possível saber com precisão a época em que Freud abandonou esses diferentes
métodos. Numa conferência proferida no final de 1904 (1905a), ele declarava (ibid., Vol.
VII, [1], IMAGO Editora, 1972): “Ora, há uns oito anos não tenho usado a hipnose com
fins terapêuticos(exceto para algumas experiências especiais)” - portanto, desde mais ou
menos 1896. Talvez seja esse o período que marca o fim da “técnica da pressão”, pois, na
descrição de seu método, no começo de A Interpretação dos Sonhos (1900a [1899]), ibid.,
Vol. IV, [1], IMAGO Editora, 1972, não faz qualquer menção a semelhante contato com
o paciente, embora, nessa passagem, ainda recomendasse ao paciente manter os olhos
fechados. Porém, numa contribuição ao livro de Löewenfeld sobre as obsessões, na qual
descrevia sua técnica (1940a), escreveu explicitamente: “Ele [Freud] nem mesmo lhes
solicita que fechem os olhos e evita tocar neles, assim como evita qualquer outro
procedimento que possa lembrar a hipnose” (ibid., Vol. VII, [1], IMAGO Editora, 1972).
Na verdade, no fim ainda restava um vestígio de hipnotismo - o “ritual que diz respeito à
posição em que é efetuado o tratamento, a qual é remanescente do método hipnótico a
partir do qual se desenvolveu a psicanálise”, e que Freud pensava merecesse ser mantida
por muita razões (“Sobre o Início do Tratamento”, 1913c, ibid., Vol. XII, [1]-[2], IMAGO
Editora, 1976). O período durante o qual Freud fez algum uso efetivo da hipnose situa-se
portanto, no máximo, entre 1886 e 1896.
Naturalmente, o interesse de Freud pela teoria do hipnotismo e da sugestão durou mais
tempo. Aqui havia a controvérsia com respeito a correntes que podem ser
esquematicamente descritas como “Charcot versus Bernheim” - entre a opinião do
Salpêtrière, segundo a qual a sugestão não passa de uma forma leve de hipnose, e a
opinião da escola de Nancy, de que a hipnose era simplesmente produção da sugestão. É
possível detectar sinais de vacilação na atitude de Freud relativa a esse debate. Na carta a
Fliess de 29 de agosto de 1888, que já citamos e que ele remeteu imediatamente depois
de redigir seu prefácio ao livro de Bernheim, Freud escrevia: “Não compartilho dos
pontos de vista de Bernheim, que me parecem unilaterais, e em meu prefácio procurei
defender a opinião de Charcot”. A orientação segundo a qual Freud assim procedeu pode
ser depreendida do próprio prefácio em [1]. Naturalmente, isto se deu antes de sua visita
a Nancy, que provavelmente o influenciou muito, de vez que, não muito tempo depois,
em seu obituário de Charcot (1893f), manifestava críticas à “abordagem exclusivamente
nosográfica da escola de Salpêtrière” diante dos fenômenos hipnóticos: “A limitação do
estudo da hipnose aos pacientes histéricos, a diferenciação entre grande e pequeno
hipnotismo, a hipótese dos três estágios da ‘grande hipnose’ e a caracterização desses
estágios por fenômenos somáticos - tudo isso fez declinar o conceito dos contemporâneos
de Charcot, quando Bernheim, discípulo de Liébeault, passou a elaborar a teoria do
hipnotismo a partir de um fundamento psicológico mais abrangente e a fazer da sugestão
o ponto central da hipnose”. (Ibid., Vol. III, [1], IMAGO Editora, 1977.) No entanto, em
diversas passagens Freud insistiu na imprecisão do termo “sugestão” e no fato de que o
próprio Bernheim não conseguia explicar o mecanismo do processo: por exemplo, já na
resenha de Forel (1889a), em [1], e também no caso clínico do “Pequeno Hans” (1909b),
Edição Standard Brasileira, Vol. X, [1], IMAGO Editora, 1977, e nas Conferências
Introdutórias (1916-17), ibid., Vol. XVI, [1], IMAGO Editora, 1976. Retornou ao tema
uma vez mais na Psicologia de Grupo (1921c), ibid., Vol. XVIII, [1], IMAGO Editora,
1976, trabalho esse em que há uma série de discussões tanto sobre sugestão como sobre
hipnose. E aí, numa nota de rodapé (ibid., [1]), ele se afastava claramente da sua tendência
anterior a apoiar os pontos de vista de Bernheim: “Parece-me que convém acentuar o fato
de que as discussões contidas nesta seção nos induziram a abandonar a concepção de
Bernheim sobre a hipnose e a voltar à concepção naïf [ingênua] anterior. Consoante
Bernheim, todos os fenômenos hipnóticos podem ser atribuídos ao fator da sugestão, que
por si mesmo não é passível de qualquer outra explicação. Chegamos à conclusão de que
a sugestão constitui manifestação parcial do estado de hipnose, e que a hipnose se
fundamenta solidamente numa predisposição que sobreviveu no inconsciente desde o
início da história da família humana”. O tranqüilo equilíbrio dos pontos de vista de Freud
a respeito dessa controvérsia foi expresso numa frase de uma carta sua a A. A. Roback,
muitos anos depois, a 20 de fevereiro de 1930: “Na questão da hipnose, realmente tomei
partido contra Charcot, ainda que não estivesse inteiramente a favor de Bernheim” (Freud,
1960a, 391).
A despeito de haver abandonado cedo a hipnose como método terapêutico, durante toda
a sua vida Freud nunca hesitou em expressar-lhe seu sentimento de gratidão. “Nós,
psicanalistas”, declarou ele nas Conferências Introdutórias (1916-17), Edição Standard
Brasileira, Vol. XVI, [1], IMAGO Editora, 1976, “podemos afirmar que somos seus
legítimos herdeiros e não esquecemos quanto estímulo e esclarecimento teórico devemos
à hipnose.” E disso deu uma explicação mais específica num de seus artigos sobre técnica
(1914g): “Ainda devemos ser gratos à velha técnica da hipnose por nos ter mostrado os
processos psíquicos simples da análise, numa forma isolada ou esquemática. Só isto pôde
nos dar a coragem de construir, no tratamento analítico, situações mais complexas, e de
mantê-las claras diante de nós”. (Ibid., Vol. XII, [1].)