As Armas do Fidalgo: O discurso político de Francisco de...

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11 Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS Programa de pós-graduação em Historia Social - PPGHIS Dissertação de Mestrado As Armas do Fidalgo: O discurso político de Francisco de Quevedo y Villegas. Rachel Saint Williams ORIENTADOR: Prof. Dr. Carlos Ziller Camenietzki Rio de Janeiro 2008

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS

Programa de pós-graduação em Historia Social - PPGHIS

Dissertação de Mestrado

As Armas do Fidalgo: O discurso político de Francisco de Quevedo y Villegas.

Rachel Saint Williams

ORIENTADOR:

Prof. Dr. Carlos Ziller Camenietzki

Rio de Janeiro 2008

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS

Programa de pós-graduação em Historia Social - PPGHIS

Dissertação de Mestrado

As Armas do Fidalgo: O discurso político de Francisco de Quevedo y Villegas.

Rachel Saint Williams

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Carlos Ziller Camenietzki

Rio de Janeiro 2008

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As Armas do Fidalgo: O discurso político de Francisco de Quevedo y Villegas.

Rachel Saint Williams

Orientador: Prof. Dr. Carlos Ziller Camenietzki Dissertação de Mestrado submetida ao programa de pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Aprovada por: ______________________________ Presidente, Prof. ______________________________ Prof. ______________________________ Prof. ______________________________ Prof.

Rio de Janeiro Junho de 2008

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Resumo:

O objetivo deste estudo é investigar o discurso político de D. Francisco de Quevedo

y Villegas (1580-1640), a partir da análise de duas obras: Política de Dios,

Gobierno de Cristo e Grandes Anales de Quince Dias. Interpolou-se a análise da

obra de Quevedo com o estudo da própria trajetória do fidalgo, visando demonstrar

quais foram as redes de sociabilidades políticas e intelectuais mantidas pelo

escritor. Confere-se especial atenção à corrente filosófica do neo-estoicismo em sua

vertente política e a um de seus principais artífices, Justo Lipsio (1547-1606).

Neste contexto, coube refletir sobre o aparato conceitual elaborado para pensar as

entidades políticas modernas com ênfase em dois conceitos chave: Razão de Estado

e prudência.

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Abstract

The purpose of this study is to investigate the political discourse of D. Francisco de

Quevedo y Villegas (1580-1640), from the starting point of the analysis of two of

his works: Política de Dios, Gobierno de Cristo and Grandes Anales de Quince

Dias. By interspersing the examination of Quevedo's works and the study of the

intellectual trajectory of the nobleman in question, this work aims to show what

were the political and intellectual sociability networks maintained by the writer.

Special attention was paid to the neostoicism philosophical school, particularly to

its political aspects, and to Justo Lipsio (1547-1606), one of it's founders. Within

this context, it was important to think over the conceptual apparatus produced to

conceive the modern political entities, with an emphasis to two key concepts:

Reason of State and prudence.

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WILLIAMS, Rachel Saint.

As Armas do Fidalgo: O discurso político de Francisco de Quevedo y Villegas./ Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2008.

Orientador: Orientador: Carlos Ziller Camenietzki

Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-

Graduação em História Social, 2008.

Referências Bibliográficas: 158-166 p. 1. Francisco de Quevedo y Villegas. 2. Política – História – Espanha – Século XVII. 3. Neo-estoicismo – Razão de Estado.

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Agradecimentos

Ao longo dos anos de confecção deste estudo foram essenciais o apoio, o carinho e a

dedicação que generosamente me foram oferecidos por pessoas que, além de terem sido

fundamentais na minha vida, contribuíram de uma forma que eu mesma mal posso avaliar para

minha trajetória acadêmica.

Em primeiro lugar, agradeço a diligente paciência de minha linda filhinha Ayla, que

apesar de seus cinco aninhos demonstrou uma imensa compreensão sempre esperando

tranqüilamente a mamãe emergir das atividades intelectuais para se dedicar às brincadeiras. Sem

sua presença luminosa e seu sorriso encantador nada disso faria sentido.

Agradeço eternamente a Vinicius da Silva Perenha pelo encorajamento no início da minha

trajetória acadêmica, sem o seu apoio dificilmente eu teria passado na prova do Mestrado. Ele

nunca deixou de acreditar em mim, mesmo nos mais momentos difíceis. Permaneceu ao meu lado

durante muitas madrugadas quando o prazo de entrega de algum trabalho se aproximava e

corrigiu atenciosamente inúmeros de meus escritos. Para Vinicius oferto meu agradecimento

mais especial e carinhoso.

A minha mãe, Bárbara Santos Williams, agradeço enormemente pelo suporte, pelo

carinho e por todo o seu amor. Um exemplo de força em todos os momentos difíceis, minha mãe

foi um farol a iluminar o caminho a seguir. Não tenho palavras para expressar minha eterna

gratidão a esta maravilhosa mulher que eu tenho sorte de chamar de mãe. A meu avô, o “Seu”

Guará, porque ele é simplesmente uma figura ímpar; sempre disposto a ajudar, comprar o

cigarrinho da neta na padaria, fazer um frango assado para o almoço e abrir mão de assistir uma

partida de futebol na televisão para trocar por um desenho da bisneta, pequenos sacrifícios que

denunciam um grande homem. A Rebecca Saint Williams, minha irmã, por levar a Ayla à praia

nos dias de sol, enquanto eu me dedicava aos estudos.

Nas trocas intelectuais foram muito importantes meus companheiros de laboratório que

acabaram tornando-se amigos na acepção mais abrangente da palavra: Bruno Boto; Daniel

Pimenta, vulgo Muriqui, e Daniel Magalhães Porto. Agradeço pelas conversas animadoras, livros

emprestados e saberes compartilhados.

Aos amigos que marcaram presença e colaboraram de formas diversas. Agradeço a Maíra

Martins, Mariana Campos, Fernanda Nepomuceno Barbosa Costa, Gustavo de Sá Pereira,

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Rodrigo Beauclair, Sueli Pires da Silva, Nemesio Perenha Filho, Rebeca Natacha de Oliveira

Pinto, Filipe Martins Sarmento e “Chico” Araújo Barreto. Estas pessoas foram e são muito

importantes na minha vida. Queridos amigos que guardam minha gratidão.

A minha comadre e companheira de estudos Cássia Cardoso de Miranda. Dividimos

muitas preocupações, aflições e, também, satisfações relativas a nossa jornada acadêmica. Cássia

é simplesmente a pessoa mais generosa e bondosa que eu já conheci. Foi um prazer tê-la ao meu

lado ao longo de semanas cruciais para o término desta dissertação.

Ao meu professor e orientador Carlos Ziller por seu notório saber que ampliou meus

horizontes intelectuais, por ter confiado na minha capacidade intelectual e sempre respeitar

minhas idéias; mostrando-se acima de tudo um excelente amigo. Agradeço sinceramente.

Agradeço à professora Andréia Daher que, com suas diletas críticas, contribuiu muito

para melhorar meu trabalho. À professora Beatriz Catão, que fez parte da minha banca de

qualificação e fez importantes sugestões para a continuação deste estudo, meus agradecimentos.

Ao Professor Ricardo Benzaquem que generosamente me deixou assistir seu curso de Teoria da

História ministrado no programa de Pós-Graduação da PUC, indicou importantes referências

bibliográficas presentes nesta dissertação e emitiu argutos comentários a um trabalho que

apresentei na jornada de estudos do PPGHIS, minha gratidão.

Agradeço à professora Jacqueline Hermann que, pela segunda vez, aceitou cordialmente

compor minha banca de qualificação, sempre apontando sugestões que só adicionaram qualidade

a minha pesquisa. Agradeço também ao professor Ricardo de Oliveira que sempre se mostrou

muito solícito, desde que o interpelei nos corredores da ANPUH, indicando bibliografias,

emprestando livros e aceitando compor a banca de defesa desta dissertação.

Finalmente agradeço ao CNPq pela bolsa de estudos que forneceu o subsídio material

necessário à elaboração desta dissertação.

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Sumário

Introdução 11 1 Primeiro Capítulo 20 1.1 A formação cultural do fidalgo 20 1.2 A corte enquanto espaço de sociabilidade 30 1.3 Percurso Intelectual 41 1.4 Trajetória da Atuação Política 53 1.4.1 Sicília 54 1.4.2 Nápoles 60 2 Segundo Capítulo 67 2.1 Empirismo e Pragmatismo no Pensamento Político Espanhol 67 2.2 Neo-estoicismo 84 2.3 O Aparato conceitual da teoria política moderna: Razão de Estado e Prudência 98 3 Terceiro Capítulo 111 3.1 Considerações Gerais acerca de “Las Políticas” de Quevedo 111 3.2 Política de Dios, Gobierno de Cristo 121 3.3 Grandes Anales de Quínce Dias 136 Conclusão: Ética e Política 152 Referências bibliográficas 154

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Dedico este trabalho a minha belíssima e amada filha Ayla, razão da minha felicidade.

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Introdução

Francisco de Quevedo y Villegas foi um dos mais renomados escritores do Século XVII e

continua sendo, até nossos dias, um nome de referência da literatura castelhana e também alvo da

admiração de literatos de irrefutável importância na literatura contemporânea como Jorge Luis

Borges e Francisco Ayala. Filho de Pedro Gómez de Quevedo y Villegas e de María Santibáñez,

nasceu em Madrid no dia 17 de setembro de 1580 e faleceu no dia 08 de setembro de 1645.

Freqüentou o Colégio da Companhia de Jesus em Ocaña, continuando seus estudos em Alcalá de

Henares. Manipulava com destreza vários idiomas entre eles o grego, o latim e o hebraico.

Pertencia a uma família da nobreza que servia diretamente aos membros da Monarquia dos

Áustrias. Conheceu e circulou entre muitos personagens destacados de sua época como o Conde

Duque de Olivares, Lope de Vega, Velásquez, Richelieu, Miguel de Cervantes entre outros.

Residiu por um período na Itália a serviço do Duque de Osuna, D. Pedro Téllez Girón, que

ocupou sucessivamente os cargos de Vice-Rei da Sicília e posteriormente de Vice-Rei de

Nápoles.

Quevedo reuniu sob seu nome uma extensa produção escrita sobre os mais diversos

tópicos e que transita entre diferentes gêneros retórico-poéticos com igual maestria. Quando se

dedica à sátira é em nomes da Antigüidade Clássica como Horácio e Juvenal1que Quevedo irá

procurar fontes, modelos emuláveis de personagens, ambientes, episódios, imagens e outros

recursos estilísticos. Sob pincel arguto de Quevedo, retrata-se uma sociedade corrompida na qual

1 Cf. SCHWARTZ. Lia. Entre Propercio y Pérsio: Quevedo, poeta erudito. La Perinola, n. 7, p. 367- 395, 2003.

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os valores, antes considerados elementares para o estabelecimento de uma determinada ordem e

hierarquia, estão em processo de transformação.

Quais são as tensões registradas em tal produção? Quais crenças sobre o homem e a

sociedade se expressavam na relação dialógica de Quevedo com os condicionamentos históricos

de sua época sobre tais temas? O quê significa pensar esta obra a partir da lógica do discurso

político ibérico seiscentista? Estas são algumas das questões que impulsionaram a elaboração

deste estudo.

Memoriais, novela, opúsculos festivos, sátiras de costumes, hagiografias e epístolas são

alguns exemplos de elementos manipulados pelo nosso personagem para atuar na configuração

política de seu tempo. É este, em verdade, o aspecto de sua produção ao qual será concedido

relevo: o aspecto político.

Acerca do fidalgo D. Francisco de Quevedo y Villegas importa compreender a dimensão

de sua produção inserida no espaço da corte. Local regido pelas lógicas de disputa de poder

próprias do grupo que o habitava – os cortesãos, tendo como pano de fundo a preocupação

norteada pela construção e organização do Estado Moderno em terras castelhanas.

Neste estudo visamos analisar especificamente duas obras: Politica de Dios, Gobierno de

Cristo e Grandes Anales de Quince Dias, de Francisco de Quevedo y Villegas. A partir da

perspectiva que tal análise esclarece e coloca em evidência, construindo a historicidade, da

reflexão política presente na obra de um dos mais celebrados escritores do Século de Ouro.

Através da análise de caso do discurso de Quevedo, podemos recuperar aspectos concernentes à

política barroca2, interpretando as principais características e as matrizes que estiveram presentes

na elaboração do pensamento quevediano.

2 Estamos fazendo alusão ao conceito cunhado por Rosario Villari, em seu livro: VILLARI, Rosario. Elogio della dissimulazione. La lotta politica nel Seicento. S.l.: Laterza, 2003.

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A escolha de um autor que não está consagrado como um dos cânones do pensamento

político moderno, como Nicolau Maquiavel, Jean Bodin ou Giovanni Botero, justifica-se

exatamente, porque o cânone representa a exceção, enquanto os autores paralelos podem oferecer

uma perspectiva de análise da regularidade. Não uma regularidade matemática, em que as obras

de tais autores esvaeceriam na bruma da impessoalidade, mas uma regularidade cujo próprio

signo é a singularidade e individualidade. José Antonio Maravall assim se manifesta sobre o

estudo da obra de Quevedo em uma abordagem política:

Quevedo no es un pensador que medite, más o menos sistemáticamente, sobre teoria política; pero es interesante escritor político a utilizar como documento: es un testimonio de su época. Através de sus ambiguidades, incoherencias, contradicciones entre diferentes pasajes de sus obras, su lectura nos ayuda a entender las vacilaciones de la mentalidad barroca, las oscilaciones en las que se traduce, en la mente del escritor que las contempla, la inestabilidad, del siglo barroco [...]. 3

Analisando as características mais marcantes de cada autor, encontraremos enfim o que se

busca: as regras de funcionamento do jogo político barroco. Regras as quais nosso sujeito

histórico D. Francisco de Quevedo y Villegas manejava com eficácia e habilidade, visando

executar seus objetivos particulares. Percebe-se então como as acepções teóricas na qual estavam

pautados os discursos ligam-se às expectativas, escolhas e esperanças associadas às trajetórias

individuais de cada autor.

Buscaremos, portanto, unir o homem ao discurso, em associação dialética, D. Francisco

de Quevedo e sua obra. Mais especificamente a que foi produzida no período da permuta entre o

reinado de Felipe III e o reinado de Felipe IV. Realizar esta associação possibilitará a

compreensão de elementos necessários para uma análise embrionária da relação estabelecida

entre os tratados políticos e a própria racionalidade expressa no mundo cortesão.

3 MARAVALL, José Antonio. Estudios de Historia del Pensamiento Español: Serie Tercera- El Siglo del Barroco. Madrid: Ediciones Cultura Hispánica, 1984. p. 260.

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Deixemos claro que a relação dos tratados com as práticas políticas instituídas no âmbito

da corte castelhana, é apenas uma das possibilidades, que está em consonância com a própria

dimensão institucional da corte; centro político e administrativo da coroa espanhola4. Aqui o

elemento cabal é o caráter de não autonomização da esfera do exercício político5, de forma que o

mundo das práticas letradas e a racionalidade cortesã constituam esferas que estabelecem uma

relação simbiótica. Esta conexão se reflete em um princípio que procuramos seguir na elaboração

desta dissertação, identificado pela tentativa de combinar a análise da obra de Quevedo com o

estudo da própria trajetória do fidalgo; buscando responder quais foram as redes de sociabilidades

políticas e intelectuais mantidas por Quevedo, que deixaram evidentes vestígios na elaboração de

seu discurso.

Muito tem-se escrito e dito sobre a figura de D. Francisco de Quevedo y Villegas. Seu

nome encontra-se ao lado de grandes escritores, tais como: Miguel de Cervantes, William

Shakespeare, Calderón de la Barca, entre outros inúmeros ilustres. Tratando-se de um autor cujos

escritos afetam em grau tão profundo a sensibilidade de seus leitores, é bastante raro encontrar

um estudo dedicado a este personagem no qual este sentimento de profunda admiração, por parte

dos pesquisadores, não esteja claramente manifesto e, em não poucos casos, obliterando a análise.

Refletir a respeito dos escritos de D. Francisco de Quevedo y Villegas não constitui tarefa

simples, muito menos isenta de contradições e percalços. Ao historiador que elege como foco de

análise um objeto que claramente é parte de um campo ainda que não propriamente literário6,

4 Outro fator cabal para a analisar as transformações ocorridas na tratadística política espanhola dos seiscentos, panorama onde se insere a obra de Quevedo, é o desenvolvimento das configurações políticas e sociais que serão identificadas com a gênese do Estado Moderno. A emergência do Estado Moderno estará espelhada no plano discursivo que compreende as concepções sobre a matéria política formuladas pelos homens da época moderna. 5 Cf. CURTO, Diogo Ramada. O discurso político em Portugal (1600-1650). Lisboa: Projecto Universidade Aberta, 1988. 6 Para ver sobre a gênese e progressiva estruturação do campo literário como um universo sujeito as suas regras próprias consultar BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte; Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

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mas pertencente ao terreno da produção letrada, uma série de escolhas e posicionamentos

metodológicos devem ser tomados para evitar que grassem os erros de anacronismo.

Deve-se compreender a necessidade de repensar as categorias básicas sob as quais os

historiadores têm lançado mão para analisar a produção escrita, especialmente aquela anterior ao

século XIX, como pressuposto básico para realizar a análise da obra de Quevedo. Deve-se,

portanto, reconsiderar essas categorias de análise que são próprias da crítica literária e da história

da literatura.

Pierre Bourdieu, em As regras da arte, Gênese e estrutura do campo literário, destaca

dois aspectos que são relevantes para pensar o que poderia ser definido como uma ciência das

obras culturais. Em primeiro lugar, é necessário conceber uma sociologia genética apta a inserir

as obras em sua dimensão histórica e, em segundo lugar, compreender esta mesma sociologia

como uma forma de pensamento relacional que ao mesmo tempo excluiria a concepção da

genialidade individual e esgotaria o uso de categorias universais. O pensamento relacional

significa conceber que as obras e seus produtores estão inseridos em uma rede de relações onde

cada qual se define em oposição aos outros, daí a importância de refletir sobre o espaço social da

corte castelhana para pensar os escritos de Quevedo.

Apesar da reflexão de Bourdieu estar voltada para a configuração do campo literário no

século XIX, este autor é muito importante para as reflexões acerca da produção escrita, pois,

apesar de não se trabalhar neste estudo diretamente com seus conceitos, pode-se aproveitar suas

perspectivas analíticas como a aversão às categorias universalmente construídas e a necessidade

de inserção das obras nos espaços de sociabilidade onde elas foram concedidas. Como evidenciou

Chartier, quando explicitou as contribuições que Bourdieu poderia oferecer para a reflexão

historiográfica:

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E parece-me que a contribuição de Bourdieu ajuda a superar esta tensão ou esta contradição, por sugerir que, para cada objeto de análise, devemos pensar ao mesmo tempo no espaço, no campo de coerção, de coações, de interdependências que não são percebidas pelos indivíduos, e ao mesmo tempo, localizar dentro desta rede de coações um espaço para o que chamava “sentido prático”, ou estratégia, ou ajuste as situações – que, inclusive, para indivíduos que tem as mesmas determinações sociais, não funciona de maneira homogênea.7

Ainda refletindo sobre tais questões foram importantes as contribuições de João Adolfo

Hansen e Alcir Pécora. Estes autores formularam proposições sobre a relação das criações

textuais com a produção do conhecimento historiográfico, especificamente de textos produzidos

na época moderna. Pécora defenderá a junção do nominalismo com o historicismo, o que

significa texto e contexto históricos essencialmente associados, pois ambos estão comprometidos

com uma criação de efeitos não representada por uma realidade concreta, mas sim pela forma de

uma determinada sociedade pensar sobre si mesma e sobre o mundo.

O documento escrito não propicia um reflexo da realidade. O que ele oferece é uma

versão específica de datação de sentido sobre um contexto particular. Trabalhando com a

possibilidade da verossimilhança, o autor subordina a análise textual à compreensão dos efeitos

propiciados por gêneros específicos sempre indiciários do cenário temporal. Segundo Pécora:

Supõe uma semântica do objeto literário que não é ‘reflexo’ de referentes externos de qualquer espécie, nem ‘representação’ de conteúdos, seres ou substâncias, mas sim operação particular de recursos de gêneros historicamente disponíveis, capazes de produzir certos efeitos de reflexos e representação, sejam de conteúdos seres ou substâncias.8

Pode-se começar identificando os pressupostos que constituem a discrição como

elemento de definição do cortesão e conseqüentemente de seu discurso:

Agudeza, prudência, dissimulação, aparência e honra constituem a discrição. Nas Monarquias absolutistas do século XVII, principalmente nas ibéricas, a discrição é padrão de racionalidade de corte que define o cortesão, proposto

7 CHARTIER, Roger. Pierre Bourdieu e a história. Topoi. Rio de Janeiro, mar, p. 139-182, 2002. p.151. 8 PÉCORA, Alcir. Máquina de Gênero. São Paulo: EDUSUP, 2001, p. 12.

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para todo o corpo político como o modelo do uomo universale, o homem universal como se dizia na Itália do século XVI. Nas práticas de representação, a discrição é por isso, uma categoria intelectual que classifica ou especifica a distinção e a superioridade de ações e palavras, aparecendo figurada no discreto, que é um tipo ou uma personagem no processo de interlocução9

A criação textual tem precisamente valor histórico enquanto interpretada no interior de

suas convenções, metáforas e artifícios. Hansen elucida para a necessidade de construção da

inteligibilidade do objeto, localizando sua análise na problemática do estilo historicamente

determinada. A escrita barroca seiscentista é classificada como uma linguagem estereotipada de

lugares comuns retóricos poéticos divididos em gêneros e sub estilos. A classificação

estereotipada não deve ser entendida aqui como algo semelhante à cópia, imitação ou plágio, mas

fortemente regrada por convenções de produção e recepção.

Destaquemos que o estudo do aspecto político da obra de Quevedo apresenta alguns

obstáculos, e tomar conhecimento destas dificuldades é um passo primordial para alcançar um

resultado satisfatório na análise que pretendemos deslindar. O primeiro obstáculo consiste em

delimitar em que sentido podemos sustentar que Quevedo foi um escritor político. Em várias

obras, além daquelas que consistem nosso corpus analítico, como Vida de Marco Bruto, Visita y

Anatomía a la Cabeza de Richeleu, La Hora de Todos, España Defendida, Lince de Italia, Sueño

de la Muerte, são perceptíveis as preocupações políticas do autor e seu desejo de influir nas

decisões governamentais. Assim nos parece justificado procurar apreender a concepção política

apresentada por D. Francisco. Outra dificuldade representa a necessidade de interpretar as

contradições existentes nas obras dos pesquisadores que se dedicaram ao tema, assim como as

supostas contradições presentes na própria obra de Quevedo.

9 HANSEN, João Adolfo. O Discreto. In: NOVAES, Adauto (org.). Libertinos Libertários. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 77- 102. p. 83

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Francisco de Quevedo é um escritor cuja idiossincrasia está expressa no meio social ao

qual pertenceu, na formação intelectual e cultural que cultivou, na experiência que obteve nos

meios de atuação política com os quais se envolveu; ou seja, os traços determinantes para

compreender a obra de Quevedo são predominantemente dados históricos. É essencial abarcar

esta configuração temporal em toda sua complexidade para refletir sobre a produção escrita do

fidalgo. Outrossim devemos situar a obra política de Quevedo em diálogo com a tratadística

política ibérica seiscentista, pois só assim poderemos construir uma interpretação de tal obra.

Procuramos espelhar os aspectos considerados essenciais para a recuperação da

historicidade do discurso político de Quevedo na organização dos capítulos desta dissertação.

Desta forma, o primeiro capítulo versa sobre a formação intelectual e cultural de Quevedo,

analisa seu pertencimento ao círculo cortesão como um dos condicionantes de sentido de sua obra

e recria alguns dos contatos travados pelo escritor com destacados personagens do cenário

intelectual europeu seiscentista; evidenciando a pertinência de tais trocas para localizar algumas

das teorias que futuramente embasariam o pensamento político do autor, com destacada

importância concedida à figura de Justo Lipsio. Finalmente examinaremos a trajetória da atuação

política de Quevedo para, a partir deste exame, compreender o momento no qual foram cunhados

os escritos Politica de Dios, Gobierno de Cristo e Grandes Anales de Quince Dias, nosso foco

analítico.

No segundo capítulo apresentaremos algumas questões pertinentes à emergência do

Estado Moderno como prerrogativa para o novo tratamento concedido às artes de governar, já

bastante diverso daquele realizado pelos tratadistas medievais e renascentistas. Neste contexto

serão essenciais a compreensão dos conceitos de Razão de Estado e prudência, assim como suas

reformulações no universo contra reformado. Ainda no segundo capítulo, trataremos das

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principais características manifestas na tratadística política seiscentista, concedendo especial

atenção à corrente filosófica do neo-estoicismo em sua vertente política.

No terceiro capítulo, apresentaremos as concepções de três autores, Eva Maria Martínez

Dias, José Antonio Maravall e Miguel Marañon Ripoll, sobre a temática do discurso político de

Quevedo. Embora as reflexões de tais autores não sejam, propriamente, referentes ao nosso

corpus, elas ofertam a possibilidade de ampliação das análises elaboradas sobre a abordagem

política dos escritos quevedianos. Concluiremos este capítulo com uma análise detida das citadas

obras, buscando conjugar à análise os principais aspectos teóricos apontados no segundo capítulo.

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1 Primeiro Capítulo

Neste primeiro capítulo apresentam-se os elementos considerados necessários, em um

momento inicial, à abordagem e à determinação do argumento central, sobre o qual se fundamenta

este estudo. São estes elementos: a formação cultural do fidalgo, a inserção deste escritor na corte

castelhana, os contatos travados, por Quevedo, com destacadas figuras do panorama intelectual

europeu dos seiscentos, especialmente Justo Lipsio e a apresentação da trajetória política de

Quevedo. A eleição, destes tópicos, é fundamental para o processo de restabelecer à citada obra os

meios que possibilitaram sua capacidade de intervenção como discurso político.

Sublinhamos que a empresa literária de Quevedo não deve ser analisada apartada de sua

própria atividade política, pois ele utilizará sua própria experiência, fator caro aos tratadistas

políticos deste período, nestas atividades como ferramenta para autorizar seus argumentos em

suas obras, seja de forma explícita ou não. Entre 1613 e 1619, na relação de Quevedo com a

atividade política ocorre uma importante virada, ele irá se transformar em um dos personagens

dos círculos da alta política castelhana se relacionando com personagens de destacada

importância como Felipe III, Paulo V, Duque de Lerma, Duque de Uceda, entre outros.

1.1 A Formação Cultural do Fidalgo:

O discurso seiscentista ibérico encontra-se fortemente marcado e delimitado pela

capacidade de seus proponentes de dialogar com a tradição clássica através do uso de subsídios,

desta mesma tradição, contíguos a elementos da religião católica contra-reformada como forma de

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fornecer as características necessárias para que tais discursos sejam aceitos e autorizados

socialmente. A atenção concedida à formação cultural de Francisco de Quevedo y Villegas foi

empreendida de forma a entender quais elementos estavam presentes em sua obra e também

visando compreender como Quevedo estava dialogando com o substrato cultural de sua época.

A educação do fidalgo tem início, como aconteceu com inúmeros outros filhos de famílias

nobres que habitavam o palácio da corte, com um preceptor. Entre os primeiros mestres e aios dos

quais sob cujos cuidados esteve Quevedo, podemos apontar García de Loaísa10, Juan de Zuñiga e

Cristóbal Rodríguez11.

Após o aprendizado das primeiras letras, seguiram-se estudos de história, gramática e

retórica a partir de uma cuidadosa seleção dos textos latinos. Aos catorze anos de idade em 1594,

Quevedo ingressou em um Colégio da Companhia de Jesus onde esteve por dois anos. Entre alguns

personagens que estiveram presentes na educação de Quevedo, durante os anos em que ele esteve

no Colégio dos Jesuítas em Ocaña, podemos apontar o padre Jerônimo, o padre Román de la

Higuera, seu professor de latim, e o padre Francisco Porto Carrero, filho do Conde de Medelín, na

época reitor do Colégio. A base dos estudos lingüísticos era a gramática do jesuíta Manuel de

Alvarez e o manual de retórica mais usado era o de Cipriano Suárez.

A maneira sob a qual acontecia ou deveria acontecer o aprendizado dos filhos da nobreza

não era um assunto que suscitava uma opinião coesa; muito pelo contrário, existiam grandes

polêmicas a respeito do tema em questão. Juan de Mariana, famoso por suas opiniões em relação

ao tema do tiranicídio, defendia que os jovens fidalgos deveriam freqüentar instituições públicas e

10 É um fato marcante ter sido García de Loasía um dos admiradores da obra de Justo Lipsio, e também um de seus correspondentes, o quê talvez possibilite supor que a aproximação de Quevedo com a doutrina neo-estóica tenha ocorrido desde muito cedo em sua trajetória. 11 Quase todas as informações relativas à educação e a formação cultural de Quevedo foram retiradas da cuidadosa biografia de Pablo Jauralde Pou, que foi feita após um minucioso trabalho nos arquivos e bibliotecas espanholas e é uma das fontes mais autorizadas para fornecer dados confiáveis sobre a vida de D. Francisco. Ver: JAURALDE, Pablo Pou. Francisco de Quevedo y Villegas (1580-1645). Madrid: Editorial Castalia, 1998.

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abertas; Pedro López de Montoya defendia o ensino da gramática em latim e ressaltava a

necessidade dos estudos de retórica e filosofia moral serem feitos através de passagens de Horácio,

Virgilio, Terencio, Homero, Hesíodo, Cícero e Tito Livio.

As atividades essenciais à formação educacional da época eram as chamadas

exercitaciones, que formavam a base da cultura literária do período e consistiam na prática de

produzir os mais diversos gêneros retóricos poéticos; outra atividade era a prática de formular

comentários aos textos clássicos, de acordo com Pablo Jauralde Pou: “Así se cerraba el circulo

de la educación, integrándose y consolidándose en el sistema, aventura intelectual perfectamente

controlada, que Quevedo aprendió pero que muy bien”.12

Os anos de educação de Quevedo no Colégio dos Jesuítas foram motivo de orgulho de

nosso autor que, ao longo de sua vida, continuou a dar valor àqueles anos de estudo e se utilizou

dos contatos ali realizados como instrumentos para manobras políticas. Um exemplo disso ocorre

em 1639 quando D. Francisco foi feito prisioneiro e permaneceu encarcerado em San Marcos, ele

então recorreria a um contato de seus tempos escolares solicitando o apoio do Padre Pimentel.

Pode-se identificar também uma importante relação iniciada neste primeiro ciclo de estudos de

Quevedo. Trata-se da relação com Francisco Paravicino, que se tornaria um importante pregador13

na corte de Felipe IV e foi um grande amigo de D. Francisco nesta época escolar.

Apesar de ter se referido durante toda sua vida com orgulho e deferência aos seus primeiros

anos escolares, Quevedo, em seus anos finais, criticou a educação dos jovens que em sua

concepção se concentraria mais nos formalismos da época que na realização integral do homem.

Tal crítica pode ser entendida como uma tentativa de resgate da formação humanística idealmente

projetada, onde o objetivo da educação clássica seria possibilitar o ingresso dos homens na vida

12 JAURALDE, 1998, p. 59. 13 Para saber sobre a importância da pregação no período em questão, ver: MARAVALL, José Antonio. Teoria de Estado en España en el siglo XVII. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997.

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pública de acordo com a perspectiva ciceroniana14. Nesta perspectiva da função da educação,

grande valor seria concedido aos estudos de retórica e principalmente de filosofia moral, esses

saberes no entanto deveriam estar relacionados com a vida prática, pois o homem deveria realizar-

se mais como um cidadão do que como um mero sábio. Pode-se ver a importância concedida aos

estudos e à erudição nesta passagem dos comentários realizados por Quevedo da obra de Plutarco,

Marco Bruto:

Puede el hombre com ardimiento y com bondad ser valiente y virtuoso; pero faltándole el estúdio, no sabrá ser virtuoso y ni valiente. Mucho falta a uno que es lo outro y lo outro, si no lo sabe ser. 15

Fechado este primeiro ciclo educacional iremos adiante para a analisar seu ingresso na

Universidade Alcalá de Henares em 20 de outubro de 1596. Durante os quatro anos em que

Quevedo esteve na Universidade Alcalá de Henares, inúmeros eventos significativos tomarão lugar

na trajetória de sua família e na corte. Podemos indicar alguns deles na instância familiar como: a

entrada de sua irmã no Convento das Carmelitas Descalças de Madrid, com um dote considerável;

a morte de sua avó Felipa de Espinosa em 24 de abril de 1599; o falecimento de sua mãe María

Santibáñez em 07 de dezembro de 1599, no palácio real; o casamento de sua parenta Ana Diez de

Villegas com um alto funcionário palaciano Agustín de Villanueva, que iria se tornar, após a morte

da mãe de Quevedo, o curador dos bens do primogênito da família dos Quevedo y Villegas, D.

Francisco.

Em relação à corte, o período universitário de Quevedo coincide com os anos finais da

enfermidade do monarca Felipe II e o conseqüente declive de seu reinado. Registra-se nos

14 Pode-se compreender melhor a importância da educação na recuperação dos valores clássicos através da leitura da famosa obra de Quentin Skinner. Ver: SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 15 QUEVEDO, Francisco, apud, JAURALDE, 1998, p. 62.

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depoimentos do período16 um sentimento de piedade pelo monarca enfermo chamado de “nuestro

segundo Job”. Sua morte data de 13 de setembro de 1598. Com a morte de Felipe II os grupos na

corte que detém o poder vão se reajustando de acordo com a queda do antigo soberano e com a

futura consagração do novo monarca Felipe III.

É durante o transcorrer dos anos universitários que Quevedo dá inicio à sua atividade

literária. Um dos artifícios manipulados para obtenção do reconhecimento social como escritor,

principalmente no ambiente da corte, era preludiar os livros de outros autores. Quevedo perseguiu

este intento e preludiou o livro de Lucas Rodriguez, Conceptos de Divina Poesia. D. Francisco foi

provavelmente conhecido como poeta em Alcalá de Henares e também teria sido conhecido pelo

seu engenho verbal e por suas habilidades como conversador.17

A Poesia desta época encontrava-se marcada por um clima conceptista e sacro. Quevedo

provavelmente teve acesso a alguns livros de forte inspiração religiosa, como as obras de Francisco

Calero, Frei Juan Raulín, Maximiliano Calvi, Jeronimo Calvo, Frei Marco Antonio de Camos,

Jeronimo Campos, Frei Andrés Capilla e Juan de Castañiza.

Francisco de Quevedo y Villegas obteve o grau de licenciado em teologia na data de 16 de

dezembro de 1599; o catedrático em teologia em Alcalá na ocasião era Luis de Montesino. Seus

anos de aprendizado em Alcalá, correspondem à época em que o plano de estudos daquela

Universidade estava sendo executado de acordo com a reforma do bispo Gómez Zapata, que

perdurou até 1603. Patricia O’Connell investigou e publicou este plano de estudos, que é

profundamente ilustrativo e significativo para compreender a formação acadêmica dos bacharéis da

Universidade de Alcalá, vamos a ele:

(...) el primer curso de artes, desde San Lucas hasta fin de diciembre, lean todas las súmmulas de Pedro Hispano, leyendo solamente la letra si outra cosa ni

16 Cf. JAURALDE, 1998. 17 Esta hipótese foi formulada por Jauralde Pou em seu livro sobre Francisco de Quevedo.

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comento de autor, y que no se lean questiones prohemiales al principio de la lógica ni después. Y desde primero de enero hasta fin de abril, Perihermenias, con solo el comento de Santo Tomás, y los Priores, con el comento que al rector y consiliarios paresciere; y que los examinadores de las collegiaturas de artes examinen a los opositores en lo que hasta allí oído, y no en otra cosa. Y desde el principio de mayo hasta San Lucas, se lean Tópicos, y Helenchos, y que lo que una vez hubiere leído no se pueda tornar a leer outra, excepto las summulas, que como se lean y acaben en el tiempo que está dicho, y que no dejando de leer lo que más está señalado, las podrán tornar a leer en lición ordinaria o extraordinária, como a los catedráticos paresciere para el provecho de susoyentes. Segundo Año: Ítem, que el segundo año, desde San Lucas hasta diez de y ocho de abril, se leen Predicabiles, sin las cuestiones prohemiales, y Predicamentos y Posteriores, con comento; y las cuestiones de Soto; y desde diez y ocho de abril hasta hasta San Lucas, los dos libros de la Phisica, con comentos y cuestiones de Soto. Tercero Año: Ítem, queen el tercero año, desde San Lucas hasta el fin de enero, se lean los seis libros de la Phisica por Soto, y se acaben todos; y desde de principio de hebrero hasta vacaciones, los cuatro libros De coelo, con comento de San Tomás; y desde el fin de vacaciones hasta San Lucas, Metheoros. Cuarto Año: Ítem, que el cuarto Año se lean los libros De Generationes y De Anima, y Parvos Naturales y Metaphísica, en esta manera: que desde San Lucas hasta fin de diciembre todas las tres liciones sean de Philosofia Natural, y que desde allí hasta el fin de hebrero, las liciones de Natural, a la mañana, y una de Metaphísica, a la tarde, y que todo eso se lea por Aristóteles, con los comentadores que la Rector y consiliarios paresciere, los cuales han de señalar cuando senãlaren las lecturas; y que el cathedrático que no guardar ela orden que aquí va puesta en todos los años, pierda la tercera parte de su cáthedra por cada vez que paresciere no haberlo hablado, y della lleve el denunciador la cuarta parte. Ítem, que los dichos libros y lecturas sean obligados los regentes a los leer por el texto de Aristóteles, declarándoles el texto y la letra, y ordenándosela de maniera que la entiendan, y sacando los notables y cuetiones convinientes para que mejor se entienda, y la lea proporcionalmente, no se entreteniendo, no apresurando en ningún tiempo más de lo que convenga18

Pode-se constatar uma grande influência dos textos de Aristóteles, acompanhada de

comentários de São Tomás de Aquino ou de Domingos de Soto. Certamente Quevedo conheceu em

profundidade todas essas obras, mas definitivamente não foram estas as únicas obras a que o

fidalgo teve acesso.

18 O’CONNELL, Patricia, apud, JAURALDE, 1998, p 109-110.

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A inquietude intelectual de D. Francisco se faz presente quando analisamos o escopo de

erudição que sustenta algumas de suas obras, como por exemplo España Defendida, obra que foi

escrita como uma tentativa de resgatar a glória dos tempos dos Reis Católicos. Nela são

manipulados vários artifícios para valorizar a Monarquia Castelhana e entre estes podemos

destacar: a história do reino, a beleza da língua e a honra dos monarcas.

A erudição de Quevedo é um aspecto de sua obra que desperta a atenção e que não passou

desapercebido por seus contemporâneos, como fica evidente na afirmação do erudito aragonés

González de Salas “poeta alguno espanhol versado más, en que los viven, de hebreos, griegos,

latinos y franceses de cuyas lenguas tuvo buena noticia, y dinde a sus versos trujo excelentes

imitaciones”19.

Quevedo era um poligráfo. Tinha à capacidade de se expressar em diversas matérias e

transitar pelos mais distintos gêneros, anexando em seu discurso doutrinas das mais diferentes

áreas do saber. Ele se esquivava do silêncio e em várias ocasiões sua falta de habilidade em calar-

se, por escrito, foi motivo de punição, como nos desterros da corte, na prisão em San Marcos e

quando seu nome figurou na lista do Index. “Peligrosos y delincuentes son los hombres que tienen

el corazón charlatán y muda la lengua”20, este era o depoimento de Quevedo sobre a falta de

capacidade de expressão dos homens.

Latim, hebraico, grego, italiano, francês, português, eram línguas as quais o autor

dominava. Cultura Patrística, conhecimentos filológicos eram saberes que o fidalgo possuía. Foi

constatado pelos pesquisadores da obra de Quevedo sua aptidão em utilizar citações e fontes de

línguas estrangeiras.

19 SALAS, González, apud, JAURALDE, 1998, p. 874. 20 QUEVEDO, Francisco, apud, JAURALDE, op. cit., p. 873.

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Um traço importante das produções letradas dos seiscentos era a tendência parafrasedora,

ou seja, a não reprodução de citações literais, como esclarece Raul A. Del Piero: “El procedimiento

más habitual de nuestro escritor es reducir en caudal informativo los corriespondientes pasajes

latinos y amplificarlos a la vez retoricamente, haciendo galás de elocuente dicción”21 . O processo

de criação escrita seiscentista encontrava-se fartamente pautado na emulação, que englobava

práticas de glosa e comentários.

A aprendizagem e a boa manipulação do latim eram naquela sociedade um elemento

fundamental. Em outras palavras, o latim era o saber essencial para que o sábio pudesse se

expressar, constituindo um saber extremamente necessário, porque era o passaporte indispensável

para o ingresso no mundo dos saberes da Antiguidade Clássica e de um passado recente fortemente

marcado pela cultura humanística e escolástica.

Quevedo utiliza sua formação latina como a expressão de sua erudição e, ainda, como

elemento distintivo de seu pertencimento, ou sua vontade de pertencimento, a um grupo de sábios

nos moldes humanistas, como se pode perceber analisando seu epistolário com Justo Lipsio, todo

ele lavrado em latim. Jauralde assim testemunha sobre a importância do latim:

Los jesuítas, pero tambien en las universidades y en otros circulos del saber, empezando por la própria cultura impresa, expurgaban a los clásicos, censuraban a los más atrevidos y componían centones o antologías, que cada vez se parecían más a rudimentares Polianteas, ‘caratapacios’ o ‘proverbiador´, para utilizar algunos de los curiosos nombres de la época, preparadas para uso rápido y ostentoso. Esa práctica admitida y suavemente razonada por las maiores autoridades de la tradición reciente, desde Erasmo hasta Lipsio. Estaba en a línea de las Flores más varidas que recogián poesias, sentencias, pensamientos filosóficos, lugares bíblicos, etc , y que proliferan en toda la Europa del siglo XVI. La universalidad del latín las hizo especialmente valiosas, como transmitoras de corrientes de pensamiento o de cultura22

21 PIERO, Raul A. Del, apud, JAURALDE, 1998, p. 873. 22 QUEVEDO, Francisco, apud, JAURALDE, op. cit., p. 880.

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No caso de Quevedo, o aprendizado de outras línguas vernáculas esteve associado às

questões de sua trajetória enquanto cortesão. A língua francesa era por ele utilizada com certa

desenvoltura como demonstram as anotações autografadas em obras francesas em exemplares que

foram de sua propriedade. Este aprendizado foi facilitado pelo fato de que sua mãe, avó e tia terem

sido acompanhantes de uma princesa francesa.

Em se tratando do domínio da língua portuguesa podemos objetivamente apontar como

possível explicação para o fato a relação de seus avós com os representantes da coroa portuguesa

na Corte de Felipe II e a renda que possuíam nos portos secos de Portugal. Preferimos acreditar,

porém, que o domínio de Quevedo sobre a língua portuguesa se deve ao multilínguismo cultural da

Península Ibérica, fato registrado por inúmeros pesquisadores como Jean- Frédéric Schaub23 e Ana

Isabel Buescu24.

Já o aprendizado do italiano se deve obviamente aos anos em que Quevedo esteve na Itália,

principalmente na Sicília e em Nápoles. Período no qual Quevedo prestava serviços ao Duque de

Osuna, D. Pedro Téllez Girón, que foi Vice-Rei nas duas possessões citadas.

Um estudo sobre a formação cultural de Quevedo ficaria bastante incompleto se não

mencionasse a importância da filosofia neo-estóica na obra de nosso autor. Em um artigo

denominado El Neoestoico elaborado em parceria por Henry Ettinghausen, Karl A. Bluer e José M.

Balcells, estes autores marcam como momento principal de clara influência da filosofia estóica na

obra de Quevedo o período de 1639 - 1643. Acreditamos, porém, que a concepção, destes autores

sobre o aspecto neo-estóico de Quevedo, é por demais caracterizada por interpretações subjetivas e

psicologizantes. Visto o argumento dado pelos autores de que para Quevedo o ideal estóico da

23 SCHAUB, Jean-Frédéric. Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640). Lisboa: Livros Horizonte, 2001. 24 BUESCU, Ana Isabel. Memória e Poder- Ensaios de História Cultural (séculos XV- XVII). Lisboa: Edições Cosmos, 2000.

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impertubabilidade funcionaria tal qual um escudo frente às adversidades de sua trajetória. A

influência do pensamento neo-estóico na obra quevediana vai muito além disso.

O neo-estoicismo é uma característica marcante nos escritos de Quevedo, explicitada

através da relevância concedida aos temas como o conhecimento de si mesmo, o desengano como

idéia de desilusão, as reflexões sobre a morte, sem mencionar a importância que o neo-estoicismo

em sua vertente política adquiriu nas obras de Quevedo, porém este aspecto só será abordado no

segundo capítulo deste estudo. Apesar da evidente presença do pensamento estóico de Quevedo,

este se encontra sempre em tentativa de conciliação com os ensinamentos da tradição católica

contra-reformada. Em sua vastíssima obra muitos temas são contemplados e entre os mais

polêmicos podemos destacar: o suicídio, as sátiras de costumes, a atitude frente à morte25 , etc.

Ilustra a presença do tema da morte como certeza irrevogável da vida o seguinte trecho do poema Cuán nada parece lo que se vivio:

Falta la vida, asiste lo vivido

y no hay calamidad que no me ronde.

Ayer se fue; mañana no ha llegado;

hoy se está yendo sin parar un punto:

soy un fue y un será y un es cansado.

En el hoy y mañana y ayer junto

pañales y mortaja, y he quedado

presentes sucesiones de difunto

25 Nos seus escritos chamados Sueños, Quevedo trabalha a idéia de uma realidade extra mundana nos domínios além da existência corpórea. O papel da morte assume nestes escritos um valor fundamental, pois ela é quem desvenda os embustes das falsas aparências e é também através dela que existe a possibilidade da justiça. Em “El Sueño de la Muerte”, a Morte assume o papel de tutora e guia do personagem principal em suas andanças pelo Inferno.

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A atenção concedida à formação cultural de D. Francisco de Quevedo y Villegas teve como

objetivo entender a maneira pela qual o fidalgo estava se esforçando em adquirir os elementos

necessários para criar sobre si mesmo uma imagem de escritor ingenioso e sábio, que lhe auferisse

crédito e respeito perante os olhos dos membros integrantes de seu grupo, a nobreza, e que lhe

conferissem assim formas de pugnar socialmente. Fosse através da obtenção do protetorado de um

mecenas poderoso, fosse através da aquisição de um cargo ou posição de destaque na corte

castelhana. Finaliza-se esta exposição com um trecho26 de Marco Bruto de Quevedo ilustrativo da

importância que o fidalgo concedia à erudição:

En los más ilustres y gloriosos capitanes y emperadores del mundo, el estudio y la guerra han conservado la vencidad y la arte militar se há confederado con la lección. No há desdeñado en tales ânimos la espada a la pluma. Docto símbolo de esta verdad es la saeta: com la pluma vuela el hierro que ha de herir. Pero muchos sean ejemplo Alejandro el Grande y Julio César. Alejandro oyendo la Iliada de Homero se armaba el ánimo y el corazón. Sabia que sin esta defensa, en el cuerpo la loriga y el escudo y la celadaeran peso modesto y uma confesión resplandeciente y gabada del temor del espíritu. Cuerpo que no le arma su corazón, las armas le esconden, mas no lo arman...27

1.2 A Corte enquanto Espaço de Sociabilidade:

A categoria sociabilidade é uma ferramenta de importância destacada para a compreensão

de determinados processos históricos, pois nenhum agente histórico encontra-se isolado em um

vácuo sociológico. Muito pelo contrário, os indivíduos formam grupos, dividem representações e

identificam-se com as regras de comportamento de tais grupos constituindo, assim, associações em

constantes disputas e querelas por poder.

26 Deste trecho, outro aspecto de suma relevância é a importância da guerra para a manutenção e conservação da Monarquia. 27 QUEVEDO, Francisco de. Marco Bruto. In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p.489.

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O mundo social pode ser definido como um enorme “conjunto de relações28”, nas obras de

sociólogos renomados, tais quais Norbert Elias29, George Simmel30 e mais recentemente Pierre

Bourdieu31. Assim a análise dos agentes históricos deverá estar acompanhada de uma reflexão

sobre o necessário pertencimento a um determinado grupo, ao qual – voluntária ou

involuntariamente – um indivíduo encontra-se associado, ou seja, não existe indivíduo sem

sociedade e nem sociedade sem indivíduos.

A partir da obra de Simmel, pode-se pensar que a sociedade encontra-se baseada em um

conglomerado de interações. Aqui podemos destacar um importante paralelo nas obras de Elias e

Simmel, apontado por Leopoldo Waizbort, que diz respeito à importância das interações e dos

laços de interdependências formados entre os indivíduos e os grupos humanos entre si, e que

constituem as bases das relações sociais. Estas relações formam uma complexa rede, idéia bastante

em voga na historiografia atual32, a partir da qual pode-se pensar o todo, nas palavras de Simmel:

As diligências imensamente pequenas estabelecem o nexo da unidade histórica, assim como as interações aparentemente menores de pessoa a pessoa estabelecem o nexo da unidade social ... as interações singulares que se mostram nessas medidas não inteiramente usuais ao olhar teórico devem ser examinadas como formadoras da sociedade como elementos de socialização em geral. 33

Sendo assim, a categoria de sociabilidade demonstra-se de suma importância para a

compreensão dos fenômenos históricos, conforme já foi sublinhado. Mas para que se alcance a real

eficácia desta ferramenta intelectual denominada sociabilidade, é necessário que uma prévia

28 WAIZBORT, Leopoldo. Dossiê Norbert Elias. Edusp: São Paulo. p. 91. 29 ELIAS, Norbert. A Sociedade da Corte. Rio de Janeiro. Editora Jorge Zahar, 2001. 30 SIMMEL, Georg. MORAIS FILHO, Evaristo de (org). Sociologia. São Paulo: Ática, 1983 31 BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2003. 32 Para tanto basta conferir os trabalhos de historiadores devotados à micro história com Carlo Ginzburg em GINZBURG, Carlo. A micro história e outros ensaios. Rio de Janeiro : Bertrand; São Paulo: Difel, 1991, e Giovanni Levi em LEVI, Giovani. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 33 SIMMEL apud WAIZBORT, Leopoldo, op. cit., p. 96-97.

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compreensão da formação dessa categoria e de seu significado, seja realizada pelos pesquisadores

que estão dispostos a utilizá-la.

Cunhada no âmbito das Ciências Sociais, encontra-se a formulação do conceito de

sociabilidade na obra de George Simmel. Simmel diferencia sociação e sociabilidade. Para o autor

sociação é a forma a partir da qual os indivíduos se organizam em determinados grupos que

possibilitariam a satisfação de suas necessidades e de seus interesses, quaisquer que eles sejam; tais

sociações gerariam sentimentos de pertencimento e disto decorreria uma satisfação.

Já a sociabilidade se caracterizaria por um fenômeno ocorrido quando os pressupostos das

interações entre indivíduos se distanciam da instância, denominada pelo autor de conteúdo, para

privilegiar a própria forma na qual acontece a interação. Simmel sublinha que formulou uma

concepção geral a respeito do termo sociabilidade, mas destaca que talvez a sociabilidade tenha

atingido sua expressão máxima no Antigo Regime.

Explicitada a categoria de sociabilidade resta saber como ela se aplica à sociedade do

Antigo Regime, essencialmente no espaço da corte. Norbert Elias em A Sociedade de Corte 34, obra

basilar para todos os pesquisadores que trabalham algum tema relacionado à corte na época

moderna, elaborou uma análise da etiqueta e do cerimonial da corte para tornar inteligível, tanto na

função simbólica quanto na utilitária, a constituição e funcionalidade da figuração da corte e assim

possibilitar a compreensão das atitudes dos indivíduos que formavam tal figuração, ao passo que

eles também seriam formados por ela.

O fator considerado determinante para explicar a necessidade do cerimonial seria a pressão

que a luta por poder e status exerceria nos cortesãos. Então a função simbólica da etiqueta

expressaria a estrutura em que estava fundamentada tal formação social. Elias, portanto, realizou

uma análise das regras de sociabilidade da corte de Luis XIV para ressaltar o papel essencial da 34 ELIAS, 2001.

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hierarquia, baseada no nascimento e linhagem, como fator estrutural para a concessão de

privilégios e obtenção de poder naquele espaço.

Algumas críticas já foram feitas ao trabalho de Elias e entre elas podemos destacar o

trabalho de dois historiadores em especial: Emmanuel Le Roy Ladurie35 e Daniel Gordon36.

Ladurie trabalha amplamente o conceito de hierarquia, extraído da obra do antropólogo

Louis Dumont, Homo Hierarchicus, visando combater à análise da sociedade de corte feita por

Norbert Elias. O autor irá dar maior complexidade à estrutura da hierarquia das sociedades do

Antigo Regime destacando que ela não pode ser entendida como “simples diferença entre diversos

níveis sociais, mas de uma concepção de conjunto, articulada,‘holística’, das relações entre os

homens e os grupos”37, e mais, “A hierarquia bem concebida implica subdivisões verticais se

possível ao infinito”38. Para o autor, a hierarquia incorpora muitos mais aspectos que simplesmente

as posições sociais.

O dinheiro e o poder são apontados como elementos que podem contribuir na alteração das

hierarquias sociais. Em suma, são apontadas existências de outros níveis hierárquicos na Sociedade

do Antigo Regime além daqueles ditados pela linhagem, classificando então a hierarquia como

uma estrutura folheada.

Gordon, em Citizens without sovereignty, trabalhando com o tema acerca dos manuais de

civilidade, aponta que não existe uma única concepção de cortesia e polidez, ressaltando que os

autores da época discordavam não apenas das convenções em torno das concepções de boas

maneiras, mas do propósito em si destas maneiras. Isso constituiria um reflexo das diferentes

formas de entendimento das metas do convívio social e das estruturas da vida coletiva. O autor

35 LADURIE, Emmanuel Le Roy. Saint-Simon ou o sistema da Corte. Rio de janeiro: Civilização brasileira, 2004. 36 GORDON, Daniel. Citizens without sovereignty; equality and sociability in French thout, 1670-1789.New Jersey: Princeton University Press, 1994. 37 LADURIE, op. cit., p. 50. 38 Ibidem, p. 54.

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contesta a tese de Elias que, segundo ele, teria tratado a corte como um modelo de compreensão da

cultura francesa como um todo. Em contraponto, Daniel Gordon afirma que podemos identificar

que a cultura possa ter criado outros espaços fora das regras de hierarquia da corte.

Gordon evidencia outros modelos de civilidade, fora do espaço de corte, onde as regras de

estabelecimento de distinção não estariam baseadas na hierarquia e sim no igualitarismo; estes

espaços seriam os salões do século XVII na França. A tese central defendida pelo autor é que a

corte não representaria o único espaço de sociabilidade legítimo na sociedade do Antigo Regime.

Haveria, portando outros espaços de sociabilidade que podem possuir regras de natureza oposta e

concorrente aquelas do espaço da corte.

As críticas ao trabalho de Norbert Elias, feitas por Gordon e Ladurie, servem para ampliar

os problemas suscitados pelo uso da categoria sociabilidade nas sociedades do Antigo Regime. As

regras de sociabilidade, atribuídas por um grupo a um determinado espaço na configuração social,

são resultantes de disputas em torno da própria concepção das bases que formam as relações entre

indivíduos e grupos.

Outro aspecto do trabalho de Ladurie será aproveitado nesta reflexão sobre a inserção de D.

Francisco de Quevedo y Villegas na corte. A idéia principal do livro Saint Simon ou o Sistema de

Corte é entender um sistema de idéias e valores ou a “ideologia de um grupo”, a partir dos registros

contidos nas memórias de Saint Simon. Será um dos objetivos deste estudo perceber os elementos

do discurso político do século XVII na península ibérica, assim como as possibilidades de atuação

política da intelectualidade39 desta configuração temporal, a partir da obra e da trajetória na corte

39 Sabe-se que a utilização do termo intelectual para os homens desta temporalidade é um pouco forte, quiçá considerada inapropriada por alguns historiadores, pois, de acordo com eles o surgimento do intelectual seria algo próprio da emergência da ordem burguesa e da conseqüente configuração do espaço público. Mas a despeito do termo utilizado para designar um sujeito histórico o que realmente importa é a função que ele exerce. Assim estes homens que elegiam nos livros seu grande instrumento de atuação social podem ser chamados de sábios, humanistas, filósofos ou intelectuais, porquanto a função desempenhada por eles é a mesma. Função esta cuja definição é pensar, esquadrinhar, criticar, julgar e formular soluções para o mundo que os cerca, sendo isto suficiente para definir o que

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de Francisco Quevedo. Buscou-se restituir o grau de participação ativa deste intelectual em meio à

corte castelhana.

No processo de construção da inteligibilidade da obra de D. Francisco de Quevedo y

Villegas é fundamental relacionar a obra com o seu espaço de produção, a saber, a corte castelhana.

Porquanto é nela que está inserido Quevedo e principalmente porque os cortesãos são, em última

instância, os destinatários destes escritos.

Analisando a genealogia de Quevedo podemos constatar seu pertencimento e sua imersão

no espaço da vida palaciana e desta forma entender a importância que aquele espaço representou

nas obras do escritor, funcionando como elemento de inspiração para suas sátiras e também como

um espaço que proporcionaria a realização de seus intentos políticos e sociais.

Felipa de Espinosa, avó materna de Quevedo, procedia de uma família de cortesãos que

detinha certa influência na corte, ela despenhava a função de azafata da Infanta Isabel. Seu avô

materno, Juan Gómez de Satibánez Ceballos, era reposero de camas e também exerceu os cargos

de secretário e diplomata. O pai de Quevedo, Pedro Gómez de Quevedo y Villegas, era escrivão de

Câmara, um cargo herdado de sua família que consistia na realização de certas funções tais como

inventariar as roupas e mobílias da Câmara Real e prestar contas dos registros de entradas e saídas

dos bens da dita Câmara. No exercício desta função o trato com mercadores e alfaiates era

corriqueiro. A mãe, María Santibáñez, também exerceu o cargo de azafata de princesas reais. Esses

tipos de serviços e funções desempenhadas pelos avós e pais de Quevedo eram uma forma bastante

freqüente de alcançar ascensão social, mediante a conseqüente aquisição de mercês e benefícios.

D. Francisco de Quevedo y Villegas procede de uma família nobre da região da Montaña.

O timbre da fidalguia e de pureza de sangue que acompanha os descendentes de La Montaña é

podemos chamar de uma função intelectual. Para melhor compreensão deste tema ver: MARAVALL, José Antonio. La Oposición Política Bajo los Austrias. Barcelona: Editorial Ariel, 1972.

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quase um tópico social desta temporalidade, que Quevedo assimilou e ostentava com orgulho. D.

Francisco era o único varão de um clã de funcionários cortesãos de origem montañes, uma família

economicamente forte e conhecedora das regras de funcionamento da corte. Eis como o próprio

fidalgo se apresentou por ocasião da elaboração de seu expediente para o ingresso na Ordem de

Santiago:

Francisco de Quevedo nació em Madrid. Sus padres fueron Pedro Gómez de Quevedo, natural de Bejorís, en el Valle de Toranzo; y doña Maria Santibáñez, natural de Madrid. Sus aguelos paternos fueron Pedro Gómez de Quevedo, el viejo, natural de Bejorís y Maria Saez de Villegas, natural de Villasebil, em el dicho Valle. Sus aguelos maternos fueron Juan Gómez de Santibáñes Ceballos, natural de San Vicente de Toranzo, y doña Felipa de Espinosa, natural de Madrid 40

Algumas das famílias nobres do norte, ou seja, da região da Montanha, eram: Villegas,

Santibáñez, Santoyo e Velasco. D. Francisco possuía relações de sangue com os Santibáñez,

Santoyo, Velasco, Rueda, Villegas e Villanueva, estas famílias possuíam um elevado grau de

influência na burocracia do palácio.

Quevedo testemunhou e vivenciou as regras de funcionamento da corte e as disputas pelo

poder inerentes àquele meio. Ele compunha letras de música e freqüentava os bailes e saraus

cortesãos, especialmente nos anos de maior expressão de sua atividade enquanto diplomata ou

como um autor responsável por fazer o registro escrito de um determinado momento. Participou de

comitivas reais algumas vezes como na expedição a Andaluzia, para presenciar o acontecimento

das Cortes de Aragão e posteriormente das Cortes em Valência.

Na época em que a corte se translada de Madrid para Valladolid, a entrada oficial da corte

em Valladolid data de 06 de fevereiro de 1601, se instaura um clima de incentivo às artes. É

provável que neste período, Quevedo estivesse procurando a proteção de um mecenas. Hipótese

40 QUEVEDO, Francisco, apud, JAURALDE, 1998, p. 66.

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que pode ser justificada por meio do exame das dedicatórias de seus escritos, que ele procurava

sempre endereçar a algum personagem que estivesse em evidência. O almejado era a sua

consagração como escritor engenhoso.

É desta época que datam algumas das primeiras premáticas e opúsculos festivos de

Quevedo, como Prematicas y Capitulaciones de la vida em Corte, Memorial pidiendo Plaza en

una Academia, Prematica contra los poetas guerros e Origen y Definición de la Necesidad. Estas

obras delatam sua presença observadora e crítica no formigueiro humano que havia se

transformado a cidade que agora abrigava a corte. Através da observação de tipos, atitudes e cenas

em sua manifestação objetiva, gestual e verbal, o autor trabalhava uma racionalização que

ridicularizava os alvos eleitos. Estes escritos foram o início de sua contribuição à literatura crítica

dos costumes que entretinha os cortesãos e circulava amplamente na corte.

Havia vários gêneros que possibilitavam a crítica social. Os arbitristas a faziam com

seriedade e suas sugestões eram ouvidas nos mais altos círculos de poder como o Conselho de

Estado e o Conselho da Guerra. Os moralistas e predicadores tomavam como espaço para a

divulgação e circulação de suas idéias desde o púlpito até tratados manuscritos e impressos,

visando afetar também as mais altas esferas do poder. Poetas e escritores de todo tipo

possibilitavam conhecer os últimos e mais curiosos eventos acontecidos na corte através de

novelas, letras dos bailes cortesãos e sonetos. Tais formas de intervenção escrita serviam para levar

a estes mesmos circuitos a sátira social e a paródia burlesca. Fernando Bouza41 caracteriza a

sociedade de corte como uma sociedade do escárnio, marcada por rumores e taxações infames da

qual a sátira é um registro e uma prática.

41 Ver: BOUZA, Fernando. Del escribano a la biblioteca; La Civilización escrita europea em la alta edad moderna (siglos XV- XVII). Madrid: Editorial Sintesis, 1992.

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Quevedo começa a granjear alguma fama de poeta por esta época como testemunha o

elogio que lhe é feito por Lope de Vega, autor já consagrado, em um poema denominado La

Hermosura de Angélica em que Lope, não deixa de ser um fato curioso, elogia a doçura dos versos

de Quevedo. Os dois escritores ao longo dos anos nunca deixaram de manter uma relação amistosa.

Algumas ocorrências relevantes para constatar o início do renome concedido a Quevedo

como poeta, são: seu reconhecimento como poeta engenhoso e agudo por Bartolomé Jiménez

Patón em sua obra Eloqüencia Española en Arte, publicada na cidade de Toledo em 1604; o fato de

Quevedo ter escrito um dos poemas preliminares da obra de Lope de Vega, El Peregrino en su

Pátria; o soneto escrito para La Restauración de la España de Cristobál de Mesa, e o fato de

Quevedo ser um dos autores que formam a base da antologia organizada por Pedro Espinosa,

Flores de Poetas Ilustres, um dos eventos mais importantes.

Necessário se faz deter-se com mais atenção para compreender o significado da antologia

Flores de Poetas Ilustres. Esta obra compreendia uma seleção de poemas dos mais influentes

poetas na Espanha em 1603, de acordo com a seleção de Espinosa. Alguns dos nomes que integram

a antologia são Arguijo, Góngora, Lupercio Leonardo de Argensola, Luiz Martinez de la Plaza,

Pedro de Espinosa, Conde de Salinas, Soto, Juan de Valdes y Menedéz, Baltasar de Alcázar,

Tejada, entre outros. Ter seu nome elencado junto a estes autores não é um fato de pouca monta no

intento de Quevedo em fazer-se reconhecer como poeta.

Na antologia encontram-se exaltados os poemas satíricos de Quevedo, epígrafes jocosas,

um poema sobre a fábula mitológica de Dafne e Apolo, um soneto sobre Diana a Acteón, sonetos

morais e um soneto dedicado a Felipe II. Quevedo começaria a ajudar na composição do rico

repertório de poemas e sonetos da época.

Outra maneira de alcançar o reconhecimento como poeta, manejada por nosso escritor era a

elaboração de poemas circunstanciais, como os poemas fúnebres em homenagem ao Marquês de

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Spínola e à Catalina de la Cerda, Duquesa de Lerma, em 02 de junho de 1603. Isto demonstra que

Quevedo estava atento aos acontecimentos sociais de sua configuração.

É possível estabelecer, portanto, que a corte era o principal destinatário de Quevedo,

tomando o espaço inicial de circulação do Historia de la vida del buscón llamado don Pablos42,

novela picaresca escrita por D. Francisco, que foram as Academias e salões da corte. Fenômeno

que Mauricio Molho definiu como literatura de cenáculo:

Un rasgo de la literatura cenacular es que requiere la constitución de señas y contraseñas, es decir de uno o vários lenguajes por los que el cenáculo identifica a sus miembros. Los conceptos, agudezas y chistes que tanto abundan em el Buscón testifican la escritura del libro no es sino un lenguaje lúdico, codificado y descifrable, destinado a funcionar como el vehículo semiológo de una conciencia de grupo. El grupo, constituído por los múltiples cenáculos de la Corte, no es sino el único en detentar la hegemonia econômico-política en la España de Felipe III. A este grupo, organizador legitimo de la cultura, Quevedo pertence no solo por adhesión intelectual, sino por su mismo nacimiento ·43·

José Martinez Millán, historiador espanhol da Universidade Autônoma de Madrid, dirigiu

uma coletânea de estudos sobre a corte de Felipe II, na qual é destacada a importância da corte para

compreender o surgimento do Estado Moderno. Identifica-se a corte enquanto instituição política e

social e é apontado o duplo aspecto que a corte simbolizou para a nobreza, pois se, de um lado

contribui para sua domesticação, por outro, foi também por excelência o espaço de reivindicação

junto ao soberano e funcionava também “como baluarte para defenderse de los no nobles”44.

A vida em corte encontrava-se regida por uma série de padrões de comportamento e

racionalidade, os quais a literatura da época foi tão abundante em registrar, como o célebre O

cortesão de Baltasar Castiglione45.

42 A novela picaresca integra um conjunto de obras identificadas com a sátira barroca seiscentista. 43 MOLHO, Mauricio, Semántica y Poética (Gongorá, Quevedo). Barcelona: Editorial Crítica, 1988. p. 97 44 MILLÁN, José Martinez ( dir).La corte de Felipe II. Madrid: Alianza Editorial, 1994. p. 16. 45 CASTIGLIONE, Baldassare. O Cortesão. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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As habilidades necessárias para conseguir o almejado sucesso dizem respeito à

amabilidade, ao refinamento, à cordialidade, à discrição e ao tato; todos estes aspectos

subentendidos no ideal da cortesia. Sucesso que deve ser entendido como forma de pugnar dentro

de esferas de disputa e poder influenciadas pela opinião que outros integrantes do grupo,

destacadamente o monarca, formam de um determinado sujeito. A importância de tais habilidades

na cultura política ibérica seiscentista fica evidente no depoimento de um fidalgo português,

Rodrigues Lobo, que destaca como principais exercícios da corte o trato com o príncipe e a

comunicação com as pessoas que o cercam. Afirma Lobo :

[...] trás isto o estado e serviço do mesmo rei e dos seus, a obediência, a cortesia, a inclinação, a mesura, a discrição no falar, a policia no vestir, o estilo no escrever, a confiança no aparecer, a vigilância no servir, a gentileza e bizarria que para os lugares públicos se requere, o trato do príncipe no paço, no conselho, na caça, nos caminhos e ocasiões, como se granjeiam os validos, se visitam os grandes e como se hão de haver os cortesãos para comunicar uns com os outros46

Segundo Diogo Ramada Curto, o ato de comunicação está incluído na lógica da

sociabilidade, porque pressupõe uma diversidade de condutas e hierarquias que servem para

configurar um espaço institucional e um padrão de racionalidade, delimitando as interdependências

entre os agentes que são regidas por uma racionalidade da etiqueta. A comunicação escrita também

se insere dentro dessa lógica, nas palavras do autor:

[...] a comunicação literária desenvolvida no interior da corte tem de ser vista em função das posições e dos cálculos de carreira dos autores, bem como na articulação com as pequenas estratégias de aproximação de entre as quais se destaca a importância das mulheres nas trocas poéticas palacianas47

É necessário conceber que as sociedades da época moderna não possuem uma esfera de

exercício do poder político claramente delimitada. Tais esferas de exercício se constituem de

maneiras fluídas e instáveis, marcadas pela incipiente divisão do espaço público e do espaço 46 CURTO, Diogo Ramada. A Cultura Política. In: MATOSSO, José (org.) História de Portugal, vol III: No alvorecer da modernidade. Lisboa: Círculo de Leitores, 1993. vol. III, p 115. 47 Ibidem, p. 116.

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privado48. Fenômeno que confere aos agentes destas configurações uma gama muito mais ampla de

exercício da atividade política, esta se confundindo com suas vidas pessoais, com as

representações49 que constroem de si mesmos e de seus grupos sociais. Nesta sociedade,

principalmente no que concerne ao espaço da vida na corte, certos locais como a mesa, procissões

e as bodas entre os monarcas são espaços de atuação política e disputas por poder.

Essa fluidez se faz representar também na produção escrita do período em questão. Diogo

Ramada Curto aponta para a politização dos gêneros mais inusitados como os prognósticos

astrológicos, os saberes da medicina, biografias e hagiografias.

Em suma procurou-se compreender as regras de sociabilidade da corte espanhola porque

deve-se levar em consideração que os lugares sociais em que os autores produzem seu discurso são

muito variados, e estes locais influem amplamente no tipo de discurso que será confeccionado

pelos escritores. Sendo assim não poderíamos analisar a obra de Quevedo sem perceber a

primordial influência que seu pertencimento à corte exerceu em sua elaboração.

1.3 Percurso Intelectual::

Outro aspecto considerado necessário para a efetivação deste estudo alcança relevância a

partir do estabelecimento da complicada rede de sociabilidade intelectual em que se inseria

Quevedo. Estabelecida tal rede podemos então entrever quais trocas intelectuais, com quais

personagens, deixaram vestígios na obra de D. Francisco de Quevedo e fundamentalmente

compreender alguns aspectos do panorama intelectual espanhol dos seiscentos. Dando

prosseguimento ao estudo da formação intelectual de Quevedo, resgataremos os principais nomes 48 Para melhor compreensão da emergência e configuração do espaço público na época moderna, Ver: HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural na Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 49 Para entender sobre a importância da representação no universo cortesão, ver : ELIAS, 2001.

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que estiveram presentes em suas trocas intelectuais. Marcando assim estes passos como

primordiais para a compreensão de suas obras.

Já tivemos oportunidade de comprovar a variedade de gêneros literários tratados na

produção escrita de Quevedo. Após as primeiras incursões poéticas e satíricas no universo literário

que marcaram os anos inicias da produção de Quevedo, assiste-se paulatinamente a uma mudança

de temas e gêneros em sua obra. Para que se efetive tal mudança podemos apontar,

biograficamente, como um dado importante sua correspondência com o humanista flamengo Justo

Lipsio50, que se inicia em 04 de setembro de 1604, período em que Quevedo encontrava-se na corte

em Valladolid. Durante este período, Quevedo também se dedicava aos estudos filológicos,

trabalhando com os escritos de Estácio, Sêneca e Epicteto51.

Nesta época retrata-se uma enxurrada de cartas enviadas por importantes personagens

espanhóis, ligados às atividades culturais e políticas, a Justo Lipsio. Personagens estes que não

eram desconhecidos de Quevedo, como Benito Arías Montano, Antonio de Covarrubias y Leyva,

Garcia de Loaisa52, Conde de Portalegre, Lupercio Leonardo de Argensola, Baltasar de Zúñiga,

Pedro de Valencia, García de Figueroa, Juan de Idiáquez, Francisco de San Victoria, Juan Ramírez

de Arellano, Matias de Olvando, Luis Tribaldos de Toledo, e outros53. Citamos estes nomes para

demonstrar a abrangência que alcançava a importância concedida ao pensador flamengo,

considerado um grande filólogo e sábio.

50 Justo Lipsio será uma personagem de grande importância na configuração do panorama político ibérico do século XVII, sendo assim tornaremos a este autor e analisaremos a pertinência de suas obras neste contexto com mais vagar e atenção no segundo capítulo. Por hora será suficiente apenas apontar este contato inicial de Lipsio com D. Francisco de Quevedo. Visando sublinhar a precocidade da admiração que Quevedo nutria por Lipsio e o papel primordial que a doutrina neo-estóica assumiria na obra do intelectual espanhol. 51 De acordo com as informações extraídas de biografia de Quevedo, ver: JAURALDE, 1998, p.154. 52 García de Loaisa era companheiro de Juan de Marina em tarefas intelectuais, compartilharam estudos na Universidade de Alcalá de Henares e trabalharam juntos na redação de Manual para la Administración de los Sacramentos (1584). Para melhor explicitar a relação destes personagens ver o início da obra de Mariana, De rege et regis institutione (Toledo, 1598). 53 Vide a obra: RAMÍREZ, Alejandro. Epistolário de Justo Lipsio y los españoles (1577-1606). Madrid: Editorial Castalia, 1966.

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53

É na companhia destes compatriotas que o jovem Quevedo, na época contava 24 anos de

idade, decide-se também por aventurar-se na troca de correspondências com o renomado Lipsio.

Quevedo inicia a correspondência com latente admiração e deferência buscando aproximar-se de

Lipsio, através da reciprocidade do gosto pelo labor filológico demonstrando que tinha

conhecimento da recente obra do destinatário, um estudo sobre as Virgens Vestais54, De Vesta et

Vestalibus Syntagma, publicado em Lovaina em 1603. Nesta carta, Quevedo confessa a Lipsio seu

desejo em também escrever sobre as Vestais e comenta algumas passagens da obra solicitando a

opinião de Lipsio sobre dados que lhe pareceram controversos. Reproduziremos algumas

passagens desta missiva, datada de 04 de setembro de 1604, de onde extraímos dados que

confirmam o acima exposto:

Fénix de nuestro siglo, hasta ahora he deseado conocer tu fama y tu piedad, y por eso te envío esta carta, en la que no hay sino afecto sincero y cándida solicitud. Eres, Lipsio, un lince, y yo soy un cegato. Hay iluminado con tu antorcha la llama de las Vestales, la he mirado y he reconocido tu sol. Ha sabido, como dices, quienes apenas han rozado el tema, y yo he visto murciélagos españoles que, revoloteando en las tinieblas, preparaban una obra inane y llena de tipos. A esto tales los llamarías castos, no doctos. [...] Por esto he decidido con toda mi alma escribir sobre las Vestales. [...] Te ruego que me contestes en nombre de tu bondad. Apreciaré tu sentencia, ya sea favorable o adversa. Te escribo con mano ajena, pues la mía está enferma.55

Assim se dá o início da troca de correspondências entre Quevedo e Lipsio. Os estudiosos de

Quevedo tendem a interpretar estas cartas, como uma mera troca de conhecimentos sobre filologia

sem atentar para o conteúdo que vai conjugado com as questões eruditas. Na resposta de Lipsio, já

se pode perceber que as preocupações de ambos os autores, abrangem aspectos mais amplos que os

conhecimentos filológicos. Desta carta, datada de 10 de outubro de 1604, destacaremos os

seguintes trechos:

54 As Vestais eram sacerdotisas romanas consagradas a Deusa Vesta, reponsáveis por manter acesso o fogo sagrado. Possuíam grande prestígio social sendo consultadas inclusive sobre questões políticas da cidade. 55 RAMÍREZ, 1966, p. 389

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Esta gloria se da rara vez entre las personas de tu rango y felicito más a tu patria que a ti mesmo, pues las honras y vas a honrarla mucho se vives largo tiempo como lo deseo. [...] Vuestro Séneca me tiene ahora ocupado por completo: a la edición de sus obras he puesto una introducción con fragmentos de la doctrina estoica. No cejo en mi empeño, ilustríssimo varón, aunque nuestros tiempos son de hierro y no están hechos para estas artes, sino para Marte. También vosotros lo sabéis. Lo sabéis, pero, lo lamentáis? Nuetros males os transmiten su contagio y se agotan aquí vostros soldados a la par que se consumen vuestras energías. Bien dijo de Troya el antiguo poeta al llamarla común sepulcro de Europa y de Asia. Yo lo díria de Bélgica, pues desde hace casi cuarenta años arrasta y diezma la flor de milícia de Europa. Que Dios ponga remedio a esta situación [...]56

Lipsio afirma conhecer a fama de Quevedo, menciona Sêneca como uma das referências de

Quevedo sem que o mesmo o houvesse citado na carta primeva. Este fato talvez denuncie que o

reconhecimento prévio do castelhano como um admirador da doutrina senequista, por parte de

Lipsio, possa ser explicado por alguma menção, feita por um dos integrantes do círculo de

pensadores castelhanos que se aproximava da doutrina neo-estóica que tinha Justo Lipsio como o

principal mentor em âmbito europeu.

Todavia os trechos mais dignos de nota nesta correspondência serão os comentários de

Justo Lipsio à situação européia. A forma com que o autor da carta aborda o assunto é

paradoxalmente de extrema delicadeza e pujança, pois, afinal, Lipsio dirigiu-se a um castelhano

para contestar a política externa da Coroa dos Áustrias. A pergunta é significativa: “También

vosotros lo sabéis. Lo sabéis, pero, lo lamentáis?”.

Lipsio tentava perscrutar a opinião de Quevedo, desejava saber se o fidalgo concordava

com a atividade expansionista da Monarquia Castelhana nos Países Baixos. Lipsio indagava se

Quevedo concordava que a atividade intelectual, segundo ele não propícia para os tempos de

guerra, deveria ser depreciada pelas conquistas territoriais ensejadas pela guerra. Em 22 de

novembro de 1604, Quevedo redige sua resposta e ela é bastante indicativa de sua postura em

56I RAMÍREZ, 1966, p. 393-394.

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relação a tais questionamentos e mostra que a aproximação inicial feita pela afinidade nas tarefas

filológicas, pouco a pouco, cede espaço aos questionamentos políticos. Vejamos as palavras de D.

Francisco:

Con estas guerras, tus tiempos parecen de hierro, pero con tus escritos pueden rivalizar con los siglos dorados. Creo que están hechos para Marte, y no para Minerva, pero tú haces que también lo estén para ella. Qué puedo decirte acerca da España sin que me tiemble la voz? Vosotros sois presa de la guerra. Nosotros lo somos del ocio y de la ignorancia. Allí se consomen nuestros soldados y nuestras riquezas. Aquí nos consumimos nosotros, y aunque no faltan quienes dan consejos, faltan quienes los lleven a cabo. Los más prestigiosos varones caminan aquí con paso vacilante, pero tenemos que consolarnos. Hagasé la voluntad do poderoso Júpiter.57

O depoimento que D. Francisco de Quevedo fornece a Justo Lipsio é esclarecedor. As

palavras de Quevedo retratam uma Espanha em que os valores encontram-se corrompidos pelo

ócio e pela ignorância, onde a atividade política não se faz de maneira satisfatória devido ao

excesso de opiniões e falta de poder decisório que transformem as medidas em práticas. A guerra,

contudo, não é interpretada de forma depreciativa, pois, caso esta fosse realizada corretamente, sem

que os desvelos do ócio e da ignorância dos poderosos do Governo não estivessem no caminho, a

atividade bélica resultaria em ganho e prestígio para a Monarquia dos Austrias, contra tal fato,

Quevedo não poderia opor obstáculos. A erudição e as atividades intelectuais aparecem como

alternativas aos tempos de guerra, como refúgio das incertezas mundanas e talvez como remédio

para saná-las.

Além das questões relativas às práticas governamentais e à política exterior da Espanha, a

correspondência traz afirmativas muito interessantes acerca de elementos que posteriormente

fariam valer sua influência nos escritos de Quevedo. Elementos estes que permearão sua obra e

terão destacada importância na investigação realizada sobre a temática do discurso político

quevediano. Segue-se o trecho: 57 RAMÍREZ, 1966, p.403-404.

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56

Ahora es cuando creo que hay virtud en las palabras, no por magia, sino por su doctrina. Por eso estoy leyendo las obras que has escrito hace años. Deseo tener las que escribes ahora y pido también a Dios que te conceda vida para tus futuros trabajos, pues éstos, a su vez, me la concederán a mí. [...] Nuestro Séneca te tiene ocupado por completo y es éste el único modo en que podemos tener a Séneca completo. Feliz él, pues por tus desvelos volará de nuevo en labios de los hombres hasta el fin del mundo. [...] Tradujo tu Politica a nuestra lengua materna Bernardino de Mendoza, ciego, como Tiresias, ciego, como Argos. He determinado seguir su paracer y vindicar en mi lengua patria a Homero de las injurias de Escalígero, aunque mi decisión no sea muy razonable.58

Acima exposta está a prova documental de que Quevedo leu, conheceu e admirou a obra de

Justo Lipsio e, fundamentalmente, a obra que aqui mais nos interessa Politicorum siue Civilis

Doctrinae Libri Sex. Sêneca, Tácito e a doutrina estóica seguem sendo uma importante referência

para D. francisco, mas não em seu estoicismo de origem e sim aquele transformado e adaptado pela

obra lipsiana.

O registro documental da troca de correspondências se encerra com a resposta de Lipsio a

Quevedo, onde encontramos um pujante depoimento de Lipsio sobre a Espanha. Assim escreve

Justo Lipsio em 25 de janeiro de 1605:

Me há traído a la memoria la plecara estirpe de la vieja España, nodriza de tantos ingenios semejantes a lo suyo. Gloríese de ello si lo entiende, y no so dedica sólo a la Marte, sino a las Musas y a Minerva. Y ojalá tuviera más suerte con Marte! Pero ocurre lo que me dices, y le debilita lo que no nombro ni saco a relucir como el vulgo: las riquezas. Conquistadas las Indias, han conquistado también ellas a su fiero vencedor. Confiesso que mermanos esas riquezas, a la par que vuestros hombres. Por qué negarlo? Somos el sepulcro común de Europa. Qué Minerva con sú Ulises, asista a vuetro Agamenón. Será provechoso para vosotros, y también para nosotros. En cambio, sucede ahora que la mente de los próceres está pertubada y murmuran agitados los consejeros, y lo que de ello si sigue: Cuánta morte verás, Citerón [...]59

Lipsio conclama Quevedo a dedicar-se às Musas e à Minerva. A erudição é colocada como

pilar de salvação do Estado Moderno “Qué Minerva com sú Ulises, asista a vuestro Agamenon.”

Agamenon sendo Felipe III, necessita de um Ulisses que o conduza pelas sendas da sabedoria, a 58 RAMÍREZ, 1966. p. 403- 404. 59 Ibidem, p. 414.

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fim de sanar os problemas que assolavam a Espanha e refletiam no contexto europeu causando

desditas que afetavam ambos os correspondentes. O papel da erudição está, portanto,

intrinsecamente associado ao gerenciamento dos assuntos de Governo. Sem o auxílio do sábio

afastam-se as Monarquias de um governo justo e virtuoso, esta concepção foi elaborada por

Sêneca no De Clementia.

A morte de Justo Lipsio, em 26 de março de 1606, encerra a rica troca de correspondências,

porém, não sem antes causar uma marca indelével em Francisco de Quevedo. Permaneceu ao longo

de sua trajetória e espelhou-se em suas obras a admiração pelos escritos e pela doutrina do

pensador flamengo. Poucos anos após este frutífero contato com Lipsio, Quevedo colocaria em

circulação seu primeiro tratado político Discurso de las Privanzas.

No começo de 1606 a corte retorna a Madrid. A saída dos reis de Valladolid data

oficialmente de 20 de fevereiro de 1606. Durante este período em Valadollid, Quevedo freqüentou

alguns cursos de teologia na Universidade desta cidade, todavia, não restaram registros

documentais da conclusão destes estudos.

Nesta época, em Valadollid, Quevedo havia retomado contato com o Duque de Osuna, que

conhecera previamente em Alcalá. Este encontrava-se sob proteção do Duque de Lerma; estava

tentando aproximar-se do Conde de Lemos60 e tinha construído laços de amizade com Alonso

Portocarrero e o Marquês de Villanueva del Fresno y Barcarrota, que posteriormente figurará na

dedicatória do Sueño del Infierno e El aguacil endemoniado.

De volta à Madrid, após o exercício de suas habilidades satíricas e poéticas na corte

valisoetana, assistiremos a uma nova postura intelectual do nosso fidalgo, ainda inflamado pelo

60 O Conde de Lemos, Don Fernández de Castro (1576- 1622), era o primogênito de Don Fernando Ruiz de Castro e sétimo Conde de Lemos. Foi presidente do Conselho das Índias e Vice-Rei de Nápoles entre 1610 e 1616; quando regressa a Madrid participa de diversas intrigas cortesãs com o objetivo de ganhar influência sobre o infante real, futuro Felipe IV, mas acaba perdendo a disputa pra Baltasar de Zúñiga.

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contato com Justo Lipsio. É o início do percurso de Quevedo na seara da tratadística política, onde

a primeira obra será Discurso de las Privanzas, datado, não muito precisamente, de um período

anterior a setembro de 1608.

Discurso de las Privanzas é um breve tratado dirigido ao rei Felipe III, durante o período

em que acontecia a privança do duque de Lerma. Segundo Eva María Díaz Martínez, tal obra se

insere na corrente de tratados ou espelhos destinados à educação do valido, tendo marcada

orientação didática de caráter ético-político. É um breve tratado onde Quevedo estabelece o

modelo ideal para a privanza, alerta sobre os abusos, inconvenientes e vantagens do ofício. A partir

destes temas trata de questões mais gerais, porém, sem muita profundidade.

Em termos gerais os objetivos perseguidos pela maior parte dos tratados que tratavam da

temática do valimento eram basicamente os mesmos: instruir o privado, oferecer conselhos éticos

e práticos para a conservação do cargo, definir e limitar suas competências em relação ao

monarca e em última instância estabelecer um marco teórico onde o situar o personagem que

ocupava considerável espaço nas atuações do poder político e posição central na amizade régia.

Estes tratados demonstravam a aceitação do valimento como instituição na teoria política do

século XVII.61

Na obra Discurso de las Privanzas de Quevedo encontraremos digressões sobre o papel que

caberia aos privados na configuração política dos Estados. A obra se dirige mais precisamente ao

privado do que ao rei, mas também a este, e aborda um assunto bastante controverso e atual para

aquela configuração: o valimento. Através de uma exposição aparentemente elogiosa da instituição

da privança, um exame um pouco mais atento não deixaria de entrever as diversas críticas

presentes no Discurso referentes à prática política cortesã.

61 Cf. QUEVEDO, Francisco de. Discurso de las Privanzas. In: MARTÍNEZ, Eva María Díaz (Estudio preliminar, edición y notas). Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 2000.

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Entretanto não será esta a obra política de D. Francisco de Quevedo que iria alcançar uma

ampla repercussão. Esta primeira tentativa irá perder-se na imensidão de tratados produzidos na

mesma época sobre privados, príncipes e reis. O jovem escritor não estava ainda apto a atingir o

efeito desejado. Talvez porque ele próprio não tinha vivenciado as experiências políticas que

forneceriam carne e sangue a sua exposição teórica sobre as práticas governamentais, fato que não

se repetirá quase quinze anos mais tarde com a divulgação do Política de Dios.

Outro rumo da atividade literária de Quevedo será marcado pela tradução dos Clássicos,

partindo de uma perspectiva das tarefas humanísticas qual um ensejo para moralização da vida

pública. Os textos escolhidos são principalmente poemas em versões métricas de escritores gregos

e hebraicos que preferencialmente tivessem comentadores latinos. Quevedo traduziu

principalmente as obras de Píndaro, Estacio, Teócrito, Anacreonte, Juvenal, Catulo, Marcial,

Horácio e Virgilio. As traduções não são realizadas literalmente, mas em formato adaptado aos

versos castelhanos. Pablo Jauralde assim depõe sobre a atividade filológica de Quevedo:

El caso es que Quevedo está buscando textos de ese sabor: morales, textos prestigiosos pero no demasiado conocidos desde los que pueda hacer oír su voz. La obsesión por hacerse escuchar es del escritor, la del tamiz moral y meditativo es de toda la época. Cómo no reconocer en estos florilegios morales el aroma intelectual de aquellos anõs? La inflamación de la filosofia se manifiesta en todos los terrenos durante las décadas finales del siglo XVI, acompañando la agonía de un siglo y de un monarca, intentando fijar con normas y precptos el inevitable torbellino de los nuevos tiempos, que estalla cuando se produca el cambio de reinado y siglo.62

Quevedo anuncia em seus escritos inúmeros projetos que, contudo, não chegaria a

concretizar. Tais projetos apesar de não terem sido levados a cabo, revelam a que tipo de atividade

o escritor pretendia dedicar-se. Através da intervenção direta nas polêmicas intelectuais e

filológicas de sua configuração, Quevedo dá prosseguimento as suas atividades literárias. Entre os

62 JAURALDE, 1998, p 181.

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projetos anunciados citamos uma intenção declarada no Discurso de las Privanzas, onde D.

Francisco de Quevedo afirma que dedicará toda sua vida a escrever contra as obras de Maquiavel.

Neste contexto, um outro encontro que detêm importância para a análise do percurso

intelectual trilhado por Quevedo acontece nos anos que marcam o período subseqüente a

divulgação de sua primeira obra política, Discurso de las Privanzas. Fazemos referência ao

encontro com Juan de Mariana e Tomás Tamayo de Vargas63.

Juan de Mariana64 nasceu em 1536 na cidade de Tavalera de la Reina e faleceu em 1624,

em Toledo. Era padre jesuíta e foi companheiro de noviciado de Francisco de Borja65. Dedicou-se

as atividades da crônica histórica, tendo sido um dos primeiros a escrever uma História da Espanha

desde suas origens até o século XVI. A partir do reinado de Carlos V, Mariana optou pelo formato

de breves anais. Outras obras de Marina que merecem ser citadas são De rege et regis institutione

(Toledo, 1598), que contribuiu para a propagação da polêmica em torno à temática do tiranicídio, e

o Discurso de las cosas de la Compañia, onde o autor entra em discrepância aberta contra a

Companhia de Jesus.

Tomás Tamayo de Vargas havia sido aluno de Martín Antonio del Río, destacado padre

jesuíta que após haver estudado em Paris e Salamanca e servir como diplomata nos Países Baixos,

teria ingressado na Companhia de Jesus e sido enviado a Lovaina para dar prosseguimento aos seus

estudos teológicos. Amigo de Justo Lipsio, Martín Antonio del Río cultivou o ensaio filológico e

63 Tomás Tamayo de Vargas nasceu em 1588 em Madrid e faleceu em 1641. Realizou seus estudos na Universidade de Toledo, integrando o destacado círculo de intelectuais toledanos. Foi um dos membros do Conselho da Inquisição e destacou-se na controvérsia com Pedro Mantuano em defesa de Juan de Mariana. Entre suas principais obras destacam-se: Razón de la historia general de España del Padre Juan de Mariana defendida (Toledo, 1616), uma edição comentada da obra de Garcilaso de la Vega intitulada Garcilaso de la Vega, natural de Toledo, Príncipe de los Poetas Castellanos (1622) e Junta de libros la mayor que España ha visto en su lengua( Madrid, 1624). Ver: ILLÁN, Jesús Allemán. Una Traddución inédita del Ars Poetica de Horacio por Tomás Tamayo de Vargas. Criticón, n. 70,1997, pp. 117-148. 64 As informações sobre Juan de Mariana foram retiradas do livro: BLEIBERG, Germán (Seleção e Notas). Antología de la literatura española de finales del siglo XVI a mediados del XVII.Madrid: Alianza Editorial. 1979. p. 142. 65 O Duque de Gandía, foi um importante membro da Companhia de Jesus, era descendente de Fernando de Aragão e ocupou o cargo de conselheiro de Carlos V e também de Vice-Rei da Catulunha, antes de ingressar na Companhia.

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histórico, mas sua obra que alcançou maior prestígio foram os seis livros de Disquisitionum

Magicarum ( Lovaina, 1599). Obra esta na qual Quevedo muitas vezes se apoiou para redigir seus

Sueños66. Resta ainda destacar que tanto Juan de Mariana como Tamayo de Vargas, dedicaram-se a

cunhagem de escritos de inspiração neo-estóica tais quais a obra De morte et inmortalitate em

Tratactus VII (Colonia, 1609) de Mariana e a tradução do De Constantia de Sêneca produzida por

Tamayo.

O encontro de Quevedo e Mariana ocorre em um momento bastante delicado para o

segundo, pois este encontrava-se às voltas com um processo da Inquisição e estava detido em

Toledo. O processo67 havia sido desencadeado em 16 de janeiro de 1610, através de uma acusação

feita pelo próprio Presidente do Conselho de Castela, Francisco Acevedo. Juan de Mariana havia

provocado à ira do Duque de Lerma por publicar um tratado, Tractatus VII- theologici et historici

(Colônia, 1609), no qual se poderia facilmente deduzir acusações sobre as medidas econômicas,

implementadas sob administração do Duque de Lerma, que o jesuíta responsabilizava pela inflação

que grassava na Espanha naquele período.

A repressão governamental acionou suas forças contra Mariana e o resultado da ação foi

uma denúncia ante o Tribunal da Inquisição, contra o citado tratado e seu autor. Esta denúncia foi

produto da articulação do Presidente de Conselho de Castela e do confessor real o dominicano

Padre Aliaga. Colocaram-se a favor de Mariana seus correligionários: Pedro de la Paz e o célebre

membro da Companhia de Jesus, Pedro de Ribadeneyra68.

66 Cf. JAURALDE, 1998. 67 Vide: Idibem. 68 Pedro de Ribadeneyra nasceu em 1526 em uma importante família aristocrática toledana. Aos 13 anos de idade viajou para Roma como pajem do futuro Papa Paulo III, Alessandro Farnense. Em Roma travou contato com Ignácio de Loyola e Diego Laínez, candidatou-se à ingressar na Companhia de Jesus, que ainda não havia sido formada oficialmente, e sob orientação de seu fundador foi enviado, a fim de completar seus estudos, à Lovaina, Paris e Pádua. O teólogo toledano foi profundamente ativo em Madrid onde publicou, na maioria das vezes na tipografia de Pedro Madrigal, uma extensa obra onde figuravam biografias, hagiográfias, tratados sobre política, moral e história. Seu nome engrossava também a lista dos adeptos a filosofia neo-estóica em solo espanhol. Entre suas principais

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Na instância da Companhia de Jesus em Toledo, enquanto correm os trâmites do processo,

ocorre o encontro de Quevedo, Mariana e Tomás Tamayo de Vargas, onde Quevedo teve

oportunidade de inteirar-se das condições que levaram ao desencadeamento do processo. Foi

Tamayo de Vargas o responsável por fazer as apresentações e por haver conservado o registro

escrito destas conversações que podem ser consultados em sua obra Razón de la historia general

de España del Padre Juan de Mariana defendida (Toledo, 1616). Neste escrito, inclusive, o autor

comenta que Quevedo teria declarado sua intenção de escrever a favor do jesuíta. Durante tal

encontro trocaram-se informações e opiniões a respeito de obras literárias e sobre o estado de

coisas do Governo e da Corte, com destaque para temas como a venda de cargos, a frivolidade

generalizada que dominava a nação e a debilidade do monarca Felipe III.

A sensação ao acompanhar o percurso intelectual de Quevedo é de estar folheando um

léxico composto pelos maiores integrantes da história intelectual espanhola. O mundo intelectual

não apenas espanhol, mas também ibérico, quiçá com grandes incursões por terras italianas, era

neste período realmente composto por uma rede amplamente interligada de homens que não apenas

exercitavam-se ao labor de atividades culturais - teatro, literatura e filologia - e importa ressaltar,

enquanto dedicavam-se a estas atividades, pensavam respostas a nova configuração política que os

alvores do novo século traziam, o Estado Moderno em vias de concretização.

Concluiremos esta parte do estudo com a esperança de haver conseguido recolocar D.

Francisco de Quevedo ao lado dos homens que pensaram a sociedade e a prática política no século

XVII. Para tanto procuramos evidenciar a troca de idéias, correspondências e a leitura de

importantes obras da tratadística política seiscentista, feitas por Quevedo. Importa, pois,

obras podemos destacar: Tratado de la religión y virtudes que debe tener el principe cristiano para governar sus estado, Contra lo que Nicolas Maquiavelo e los politicos de estes tiempos enseñan (Madrid, 1595) obra esta que Quevedo conheceu, Tratado de la Tribulación (Madrid, 1589), a biografia de Inácio de Loyola e Historia Ecclesiastica del Scisma del Reyno de Inglaterra (Madrid, 1588). Ver: BLEIBERG, 1979, p. 142.

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compreender a Quevedo dentro destes novos termos, os quais possibilitam enveredar por um

caminho interpretativo que possa tornar mais palpável e inteligível a análise de suas obras. Portanto

nos afastaremos da imagem do poeta desiludido, construída pela crítica literária, para nos

defrontarmos com o intelectual que dedicou grande parte de seus esforços em fazer ouvir suas

elucubrações sobre questões crucias de seu tempo e que para a realização de tal tarefa mobilizou

seu labor tanto literário quanto prático.

1.4 Trajetória da Atuação Política:

Nosso objetivo é apresentar a trajetória política de D. Francisco de Quevedo y Villegas,

seu fugaz pertencimento e as atividades realizadas nos círculos da alta política castelhana. Esta

análise será de suma importância para este estudo, pois consideramos como passo primordial para

escrutinar o pensamento político de Quevedo seu envolvimento nas práticas de sua sociedade

nesta seara. Como sinalizou Miguel Marañón Ripoll:

El pensamiento de Quevedo, en esta materia, es oscilante según las circunstancias y su posición en el escalafón de su carrera política. En cada caso, el lector debe situarse en un período muy concreto: el secretario del Duque de Osuna que ha tomado parte activa en el régimen de Lerma ya no es el que se mueve con cautela entre los poderosos pocos años después de haber caído aquel.69

Importa entender o momento em que as obras que compõem nosso corpus foram

cunhadas. Este momento não é outro senão aquele posterior à volta de Quevedo da Itália, onde

desempenhou a função de secretário do Duque de Osuna, primeiramente na Sicília e

posteriormente em Nápoles. Também neste momento acontece a mudança do reinado de Felipe 69 RIPOLL, Miguel Marañón. La razón de Estado, el intelectual y el poder en un texto de Quevedo. Criticón. n. 93, p.39- 59, 2005.p. 49.

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III para o reinado de Felipe IV. Ocasião per si complexa e de redefinição dos grupos que estavam

no poder do governo espanhol.

1.4.1 Sicília

A dominação espanhola na Itália se havia imposto secularmente sobre Nápoles, Sicília,

Milão e Sardenha, em contraposição aos interesses da França, da República de Saboya, República

de Veneza e do Vaticano. Apesar da Itália ser um território de conflitos perenes entre estas

grandes potências, a possessão dos vice-reinados era uma aquisição que alardeava prestígio e

demonstração de poder para a fidalguia espanhola, e que, por isso mesmo, eram alvos de

constantes disputas. O vice-reinado de maior prestígio era o napolitano, seguido pelo siciliano e

pelas embaixadas em Veneza e no Vaticano.

Por terras italianas passaram grandes nomes da história espanhola, tanto homens ligados

ao labor literário como a outros ramos da cultura e também da tratadística política, sem que estas

atividades caracterizem-se como excludentes por princípio. Para mencionarmos apenas alguns

nomes, citamos: Garcilaso de la Vega, Miguel de Cervantes, Conde de Villamediana, Diego

Velázquez. Outro fato, que não pode deixar de ser mencionado, é ter sido a Itália um dos locais

onde ocorreu a formação do futuro Conde Duque de Olivares, Gaspar de Guzmán y Pimentel

(1589- 1645), filho do antigo Vice-Rei da Sicília e posteriormente de Nápoles.

No início de janeiro de 1610, firma-se a provisão nomeando o Duque de Osuna, Pedro

Telléz de Girón, Vice-Rei da Sicília. D. Francisco de Quevedo y Villegas e o Duque de Osuna já

eram conhecidos de longa data, desde os tempos em que ambos eram estudantes em Alcalá de

Henares. Osuna era alvo da admiração de Quevedo. Foi também Osuna o destinatário de algumas

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obras de Quevedo, não as obras políticas ou os estudos de filologia, mas alguns Sueños que talvez

encaixavam-se melhor ao gosto do nobre fidalgo. O duque era conhecido por sua impetuosidade e

belicosidade, promissoras, na visão de Quevedo, para a grandeza da Monarquia espanhola.

A nomeação do Duque de Osuna como Vice-Rei da Sicília pode ter como um de seus

fatores explicativos a ascensão da família dos Lerma; que havia obtido um posicionamento

bastante favorável no reinado de Felipe III, devido à posição de privado ocupada por D.

Francisco Gómez de Sandoval y Rojas, Duque de Lerma, e depois por seu filho, Cristóbal Gómez

de Sandoval y Rojas – Duque de Uceda, e as bem sucedidas campanhas militares desempenhadas

por Osuna em Flandres. A proximidade de Osuna com o clã dos Lermas, sendo assim com os

poderosos do governo naquele momento, é constatada pelo fato de que seu filho, o Marquês de

Peñafiel, estava prometido em casamento para a filha do Duque de Uceda e neta do Duque de

Lerma.

O governo de Duque de Osuna é comumente caracterizado pela ostentação pessoal do

poder, belicosidade e pelo excesso de auto estima do Duque; como ficou testemunhado em uma

carta do então Vice-Rei da Sicília a Felipe III, “más importa castigar un desacato que ganar un

reino”70. Osuna tentou influenciar o Conselho da Itália de forma tal que angariasse respaldo para

efetivação de suas resoluções concernentes à condução da política siciliana, o que significava,

com efeito, a adoção de uma política de mando, apoiada nas armas, que estivesse apta a impor

uma dominação sem contestações, firmada pela força e autoridade pessoal do governante.

Todavia, o Conselho da Itália seguia uma diretriz cujos principais pilares de sustentação

eram o caráter moderado de suas decisões e a prudência de suas atitudes. Evitando entrar em

conflito direto com as outras forças de pressões históricas, presentes na península italiana. Sendo

70 QUEVEDO, Francisco de. Epistolario. In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 1641 - 1956. p. 1678.

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assim, o Conselho não cedeu às pressões do Duque de Osuna que almejava uma atuação

governamental muito mais incisiva do que o Conselho poderia sancionar. A solução encontrada,

por Osuna para a evitar o conflito com as instâncias deliberativas de Madrid, foi a adoção de uma

política bifronte; conjugando então uma política militar opressora, na esfera siciliana, com a

prática de uma atuação diplomática, na esfera madrilena, que muitas vezes Quevedo foi o

responsável por contracenar.

Em 11 de maio 1613, chegava o correio de Milão na corte espanhola; nesta data

possivelmente Quevedo tomaria conhecimento que o Duque de Osuna solicitava sua presença na

Sicília, para lhe prestar auxílio71, após haver entrado em tumultuosos conflitos com o Parlamento

de Mesina. Jauralde opina desta maneira sobre a convocação de Quevedo por Osuna:

Quizá como resultado de aquella necesaria relación tortuosa com el gobierno de Madrid, el Duque pensó que necessitaba de agentes adecuados que se movieran con facilidad en los entresijos de la burocracia palaciega, que conocieran a quién y cómo acudir en cada momento, y que estuvieran dispuestos a cruzar el Mediterráneo.72

Aparentemente poderíamos levantar a hipótese de que D. Francisco de Quevedo, que já

havia alcançado fama de poeta engenhoso nos meios cortesãos, tenha sido chamado pelo Duque

de Osuna para adornar o panorama cultural siciliano, em uma tentativa de emular o que havia

sido feito em Nápoles pelo Conde de Lemos. Todavia, os eixos históricos irão trazer à baila uma

versão muito diversa desta hipótese. Os registros, legados futuramente pela obra de Francisco de

Quevedo, demonstram que foi neste período que ele envolveu-se em profundidade no turbilhão

da política européia. Isto fica comprovado pela riqueza e profundidade dos conhecimentos

históricos registrados em sua obra.

71 Mais uma vez, estamos fazendo usos das preciosas e cuidadosamente selecionadas informações presentes na biografia de Quevedo, feita por Pablo Jauralde Pou que é uma das maiores autoridades atuais a ser consultada sobre a vida e obra de D. Francisco de Quevedo y Villegas. 72 JAURALDE, 1998, p. 303.

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Necessário se fez ao nosso fidalgo, Quevedo, adaptar-se rapidamente a postura política73

de seu protetor, o Duque de Osuna. D. Francisco, desde sua chegada na Sicília, expressou uma

visão acurada da situação política européia, manifestando, precocemente, preocupações relativas

às Repúblicas de Sabóia e Veneza. Durante os primeiros anos, de 1613 a 1615, suas funções junto

ao governo não parecem ter ficado claramente definidas, porquanto o início efetivo de suas

atividades diplomáticas data do período posterior aos citados anos.

Em março de 1615, o Duque de Osuna pede licença para voltar a Madrid, viagem que não

chegaria a acontecer, após haver terminado seu triênio como Vice-Rei da Sicília. Nesta época,

pode-se perceber sua intenção de ocupar o vice-reinado de Nápoles. Para alcançar sucesso nesta

nova campanha, as principais manobras serão os subornos e as ligações com os poderosos

estabelecidos na corte e Quevedo será um dos principais artífices deste processo. O plano de

Osuna era muito simples, pois consistia em subornar todas as pessoas das quais dependesse,

direta ou indiretamente, a sua nomeação como Vice-Rei de Nápoles. Incluindo aqueles com quem

já podia contar com o apoio como o Duque de Uceda e o Padre Aliaga.

Quevedo viaja à corte para atuar na empreitada, do Duque, de alcançar o cobiçado vice-

reinado de Nápoles. Empreitada esta que seria alvo de uma disputa muito acirrada. O outro

pretendente, ao cargo de Vice-Rei em Nápoles, era Francisco de Castro, embaixador espanhol em

Roma, entretanto foi quem Osuna conquistou o vice-reinado. A partir de maio de 1615, há

indícios, como os presentes no Memorial de Chumacero, de que seria o Duque de Osuna o novo

73 A necessidade de Quevedo em adaptar-se a visão e a prática política do Duque de Osuna, é um elemento de peso para a análise de sua trajetória, pois o Duque claramente lançava mão de recursos, em sua relação com o Conselho da Itália em Madrid e relativos ao governo de seu vice-reinado, que certamente não estavam de acordo com as considerações sobre o Estado e a prática política, feitas anteriormente por Quevedo em seus escritos. Passado este período em que D. Francisco esteve em Itália, prestando serviços ao Duque de Osuna, é perceptível uma mudança em suas considerações sobre a política. Voltaremos a discutir este assunto em um momento posterior, após ter ficado claro quais foram as ações empreendidas por Quevedo, incluem-se entre elas subornos, enquanto este estava a mando de Osuna, para a partir daí refletir com mais propriedade sobre como esta experiência repercutiu na obra do fidalgo.

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Vice-Rei de Nápoles, contando com o apoio do Duque de Uceda e do confessor real o Padre

Aliaga.

A posse do Duque de Osuna e sua nomeação oficial demoram a acontecer, pois, o Duque

enfermo não podia viajar para Nápoles. Provocando sérios transtornos relativos a posse interina

de Francisco de Castro, o antigo pretendente do ofício.

Neste ínterim, Francisco de Quevedo regressará à Madrid, em 1615, agora na condição

oficial de emissário político do Duque de Osuna, homem de confiança em suas relações com

Madrid e representante dos assuntos do Vice-Rei na corte, substituindo o antigo homem de

confiança do Duque na corte madrilena, Sebastián de Aguirre. Já que Aguirre teria causado

decepções a seu representado pela falta de iniciativa e por sua atuação, pouco convincente no

xadrez cortesão que caracterizava a atividade política. Quevedo viaja, também, como

representante do parlamento siciliano que o havia nomeado como embaixador, em agosto de

1615.

A correspondência, entre Quevedo e o Duque de Osuna, durante este período, é bastante

elucidativa, possibilitando entrever a forma como o Duque conduzia seus negócios. Em outras

palavras, tal correspondência permite entender o funcionamento da atividade política e quais

eram as funções de Quevedo enquanto homem de confiança de um poderoso nobre castelhano.

Osuna mantém Quevedo constantemente informados sobre seus programas políticos e militares, a

par das diretrizes que deveriam nortear as manobras cortesãs.

A senda representada por subornos e caracterizada pela corrupção, é o caminho escolhido

para que senhor e secretário logrem o sucesso de seus planos. Através deste percurso,

vislumbramos uma das formas da realização da atividade política em uma das mais poderosas

Monarquias dos seiscentos na Europa. A correspondência entre Quevedo e Osuna, fonte preciosa

para os futuros pesquisadores, mas motivo de vindouros transtornos para seus protagonistas, seria

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um dos indícios utilizados no pleito posterior que correria contra Osuna e Quevedo. Processo que

ficou registrado no Memorial del pleyto que el senõr don Juan de Chumacero y Sotomayor,

Fiscal del Consejo de las Ordenes y de la Junta, trata com el Duque de Uzeda74. Vejamos o

seguinte trecho de uma carta de Quevedo para Osuna:

Yo recebí la letra de los trienta mil ducados de once reales, y la hice acetar luego, y, como al descuido, he hecho sabidores de la dicha letra a todos los que entienden desta manera escrebir. Andase tras mí media corte, y no hay hombre que no me haga mil ofrecimientos en el servicio de Vuestra Excelencia, que aquí lós más hombres se han vuelto putas, que no las alcanza quien no da. Es cosa maravilhosa! Para los portilheros ha sido un ‘attolite portas’; para los oídos, un encanto; para los ojos, un hechizo; y para mí, un temblor notable. Y aseguro a Vuecelencia que, en lugar de alargarme, me he arrugado con el dicho dinero: hágoles gestos de dádiva; hablo palavras con barriga, preñadas, y sospecho que, si Vuestra Excelencia me envío trienta mil, le he de volver trienta mil y tantos. Va de piojo, y de Vuestra Excelencia empiece a rascarse, que yo empiezo a comer. Señor, ségun yo veo, adelante ha de haber tiempo de untar estos carros para que no rechinen, que ahora están más untados que unas brujas. La patente está ya despachada...75

A correspondência se encerra com o detalhamento dos subornos e com a apresentação dos

personagens envolvidos. Entre os subornados encontramos os nomes de: Andrés Velázquez,

Rodrigo Calderón, Jerónimo de Villanueva, Padre Aliaga e Duque de Uceda.

Neste momento, encontramos D. Francisco de Quevedo y Villegas em um dos picos de

sua carreira política. Gozava de grande reputação e autoridade, resultado do apoio fornecido pelo

Duque de Osuna e das alianças com o Duque de Uceda e o Padre Aliaga, que vão despontar como

figuras chave na Monarquia de Felipe III. Aproveitando-se do momento oportuno, Quevedo irá

tentar continuar a ascender socialmente no escalão nobiliárquico, para tanto solicitará ao

74 Cf. JAURALDE, 1998. 75 QUEVEDO. Francisco de. Epistolario. In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 1641 - 1956. p. 1659.

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Conselho de Estado uma pensão e um hábito76 em uma das três ordens militares mais importantes

da Espanha, como recompensa pelos serviços que estava prestando. Daremos prosseguimento à

análise de sua trajetória política observando o ocorrido durante o período napolitano.

1.4.2 Nápoles

O Duque de Osuna, possivelmente, chegou à Nápoles para tomar posse efetiva de seu vice

-reinado no final de setembro de 1616. Seguido, logo após, por D. Francisco de Quevedo y

Villegas. O período napolitano marcará uma nova fase para Quevedo, que começará a se

comprometer muito mais com a representação dos assuntos napolitanos na corte madrilena, do

que com o envolvimento nas situações internas do vice-reinado, tanto nas questões culturais

como políticas. Assim seu principal biografo se manifesta sobre atuação de Quevedo em

Nápoles:

Quevedo formaba parte, pues, de la camarilla privada del Duque de Osuna, sin ningún tipo de cargo o nombramiento oficial. Le acompaña en audiencias, actos publicos, paseos, gestiones, etc. Pero su papel real va muchos más lejos. Son inumerables las vezes que el Duque señala a sus lejanos corresponsales que ‘sabrá todo’ por don Francisco de Quevedo, ‘que está bien enterado’, ‘que le contará cuanto se ofrezca’, ‘materia es de importancia, y de que va bien informado don Francisco de Quevedo, para dar cuenta de todo a vuestra Majestad’ etc. De modo que el escritor resulta ser la persona de confianza del Duque y a quien se le encomiendan las tareas más delicadas, aquellas que el Virrey no puede realizar personalmente, pero que exigen un conocimento profundo y detalhado del Virrereinato. Nada de extraño que, a poco, sea el destinatario de solicitudes y arbitrios públicos, en donde se refrenda esa condición de confidente y consejero del Virrey.77

A atuação política do Duque de Osuna em Nápoles será bastante diferenciada daquela

levada a cabo na Sicília. Em Nápoles, podemos perceber um acréscimo na ambição e 76 Felipe III concedeu a D. Francisco de Quevedo y Villegas, o hábito de Cavalheiro da Ordem de Santiago, em 29 de dezembro de 1617. Ver: JAURALDE, 1998, p.372. 77 Ibidem, p. 343.

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agressividade das decisões governamentais, principalmente naquelas relacionadas às intervenções

que seriam realizadas no mar Adriático. Enquanto Vice-Rei de Nápoles, a principal possessão

espanhola em território italiano – contando com o apoio do Duque de Uceda que, cada vez mais,

angariava influência no reinado de Felipe III – o Duque poderia almejar a concretização de suas

ambições frente aos principais rivais da Monarquia Espanhola na Itália. Eram eles o Duque de

Sabóia, a República de Veneza e os interesses franceses. Na obra Lince de Itália enviada ao rei

Felipe IV em 1628, Quevedo repensa os eventos ocorridos na Itália. Então apresenta o Duque de

Sabóia, Carlos Emmanuel, como um agente responsável pela indução de guerras e conflitos. Na

concepção de Quevedo, o Duque de Sabóia estaria se aproveitando da morte de Henrique IV

como um pretexto para invadir o Monteferrato em 1613, hostilizando abertamente o Duque de

Mantua, aliado da Coroa espanhola. Vejamos o depoimento do autor:

[...] por las pretensiones litigiosas que tiene al Monteferrato; mas el contagio vino de Venecia, disfrazado en consejo, y que siguiendo los dicterios de Maquiavelo, pretendía edificarse libertador de Italia. [...] estos pensamientos de libertador de Italia tan deliquentes como desvariados, han gozado aplauso de Italia, y assintencia...78

O período napolitano coincidiria com o ápice das atuações políticas e diplomáticas de D.

Francisco de Quevedo. São representativas desta fase, principalmente três missões que lhe serão

incumbidas: viajar a Roma para ter uma audiência com o Papa, na categoria de emissário do

Vice-Rei de Nápoles, provavelmente para discutir questões pertinentes a República de Veneza;

levar a Madrid a contribuição do parlamento napolitano e, ainda, em Madrid protagonizar uma

audiência com Felipe III para tratar assuntos relativos à política italiana.

Quevedo deveria cumprir outra tarefa em Madrid que contrastava com as missões acima

descritas. Organizar, incluindo os mínimos detalhes, as bodas do Marquês de Peñafiel, filho do

78 QUEVEDO, Francisco de, apud, JAURALDE, 1998, p.304.

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Duque de Osuna, com a neta do Duque de Lerma. Esta incumbência demonstra como encontram-

se ainda profundamente associadas no mundo cortesão, as questões de foro íntimo e privado,

pois, o mesmo secretário que é responsabilizado pela representação dos interesses de Osuna nos

mais altos escalões responsáveis pela decisões de governo, também deve preparar o casamento de

seu filho. Podemos supor, portanto, que, nesta sociedade, eventos como bodas matrimonias, por

vezes mascaram outros interesses e questões pertencentes a distintas esferas79.

Retomando as questões relativas à política implementada por Osuna em Nápoles, é latente

neste momento a expansão da atividade bélica, concretizada pela manobra de invadir o Mar

Adriático, o que significou uma ofensiva à República de Veneza, com intenções claras de

ameaçar um de seus principais aliados, o Duque de Sabóia, e, assim, reafirmar o poderio espanhol

no território italiano. É significativo que dediquemos algumas linhas a este episódio, porque a

partir dele irão girar alguns dos acontecimentos mais importantes da atividade política de

Quevedo, tanto que as audiências com o Papa e com Felipe III decorrem desta intenção e também

de um dos incidentes mais controversos de sua biografia: sua participação na Conjura de

Veneza80.

O Duque de Osuna não contará, em momento algum, com o apoio do Conselho de Estado

para permitir a entrada dos galeões espanhóis no Adriático. Em termos práticos, porém, a

ausência de consentimento do Conselho não impediu que a ofensiva fosse levada a seus termos.

79 Cf. CURTO, 1988 80 “En Venecia, las fiestas rituales de la Ascención, en el año de 1618, se preveían menos alegres que las de los otros años . Los recientes desastres navales y la presión del Duque de Osuna sobre el espacio comercial y vital de la República habían ensombrecido el panorama. La mañana del 18 de mayo, unos días antes de la bella ceremonia en la que los venecianos salían en comitiva marinera para arrojar un annilo de boda al mar, aparecieron ahorcados dos extranjeros en la Plaza de San Marcos; este horrendo espectáculo se redrodujo en mayor número el día 26, sin que hubiera noticias fidedignas sobre las causas de estas ejecuciones brutales, lo qual permitió que se extendiera la creencia de que se había conseguido abortar una conjuración para destruir la República. Naturalmente los instigadores de esa conjura eran los causantes de los recientes deasastres: el Duque de Osuna, el Marqués de Bedmar (embajador de España en Venecia) y sus sicarios, particularmente el hombre más allegado de al Virrey de Nápoles: Francisco de Quevedo.” Assim Jauralde descreve como a Conjura teria sido interpretada pelos vienenses daquela configuração, motivo causador de futuros transtornos a Osuna e Quevedo.

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Com a finalidade de lograr a realização da ofensiva, o Duque valeu-se do lento andamento das

notícias que fazia com que as ordens vindas de Madrid demorassem a chegar em suas mãos.

Osuna argumentaria que a tomada de decisão relativa àquela empreitada demandava urgência não

compatível com os eixos decisórios, empreendidos pela burocracia palaciana.

Estas e outras escaramuças vão, paulatinamente, arrastando o governo de Madrid a uma

inevitável situação de confronto que não condizia com a política pacifista, um dos imperativos do

governo de Felipe III. Aqui registramos um interessante depoimento do Duque de Osuna, em

uma correspondência dirigida a D. Francisco de Quevedo, emblemático por descrever a imagem

que o Duque trazia de si e sua temporalidade:

[...] Vuelva vuestra merced agora los ojos al que me siguiese en este cargo y cuán abalado sería de prudente y cuerdo de todos los que atribuyen a inqueitud mía la reputación del Rey y mi nación. Yo no he tenido la culpa, que pudiera Dios haberme hecho nacer cien años antes, o guardao para estos tiempos los hombres que tuvo e aquellos; [...] Bien pienso que se irán enredando más cada día todas las invenciones que hoy reínan; y asegúrese vuestra merced que lo dejaré, pues trabajar y servir sin otro fin más que el deseo de acertar y perder mi vida, mi quietud y mi hacienda, con odio general de los que no harán nada de esto en servicio de mi Rey, es necia cosa; y que a mis espaldas hablen los que en mi presencia no sé en qué puedan fundar sus intenciones. No quiero que vuestra merced gane por mí enemigos, aunque sé que lo sabrá hacer, sino que con mucha dulzura represente a su Majestad que, si le embarazo para su servicio, las mercedes que me ha hecho me sobran, y en mi casa estaré contentísimo, sabiendo que es imposible si mis acciones llegan a sus oídos y ha leído en mis cartas, que deje de tenerme por buen vasallo y por hombre que le quiero bien y le tengo amor, no solo por mí Rey, sino por el estado en que hoy le veo, tan necesitado de ministros que por su reputación y grandezas se desnuden de todos los fines del mundo.81

Osuna constrói para si mesmo a imagem de um vassalo fiel e desinteressado, cujo único

propósito é servir a seu Rei e sua nação. Sente-se deslocado em um mundo que não valoriza seus

feitos. Sabe que o estão difamando na corte, sabe que tem inimigos. Possui ainda os valores

bélicos de um nobre fidalgo. Vassalo fiel que, entretanto, utiliza como armas fundamentais 81 QUEVEDO, Francisco de. Epistolario. In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 1641- 1956. p. 1690.

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subornos e trapaças. Gostaria de voltar a ver a Espanha guerreira, triunfando sobre seus

adversários. Fundamentalmente acredita que é um bom servidor de seu Rei, ao passo que outros

servidores estão menosprezando sua tarefa e conseqüentemente seu Rei, em nome de suas

próprias reputações e grandezas.

D. Francisco segue como o representante dos assuntos napolitanos, tanto pelo parlamento

napolitano como pelo Vice-Rei. Ele irá registrar todos os eventos transcorridos nesta época,

quando futuramente redigirá um memorial a Felipe IV, intitulado Lince de Itália. Neste

memorial, sua pena estará a serviço da defesa das acusações que lhe foram imputadas; assim

como das acusações feitas a seu protetor, o Duque de Osuna.

As implicações da Conjura de Veneza prejudicaram a reputação do Duque em Madrid e

também de Quevedo tornando cada vez mais complexas suas situações, apesar de nunca terem

sido comprovadas as participações de Osuna ou Quevedo naquele evento. Por estas datas também

a própria configuração da política na corte vai tomando outros contornos, a partir da queda

decisiva e oficial do Duque de Lerma, em 14 de outubro de 1618, e do desterro do Conde de

Lemos para a Galicia.

A relação de Quevedo com Osuna também será afetada por estes acontecimentos. Fator

responsável por uma tentativa do Duque de procurar uma alternativa para a resolução de seus

negócios na corte sem que fosse necessário lançar mão dos serviços de D. Francisco, que estava

com a reputação prejudicada pelo incidente em Veneza. O estremecimento desta relação acabaria

por favorecer Quevedo, pois ocorreu em um período propício. Momento em que definitivamente

os eixos palacianos encontravam-se bastante convulsionados pelo início da reorganização dos

grupos que se encontravam no poder, tendo como resultado final a ascensão de Felipe IV.

Jauralde evidencia este processo:

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Esto a la larga iba a ser sumamente beneficioso para Quevedo, ni tan comprometido con la causa del Duque y de la política anterior, ni tan apregado a la persona del Duque o del privado, el de Uceda, de modo que pude moverse con cierto desparpajo ante quines, en definitiva, habían prescindido de sus servicios. Notesé, además, la sutilidad que a nosotros hoy nos escapa: Quevedo quedó adscrito al viejo privado, al Duque de Lerma, y él mismo se encargará de subrayar que se llevó mal con el de Uceda y con D. Rodrigo Calderón, que es con quienes choca y quienes le hacen perder el favor del Duque de Osuna. Ello explica la actitud posterior de Quevedo, que es reverencial hacia el de Lerma y el de Osuna, pero que va contra el de Uceda y la camarilla cortesana de los años finales.82

Em meados de 1619, Quevedo já se encontrava em Madrid para depois partir junto com a

comitiva real para Lisboa. Corria na corte a notícia da detenção de D. Rodrigo Calderón. O

Monarca teria viajado a Portugal com o propósito de reunir as Cortes e jurar o príncipe Felipe seu

herdeiro. Na viagem de volta à Espanha, a enfermidade do monarca já se fazia valer. O Duque de

Osuna, enquanto isso, vivenciava o período final de sua aventura italiana e regressaria à corte em

outubro de 1620, quando ocorre seu reencontro com Francisco de Quevedo. O reencontro seria

causa de grande rebuliço na corte e acabou sendo a pedra de toque da prisão perpetrada contra o

escritor que o conduziu ao desterro em sua propriedade na Torre de San Juan Abad. Quevedo

registrou, em Grandes Anales, sua versão da história:

Estando yo preso en la Torre de Juan Abad, después de haberlo estado en Uclés por orden del rey que está en le cielo, ganada a instancia del presidente Acevedo, me llamaron los señores de la junta. El achaque con que dió el presidente color a mi prisión fué que en mi casa estaba el Duque de Osuna a todas horas y que yo le asistía a los gastos y fiestas con lisonja: dando a entender que mi parecer tenía la tender que mi parecer tenía la culpa de todo lo que le mormuraban.83

Começa então o período que marca a transição dos monarcas, Felipe III para Felipe IV,

que foi uma época de grande atividade literária para D. Francisco de Quevedo. Depois de

82 JAURALDE, 1998, p. 390. 83 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p. 576.

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terminada a primeira parte do Politica de Dios, inicia o Sueño de la Muerte; a seguir envia a

Carta al Rey Católico em 24 de abril de 1621, nesta data Quevedo afirma estar escrevendo

Mundo caduco y desvarios de la edad, e em 16 de maio de 1621 termina o Grandes Annales de

Quince Dias, obra dedicada a fazer uma crônica do dias que compreenderam a mudança de

reinado dos monarcas.

Todas estas obras, escritas por Quevedo neste período que corresponde os anos de 1619 a

1621, denotam uma preocupação do escritor com questões de origem ética e política. Assim

como com a historiografia política, temática com a qual ele trabalhou em Grandes Annales de

Quince Dias. Cabe ressaltar que todos estes escritos foram realizados no período em que D.

Francisco de Quevedo estava desterrado da corte, em seu senhorio La Torre de Juan Abad,

pequena vila interligada a Villanueva de los Infantes (Ciudad Real), ao sul de La Mancha.

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2 Segundo Capítulo

[...] es la materia de Estado un profundísimo mar, en que ni hay arte que la comprenda ni ciencia que la enseñe” [Alvia de castro, 1616]

Como pressuposto inicial para efetivar a análise da tratadística política ibérica seiscentista

abordamos às questões relativas ao funcionamento do Estado Moderno e às técnicas

desenvolvidas para refletir sobre esta nova entidade, que progressivamente mudam o espectro

analítico a partir do qual se desenvolviam os discursos políticos. Neste contexto, cabe refletir

sobre aparato conceitual elaborado para pensar as entidades políticas modernas, entram então em

jogo dois conceitos chave: Razão de Estado e prudência. Faz-se devida à importância de uma

sentença formulada por José Antonio Maravall: “No hay manera de entender el hombre de la

modernidad, sin entender el Estado ...”84.

2.1 Empirismo e Pragmatismo no Pensamento Político Espanhol

O tratamento das questões políticas, realizado pelos tratadistas espanhóis no século XVII,

reflete um conjunto de mudanças cujas raízes remontam a um longo processo de transformações

que vinham ocorrendo mais aceleradamente a partir do início do século XVI e durante seu

transcorrer. No propósito de analisar algumas das questões essenciais que permearam os tratados

de política dos seiscentos, deve-se atentar para uma temática fundamental identificada no

crescente valor consagrado à empiria e ao pragmatismo como características associadas às artes

de governar. Compreender a profundidade com a qual esta temática atingiu as discussões 84 MARAVALL, José Antonio. Estado Moderno y Mentalidad Social (siglos XV- XVII). Madrid: Alianza Editorial, 1986. p. 13.

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políticas espanholas, desde finais do XVI até meados do XVII, significa conceder a devida

importância a alguns dados fundamentais que fomentaram a gênese deste novo olhar atribuído às

práticas políticas.

Entre estes dados fundamentais que orientam a nova concepção política, pode-se destacar

o debate gerado em torno da concepção da política como uma ciência e a necessidade de conciliar

as demandas do Estado Moderno com os fundamentos éticos e morais. Tarefas árduas que

tiveram como desdobramento o embate realizado contra as doutrinas maquiavélicas, em terras

espanholas.

Tendo sido a entidade Estado85 e as necessidades conclamadas para seu desenvolvimento

e construção, o vórtice das novas formas de conceber a política dos tratadistas seiscentistas; cabe

entender o significado desta expressão e sua evolução histórica. Norberto Bobbio afirma estar

fora de discussão a afirmação de que o uso do termo Estado tenha se fixado a partir da difusão e

do prestígio obtido pelo Príncipe de Maquiavel86. O amplo significado atribuído ao termo Estado

para designar uma situação, transformou-se em uma definição específica: “condição de posse

permanente e exclusiva de um território e de comando sobre os respectivos habitantes”.87

A nova definição que irá corresponder à utilização do termo Estado, no entanto, não

denota apenas uma mudança de origem lexical, mas antes o emprego de um novo termo para

designar uma realidade nova. Não é por acaso que o novo uso do termo Estado principia com o

surgimento da época moderna, pois é nesta época que começa a se deslindar uma nova forma de

85 O debate suscitado pela emergência do Estado Moderno e sua evolução histórica gerou uma enormidade de estudos provenientes de diversas áreas de saber: história, sociologia, ciência política e filosofia política. Nos afastaria de nosso objetivo reproduzir esta extensa discussão, portanto optamos pela escolha de apenas um pesquisador, Norberto Bobbio, para realizar uma sintética exposição sobre o tema. 86 Cf. BOBBIO, Norberto, Estado. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1989. p. 215-275. 87 Ibidem, p. 225.

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organização social que já não pode ser definida por termos anteriores como civita, polis, res

publica e regnum88. Bobbio define com precisão:

Na verdade, é opinião corrente entre e defendida com autoridade por historiadores, juristas e autores políticos, que com Maquiavel não apenas começa o destino de uma nova palavra, mas também a reflexão sobre uma nova realidade, desconhecida para os autores antigos e da qual a nova palavra é uma pista, pelo que seria oportuno falar de ‘Estado’ unicamente para as formações políticas que nascem da crise da sociedade medieval e não para os ordenamentos anteriores 89

Vários pressupostos, que variam de acordo com as análises dos teóricos que se

debruçaram sobre o tema, são utilizados para definir os elementos responsáveis pela

caracterização do Estado Moderno. Os mais importantes, porém, foram definidos pela concepção

weberiana e são identificados pela presença de uma aparelhagem administrativa e pelo

monopólio do uso da violência como instrumento coercitivo do Estado.

O Estado, nascido como uma entidade própria da configuração social específica da Idade

Moderna, seria definido pela concentração do poder de domínio em um determinado território.

Como conseqüência para a conservação deste poder de comando, gerou-se a necessidade da

monopolização de certos elementos prioritários para efetivar a manutenção da ordem interna e

externa. Estes elementos correspondem à implementação de leis, à reelaboração da cobrança

fiscal e à fundamentação de forças coercitivas, sejam estes advindos do uso da violência física ou

simbólica90.

A esta nova concepção do poder político devem ser anexadas as transformações que

estavam ocorrendo nos âmbitos econômicos e sociais, como um procedimento necessário para a

compreensão desta nova entidade estatal em formação. Maravall define então a Monarquia

Castelhana como um estado burocrático, apoiado em uma economia mercantil e com uma 88 Termos estes que não deixam de ser utilizados nos tratados, porém já não mais correspondendo a suas definições inicias. 89 BOBBIO, 1989, p. 225. 90 Ver: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand, 1989.

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produção cultural fartamente influenciada pelos meios citadinos91. Após a unificação levada a

cabo pelos reis católicos, Castela iria se converter no centro político e administrativo da nova

política imperial; levando a Monarquia castelhana a ocupar um lugar de singularidade no cenário

político europeu. O Estado aparece, então, como decorrência das alterações que estão vinculadas

a uma economia em vias de transformação, aos indivíduos desta sociedade e ao poder de

comando nela instituído.

Definida a noção de Estado e sua vinculação estreita com as mudanças de ordem social e

econômica que estão em sua base, passemos para a análise das práticas que iriam regulamentar o

funcionamento deste corpo político. As práticas do exercício político vão lentamente mudando de

acordo com as exigências do Estado Moderno, ao longo do século XVI e durante o século XVII,

mais concretamente. Assim, pode-se perceber a influência de novos fatores sociais, econômicos e

culturais que iriam repercutir no discurso político seiscentista.

Novas preocupações vão orientar as necessidades governamentais da Monarquia

Castelhana; estas dizem respeito ao fortalecimento dos meios fiscais e ao aumento das formas de

controle social, visando combater as oposições políticas e as rebeliões que marcam todo o

período de governo dos Áustrias. Estas contestações podem ser percebidas através da enormidade

de sátiras, libelos e tratados que pulularam através de formas de circulação manuscritas e

impressas92. A concepção de uma sociedade baseada no ideal imperial e de uma sociedade

católica universal – como havia sido projetada pelos humanistas espanhóis – vai cedendo espaço

a uma contestação que advém da admissão de algumas práticas políticas já associadas a novos

imperativos de ordem pragmática.

91 Vide MARAVALL, 1986. 92 Sobre a difusão de materiais manuscritos e impressos que fizeram oposição a Monarquia dos Áustrias, ver: BOUZA, Fernando, Corre Manuscrito; Una Historia cultural del Siglo de Oro. Madrid: Marcial Pons, 2001.

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A adoção de práticas políticas coerentes com os imperativos suscitados pelas demandas

da formação e estabelecimento de uma estrutura política como o Estado Moderno encontra sua

contrapartida no discurso político. Partiremos da concepção de que se as idéias não correspondem

exatamente à realidade institucional do poder, tampouco será desprezível conhecê-las para obter

o entendimento efetivo do fenômeno político.

Neste momento, é pertinente discutir a separação das noções de “Governo” e “Estado”.

Michel Senellart afirma, em seu livro As Artes de Governar93, que é no século XVII que começa

a se aprofundar a distinção entre “governo” e “Estado”. Para as grandes monarquias

administrativas do período, entre elas a Monarquia Castelhana, ocorre uma instrumentalização do

governo. O governo não mais concentra a razão de existência do poder político; nem a sua forma

de manifestação, tornando-se uma função deste poder.

Ocorre daí uma redefinição das funções governamentais que não mais irão operar em

função do bem comum ou do interesse do príncipe, mas, sim, buscarão basicamente suprir as

necessidades do Estado. Fica claro, todavia, que esta passagem não se dá de maneira imediata,

criando discursos impregnados por várias matrizes teóricas de justificação do poder político e de

ordenamento do corpo social de origens diversas e, que por muitas vezes, se encontram

amalgamadas. Como explicitou Senellart:

Contrariamente ao esquema historiográfico convencional que opõe a nova racionalidade estatal dos séculos XVI e XVII à ideologia medieval do bonum commune, a arte de governar não foi substituída de um só golpe pela ciência do Estado, mas transformou-se gradualmente para infiltrar-se em sua armação, nela introduzindo, sob uma linguagem moderna, sedimentos discursivos às vezes muito antigos94

Na perspectiva dos tratadistas espanhóis do século XVII, a máquina do Estado é um sábio

artifício95 cuja direção requer um conhecimento específico. O governo das coisas humanas teria

93 SENELLART, Michel. As Artes de Governar. São Paulo: Editora 34. 2006 94 Ibidem, p.12 95 Cf. MARAVALL, 1984.

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como base fundamental a natureza, e as coisas naturais são regidas pela razão; doutrina

essencialmente estóica que associa natureza e razão em um universo perfeitamente ordenado.

Desta postura frente ao ordenamento social provém a valorização da razão, que no século XVII

abrirá as portas para a secularização, cada vez maior, dos assuntos políticos. O homem deste

século encontrava-se diante de um mundo que deveria ser lido e decifrado através da razão e da

ciência.

Múltiplas são as considerações sobre o significado e a natureza do saber político. É a

política uma ciência, uma arte, ou uma técnica que permite a aplicação dos exemplos

proporcionados pela história? Perguntavam- se os tratadistas dos seiscentos na Espanha.

José Antonio Maravall interpreta como questão prioritária, para a compreensão da

renovação alcançada pelo pensamento político do século XVII, a temática da política constituir

uma ciência. Assim afirma o autor: “La constituición de un sistema mecanicista de la ciencia

política es empresa general por entonces de Europa.”96 A partir desta pretensão científica do

discurso político, que gerou respostas diversas para tão capital problema, observa-se a

valorização da experiência como pressuposto fundamental do saber político; quer se estivesse

falando dos príncipes, ministros e conselheiros, quer se estivesse tentando formular regras e

princípios que norteassem a ação política.

Elena Cantarino97 assegura que a consideração da política como um saber advindo da

experiência e do conhecimento da história, assim como as problemáticas motivadas por tal

concepção, devem muito à recepção de Tácito e à compreensão feitas de sua obra na Espanha. A

autora sublinha que o terreno para o desenvolvimento de tal concepção, mostrava-se bastante

propício de acordo com o período, identificado com a segunda Contra Reforma – classificação

96 Ibidem. p.17. 97 CANTARINO, Elena. Política e historia: soluciones casuistas para tiempos de moral equívoca. In: XIIè Congrés Valencià de Filosofia. Valencia: Arts Gràfiques Soler, S. A, 1998.

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atribuída por Tierno Galván – de caráter mais efetivamente político e que religioso. Neste

contexto, a citada concepção da política poderia oferecer uma saída para a questão da relação

com os pressupostos éticos e morais, alargando as possibilidades de uma maior autonomia para as

ações políticas.

Um último elemento, que contribuiria para a aceitação da história como um pressuposto

do saber político, seria o fato do conceito de experiência já ter sido discutido em outras matérias

ou disciplinas, especialmente pela Medicina. Este fato já havia sido destacado por Maravall e

Tierno Galván. Estabeleceu-se uma conexão imediata entre o desenvolvimento do método

experimental formulado pela Medicina e o conceito de experiência aplicado futuramente na

polêmica em torno da natureza do fenômeno político. A filosofia grega já havia estabelecido um

paralelo entre o saber médico e o saber político. Todavia, nos séculos XVI e XVII, esta relação

possibilitaria a introdução do método indutivo e experimental na história e na política.

A aplicação do conceito de experiência, no âmbito da reflexão política no século XVII,

iria suscitar uma ampla gama de propostas relativas à teoria e à prática política. Basicamente, as

considerações sobre a experiência possuíam duas distinções: uma baseada no sentido tradicional

que estaria relacionada à experiência acumulada através da trajetória particular de um

determinado indivíduo, como por exemplo, o governante que acumula conhecimento político

prático, e outra designaria um sentido moderno, constituindo um princípio que significava atentar

para a experiência. A primeira distinção designa a compreensão da experiência como uma atitude

moral, uma experiência de primeira ordem. A segunda assinala uma atitude intelectual

correspondente a uma postura frente ao conhecimento; uma experiência de segunda ordem que

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em matéria política poderia ser definida como um corpus sistemático de saber, produto do

acumúlo das experiências individuais dos governantes ao longo da História98.

A valorização da experiência traz como conseqüência o farto uso de exemplos no discurso

político seiscentista, que, por sua vez, concede espaço à utilização da história; entendida como

um depositório de experiências e eventos pregressos dos quais o estadista deve se servir, dentro

da perspectiva de experiência de segunda ordem. Posições ambíguas podem ser identificadas em

relação à importância dos fatos narrados pelos historiadores. Existiam alguns tratadistas que

afirmavam que, a partir dos exemplos, não se pode formular regras; desta forma o governante, em

primeira instância, deveria possuir experiência própria que lhe proporcionaria, então, uma

sagacidade política e deveria também acumular conhecimento sobre o corpus da história; estes

dois fatores combinados assegurariam que ele adquirisse a virtude da prudência política. Entre

estes tratadistas estão: Pedro de Ribadeneyra, Juan de Mariana, Álamos de Barrientos, entre

outros.

Contudo, outros tratadistas entendiam que a história continha o registro de soluções para

serem empregadas em casos concretos, portanto caberia ao político simplesmente recolher do

caudal oferecido pela história a melhor solução para seus problemas. Esta forma de entender o

conhecimento histórico poderia ser definida como um casuísmo histórico ou político. Exemplo de

adoção deste modelo interpretativo foi o escritor Pedro Mexia99e Fuertes y Biota. Não obstante, a

história apareceu essencialmente associada ao pensamento político dos seiscentos.

98 Cf. MARAVALL, 1984. 99 É de Pedro Mexía a seguinte apreciação sobre a história: “las otras artes y ciencias cada uma muestra un blanco y fin a que se encamina; la historia todo lo comprende y es prática y exemplo de los efectos de las otras letras, pero muchas veces han recurrido los hombres a ellas con codicia e interés, y por alcanzar bienes y dignidades; solamente la Historia por sí sola se sigue, no se pretende otra cosa sino saber que es el verdadero. Soló ella puede vivir sin las otras y ninguna de las otras sin ella, y ella ha sido gurda y conservación de todas” MARAVALL, op. cit., p. 24 - 25.

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Segundo Elena Cantarino, o humanismo renascentista já havia construído um pedestal

para o conhecimento histórico, mas acentuado o papel deste como norma para julgar a conduta

dos homens e instrumento para discernir entre o bom e o mau caminho, e, ainda, como valor

paradigmático para a filosofia moral. Entretanto, os homens do XVII, mesmo que conservassem

alguns dos valores da história exaltados pelos humanistas, substituiriam definitivamente a

finalidade da história, ressaltando assim sua característica exemplar, pois buscavam

fundamentalmente sua utilização política.

O realismo político espanhol considerou a história tal qual um meio ou um instrumento,

adequado para fornecer ao governante um conhecimento cumulativo das experiências práticas de

outros políticos, ofertando um ensinamento de como agir para o aumento e conservação de seus

domínios. Cantarino explicitou que, no século XVI e também no XVII, história e experiência

foram dois aspectos de uma mesma realidade. Partindo do princípio de que a política reside sobre

uma base de regras passíveis de serem apreendidas por meio da experiência que as lições da

história oferecem, a sabedoria política acabou tendo como correlata a experiência histórica.

Na concepção dos tratadistas do século XVII, o saber histórico encontra-se divido em

história natural e história civil, porém o que conferiria o caráter total deste saber seria a

universalidade da experiência, proveniente da soma das duas segmentações do campo de saber

histórico. A história se transformaria, então, no primeiro labor de toda atividade científica. Os

escritores políticos espanhóis fizeram farto uso da história, fosse ela antiga ou moderna, sagrada

ou profana, nacional ou estrangeira.

Basear-se nos exemplos oferecidos pela história, entretanto, não era suficiente para

conferir aos escritos políticos sua pretensão científica. Dito de outra forma, para elaborar um

método indutivo da política. Malvezzi, um escritor que teve em Espanha reputada influência,

testemunha nos seguintes termos sobre o papel da História: “A los políticos la Historia no sirve

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sino para hacer un buen juicio; no debemos, con esto, obrar conforme los ejemplos, mas sí con

aquél que se há formado sobre la lección de los ejemplos”100. Para tal empreitada era forçoso não

se ater somente à experiência vivenciada e nem àquela extraída dos conhecimentos históricos,

mas destilar a lição dos exemplos pelo uso da razão.

O problema central era que a história não podia ser considerada como uma ciência, pois

ela apenas abarca os eventos, não sendo capaz de conhecer suas causas. Mesmo que

considerassem a história como um conjunto de soluções práticas, suscetíveis de serem imitadas

em situações concretas, ainda assim, grande parte dos tratadistas políticos do século XVII

desejava que a política não se reduzisse a um mero conhecimento empírico. Aspiravam a uma

forma de saber que pudesse fornecer regras e proposições gerais. Esta preocupação é produto da

aproximação realista e pragmática da política que despontou com mais força nos reinados de

Felipe III e Felipe IV.

A solução da equação para a que a política pudesse alcançar o status de ciência, possuía

dois obstáculos capitais: o livre arbítrio e a natureza humana. Tais obstáculos faziam da política

um saber particular que deveria ser guiado pela prudência, afim de suprir as demandas da Razão

de Estado, atendendo e explicando as ações públicas. É mais uma vez Cantarino, quem sustenta

que a equação pode ser solucionada porque os tratadistas políticos seiscentistas se propuseram a

forjar regras e princípios gerais, induzidos da experiência e da história; permitindo desdobrar

estas regras e princípios gerais em dedução de juízos particulares para agir em casos concretos,

unindo preceitos gerais e particulares.

Maravall afirma que, nos termos dos pensadores seiscentistas, se definiu sobre política

uma disciplina de experiências, uma ordenação de eventos ou uma relação entre fenômenos

intelectualmente captados. A política foi concebida como um certo saber ordenado e sistemático 100 MALVEZZI, Virgilio, apud, MARAVALL, 1984, p.29.

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que tem por base as ações humanas; era, por isso mesmo, uma disciplina relacional que não

poderia oferecer plena segurança.

A “ciência política” do XVII não buscou responder questões sobre a ordem das essências,

como por exemplo o quê é o poder, mas, sim, como este se adquire e se conserva. O advérbio

como marcará os escritos políticos espanhóis desta época, designando o que Maravall

caracterizou de: “un conocimiento de función, no de sustancia”. Daí a importância que adquire na

literatura geral da época a expressão máximas que se pode definir como idéias associadas à

ordem prática do mundo, tendo por finalidade a produção de uma ação. As máximas não

procuram oferecer a verdade sobre os fatos, mas regulamentar uma conduta adequada ou

conveniente. Estes fatores comutados possibilitam compreender a política seiscentista como uma

técnica. Nas palavras do historiador espanhol:

Esas ideias praticas han de ser, pues, adequadas a los hechos: es decir, que no nos han de dar la essencia, sino el cómo se comportan los hechos políticos y cómo se ha de obrar respecto a ellos a los fines que se persiguen. Esto explica por qué, en tan gran medida, la ciencia política del XVII adquiere un carácter de técnica o si se quiere de arte que nos dice cómo hemos de manipular las cosas si queremos lograr de ellas un resultado determinado.101

Algumas considerações foram estabelecidas sobre a importância, cada vez maior,

concedida a empiria e ao pragmatismo no discurso político no século XVII, a partir da

valorização da experiência e da história. Todavia, o panorama em que se enquadra o pensamento

político no século XVII não estaria completo sem que fosse cotejado um elemento essencial para

que a reflexão sobre política tivesse alcançado o estado descrito. Este elemento é certamente o

impacto provocado pelas doutrinas maquiavélicas na Espanha.

A repercussão atingida pelas obras do secretário florentino entrava em choque com uma

consagrada concepção sobre a política. Esta concepção identificava a política como uma doutrina

101 MARAVALL, José Antonio. 1984, p. 30.

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que tem conteúdo próprio, não obstante – e é de suma importância destacar – subordinada à

moral. No artigo de Cantarino, encontramos a descrição dos caracteres que possibilitaram a

elaboração de tal concepção:

Se considera, generalmente, que con Tomás de Aquino (1225-1274) culmina la asimilación del pensamiento del Estagirita[...]. Así, la definitiva incorporación de Aristóteles a la filosofía política y social llevada a cabo por el Aquinate permite hacer del Estado una institución natural cuyo fin es la protección del bien común, y que no tiene por qué estar subordinado a la Iglesia (institución con fines sobrenaturales) sino sólo en tanto que el orden natural se halla sometido al orden sobrenatural. La asimilación del pensamiento del Estagirita, además de favorecer una renovación de la filosofía del Estado impregnada de caracteres agustinianos, permitió la consideración de la política no como arte sino como ciencia que investiga causas y principios. [...]Es en este contexto en el que irá surgiendo y elaborándose desde el siglo XIII y hasta el siglo XV la política como ars regendi o ars gubernandi, la cual es, por una parte, scientia y, por otra, virtus, esto es, una estructura racional que, a medio camino entre la sapientia y la prudentia, debe facilitar una doctrina que guíe la práctica gubernativa.102

A afirmação de que a política é uma ciência autônoma, todavia subordinada à moral, é

formulada de acordo com acepções aristotélicas retomadas pelos teólogos medievais. Seria dentro

deste quadro conceitual que causaria impacto o surgimento das obras de Guicciardini e

Maquiavel que interpretam as ações políticas – ações observáveis e empíricas – de forma

independente do valor moral que classicamente lhes era atribuído. Proporcionando um tipo de

reflexão orientado não mais para as doutrinas sobre as formas de governo ou a natureza do poder,

mas sobre o modo como se adquire e se conserva o poder.

A relação de dependência e subordinação da política com a moral, fundamentalmente

católica, estaria em vias de rompimento; processo que teria como resultado a secularização da

teoria política. Ressalte-se “em vias de rompimento”, pois na Espanha, ou melhor, nos países em

que a ideologia da Contra Reforma foi marcante, esta ruptura não chegou a ocorrer plenamente.

Fato que, todavia, não impossibilitou que os tratadistas políticos dos seiscentos se conduzissem 102 CANTARINO, 1998, p.290-291.

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por certas preocupações metodológicas e epistemológicas associadas à teoria política, conforme

já destacamos. Deve-se entender o impacto provocado pelas obras de Maquiavel103, a partir deste

panorama mais amplo de questões que marcaram a compreensão sobre a política nos seiscentos.

Maravall elabora a seguinte compreensão do fenômeno:

La obra de Maquiavelo supone - y tal vez es lo más trascendental de ella - un cambio respecto al plano en que venía desarrollándose el pensamineto político. Pues bien, por muy alejado que se encontre de las concretas soluciones maquiavélicas, el pensamiento español del siglo XVI y aun del siglo XVII, no hubiera asumido la forma que presenta, sin partir del nivel en que la obra de Maquivelo situó la reflexión sobre la política.104

Através do uso genérico do termo maquiavelismo, pode-se apontar algumas das tópicas

que obtiveram maior relevância na tratadística política do período moderno. A influência

principal do maquiavelismo pode ser definida em dois elementos cardinais: o interesse pela

estimação realista dos eventos e pela valorização da experiência pessoal; ambos importantes

elementos que deveriam ser anexados à reflexão política. A influência de Maquiavel se fez valer

principalmente na corrente realista e empirista do pensamento político ibérico. Muitos escritores,

inspirados pelos preceitos científicos e de racionalização, preenchiam suas obras com narrações e

dados de suas próprias experiências políticas. O tratamento cada vez mais empírico das questões

políticas confundiu-se com um determinado pragmatismo, que por seu turno veio mesclar-se com

a influência do maquiavelismo.

Entre alguns dos preceitos de racionalidade política organizados na obra de Maquiavel

que tiveram ampla aceitação entre os tratadistas políticos espanhóis dos seiscentos, pode-se citar:

exaltação do aspecto militar na organização dos Estados; a aceitação de determinadas formas de

103 Um dado interessante no processo de penetração da obra de Maquiavel na Espanha foi a dedicatória que Carlos V escreveu na obra, Discorsi sopra la primera decad di Tito Livio de Maquiavel, dirigindo-se a seu filho e futuro rei da Espanha Felipe II. Nesta dedicatória, Carlos V recomendava a seu filho a leitura da dita obra de Maquiavel, que ele afirma ter lido algumas vezes, pois ela continha ensinamentos que eram muito úteis e proveitosos para qualquer príncipe. Esta informação foi destacada por MARAVALL, 1984. 104 Ibidem, p. 42.

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dissimulação; a anfibologia, ainda que este tema seja sempre tratado com enorme cautela; e as

condutas aconselháveis para realizar a repressão de rebeliões, conjuras e sublevações. Mais

importante que perceber a aceitação de máximas e princípios identificados com o maquiavelismo,

é refletir sobre a dicotomia que o maquiavelismo encetou no terreno político; a separação entre

política e moral105. Apesar de na Espanha esta tese não ter sido efetivamente bem sucedida, vai

progressivamente ganhando espaço a tese da distinção entre as citadas esferas.

Resulta desta tese de distinção a teoria da separação das duas figuras do monarca, uma

como governante e outra como homem. Uma figura que se insere na ordem moral, o homem, e

outra, o governante, aplicada à ordem política que tem por conseqüência o dever de acatar

autonomamente o que recomenda a ciência política. Dois planos coexistem justapostos. Isto

denota que, enquanto figura política, o rei tem a seu dispor uma série de instrumentos e artes

adequadas para cumprir o exercício de uma função. A teoria da separação das duas figuras do rei,

que também encontraremos em D. Francisco de Quevedo, apresenta um alto grau de tecnificação

e secularização. Fadrique Furió Ceriol, um dos conselheiros de Felipe II, já havia elaborado esta

teoria, em sua obra El Concejo y consejeros del príncipe, considerando que esta teoria

congregava um dos maiores segredos políticos e um dos princípios fundamentais da Ciência do

Estado. Nas palavras abaixo, Ceriol compartilha conosco seu segredo:

Todo principe es compuesto casi de dos personas. La una es obra salida de manos de la Naturaleza, en cuanto se le comunica un mesmo ser con todos los otros hombres. La otra es obra de la Fortuna, y favor del Cielo hecha para gobierno y amparo del bien publico, a cuya causa la nombramos persona publica [...]. De manera que todo y qualquier principe se pode considerar en dos maneras distintas y diversas: La una, en cuanto hombre; y la otra, como a Príncipe 106

105 Devemos sublinhar que a separação entre moral e política não tem o mesmo significado que a distinção entre ética e moral. 106 CERIOL, Fúrio. apud MARTÍNEZ, 2000. p. 33.

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Eva María Díaz Martinez aponta Furió Ceriol como um dos primeiros autores que pode

ser visto como um pragmático. A obra do valenciano traria as seguintes novidades: uma nova

interpretação da figura do governante, consubstanciada na teoria da separação das figuras e

independência – sem que isso se iguale à subordinação – entre as esferas da moral e da política.

Estes elementos supõem um ponto de inflexão na transformação ocorrida no gênero dos espelhos

de príncipe ao longo da época moderna. Devemos ressaltar que este autor é classificado por

Maravall como um dos adeptos do tacitismo e foi um dos poucos autores contemporâneos a quem

Quevedo citou elogiosamente no Política.

No panorama composto pelas transformações das artes de governar, convêm que

identifiquemos a passagem que ocorreu desde os specula principum medievais até as máximas de

Estado do século XVI e XVII. Dito de outra forma, a passagem de uma ética do regimen, baseada

na relação especular do príncipe com seu modelo ideal – para uma técnica governamental,

determinada pelos interesses do Estado Moderno. Neste contexto, pode-se compreender a obra de

Maquiavel, especialmente Il Príncipe, não como uma obra fundadora que manifesta um projeto

de ciência embrionário, mas como um texto de articulação entre o gênero dos espelhos e os

manuais de Estado. Por maiores que sejam as inovações contidas no Príncipe, ele não deixa de

ser uma espécie de espelho de príncipes. Michel Sennelart elabora a seguinte interpretação do

Príncipe:

Maquiavel, parodiando o gênero dos specula, havia substituído as virtudes do príncipe ideal por uma prudência hábil, feita de calculo e instinto. O modelo do bom governo, desde então, não deveria mais ser buscado na contemplação de um arquétipo, mas na observação de tipos históricos irredutíveis a uma figura única. Explosão da imagem do príncipe numa multiplicidade de atitudes políticas que correspondem à mudança perpétua das circunstâncias. O espelho, assim, ao mesmo tempo em que apresentava os exemplos a seguir ou a eviar, devolvia ao príncipe o reflexo das escolhas possíveis que ele tinha que fazer. Ele o ligava não mais às normas de uma perfeição atemporal, mas à contingência de sua situação presente.107

107 SENELLART, 2006, p. 61.

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A função dos espelhos de príncipe era criar um manual de conduta para os governantes;

sua importância não era reproduzir o reflexo do soberano, forjando uma relação narcísica.

Deduzia-se que aquele que governa outros, deveria em primeiro lugar governar a si mesmo para

adaptar-se às exigências de seu ofício régio. Com a emergência do Estado Moderno e o

desdobramento das novas práticas projetadas nos discursos políticos, produzidos nos séculos XVI

e XVII, a figura do príncipe cede lugar nos espelhos para à imagem do Estado em toda sua

complexidade. Esta seria uma das mudanças capitais da teoria política moderna.

O soberano não mais se iguala ao reino. Governar começa a significar menos o controle

das próprias paixões que o controle de forças coletivas. Entre os tratadistas que argumentam

conforme os imperativos da Razão de Estado, esta ruptura com o gênero dos espelhos de príncipe

se encontra formulada com clareza. Exemplo disso é a obra de Justo Lipsio que por mais que não

contenha o emprego explícito da expressão Razão de Estado, a substitui por prudencia mixta. A

obra de Lipsio formulou uma ciência positiva do Estado, de acordo com a concepção de

Sennelart.

A ruptura maquiavélica, que tanto furor causa nos pesquisadores contemporâneos, não

desfez completamente as consagradas concepções sobre as artes de governar norteada pelos

pressupostos morais. A conseqüência do impacto provocado por sua obra consistiu no universo

contra-reformado, em realçar a necessidade de conciliar os princípios morais com os imperativos

do realismo estatal. Os tratadistas políticos espanhóis que se afirmaram contra as doutrinas

identificadas com o secretário florentino, pouco importa o grau com que o fizeram, estiveram

preocupados em sustentar a positividade de funcionamento do Estado. Newton Bignotto, em seu

artigo publicado na coletânea Ética, sublinha que Maquiavel não teria oposto duas esferas

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autônomas de ação; o que estaria sendo proposto seria uma outra forma de conceber a ética que

deveria estar fundada no modelo fornecido pelo mundo romano imperial.

Cria-se então uma antítese. Se na época em que grassou na Espanha a influência da obra

de Erasmo de Roterdã, a aspiração era alcançar uma ordem social universal regida pelos valores

do cristianismo; com a chegada dos tempos modernos as concepções pragmáticas sobre a política

vão definitivamente transformar o objetivo final da ação política que agora será a conservação e o

aumento do poder estatal. Demanda, portanto, que uma das prerrogativas da análise do discurso

político de D. Francisco de Quevedo seja a necessária aceitação desta mudança do espectro

conceitual em que se forjam as reflexões políticas. Deve-se se examinar a obra quevediana a

partir desta conjuntura. Martínez dedica algumas linhas à reflexão sobre o panorama político que

vai se delineando, vejamos:

Se encierran en este momento dos de las possibles opciones com que había contado la especulácion politica española: quedá soló una tercera vía: el camino propuesto por Guicciardini, Botero, Grocio, Paruta, Hobes... y especialmente por Maquiavelo o, en su versión menos controvertida por la doctrina tacitista. [...] Sin llegar a romper com la preceptiva ética anterior, algunos tratadistas reelaboran parte de estos temas y los orientan hacia la realidad política del momento. El objetivo ya no es sólo oferecer una instrución moral, sino potenciar la capacidad autocrítica de la sociedad y agudizar su sentido prático de prudencia.108

Uma nova gama de questões iria orientar os escritos dos tratadistas espanhóis da época

moderna. Questões estas que, em último grau, se associam às respostas elaboradas diante do

maquiavelismo, como seriam o movimento neo-estóico ou tacitismo político. A principal

temática giraria em torno do sentido político da virtude da prudência, conseqüência da versão

contra-reformada do conceito de Razão de Estado. Eva Martinez elaborou uma pequena

cronologia de algumas obras onde o senso de pragmatismo é perceptível:

108 QUEVEDO, Francisco de. Discurso de las Privanzas. In: MARTÍNEZ, (Estudio preliminar, edición y notas). Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 2000.p. 35.

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Por estos mesmos años, comiezan a aparecer diversos tratados de orientación más pragmática, pero también entre ellos se advierten importantes diferencias cronológicas: entre 1528 y 1534 publica sus obras Francisco de Vitoria; en 1556, Felipe de la Torre; en 1559, Furió Ceriol; en 1595, Rivadeneira; en 1598, Mariana; en 1614, Álamos de Barrientos; en 1640, Saavedra Fajardo...109

2.2 Neo-estoicismo

Uma das correntes filosóficas que mais angariou adeptos e obteve grande ressonância no

cenário intelectual europeu, especialmente nos séculos XVI e XVII, foi o neo-estoicismo;

reaproximação do estoicismo de forma harmônica com o cristianismo. Segundo Ernest

Cassirer110,o movimento neo-estóico teria raízes múltiplas, todas elas associadas ao desejo de

conhecimento humano e teria se desenvolvido especialmente na Espanha e na Itália, sendo

perceptível a adoção de alguns de seus preceitos em autores como Luis Vives, Telesio e Cardano.

Em um panorama mais abrangente, o neo-estoicismo aparece em estreita relação com outros

ensejos de renovação do pensamento filosófico da Antiguidade Clássica – epicurismo,

escepticismo, neoplatonismo – que marcaram a época moderna.

O estoicismo é uma escola filosófica greco-romana, engloba um conjunto de doutrinas

filosóficas e um modo de vida, ao mesmo tempo em que figura como uma poderosa força

intelectual retomada nos alvores da modernidade. Divida em fases históricas a escola estóica

apresenta três fases distintas111, grosso modo: estoicismo primeiro, período que compreende a

fundação da escola por Zenão até a direção de Crisipo; estoicismo médio, era de Panécio e

109 QUEVEDO, Francisco de. Discurso de las Privanzas. In: MARTÍNEZ, Eva María Díaz (Estudio preliminar, edición y notas). Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 2000. p. 39. 110 CASSIRER, Ernest, apud, MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1964. p. 586. 111 Ver o artigo de SEDLEY, David. A Escola, de Zenon a Ário Dídimo. In: INWOOD, Brad (org.). Os estóicos. São Paulo: Odysseus Editora. 2006. p. 07-32

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Posidônio; e estoicismo romano, a fase imperial cujos maiores expoentes foram Sêneca, Epicteto,

Marco Aurélio e Tácito. Os primeiros estóicos teriam assimilado algumas noções da escola

cínica, especialmente nas reflexões políticas e morais, todavia as maiores preocupações foram

com as questões de lógica e física. Já o estoicismo médio tendeu a conceder maior destaque aos

problemas morais e humanos. As concepções desta fase influíram grandemente no universo

intelectual e político romano, sobre tudo através do círculo de Escipión Emiliano, e construíram o

fundamento das crenças políticas e ações morais de não poucos estadistas de Roma.

A última fase da escola estóica – estoicismo romano – é a que alcança maior relevo para a

compreensão da renovação neo-estóica do período moderno, pois foi partindo das premissas dos

filósofos desta escola que se configurou o entendimento do estoicismo. As reflexões desta fase

concederam especial destaque à ética, desenvolvendo normas de conduta para as ações e assim

conquistando importante parcela do mundo político imperial romano. Dedicaremos algumas

linhas aos principais caracteres e contribuições legadas pelo estoicismo, especialmente sobre a

ética.

A ética estóica é a área mais conhecida do estoicismo e sobre a qual vai se pautar,

futuramente, o aspecto político do movimento neo-estóico. A ética encontra-se fundada pela

eudemonia, porém esta não consiste no prazer, mas no exercício constante das virtudes e no

princípio da auto-suficiência que permite ao homem libertar-se dos bens terrenos. O primeiro

imperativo é viver conforme a natureza, isto significa viver de acordo com a razão, posto que o

natural é racional. A felicidade pressupõe a aceitação do destino concretizando-se no combate

contra as forças do desejo e da paixão responsáveis pela intranqüilidade. O mal representa tudo

que é oposto à vontade da razão expressa no mundo, ou seja, o vício e as paixões. A teoria da

resignação, ou impertubalidade estóica, pode ser confundida com a aceitação inequívoca de

qualquer acontecimento, entretanto este postulado acaba funcionando de forma diversa, pois não

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impediu os estóicos, destacadamente os romanos, de exercerem críticas sociais e políticas e

advogarem em prol de reformas. A impertubabilidade manifesta-se principalmente na atitude que

deve ser assumida perante a morte e como um apoio ante as vicissitudes da vida. Em muitos

aspectos, o estoicismo romano significou a utilização da parte teórica da doutrina para

fundamentar um conjunto de atitudes na vida pública e privada. O neo-estoicismo germinará no

fértil solo do estoicismo romano, contudo apresente divergências relativas a este.

Além de uma renovação de uma tendência filosófica compatível com o cristianismo, o

movimento neo-estóico se estende como uma atitude na época moderna112. A literatura, por

exemplo, e sobretudo a espanhola, apresentará inúmeros componentes estóicos, como a

concepção de honra que oscila entre o âmbito público, associada ao tópico das falsas aparências,

e o âmbito interno, onde realmente se exerceria a virtude.

Entretanto, o assunto que nos importa é perceber a utilização da filosofia neo-estóica

como elemento estruturante de uma determinada postura política e, para tal, faz-se necessário

voltar à figura do humanista belga, Justo Lipsio (1547-1606), considerado o grande expoente do

movimento neo-estóico e o artífice da divulgação dos textos de Sêneca e Tácito no período

moderno. Lipsio nasceu no seio de uma família burguesa católica em Overjise, perto de Bruxelas,

educou-se entre os jesuítas em Colônia e chegou a ser membro da comitiva do cardeal Granvelle,

tendo a oportunidade de ir a Roma. Oscilou ao longo de sua vida entre as confissões religiosas do

catolicismo e do protestantismo, lecionando em Universidades de ambas as confissões. Em 1572,

perdeu sua propriedade na Bélgica para os espanhóis, ingressando então na Universidade

Luterana de Jena, para depois retornar à Universidade de Lovaina em 1576. Já em 1579, quando

novamente tem sua propriedade perdida nas mãos de soldados espanhóis, entra na Universidade

Calvinista de Leiden. Finalmente retorna a Lovaina no ano de 1592 para ensinar História e 112 Ver: MORA, José Ferrater, 1964.

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Literatura Latina. Lipsio produziu uma extensíssima obra. As que alcançaram maior destaque

foram: De Constantia Libri Duo (1584) e Politicorum siue Civilis Doctrinae Libri Sex (1589). No

período de vida de Lipsio, a história dos Países Baixos estava marcada pela rebelião contra a

dominação espanhola, que envolveu, ao mesmo tempo, uma guerra civil associada ao

enfrentamento entre confissões religiosas.

Gerhard Oestreich, em seu livro Neostoicism and the Early Modern State113 , afirma que

a partir da obra de Lipsio pode-se traçar uma longa linha do desenvolvimento da ciência política

e das teorias que tem por base o Estado; uma torrente de reflexões sobre a moderna arte de

governar que teria tido início com Maquiavel e Guicciardini. Neste contexto, o neo-estoicismo

lipsiano seria um importante elemento constitutivo do pensamento político do século XVII, tendo

por objetivo aumentar o poder e a eficiência da aparelhagem estatal e seria também uma atitude

filosófica apoiada na valorização da razão e da ética. Delineando uma corrente filosófica que

influenciou vários aspectos da sociedade – literatura, leis, educação, economia, exércitos – e

esteve apta a sobrepor as fronteiras dos conflitos religiosos, criando um movimento intelectual. O

autor enfatiza que muitos dos pesquisadores, como Dilthey, Meinecke e Robert Mohl, que

estudaram a obra de Lipsio, não lograram compreender seu impacto por não concederem devida

atenção ao seu aspecto político, em especial à obra que sintetiza as opiniões do belga sobre o

tema o Politicorum siue Civilis Doctrinae Libri Sex. Na esteira de Dilthey, Oestreich interpreta a

filosofia neo-estóica como a base da cultura Barroca, nas palavras do autor:

With this two systematic works of 1604 and his critical edition of Seneca’s Omnia opera (1605) Lipsius became the first of the Dutch humanists to reconstruct Roman Stoicism on a sound philological basis. Neostoicism, taken up and imitated by many, became on the one hand a theory of the art of living, largely determining men’s thoughts and attitudes, and, on the other, a new anthropological discipline which served as a foundation for the new natural system of the humanities in the seventeenth century, as Dilthey has show.[...]

113 OESTREICH, Gerhard. Neostoicism and the early modern state. Cambridge: University Press, 1982.

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However, the philosophical Neostoicism of Lipsius did not aim solely at providing a moral doctrine for the private individual; his ideas on living were primarily political in character.114

O Politicorum, de Justo Lipsio, compreende seis capítulos, ou livros. Os dois primeiros

capítulos concebem a monarquia, ou principado, tal qual uma instituição regida pela moral. O

terceiro e quarto capítulo abordam o Estado como um organismo governamental e ainda uma

força compromissada com a imposição da ordem. Os capítulos finais lidam com as questões da

guerra e da paz. O texto é estruturado em uma coleção de aforismos de historiadores e filósofos

da Antiguidade Clássica, destinados a fornecer um guia prático para os estadistas do período.

Tácito é certamente o mais utilizado dos autores antigos, entretanto também estão presentes na

obra figuras de capital importância no mundo romano: Salustio, Tito Livio, Cícero, Sêneca e

Plínio; e entre os gregos Aristóteles, Tuicídides, Xenofonte e Platão, e também Tomás de Aquino

e o espanhol Francisco de Vitória.

Oestreich analisa a doutrina de Estado lipsiana, edificada na filosofia estóica, elaborada

de maneira tal que ultrapasse o aspecto meramente teórico para se colocar a serviço dos homens

de Estado, quão um guia prático de orientação, apresentando os assuntos do governo pelo duplo

prisma da ética e da razão. Na concepção de Lipsio, a principal forma de governo é a monarquia.

O oficio do monarca é concebido como uma dádiva mas também como uma tarefa de

responsabilidade única, tarefa esta que pode ser auxiliada pelos conhecimentos dos filósofos e

dos sábios. Lipsio chama a atenção dos governantes para o fato de que a única finalidade de suas

ações é o bem comum; mais do que mestres e juízes os governantes devem ser servos e protetores

de seus súditos. Segundo Lipsio, a liderança da comunidade é destinada por Deus e pelos homens

aos governantes para que estes zelem e guardem por ela. Assim como no Política de Dios, de D.

114 OESTREICH, 1982, p. 14.

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Francisco de Quevedo, aqui, o príncipe está acima de todos, mas apenas para que também seja o

primeiro entre os servos.

O Estado é celebrado como pilar fundamental dos assuntos humanos, o laço que une as

comunidades. Em outras palavras, o Estado é a fonte da segurança e do bem estar, que somente

cumprirá sua função social se o governante não for conduzido por seus desejos. De acordo com

Oestreich, esta doutrina do governo guiado pelo bem comum teria como fonte o De Clementia,

que Sêneca dedicou a Nero. Lipsio formula a conduta ideal do soberano exaltando o papel da

virtude e da prudência que conduziriam a uma postura perfeita, a servir de exemplo aos

governados. Todos estes elementos elaboram um quadro muito similar ao que Quevedo

construirá sobre os monarcas no Política.

Além das obrigações para com seus súditos, o poder real também tem suas fronteiras, a

autoridade do monarca é limitada, “Lipsius rejects dominium and calls for the protection of the

subjects”115. O limite do poder real é a lei. Novamente seguindo Sêneca, Lipsio formula sua

concepção de justiça que deve ser eqüitativa; no exercício da justiça não se deve fazer distinções

de qualquer tipo. Um papel primordial é dado à clemência do monarca nas questões da justiça,

pois, ser clemente despertaria o amor dos súditos, fortalecendo sua lealdade, gerando assim um

governo estável. Ainda sobre a temática da justiça, Lipsio adverte que os julgamentos têm que ser

realizados com cautela e vagar, visando sempre o bem estar público. A imparcialidade deve ser a

tônica suprema, sem que sentimentos, como vingança, raiva ou afetos, turbem as decisões régias.

No terceiro capítulo, Justo Lipsio aborda o tema da burocracia estatal, sendo os servidores

do Estado, divididos em duas classes: conselheiros e administradores, há nenhum deles é

permitido guiar-se por finalidades pessoais. Apesar da importância com que são considerados os

conselheiros, a ultima palavra deve ser sempre do monarca. Perenemente é enfatizada a 115 OESTREICH, 1982, p. 43.

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essencialidade de uma forte liderança pessoal do monarca que deve constantemente usar de

cautela no trato com a camarilha de poder, empregada no aparato estatal. Em ultima instância o

governo deve ser conduzido pelo soberano em pessoa.

Outras temáticas abordadas no Politicorum concernem à forma de compreender a

população, a necessidade dos tributos, a questão religiosa, a formação dos exércitos e a função da

guerra. As massas são descritas desfavoravelmente, pois, são instáveis, voláteis e desprovidas do

uso da razão. Relativo às cobranças fiscais, é apresentada a necessidade que o soberano tem de

convencer os súditos da importância das taxas; os impostos, assim como a justiça, devem ser

cobrados de todos, sem distinções, e usados com cautela e em proveito do reino. Lipsio defende

a adoção de uma única religião pelo Estado, a fim de evitar dissensões e revoltas, mas distingue

aqueles que professam uma fé religiosa em âmbito privado e aqueles que o fazem publicamente,

recomendando tolerância para aqueles que mantêm sua dissidência em esfera privada. Finalmente

quanto à formação dos exércitos, Lipsio defende que o exército deve ser um órgão permanente do

Estado, propondo uma reforma total de todo sistema militar apoiada nos ensinamentos dos

historiadores da Antiguidade, os efetivos tutores dos negócios da guerra.

Oestreich ilustra que os filósofos políticos e historiadores romanos – principalmente

Tácito – forneceram a base para o tratamento teórico, realizado por Justo Lipsio, das práticas

políticas. Os exemplos históricos utilizados por Lipsio não são casuais ou simples adornos para

sua narrativa, pois no terreno ético existe uma aproximação entre o entendimento da história e o

estudo da concepção antropológica. O interesse político pelas obras de Tácito complementavam-

se pela redescoberta de Sêneca, assim ensejando o desenvolvimento do neo-estoicismo. A virtude

da constantia tornou-se o símbolo do novo sistema de valores, enfatizando o caráter prático da

arte da vida.

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Neste aspecto o estoicismo romano proveu a base para a reflexão sobre a estrutura do

Estado e das forças militares, fornecendo a Lipsio uma base filosófica para argumentar em prol

de novas atitudes mentais e espirituais; formando um novo tipo humano. Um indivíduo possuidor

de um acurado senso cívico, além dos valores cristãos; autodisciplina e tranqüilidade interna que

incorporam as virtudes romanas, sendo capaz de controlar suas emoções demonstrando a

importância do uso da razão em suas ações. Oestreich argumenta nos termos:

The real facts of Roman life – administration and structure of the the financial and fiscal apparatus, as well as the ethical and spiritual foundations of the Roman state – were objects of intensive study and provided an important starting point for the shaping of the early modern state. The political and moral values of Rome, foremost among them auctoritas and disciplina, became fundamental to the historico-political thinking of the age. More than anything else, the notions of auctoritas and disciplina dominated the public institutions of the incipient age of absolutism.116

Martim de Albuquerque, em sua obra Um percurso da Construção Ideológica do

Estado117, analisa a recepção e o impacto produzido pela obra de Justo Lipsio em Portugal na

época moderna, relacionando o processo de gênese do Estado Moderno ao contributo do

racionalismo prático postulado pelo neo-estoicismo, cuja figura central é o humanista belga, e as

ações governamentais – militarização, desenvolvimento da burocracia e centralização fiscal –

como dois fatores essenciais para o desenvolvimento do Estado Moderno.

O autor afirma que o pensamento político de Lipsio oscilara sempre entre dois pólos:

autoridade e obediência, que representariam os pré-requisitos para a garantia da estabilidade e

eficácia do poder, assim como para manter a segurança dos governados. Em sua análise da obra

política de Lipsio, ressalta a importância da presença de Tácito e Sêneca, pois “sobre o primeiro

116 OESTREICH, 1982, p. 6 117 ALBUQUERQUE. Martim. Um percurso da Construção Ideológica do Estado. Lisboa: Quetzal Editores. 2002

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repousaria a linha dúctil do poder. O segundo representaria a linha da obediência, mas também de

defesa dos súbditos”118.

A ênfase concedida, por Lipsio, à obra do historiador romano Cornélio Tácito leva a

considerar o papel ocupado pela história na reflexão política operada pelo neo-estoicismo.

Albuquerque julga que a história ocupa um lugar central na obra lipsiana, apreender seus

desígnios e ensinamentos é um passo fundamental para os governantes; teatro, espelho, mestra e

exemplo da vida, são as qualidades atribuídas à história por Justo Lipsio. A importância

consagrada à história é expressa nos seguintes termos no Politicorum:

Quiero decir por la História, la cual no es otra cosa sino el alma y vida de la memória. (…) Ella es guarda de la virtud de los varones ilustres, testigo de la maldad de los ruines y bienhechora del género humano. Ella es luz de la verdad y maestra de la vida. Verdaderamente maestra, pues en ella, como en espejo, es lícito mirar, ataviar y componer su vida cada uno, por el modelo de las virtudes ajenas. 119

Tácito ocupa posição privilegiada entre os outros historiadores, pois, para Lipsio foi o

autor que melhor sintetizou as lições oferecidas pela história tingindo-a de dinamismo e tensão

ética. A doutrina tacitista conjugada com os preceitos de Sêneca, sintetizam as duas concepções

teóricas mais importantes presentes na obra política de Justo Lipsio. Tácito seria o guia na senda

da virtude da prudência e Sêneca o guia a seguir nos caminhos da sabedoria; ambas qualidades

são associadas para a boa gerência do Estado, porquanto a prudência reconduziria a sabedoria

política.

É ainda Oestreich, quem enfatiza que o poder e a prudência constituem as bases do

Estado, pensado por Lipsio. O poder temperado e dirigido pela prudência, além de ideal seria o

118ALBUQUERQUE. Martim. 2002, p. 30. 119 LIPSIO, Justo. Políticas.In: ECHEVERRÍA, Javier Pena; LÓPEZ, Modesto Santos (Estudio Preliminar y Notas) Madri: Tecnos, 1997. p. 29-30.

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mais potente. Em uma perspectiva bastante indutiva dos aparatos necessários ao Estado Moderno,

Lipsio identifica as cinco fontes do poder estatal: dinheiro, armas, conselhos, alianças e fortuna.

Javier Peña Echeverría e Modesto Santos López, no estudo preliminar à tradução

realizada por Bernardino de Mendoza do Politicorum siue Civilis Doctrinae Libri Sex de Lipsio,

ressaltam a importância histórica que obteve a obra do belga, pois, ofereceu a seus

contemporâneos um texto, que baseado nos conhecimentos clássicos sobre história e filosofia,

mas adaptado às questões morais e políticas de seu tempo, esteve capacitado a exercer uma

notável influência nas concepções políticas deste período. Os autores sentenciam que a filosofia

política de Lipsio pode ser percebida como uma tentativa de conjugar uma visão política

arraigada na ética estóica com a compreensão moderna da mesma em termos de conservação e

conflito.

Segundo Echeverría e López, o Politicorum expressa uma concepção política que é

própria de uma situação de transição, em que ainda persistiria uma concepção tradicional da

política – arraigada no discurso religioso-moral e no vocabulário humanístico – ao mesmo tempo

em que é visível a demanda de uma teoria política adequada às exigências da Razão de Estado,

capaz de suprir as necessidades do Estado Moderno. Assim o Politicorum deve ser compreendido

no marco da transformação do pensamento político do século XVI, desde do aristotelismo

escolástico e de um humanismo primeiro característico do renascimento para o realismo político,

que tem como emblema o maquiavelismo e as doutrinas da Razão de Estado. A obra política mais

expressiva de Lipsio é portadora de uma mudança radical em relação à tradição renascentista dos

espelhos de príncipes. Assim como outras obras do período e também os escritos políticos de D.

Francisco de Quevedo. Esta mudança radical está conjugada com a crescente consciência que vai

se manifestando nos escritores da tratadística política, ao longo do século XVI e sobretudo no

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século XVII, das condições específicas da prática política e da insuficiência das admoestações

morais para fazer frente aos imperativos da sociedade moderna.

Em Lipsio a situação de transição que atravessava o pensamento político dos séculos XVI

e XVII fica explícita inicialmente nas referências utilizadas, as obras de Tácito e Sêneca, ao invés

do imenso caudal dos ensinamentos cristãos, também pelo desejo de apresentar as condições de

exercício do poder e as atitudes que deve assumir o monarca no bom exercício de sua função,

além dos pressupostos identificados com as virtudes. Na concepção de Echeverría e López, o

pensamento político lipsiano é bastante diverso da concepção aristotélica cristã, pois esta

concepção está forjada sobre a visão da sociedade como uma comunidade fundada na ordem

natural e portanto regida por ius naturale preexistente a ordem política legitimadora do poder120.

No Politicorum de Lipsio, a ordem natural preexistente será substituída pela definição da relação

política em termos de poder, cuja forma e atividade se justificam pelo seu funcionamento e não

tem sua legitimidade questionada.

No panorama configurado pela transformação que paulatinamente vai tingindo o discurso

político desde finais do século XVI até a metade do século XVII, em que se enquadra a reflexão

política de Justo Lipsio, cabe a interrogação sobre a relação que pode se estabelecer entre a obra

lipsiana e alguns dos expoentes autores desta configuração como Giovanni Botero e Maquiavel,

mesmo que os escritos desde último datem do início do XVI. São ainda os pesquisadores

espanhóis, Echeverría e López, que apontaram estes importantes paralelos.

A posição de Lipsio respeitante a Maquiavel e ao maquiavelismo é bem complexa de

precisar. Apesar da citação elogiosa a Maquiavel feita no prefácio do Politicorum, Lipsio lamenta

que o florentino não tenha guiado o governante pelos caminhos da virtude e da honra. Na obra de

Lipsio não é verificável o antimaquiavelismo expresso em grande parte dos tratados coetâneos, o 120 Fenômeno que é também apontado por José Antonio Maravall.

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belga reconhece o engenho e perspicácia política de Maquiavel, mas intenta suavizar o realismo e

pragmatismo maquiavélicos com os ensinamentos da moral estóica no intuito de evitar uma

concepção política completamente afastada da ética.

A afinidade existente entre Lipsio e Botero, que teve sua obra Della ragion di stato

publicada em 1589, mesmo ano que o Politicorum, é ampla. A formulação do conceito de Razão

de Estado de Botero é praticamente análoga ao conceito de prudentia civilis de Lipsio, ambos os

conceitos articulados em uma determinada forma de entender o exercício político,

compatibilizando-o com uma racionalidade estratégica destinada a estabilizar e conservar o poder

dos governantes. O interesse destes autores era principalmente norteado pelos meios e estratégias

necessárias aos monarcas para sustentar-se no poder, respeitando obviamente sua função para

com a segurança e bem estar do reino.

Verificar a importância atingida pelo fenômeno histórico do movimento neo-estóico e

analisar o pensamento político de Justo Lipsio, são as etapas cabíveis para compreender o alcance

e a repercussão desta obra no cenário europeu. Se a recepção e impacto da obra de Justo Lipsio

em Portugal, foi uma temática que valeu um livro de Martim de Albuquerque, em Espanha a

importância dedicada à figura de Lipsio não foi menor e assim sublinham tanto Oestreich quanto

Echeverría e López.

É notável a aceitação do pensamento político lipsiano na Espanha121, considerado em si

um dos componentes que contribuíram para a construção do Estado Moderno. Indelevelmente

marcados pela influência da Contra Reforma, os tratadistas políticos castelhanos perceberam nas

doutrinas de Lipsio uma possibilidade de tratamento das questões políticas que os afastasse do

maquiavelismo declarado, sendo assim a doutrina lipsiana podia combinar moralidade católica e

121 Já tivemos oportunidade de demonstrar o impacto da figura de Lipsio na Espanha através da análise da troca de correspondência entre ele e Quevedo e a partir desta troca, citamos vários ilustres espanhóis que ativamente fizeram parte do epistolário de Lipsio. Ver: RAMÍREZ, 1966.

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pragmatismo político. Os escritos de Lipsio, durante o final do século XVI e início do século

XVII, alcançaram uma popularidade maior entre estes tratadistas, mas não só entre eles, que os

de qualquer outro autor do período. As obras de Lipsio que obtiveram maior popularidade foram:

a edição realizada da obra de Tácito (1574), De Constantia (1583), Politicorum siue Civilis

Doctrinae Libri Sex (1589) e De Militia romana (1595).

Echeverría e López sustentam que o reconhecimento primeiro da obra de Lipsio esteve

relacionado com o círculo de cortesãos de Madrid próximos à proposta erasmista e os intelectuais

de Sevilha; estes personagens souberam valorizar os ensinamentos filológicos associados com a

moral religiosa de Lipsio, entretanto foram capazes de rapidamente transcender seu valor literário

para atentar para os conhecimentos sobre as matérias de Estado presentes na obra. Um motivo

plausível para justificar a ampla aceitação das doutrinas lipsianas em Espanha, responde pela

harmonia estabelecida na dita obra entre os escritos de Tácito e Sêneca, com pouco esforço

ambos autores podiam ser harmonizados, mesmo que se tratassem de pagãos, com os preceitos

religiosos cristãos. Os autores aconselham a leitura do Politicorum para “comprender el

pensamiento político español del XVII, ya que Lipsio fue el más popular y leído de los ecritores

políticos de la época entre los españoles”122. Podemos citar o nome de alguns destacados

personagens espanhóis que aproximaram-se das doutrinas de Lipsio: Baltasar de Zúñiga,

Jerórimo de la Cruz, Baltasar Grácian, Tomás Tamayo de Vargas, Juan de Vera, Leonardo de

Argensola, Lope de Vega, Francisco de Quevedo, entre outros.

Constatada a centralidade da obra de Lipsio, no cenário do pensamento político espanhol,

pode-se realizar uma inflexão sobre a influência de Tácito na Espanha; tal era a importância que

Lipsio concedia a este historiador romano. A obra de Tácito poderia servir como uma teoria

122 LIPSIO, Justo. Políticas.In: ECHEVERRÍA, Javier Pena; LÓPEZ, Modesto Santos (Estudio Preliminar y Notas) Madri: Tecnos, 1997. p.X

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política adequada à monarquia absolutista, assim como a obra de Cícero teria sido a influência

maior das concepções republicanas. Na obra de Tácito estariam contidas descrições perspicazes

da realidade do poder monárquico e também um enfoque da prática política assentada na

necessidade da estabilidade, o que possibilitaria analogias com a situação espanhola dos

seiscentos123.

A penetração da obra de Tácito na Espanha teria sido responsabilidade de Ammirato,

Trajano Boccalini, Lipsio e Alciato; fundamentalmente destes últimos, de acordo com Maravall.

A divulgação da citada obra se desdobraria em uma nova corrente de pensamento na Espanha, o

tacitismo, que, em diversas obras, aparece qualificado como um maquiavelismo mitigado, pois

esta corrente reforçaria a independência da ética e da política, advogada por Maquiavel. A

corrente tacitista pode finalmente ser definida como uma política realista de base histórica,

constituindo-se como um saber autônomo.

Não adentraremos com profundidade na temática do tacitismo como corrente de

pensamento no discurso político espanhol. Apesar de existirem inúmeras aproximações desta

forma de conceber a política com as propostas de D. Francisco de Quevedo, a aceitação de Tácito

como um dos autores essenciais para a reflexão sobre a matéria política, é claramente mitigada

pela mediação lipsiana. O tacitismo estaria muito mais próximo da doutrina maquiavélica que da

teoria lipsiana. Em relação à obra de Quevedo, é muito mais evidente a presença da reflexão

política de Justo Lipsio que a de Maquiavel ou seus sequazes. Todavia, as distinções que

marcaram estas propostas políticas apresentam diversos pontos de contato em que as linhas

divisórias são muito tênues. Torna-se muito complexo rotular peremptoriamente estes autores

123 LIPSIO, Justo. Políticas.In: ECHEVERRÍA, Javier Pena; LÓPEZ, Modesto Santos (Estudio Preliminar y Notas) Madri: Tecnos, 1997. p.X.

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como seguidores de uma determinada corrente. Em última instância, tal classificação também

empobreceria a análise feita de suas obras.

2.3 O Aparato conceitual da teoria política moderna: Razão de Estado e

Prudência

Na conjuntura definida pelas novas exigências implementadas pela formação do Estado

Moderno, surgem novas concepções políticas que serão ordenadas pela percepção da política

como uma ciência e como uma técnica. Segundo Albuquerque, na historiografia tradicional sobre

o surgimento do Estado Moderno, a emergência deste repousa sobre um dos dois modelos

explicativos, às vezes ambos: o modelo identificado com a Razão de Estado e o modelo da teoria

da soberania. Faz-se necessário, portanto, examinar de perto a acepção em torno do conceito

Razão de Estado, e, principalmente, por se tratar de um aspecto que detêm maior relevância neste

trabalho, a elaboração de uma nova significação do conceito: um esforço feito de acordo com o

imperativo de incorporá-lo à moralidade cristã, empreitada atribuída aos pensadores do mundo

contra-reformado124.

Em se tratando de história das idéias, importa interpretar a rede conceitual em que se

inserem as correntes de pensamento, pois este será o espaço onde serão efetivadas as

remodelagens das estruturas mentais mais firmemente estabelecidas. O primeiro autor que

dedicou um estudo sobre o conceito de Razão de Estado foi o historiador alemão Freiderich

Meinecke. Desta forma o autor definiu o conceito:

Razón de Estado es la máxima del obrar político, la ley motora del Estado. La razón de Estado dice al político lo que tiene que hacer, a fin de mantener al Estado sano y robusto. Y como el Estado es un organismo, cuya fuerza no se

124 Sobre a razão de estado no universo da contra reforma, Cf. PÉCORA, Alcir. Política do Céu (anti- Maquiavel). In: NOVAES, Adauto (org). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p 174-206.

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mantiene plenamente más que si le es posible desenvolverse y crecer, la razón de Estado indica también los caminos y las metas de este crecimiento... La «razón» del Estado consiste pues, en reconocerse a sí mismo y a su ambiente y en extraer de este conocimiento las máximas del obrar.125

Apesar de devermos a divulgação do termo Estado à obra de Maquiavel, a divulgação da

expressão Razão de Estado não é devida ao secretário florentino. Francesco Guicciardini, um

contemporâneo de Maquiavel, foi o responsável pela organização do uso do conceito e o

responsável pela divulgação da expressão, outro italiano o Monsenhor Giovanni della Casa, em

sua obra Orazione a Carlo V (1547)126. Embora Maquiavel nunca tenha mencionado a expressão

Razão de Estado em seus escritos, podemos encontrar em sua obra vários elementos que estariam

presentes na definição do conceito; desta maneira, Maquiavel seria um dos primeiros pensadores

políticos modernos a refletir sobre a Razão de Estado. Encontramos na obra de Meinecke –

também poderíamos mencionar Maravall, como um autor que engrossa esta perspectiva – a

associação entre a obra de Maquiavel e Razão de Estado, conforme o seguinte trecho:

Nicolás Maquiavelo fue quien primero lo hizo así. Aquí lo que importa es el problema, no la expresión, que todavía no se halla en él. Maquiavelo no comprimió todavía en una expresión tópica sus ideas sobre la razón de Estado. Aun cuando gustaba de los tópicos enérgicos y cargados de contenido, y aun cuando acuño muchos, no sintió, sin embargo, la necesidad de una expresión precisa para las ideas supremas que ocupaban su ánimo, cuando éstas le parecían evidentes y le absorbían totalmente.[...] Y de igual manera, todo su pensamiento político no es otra cosa sino reflexión continuada sobre la razón de Estado.127

Novamente vem associada às obras de Maquiavel uma mudança128 que repercutirá

profundamente no discurso político ibérico seiscentista. O rechaço às doutrinas maquiavélicas,

125 MEINECKE, Friederich. La Idea de Razon de Estado en la Edad Moderna. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983. p. 3. 126 Retiramos estas informações do artigo de Alcir Pécora, e também no livro de José Antonio Maravall. Cf. PÉCORA, Alcir. 2007; MARAVALL, 1984. 127 MEINECKE, op. cit., 31. 128 Entende-se, porém, que a mudança aludida em relação ao conceito de razão de estado não está apenas associada, mas é sobretudo um desdobramento do panorama que nos esforçamos em elaborar na primeira seção deste segundo capítulo.

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reproduzido em sem número de obras na Espanha no período moderno, em certo sentido não

deixou de espelhar a defesa de um dos principais caracteres que embasavam aquela reflexão

política; identificado na relação harmônica estabelecida entre razão e fé, como pilares da

concepção política. A pretensa indiferença de Maquiavel frente à moralidade ou imoralidade dos

meios de aquisição e conservação do poder, constituía um elemento inadmissível para os

tratadistas políticos espanhóis. Estes não podiam abandonar plenamente a inflexão que possuía a

religião católica nos assuntos políticos. Contudo, deve-se sublinhar que nem todas as críticas

formuladas contra Maquiavel partiam dos mesmos pressupostos e, principalmente, nem tudo que

se desprezava aberta e oficialmente nas doutrinas do florentino era descartado nas construções

teóricas sobre a matéria política.

As referidas necessidades apregoadas pelo desenvolvimento do Estado Moderno, somadas

às experiências cotidianas e aos próprios depoimentos históricos, demonstravam com clareza que

nem sempre era possível guiar-se pelos desígnios éticos e morais nos assuntos de

governabilidade. Este traço da matéria política não foi ignorado pelos pensadores espanhóis dos

seiscentos. Gerando propostas onde a prerrogativa moral poderia estar conjugada com os

imperativos da ordem política que se estabelecia.

As novas propostas políticas estavam sendo compostas a partir de uma dupla

consideração: negar Maquiavel e propor métodos efetivos para as ações governamentais. Assim

tentou-se assimilar a Razão de Estado como uma arte do possível e, desta forma, estabeleceu-se

uma oposição entre a verdadera razón de estado e a razón de estado maquiavélica. Maravall

insere a criação de uma verdadera razón de estado no que o autor classificou como uma política

cristiana, que pode ser compreendida no panorama geral sobre a reflexão política, marcada pela

renovação tomista efetuada pelos teóricos da Contra Reforma, acentuando a relação mútua entre

as matrizes que formavam o conhecimento humano – fé e razão. A política cristiana é assim

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designada por Maravall: “es como se llama frecuentemente en nuestros escritores del siglo XVII

al conjunto de verdades que el esfurezo discursivo de la razón, guiada y completada por la fe,

nos da sobre el objeto de la política”129.

A nova significação do conceito Razão de Estado, operada pelos Contra Reformistas, foi

apontada por Maravall como tendo início a partir da obra de Giovanni Botero, Della Ragion di

Stato, traduzida para o espanhol em 1593 por Antonio Herrera. Nos tratados políticos espanhóis

do período moderno empregava-se a expressão materia de estado y gobierno para tratar dos

assuntos de Estado mais complexos; posteriormente esta expressão se tornará equivalente ao

conceito de Razão de Estado. Tal equivalência aparecerá recorrentemente na obra de D.

Francisco de Quevedo. Miguel Angel Granada retrata a assimilação do conceito no universo da

Contra Reforma, na seguinte passagem:

[...] en el ámbito de la Contrarreforma Católica (Botero, Zuccolo) se asistia al curioso fenómeno de la elaborácion de la docrina de la ragioni di stato, en la cual con un silencio práctimente absoluto sobre Maquivel, incluído en el Index en 1599, se legitimaba de hecho la práxis del príncipe maquiaveliano en aras del valor supremo del interés estatal a la vez que se estabelcía una relación de la subordinácion ocasional de la ética a la política130.

Na Espanha, a divulgação da obra de Giovanni Botero, Della Ragion di Stato, teve grande

ressonância e se prestou a introduzir de modo definitivo a tipologia positiva e negativa do

conceito de Razão de Estado, largamente aceita entre os tratadistas espanhóis. Botero em

momento algum conecta a problemática da Razão de Estado a Maquiavel, o que não

impossibilitou que alguns contemporâneos o fizessem e baseados neste fato condenassem sua

obra.

129 MARAVALL, José Antonio. 1997. p. 367 130 GRANADA, Miguel Angel. La filosofia política en el Renacimiento: Maquiavelo y las utopías. In: Historia de la Ética. Barcelona: Editorial Critica, 1988.

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A Razão de Estado, então, começaria a ser valorizada de maneira positiva como

alternativa palpável de conciliação dos valores éticos e morais católicos com a eficácia que se

objetivava nas ações governamentais. Nesta acepção do conceito de Razão de Estado, os

interesses do Estado se encontrariam subordinados aos valores políticos, teológicos e éticos; estes

não passíveis de separação. As análises que têm por objeto a política ibérica seiscentista devem

necessariamente considerar os implicativos, que esta definição de Razão de Estado, traz para esta

prática política, concedendo-lhe uma configuração muito própria e específica frente a outras

formas de conceber a política no século XVII.

Pode-se falar de uma tratadística ibérica que não abre mão de pensar o exercício político

em sua concepção moral. Moral esta que não é só definida pelos valores católicos contra-

reformados, mas também por uma ampla gama de autores da Antiguidade Clássica que refletiram

sobre a temática da ética e das virtudes. Concepção moral afirmamos, mas não sem perder de

vista os interesses políticos das artes de governar; não sem perder de vista o valor concedido às

experiências; não sem deixar de começar a se pensar a política como uma ciência; não sem um

grau de secularização bastante presente nos discursos. Todas estas tendências refletem as

transformações que estão acontecendo na tratadística política dos seiscentos e denotam as

alterações ensejadas pelas obras de vários autores como Botero, Guicciardini, Justo Lipsio, entre

outros; mas especialmente por Maquiavel.

Elena Cantarino, em seu artigo Tratadistas político-morales de los siglos XVI y XVII

(Apuntes sobre el estado actual de la investigación)131, esclarece que a Razão de Estado era

entendida como o ápice do obrar político ou o conjunto de normas que diz ao governante como

agir para adquirir, aumentar e conservar o Estado. Neste eixo, a Razão de Estado havia se

131 CANTARINO, Elena Tratadistas político-morales de los siglos XVI y XVII (Apuntes sobre el estado actual de la investigación) El Basilisco (Oviedo), nº 21 p. 4-7, 1996.

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convertido na suprema forma de justificação do poder e de seus métodos. Dito de maneira

similar, a Razão de Estado significava a política levada à prática, para os escritores políticos

modernos.

Maravall define Razão de Estado como uma lei suprema que dirigia a conduta política

inspirada pela autonomia que deveria reger os princípios de governo, através do rechaço de

qualquer consideração moral que constituísse um empecilho às conveniências estatais. Para o

autor, a teoria da separação da figura do rei seria um exemplo de aplicação deste princípio. A

conduta norteada pelas máximas da Razão de Estado seria uma forma de fazer jus à aspiração

cientifica do saber político, porquanto caracterizaria um tipo de ação ao mesmo tempo individual,

porque tenta se adequar ao que cada situação apresenta de específico e singular, e geral, pois

responderia a fatos que se supunham comuns e permanentes a todos os governos. Finalmente,

Senellart analisa os discursos da Razão de Estado como desdobramentos da antítese entre

governar e dominar, afere-se no seguinte segmento:

O discurso da razão de Estado que, durante um século e meio, repercutiu a onda de choque maquiaveliana, para amplificá-la ou amortecê-la, organiza-se igualmente (segundo linhas de partilha complexas e entrecruzadas) em torno da antítese governar – dominar. [...] No entanto ela existe, uma vez que opõe duas práticas da ragion di Stato. Quer eles denunciem seu caráter ilusório, apresentem- na como um artifício útil, um simples critério metodológico ou uma distinção de princípio, essa oposição estrutura o discurso político dos teóricos da razão de Estado. 132

Baseando-se na aceitação, pouco menos que universal, de que o pensamento político

espanhol dos seiscentos outorgou a forma de conceber as matérias de Estado associadas aos

imperativos reunidos em torno do conceito de Razão de Estado, compete perceber que as teorias

formuladas sobre tal assunto foram bastante diversas. Fernández Santamaría intentou agrupar em

diferentes escolas os tratadistas que escreveram abordando o tema da Razão de Estado. Claro está

132 SENELLART, 2006, p. 21.

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que a pluralidade do pensamento político barroco representa um obstáculo a estabelecer rígidas

divisões. Outrossim, o termo escola pressupõe uma coesão entre os tratadistas que nunca existiu.

Contudo, o esforço de Santamaría é válido, pois, elabora um panorama da teoria política

espanhola moderna. O autor aglutina em três escolas133: eticista, idealista e realista, mesmo que

as divisões entre estas escolas sejam notadamente fluídas.

A escola eticista seria aquela que entenderia que a política deveria estar completamente

subordinada à moral, assumindo uma postura radicalmente antimaquiavelista; entre seus

representantes são apresentados comumente: Pedro de Rivadeyneira, Juan de Mariana, Pedro

Barbosa Homem, entre outros. A escola idealista sustentaria princípios similares aos eticistas,

mas com a particularidade de identificar a religião com a Monarquia Espanhola; entre seus

principais adeptos são apontados: Juan de la Puente, Gregório López Madera e Juan de Salazar.

Por último, a escola realista estaria composta por um grupo menos homogêneo que os formados

pelas outras escolas e pretenderia formular uma concepção de Razão de Estado pragmática e

verdadeira, aproximando a política da realidade coetânea. Uma da figuras chaves, utilizada para

elaborar a concepção política sustentada em termos gerais pela escola realista, seria Tácito, pois

suas obras eram interpretadas como uma alternativa às doutrinas maquiavélicas. Enquadrariam-se

nesta visão da política figuras como Baltasar Álamos de Barrientos, um dos tradutores de Tácito,

e Juan Pablo Mártir Rizo, ambos próximos e amigos de Quevedo, conforme sublinhado por

Miguel Marañón Ripoll.

Constatada a importância que atingiram as formulações teóricas em torno da Razão de

Estado, resta analisar o conceito de prudência. Profundamente associada ao conceito de Razão de 133 Ainda sobre os problemas que pode suscitar esta divisão, que no entanto é utilizada por diversos autores contemporâneos como Cantarino, Ripoll e Gimenéz Peréz, deve-se ressaltar que dentro dela se pode perder as matrizes pessoais características de tratadista. Quevedo geralmente é enquadrado na escola esticista, todavia consideramos esta classificação superficial e apresada, pois, ela não perdura a uma análise mais detida da obra do autor. Assim no caso específico de Quevedo, tão polêmico e polissêmico, esta divisão das linhas de pensamento sobre a Razão de Estado é improdutiva.

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Estado encontramos a prudência, considerada a principal virtude política necessária às novas

formas de conceber o exercício governamental. Por vezes, a prudência surgia apresentada como

um equivalente a Razão de Estado, ou ainda, entendida tal como um desdobramento da Razão de

Estado.

No intento de analisar a importância que a prudência – entendida tal qual virtude política

cardinal – atingiu no pensamento político da época moderna, torna-se fundamental entender

como estes escritores transformaram a concepção de prudência, que fora organizada por

Aristóteles e era também utilizada na obra de Tomás de Aquino, a fim de empregá-la de acordo

com os imperativos de sua própria temporalidade.

Segundo Míssio Edmir134, em sua tese de doutoramento sobre o conceito de dissimulação

honesta de Torquato Acceto, a prudência é definida como uma virtude intelectual por Aristóteles;

específica da parte calculativa da alma racional em contraposição às virtudes intelectuais do

segmento científico da alma. O mundo contingente seria o objeto por excelência da prudência,

fazendo com que ela se inseria no plano do universo mutável, diferindo, por exemplo, da

sabedoria que atua na ordem do imutável.

A prudência é uma virtude que se insere no plano da ação, passando a se desenvolver

apenas com o tempo e a aquisição de experiência, para que possa atingir sua finalidade: atuação

justa precedida de deliberação e conectada com os fins esperáveis acarretados pela ação que se

produz. Contudo, a prudência incluiria também o conhecimento do universal, pois, ao caso

particular pode ser aplicável um procedimento geral. A ação do prudente conjugaria o caso com a

experiência, optando pelas melhores ações possíveis nas situações particulares. Resta sublinhar

134 MÍSSIO, Edmir. Acerca do conceito de dissimulação honesta de Torquato de Acceto. Campinas: Unicamp: Instituto de Estudos de Linguagem, 2004. (tese de doutorado).

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que Aristóteles estabeleceu uma conexão entre prudência e sabedoria política; no sentido que as

inseriu em uma mesma e única disposição, ainda que a essência de ambas não seja equiparável.

Com o correr dos tempos, o conceito de prudência foi dotado de uma enorme

complexidade135. Passou pela Antiguidade Clássica, pela tradição latina e associou-se em grande

parte à tradição religiosa; conservou vários elementos patrísticos e esteve estreitamente ligado ao

discernimento e a descrição que formavam a base da ética monástica.

Tomás de Aquino, seguindo Aristóteles, compreendeu a prudência como a virtude

específica que permitia ao homem alcançar racionalmente seus objetivos nas situações

contingentes, tal uma arte deliberativa dos meios. Entretanto, Aquino teria convertido a

prudência em uma virtude cristã, porquanto a teria definido como “reta razão das ações por

fazer”136, restaurando a continuidade entre os planos divino e humano.

O entendimento de Tomás de Aquino, sobre temática da prudência configurou o plano

discursivo sobre o qual se instauraria posteriormente a ruptura maquiavélica. Neste contexto, a

virtude da prudência inauguraria um tipo de racionalidade instrumental, conferindo singular

atenção aos meios de agir. Senellart, em seu brilhante livro sobre as artes de governar, qualifica

nas palavras seguintes a prudência do aquinate: “Pois ela não é propriamente uma virtude moral,

mas uma inteligência prática, em conformidade com o apetite honesto, necessária para orientar-se

no domínio do contingente”. A prudência estaria conduzida por um bem a realizar, estando

plenamente conectada com as leis pelas quais o governante encaminha o reino ao bem comum.

Maquiavel libertaria a prudência de sua inscrição na ordem moral. Convertendo-a em

técnica de ação eficaz, pois teria transformado a concepção medieval da prudência, caracterizada

por uma virtude moderadora das paixões e condutora dos homens que objetivam ao bem comum,

135 Cf. SENELLART, 2006; ALBUQUERQUE. Martim 2002. 136 AQUINO, Tomás. Suma Teológica, apud, SENELLART, Michel. op. cit. p. 190.

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alcançado pelo uso da razão. Para Senellart, este seria um dos maiores contributos oferecidos por

Maquiavel para a transformação do discurso político, marcando decisivamente o abandono de

uma ontologia finalista substituída por uma tecnologia empirista. Desta forma, o século XVI e

também o XVII, após o haver estabelecido a Razão de Estado como expressão máxima do saber

político, emancipou plenamente a prudência do terreno teológico jurídico.

Francesco Guicciardini, assim como Maquiavel, interpretava a matéria política pautando-

se em uma concepção pragmática. Guicciardini conferia especial atenção à importância do uso da

prudência na vida pública. O homem prudente é caracterizado como aquele que é dotado de

sabedoria política e, portanto exímio conhecedor da arte do estado. Um conjunto de atributos,

inscritos em preceitos pragmáticos, que permitiriam a condução da res publica; tendo por

finalidade a conservação e ampliação do poder do Estado.

O conceito de prudência, em Guicciardini, define um procedimento hábil para orientar

estrategicamente os atos dos homens políticos, baseado no exame acurado das situações sem estar

necessariamente subordinado a qualquer outra virtude, ou mesmo a justiça. Esta interpretação

estaria baseada na concepção da existência humana como algo dinâmico e problemático137. Tal

qual a operação, realizada por Maquiavel, de reformulação do conceito de prudência definido por

Tomás de Aquino, também para Guicciardini a meta do agir prudente encontrava-se modificada;

dissociada de sua essência primeira de condução à justiça e ao bem comum. Enfim a prudência

seria uma disposição prática, capaz de discorrer sobre o particular e o geral.

Neste estudo, particularmente, é preciso definir a reelaboração do conceito de prudência

realizado por Justo Lipsio, pois seria esta reelaboração que obteria maior relevo para os

tratadistas políticos espanhóis. D. Francisco de Quevedo também se apropriaria do conceito

137 Cf. TEIXEIRA,Felipe Charbel. O melhor governo possível: Francesco Guicciardini e o método prudencial de Análise da Política. Dados- Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 50, n. 2, p. 325- 349, 2007.

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elaborado por Lipsio, todavia utilizando outros termos. A mudança operada por Lipsio consistiu

em conjugar a prudência como virtude moral e a prudência como base da ciência de Estado. De

acordo com o exposto sobre a prudência, afere-se que esta se baseia na experiência, no uso e na

memória das coisas; desta forma enquadrando-se perfeitamente nos pressupostos do pensamento

político espanhol com pretensões científicas.

Lipsio teria remodelado o significado de prudência atribuído por Tomás de Aquino a

partir de uma simples alteração, todavia com enormes conseqüências. O reto agir objetivando o

bem, seria substituído pelo reto agir cuja finalidade é o necessário ao Estado. Albuquerque afirma

que a concepção de prudência de Lipsio, fora concebida seguindo o princípio de distinção entre

as coisas úteis e danosas exposto por Tácito nos Anais, ou seja expandindo a dicotomia entre

coisas boas e más, ou virtuosas e não virtuosas, em última análise, separando a esfera da ética do

âmbito da conveniência. O autor elucida no trecho a seguir:

Mais uma vez a construção teorética de Lipsio é ambígua. Bifronte. Virtude e conveniência conjuntamente! Herdara ele da melhor tradição política ocidental, de um fundo multissecular, a concepção do príncipe conjunto de virtudes e que devia agir pela virtude. Mas a história (a memória) e realidade política do seu tempo (a experiência) demonstravam-lhe que o governante, para enfrentar os inimigos, tinha de actuar em acordo com que podia ser útil. Isto explica que condenasse Maquiavel e ao mesmo tempo exprimisse pelo autor de Il Principe a maior admiração. Não por acaso, Tácito, matriz fundamental de Lipsio, foi alternativa do Florentino, seu par ou sucedâneo...138

A prudência lipsiana forneceria discernimento e julgamento verdadeiro dos casos. A

experiência, e ou empiria, combinadas dos ensinamentos da história seria o fundamento da

prudência. Elaboração metódica, organizada de forma tal a possibilitar a combinação entre ética

religiosa e uma base científica e empírica de sua concepção política, necessária às novas formas

de vida em sociedade delineadas pela emergência do Estado Moderno. Poder e prudência, são as

bases da prática governamental pensada por Lipsio, de acordo com a advertência de Oestreich. É 138 ALBUQUERQUE. Martim. 2002, p. 35.

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ainda este autor quem identifica a prudentia mixta de Justo Lispio como um sinônimo para Razão

de Estado.

A prudentia mixta significaria a prudência mesclada com disfarces ou enganos, mas

certamente isto não correspondia ao completo afastamento do que é virtuoso e ético. O

governante deve saber portar-se como um leão e também como uma raposa, metáfora também

utilizada por Maquiavel, devendo orientar sua ação conforme a ocasião. Lipsio adverte que o

monarca não deve abalar-se pelo que os ingênuos argumentam, entendendo por ingênuos aqueles

que condenam esta prática política. Isto fica evidente no seguinte trecho de sua obra Politicorum,

onde Lipsio argumenta em prol do uso de meios fraudulentos:

Parecen ignorantes de este siglo y de las condiciones de los hombres de él, pronunciando su voto y parecer como si hallasen en la república de Platón y no en las heces de la Rómulo. Porque entre quién vivimos? Es a saber, entre agudos e maliciosos, y que parecen estar enteramente compuestos de fraudes, mentiras y engaños. [...] El filósofo advierte que los reinos se arruinan por fraudes y engaños. Por qué no será, pues, lícito conservar-los por los mesmos medios; y al princípe, hallándose entre raposas, el servirse de las tretas de ellas y, a veces, raposear, principalmente si el caso y la salud pública, de quien depende la suya propia, se lo persuaden? Y yerran verdaderamente los que lo niegan. Porque desamparar el provecho común, es no sólo contra toda la rázon, sino contra la misma naturaleza. [...] En balde será pensar que en esto se halle alguna mezcla de fealdad; pues es cierto que lo que de ordinario se suele tener por feo no lo será por semejante respecto cumpliendo siempre bien con su oficio el que atiende al provecho común de los hombres y de la república. Y así ruego que no se admiren tanto, ni se sientan ofendidos, si por nuestro parecer y juicio aquella verdadera y recta razón no quedare siempre con ventaja, queriendo realmente que el princípe sea de un entendimiento levantado, claro y límpio, pero que sepa con todo esto mezclar el provecho con la honra. 139

Na discussão sobre os meios fraudulentos a serem empregados pela manutenção da salud

pública, Lipsio define a fraude como “consejo agudo que se desvía de la virtud o de las leyes,

por bien del rey y su reino” 140 e distingue os meios fraudulentos em três tipos: ligeiro, médio e

139 LIPSIO, Justo. Políticas.In: ECHEVERRÍA, Javier Pena; LÓPEZ, Modesto Santos (Estudio Preliminar y Notas) Madri: Tecnos, 1997. p. 190. 140 Ibidem, p.192.

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grande; recomendando o primeiro, tolerando o segundo e condenando veementemente a prática

do terceiro. O tipo ligeiro de fraude não se afastaria muito da virtude, estando apenas levemente

tocado pela malícia; nesta classificação encaixam-se a dissimulação e a desconfiança. O segundo

tipo estaria mais próximo do vício do que da virtude, suas práticas seriam a mentira e o suborno.

O tipo de meio fraudulento grande afasta-se não só da virtude mas também das leis, identificado

nas ações da perfídia e da injustiça. Nesta conjuntura, o desenvolvimento do conceito de

prudentia mixta não deixa, portanto, de estar intimamente associado às temáticas da dissimulação

e simulação que, em grande parte, marcaram a política barroca, muito antes da obra Della

dissimulazione onesta, de Torquato Acceto, que só seria publicada em 1641.

A prudência, tal qual a elaboração feita por Lipsio, encontrava-se em perfeita

consonância com a verdadeira ou cristã Razão de Estado que se opunha à Razão de Estado

maquiavélica, na concepção dos tratadistas políticos espanhóis de finais do século XVI até

meados do século XVII. Ambos os conceitos estão essencialmente associados, mesmo que haja

pequenas exceções. É de extrema importância que se leve em consideração o significado destes

conceitos e as mudanças que sofrerão no decorrer do tempo, como premissas irremediáveis para a

análise do discurso político seiscentista e logicamente da obra de D. Francisco de Quevedo.

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3 Terceiro Capítulo

3.1 Considerações Gerais acerca de “Las Políticas” de Quevedo

Apresenta-se nesta seção alguns elementos e concepções elaboradas no esforço de realizar

uma exegese do discurso político de D. Francisco de Quevedo y Villegas. Sabemos, porém, que a

reflexão sobre o aspecto político da obra de Quevedo não é uma senda muito trilhada,

comparativamente com os estudos propriamente lingüísticos, pelos pesquisadores que se dedicam

ao estudo do autor. Entretanto algumas significativas colaborações foram produzidas neste

sentido e iremos comentar as análises mais relevantes para este estudo, no intuito de ampliar o

panorama das interpretações aqui propostas. Selecionamos os seguintes autores para compor este

panorama: Eva María Díaz Martínez141, Miguel Marañón Ripoll142 e José Antonio Maravall143.

Esta seleção foi feita baseada na interpretação que considera Maravall como um dos principais

historiadores espanhóis do século XX que se dedicou ao estudo da idade moderna na Espanha,

podendo sua extensa obra ser apontada como capital e incontornável para qualquer pesquisa

inserida nesta temática. Martínez e Ripoll integram este panorama porque são dois pesquisadores

atuais do tema que ofertam diferentes e complementares visões da obra quevediana. Os três

pesquisadores manifestam a necessidade de considerar as características históricas presentes na

citada obra; desta forma ampliando as possibilidades interpretativas compostas apenas pelos

pressupostos lingüísticos e literários.

141 QUEVEDO, Francisco de. Discurso de las Privanzas. In: MARTÍNEZ, Eva María Díaz (Estudio preliminar, edición y notas). Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 2000. 142 RIPOLL, Miguel Marañón, Reyes y privados. Discurso satírico y filosofia política en un texto quevediano. Criticón. n. 92, p. 123-140, 2004 ; Id. La razón de Estado, el intelectual y el poder en un texto de Quevedo. Criticón. n. 93, p.39- 59, 2005. 143 MARAVALL, 1984.

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Eva María Díaz Martínez realizou uma edição crítica da obra quevediana, Discurso de las

Privanzas, acompanhada de um estudo preliminar, resultado de uma versão revisitada e

atualizada da tese de doutorado da autora apresentada na Universidade de Santiago de

Compostela, em 1998. Na segunda parte do estudo crítico, Martínez dedica-se a analisar as

principais correntes de pensamento que possam ter influído na citada obra de Quevedo. Para

tanto, a autora irá se utilizar tanto da obra de outros autores quanto dos escritos que compõem o

corpus político da obra quevediana. Vamos seguir os passos da análise da autora no intuito de

apontar as principais referências presentes na obra de Quevedo, a título de ampliar o horizonte

teórico em que tal obra se insere, porém sem esquecer que neste estudo o foco principal é a

influência do neo-estoicismo na concepção apresentada por Justo Lipsio.

É necessário postular que a presença de alguns elementos que dizem respeito a uma

tendência específica do pensamento político espanhol, não significa o pleno pertencimento e a

adesão inquestionável de todos os preceitos que caracterizam determinada tendência. O que

comumente ocorre é um amálgama de preceitos e doutrinas ao gosto do autor.

A autora começa apontando o pertencimento de Quevedo a uma tendência que analisa as

problemáticas do governo em seu aspecto social e ético. D. Francisco seguiria portanto uma

tendência presente em nas obras de Furió Ceriol, Pedro de Rivadeneyra e Felipe de la Torre;

conjugada com a vertente mais tradicional do pensamento medieval e renascentista e o interesse

por modelos oratórios bíblicos e da Antiguidade Clássica.

A seguir, Martínez destaca a presença da doutrina erasmista na obra do autor castelhano.

Como explicação para a presença das teorias de Erasmo de Roterdã nos citados escritos, a autora

cita a convivência de Quevedo com o grupo de teólogos de Alcalá, onde ele estudou. Quevedo

mencionará Erasmo em diversas obras, em alguns momentos criticando e em outros formulando

elogios. No Política de Dios, fica transparente o julgamento dúbio de Quevedo em relação a

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Erasmo, “Esto, Señor, expresamente es aconsejar que se prueben los ministros. Y si bien Erasmo

en otras cosas fue sospechoso, este consejo está católicamente calificado”144. A postura mais

correntemente adotada será diluir a tradição erasmista no texto sem nomear o autor.

No âmbito da reflexão política são apontadas algumas similitudes entre Quevedo e

Erasmo. A começar pela meditação sobre o príncipe cristão145. O privado ideal, descrito no

Discurso de las Privanzas, seria o possuidor das mesmas virtudes designadas por Erasmo como

essenciais ao príncipe: vigilância, perícia, retidão, sabedoria, justiça, moderação de ânimo e o

zelo pelo bem estar público. Destacados pontos seriam também: o imperativo do rei ser um

modelo de emulação para os súditos, a necessidade de aconselhamento real que realçaria o papel

do ministro e a crítica à adulação. Imbuídos pela moral cristã refletida no terreno político, tanto

Erasmo como Quevedo irão criticar a soberba, a avareza e o luxo excessivo como perigosos

elementos de desestabilização da monarquia. Encerrando o painel146 construído pela autora das

diversas referências presentes na obra de Quevedo, segue o trecho:

Completan este elenco de influencias otros modelos habituales en la tradición de los espejos medievales, renacentistas y barrocos. En términos generales, gran parte de la filosofía socio-política del XVI y XVII se inspira (através de San Agustín y – especialmente – de Santo Tomás) en el principio aristotélico, estoico y ciceroniano de la sociabilidad natural del hombre [...] La visón de la sociedad regida por un ius naturale (preexistente al orden político) es substituida aquí por una definición de la misma en términos de jerarquía y poder político (no de sociabilidad natural); 147

144 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte primera). In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 360- 423. p.367. 145 Assim como Eva, Jauralde também faz esta associação. 146 Não quisemos acompanhar detidamente as referências citadas pela autora, por considerar que isso nos afastaria de nosso objetivo e também porque no mais das vezes a aproximação de Quevedo com um amplo espectro de autores; em que determinadas opiniões comumente se repetem ou encontram-se reelaboradas, pouco nos ajudaria para efetivar uma análise da obra. Tendo em vista que a forma de escrever do século XVII é fartamente pautada na emulação, baseando-se em um variado número de autores, não servindo para muito apontar pequenas semelhanças entre as obras. 147 QUEVEDO, Francisco de. Discurso de las Privanzas. In: MARTÍNEZ, Eva María Díaz (Estudio preliminar, edición y notas). Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 2000. p. 90.

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José Antonio Maravall elabora uma visão bastante diversa da apresentada por Eva

Martínez. Fica evidente o embate com a presteza de Martínez, sublinhamos que estas análises são

muito breves e por vezes superficiais, em perscrutar a presença de outros autores na obra de

Quevedo. Maravall entende tal intento como um esforço inválido, afirmando que o discurso

político do fidalgo não pode ser interpretado qual um bloco de idéias ou tópicos mais ou menos

sistematizados, formulados em épocas anteriores, e que se repetiram no século XVII. Segundo o

autor: “Reino, principe, paz, justicia [...] encierran um significado distinto, porque distinta es la

problemática que en torno de ellos se plantea [...] y no menos distinta la estimación social que

suscitan”148.

Inicialmente, Maravall fornece uma interpretação sócio histórica da obra de D. Francisco,

para, depois, nos oferecer uma análise dos escritos a partir da teoria política moderna. Examinar a

apreciação de Maravall sobre Quevedo foi de extrema importância para este estudo. Apesar de

não concordarmos com todas as conclusões, postuladas pelo historiador espanhol, não devemos

ignorar as contribuições de um autor desta competência, em especial no que diz respeito aos

estudos sobre a época moderna na Espanha.

O primeiro aspecto a ser sublinhado, por Maravall, relativo ao fidalgo, é a complexidade

interpretativa, característica do espectro de condições que configuram a sociedade barroca. O

historiador identifica na obra um corpo doutrinal que seria composto por temas chave; tais quais a

idéia de monarquia, conservação, poder absoluto, ordem social, estatização da igreja, subversão,

repressão, moeda, oposição entre estrangeiro e natural e problemas de estratificação. Ressalta

também a qualidade circunstancial dos escritos. Maravall pretende analisar a figura de Quevedo

quase como um Arbitrista, ou seja, alguém engajado em propor soluções para os problemas da

148 MARAVALL, 1984, p. 291.

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Monarquia dos Austrias. Para tanto evidencia a atenção do fidalgo às questões conflituosas da

política interna e externa de sua época.

A título de reposta à indagação de qual seria o alinhamento ideológico149 de Quevedo, se

conservador ou progressista150, ainda que não vejamos sentido na pergunta, nos interessa a

resposta formulada por Maravall. O autor alega que apesar de enxergar nos escritos de Quevedo

um desejo de conservação da sociedade tradicional, é também considerável a aceitação de

novidades; aceitação necessária devido às transformações que ocorriam naquela sociedade

ocasionadas “por la crisis de la primera modernidad”151. Transpondo tal pensamento, feito no

âmbito de uma interpretação histórico-social, para o terreno da teoria política entende-se a

tentativa de Quevedo de conjugar os preceitos éticos e morais com as premências pragmáticas do

exercício político, modificado pela emergência do Estado Moderno.

Pode-se ainda ressaltar dois pontos de interesse nas acepções que Maravall formulou

sobre a obra de Quevedo. O primeiro diz respeito à ponderação do fidalgo sobre a teoria das

formas de governo; continuando os termos de uma discussão clássica sobre a teoria das formas de

governo152, que preocupou autores consagrados da filosofia política como Aristóteles, Platão,

Maquiavel, entre outros. Quevedo apresenta as diferentes formas de governo de forma

sintética153, enquadrando-se na acepção mais clássica, a aristotélica, e contemplando também o

149 Destacamos que estamos fazendo uso do jargão característico utilizado por Maravall. 150 Este questionamento é identificável em vários estudos sobre a figura de Quevedo, não vemos sentido em tal tipo de indagação que consideramos anacrônica, pois antes de formular este tipo de questão deveria-se esclarecer qual critério esta sendo utilizado para classificar uma determinada postura política como conservadora ou progressista. 151 MARAVALL, 1984, p.262. 152 Cf BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Brasília: Editoria Universidade de Brasília, 1980. 153 Maravall cita o seguinte trecho, da obra La hora de todos, de Quevedo: “si el senado republico se compone de muchos, es confusión; si de pocos, no sirve sino de corroper la firmeza y excelencia de la unidad: está no se salva en el Dux, que, o no tiene absoluto poder, o es por tiempo limitado. Si mandan por igual nobres y plebeyos, es una junta de perros y gatos, que los unos proponen mordiscones con los dientes ladrando, y los otros responden con araños y uñas. Si es de pobres y ricos, los ricos desprecian a los pobres, los pobres envidian a los ricos. Mirad qué compuesto resultará de envidia y desprecio. Si el gobierno está en los plebeyos, ni los querrán sufrir los nobles, ni ellos podrán sufrir el no serlo. Pues si los nobles mandan, no hallo comparación a los súbtidos sino la de condenados” em MARAVALL, 1984, p. 319.

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tema do governo do misto154, para evidenciar a superioridade da monarquia como o melhor dos

modelos. O segundo concerne à crítica empreendida, por Quevedo, da nobreza que vincula-se a

questão da honra que teria sido corrompida pelo seu desdobramento em opinião; tal crítica

aparece principalmente nos escritos satíricos do autor.

À excelente contribuição legada por José Antonio Maravall, só nos resta apontar um

equívoco que, todavia, não ofusca a sagacidade das análises realizadas sobre a obra de Quevedo.

Maravall equivocou-se ao julgar o posicionamento de Quevedo relativo a sua configuração

temporal, a partir da aplicação de valores e posturas originárias de situações sócio-históricas

posteriores. Em outras palavras, o autor qualifica positivamente as características classificadas

como inovação e negativamente as características identificadas com o que poderia denominar-se

uma postura conservadora; isto conduz ao anacronismo que levou o autor a conceber a sociedade

barroca através de uma chave maniqueísta, configurada por forças conservadoras e elementos

subversivos.

Concluímos o panorama dos autores que dedicaram-se ao estudo do aspecto político da

obra de D. Francisco de Quevedo y Villegas, com Miguel Marañon Ripoll que escreveu,

recentemente, dois artigos tratando sobre a temática política na obra Discurso de todos los

diablos de Quevedo. O autor evidencia que o discurso político D. Francisco deve ser interpretado

em duas dimensões que estão presentes no desenvolvimento realizado da teoria ética e política, e

no tratamento concedido às questões relevantes da política interna e externa da Monarquia dos

Austrias.

Em Discurso de todos los diablos, Ripoll identifica uma maior atenção concedida à

primeira dimensão, acima referida. O conteúdo estaria centrado em questões teóricas e na

reelaboração de conceitos presentes em outros tratados políticos da época. Nesta obra de 154 De acordo com a perspectiva de Políbio.

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Quevedo, o tratamento de questões políticas estaria presente em três passagens. A primeira

passagem seria dedicada à desagregação do poder monárquico, neste trecho César e seus

senadores apareceriam no inferno. No segundo fragmento traz uma referência à complexa relação

estabelecida entre reis e seus privados, através de enunciados formulados pelos privados; e

finalmente, no terceiro trecho, as reflexões estariam centradas no tema da tirania. A utilização de

figuras consagradas como César, os reis e ministros da Antiguidade como os enunciadores do

discurso, tem por finalidade a expressão do ponto de vista do pensamento filosófico e político do

autor dissimulado pela utilização deste recurso estilístico.

Maranõn seleciona um extenso fragmento do Discurso de todos los diablos, que reproduz

em seu artigo155, para a partir dele construir a análise. O fragmento narra um panorama de

encenação metafórica de um grupo de tiranos – Dioniosio Sículo, Fálaris e Juliano, o apóstata –

que debatem com um grupo de filósofos da Antiguidade, estes famosos por seus escritos sobre a

arte de governar. Juliano é o tirano que discorre sobre a Razão de Estado; o monarca defende que

o exercício político pouco tem a ver com as teorias formuladas pelos filósofos que escreveram

sobre as premissas do que deveria ser e não do que é, acusando os filósofos de idealistas.

A frase colocada na boca de Juliano é impactante: “decid la verdad y escribid de dia y de

noche! No escribáis lo que había de ser, que esa es doctrina del deseo; no lo que debía ser, que

esa es lición de la prudência; sino lo que puede!”156. A argumentação do tirano justifica o

pragmatismo nas ações do governo, pois este seria o modo de proceder adequado à realidade do

mundo.

Marañón aconselha cautela na interpretação da citada sentença Quevedo, proferida por

Juliano, que seria apenas mais uma das vozes que o fidalgo faz aparecer na sátira; sendo

155 RIPOLL, 2005. 156 Ibidem, p. 42.

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precipitado identificar tal raciocínio imediatamente aos preceitos do pragmatismo político. O

autor alude que este é um procedimento corrente na obra de Quevedo: validar as conclusões

tiradas de personagens que lhe pareciam polêmicos157. Para ilustrar este procedimento o autor cita

um trecho de Lince da Itália o Zahori Español de D. Francisco, vale conferir:

El asistir a la religión, Señor, es la verdad de los príncipes, y de todos lo primero. Y Tácito, en el libro primero de las Historias, dice: «Entre tanto, el ignorante Galba atendía a sus sacrificios, importunando los dioses del Imperio». He leído muchas veces esta impiedad tan extraña. Ignorante llama al príncipe que atiende a los sacrificios y a la religión, cuando su imperio o reinos andan en alborotos? Quería el bellaco de Tácito, como gentil al fin, que en queriendo a uno quitarle la capa, se apartase de la iglesia y templo y dioses y se asiese de ella; y que parecía mejor en la escarapela de su ropa, que en el sacrificio? Error de hombre sin fe, pero bien hablado.158

Afere-se da passagem que os homens sem fé podem ser dignos de admiração. Conclui-se

que também aos ímpios e aos que sustentam a validez da Razão de Estado, pode-se conceder

razão. O que serve de sustento à nossa interpretação do discurso político de Quevedo como

orientado pelas finalidades pragmáticas da arte de governar.

Concluiremos esta apresentação das linhas gerais onde se insere o discurso político de

Quevedo com uma breve análise da relação estabelecida entre a obra quevedesca com a doutrina

maquiavélica. A postura de Quevedo frente a Maquiavel é alvo de constante revisão entre os

pesquisadores que estudam sua obra. É corriqueira a apresentação de Quevedo como um escritor

que condenava abertamente Maquiavel e seus ensinamentos, propondo um fazer político

totalmente norteado pela ética religiosa católica. Temos comprovado que esta interpretação

encontra-se bastante alheia do exposto em várias obras de Quevedo, incluindo o Política de Dios.

Apesar do fato de que mesmo entre os pesquisadores da obra de Quevedo que percebem nos

escritos um determinado encaminhamento compatível com um olhar empírico e pragmático sobre

157 Lembremos da passagem já citada em Quevedo dá razão a Maquiavel. 158 Quevedo, Francisco de, apud RIPOLL, 2005, p. 55.

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a matéria política, é um procedimento recorrente excluir a citada obra deste panorama. Não

compartilhamos de modo algum desta orientação e tornaremos claros os motivos para tal na

segunda seção deste capítulo.

Em relação ao maquiavelismo, Quevedo guardará distância desta teoria, mas não sem

reconhecer certa validade na doutrina política do secretário florentino. Na maior parte das vezes o

escritor utiliza certas assertivas do maquiavelismo e as torna compatíveis com a doutrina católica.

Em outras circunstâncias segue de perto a Maquiavel, sem porém mencionar seu nome, e em

determinadas ocasiões lhe censura abertamente. Esta todavia é uma das raras passagens em

Quevedo concede razão abertamente a Maquiavel: “Parecer es que le tiene Nicolás Maquiavelo,

y es acertado, porque el que castiga la maldad cuando conoce que lo es, muestra claro que al

consertir-la o hacerla no tuvo culpa” 159.

A relação ambígua com o maquiavelismo demonstra a influência que anexada

confusamente em torno ao nome de Maquiavel, expressa na península ibérica a aceitação do

pragmatismo na política. Evidência deste fato é que Quevedo inclui a prudência entre as virtudes

exigidas ao rei e aos privados. Ora a prudência se define pela capacidade de analisar as situações,

para a partir desta análise escolher a melhor providência a ser tomada. Em outras palavras,

significa a disposição necessária para examinar apuradamente os eventos, prática responsável

pela orientação estratégica das ações políticas.

O mesmo procedimento realizado com a doutrina maquiavélica ocorre com o conceito de

dissimulação que mesmo sendo alvo de censura por parte de Quevedo, em algumas obras como é

o caso de El Rômulo, na maior parte das vezes é aceito como parte essencial do exercício político,

tal qual aparece na obra Marco Bruto: “Nada ha de mostra menos que lo que se desea más. La

159QUEVEDO, Francisco de. Discurso de las Privanzas. In:MARTÍNEZ, Eva María Díaz (Estudio preliminar, edición y notas). Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 2000. p. 249.

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hipocresía exterior, siendo pecado en lo moral, es gran virtud politíca”160. O que certamente

mais impressiona é valorização da dissimulação como uma qualidade divina, feita na obra Vida

de S. Pablo Apostol, deixemos Quevedo se pronunciar:

A esta que llaman em San Pedro dissimulación, palabra que tienes confines achacosos, yo lo llamo prudência divinamente política, y a tan altamente divina, que llandola simulacioción San Geronimo, dize : In defensione Petri, vtilem simulationem, etassumendan in tempore. Dissumaciolación útil, y que deve imitarse a su tiempo161

Entretanto a tendência que mais consideramos ativa na obra de Quevedo é o neo-

estoicismo em sua acepção política. Para efetivar a compreensão de tal influência deve-se

recorrer à figura de Justo Lipsio e a difusão da filosofia neo-estóica; empreendida por este

humanista belga com quem Quevedo trocou correspondências e por quem nutria uma inegável

admiração. Em termos gerais, o estoicismo lipsiano irá proporcionar ao nosso fidalgo uma

filosofia moral que combinada com a ética católica construirá toda sua doutrina política.

A valorização da prudência e a concepção das virtudes de Francisco de Quevedo

respondem por afinidades com a obra de Lipsio e em um determinado nível também com a obra

de Botero; inseridas na configuração produzida pela Razão de Estado, já anexada as prerrogativas

da ética e da moral contra-reformadas. Na obra de Quevedo a concepção da virtude e da

prudência não está mais inserida na configuração aristotélica-tomista, mas também não

corresponde a formulação maquiavélica que concede um largo espaço para a utilização de meios

amorais. Virtude e prudência são compreendidas, na obra quevediana, como instrumentos cuja

utilização visa o bom funcionamento do Estado.

160 QUEVEDO, Francisco de. Marco Bruto. In: MARIN,Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 732. 161 Ibidem. p.1324.

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3.2 Política de Dios, Gobierno de Cristo

Política de Dios, Gobierno de Cristo pode ser considerada uma das mais elaboradas obras

dentro do corpus quevediano e também a mais extensa; apesar de ser uma das obras menos

estudadas, se compararmos por exemplo com o número de estudos dedicados à novela picaresca

La Vida del Buscón. Política de Dios é um tratado que, como muitos outros do período, apresenta

uma marcada orientação pedagógica e um tom erudito, comprovado através do uso de citações

originárias de saberes diversos. Podemos considerar que o escrito se encaixa na tradição retórica

dos espelhos de príncipes. O texto elege como interlocutor um destinatário régio, a fim de exortar

ao monarca ao bom exercício de suas funções; conjugando retórica e práxis política para forjar

uma comunicação com o monarca. O escrito apresenta, porém, várias divergências relativas ao

tratamento concedido às questões das artes de governar, habitualmente apresentadas nos espelhos

medievais ou mesmo renascentistas.

O Política foi redigido em duas partes. A primeira que se acerca do período que viemos

analisando e está dirigida a autoridade temporal dos monarcas castelhanos, já a segunda parte do

tratado só foi redigida em 1634, dedicada ao papa Urbano VIII. Ainda que a segunda parte do

tratado esteja fora do nosso recorte temporal e apresente algumas diferenças em relação à

primeira, ela não será excluída da análise. Optamos por incluir estar segunda parte do escrito,

objetivando não quebrar a própria ordem discursiva da obra, que se foi concebida como uma

continuação pelo autor, deve assim ser tratada pelos pesquisadores.

Existe uma grande controvérsia, entre os estudiosos de Quevedo, sobre a data de

formulação da obra Política de Dios, Gobierno de Cristo. Vamos nos ater às informações

fornecidas por Pablo Jauralde Pou, o principal biografo de Quevedo, em seu livro Francisco de

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Quevedo ( 1580-1645). Jauralde aponta como ocasião mais provável para a elaboração da obra, o

período em torno de 1618 quando aproximava-se o final da estadia de Quevedo em Nápoles, e,

principalmente, outubro de 1619 quando a primeira dedicatória do tratado é endereçada a Felipe

III. Porém com a morte deste rei e o tumultuado momento que marca a transição de reinados,

Quevedo vai rapidamente mudar os destinatários de sua obra, dedicando-a ao Conde Duque de

Olivares e ao novo monarca Felipe IV. A obra irá conhecer o formato impresso, no período

inicial do ano de 1626, através da edição de Duport. O Política circulou amplamente em formato

manuscrito e foi apontado por Jauralde como sendo um dos grandes êxitos editorias do século

XVII.

A estrutura do texto corresponde a uma organização por capítulos que quase sempre se

iniciam com uma exposição de um trecho dos Evangelhos, a qual segue uma explicação daquele

trecho e depois uma correlação desta com a utilidade política do ensinamento para o príncipe

deste mundo. O artigo de Carmem Peraita, La oreja, lengua, voz, el grito y las alegorias del

acesso al poder: eloquencia sacra y afectos políticos en Política de Dios de Quevedo162 –

exposto na publicação semestral dedicada ao estudo da obra de Quevedo, La Perínola – traz

importantes contribuições sobre as implicações trazidas pela utilização da Bíblia como um

modelo retórico. A linguagem de conversão religiosa e recriminação, adotadas por Quevedo,

destina-se a construir uma imagem de argumentação com o monarca, fortemente investidas de

veemência e recursos de estilo que propiciariam reprimir e acusar as atitudes políticas,

consideradas errôneas pelo escritor.

Peraita classifica o Política como portador de uma configuração discursiva que o

aproximaria das formas de predicação cortesã. No tratado convergiriam características dos

162 PERAITA, Carmen. La oreja, lengua, voz, el grito y las alegorias del acesso al rey: elocuencia sacra y afectos en Política de Dios de Quevedo. La Perinola, n. 5, p. 186- 205, 2001. p.185.

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gêneros dos espelhos de príncipe e dos tratados políticos, mas sobretudo dos sermões. Partindo

do marco da reforma tridentina, a autora situa a obra no terreno das adaptações humanísticas da

oratória sagrada, desviada do uso estritamente eclesiástico; uma renovação da eloqüência sacra

capacitando-a a aplicação política. Peraita trata da questão nestes termos:

Obstinadamente, Quevedo llama atención sobre las implicaiones éticas de su intervención autorital. Pronunciada en la “boca cristiana” con la “lengua de la verdad” no hablada de corde proprio, ni inspirada por el “espíritu retórico” sino – como aspira todo predicador – por el Espíritu Santo, la “palabra” politica quevediana absorve sagazmente, además de una dimensión combativa, la autoridad ética, la energía elocutiva y el caráter afectivo de la palabra hablada por Cristo.163

Expondo uma visão um pouco diversa para o mesmo fenômeno, William Clamuro,

também em um artigo164 publicado em La Perinola, esclarece que a utilização do texto bíblico,

por Quevedo, deseja fortalecer a argumentação; baseando-se na autoridade inquestionável da

bíblia para apresentar ao leitor um modelo perfeito de comportamento do monarca e exercício do

poder. O autor ressalta, porém, que “Los consejos y avisos ofrecidos son, en su mayor parte de un

pragmatismo bien seglar y a veces frio”165. Destacando que por trás das alusões bíblicas e do

estilo sermonístico, o tema fundamental seria o exercício do poder em que os preceitos

pragmáticos estariam expostos de maneira mais explícita, de forma similar a abordagem feita em

outras obras de Quevedo.

A primeira parte do Política aparece dedicada ao Conde Duque de Olivares, aos monarcas

em geral, a Felipe IV e aos “dotores sin luz”. D. Francisco sublinha que muitos escreveram

“advertimientos de Estado”, baseando-se em exemplos de príncipes virtuosos ou nos preceitos

aristotélicos e platônicos. Todavia, ele tratará da mesma matéria pautando-se nos ensinamentos

de Cristo. A segunda parte do Política é dedicada ao pontífice Urbano VIII, novamente a todos os 163 PERAITA, 2001, p. 196. 164 CLAMURRO, William H. Quevedo y la lectura política. La Perinola, n. 5, p. 95- 107, 2001. p. 95. 165 Ibidem. p. 102.

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monarcas e ao leitor são. Nesta segunda dedicatória o autor adverte os que desprezam suas

palavras valorosas pelo contraste com sua vida pecaminosa; afirmando que a virtude também

pode manifestar-se no pecador. Argumento que justifica a importância concedida, por Quevedo,

aos autores que não eram bem vistos pela Inquisição.

A teoria dos preceitos consagrados da arte de governar é substituída pela necessidade. Ao

menos intencionalmente, pois comprova-se pelo número de alusões a diversas obras que não

ocorre esta substituição, conforme destacado no próprio texto: “Yo hablo palabras medidas com

la necesidad, y escribó para ser medicina y no entretenimiento”166. Inicialmente já se pode

apontar um paralelo com a estimativa realista da política, apresentada por Tácito e valorizada por

Lipsio. A necessidade deveria ser consagrada finalidade última das reflexões sobre a matéria de

Estado.

Os Evangelhos servem como base para que Quevedo discurse e elocubre acerca de

questões comuns a outros tratados desta temporalidade como a questão do valimento, os limites

do poder real, as virtudes que um governante deve possuir, a idealização da figura do monarca

perfeito, a concepção de justiça, a guerra, os tributos, a Razão de Estado, entre outras. A gama de

autores citados por Quevedo no tratado, além das referências bíblicas, é bastante extensa. Entre

os citados figuram Aristóteles, Platão, Agostinho, Pedro Crisológo, Homero, Juvenal, Tácito,

Suetônio, Políbio, Tito Lívio, Salustio, Quinto Curcio, Tertuliano, Fadrique Fúrio Ceriol, Erasmo

de Roterdã, Paulo Jovio, Trajano Bocalinni e Bartolomé Felipe.

O tom satírico que marca grande parte da produção quevediana perde a vez no Política,

onde é adotado um tom sério e pesado. Assustadoras advertências são feitas ao monarca que não

cumprir devidamente seu oficio régio. Registra-se um interesse em comover os afetos, através da

166 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte primera). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 360- 423. p. 423.

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ênfase concedida a oratória sacra. A predicação política de Quevedo adverte, censura, acusa e

interpela o monarca. Carmem Peraita sustenta que “El objetivo quevediano de conmover los

afectos, de turbar los políticamente poderosos se manifiesta en concepciones mayormente

peyorativa de la persona regia”167; assim o monarca aparece como figura que se deve corrigir e

principalmente conclamar a tomar às rédeas do governo. Vejamos um exemplo no texto de

Quevedo:

Rey que llama criado al que le violenta y no le aconseja, al que le gobierna, y no le sirve, al que toma, y no le pide, al que por todo reino recibe y por ninguno habla; al que llama pródigo y perdido al rey que da otros, y justificado, santo y glorioso al que se deja todo tomar a él; al que hace méritos para sí los incovenientes que pone a las mercedes en otros; al que cerca los oídos del rey, de hombres, y consejeros comprados que, alabándole a él y acreditando su gobierno, halagan con lisonjas venenosas la perdición y afrenta de los beneméritos, ese que llamara criado tal género de demonios, indigno es del comercio de las gentes [...] no pasa la majestad del nombre: es un esclavo, a quien para mayor afrenta permite Dios las insignias reales.168

A imagem do monarca ideal perpetrada por Quevedo está alicerçada na questão das

virtudes, em copiar a Cristo e, também, na contraposição com a figura do tirano. O fator

diferencial do bom rei e do tirano é a obediência. O tirano segue sua própria vontade, já os reis

têm como primeira virtude a obediência que somada a temperança e a moderação – atributos da

prudência – encaminham ao bom exercício de suas funções. A concepção de D. Francisco de

Quevedo sobre a tirania aparece delineada a partir da teoria aristotélica169. Em vez de caracterizar

o tirano pela forma de ocupação do poder, seja pela força das armas ou qualquer outra maneira

ilegítima de acordo com a linha sucessória, o fidalgo opta por classificar o tirano em duas

categorias; é tirano aquele que toma os bens da república para si não respeitando os limites da lei,

167 PERAITA, 2001, p. 198. 168 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte primera). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 360- 423. p. 403. 169 Ver: BOBBIO, 1980.

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nem divina e nem humana, e é tirano aquele que entrega em outras mãos seu oficio, perdendo

assim sua própria dignidade régia.

O monarca deve vassalagem à razão, à piedade e às leis, de acordo com o trecho:

“Obedecer deben los reyes a las obligaciones de su oficio, a la rázon, a las leyes, a los consejos;

y han de ser inobedientes a la maña, a la ambición, a la ira, a los vicios”170. Quevedo afirma

que o poder do rei não é absoluto. O poder verdadeiro do monarca está delimitado pelo que é

conveniente em suas ações. O poder régio tem também como fronteiras as leis humanas e as leis

divinas. Os monarcas devem ser justos, devem premiar a virtude, honrar os soldados, não devem

dar lugar à adulação, e ainda devem castigar e premiar com igualdade, são estas algumas das

principais características elencadas pelo escritor. As obrigações do monarca perfeito estão

descritas na seguinte passagem:

El rey es persona pública; su corona son las necesidades de su reino: el reinar no es entretenimiento sino tarea: mal rey el que goza sus estados, y bueno el que los sirve. Rey que se esconde a las quejas y que tiene porteros para los agraviados y no para quien los agravia, ése retírase de su oficio y obligación.171

Não é suficiente ostentar os signos da realeza para ser rei. Quevedo afirma que para ser rei

deve-se merecer sê-lo, através do devido exercício de suas funções de zelo e vigília do reino.

Mais que um privilégio, a realeza é uma provação. A imagem da monarquia é, portanto,

dessacralizada. Quando menciona as formas pelas quais chegam os governantes ao poder, o autor

deixa claro quão aleatório é este processo, referindo-se à eleição duvidosa dos homens, ao acaso

da sucessão ou à violência das armas. Assim nem o poder do rei é absoluto, nem o monarca é o

eleito de Deus. Em algumas passagens a monarquia é interpretada como um castigo divino.

170 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte segunda). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 424 -535. p. 476. 171 Ibidem, p.401

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A questão das virtudes dos soberanos está alicerçada em motivos éticos e pedagógicos. A

tópica do governo orientado para o bem, de acordo com Tomás de Aquino e Isidoro de Sevilha,

demanda por parte do soberano um constante exercício das virtudes, visando creditar a imagem

do soberano perante Deus e o reino. A reflexão sobre as virtudes do soberano se encontra

presente na obra de vários autores do período. Podemos ilustrar esta tendência na obra de Pedro

de Rivadeneira, Juan de Mariana, Mártir Rizo, Francisco de Monzón, Hierónimo Merola, Furió

Ceriol, e a lista continua a crescer.

A importância de refletir sobre as virtudes do monarca, denota de fato uma preocupação

com a organização social, pois a importância do soberano possuir estas ou aquelas virtudes é

orientar o reino em direção ao bom governo. Soma-se ainda o fato de que a imagem do rei deve

funcionar como exemplo para o restante da configuração social, tópico extremamente importante

na obra de Quevedo. A posse e o exercício das virtudes pelo soberano eram interpretados como

uma garantia do correto exercício de suas funções. Mas podemos sublinhar uma particularidade

sobre a reflexão sobre as virtudes do monarca, pensada por Quevedo, que denota já a adoção de

certas características pragmáticas, porquanto ao monarca não importa apenas possuir as virtudes;

é necessário que ele demonstre que as têm. Percebe-se este aspecto de demonstração da virtude

do zelo e cuidado, pressupostos da prudência, no seguinte trecho:

El buen rey, Senõr, no sólo há de cuidar de su reino y de su família, mas de su vestido y de su sombra; no ha de contentarse con tener cuidado ha de hacer que los que le sirven, y están á su lado, y los enemigos, vean que le tiene. Semejante atencion reprime atrevimementos, que ocasiona el divertimiento del principe en las personas que le assisten, y que acorbarda las insidias de los enemigos que desvelados le espían172.

172 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte primera). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 360- 423. p. 367.

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Ainda refletindo sobre a imagem do monarca construída por Quevedo, devemos sublinhar

mais um aspecto de grande interesse que demonstra o alinhamento do escritor com as correntes

do pensamento político ibérico compromissadas em conceber a atividade política partindo de

concepção empírica e pragmática. Este aspecto é a separação da figura real de acordo com o

âmbito público ou privado.

Ao monarca, durante o desempenho de sua função no aparelho governamental que é o

Estado, impera cumprir certos procedimentos que não são compatíveis com a demonstração de

afetividade ou preferência por seus ministros ou mesmo familiares. Não cabe ao rei este tipo de

predileção, pois, enquanto chefe de estado uma de suas características deve ser a imparcialidade.

Quevedo redige uma passagem que esclarece este princípio: “Como se imitarón los reyes que

desautorizan la corona con familiaridad y entretenimiento de vasallos [...] Y en una de estas

aciones publicas, descuidadas y mal advertidas descaece su reputación”173. Maravall também

destaca que o modelo de monarca quevediano não é simplesmente o modelo de príncipe cristão

do século XVI, mas incorpora qualidades políticas de cumprir adequadamente a função que tem a

seu cargo174.

O valimento é uma temática que ocupa extensa parte das reflexões presentes no Política.

Grande parte das elucubrações quevedianas, nesta temática, tentam deslindar um regime de

entendimento perfeito entre a figura do rei e a do privado, podendo ser observado em outras obras

do escritor como Discurso de las Privanzas, Como ha de ser el privado e Discurso de todos los

diablos,. O ministro175 que concentra demasiadamente em si a atenção régia é alvo de duras

críticas no Política, é ele o responsável pela transformação do rei em tirano. Na obra Grandes 173 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte primera). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 360- 423. p. 382. 174 Cf. MARAVALL, 1984, p. 260. 175 Vale destacar que em suas obras Quevedo usa indistintamente os termos, valido, privado, conselheiro, criado e ministro.

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Anales todas as desmandas que assolam a Monarquia são frutos das ações dos privados. Estes

ministros são apresentados como aduladores que divertindo o monarca, afastando-o de suas

obrigações. Também são os culpados pela condenação do justo, pois querem afastar dos círculos

de poder aqueles que não seguem seus preceitos. O mau ministro encaminha todo reino ao

desgoverno porque propõe “un idiota, un vicioso, un vano, un mal intencionado, un cruel [...]

para el obispado, para la judicatura, para el virreinato, para la secretaria, para la presidencia”

176, isto é explicado pelo fato de que tais ministros tentariam infiltrar toda sua rede de particulares

na direção do governo. O privado, porém, desempenha uma importante função no Estado, pois

ele deve aconselhar e advertir o rei. Quevedo delinea a conduta ideal do ministro, no trecho

subseqüente:

Señor, llega un vasallo a pedir a vuestra majestad le haga merced del oficio de consejero: sea respuesta general: No sabéis lo que pedís (sueña rigor y encamiña esta cláusula) podréis tener mis trabajos y padecer mis ocupaciones? Hablar bien y mejor de que de vos proprio de los que me sirven más? Podréis solicitar el premio para el benemérito, y olvidarlós del interés proprio? Podréis desapasionaros de la sangre y del parentesco, y apasionaros de la necesidad y da suficiencia? [...] Podréis anteponer a vuestros hijos, sin virtud nin experiência, los suficientes y arrinconados? Queréis ante morir tan pobre que pidan para enterraros, que no tan rico que os desentierren porque pedistes? Podréis dejar antes buen nombre que nombre de rico? Pues advertid que esto vale y esto os ha de costar la ropa y la plaza?177

A justiça também será um tópico de grande relevância neste tratado. Incluídas,

respectivamente, neste tópico a questão de como o rei deve distribuir prêmios e mercês e a

importância da concessão de audiências pelo monarca. Maravall afirma, em sua obra Estudios de

Historia del Pensamiento Español, que Quevedo constrói um quadro da justiça sendo exercida

conforme um arbítrio natural que segue retamente o bom juízo, eliminando formalismos e

176 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte primera). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 360- 423. p. 412-413. 177 Ibidem. p. 397.

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dificuldades para aproximar-se dos litigantes. Toda esta digressão sobre a justiça está relacionada

também com o período em que a obra é redigida. Neste período, Quevedo sofria as acusações de

um processo e por suas conseqüências encontrava-se no desterro da corte, motivo mais que

suficiente para que este discurse ao rei dissimuladamente em causa própria.

A concepção de justiça delineada, como sublinha o próprio Quevedo, é advinda das

ponderações sobre o tema de Aristóteles e Sêneca. A justiça é a única virtude que não estaria

entre dois vícios, sendo executada a partir da igualdade nos prêmios e castigos. A definição que o

autor traz a baila concretiza-se em uma constante vontade de dar a cada um o que lhe toca.

Diferencia-se pecado e pecador, ao rei compete castigar o delito e tentar recuperar o faltante. O

monarca deve ser justo e não severo, estando a clemência exaltada como uma das virtudes

fundamentais ao exercício da justiça; de forma semelhante a apreciação sobre a justiça presente

na obra de Justo Lipsio. A prudência e a cautela também são elencados atributos fundamentais

para o terreno jurídico.

Outro importante seara de reflexão de Quevedo no Política concerne a questão dos

tributos. O fidalgo castelhano sustenta que os tributos são legítimos e essenciais para a garantir o

sustento e a liberdade do reino. A tributação é devida e justificada pela conservação dos direitos

dos súbitos, fica aparente no texto “No puede haber rey ni reino, dominio, república ni

monarquia sin tributos concédenlos todos los derechos divino y natural, y civil de las gentes”178.

Sem a devida cobrança dos impostos não seria possível o funcionamento de órgãos fundamentais

para a existência de um Estado Moderno. Aos impostos se devem a manutenção dos tribunais e

ministros sem os quais não pode existir a paz e justiça. Sem a tributação não se poderia sustentar

os presídios ou custear a guerra que envolve gastos com munições, abastecimentos, pagamento

178 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte segunda). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 424 -535. p. 446.

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dos soldados. Enfim Quevedo ressalta que a finalidade última dos impostos é a conservação e

garantia do bem público. A novidade que traz a ponderação sobre os tributos, recaí sobre como

estes devem ser cobrados e de quem. Vejamos a passagem:

Leves serían los tributos de los príncipes, si pediesen [...] poco y fácil y a quien lo pueda dar, y donde lo hay: lo que más veces se descamina por la cudicia y autoridad de los poderosos, pues se cobra del pobre lo que le falta y sobra al rico, que por lo él le ha quitado y le niega, le ejecuta. Pida tributos para darles defensa, paz, descanso y aumento; no pida a todos para dar a uno, que es hurto; no pida a unos para dar a otros, que es engaño; no pida a los pobres para dar a los ricos; que es loucura delicuente; no pida a ricos y pobres para sí, que es bajeza.179

Vimos que uma das funções dos tributos é financiar a guerra, que também é um dos

assuntos abordados no tratado. A guerra é interpretada como um dos instrumentos da vingança de

Deus a seus inimigos, sendo apenas legítima contra os dissidentes da fé católica. Muitos são os

exemplos citados de episódios relativos à guerra entre os gregos e romanos; Quevedo valeu-se

para tanto de historiadores consagrados da Antiguidade Clássica como Tácito e Juvenal. Apesar

de fazer largo uso dos exemplos fornecidos pela historiografia romana e grega, Quevedo

argumenta que no intento de fazer a guerra justa os monarcas devem guiar-se pelas máximas da

Sagrada Escritura. O bom exercício bélico deve contar com o exemplo do monarca. A nobreza,

porém, tem seu papel diminuído nas funções militares, o autor do Política afirmava: “ La nobreza

junta es peligrossíma, porque ni sabe mandar ni obedecer”180, diferenciando cidadãos de

guerreiros. Ilustra-se semelhante postura em relação á nobreza, através da narração do episódio

da ida de D. Sebastião para África, em tom quase satírico, que resultou na desgraça para o reino

de Portugal.

179 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte segunda). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 424 -535. p. 468. 180 Ibidem, p. 517.

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A qualidade essencial para o sucesso no terreno militar, apresentada no tratado, é a

prudência, exaltada em diversas passagens como: “astucia prudente (esto significa la voz hebrea)

cada un con las armas de su naturaleza”181, “No sólo enseño Moisén justificación de capital

general electo por Dios, y que se gobernada por él, sino prudencia generosamente militar”182 e

“Mucho sabe, Señor, quien sabe temer: en esto se cierra al misterioso secreto de la

prudencia”183.

Concluiremos a análise de Política de Dios tratando de uma das questões mais essenciais

e talvez a mais intricada que o tratado discute: a Razão de Estado. Afirmamos que este ponto é

intricando trazendo dificuldades para a análise, porque aparentemente o tratamento concedido ao

conceito de Razão de Estado, reflete algumas incoerências relativas ao posicionamento de

Quevedo sobre o tema.

A reflexão sobre a temática da Razão de Estado é feita na segunda parte do Política que

tem como destinatário o pontífice Urbano VIII. Aqui já se registra um primeiro fator que deve ser

levado em consideração, pois Quevedo não estava se dirigindo a um monarca stritu senso, mas a

um religioso. Talvez a um religioso não fosse conveniente a forma de estimar a governabilidade

como um aspecto particular da vida pública que tenderia a constituir um campo independente de

operação e conhecimento – definição mais corrente do conceito de Razão de Estado.

Possibilitando conceber que talvez esta concepção das matérias de Estado fosse adequada aos

monarcas seculares.

Quevedo pinta um quadro assustador sobre a origem da Razão de Estado, filha legítima

de Lúcifer, como fica explicito na sentença: “Tres actos hizo el demonio, fundador da razón de

181 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte segunda). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 424 -535.p. 515. 182 Ibidem, p. 521. 183 Ibidem, p. 525.

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Estado”. Foram os desígnios da Razão de Estado os responsáveis pela condenação de Jesus

Cristo, pela queda do homem do paraíso – a serpente representava a Razão de Estado –, pelo

fracasso da Torre de Babel, pelo assassinato de Caim e foi também baseando-se em seus

preceitos que o diabo tentou Cristo no deserto. Não poderiam ser admitidos piores epítetos para

qualificar a Razão de estado. No Política, o autor sustenta que os políticos que crêem nestes

preceitos têm por finalidade incutir no mundo a revolta e o dolo. Importa reproduzir algumas

palavras de Quevedo sobre Razão de Estado:

Halaga con la primera promesa de conservar y adquirir; empero ella, que llamándose razón de Estado es sin razón, tiene siempre anegados en lágrimas los designios de la ambición. Su proprio nombre es conductor de errores, máscara de impiedades. Quál secta, mál, heréjia no se acomoda con el estadista, cuando no se ciñe y gobierna por la ley evangélica?Los pervesos políticos la han hecho un dios sobre la deidad, ley a todos superior. Esto cada día se les oye muchas veces. Quitan y roban los estados ajenos; mienten, niegan la palabra; rompen los sagrados y solemnes juramentos; siendo católicos, favorecen a herejes y infieles. Si se lo reprehenden por ofensa al derecho divino y humano, responden que lo hacen por materia de Estado, temiéndola por absolución de toda vileza, tiranía y sacrilegio. No hay ciencia de tantos oyentes, ni más graduados. El mal es [...] que no hay traje ni insignia que no sirva a sus grados de señal. Entrase en las conciencias tan abultada de textos y aforismos, y autores, que no deja desocupado lugar donde pueda caber consejo piadoso.184

Na concepção de Quevedo, a Razão de Estado é igualada a uma ciência que promete

conservar e ampliar os reinos, tendo entre seus adeptos um enorme número de autores que apesar

de renderem homenagens a tal ímpia ciência não deixam de ser considerados doutos. Pelos os

preceitos da Razão de Estado qualquer ação pode ser justificada, mesmo que tais ações

ultrapassem os limites éticos e morais. Nos termos acima referidos, Quevedo nos fornece sua

visão da teoria política ibérica dos seiscentos, onde cada vez mais se verifica a aceitação de que

os melindres da atividade política constituem um terreno independente de operação. Importa

184 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte segunda). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 424 -535. p. 439.

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destacar nesta concepção – que vai se delineando da Razão de Estado contra-reformada e fica

visível na obra de Quevedo – reside a tentativa de estabelecimento de limites para as ações

governamentais; são estes limites os desígnios das leis humanas e das leis divinas.

Apesar desta construção tão negativa da Razão de Estado que elucidamos, Quevedo irá

recorrer um sem número de vezes a expressões semelhantes como advertencias de Estado,

matérias de Estado e advertências políticas, de maneira positiva; lembremos da advertência de

Maravall que sustenta que as expressões acima referidas eram utilizadas de forma análoga ao

conceito de Razão de Estado, nos tratados políticos espanhóis dos seiscentos. Aparecem tais

expressões no Política, inclusive protegidas pela autoridade dos santos “Nado olvidan los santos;

debajo de sus puntus se dissimulan aquellas sutilezas políticas de que hacen tanto caudal los

autores profanos”185.

A partir da imagem que o tratado fornece sobre Pôncio Pilatos, encontram-se pontos

bastante interessantes para a análise do discurso político de Quevedo. Obviamente negativa é a

imagem de Pilatos, porém este é apresentado como eminentíssimo estadista; sendo detentor das

três qualidades essenciais aos políticos, como define Quevedo: “La primera ostentar potencia, la

segunda incredulidad rematada; la tercera, dissimulación invencible”186. Já tivemos

oportunidade de perceber que D. Francisco não despreza os ensinamentos pela vileza do homem

que os anuncia. Assim nas qualidades atribuídas a Pilatos identificam-se as virtudes primordiais

para o estadista moderno. As virtudes enumeradas, no trecho em que Quevedo descreve Pilatos,

podem encontrar suas correlações nas qualidades identificadas com a potência, a prudência e a

dissimulação; valores atribuídos pela concepção romana imperial sobre política. Justifica-se a 185 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte primera). In: MARIN, Luis Astrana.(Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 360- 423. p. 397. p. 396. 186Id., Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte segunda). In: MARIN, Luis Astrana. .(Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 424 -535. p. 439

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correlação de incredulidad rematada por prudência de acordo com a definição desta que nos

apresenta Justo Lipsio.

Sobre a importância concedida à prudência após a verificação prévia de seu papel

primordial no terreno jurídico e militar, faremos uma última alusão. Pode-se supor uma

conjectura que represente a interpretação da virtude paciência como leitura católica contra-

reformada da prudência. Vejamos o que nos diz D. Francisco de Quevedo sobre a paciência:

La paciencia, Señor, no da lugar a la ira ni a la pasión, con que estorba la ceguedad, y se le debe la vista; da lugar al consejo, y al mejor consejo, con que se le debe al acierto; ella dispone prevención propria y embaraza la ajena; y no admite presunción ni orgullo, con que se precipita, no cree lijeralmente, con que no se engaña; no se cansa de oír, con que se informa; ni de ver, con que se asegura; en los casos adversos se recobra, en los prósperos se reporta [...] quién no conocerá en ella todas las utilidades de la guerra y de la paz del alma y del cuerpo, de la vida y de la muerte?187

Comparemos agora com que escreveu Justo Lipsio, em umas das passagens sobre o papel

primordial da prudência mesclada para os monarcas que justifica admissão de meios

fraudulentos, distintos em três níveis, quando estes visam ao bem público:

De parte del ligeiro, puso lo primero desconfianza, la cual aconsejo enteramente al príncipe; porque como conviene proceda en todas sus acciones con peso y espacio, así se le cuadra hacerlo en el dar y crédito. Lo digo porque camine con tiento y como dudoso, y aun estoy por decir no crea niguna cosa sino la que tuviere delante de los ojos y fuere grandemente clara y manifiesta. Que si bien el creer de ligeiro es más yerro que culpa, deslizándose con facilidad en el ánimo de los mejores, todavía conviene apartarlo muy lejos del princípe, acerca de quien viene a causar muchos males. No es éste quien vela por todos? Luego es afrentosa cosa le será y prejudicial a todos el caer, errar y ser engañado.188

Guardada as devidas diferenças – o texto de Lipsio é muito mais explícito que o de

Quevedo e não teme o uso de termos como desconfiança e a atribuição de adjetivos, como

187 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte segunda). In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 424 -535. p. 500. 188 LIPSIO, Justo. Políticas.In: ECHEVERRÍA, Javier Pena; LÓPEZ, Modesto Santos (Estudio Preliminar y Notas) Madri: Tecnos, 1997. p. 194.

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duvidoso, ao príncipe – a semelhança com que ambos valorizam a desconfiança ou prudência,

como atributo que deve nortear os passos do monarca, é notável mesmo que a palavra não seja

utilizada em nenhuma das passagens. Os dois autores sublinham a importância de um olhar

acurado frente às situações marcado pela cautela. Não é lícito crer ligeiramente, pois acarreta o

erro, escreve Quevedo; já em Lipsio aparece: “el creer de ligeiro es más yerro que culpa”.

Os espaços das cortes e palácios são descritos, por ambos, com um ambiente onde impera

a fraude, o engano e as falsas aparências. Sendo assim a prudência é o principal escudo dos

governantes, visto que seu principal dever é a vigília. Encerramos a análise de Política de Dios,

Gobierno de Cristo, com uma belíssima passagem de D. Francisco de Quevedo y Villegas onde

figura a questão da vigília como dever dos monarcas:

Reinar es velar. Quien duerme no reina. Rey que cierra los ojos, da la guarda de sus ovejas a los lobos, y el ministro que guarda el sueño a su rey, le entierra no le sirve; le infama; no le descansa; guárdale el el sueño, y pierdele la conciencia y la honra; y estas dos cosas traen apresurada si penitencia en la ruina y desolación de los reinos. Rey que duerme, gobierna entre sueños; y quando mejor le va, sueña que gobierna. De modorras y letargos de princípes adormecidos adolescieron muchas repúblicas y monarquías. Ni basta al rey tener los ojos abiertos para entender que está despierto; que el mal dormir es con los ojos abiertos.189

3.3 Grandes Anales de Quínce Dias

Grandes Anales de Quínce Dias tem sua data final de redação em 16 de maio de 1621. D.

Francisco de Quevedo esclarece que aquelas são suas: “memórias que guarda a los que

vendran”190 e identifica-se como Cavaleiro da Ordem de Santiago. Revela também que estava no

189 QUEVEDO, Francisco de. Política de Dios, Gobierno de Cristo (parte primera). In: MARIN, Luis Astrana (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1914. p. 360- 423. p. 388-389. 190 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana.(Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa.. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p.565

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exílio, no período final de redação da obra, preso em sua propriedade na Torre de Juan Abad. A

obra tem como destinatários os reis e príncipes que sucederão os que naquele momento

encontravam-se no poder. É curioso notar que Quevedo afirma que escreverá sem deixar-se levar

por ódios191 e sem consentir que seus interesses interfiram no narrado, o que ao longo desta

exposição, veremos, ficou longe de ocorrer. O relato se inicia com o falecimento do monarca

Felipe III, retrocedendo momentaneamente ao período de sua convalescença. Aqui é importante

destacar como fica evidente o caráter frágil e fugaz da existência, contrastando com a

inevitabilidade da morte192, traço característico do neo-estoicismo do fidalgo.

Grandes Anales de Quínce Dias é uma das obras a qual dedicamos atenção neste estudo,

na tentativa de compreender o discurso político de D. Francisco de Quevedo y Villegas.

Selecionamos esta obra, dentro do enorme corpus que compõem as obras de Quevedo, por

considerá-la de extrema importância, para realizar a exegese dos dois aspectos que viemos

trabalhando neste estudo: a trajetória política e os escritos políticos.

Expliquemo-nos; Grandes Anales de Quínce Dias é uma espécie de crônica que narra os

eventos mais marcantes, ocorridos no transcorrer do período identificado com a permuta dos

reinados de Felipe III, para o início do reinado de seu sucessor, Felipe IV. Todavia, como é

característico de nosso autor, Quevedo, a obra não se furta a realizar análises pertinentes à

atuação de Felipe III e das figuras que mais obtiveram proeminência política em seu reinado;

191 Álvarez lembra que a frase de Quevedo “con intención desisteresada y com ánimo libre” associa-se a máxima de Tácito “sine ira et studio” que assim como na obra do espanhol também está inclusa no início do relato historiográfico. As citadas assertivas tem intenção de ressaltar a imparcialidade do discurso. Ver: ÁLVAREZ, Joaquín Villalba. La presencia deTácito en los Grandes Anales de Quince Días, de Francisco de Quevedo. Una visión tacítea de España. Norba, Revista de Historia. v. 17, 2004. p.205-223. 192 Concernente à temática da morte, temos, em Grandes Anales, várias passagens em que tal questão figura. A morte é um momento de redenção, de repensar os delitos cometidos em vida em busca de perdão, em último a morte é apresentada como uma libertação. Três mortes significativas são narradas na obra, como a de Felipe III, Don Rodrigo Calderón e do Duque de Lerma, todas contendo o mesmo teor reflexivo sobre a morte. Até Rodrigo Calderón, o Marqués de Siete Iglesias, pintado na obra sendo detentor dos piores vícios e que morre no patíbulo, executado devido aos agravos perpetrados contra a Monarquia, merece seu momento de resignação e redenção na hora do falecimento. A postura correta, advinda da serenidade e resignação, assumida frente à morte enobrece os homens.

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especialmente os privados Duque de Lerma, Duque de Uceda e outro personagem que obteve

considerável destaque nos círculos de poder característicos daquela monarquia – D. Rodrigo

Calderón, Marquês de Siete Iglesias. Assim como podemos encontrar desveladas as expectativas

de Quevedo em relação ao reinado que se inicia.

Outrossim, cabe sublinhar que a obra apresenta-se muito próxima do modelo

historiográfico identificado com aquele proposto pelo historiador romano Tácito. Fator relevante

para compreender a dimensão da obra inserida no panorama do tacitismo político que tanto

marcou a Espanha na época moderna; apesar de considerarmos que importância concedida a

Tácito deve-se muito mais a influência exercida pela obra de Justo Lipsio. Também

encontraremos trechos na obra onde D. Francisco discute aspectos importantes sobre questões

referentes à governabilidade do reino.

Sobre a aproximação da obra de Quevedo com a obra de Tácito, é necessário que façamos

uma análise detida dos possíveis aspectos que entrelaçam estas produções, tão distantes no tempo

entre si, mas que são significativas para a compreensão de questões de suma importância sobre a

obra do fidalgo. Tais sejam sua visão da finalidade última da história e seu pertencimento a

corrente do neo-estoicismo193, que denunciam características fundamentais do embasamento

teórico do tratamento feito pelo autor das questões relativas ao mundo das práticas políticas.

Um estudo bem realizado sobre o tema é aquele que nos oferece Joaquín Villalba Álvarez

em La presencia deTácito en los Grandes Anales de Quince Días, de Francisco de Quevedo. Una

193 Além das explanações realizadas no capítulo anterior sobre a relação do tacitismo e do neo-estoicismo como possíveis respostas ao maquiavelismo, ensejadas na península ibérica, a importância da influência de Tácito na obra de Quevedo e sua relação com o neo-estoicismo se reforça pela identificação daquele como sendo Tácito um dos autores estóicos latinos; assim escreve D. Francisco: “Entre los romanos lo fueron los Tuberrones, los Catones, los Varrones.Trásea Peto, Helvidio Prisco, Rubelio Plauto, Plínio y Tácito y Marco Antonio emperador, y todos los Sexto Empírico cuenta”. Ver: ÁLVAREZ, Joaquín Villalba., 2004, p.205-223.

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visión tacítea de España. Neste estudo o autor evidencia vários pontos194 de contato entre a obra

dos dois autores. A começar, o autor evidencia o panorama geral onde a presença do tacitismo na

Espanha, recupera sua importância. Nas palavras do autor:

La presencia de Tácito en Quevedo está fuera de toda duda. Al margen de algunas referencias directas al historiador latino a lo largo de la obra quevediana, tal presencia se observa fundamentalmente en la concepción de la historia por parte del autor hispano: una historia profundamente marcada por el predominio de la teoría política en la línea de Maquiavelo. A ello hay que sumar la proliferación en los siglos XVI e XVII, de corrientes como el Tacitismo o el Neoestoicismo, que confieren a Tácito un importante papel dentro de la doctrina, filosófica y literaria de ese tiempo.195

Importa para entender a concepção de história presente na obra de Quevedo, inicialmente

posicionarmos diante da redescoberta, operada pela historiografia humanista, de alguns autores

clássicos, que permaneceram praticamente esquecidos durante o período medieval, como

Tucídides, Salustio ou Tácito. No caso específico de Tácito, alguns personagens exerceram um

papel de destacada importância no processo de valorização e divulgação da obra na Europa, na

época moderna. Entre eles apontamos os italianos Francesco Guicciardini e o próprio Maquiavel,

e também uma figura a qual já dedicamos muitas linhas: Justo Lipsio. Estes autores foram

responsáveis não só pela divulgação dos textos de Tácito, como também pela recuperação de sua

visão política e filosófica da história.

194 No citado estudo de Álvarez são enumerados ainda outros fatores de aproximação dos Grandes Anales de Quevedo e dos Annales Maximi de Tácito. Estes fatores correspondem ao ambiente vivenciado por ambos os autores e sobre formatos estilísticos. Relativo aos aspectos formais, Álvarez destaca: os retratos psicológicos dos personagens que se iniciam com a descrição de caracteres físicos e origem familiar, a inclusão de discursos em estilo direto e abundância de frases, sentenças e imagens tópicas que sintetizariam o pensamento político e histórico dos autores. Quanto a proximidade do cenário histórico de ambos os personagens, Alvarez nos diz: “En efecto, de la lectura del opúsculo de Quevedo lo primeiro que nos llama la atención es la asombrosa proximidad – no sólo ideológica sino sobre todo formal – la obra del historiador latino, en particular los Annales.Con un estilo similar a Tácito, Quevedo nos introduce en el encarecido ambiente que se respira en la Corte española de los Austrias, le mismo enrarecido ambiente que nos encontramos en cada parte de los Anales: las intrigas por el poder, se trate el Imperio romano o de la corte española de los Austrias, las represalias contra los partidarios del régimen saliente, las hablidurías del vugo y su trasncendencia a los gobernantes... Todo ello nos lleva a considerar la poderosa influencia que tanto la doctrina política y histórica como la literatura de tácito ejercen sobre el opúsculo del escritor madrileño, y no sólo el título, aunque éste sea lo bastante explícito como para no atisbar la conexión entre ambos.” p.208. 195 ÁLVAREZ, Joaquín Villalba, 2004, p. 205.

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A concepção da história que se delineia, então, concerne a uma visão didática e

moralizante da história. A apreensão dos eventos que ocorreram no passado, deve servir de

exemplo para evitar que os mesmos erros se repitam no presente. Encontramos a acepção mais

claramente elaborada de tal visão em Cícero, elucidada na tão famosa máxima Historia Magistra

Vitae. Dentro desta perspectiva, a obra de Tácito, mais especificamente os Annais, redigidos entre

os anos de 100 e 117, onde o autor relata a história dos imperadores romanos desde Tibério até a

morte de Nero, pode ser interpretada como um “útil y prático manual para los gobernantes del

futuro”196. É a partir desta noção que podemos entender a importância das reflexões contidas na

obra do historiador romano para a gênese do opúsculo de Quevedo.

Segundo Álvarez, Quevedo estaria produzindo, em Grandes Anales, um tipo de história

política cujos antecedentes clássicos mais inquestionáveis seriam Tuicídides, entre os gregos, e

Salústio e Tácito, entre os romanos. A fim de realizar seu propósito, de narrar eventos de

destacada importância política e social para a Espanha daquela configuração temporal, Quevedo

estaria lançando mão dos recursos presentes nas produções dos autores clássicos mais reputados.

A predominância da seleção do modelo tacitista responderia pela necessidade de empreender uma

historiografia, cujo mote principal seria o tom moralizante. Tom este que seria responsável pela

censura dos vícios e exaltação das virtudes. A seleção do modelo estaria assim conformando o

objetivo da obra.

Cabe ainda ressaltar, seguindo na esteira de Álvarez, que na idéia de uma história política

e moralizante, podemos encontrar esboçado um princípio, refletido na própria obra de Tácito e

que teria sua origem em uma concepção propriamente estóica da história, já presente em Sêneca.

Este princípio é identificado com a concepção da história como um devir cíclico de

acontecimentos que se repetem consecutivamente. 196 ÁLVAREZ, Joaquín Villalba, 2004, p. 210.

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Podemos apontar sobre a visão didática e moralizante da história, que Quevedo nos

apresenta em Grandes Anales, um trecho em que são listadas as virtudes dos ministros, que foram

ativos no governo de Felipe II, em contraposição à imagem pejorativa que em outras passagens é

pintada dos ministros, ou, com mais propriedade, privados de Felipe III. Resta apontar que dois

personagens, García de Loasia e Juan de Idiaquéz197, listados como homens relevantes no trecho

que exporemos a seguir, estão presentes entre os correspondentes de Justo Lipsio, encontrando-se

associados ao movimento neo-estóico. Fator que denota a consideração com que Quevedo tratava

tais personagens, significante elemento de sua associação com o referido movimento. Segue o

trecho em D. Francisco constrói tal quadro:

Y con esto y con la moderación de sus criados, la virtud, de sus validos, la entereza de sus ministros, la inteligencia de sus virreyes y generales, entretuvo lo que no pudo desempeñar. Dió este rey demasiado crédito al temor. Murió y dejó en este estado los reinos a Don Felipe III nuestro señor que está en cielo. Quedaron fortalecidos los pocos años de su majestad con Rodrigo Vázquez, Presidente de Castilla; con don Pedro Portocarrero, obispo de Córdoba y inquisidor general; con García de Loaisa, su maestro, arzobispo de Toledo; con don Juan de Idiáquez, el marqués de Velada y el conde Chinchón; mas llevado de la inclinación, su majestad se dejó todo en las manos y en el arbitrio de don Francisco Goméz de Sandoval y Rojas, marqués de Denia. Estaba la grandeza deste señor en este tiempo desabrigada y con encogimiento en gran pobreza; y como le amaneció tan a propósito la caricia de su rey, para desembarazar el paso a sus aumentos y mejoras retiró de su majestad los más de los ministros referidos, y solos permitió en palacio a don Juan de Idiaquéz y al marqués de Velada.198

O trecho acima explana questões a respeito da temática do valimento, que mais uma vez

figura na obra de Quevedo, assim como em outros escritos, por exemplo, Política de Dios,

Discurso sobre las Privanzas e Discurso de todos los diablos. A questão do valimento era cara ao

nosso fidalgo. Supomos que os motivos da relevância concedida a tal tema, concatenam-se a dois

197 Cf. RAMÍREZ, 1966. 198 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p. 589.

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fatores em especial. Em primeiro lugar, o status que tal temática atingiu na Europa desta

configuração199 e em, segundo lugar, a privança possibilitava uma abertura para discorrer sobre a

questão da postura ideal a ser assumida pelo monarca. O privado é quase sempre classificado

como bom ou mal, de acordo com o nível de influência que este exerce sobre o rei, cabendo ao

rei delimitar os limites de tal influência.

O tema segue sendo tratado pelo autor, em Grandes Anales, sem muitas novidades, em

relação às outras obras citadas anteriormente. Porém, neste opúsculo, o tom realista e particular

de narrar eventos, acontecidos em um período muito próximo, assim como a pretensão

historiográfica de comentar personagens reais, aos quais Quevedo realmente conheceu; dotam o

relato de um fator singular que corresponde à oportunidade de vislumbrar a opinião do fidalgo

sobre os privados efetivos do reinado de Felipe III, o Duque de Lerma e o Duque de Uceda.

Diversamente da opinião plasmada no Política, onde os modelos de bons e maus privados serão

buscados ou nas fontes clássicas ou na Sagrada Escritura. O Duque de Lerma é retratado em

termos mordazes pela pena arguta de D. Francisco:

Hiciéronle recatos de príncipe no méritos, virrey de Valencia, donde disfrazado en gobierno, tuvo un destierro con buen nombre y lustre. Fué su ruina que privó más como quiso que como debía: no fue privado del rey; otro nombre más atrevido encaminó sus atrevimientos dichosos, pues pareció mas a competir a su señor que obedecerle. [...] fué posesión del marqués de Siete Iglesias y de otros muchos, en quien dividida su libertad y grandeza, le vimos con desaliño desperdiciar su poder, obediente a su família y postrado a pocos años y menos partes. Desentendióse de muchos desórdenes y delitos que estos hicieron y permitió-les licencia en todo; y así, fué su familia su delito.200

199 Ver o artigo esclarecedor de Ricardo de Oliveira sobre o tema do valimento: OLIVEIRA. Ricardo. Valimento, privança e favoritismo: aspectos da teoria e cultura política do Antigo Regime. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH Nacional, V. 25, No. 50, Agosto-Dezembro, 2005. p. 217-238. 200 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p.596

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Acima Quevedo afirma que a ruína do Duque de Lerma, foi ter exercido sua posição de

privado, como quis e não como deveria, devido à postura que assumiu frente a seu senhor. Ao

privado cabe servir em busca de prestar auxílio dos monarcas, devendo respeitar a vontade do

soberano ao invés de tentar manipulá-la, de acordo com a concepção de Quevedo.

Aos interesses do Estado, de acordo com a visão de D. Francisco, não se deve interpor

obstáculos, originários da satisfação das metas pessoais e ou familiares. O bem estar do reino

deve ser a força motora e objetivo principal que os homens de Estado, os políticos, têm como

obrigação perseguir, anulando-se por muitas vezes nesta empreitada.

Já tivemos oportunidade de analisar, no Política de Dios, a imagem que Quevedo formula

dos Monarcas, como os principais servos e trabalhadores do reino. Ser rei é mais do que um

privilégio, sendo, em verdade, um ofício onde a necessidade da abnegação é algo premente se o

rei deseja cumprir seu ofício de acordo com a vontade soberana de Deus e deixar um legado de

que seus predecessores possam se orgulhar.

Apresentar príncipes e reis como servidores do reino que têm como obrigação colocar ao

lado suas vontades em prol de um bem estar coletivo; é uma afirmativa que coloca em xeque a

imagem, construída pela historiografia que versa sobre o caráter absolutista das Monarquias e

tende a abordar a Espanha como um dos reinados que, por excelência, simbolizaram este modelo

estatal. Já que não são as vontades do monarca que guiam o governo da monarquia e sim a boa

gerência dos negócios do reino.

Outro ponto de conflito que esta concepção de Quevedo, presente também em vários

autores da tratadística política ibérica, pode suscitar é a interpretação de alguns historiadores de

que o exercício do poder é algo que se encontra, intrinsecamente, associado à esfera privada das

relações sociais. Não podemos ignorar o significado que as relações pessoais assumiam na

sociedade de corte, mas podemos analisar este protesto de Francisco de Quevedo como uma

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denúncia, melhor ainda, um desejo de que o governo do reino não fosse conduzido desta forma;

demonstrando, assim, que a separação das esferas pública e privada relacionadas ao exercício

político, já se fazia sentir como uma necessidade por alguns contemporâneos daquela

configuração. Em outras palavras, este fato sublinha um desdobramento do amadurecimento das

artes de governar em relação ao Estado Moderno.

Esta é uma questão que deve ser tratada com extrema delicadeza e cautela, na intenção de

evitar anacronismos. A necessidade de separação da esfera pública e privada, não é um processo

que ocorre subitamente, o que gera ambigüidades na obra destes autores. Pode-se verificar esta

ambigüidade nos escritos de Quevedo que em determinados momentos defende a questão como

um imperativo, mas se utiliza das suas ligações pessoais como forma de angariar influência

política e prestígio; haja vista sua relação com o Duque de Osuna, calcada em fortes

demonstrações de admiração contígua.

Relativa à compreensão do monarca ideal imaginada por Quevedo, temos, em Grandes

Anales, uma oportunidade única de análise. Tal imagem foi construída, neste escrito, por

antíteses, das virtudes e vícios dos três reis da dinastia dos Austrias – Felipe II, Felipe III e

FelipeIV – que governaram a Espanha durante o Século de Ouro. Ao longo do relato dos eventos,

ocorridos durante o período de câmbio da sucessão, nosso fidalgo cose junto a sua narrativa

vários trechos em que podemos observar, claramente delineada, a visão que o autor possuía sobre

os referidos monarcas. Como na passagem a seguir sobre Felipe III:

[...] que en el tiempo que su majestad, que está en el cielo, no sacaba los pasos de los coventos de monjas, ni de los oídos de las consultas de los frailes, se ocasionaron osadías en el discurrir no menos malsonantes que descomedidas, apropiando a la piedad y celo nombre de cudicia y entremetimiento.201

201 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p.574

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Felipe III é caracterizado como um monarca piedoso e muito religioso, cuja principal

falha seria sua grande suscetibilidade às influências exercidas pelos homens em que depositou

sua confiança. Quevedo não responsabilizaria diretamente Felipe III pela má administração da

monarquia, exceto secundariamente quando culpa a sua fraca vontade pessoal, sugerindo que se

deixava guiar pela opinião alheia. A responsabilidade recai sobre a má influência, exercida sobre

ele, que teria sido responsável pelo estado calamitante em que se encontrava a Espanha. Fica bem

explícito, neste trecho da obra, como pode ser prejudicial ao reino um monarca que não vigia e

consente em desviar-se de suas obrigações que seriam zelar por seus súditos e conservar seu

reinado:

El día referido expiró su majestad, y todos hablaron con poços menos lástima de su vida que de su muerte; y no culpando nada en su persona ni intención, acusaban a los más que le habian. Quién, acordárdose de Su Santidad, llamaba a los sucesos en la conservación de su monarquía milagro continuado, atribuyendo, no sin causa, los aciertos a sus méritos, y los descuidos (si los hubo) a algunos ministros de quien fio más de lo que convenía si menos de lo que supieron desear los que sin enterderlo no conocieron el peligro en la obligación, divertidos con los juguetes del poder prestado que a su atención adormecida pasaba las asechanzas por aplauso.202

Os acertos que tiveram lugar no governo deste rei são apresentados quase como se fossem

heranças, “milagro continuado”, da administração prudente e equilibrada de seu pai, Felipe II. Os

erros203 são o resultado de sua “atenção adormecida” que se deixou entreter por caçadas, jogos e

outros tipos de diversão que lhe desviaram dos assuntos do governo, legando o controle da

Monarquia ao Duque de Lerma e, posteriormente, ao Duque de Uceda. A soma destes fatores

202 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598.p.568 203 Lembremos que também o Duque de Osuna, a quem Quevedo prestou serviços na Sicília e em Nápoles, não via com bons olhos a administração atual dos negócios do reino, interpretando negativamente a política pacificista que marcou a o reinado de Felipe III. Desejava o Duque, e também Quevedo, retornar um passado marcado pela belicosidade que pudesse expandir e conservar os domínios castelhanos. Encontramos estes elementos no trecho de uma correspondência do Duque para Quevedo que reproduzimos anteriormente neste estudo.

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seria responsável pela grave crise que estaria acometendo a Espanha. Torna-se claro neste

fragmento de Grandes Anales:

Los proprios tribunales no lisonjeaban a proposito com desentenderse de la desorden ni aun com ajudarla, para asegurar la sospecha habían de llegar a ser cómplices en le modo de enriquecer. Los gobernadores y virreyes iban a las provincias a traer y no a gobernar, y los reinos servían a una cudicia duplicada, pues el despojo había de ser bastante a tener y a dar. Por esto camino vinieron los reinos de su majestad a enflaquecer-se a debilitar-se (poco digo) a tener una vida dudosa y un ser poco menos miserables a la muerte. El real patrimonio andaba peregrinando de casa en casa, fugitivo de la corona y encubierto de diferentes esponjas.204

Contraposta à imagem205 de Felipe III e de seus privados, D. Francisco nos apresenta a

representação formulada de Felipe IV e também de Olivares, sendo os sustentáculos da esperança

para a resolução dos contratempos enfrentados pela Espanha. Através das qualidades atribuídas a

Felipe IV, podemos analisar os atributos considerados, por Quevedo, como essenciais no rol de

virtudes que necessita um bom governante possuir. Assim é feita a descrição de Felipe IV:

Sus manos nos prometen a Carlos V; en sus palavras y decretos se lee y oye a sus agüellos y en su religión resucita a su padre. Su entendimiento es el que ha dispuesto lo que hábeis oído; su voluntad, la que no se adormecer de lisonjas, ni robar diligencias, ni vencer de ruegos: muestrala a quien la merece si la sirve, y no si la engaña. Quiere ser obedecido, y no violentado; busca no sólo el consejo, sino suficiencia de quien se le diere. Su condición es advertida, igual, resulta con madurez, permanente, no ocasionada. Es magnánimo y generosamente amador de los ánimos desinteresados, sin poder admitir asomos de cudicia. Su ejercicio es robusto y decente, con señas de ardor que a grandes a cosas le azora los pasos en tanta mocedad entretenidos.[...] su entretenimento las armas: todas promesas de aliento y empeño animosos para grandes vitorias. Amartelado remunerado de la milicia, con desvelo; premio y amparo de letras y virtud:[...] Y si la España

204 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p.590. 205 Sobre a construção de imagens dos principais personagens existentes no Grandes Anales, pode-se ainda realizar uma colocação: a criação de retratos dos sujeitos históricos no discurso torna provável a associação dos acontecimentos como conseqüências das ações dos protagonistas. Assim a explicação de um evento como resultado de uma conduta pessoal específica valoriza a capacidade de intervenção dos indivíduos no devir dos acontecimentos históricos.

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mereciere de Dios gloria y paz y properidad, vivirá muchos y bienaventurados años, y los que le sucedieren le serán semejantes.206

A reprodução de um segmento tão extenso da descrição feita de Felipe IV é justificável

por estarem contidos nesta passagem inúmeros elementos que despertam interesse e merecem

serem elencados, a partir de uma análise mais detida. O trecho se inicia com a atribuição a Felipe

IV das principais qualidades de seus antecessores: a capacidade de ação de Carlos V, a prudência

de Felipe II e a religiosidade devota de Felipe III. Após este retorno de exaltação aos monarcas

pregressos, Quevedo discorre disfarçadamente sobre a postura que o novo rei deveria assumir

diante de seus conselheiros e ministros. Ressaltando que “su voluntad, la que no se adormecer”

tal como havia sucedido a seu pai, o monarca deverá ser aconselhado não guiado. As opiniões

deverão ser advindas de especialistas nas diversas matérias e este novo governante não se deixará

enganar pela adulação.

A passagem, enfim, nos capacita a perceber quais elementos Quevedo considerava como

prementes para restabelecer a ordem na Monarquia. Estes elementos seriam o valor consagrado

aos temas das armas, das letras e das virtudes. Esta revitalização seria feita pela exaltação de

consagrados valores castelhanos. No terreno militar destaca-se a importância concedida à estima

com que deveriam ser tratados os militares. Na esfera econômica pela proibição do luxo207

excessivo, visando diminuir os gastos da corte. Finalmente, no âmbito religioso seria ressaltada a

necessidade de separação dos religiosos do espaço decisório da política.

A necessidade suscitada pelo afastamento dos religiosos do âmbito da política é feita

partindo da análise depreciativa, realizada através do julgamento pernicioso do espaço concedido

206 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p. 595. 207 A questão do luxo excessivo da nobreza já havia sido abortada negativamente por Quevedo em outras obras, como nos Sueños e La vida del Buscón.

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aos religiosos no reinado de Felipe III. Tais críticas estariam sublinhadas na influência que o

confessor real, o dominicano Frei Luis de Aliaga208, exercia sobre Felipe III e substancialmente

por sua participação no Conselho de Estado. Este tema serve de preâmbulo para que Quevedo

comece a discursar sobre a temática da Razão de Estado, considerada essencialmente profana,

por ser imperativa a aceitação de meios amorais, para que os eclesiásticos dela se ocupem. É

forçoso reproduzir a passagem:

Antes es cierto que el escrúpulo y encogimiento de la observancia, y el abatimento vitorioso para con Dios de la obediencia divina, apocan el orgullo de las proposiciones politicas y las lozanía de las malicias del gobierno. Y no acierta la virtud ni la humildad a concertar-se con la mentira acreditada que tienen por alma las razones de Estado, que mañosamente se visten de la hipocresía que el interés las ordena o la necesidad persuade.209

Se no Política de Dios a Razão de Estado é considerada como uma invenção do Diabo,

mesmo que isso possa ser interpretado como um subterfúgio pra tratar da questão, nas palavras

acima é perceptível que a concepção sobre a temática aparece tratada em termos bastantes

distintos. A Razão de Estado é um mal necessário. As artes de governar compõem-se de

mentiras, hipocrisias e malícias que, todavia, são instrumentos legitimados pela necessidade.

Formando ainda o quadro das habilidades necessárias aos homens do Estado, Quevedo

realça o papel da prudência, que se associa à definição do conceito presente na obra de Lipsio,

veja-se a sentença “no esta palacio dificultado com asechanzas de la desconfianza celosa, y todo

208 No final da obra Grandes Anales de Quínce Dias, Quevedo redige um apêndice, denominado pelo autor de Adición. Nesta parte do opúsculo aparecem descrições que se iniciam pela narrativa dos caracteres físicos de cada personagem, das figuras centrais do relato histórico. Em primeiro lugar são descritos os três monarcas da dinastia dos Austrias e posteriormente são listados os ministros mais influentes de Felipe III, Lerma, Uceda e curiosamente aparece entre os ministros o confessor real Luis de Aliaga. Um personagem seria ainda alvo da atenção de Quevedo, Don Juan de Spina, filho bastardo de Felipe III, que era conhecido como um grande erudito. 209 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p.575

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se debe a la prudencia anticipada de su majestad”210. Exalta-se também o valor da experiência

que se conecta ao imperativo do conhecimento dos eixos históricos e a prática, em si, no

exercício da política. Assim destaca Quevedo, tratando da separação da esfera reliogiosa e da

prática politica “[...] pues lo uno se gobierna por sumas, y lo outro por aforismos y leyes y

conveniências: lo uno quiere doctores, lo otro otro experimentados; aquela profésion es de

teólogos, está de prevenidos y astutos”.

Todas estas assertivas a respeito do exercício político nos levam a crer na aproximação de

Francisco de Quevedo com a compreensão da política marcada pelas ponderações realizadas a

partir da concepção contra-reformada do conceito de Razão de Estado. As artes de governar não

podem ser exercidas completamente apartadas das reflexões éticas e morais, porém há de se

encontrar uma brecha, um espaço de interregno, uma possibilidade de criação de um terreno não

totalmente isento do peso da moral e dos costumes. Uma esfera em que a aceitação dos meios,

não permitidos de acordo como os pressupostos éticos, e das medidas pragmáticas possa ser

legitimada pelo bem estar do governo.

Assim a admissão de conceitos como dissimulação e prudência denuncia as novas

exigências de uma nova forma de organização social que está tomando forma e se concretizando

em terras castelhanas – o Estado Moderno. As premências e exigências desta nova organização

fazem com que os tratadistas políticos se vejam compelidos a formular respostas e propostas que

sejam eficazes para a nova organização que vai paulatinamente surgindo. Já não se podia mais

tratar de política nos termos dos espelhos de príncipes dos séculos precedentes. A reposta

formulada por Quevedo para tais questões iria buscar embasamento no neo-estoicismo e nas

210 QUEVEDO, Francisco de. Grandes anales de quince días. In: MARIN, Luis Astrana. (Estudio preliminar, edición y notas). Obras Completas de Don Francisco de Quevedo y Villegas - Obras en Prosa. Madrid: M. Aguilar Editor, 1941. p. 565- 598. p.576

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afirmações de Justo Lipsio; sem excluir a importância de outras fontes, apenas destacando a mais

relevante.

Em uma outra perspectiva, a escrita da obra também serviu a um propósito particular do

autor que se encontrava em uma situação bastante complexa, devido a seu envolvimento no

processo que corria contra o Duque de Osuna. Quevedo procura uma reconciliação com os

indivíduos que agora ocupavam o centro decisório do governo castelhano, de forma que é

possível concluir que não são feitos sem fundamento os elogios relativos à figura de Felipe IV e

ao Conde Duque de Olivares.

Uma extensa parte da obra é dedicada a relatar os eventos relacionados à prisão de Osuna,

às intrigas que corriam contra este personagem, à sua atuação em Nápoles e Sicília e os

acontecimentos que conduziram até aquela situação de declínio. São narrados detalhadamente os

envolvidos no processo, os juízes do caso, a prisão dos secretários e auxiliares ligados a Osuna;

enfim, os trâmites pormenorizados do processo. Seguindo a linha dos retratos dos personagens

esculpidos na obra, deparamos com o retrato do Duque de Osuna obviamente elogioso, localizado

na parte central do relato. Pressupõe-se a partir destes dados que Quevedo estaria produzindo

uma espécie de justificação dos motivos de Osuna perante o novo rei, uma defesa de seu protetor

intentando livrá-lo das penosas conseqüências que poderiam ocasionar o desfecho negativo do

processo. O próprio Quevedo, que também estava envolvido no processo, narra sua prisão e se

explica diante de Felipe IV.

Sendo assim, o estudo desta obra possibilitou refletir sobre os aspectos teóricos presentes

no discurso político de Quevedo como também ponderar sobre questões relativas a sua trajetória.

Enquanto sujeito envolvido com questões referentes à prática política, pois consideramos que

também os Anales fazem parte da negociação que D. Francisco realiza com os novos grupos que

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estão se assenhoreando do controle político da Monarquia, visando se aproximar deste novo

círculo e sair do exílio em que se encontrava.

Em suma, este é um riquíssimo opúsculo para análise da obra de D. Francisco de Quevedo

y Villegas. A obra oferece, analisando as características de um reinado recente, um manual de

orientação aos futuros governantes; através da descrição de atitudes e posturas que se devem

evitar, contrapostas com às diretrizes que se deve seguir.

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5- Conclusão: Ética e Política

A relação entre ética e política foi um dos principais dilemas do pensamento político

europeu, especialmente ibérico, nos séculos XVI e XVII. Ou se subordinava a atividade política

aos princípios morais e religiosos, correndo o risco de formular uma retórica vazia e alheia à

realidade das práticas, ou se afirmava a autonomia da política o que poderia ser identificado com

a utilização de quaisquer meios, incluindo os imorais, para a obtenção e conservação do poder do

Estado. Tal dilema produziu um extenso e complexo debate na tratadística política deste período,

polarizado em torno à figura de Maquiavel e nas respostas elaboradas por seus opositores.

Um erro comum que identificamos nos autores contemporâneos que se dedicam ao estudo

da teria política moderna é identificar nos pressupostos éticos e morais que organizam os

discursos seiscentistas, uma proposta coesa e fechada de interpretação do sistema ético.

Basta uma olhada para a história da filosofia política para perceber as múltiplas propostas

e definições em torno do sistema ético e filosófico que embasam o pensamento político ao longo

das temporalidades. Sendo assim o que importa aqui não é perceber se a ética ficou subordinada

às finalidades práticas de organização do Estado Moderno, mas sim, qual sistema ético foi

elaborado e reinterpretado visando conciliar as novas necessidades políticas com a

fundamentação ética dos discursos.

O fenômeno que vai se deslindando não é, obviamente, o esquecimento da preceptiva

ética nos tratados de conteúdo político. Diremos que, mais precisamente, o que ocorre não é a

subordinação da ética a fins políticos, mas uma nova importância concedida aos acontecimentos

da própria temporalidade, que orientará os tratados no sentido de potencializar a capacidade

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crítica dos governantes, possibilitando um maior sentido prático para dirigir o Estado. É neste

contexto que os conceitos de prudência e Razão de Estado adquirem sua importância.

A questão ética está vinculada a um código moral e uma concepção das virtudes que, em

ultima instância, envolve considerações antropológicas próprias de cada configuração temporal,

mas que estão fundamentadas em um diálogo permanente com a tradição. No caso do mundo

barroco, com a tradição da antiguidade clássica, da escolástica e das doutrinas filosóficas

renascentistas.

Este diálogo é continuamente atualizado por questões próprias do jogo político em que

estão inseridos os agentes da uma determinada configuração temporal, ou seja, são marcadas por

uma constante necessidade de atualização por força das contingências.

Esperamos assim lograr nosso objetivo de contribuir para a pesquisa do discurso de D.

Francisco de Quevedo y Villegas, ampliando as possibilidades de compreensão da tratadística

política ibérica seiscentista. Muito importa voltar a nossa atenção para a compreensão da teoria

política ensejada nos países ibéricos que ainda figuram como regiões onde a reflexão sobre os

assuntos do Estado, realizou-se sobre os estigmas do atraso e de um excessivo comprometimento

religioso que teriam como legado a ruína e o prejuízo frente a países, como a França e Inglaterra,

onde o tratamento secularizado das questões políticas teria se realizado com maior êxito. Não se

deve deixar que esta interpretação preconceituosa e anacrônica perdure, ao contrário, devemos

voltar nossos olhos para análise desta concepção política que ainda se encontra cifrada para nós,

mostrando que o Estado Moderno já vinha se desenvolvendo muito antes do Leviatã.

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