As Alterações Climáticas e a Indústria Seguradora

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As alterações climáticas e as catástrofes naturais, que se têm verificado de forma mais acentuada nos últimos anos, têm causado prejuízos e danos de grande dimensão, cujos efeitos tanto se podem sentir apenas a nível local como estender-se à escala global. Desertos conquistam milhares de hectares a zonas arborizadas, as neves perpétuas deixam de o ser, o nível das águas dos oceanos sobe inundando importantes e extensas zonas costeiras, surgem ciclones onde não há memória, sismos com intensidade e frequência pouco comuns, temperaturas extremas nunca antes medidas, chuvas torrenciais que provocam cheias nunca vistas, entre outros fenómenos. As consequências abrangem quase todos os setores de atividade, sendo que a indústria seguradora é um dos mais expostos a este tipo de eventos.

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Nota PréVIa

No meu último livro, Os Grandes Desafios da Indústria Seguradora, abordei vários assuntos, entre os quais o das alterações climáticas. Foi um tema que me interessou particularmente, dada a sua complexidade e potencial de devastação. As alterações climáticas e os desastres naturais, que se têm verificado de forma mais acentuada nos últimos anos, têm causado prejuízos e danos de grande relevância, quer diretos quer indiretos, cujos efeitos se podem sentir apenas a nível local mas com repercussões que se podem estender também à escala global. Tanto pode ocorrer uma chuva torrencial perfeitamente inesperada numa determinada cidade do planeta, causando, por ação direta da precipitação, cheias e danos em lojas, habitações, automóveis, etc., como podemos ter um caso como o do Japão em março de 2011. No país do sol nascente, registou-se um dos maiores sismos de que há memória, com uma magnitude 9 na escala de Richter, seguido de um tsunami absolutamente devastador, cujos impactos diretos resultaram na morte de milhares de pessoas e na destruição de milhares de edifícios, empresas, veículos, unidades agrícolas, entre outros, já para não mencionar a tragédia nuclear de Fukushima cuja extensão dos danos ainda não é, até à data da publicação desta obra, conhecida em toda a sua extensão. No caso de uma chuva torrencial, apesar dos danos causados, estes podem circunscrever-se apenas a uma zona específica da cidade. Algumas lojas podem ter de fechar, algumas pessoas poderão ser evacuadas e uns tantos automóveis rebocados, mas não tem que suceder nada que obrigatoriamente impeça a cidade de continuar a desenvolver as suas atividades normais, podendo registar-se ape-nas algumas anomalias relacionadas com o trânsito, prontamente resolvidas pelas autoridades locais. Os impactos registados seriam, portanto, quase exclusivamente diretos. Já no Japão a situação foi completamente diferente. Decorrente dos danos causados pelo sismo seguido de tsunami, toda uma zona colapsou em termos sociais e económicos. Fábricas inteiras pararam por não terem peças para poder manter a produção (mesmo a centenas de quilómetros de distância), os produtos agrícolas que ainda se podiam salvar ficaram contaminados pela radiação e, por essa razão, não se podiam vender, restaurantes japoneses por todo o mundo viram os seus clientes desaparecer receosos de que a comida pudesse ter algum excesso de radioatividade, o problema nuclear obrigou o Japão a importar eletricidade de outros países, nomeadamente da Rússia, milhares de pessoas fugiram de Tóquio, a água engarrafada esgotou-se, o índice Nikkei sofreu várias quedas, entre muitas outras consequências. A nível social, milhares de pessoas ficaram sem os seus empregos, pais perderam os seus filhos e vice-versa, inúmeras pessoas tiveram de mudar de casa e de localidade para poderem prosseguir com a sua vida, muitas delas demasiado fragilizadas para começar de novo.

AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E A INDÚSTRIA SEGURADORA

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Todos estes impactos indiretos foram, e continuam a ser, causadores de milhares de milhões de euros de prejuízos que têm repercussões muito para além da economia japonesa. Afinal, o Japão é a terceira maior economia do mundo.Entretanto, noutros locais do planeta, desertos conquistam milhares de hectares a zonas arborizadas, as neves perpétuas deixam de o ser, o nível das águas dos oceanos sobe inundando importantes zonas costeiras, surgem ciclones onde não há memória, sismos quase rebentam com a escala, temperaturas extremas nunca antes medidas, chuvas torrenciais provocam cheias nunca vistas, entre muitos outros fenómenos.Existem ainda outros problemas não percetíveis imediatamente, mas que a médio e longo prazo vão ter impactos importantes. A comunidade científica sabe que a água potável é um bem que tende a reduzir-se, principalmente em zonas onde a precipitação diminuiu e/ou as temperaturas aumentaram, fazendo com que as neves, outrora fornecedoras de água para consumo humano e rega de terrenos des-tinados à agricultura, já tenham derretido na sua quase totalidade, o que acontece com cada vez mais frequência em vários locais do globo. Iremos ter mais pessoas, menos água e comida, e se não em menor quantidade, pelo menos mais cara. A conjugação destes e de outros fatores vai, com toda a certeza, contribuir para o aumento da fome no mundo e para uma maior disseminação de doenças como a cólera e outras. E não se pense que se trata de um problema apenas africano. Até pode ser que seja este o continente mais afetado, mas a redução da água potável vai ser um problema mundial. E porque razão é que o preço dos alimentos está a aumentar? Para além dos especuladores que existem em todo o lado, a verdade é que as alterações climáticas e os desastres naturais têm contribuído de forma indelével para este estado de coisas. Para ilustrar esta situação, podemos referir o que aconteceu na Rússia em 2010. Este país, que é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, viu a sua produção parcialmente destruída e, em consequência disso, verificou-se uma quebra na quantidade disponível deste cereal no mercado internacional e o seu consequente aumento de preço. O mesmo acabou por acon-tecer com muitos outros produtos alimentares que têm na sua composição trigo e outros cereais que foram também afetados.Contudo, esta escassez e aumento de preço tiveram também outra origem. Com receio de que a falta de trigo afetasse o próprio país, a Rússia suspendeu as expor-tações do cereal até ao final de 2010, o que “agitou” ainda mais os mercados.Todas as situações acima descritas, e muitas outras que poderiam aqui ser refe-ridas, são passíveis de provocar danos e prejuízos financeiros que podem atingir somas absolutamente astronómicas. Além disso, alguns desses prejuízos poderão advir de riscos ainda não suficientemente conhecidos pelas seguradoras. Por mais sofisticados que sejam os modelos climáticos desenvolvidos pelos cli-matologistas, assim como a tecnologia associada, e/ou o desenvolvimento de

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NOTA PRévIA

excelentes práticas de subscrição, a verdade é que ainda ninguém consegue prever com exatidão a data e o local onde vai ocorrer um sismo ou o momento em que um vulcão vai entrar em erupção. Atualmente, a problemática das alterações climáticas é a que mais preocupa a indústria seguradora e a que tem consumido mais tempo e recursos em estudos e análises diversas. É um tema que diz respeito a todos e que não podemos delegar em ninguém. Conhecer e compreender a forma como o nosso clima está a evoluir e as consequências que daí advirão é um processo fundamental para assegurar a nossa sobrevivência, enquanto espécie, e a do nosso planeta, enquanto suporte para a sua sustentabilidade. E falando de sustentabilidade, sem uma indústria segurado-ra forte, dificilmente existirá um desenvolvimento económico forte, fator também ele indispensável para assegurar um bom futuro para todos nós e para as gerações vindouras. Um futuro em que progresso económico e ambiental não tenham de se excluir entre si.

Fernando Gilberto

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INtrodução

Não é pretensão desta obra ser um trabalho científico sobre as alterações cli-máticas, mas sim estudar o seu impacto na indústria seguradora. No entanto, é incontornável que o tema acabe por ser abordado com algum pormenor, uma vez que, se não o conhecermos minimamente, também não poderemos compreender e prever com alguma segurança os seus impactos no setor. Não é por acaso que as grandes resseguradoras mundiais e outras organizações do setor, estão na van-guarda da investigação sobre a problemática das alterações climáticas sendo, por essa razão, umas das principais fontes de informação utilizadas neste capítulo e mesmo ao longo deste livro. Na verdade, aqui reside uma das justificações porque, frequentemente, decisões menos corretas são tomadas por técnicos que saíram das universidades com médias elevadíssimas. É que as decisões não podem ser toma-das apenas segundo a perspetiva do objeto em análise, mas sim do objeto inserido no seu contexto. E se não conhecermos e compreendermos o contexto, só por coincidência ou por intuição (técnica que, por vezes, até resulta), é que podemos ter sucesso. É também por essa razão que considero que, quando estamos a falar de grandes temas, como é o caso, torna-se indispensável a constituição de equipas multidisciplinares. Por esta razão, este primeiro capítulo abordará exclusivamente questões relacionadas com as alterações climáticas, possibilitando, assim, o enqua-dramento necessário ao tema.

o clIma está mesmo a mudar?

A verdade é que o clima terrestre está sempre a mudar, mudança esta decorrente de processos naturais como sejam as variações orbitais, erupções vulcânicas e alterações na radiação solar. Mas mesmo num cenário em que esses fatores fossem constantes, ainda assim o sistema climático registaria variações, o que de resto é absolutamente natural e que pode ocorrer em intervalos mais ou menos extensos. Nunca se pode esperar que um ano ou uma década seja exatamente igual à seguin-

O clima está mesmo a mudar?Cap.1

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INtrodução

Neste capítulo são apresentados dados quantitativos relativamente às catástrofes naturais ocorridas entre os anos de 1980 e 2008. São também fornecidos os valores correspondentes aos prejuízos totais e aos suportados pela indústria seguradora no que concerne aos eventos em questão, valores esses que tendem a aumentar de ano para ano.

A partir da informação constante neste capítulo, fica perfeitamente justificada a preocupação que o tema tem gerado junto da atividade.

catástrofes NaturaIs No muNdo eNtre 1980 e 2008

Na Figura 2.1 podemos verificar o número de catástrofes naturais registadas em todo o mundo no período compreendido entre os anos de 1980 e 2008. A partir dos dados apresentados concluímos que os principais eventos foram de origem meteorológica. No outro extremo situam-se as ocorrências relativas a incêndios florestais, secas e ondas de calor ou frio.

Catástrofes naturais: 1980-2008Cap.2

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2010 – Ano de recordesCap.3

INtrodução Ultrapassado apenas por 2007, 2010 foi o ano em que se registou o maior número de catástrofes naturais desde 1980: 960 eventos. Para se ter uma ideia, a média dos últimos 10 anos foi de 785 eventos por ano. Das 960 ocorrências, 91% foram causadas por fenómenos atmosféricos, enquanto os restantes 9% se deveram a sismos e erupções vulcânicas. Relativamente aos sismos, os casos mais relevantes foram sem dúvida os do Haiti, Chile, China e Nova Zelândia. Só no Haiti estima-se que tenham morrido 222.570 pessoas, embora as próprias autoridades haitianas já tenham vindo (janeiro de 2011) a público dizer que o número teria ultrapassado as 300.000. De uma forma ou de outra, um país, já de si paupérrimo, ficou totalmente destruído e terá de recomeçar tudo do nada, contando embora com inúmeros movi-mentos internacionais que se prontificaram a ajudar. Outras catástrofes relevantes foram as cheias registadas no Paquistão e os incêndios que deflagraram na Rússia. Quanto à distribuição por continentes, esta acabou por ser coerente com a regista-da nos últimos anos, com o continente americano à frente (367), seguido da Ásia (317), a Europa (119), África (91) e, finalmente, a Austrália (66). Foi um ano de recordes que ninguém queria ver batidos.

catástrofes NaturaIs regIstadas No muNdo em 2010

Na Figura 3.1 podemos ver o número de catástrofes naturais registadas em todo o mundo durante o ano de 2010, distribuídas por continente.

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2011 – As catástrofes naturais vieram para ficar

Cap.4

INtrodução

Tinha denominado o capítulo anterior como “2010 – Ano de recordes”. No entanto, apesar de este livro ter sido terminado antes do final de 2011, até à data em que está a ser redigido, pode-se desde já afirmar que 2011 já bateu pelo menos um recorde. Foi o ano em que a indústria seguradora mais prejuízos teve em toda a sua história no que respeita à ocorrência de desastres naturais, recorde que estava fixado em 2005, ano do furacão Katrina, e já largamente ultrapassado no final do primeiro semestre de 2011. De resto, 2011 parece ser um ano que apenas vem confirmar o que aconteceu em 2010 – que o elevado número de catástrofes naturais veio para ficar, sendo que, naturalmente, o destaque vai todo para o sismo que ocorreu no Japão seguido de um tsunami e de um desastre nuclear de grande dimensão e impacto.

catástrofes NaturaIs regIstadas em 2011

Como foi anteriormente referido, o presente trabalho foi redigido durante o ano de 2011, pelo que os dados poderão não estar completos. No entanto, registaram-se já algumas ocorrências de grande relevância, sendo as principais as que a seguir passaremos a descrever.

Cheias na Austrália – dezembro 2010/janeiro 2011

Na verdade, as cheias registadas na Austrália tiveram o seu início no final de 2010. No entanto, como terminaram em 2011 e foi já neste ano que foram contabilizados os prejuízos finais, optou-se por fazer referência a este evento apenas em 2011.As cheias australianas fazem parte dos fenómenos meteorológicos extremos que ocorrem no continente australiano e que são fortemente influenciados pelo fenó-meno conhecido por El Niño.A cidade de Brisbane, em Queensland, foi a mais afetada, tendo sido fustigada por

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Alterações climáticas em Portugal e principais desastres naturais – 2010 e 2011

Cap.5

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O clima já não é o que era. No meu caso, que tenho 40 anos, ainda me recordo de os anos terem as suas estações devidamente marcadas com as características que esperamos que cada uma delas tenha. Agora isso não se passa. Mesmo que em traços gerais as principais características se mantenham, parece terem terminado as regularidades que existiam em anos anteriores. Atualmente é perfeitamente possível termos dias com temperaturas superiores a 30 ºC em Março e outros com menos de 25 ºC em Agosto e até com chuva. Mas se eu noto diferenças, as pessoas oriundas de faixas etárias superiores à minha ainda as notam com mais intensidade, falando de invernos longos em que a água era abundante e de verões quentes, mas não como agora que «queimam tudo», dizem, quando se referem à agricultura.

PrINcIPaIs alterações clImátIcas obserVadas em Portugal

Histórico e situação atual

Através dos dados recolhidos dos projetos SIAM, SIAM_II e CLIMAAT_II,4 foi possível chegar a diversas conclusões sobre a forma como o clima tem evoluído em Portugal continental e insular e, também, estabelecer previsões conseguidas através da utilização de diversos modelos climáticos.Ao longo do século XX, o clima português sofreu uma evolução da temperatura, evolução que é composta por três períodos de mudança da temperatura média. Entre 1910 e 1945 registaram-se temperaturas mais elevadas, seguindo-se um arrefecimento no período compreendido entre 1946 e 1975, voltando as tempe-raturas a aumentar, desta vez a um ritmo mais acelerado, entre os anos de 1976 e 2000.4 Projetos SIAM e SIAM_II (Climate Change in Portugal, Scenarios, Impacts and Adaptation Measures), e projeto CLIMAAT_

II (Clima e Meteorologia dos Arquipélagos Atlânticos).

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Alterações climáticas no Brasil e principais desastres naturais – 2010 e 2011

Cap.6

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Com uma área de 8.514.876,6 km2, o Brasil é o maior país da América do Sul. Tem uma população de 186 milhões, sendo que a maior parte (84,4%) vive em centros urbanos. O Brasil abriga também no seu território uma fauna e uma flora extremamente ricas, além de contar com mais de um terço das florestas tropicais do planeta, onde se inclui a famosa floresta Amazónica. Ao nível da flora, estão catalogadas 41.123 espécies. A fauna brasileira é também extremamente variada, embora se tenha a noção de que o que se sabe sobre ela é ainda muito incompleto. Provavelmente, conhece-se menos do que 10% do total existente. Desta forma, e com estas características, o Brasil será sempre uma nação incontor-nável no que respeita ao acompanhamento da problemática das alterações climáti-cas, não só no que respeita a si próprio, mas também no impacto que um país com a sua dimensão pode ter à escala global.Não há dúvidas de que o Brasil se tem destacado claramente de outros países na discussão e dinamização das questões relacionadas com as alterações climáticas, tendo acabado por assumir naturalmente um papel de liderança. Esse papel ganhou ainda mais preponderância a partir do momento em que os países mais industriali-zados, a braços com a crise que surgiu em 2008, acabaram por deixar para segundo plano esta temática, quer no que diz respeito às suas próprias políticas nacionais, como no que concerne aos apoios que ficaram de dar a países mais pobres. O Brasil acabou por preencher este vazio de liderança, tendo mesmo vindo a apoiar os países mais pobres de África e América Latina, e comprometendo-se com obje-tivos ambiciosos de redução de emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa. Uma das mais recentes e eficazes iniciativas brasileiras neste domínio foi a elaboração da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), implementada através da Lei 12.187/09. Assim, de acordo com esta lei, o Brasil compromete-se a reduzir entre 36,1% e 38,9% as suas emissões de gases de efeitos de estufa, pro-jetadas até 2020, com base nos valores de 2005.

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Impactos diretos e indiretos na indústria seguradora

Cap.7

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Com destaque para a última década, a indústria seguradora tem acompanhado cada vez mais de perto as questões relacionadas com as alterações climáticas, nomeadamente os riscos que daí advêm para o setor. À medida que os anos foram passando, o acompanhamento foi dando lugar a uma cada vez maior preocupa-ção, sendo que atualmente este tema é o que mais preocupa a indústria a nível global.Nesta sequência, as resseguradoras, e outras organizações ligadas ao mercado segurador, apostaram fortemente no estudo deste tema, ficando mesmo na van-guarda da investigação desta problemática. O raciocínio é fácil de compreender. As alterações climáticas têm estado na origem de muitas das catástrofes naturais. As catástrofes provocam danos, e estes são muitas vezes pagos por companhias de seguros. Ora, se o número de catástrofes naturais tem aumentado exponencialmen-te nos últimos anos, assim como os prejuízos associados, a indústria seguradora não poderia manter-se apenas numa posição meramente reativa, vendo as suas perdas aumentarem de ano para ano. Teria que agir e foi o que fez. Teve que se perceber o verdadeiro impacto que estas alterações estavam a ter no setor, detetar as maiores ameaças e, inclusivamente, novas oportunidades de negó-cio, que também surgem em períodos menos positivos.Tiveram que se criar equipas multidisciplinares, por forma a permitir abordar o tema nas suas diversas vertentes, uma vez que os impactos se estendiam a vários setores. Para além de tudo isto temos a questão relativa à importância que a indústria seguradora tem na economia global, sendo que um mercado segurador fragilizado só poderá contribuir para um desenvolvimento económico lento, se não mesmo parado ou recessivo, uma vez que uma grande parte dos investidores não está dis-ponível para correr toda a espécie de riscos sozinho.

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SubscriçãoCap.8

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Os processos de subscrição estão em constante atualização, à medida que vão surgindo novos dados sobre os riscos cobertos. Hoje sabe-se muito mais sobre o desenvolvimento de certas doenças e respetivas consequências no estado de saúde das pessoas, do que acontecia há 20 anos atrás. Assim, a forma como é encarado o risco nos seguros de saúde e/ou de vida vai mudando e as tarifas vão sendo atu-alizadas em conformidade.O mesmo se passa com qualquer outro tipo de seguro, quer seja pessoal ou patri-monial. Os materiais de construção sofreram alterações (nem sempre para melhor), os automóveis dispõem de outros sistemas de segurança, a esperança de vida aumentou, etc.É por esta razão que a indústria seguradora, principalmente ao nível das compa-nhias resseguradoras, está sempre na vanguarda da investigação de várias temá-ticas de ordem científica. É o que se tem passado com a questão das alterações climáticas e os fenómenos associados que resultam, por vezes, em catástrofes.Atualmente, qualquer companhia de resseguros dispõe de especialistas em ques-tões climáticas ou, no mínimo, com conhecimentos suficientes para saber utilizar o catastrophe modeling. Equipas de trabalho têm sido constituídas para debater este tema, dentro e fora da indústria onde existem organismos internacionais que se interessam pelo fenómeno e desenvolvem estudos bastante interessantes.A subscrição, mais uma vez, soube adaptar-se às novas tendências do mercado e o resultado só pode ser positivo.

CATASTROPhE MODELING

Embora tivessem sempre existido, as catástrofes naturais, para além de se terem tornado mais frequentes e destruidoras, principalmente nos últimos 20 anos, têm também aumentado o seu impacto económico que, consequentemente, inclui a indústria seguradora mundial.

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Gestão de sinistros em situações decatástrofe

Cap.9

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Os sinistros são a concretização do risco que a companhia decidiu vender e, por isso, o seu pior pesadelo. No entanto, sem a ocorrência de sinistros a indústria seguradora também não tinha razão de existir, pelo que se trata de um “mal indis-pensável” para assegurar a sobrevivência e a continuidade da atividade. Quando uma pessoa ou uma instituição contrata um seguro, está a comprar segu-rança, ou seja, está a pagar um valor que lhe garantirá a transferência de um deter-minado risco para outra entidade, neste caso, uma empresa de seguros. Espera, por isso, que quando, ou se, ocorrer o sinistro pelo qual paga o seu prémio, o prejuízo daí decorrente lhe seja ressarcido por parte da seguradora a quem contratou a apó-lice de seguro e que sejam cumpridas todas as condições inicialmente acordadas entre as partes.Como todos sabemos, a problemática dos sinistros sempre foi o “calcanhar de Aquiles” na relação entre as companhias de seguros e os seus clientes, uma vez que estes últimos se sentem geralmente prejudicados relativamente às quantias indemnizadas.Independentemente das frases utilizadas e do seu conteúdo mais ou menos insultu-oso, a ideia que se pretende passar é sempre a mesma: “As companhias de seguros são boas para receber prémios mas quando é para pagar fogem sempre”. A verdade é que, na maioria das vezes, as coisas não se passam desta forma. Pelo menos no que respeita à realidade portuguesa, que é a que, por razões óbvias, conheço melhor. Naturalmente que existem problemas que, por vezes, podem resultar em erros de análise. Além disso, bons e maus profissionais e empresas com melhor ou pior qualidade de serviço existem em todos os setores de atividade. No entanto, convém realçar o facto de que a indústria seguradora deverá ser neste momento a área sujeita à prática de supervisão mais rigorosa existente em Portugal a todos os níveis, inclusivamente no que respeita ao tratamento das reclamações que chegam ao Instituto de Seguros de Portugal. Todas as queixas/reclamações que chegam ao órgão de supervisão enviadas pelos segurados são remetidas para a companhia de seguros visada, que tem um prazo de resposta que terá de ser obriga-

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A fraude nos sinistros de catástrofesCap.10

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A fraude nos seguros é um flagelo antigo com que a Indústria Seguradora se confronta em todo o mundo. A imagem pública das companhias de seguros nunca foi das mais positivas. A ideia reinante sempre foi, e em muitos casos ainda continua a ser, de que as seguradoras só existem para receber prémios de seguro e tudo fazem para não pagar os sinistros quando estes ocorrem. Mesmo tendo a certeza de que na esmagadora maioria dos casos as reclamações não correspondem à verdade e que as companhias de seguros têm melhorado em muito os seus procedimentos nos últimos anos, ludibriar as seguradoras é ainda considerado um comportamento socialmente aceite, justificado e até, por vezes, bem visto em Portugal e no Brasil, como é comprovado por estudos realizados pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS) e pela brasileira CNseg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização), que divulgou, em 9 de agosto de 2011, que a propensão para a fraude dos brasileiros passou de 41% (valor regis-tado pelo estudo levado a cabo em 2044 pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados – FENASEG) para 24%, uma redução de 17% em seis anos. Boas notícias para o setor, embora demonstre que ainda existem muitas pessoas predispostas a cometer fraude. Aliás, como diz o ditado: “ladrão que rouba ladrão merece 100 anos de perdão”. «Então, se uma companhia de seguros indemnizou um segurado com um valor de 10.000 euros por danos causados na sua habitação na ordem dos 20.000 euros, a empresa não merece que na primeira oportunida-de o cliente não tente de alguma forma ver compensados os meus prejuízos? O capital seguro era só de 10.000 euros? Isso não interessa, eles são uma cambada de aldrabões e pronto». Mais interessante ainda é quando pessoas dizem mal das seguradoras e cometem fraudes contra elas, não porque tenham tido algum problema mas simplesmente porque ouviram dizer mal... Temos, assim, um con-junto de milhares de pessoas acometidas de uma espécie de “síndrome de Robin dos Bosques” que abraça a meritória e árdua tarefa de roubar aos ricos para dar aos pobres.

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Desde que iniciei a minha atividade seguradora, em janeiro de 1973, observando as alterações que o mundo está a sofrer atualmente, nunca me pareceu tão eviden-te a necessidade de as seguradoras incluírem na sua oferta produtos que amparem as novas oportunidades de negócio que daí advêm.O ser humano, na sua ambição desmedida, pode estar a assinar a sua sentença de morte na forma como destrói e desrespeita a natureza. Acredito que coletivamente teremos de ser mais temerosos e respeitadores da natureza, e preservá-la com mais respeito para futuras gerações.O setor segurador terá fortes dissabores face à severidade das catástrofes natu-rais, se não se precaver, visto que as tarifas atuais estabelecidas para fazer face aos riscos cada vez mais frequentes e severos, provavelmente sejam atuarialmente insuficientes.Em Portugal, há muitos anos que andamos a discutir a criação de um Fundo Nacional de Catástrofes semelhante ao que existe em vários países da América Latina, ou semelhante ao que existe na nossa vizinha Espanha. Lamentavelmente, somos melhores a improvisar do que a planear, e até ao momento nada de novo temos sobre esta matéria. É com prazer que vejo profissionais desta atividade preocupados com este tema, e espero que este livro desperte as consciências dos responsáveis deste meu Portugal para que, finalmente, se aprove o Fundo Nacional de Catástrofes, por um lado, e para que aumente a consciência cívica da população ligada a todos os aspetos de proteção ambiental, por outro.

Isabel FigueiredoDiretora Técnica de Empresas

Liberty Seguros

Novas oportunidades de negócioCap.11

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As alterações climáticas estão a ter cada vez mais impacto nas estratégias de gestão de ativos, fazendo com que as companhias de seguros tenham que apostar cada vez mais na inovação, criação e reestruturação de produtos existentes.As seguradoras que não se encontrem preparadas para fazer face a esta nova reali-dade, poderão incorrer em novas e inesperadas despesas, reduzindo assim os seus resultados e, como consequência, o seu valor no mercado.As seguintes áreas poderão ser afetadas:

■■ Investimentos em ações, obrigações e participações nas companhias de seguros;■■ Produtos de capitalização;■■ Valorização de ativos, entre outros.

gestão de atIVos

As alterações climáticas são hoje uma das maiores preocupações dos investidores nos mercados financeiros e não só. A razão para esta preocupação reside no facto de que muitas atividades estão expostas direta e indiretamente a estes fenómenos. Nestes termos, é fundamental que se conheçam os impactos que um desastre natu-ral pode ter num determinado setor de atividade. No caso da indústria seguradora esta questão é ainda mais pertinente, dado que é esta quem vai suportar a maior parte dos custos derivados da ocorrência de catástrofes naturais. Para além do mais, a gestão de ativos tem também como objetivo aumentar as receitas das companhias de seguros, benefícios esses que podem estar em causa se não se conhecer devida-mente a exposição a este tipo de risco dos ativos-base em que investe.

Obrigações sobre catástrofes ou cat bonds

Depois dos danos causados nos Estados Unidos da América pelo Furacão Andrews em 1992 e pelo sismo de Northridge, começaram a surgir alguns receios de que a

Impacto das alterações climáticas na gestão de ativos

Cap.12

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As fontes de energia elétrica mais utilizadas pelo Homem continuam a ser, na sua esmagadora maioria, oriundas de combustíveis fósseis, com grande destaque para o petróleo e o carvão. Acontece, no entanto, que são também estas as formas mais poluentes de se conseguir energia e, por conseguinte, os principais responsáveis pela emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, contribuindo para o aumento do efeito de estufa, com todas as implicações já referidas ao longo deste livro.Entretanto, outras formas de energia menos poluentes têm sido desenvolvidas. Os choques internacionais do petróleo, na década de 1970, e a crise energética que se seguiu conduziram à pesquisa e desenvolvimento de outras fontes de produção de energia elétrica. Nesse contexto, a energia nuclear passou a ser encarada como a alternativa mais promissora. Muitos países aderiram à ideia e, em pouco mais de duas décadas, o peso da energia elétrica produzida pela via nuclear passou de 0,1% para 17% da produção mundial. No entanto, para além da opção nuclear, têm sido desenvolvidas outras formas de produção energéticas. Mas, devido ao enorme poder das empresas petrolíferas, ou pelo facto dessas energias alternativas ainda não terem a capacidade de gerar energia suficiente para as necessidades do planeta, estas ainda não vingaram completamente. Entre estas fontes de energia alternativa temos, por exemplo, a energia solar, eólica, hidráulica, gravitacional, geotérmica e biomassa. Todos estamos familiarizados com o perigo que representa a energia nuclear, quer por via do armamento quer pela sua utilização energética. A sua utilidade ao nível da energia é indubitável, dada a sua enorme capacidade e pelo facto de ser criada por um sistema limpo, que, por essa razão, não fere o meio ambiente.No entanto, o problema é que quando se registam acidentes, o potencial mortífero e destruidor é tão elevado que faz frequentemente pensar se vale, de facto, a pena optar por este método. Além disso, a questão do lixo nuclear gera também grandes preocupações. Será que as vantagens serão superiores aos potenciais perigos que a obtenção de energia nuclear coloca? A discussão está longe de ser pacífica.

Impacto da opção nuclear na indústria seguradora

Cap.13