ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL...

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Página 145 de 217 SOCIOLOGIA CRÍTICA LETRAS “SOCIAIS”. SOBRE OS QUADROS SOCIAIS DA CRITIVIDADE ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL PIERFRANCO MALIZIA a Resumo Este trabalho parte de um tema de base e de uma hipótese; o tema consiste na idéia segundo a qual – sem aliás nada tirar ao sistema “competências-capacidades- genialidades” que fazem de um artista um artista, ou seja, a individualidade, a subjetividade do artista e da sua criatividade etc. – o mesmo artista pensa-age-cria em uma sociedade na qual sofre um processo de socialização, da qual vive as instituições, a economia, a política etc., na qual estabelesce relações duradouras. A hipótese consiste então no fato que seja possível individuar os quadros sociais que, tanto a apriori quanto a posteriori, orientam e influenciam a criatividade literaria e artistica em geral. No âmbito de tal hipótese, os quadros sociais aqui propostos são: a)fatores estruturais; b)fatores ligados aos “círculos artísticos” e relativos sistemas de relação e interação sociais como os mundos artísticos; c)os condicionamentos provenientes das tradições; d)fatores ligados ao sistema da indústria cultural. Por último, quase como uma esemplificação,um parágrafo sobre um escritor e poeta “absolutamente social “: o brasileiro Aldir Blanc. Palavras-Chave: Arte, literatura, sociedade, criatividade, indústria cultural, ”mundos artísticos” Abstract a Phd em Sociologia da Cultura, é professor de Sociologia no Departamento de Ciȇncias Economicas e Politicas da Universidade LUMSA de Roma e visiting professor no ISCEM de Lisboa e na UNISINOS de Porto Alegre. E’ membro da Associação Portuguesa de Sociologia e da AssociazioneItaliana di Sociologia. Atùa principalmente nas areas das trasformaçoes sociais,da produçao cultural e da comunicaçao. Publicou,entre outros,os livros ”Comunic-a-zioni” (Milano,2006),“Al plurale” (Milano,2008),”Piccole società” (Roma,2010),”Contesti e dinamiche” (Soveria Mannelli,2011), “Unir as forças” (BOCC- Universidade da Beira Interior,2011),“Uncertain outines” (Saarbrücken,2012),”Marcas da sociedade” (Curitiba,2013),”Into the box” (Saarbrücken,2015) e artigos e papers publicados em revista científicas em Italia, Portugal, Brasil e EUA.

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SOCIOLOGIA CRIacuteTICA

LETRAS ldquoSOCIAISrdquo SOBRE OS QUADROS SOCIAIS DA CRITIVIDADE

ARTISTICO-LITERAacuteRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL

PIERFRANCO MALIZIAa

Resumo

Este trabalho parte de um tema de base e de uma hipoacutetese o tema consiste na ideacuteia

segundo a qual ndash sem aliaacutes nada tirar ao sistema ldquocompetecircncias-capacidades-

genialidadesrdquo que fazem de um artista um artista ou seja a individualidade a

subjetividade do artista e da sua criatividade etc ndash o mesmo artista pensa-age-cria em

uma sociedade na qual sofre um processo de socializaccedilatildeo da qual vive as instituiccedilotildees a

economia a poliacutetica etc na qual estabelesce relaccedilotildees duradouras A hipoacutetese consiste

entatildeo no fato que seja possiacutevel individuar os quadros sociais que tanto a apriori quanto

a posteriori orientam e influenciam a criatividade literaria e artistica em geral No acircmbito

de tal hipoacutetese os quadros sociais aqui propostos satildeo a)fatores estruturais b)fatores

ligados aos ldquociacuterculos artiacutesticosrdquo e relativos sistemas de relaccedilatildeo e interaccedilatildeo sociais como

os mundos artiacutesticos c)os condicionamentos provenientes das tradiccedilotildees d)fatores

ligados ao sistema da induacutestria cultural Por uacuteltimo quase como uma esemplificaccedilatildeoum

paraacutegrafo sobre um escritor e poeta ldquoabsolutamente social ldquo o brasileiro Aldir Blanc

Palavras-Chave Arte literatura sociedade criatividade induacutestria cultural rdquomundos

artiacutesticosrdquo

Abstract

a Phd em Sociologia da Cultura eacute professor de Sociologia no Departamento de Ciȇncias Economicas e

Politicas da Universidade LUMSA de Roma e visiting professor no ISCEM de Lisboa e na UNISINOS de

Porto Alegre Ersquo membro da Associaccedilatildeo Portuguesa de Sociologia e da AssociazioneItaliana di Sociologia

Atugravea principalmente nas areas das trasformaccediloes sociaisda produccedilao cultural e da comunicaccedilao

Publicouentre outrosos livros rdquoComunic-a-zionirdquo (Milano2006)ldquoAl pluralerdquo (Milano2008)rdquoPiccole

societagraverdquo (Roma2010)rdquoContesti e dinamicherdquo (Soveria Mannelli2011) ldquoUnir as forccedilasrdquo (BOCC-

Universidade da Beira Interior2011)ldquoUncertain outinesrdquo (Saarbruumlcken2012)rdquoMarcas da sociedaderdquo

(Curitiba2013)rdquoInto the boxrdquo (Saarbruumlcken2015) e artigos e papers publicados em revista cientiacuteficas em

Italia Portugal Brasil e EUA

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This paper starts from a basic theme and from an hypothesis the theme is the idea that ndash

without anything against the system ldquocompetencies ndash capacities ndash genialityrdquo that makes

an artist that means the individuality subjectivity of the artist and his creativity etc ndash

the same artist thinks ndash acts ndash creates in a society that suffers a process of socialization

where he lives the Institutions the economy politics etc where he establishes strong and

durables relationships The hypothesis consists in the fact that is possible to individuate

social frames that apriori and aposteriori orientate and influenciate the artistic creativity

and the literature in general In the framework of the hypothesis social frames here

proposed are a) structural factors b) factors linked with ldquosocial circlesrdquo (in this case

artistic) and related systems of relationships and social interactions such as the ldquoartistic

worldsrdquo c) the conditionings from traditions d) factors linked to the system of cultural

industry Finally almost as an example a paragraph on a writer and poet ldquoabsolutely

socialrdquo the Brazilian Aldir Blanc

Key Words Art literature society creativity cultural industryrdquoart worldsrdquo

1 Premissa

ldquoA criatividade eacute uma qualidade de definiccedilatildeo natildeo simples que tem a ver com a energia

a inteligecircncia a agressividade a ambiccedilatildeo a capacidade de pensar novos problemas e

encontrar novas soluccedilotildees para problemas antigos de mudar mentalmente de forma

inovadora elementos jaacute dados de simular rapidamente o resultado de cursos complexos

de acccedilatildeo de alcanccedilar razoavelmente e coerentemente objectivos estabelecidos de

sintetizar novas formas com base em elementos (informaccedilotildees) dados1rdquo

Provavelmente a caracteriacutestica mais significativa dos ldquocriativosrdquo consiste no ser capaz

de assimilar estiacutemulos que frequentemente natildeo concordam entre eles e com base nisto

produzir ldquoa novidaderdquo Esta capacidade combina-se com a tendecircncia a modificar

profundamente o existente esperando de poder antes ou depois obter alguma coisa uacutetil

que leve vantagem tudo isto de fato comporta coragem e esforccedilo natildeo indiferentes

A criatividade eacute alguma coisa dificilmente descritiacutevel de forma completa tanto para quem

cria quanto para quem quiser estudar as dinacircmicas e as formas eacute claro que isto vale

1 Cf Strassoldo R 2001 Forma e funzione Udine Forum p 94

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tambeacutem para um discurso como aquilo que vamos tentar desenvolver nas (poucas)

paacuteginas seguintes isto eacute como o ldquoser ndash em - sociedaderdquo dos literatos natildeo pode natildeo entrar

(provavelmente de forma mais substancial de quanto normalmente pensamos) no

processo criativo e influencia-lo de vaacuterias formas

Vamos tentar entatildeo de delinear algumas preacute-condiccedilotildees estruturais que podem fortemente

influenciar (em alguns casos talvez determinar) a criatividade artiacutestica poreacutem sem

diminuir as capacidades individuais isto eacute o que podemos romanticamente definir o

ldquogeacuteniordquo artiacutestico-literario uma loacutegica absolutamente significativa e que outras ciecircncias

comopor exemplo a psicologia cognitiva deveratildeo tentar de compreender e explicar

talvez parcialmente pela complexidade acima mencionada

Este trabalho quer simplesmente descrever alguns quadros sociais da criatividade

literaria sem ter pretensas de exaustividade com o uacutenico intento de reflectir ulteriormente

sobre a relaccedilatildeo ldquosociedade - actor social - literaturardquo

1Arte e sociedade

Hagrave uma longa serie de dificuldades conceituais e temaacuteticas que esta oportunidade

encontra no debate socioloacutegico Provavelmente hoje podemos enxergar uma inversatildeo de

tendecircncia (testemunhada por uma recente produccedilatildeo neste sentido) em particular no

acircmbito musical esta inversatildeo de tendecircncia eacute devida talvez ao desabrochar da sociologia

da cultura em todos seus componentes temaacuteticos e processuais em particular por quanto

concerne os grandes meios de comunicaccedilatildeo como ldquodifusoresrdquo eou ldquoprodutoresrdquo de

objectos culturais em diferentes acircmbitos a partir da Escola de Birmingham ateacute as mais

recentes pesquisas por fim tentativas sistemaacuteticas de grande interesse 2 3 e 4

Poreacutem quais dificuldades podem continuar obstaculizando uma sociologia da arte O

problema de fundo estaacute provavelmente na substancial pluri ndash dimensionalidade da mesma

arte5 e na consequente concentraccedilatildeo sobre uma ou outra dimensatildeo por um lado a

perspectiva ldquogeneacuteticardquo centrada na produccedilatildeo artiacutestica (tanto material quanto econoacutemica)

e os factores determinantes no processo produtivo pelo outro a dimensatildeo sintaacutectica que

2 Cf Ibid cit 3 Zolberg V 1994 Sociologia dellrsquoarte Bologna Il Mulino 4 Crane D 1997 La produzione culturale Bologna Il Mulino 5 Gallino L 1993 Dizionario di sociologia Torino UTET p 38-41

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privilegia a estrutura do discurso artiacutestico e a determinaccedilatildeo da apreciaccedilatildeo social ou aleacutem

disto a dimensatildeo semacircntica que leva de forma semi ndash uniacutevoca para a reflexatildeo sobre a

correspondecircncia ldquoformas de arte ndash tipologia de sociedaderdquo correspondecircncia

frequentemente extrema e que de qualquer forma auto explica-se por fim a dimensatildeo

pragmaacutetica que desenvolve principalmente o conceito de arte como ldquoferramenta

ideoloacutegicardquo para hipostasiar uma tal ordem social ou para discuti-lo Isto pertence agrave pluri

ndash dimensionalidade que pode de fato assumir-se como complexidade substancial para

uma sociologia da arte mas a arte natildeo eacute exclusivamente um fenoacutemeno complexo ldquodifiacutecilrdquo

de ser interpretado assim talvez o problema de uma sociologia da arte estaacute tambeacutem no

que Koumlnig escrevia haacute alguns anos atraacutes ldquoembora a maioria dos contributos e das

pesquisas de sociologia da arte assumam o fato social ldquoexperiencia artiacutesticardquo como ponto

de partida ou centro da proacutepria analise isto acontece digamos assim intuitivamente isto

eacute considera-se obvio o fato social sem se preocupar de circunscrevecirc-lo com precisatildeo de

clarifica-lo ou especifica-lo Eacute claro que por um tal caminho ingeacutenuo nascem umas

dificuldades e que para superaacute-las acaba se por explorar todos os sectores marginais de

pesquisa6rdquo

2 A produccedilatildeo artiacutestico-literaacuteria

Como evidencia Zolberg7 podemos constantemente encontrar duas concepccedilotildees da

produccedilatildeo literaria que sempre satildeo fundamentais para a constituiccedilatildeo do discurso

ldquoliteraturasociedaderdquo e que podemos sintetizar assim

CONCEPCcedilOtildeE

S

SIGNIFICADO PERTINEcircNCIA

ENDOacuteGENA Literatura como produto de uma

genialidade criativa unicidade do acto

Esteacuteticacriacutetica

literaria

Histoacuteria da literatura

EXOacuteGENA Literatura como processo de criatividade

social e de reconhecimento social

Sociologia da cultura

6 Cf Koenig R1964 SociologiaMilanoFeltrinelli p 31 7 Cf Zolberg Op cit

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Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a

configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo

ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como

a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da

funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)

aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a

arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente

outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e

contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os

valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8

b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da

literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por

exemplo

- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)

- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)

- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)

- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)

- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes

minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)

3 A ldquocriatividaderdquo

A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo

considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo

a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma

dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir

8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza

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comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees

vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas

ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e

tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos

sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa

que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde

cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave

ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc

existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e

compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos

temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que

comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e

incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos

e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash

conflitual)

A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem

na resultante de vaacuterios factores

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo

diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas

conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma

sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos

acima elencados

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos

ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de

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elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute

situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a

ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia

depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis

dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados

pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os

objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar

os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o

objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios

indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais

importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo

Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a

elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo

refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a

conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma

situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por

consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa

onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e

desenvolver de forma completa

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos

ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na

nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em

subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais

partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de

cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo

9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit

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socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista

Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito

Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela

especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo

artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos

artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais

amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os

artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que

normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura

apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica

como

-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir

as qualidades individuais

-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e

artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias

As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim

chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem

15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138

PRODUTO

CONTEXTO

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MICRO (mundos

artiacutesticos)

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MESO(mercados

literarios)

ARTISTA

(personalidade status)

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ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

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sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

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2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

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Palumbo

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10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

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12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 2: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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This paper starts from a basic theme and from an hypothesis the theme is the idea that ndash

without anything against the system ldquocompetencies ndash capacities ndash genialityrdquo that makes

an artist that means the individuality subjectivity of the artist and his creativity etc ndash

the same artist thinks ndash acts ndash creates in a society that suffers a process of socialization

where he lives the Institutions the economy politics etc where he establishes strong and

durables relationships The hypothesis consists in the fact that is possible to individuate

social frames that apriori and aposteriori orientate and influenciate the artistic creativity

and the literature in general In the framework of the hypothesis social frames here

proposed are a) structural factors b) factors linked with ldquosocial circlesrdquo (in this case

artistic) and related systems of relationships and social interactions such as the ldquoartistic

worldsrdquo c) the conditionings from traditions d) factors linked to the system of cultural

industry Finally almost as an example a paragraph on a writer and poet ldquoabsolutely

socialrdquo the Brazilian Aldir Blanc

Key Words Art literature society creativity cultural industryrdquoart worldsrdquo

1 Premissa

ldquoA criatividade eacute uma qualidade de definiccedilatildeo natildeo simples que tem a ver com a energia

a inteligecircncia a agressividade a ambiccedilatildeo a capacidade de pensar novos problemas e

encontrar novas soluccedilotildees para problemas antigos de mudar mentalmente de forma

inovadora elementos jaacute dados de simular rapidamente o resultado de cursos complexos

de acccedilatildeo de alcanccedilar razoavelmente e coerentemente objectivos estabelecidos de

sintetizar novas formas com base em elementos (informaccedilotildees) dados1rdquo

Provavelmente a caracteriacutestica mais significativa dos ldquocriativosrdquo consiste no ser capaz

de assimilar estiacutemulos que frequentemente natildeo concordam entre eles e com base nisto

produzir ldquoa novidaderdquo Esta capacidade combina-se com a tendecircncia a modificar

profundamente o existente esperando de poder antes ou depois obter alguma coisa uacutetil

que leve vantagem tudo isto de fato comporta coragem e esforccedilo natildeo indiferentes

A criatividade eacute alguma coisa dificilmente descritiacutevel de forma completa tanto para quem

cria quanto para quem quiser estudar as dinacircmicas e as formas eacute claro que isto vale

1 Cf Strassoldo R 2001 Forma e funzione Udine Forum p 94

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tambeacutem para um discurso como aquilo que vamos tentar desenvolver nas (poucas)

paacuteginas seguintes isto eacute como o ldquoser ndash em - sociedaderdquo dos literatos natildeo pode natildeo entrar

(provavelmente de forma mais substancial de quanto normalmente pensamos) no

processo criativo e influencia-lo de vaacuterias formas

Vamos tentar entatildeo de delinear algumas preacute-condiccedilotildees estruturais que podem fortemente

influenciar (em alguns casos talvez determinar) a criatividade artiacutestica poreacutem sem

diminuir as capacidades individuais isto eacute o que podemos romanticamente definir o

ldquogeacuteniordquo artiacutestico-literario uma loacutegica absolutamente significativa e que outras ciecircncias

comopor exemplo a psicologia cognitiva deveratildeo tentar de compreender e explicar

talvez parcialmente pela complexidade acima mencionada

Este trabalho quer simplesmente descrever alguns quadros sociais da criatividade

literaria sem ter pretensas de exaustividade com o uacutenico intento de reflectir ulteriormente

sobre a relaccedilatildeo ldquosociedade - actor social - literaturardquo

1Arte e sociedade

Hagrave uma longa serie de dificuldades conceituais e temaacuteticas que esta oportunidade

encontra no debate socioloacutegico Provavelmente hoje podemos enxergar uma inversatildeo de

tendecircncia (testemunhada por uma recente produccedilatildeo neste sentido) em particular no

acircmbito musical esta inversatildeo de tendecircncia eacute devida talvez ao desabrochar da sociologia

da cultura em todos seus componentes temaacuteticos e processuais em particular por quanto

concerne os grandes meios de comunicaccedilatildeo como ldquodifusoresrdquo eou ldquoprodutoresrdquo de

objectos culturais em diferentes acircmbitos a partir da Escola de Birmingham ateacute as mais

recentes pesquisas por fim tentativas sistemaacuteticas de grande interesse 2 3 e 4

Poreacutem quais dificuldades podem continuar obstaculizando uma sociologia da arte O

problema de fundo estaacute provavelmente na substancial pluri ndash dimensionalidade da mesma

arte5 e na consequente concentraccedilatildeo sobre uma ou outra dimensatildeo por um lado a

perspectiva ldquogeneacuteticardquo centrada na produccedilatildeo artiacutestica (tanto material quanto econoacutemica)

e os factores determinantes no processo produtivo pelo outro a dimensatildeo sintaacutectica que

2 Cf Ibid cit 3 Zolberg V 1994 Sociologia dellrsquoarte Bologna Il Mulino 4 Crane D 1997 La produzione culturale Bologna Il Mulino 5 Gallino L 1993 Dizionario di sociologia Torino UTET p 38-41

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privilegia a estrutura do discurso artiacutestico e a determinaccedilatildeo da apreciaccedilatildeo social ou aleacutem

disto a dimensatildeo semacircntica que leva de forma semi ndash uniacutevoca para a reflexatildeo sobre a

correspondecircncia ldquoformas de arte ndash tipologia de sociedaderdquo correspondecircncia

frequentemente extrema e que de qualquer forma auto explica-se por fim a dimensatildeo

pragmaacutetica que desenvolve principalmente o conceito de arte como ldquoferramenta

ideoloacutegicardquo para hipostasiar uma tal ordem social ou para discuti-lo Isto pertence agrave pluri

ndash dimensionalidade que pode de fato assumir-se como complexidade substancial para

uma sociologia da arte mas a arte natildeo eacute exclusivamente um fenoacutemeno complexo ldquodifiacutecilrdquo

de ser interpretado assim talvez o problema de uma sociologia da arte estaacute tambeacutem no

que Koumlnig escrevia haacute alguns anos atraacutes ldquoembora a maioria dos contributos e das

pesquisas de sociologia da arte assumam o fato social ldquoexperiencia artiacutesticardquo como ponto

de partida ou centro da proacutepria analise isto acontece digamos assim intuitivamente isto

eacute considera-se obvio o fato social sem se preocupar de circunscrevecirc-lo com precisatildeo de

clarifica-lo ou especifica-lo Eacute claro que por um tal caminho ingeacutenuo nascem umas

dificuldades e que para superaacute-las acaba se por explorar todos os sectores marginais de

pesquisa6rdquo

2 A produccedilatildeo artiacutestico-literaacuteria

Como evidencia Zolberg7 podemos constantemente encontrar duas concepccedilotildees da

produccedilatildeo literaria que sempre satildeo fundamentais para a constituiccedilatildeo do discurso

ldquoliteraturasociedaderdquo e que podemos sintetizar assim

CONCEPCcedilOtildeE

S

SIGNIFICADO PERTINEcircNCIA

ENDOacuteGENA Literatura como produto de uma

genialidade criativa unicidade do acto

Esteacuteticacriacutetica

literaria

Histoacuteria da literatura

EXOacuteGENA Literatura como processo de criatividade

social e de reconhecimento social

Sociologia da cultura

6 Cf Koenig R1964 SociologiaMilanoFeltrinelli p 31 7 Cf Zolberg Op cit

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Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a

configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo

ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como

a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da

funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)

aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a

arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente

outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e

contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os

valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8

b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da

literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por

exemplo

- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)

- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)

- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)

- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)

- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes

minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)

3 A ldquocriatividaderdquo

A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo

considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo

a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma

dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir

8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza

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comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees

vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas

ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e

tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos

sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa

que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde

cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave

ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc

existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e

compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos

temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que

comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e

incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos

e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash

conflitual)

A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem

na resultante de vaacuterios factores

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo

diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas

conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma

sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos

acima elencados

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos

ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de

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elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute

situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a

ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia

depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis

dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados

pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os

objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar

os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o

objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios

indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais

importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo

Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a

elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo

refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a

conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma

situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por

consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa

onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e

desenvolver de forma completa

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos

ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na

nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em

subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais

partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de

cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo

9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit

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socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista

Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito

Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela

especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo

artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos

artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais

amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os

artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que

normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura

apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica

como

-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir

as qualidades individuais

-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e

artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias

As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim

chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem

15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138

PRODUTO

CONTEXTO

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MICRO (mundos

artiacutesticos)

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MESO(mercados

literarios)

ARTISTA

(personalidade status)

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ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

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sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 3: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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tambeacutem para um discurso como aquilo que vamos tentar desenvolver nas (poucas)

paacuteginas seguintes isto eacute como o ldquoser ndash em - sociedaderdquo dos literatos natildeo pode natildeo entrar

(provavelmente de forma mais substancial de quanto normalmente pensamos) no

processo criativo e influencia-lo de vaacuterias formas

Vamos tentar entatildeo de delinear algumas preacute-condiccedilotildees estruturais que podem fortemente

influenciar (em alguns casos talvez determinar) a criatividade artiacutestica poreacutem sem

diminuir as capacidades individuais isto eacute o que podemos romanticamente definir o

ldquogeacuteniordquo artiacutestico-literario uma loacutegica absolutamente significativa e que outras ciecircncias

comopor exemplo a psicologia cognitiva deveratildeo tentar de compreender e explicar

talvez parcialmente pela complexidade acima mencionada

Este trabalho quer simplesmente descrever alguns quadros sociais da criatividade

literaria sem ter pretensas de exaustividade com o uacutenico intento de reflectir ulteriormente

sobre a relaccedilatildeo ldquosociedade - actor social - literaturardquo

1Arte e sociedade

Hagrave uma longa serie de dificuldades conceituais e temaacuteticas que esta oportunidade

encontra no debate socioloacutegico Provavelmente hoje podemos enxergar uma inversatildeo de

tendecircncia (testemunhada por uma recente produccedilatildeo neste sentido) em particular no

acircmbito musical esta inversatildeo de tendecircncia eacute devida talvez ao desabrochar da sociologia

da cultura em todos seus componentes temaacuteticos e processuais em particular por quanto

concerne os grandes meios de comunicaccedilatildeo como ldquodifusoresrdquo eou ldquoprodutoresrdquo de

objectos culturais em diferentes acircmbitos a partir da Escola de Birmingham ateacute as mais

recentes pesquisas por fim tentativas sistemaacuteticas de grande interesse 2 3 e 4

Poreacutem quais dificuldades podem continuar obstaculizando uma sociologia da arte O

problema de fundo estaacute provavelmente na substancial pluri ndash dimensionalidade da mesma

arte5 e na consequente concentraccedilatildeo sobre uma ou outra dimensatildeo por um lado a

perspectiva ldquogeneacuteticardquo centrada na produccedilatildeo artiacutestica (tanto material quanto econoacutemica)

e os factores determinantes no processo produtivo pelo outro a dimensatildeo sintaacutectica que

2 Cf Ibid cit 3 Zolberg V 1994 Sociologia dellrsquoarte Bologna Il Mulino 4 Crane D 1997 La produzione culturale Bologna Il Mulino 5 Gallino L 1993 Dizionario di sociologia Torino UTET p 38-41

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privilegia a estrutura do discurso artiacutestico e a determinaccedilatildeo da apreciaccedilatildeo social ou aleacutem

disto a dimensatildeo semacircntica que leva de forma semi ndash uniacutevoca para a reflexatildeo sobre a

correspondecircncia ldquoformas de arte ndash tipologia de sociedaderdquo correspondecircncia

frequentemente extrema e que de qualquer forma auto explica-se por fim a dimensatildeo

pragmaacutetica que desenvolve principalmente o conceito de arte como ldquoferramenta

ideoloacutegicardquo para hipostasiar uma tal ordem social ou para discuti-lo Isto pertence agrave pluri

ndash dimensionalidade que pode de fato assumir-se como complexidade substancial para

uma sociologia da arte mas a arte natildeo eacute exclusivamente um fenoacutemeno complexo ldquodifiacutecilrdquo

de ser interpretado assim talvez o problema de uma sociologia da arte estaacute tambeacutem no

que Koumlnig escrevia haacute alguns anos atraacutes ldquoembora a maioria dos contributos e das

pesquisas de sociologia da arte assumam o fato social ldquoexperiencia artiacutesticardquo como ponto

de partida ou centro da proacutepria analise isto acontece digamos assim intuitivamente isto

eacute considera-se obvio o fato social sem se preocupar de circunscrevecirc-lo com precisatildeo de

clarifica-lo ou especifica-lo Eacute claro que por um tal caminho ingeacutenuo nascem umas

dificuldades e que para superaacute-las acaba se por explorar todos os sectores marginais de

pesquisa6rdquo

2 A produccedilatildeo artiacutestico-literaacuteria

Como evidencia Zolberg7 podemos constantemente encontrar duas concepccedilotildees da

produccedilatildeo literaria que sempre satildeo fundamentais para a constituiccedilatildeo do discurso

ldquoliteraturasociedaderdquo e que podemos sintetizar assim

CONCEPCcedilOtildeE

S

SIGNIFICADO PERTINEcircNCIA

ENDOacuteGENA Literatura como produto de uma

genialidade criativa unicidade do acto

Esteacuteticacriacutetica

literaria

Histoacuteria da literatura

EXOacuteGENA Literatura como processo de criatividade

social e de reconhecimento social

Sociologia da cultura

6 Cf Koenig R1964 SociologiaMilanoFeltrinelli p 31 7 Cf Zolberg Op cit

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Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a

configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo

ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como

a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da

funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)

aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a

arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente

outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e

contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os

valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8

b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da

literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por

exemplo

- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)

- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)

- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)

- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)

- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes

minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)

3 A ldquocriatividaderdquo

A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo

considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo

a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma

dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir

8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza

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comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees

vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas

ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e

tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos

sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa

que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde

cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave

ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc

existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e

compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos

temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que

comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e

incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos

e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash

conflitual)

A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem

na resultante de vaacuterios factores

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo

diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas

conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma

sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos

acima elencados

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos

ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de

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elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute

situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a

ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia

depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis

dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados

pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os

objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar

os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o

objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios

indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais

importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo

Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a

elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo

refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a

conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma

situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por

consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa

onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e

desenvolver de forma completa

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos

ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na

nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em

subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais

partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de

cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo

9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit

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socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista

Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito

Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela

especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo

artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos

artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais

amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os

artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que

normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura

apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica

como

-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir

as qualidades individuais

-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e

artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias

As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim

chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem

15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138

PRODUTO

CONTEXTO

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MICRO (mundos

artiacutesticos)

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MESO(mercados

literarios)

ARTISTA

(personalidade status)

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ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

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sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

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2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

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Page 4: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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privilegia a estrutura do discurso artiacutestico e a determinaccedilatildeo da apreciaccedilatildeo social ou aleacutem

disto a dimensatildeo semacircntica que leva de forma semi ndash uniacutevoca para a reflexatildeo sobre a

correspondecircncia ldquoformas de arte ndash tipologia de sociedaderdquo correspondecircncia

frequentemente extrema e que de qualquer forma auto explica-se por fim a dimensatildeo

pragmaacutetica que desenvolve principalmente o conceito de arte como ldquoferramenta

ideoloacutegicardquo para hipostasiar uma tal ordem social ou para discuti-lo Isto pertence agrave pluri

ndash dimensionalidade que pode de fato assumir-se como complexidade substancial para

uma sociologia da arte mas a arte natildeo eacute exclusivamente um fenoacutemeno complexo ldquodifiacutecilrdquo

de ser interpretado assim talvez o problema de uma sociologia da arte estaacute tambeacutem no

que Koumlnig escrevia haacute alguns anos atraacutes ldquoembora a maioria dos contributos e das

pesquisas de sociologia da arte assumam o fato social ldquoexperiencia artiacutesticardquo como ponto

de partida ou centro da proacutepria analise isto acontece digamos assim intuitivamente isto

eacute considera-se obvio o fato social sem se preocupar de circunscrevecirc-lo com precisatildeo de

clarifica-lo ou especifica-lo Eacute claro que por um tal caminho ingeacutenuo nascem umas

dificuldades e que para superaacute-las acaba se por explorar todos os sectores marginais de

pesquisa6rdquo

2 A produccedilatildeo artiacutestico-literaacuteria

Como evidencia Zolberg7 podemos constantemente encontrar duas concepccedilotildees da

produccedilatildeo literaria que sempre satildeo fundamentais para a constituiccedilatildeo do discurso

ldquoliteraturasociedaderdquo e que podemos sintetizar assim

CONCEPCcedilOtildeE

S

SIGNIFICADO PERTINEcircNCIA

ENDOacuteGENA Literatura como produto de uma

genialidade criativa unicidade do acto

Esteacuteticacriacutetica

literaria

Histoacuteria da literatura

EXOacuteGENA Literatura como processo de criatividade

social e de reconhecimento social

Sociologia da cultura

6 Cf Koenig R1964 SociologiaMilanoFeltrinelli p 31 7 Cf Zolberg Op cit

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Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a

configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo

ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como

a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da

funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)

aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a

arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente

outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e

contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os

valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8

b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da

literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por

exemplo

- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)

- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)

- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)

- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)

- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes

minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)

3 A ldquocriatividaderdquo

A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo

considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo

a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma

dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir

8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza

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comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees

vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas

ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e

tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos

sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa

que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde

cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave

ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc

existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e

compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos

temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que

comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e

incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos

e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash

conflitual)

A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem

na resultante de vaacuterios factores

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo

diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas

conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma

sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos

acima elencados

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos

ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de

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elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute

situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a

ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia

depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis

dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados

pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os

objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar

os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o

objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios

indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais

importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo

Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a

elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo

refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a

conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma

situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por

consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa

onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e

desenvolver de forma completa

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos

ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na

nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em

subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais

partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de

cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo

9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit

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socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista

Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito

Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela

especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo

artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos

artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais

amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os

artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que

normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura

apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica

como

-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir

as qualidades individuais

-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e

artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias

As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim

chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem

15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138

PRODUTO

CONTEXTO

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MICRO (mundos

artiacutesticos)

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MESO(mercados

literarios)

ARTISTA

(personalidade status)

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ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

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sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

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Palumbo

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8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

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10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

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12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 5: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a

configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo

ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como

a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da

funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)

aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a

arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente

outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e

contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os

valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8

b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da

literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por

exemplo

- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)

- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)

- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)

- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)

- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes

minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)

3 A ldquocriatividaderdquo

A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo

considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo

a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma

dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir

8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza

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comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees

vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas

ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e

tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos

sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa

que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde

cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave

ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc

existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e

compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos

temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que

comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e

incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos

e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash

conflitual)

A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem

na resultante de vaacuterios factores

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo

diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas

conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma

sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos

acima elencados

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos

ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de

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elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute

situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a

ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia

depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis

dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados

pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os

objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar

os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o

objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios

indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais

importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo

Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a

elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo

refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a

conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma

situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por

consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa

onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e

desenvolver de forma completa

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos

ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na

nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em

subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais

partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de

cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo

9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit

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socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista

Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito

Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela

especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo

artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos

artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais

amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os

artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que

normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura

apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica

como

-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir

as qualidades individuais

-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e

artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias

As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim

chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem

15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138

PRODUTO

CONTEXTO

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MICRO (mundos

artiacutesticos)

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MESO(mercados

literarios)

ARTISTA

(personalidade status)

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ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

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sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

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2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 6: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees

vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas

ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e

tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos

sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa

que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde

cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave

ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc

existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e

compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos

temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que

comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e

incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos

e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash

conflitual)

A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem

na resultante de vaacuterios factores

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo

diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas

conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma

sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos

acima elencados

a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural

No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos

ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de

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elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute

situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a

ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia

depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis

dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados

pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os

objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar

os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o

objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios

indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais

importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo

Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a

elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo

refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a

conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma

situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por

consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa

onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e

desenvolver de forma completa

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos

ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na

nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em

subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais

partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de

cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo

9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit

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socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista

Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito

Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela

especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo

artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos

artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais

amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os

artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que

normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura

apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica

como

-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir

as qualidades individuais

-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e

artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias

As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim

chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem

15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138

PRODUTO

CONTEXTO

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MICRO (mundos

artiacutesticos)

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MESO(mercados

literarios)

ARTISTA

(personalidade status)

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ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

Paacutegina 157 de 217

subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

Paacutegina 158 de 217

5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

Paacutegina 161 de 217

Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

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2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

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Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

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10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

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12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 7: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute

situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a

ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia

depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis

dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados

pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os

objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar

os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o

objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios

indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais

importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo

Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a

elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo

refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a

conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma

situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por

consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa

onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e

desenvolver de forma completa

b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo

Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos

ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na

nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em

subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais

partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de

cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo

9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit

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socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista

Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito

Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela

especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo

artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos

artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais

amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os

artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que

normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura

apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica

como

-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir

as qualidades individuais

-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e

artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias

As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim

chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem

15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138

PRODUTO

CONTEXTO

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MICRO (mundos

artiacutesticos)

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MESO(mercados

literarios)

ARTISTA

(personalidade status)

Paacutegina 153 de 217

ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

Paacutegina 155 de 217

Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

Paacutegina 158 de 217

5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 8: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista

Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito

Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela

especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo

artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos

artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais

amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os

artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que

normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura

apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica

como

-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir

as qualidades individuais

-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e

artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo

c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias

As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim

chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem

15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138

PRODUTO

CONTEXTO

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MICRO (mundos

artiacutesticos)

REDES DE INTEGRACcedilAtildeO

MESO(mercados

literarios)

ARTISTA

(personalidade status)

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ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

Paacutegina 162 de 217

Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

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5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

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12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 9: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos

conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do

processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o

produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas

tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da

identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia

importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica

tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram

constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente

limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo

Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto

reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que

referem-se agrave estes valores

O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no

sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada

estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de

proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo

O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas

(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas

tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre

a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais

amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns

b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e

complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees

frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos

As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser

um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para

17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

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sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 10: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves

tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de

a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar

e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo

b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input

internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios

especiacuteficos traccedilos culturais

Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma

criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute

certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo

manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21

4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo

Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da

produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes

quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas

ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica

existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam

principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as

tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou

inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

James Joyce)

Redescoberta criativa com novos

significados (ex os ldquominimalistasrdquo)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

a ldquobeat generationrdquo)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel

Garcia Marquez)

21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

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carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

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subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

Paacutegina 162 de 217

Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

Paacutegina 164 de 217

igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 11: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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Ou falando em literatura brasileira

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Manuel Bandeira)

Redescoberta criativa com

novos significados (exClarice

Lispector)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exJoseacute Lins do Rego )

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex

Jorge Amado)

Ou ainda falando em teatro brasileiro

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex

Oswald de Andrade)

Redescoberta criativa com

novos significados (exNelson

Rodrigues)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo

(exTeatro Arena)

Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias

Gomes)

E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)

ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo

PROBLEM

FINDER

Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo

(exLetristaspoetas da rdquoBossa

novardquo)

Redescoberta criativa com

novos significados (exMoacir

Luz23)

PROBLEM

SOLVER

Variantes de ldquoarte novardquo (ex

Seu Jorge)

Seguidores da tradiccedilatildeo

(ex Paulinho da Viola)

d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo

Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma

hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em

uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem

23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29

Paacutegina 156 de 217

carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

Paacutegina 157 de 217

subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

Paacutegina 158 de 217

5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

Paacutegina 159 de 217

portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

Paacutegina 160 de 217

individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

Paacutegina 161 de 217

Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

Paacutegina 162 de 217

Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 12: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

Paacutegina 156 de 217

carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em

uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e

obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das

relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido

sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem

artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste

esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode

gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto

(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers

mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco

transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos

media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo

dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo

O modelo pode ser assim configurado

Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3

Feedback

A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo

natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um

processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas

alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em

particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media

propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de

25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

SUBSISTEMA DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

CONSUMO

(sociedade)

Paacutegina 157 de 217

subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

Paacutegina 158 de 217

5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

Paacutegina 159 de 217

portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

Paacutegina 160 de 217

individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

Paacutegina 161 de 217

Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

Paacutegina 162 de 217

Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

Paacutegina 164 de 217

igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

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Paacutegina 157 de 217

subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de

Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim

configurado

Filtro 1 Filtro 2

Feedback

Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa

tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer

sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem

Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas

eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de

Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do

sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material

ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma

completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as

objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem

destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao

menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto

de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na

divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32

30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212

SUBSISTEMA

COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO

(sociedade ldquoem rede)rdquo

SUBSISTEMA TEacuteCNICO

(criadores)

SUBSISTEMAS DE

GESTAtildeO

(organizaccedilotildees)

SUBSISTEMA

INSTITUCIONAL

(media)

II deg CONSUMO

(sociedade)

Paacutegina 158 de 217

5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

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sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 14: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc

51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo

As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade

cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo

o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso

tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de

fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas

fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo

acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora

efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais

ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os

ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se

evidencia nas cidades

A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse

sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se

localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e

contraditoriedade

A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como

resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos

como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos

contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos

A cidade pograves-moderna

- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma

finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos

fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer

forma ldquoprivadosrdquo

- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma

expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo

holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta

e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas

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portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

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Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

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Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

Paacutegina 164 de 217

igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 15: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

Paacutegina 159 de 217

portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de

construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como

as conhecemos

- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no

ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco

significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar

o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural

condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo

riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos

E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um

estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos

organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras

a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um

produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de

comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na

cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente

urbanos

Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares

urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se

multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes

permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de

relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas

vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo

das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-

gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e

certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada

no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza

em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo

mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto

social

Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada

substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave

Paacutegina 160 de 217

individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

Paacutegina 161 de 217

Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

Paacutegina 162 de 217

Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

Paacutegina 164 de 217

igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 16: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

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individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos

encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a

um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os

ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma

propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute

verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas

vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira

compensativos de uma atomizaccedilatildeo social

52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo

Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita

permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees

sentimentos paixotildees no bem e no mal

E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto

de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares

especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao

mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros

termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia

narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela

do brasileiro Aldir Blanc

Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja

um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma

capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em

ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal

ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem

contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e

envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a

ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso

fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se

e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado

e de alta capacidade descritiva

Paacutegina 161 de 217

Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

Paacutegina 162 de 217

Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

Paacutegina 164 de 217

igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 17: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

Paacutegina 161 de 217

Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso

humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do

grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor

de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um

estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo

Pereira33rdquo

Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-

cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse

texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-

termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta

da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo

segundo Caymmi34

Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas

de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros

e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou

mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais

Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir

Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura

como

a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades

da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees

de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a

cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei

com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha

cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa

b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam

toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na

calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)

33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir

34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2

Paacutegina 162 de 217

Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

Paacutegina 164 de 217

igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

Page 18: ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL …ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N10_ART9_Pier...concerne os grandes meios de comunicação como “difusores” e/ou

Paacutegina 162 de 217

Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito

igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da

Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)

Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa

pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir

eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve

ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense

pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa

momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e

anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua

dos artistas e transversais

c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como

Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira

aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos

cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta

braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra

Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula

sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila

Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-

rosa o embaixadorrdquo)

d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa

quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em

Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do

Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo

letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma

trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e

irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou

Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao

apogeurdquo)

e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e

transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente

comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda

Paacutegina 163 de 217

sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

Paacutegina 164 de 217

igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

Paacutegina 165 de 217

Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

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sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das

palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o

corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela

instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como

Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir

para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo

imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca

(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje

entatildeordquo)

f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que

enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma

dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas

particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute

entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um

camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime

ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em

Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo

descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me

chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo

importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na

inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor

simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas

ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma

especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um

ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais

recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de

Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas

testemunham isso

Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de

Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar

encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da

ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

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igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar

contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes

Conclusotildees

Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado

sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute

que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na

sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais

(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas

mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que

orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e

portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo

ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos

CENTRO DO CORACcedilAtildeO

Deus desenhou meu coraccedilatildeo

De um jeito igualzinho

Ao velho Centro do Rio

Satildeo tantos pontos de luz

Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa

Da Candelaacuteria

Eles percorrem minhas coronaacuterias

Vejam vocecircs

No carnaval o bonde 66

Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez

Tem condutor motorneiro

Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro

O nogueira e o velho Hermiacutenio

Num reduto biriteiro

Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo

De quebra me vende mais uma ilusatildeo

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand

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Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor

Satildeo pontes de safena pra tamanho amor

Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou

Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu

vou

Bibliografia Consultada

1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees

2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord

3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata

4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees

5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras

6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo

Palumbo

7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco

8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura

9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium

10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos

11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli

12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando

13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand