As árvores e os livros

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Quarta-feira, 20 de março de 2013 | Correio do Vouga | 25 OPINIÃO NA IMPRENSA AS ÁRVORES E OS LIVROS As árvores como os livros têm folhas e margens lisas ou recortadas, e capas (isto é copas) e capítulos de flores e letras de oiro nas lombadas E são histórias de reis, histórias de fadas, as mais fantásticas aventuras, que se podem ler nas suas páginas, no pecíolo, no limbo, nas nervuras. As florestas são imensas bibliotecas, e até há florestas especializadas, com faias, bétulas e um letreiro a dizer: «Floresta das zonas temperadas». É evidente que não podes plantar no teu quarto, plátanos ou azinheiras. Para começar a construir uma biblioteca, basta um vaso de sardinheiras. Jorge Sousa Braga, “Herbário”, Assírio e Alvim, 1999 Porque a matéria das árvores se sublima nos livros de poesia, faz todo o sentido a comemoração conjunta, a 21 de Março, do Dia Mundial da Árvore e do Dia Mun- dial da Poesia: o tronco converte-se em voo. Felizmente que, cada vez mais, as escolas e até as famílias não deixam de assinalar este dia com actividades comemorativas, o que é óptimo, des- de que sejam efectivamente fecundas na modelação de novas atitudes, e não apenas por motivo de “rotina de calendário”. Contudo, tenho a sen- sação de que, passada a efeméride, pouca continuidade e atenção se dá, durante o resto do ano, à importân- cia das árvores e da poesia na educa- ção e vida das crianças, e também à importância da própria educação das crianças para a sobrevivência da poe- sia e das árvores. Faltam árvores às nossas crian- ças. Segundo o pedagogo Rubem Sou assídua na leitura de poe- sia, muito graças à influência tão prazerosa que, na minha infância, exerceu a colectânea de poetas lu- sófonos “Primeiro Livro de Poesia”, organizada pela Sophia. Jamais es- queci poemas como “Irene no Céu” ou “Café com pão”, de Manuel Ban- deira; ou Alexandre O’Neill e aque- le verso final “Sai depressa, ó cão, deste poema”. Como mãe, tenho vindo a descobrir como a poesia tem o potencial extraordinário de levar as crianças a apropriarem-se da linguagem poética e simbólica para se (re)conhecerem, recriarem e verbalizarem emoções. Tive há pouco esta experiência com o meu filho de seis anos (que é muito ir- requieto e acelerado): ao deitar, le- mos alguns poemas do livro “Her- bário”. Ele ouviu-os com muita atenção, mas mal terminei o últi- mo, intitulado “Raízes”, ele levan- tou-se, apontou vagamente para a página e disse: “Eu não gosto nada disso!” Estranhei esta reacção de As árvores e os livros JOANA PORTELA Mãe e Revisora de Texto RAÍZES Quem me dera ter raízes, que me prendessem ao chão Que não me deixassem dar um passo que fosse em vão. Que me deixassem crescer silencioso e erecto, como um pinheiro-de-riga, uma faia ou um abeto. Quem me dera ter raízes, raízes em vez de pés. Como o lódão, o aloendro, o ácer e o aloés. Sentir a copa vergar, quando passasse um tufão. E ficar bem agarrado, pelas raízes, ao chão. Jorge Sousa Braga, “Herbário”, Assírio e Alvim, 1999 desagrado perante um poema, tão pouco habitual nele: “Não gostas do poema, ou não gostas do dese- nho?!” “Não é isso, mãe! Não gosto nada de ter os pés presos ao chão”. Nunca antes ele se definira tão bem... Por meio do poema, espon- taneamente, foi capaz de fazer a sua autopsicografia. A poesia é fonte de (auto)conhecimento. “Um poema ou uma árvore po- dem ainda salvar o mundo”, lem- bra-nos Eugénio de Andrade. Por isso, deixo para este dia, mas como desafio a continuar, uma sugestão para pais/filhos, avós/netos/ pro- fessores/alunos: fruírem estes dois poemas, sob a copa de uma árvore ou trepando aos ramos, e aprende- rem a identificar, pelos sentidos, cada uma das espécies referidas. E, quem sabe?, começar um her- bário… © 1998 Mark A. Hicks A eleição do Papa Francisco transformou-se num aconteci- mento inspirador, ao ponto de fazer esquecer que ele é, acima de tudo, o chefe da Igreja Cató- lica. Com Obama, a América pro- vou a sua extraordinária capaci- dade de renovação. Com Francis- co, a Igreja Católica mostrou que compreende o mundo em que vi- ve e está disposta a mudar. O no- vo Papa vai acabar por desiludir muita gente. Reformar uma Cú- ria em decadência, maioritaria- mente europeia, fechada sobre os seus privilégios e entretida em lutas de poder muito pouco cris- tãs, é uma tarefa hercúlea. Teve um poderoso aliado em Bento XVI, cuja renúncia não vai per- mitir que tudo fique exatamente na mesma. Teresa de Sousa Público, 17-03-2013 (…) O ateísmo ruidoso de mui- tos não os impede de emitir pal- pites sucessivos acerca da maté- ria. Pelo menos em Portugal, os media trataram de ouvir avida- mente as opiniões de gente sem qualquer vínculo ao catolicismo, o que faz o mesmo sentido que questionar um adepto dos Los Angeles Lakers sobre o momento do Sporting. Neste caso, o fã de basquetebol diria provavelmente não saber nada a propósito. Já os ateus militantes não só sabem imenso a propósito do Vaticano como insistem em partilhar a sa- bedoria connosco. Alberto Gonçalves Diário de Notícias, 17-03-2013 Podem sempre esperar pe- lo milagre em que acreditam e que se baseia na teoria de que, regressando aos mercados, o di- nheiro voltará a jorrar e as em- presas vão poder voltar à banca a juros decentes para investir. O problema é que o efeito deste in- vestimento na criação de empre- gos será muito demorado. Paulo Baldaia Diário de Notícias, 17-03-2013 O novo Papa tem pela frente missões gigantescas. A credibili- dade da Igreja-instituição bateu no fundo. Impõe-se, pois, uma conversão de fundo. Anselmo Borges Diário de Notícias, 16-03-2013 Alves: “Toda a criança tem o direito de construir uma cabana nos bos- ques, de ter um arbusto onde se es- conder e árvores nas quais subir”. Mas quantas das nossas crianças já fizeram uma cabana nos bosques, treparam a uma árvore, contaram os anéis de um cepo para lhe des- cobrir a idade, ou sabem distinguir uma bétula de um abeto? Quantas das actividades comemorativas do Dia da Árvore não se realizam totalmente dentro de portas?! De- senhos e pesquisas no Google não bastam para se conhecer o cheiro da resina… Muito do conhecimento precisa de ser sensorial. E nem é preciso ir a uma quinta pedagógica para as crianças descobrirem o mundo de sensações novas que uma árvore proporciona a todos os sentidos do nosso corpo. Qual a criança que nunca descascou um plátano? “A natureza é o melhor laboratório de ponta que existe”, disse-me uma cientista. E apetece-me acrescentar: e a melhor sala de aula. Lembro-me bem de como aprendi em criança — para jamais esquecer — a distinguir algumas árvores: fazendo com a mi- nha mãe um herbário de folhas. Faltam folhas de poesia às nossas crianças. E faltam estantes de poe- sia às nossas livrarias. Porque, se o gosto pela poesia não for cultivado e regado desde a infância, os leito- res, quando adultos, dificilmente terão desenvolvido a sensibilidade estética, literária, musical, simbó- lica, para apreciar e fruir a arte poética. Como as árvores, a poesia é fun- damental ao Homem integral, porque nos huma- niza e, simultaneamente, nos eleva. Mas a poesia não tem apenas um valor pedagógico e estético, tem também um valor ins- trumental: como podemos educar as crianças no domínio da criativi- dade, da imaginação, da inovação, do pensamento livre, sem passar pela forma mais bem conseguida de criatividade da lin- guagem e do pensamento, que é a expressão poética? (Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico) Nota da redação: Inicia-se neste número a colaboração de Joana Abranches Portela, mãe de duas crianças, que se dedica profissionalmente à revisão de texto para editoras, universidades e outras instituições. Autora de “Escritas de Fonte Boa”, livro que relata as suas vivências como voluntária missionária durante dois anos em Moçambique (a este propósito foi entrevistada por este jornal na edição de 20 de fevereiro de 2008), Joana Portela escreverá principalmente sobre assuntos relacionados com a educação dos mais novos.

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Artigo de opinião publicado no jornal "Correio do Vouga"

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Quarta-feira, 20 de março de 2013 | Correio do Vouga | 25

opinião

na imprensa

AS ÁRVORES E OS LIVROS

As árvores como os livros têm folhase margens lisas ou recortadas,e capas (isto é copas) e capítulosde flores e letras de oiro nas lombadas

E são histórias de reis, histórias de fadas,as mais fantásticas aventuras,que se podem ler nas suas páginas,no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,e até há florestas especializadas,com faias, bétulas e um letreiroa dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantarno teu quarto, plátanos ou azinheiras.Para começar a construir uma biblioteca,basta um vaso de sardinheiras.

Jorge sousa Braga, “Herbário”, assírio e alvim, 1999

Porque a matéria das árvores se sublima nos livros de poesia, faz todo o sentido a comemoração conjunta, a 21 de Março, do Dia Mundial da Árvore e do Dia Mun-dial da Poesia: o tronco converte-se em voo.

Felizmente que, cada vez mais, as escolas e até as famílias não deixam de assinalar este dia com actividades comemorativas, o que é óptimo, des-de que sejam efectivamente fecundas na modelação de novas atitudes, e não apenas por motivo de “rotina de calendário”. Contudo, tenho a sen-sação de que, passada a efeméride, pouca continuidade e atenção se dá, durante o resto do ano, à importân-cia das árvores e da poesia na educa-ção e vida das crianças, e também à importância da própria educação das crianças para a sobrevivência da poe-sia e das árvores.

Faltam árvores às nossas crian-ças. Segundo o pedagogo Rubem

Sou assídua na leitura de poe-sia, muito graças à influência tão prazerosa que, na minha infância, exerceu a colectânea de poetas lu-sófonos “Primeiro Livro de Poesia”, organizada pela Sophia. Jamais es-queci poemas como “Irene no Céu” ou “Café com pão”, de Manuel Ban-deira; ou Alexandre O’Neill e aque-le verso final “Sai depressa, ó cão, deste poema”. Como mãe, tenho vindo a descobrir como a poesia tem o potencial extraordinário de levar as crianças a apropriarem-se da linguagem poética e simbólica para se (re)conhecerem, recriarem e verbalizarem emoções. Tive há pouco esta experiência com o meu filho de seis anos (que é muito ir-requieto e acelerado): ao deitar, le-mos alguns poemas do livro “Her-bário”. Ele ouviu-os com muita atenção, mas mal terminei o últi-mo, intitulado “Raízes”, ele levan-tou-se, apontou vagamente para a página e disse: “Eu não gosto nada disso!” Estranhei esta reacção de

As árvores e os livros

JOANA PORTELAMãe e Revisora de Texto

RAÍZES

Quem me dera ter raízes,que me prendessem ao chãoQue não me deixassem darum passo que fosse em vão.

Que me deixassem crescersilencioso e erecto,como um pinheiro-de-riga,uma faia ou um abeto.

Quem me dera ter raízes,raízes em vez de pés.Como o lódão, o aloendro,o ácer e o aloés.

Sentir a copa vergar,quando passasse um tufão.E ficar bem agarrado,pelas raízes, ao chão.

Jorge sousa Braga, “Herbário”, assírio e alvim, 1999

desagrado perante um poema, tão pouco habitual nele: “Não gostas do poema, ou não gostas do dese-nho?!” “Não é isso, mãe! Não gosto nada de ter os pés presos ao chão”. Nunca antes ele se definira tão bem... Por meio do poema, espon-taneamente, foi capaz de fazer a sua autopsicografia. A poesia é fonte de (auto)conhecimento.

“Um poema ou uma árvore po-dem ainda salvar o mundo”, lem-bra-nos Eugénio de Andrade. Por isso, deixo para este dia, mas como desafio a continuar, uma sugestão para pais/filhos, avós/netos/ pro-fessores/alunos: fruírem estes dois poemas, sob a copa de uma árvore ou trepando aos ramos, e aprende-rem a identificar, pelos sentidos, cada uma das espécies referidas. E, quem sabe?, começar um her-bário…

© 1998 Mark A. Hicks

A eleição do Papa Francisco transformou-se num aconteci-mento inspirador, ao ponto de fazer esquecer que ele é, acima de tudo, o chefe da Igreja Cató-lica. Com Obama, a América pro-vou a sua extraordinária capaci-dade de renovação. Com Francis-co, a Igreja Católica mostrou que compreende o mundo em que vi-ve e está disposta a mudar. O no-vo Papa vai acabar por desiludir muita gente. Reformar uma Cú-ria em decadência, maioritaria-mente europeia, fechada sobre os seus privilégios e entretida em lutas de poder muito pouco cris-tãs, é uma tarefa hercúlea. Teve um poderoso aliado em Bento XVI, cuja renúncia não vai per-mitir que tudo fique exatamente na mesma.

Teresa de SousaPúblico, 17-03-2013

(…) O ateísmo ruidoso de mui-tos não os impede de emitir pal-pites sucessivos acerca da maté-ria. Pelo menos em Portugal, os media trataram de ouvir avida-mente as opiniões de gente sem qualquer vínculo ao catolicismo, o que faz o mesmo sentido que questionar um adepto dos Los Angeles Lakers sobre o momento do Sporting. Neste caso, o fã de basquetebol diria provavelmente não saber nada a propósito. Já os ateus militantes não só sabem imenso a propósito do Vaticano como insistem em partilhar a sa-bedoria connosco.

Alberto GonçalvesDiário de Notícias, 17-03-2013

Podem sempre esperar pe-lo milagre em que acreditam e que se baseia na teoria de que, regressando aos mercados, o di-nheiro voltará a jorrar e as em-presas vão poder voltar à banca a juros decentes para investir. O problema é que o efeito deste in-vestimento na criação de empre-gos será muito demorado.

Paulo BaldaiaDiário de Notícias, 17-03-2013

O novo Papa tem pela frente missões gigantescas. A credibili-dade da Igreja-instituição bateu no fundo. Impõe-se, pois, uma conversão de fundo.

Anselmo BorgesDiário de Notícias, 16-03-2013

Alves: “Toda a criança tem o direito de construir uma cabana nos bos-ques, de ter um arbusto onde se es-conder e árvores nas quais subir”. Mas quantas das nossas crianças já fizeram uma cabana nos bosques, treparam a uma árvore, contaram os anéis de um cepo para lhe des-cobrir a idade, ou sabem distinguir uma bétula de um abeto? Quantas das actividades comemorativas do Dia da Árvore não se realizam totalmente dentro de portas?! De-senhos e pesquisas no Google não bastam para se conhecer o cheiro da resina…

Muito do conhecimento precisa de ser sensorial. E nem é preciso ir a uma quinta pedagógica para as crianças descobrirem o mundo de sensações novas que uma árvore proporciona a todos os sentidos do nosso corpo. Qual a criança que nunca descascou um plátano? “A natureza é o melhor laboratório de ponta que existe”, disse-me uma cientista. E apetece-me acrescentar: e a melhor sala de aula. Lembro-me bem de como aprendi em criança — para jamais esquecer — a distinguir algumas árvores: fazendo com a mi-nha mãe um herbário de folhas.

Faltam folhas de poesia às nossas crianças. E faltam estantes de poe-sia às nossas livrarias. Porque, se o gosto pela poesia não for cultivado e regado desde a infância, os leito-res, quando adultos, dificilmente terão desenvolvido a sensibilidade estética, literária, musical, simbó-lica, para apreciar e fruir a arte poética. Como as árvores, a poesia é fun-damental ao Homem integral, porque nos huma-niza e, simultaneamente, nos eleva. Mas a poesia não tem apenas um valor pedagógico e estético, tem também um valor ins-trumental: como podemos educar as crianças no domínio da criativi-dade, da imaginação, da inovação, do pensamento livre, sem passar pela forma mais bem conseguida de criatividade da lin-guagem e do pensamento, que é a expressão poética?

(Este texto não segue o novo Acordo

Ortográfico)

Nota da redação: Inicia-se neste número a colaboração de Joana Abranches Portela, mãe de duas crianças, que se dedica profissionalmente à revisão de texto para editoras, universidades e outras instituições. Autora de “Escritas de Fonte Boa”, livro que relata as suas vivências como voluntária missionária durante dois anos em Moçambique (a este propósito foi entrevistada por este jornal na edição de 20 de fevereiro de 2008), Joana Portela escreverá principalmente sobre assuntos relacionados com a educação dos mais novos.