As Cidades Na Economia Global Saskia Sassen

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As Cidades na Economia Global Saskia Sassen O potencial de dispersão que aparece com a globalização e a telemática - a transferência de fábricas para o exterior, a expansão das redes globais de filiais e subsidiárias, a mudança das unidades de apoio administrativo para os subúrbios e para fora dos centros urbanos - levaram muitos observadores a afirmar que as cidades se tornariam obsoletas neste contexto econômico. De fato, muitos dos antigos grandes centros industriais dos países altamente desenvolvidos sofreram um acentuado declínio. Porém, contrariando todas as previsões, um número significativo de grandes cidades também viu elevarse a concentração de seu poder econômico. Enquanto o declínio dos centros industriais decorrente da internacionalização da produção iniciada nos anos 60 foi amplamente documentado e explicado, até recentemente não se podia dizer o mesmo da ascensão das grandes cidades de serviços nos anos 80. Hoje, já possuímos uma nova e rica cultura, repleta de debates e divergências, sobre as cidades na economia global. O que explica esse papel novo ou radicalmente ampliado de um tipo particular de cidade na economia mundial desde o início dos anos 80? Ele resulta basicamente da interseção de dois grandes processos. O primeiro é o agudo crescimento da globalização da atividade econômica, que aumentou a escala e a complexidade das transações, estimulando desta forma o crescimento das funções de comando das matrizes de multinacionais de primeira linha e o incremento da prestação de serviços às empresas, em especial os serviços empresariais avançados. O segundo é a intensidade crescente dos serviços na organização da 1

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Sociologia Urbana

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As Cidades na Economia GlobalSaskia Sassen

O potencial de dispersão que aparece com a globalização e a telemática - a transferência de

fábricas para o exterior, a expansão das redes globais de filiais e subsidiárias, a mudança das unidades de

apoio administrativo para os subúrbios e para fora dos centros urbanos - levaram muitos observadores a

afirmar que as cidades se tornariam obsoletas neste contexto econômico. De fato, muitos dos antigos

grandes centros industriais dos países altamente desenvolvidos sofreram um acentuado declínio. Porém,

contrariando todas as previsões, um número significativo de grandes cidades também viu elevarse a

concentração de seu poder econômico.

Enquanto o declínio dos centros industriais decorrente da internacionalização da produção

iniciada nos anos 60 foi amplamente documentado e explicado, até recentemente não se podia dizer o

mesmo da ascensão das grandes cidades de serviços nos anos 80. Hoje, já possuímos uma nova e rica

cultura, repleta de debates e divergências, sobre as cidades na economia global.

O que explica esse papel novo ou radicalmente ampliado de um tipo particular de cidade na

economia mundial desde o início dos anos 80? Ele resulta basicamente da interseção de dois grandes

processos. O primeiro é o agudo crescimento da globalização da atividade econômica, que aumentou a

escala e a complexidade das transações, estimulando desta forma o crescimento das funções de comando

das matrizes de multinacionais de primeira linha e o incremento da prestação de serviços às empresas,

em especial os serviços empresariais avançados. O segundo é a intensidade crescente dos serviços na

organização da economia, processo evidente em empresas de todos os setores industriais, da mineração

às finanças.

O processo chave desde a perspectiva da economia urbana é a demanda crescente de serviços por

parte de empresas de todos os setores da indústria e o fato de que as cidades são os locais preferenciais

para produção desses serviços, a nível global, nacional e regional. A crescente intensidade dos serviços

na organização econômica em geral, assim como as condições específicas da produção de serviços

empresariais avançados, incluindo aquelas em que as tecnologias de informação estão disponíveis, se

combinam para tornar certas cidades, uma vez mais, locais chave de “produção”, papel que perderam

quando a manufatura em massa se tornou o setor econômico dominante. Essas são as cidades globais, ou

cidades mundiais, foco de uma nova literatura técnica. Quantas são, sua hierarquia variável e o que

representam em termos de novos desenvolvimentos são temas de discussão. Mas existe um crescente

acordo sobre o fato de que algumas grandes cidades do Norte e do Sul formam uma rede de centros de

coordenação, controle e prestação de serviços para o capital global.

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Em resumo, a combinação de dispersão geográfica das atividades econômicas com a integração

sistêmica que jaz no coração da época econômica atual contribuiu para a renovação e a ampliação das

funções centrais; e a complexidade das transações elevou a demanda das empresas por serviços altamente

especializados. Ao invés de se tornarem obsoletas com a dispersão propiciada pelas tecnologias da

informação, as cidades passaram a concentrar funções de comando, se tornaram locais de produção pós-

industrial para as empresas de ponta deste período, sejam financeiras e de serviços especializados, e

mercados transnacionais onde empresas e governos podem se utilizar dos produtos e serviços do mercado

financeiro e contratar serviços especializados.

Esse enfoque nos permite conceber a globalização como constituída por uma rede global de

lugares estratégicos que emergem com uma nova geografia de centralidade.

A nova economia urbana

Não se está dizendo que tudo na economia dessas cidades mudou. Ao contrário existe muita

continuidade e muita similaridade com as cidades que não são nodos globais. Os altos preços e os altos

níveis de aproveitamento do setor internacionalizado e de suas atividades subsidiárias, como restaurantes

e hotéis, por exemplo, tornaram cada vez mais difícil, nos anos 80, a competição de outros setores por

espaço e investimentos.

Um bom exemplo são as lojas de vizinhança que atendem às necessidades locais, sendo

substituídas por lojas e restaurantes sofisticados que atendem às novas elites urbanas de alta renda. Esta

tendência é evidente em muitas cidades do mundo altamente desenvolvido, mas raramente de maneira

tão clara como nas grandes cidades americanas. Ainda que numa ordem de grandeza diferente, esta

tendência também se verificou no final da década de 80, em algumas cidades de países em

desenvolvimento, que se integraram aos mercados mundiais: São Paulo, Buenos Aires, Bangkok, Taipei,

Cidade do México são apenas alguns exemplos. Cruciais para o desenvolvimento desses novos núcleos

nessas cidades foram também a desregulamentação dos mercados financeiros, o aumento dos serviços

financeiros e dos serviços especializados, a integração aos mercados mundiais, a especulação imobiliária

e a gentrificação comercial e residencial de alta renda. A abertura dos mercados de ações a investidores

estrangeiros e a privatização das empresas de serviços públicos constituíram arenas institucionais

fundamentais para essa articulação. Considerando o enorme tamanho de algumas cidades, o impacto

desse novo complexo econômico nem sempre é tão evidente como no centro de Londres ou de Frankfurt,

mas a transformação de fato ocorreu.

Acompanhando as altas taxas de crescimento dos serviços ao produtor (1), houve, ao longo dos

anos 80, um aumento do nível de especialização do emprego em negócios e serviços financeiros nas

grandes cidades. Existe hoje uma tendência geral de forte concentração de empresas financeiras e de

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certos serviços ao produtor nos centros urbanos dos grandes centros financeiros internacionais de todo o

mundo. De Toronto e Sidnei a Frankfurt e Zurique, vemos uma crescente especialização em

administração financeira e serviços associados. Essas cidades emergiram como importantes prestadoras

de serviços ligados à exportação, com uma tendência à especialização (2). Nova Iorque e Londres

lideram em produção e exportação de serviços financeiros, contabilidade, publicidade, consultoria de

negócios, serviços jurídicos internacionais e outros serviços em-presariais. De um total de 2,8 milhões de

empregos no setor privado em Nova Iorque em dezembro de 1995, quase 1,3 milhões estavam orientados

para a exportação (nacional e internacional). Cidades como Nova Iorque estão entre os mais importantes

mercados internacionais para esses serviços, sendo a primeira na exportação de serviços.

Há, por outro lado, tendências de especialização entre diferentes cidades dentro de um mesmo

país. Nos EUA, Nova Iorque é líder em serviços bancários, administração fabril, contabilidade e

publicidade. Washington lidera em serviços jurídicos, computação e processamento de dados,

administração e relações públicas, pesquisa e desenvolvimento e organizações associativas. Nova Iorque

é mais especializada como centro financeiro e de negócios e como pólo cultural. Parte da atividade

jurídica concentrada em Washington está na verdade servindo aos negócios de Nova Iorque, que

precisam passar por procedimentos legais e regulatórios, lobbying etc. Estes precisam se situar na capital

nacional (3). É importante reconhecer que a manufatura permanece sendo um setor econômico crucial

em todas essas economias, mesmo tendo deixado de sê-lo em algumas dessas cidades.

A agenda téorica e de pesquisa

Existe um certo número de questões atuais para pesquisa e formulação de teoria sobre o assunto.

Algumas são estritamente técnicas ao passo que outras são amplas e precisam de maior rigor teórico e

empírico. Examinaremos, a seguir, algumas destas questões.

A aglomeração espacial na economia

Entre as questões empíricas existem várias que se relacionam com aspectos locacionais em um

contexto de globalização e telemática. A principal delas diz respeito às necessidades locacionais e às

opções de diferentes tipos de sedes de empresas e de serviços ao produtor e a extensão desta mútua

dimensão espacial. É comum, na literatura em geral e em algumas análises mais sofisticadas, usar a

concentração de sedes de empresas como indicador da importância da cidade como um centro

internacional de negócios. A perda de sedes de empresas é interpretada como um declínio no status da

cidade. O uso da concentração de sedes de empresas como índice, é, na verdade, uma medida

problemática dada a maneira como as corporações são classificadas.

Identificar quais sedes de empresas se concentram nos grandes centros financeiros e de negócios

internacionais depende de um certo número de variáveis. Em primeiro lugar, faz diferença a maneira

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como medimos ou apenas contamos as sedes de empresas. Freqüentemente a referência usual é o

tamanho da empresa em termos de emprego e receita total (4). Neste caso, algumas das maiores empresas

do mundo são, ainda, firmas manufatureiras e muitas delas têm sua sede nas proximidades de seu

complexo manufatureiro principal, improvável de estar localizado numa grande cidade devido a

restrições de espaço. Tais empresas, no entanto, têm, provavelmente, sedes secundárias para funções

altamente especializadas nas principais cidades. Além disso, muitas empresas manufatureiras estão

orientadas para o mercado nacional e não precisam estar localizadas em cidades. Se alteramos a medida,

os resultados podem mudar radicalmente: no caso de Nova Iorque, por exemplo, 40% das empresas

norte-americanas com metade de sua receita oriunda das vendas internacionais têm as suas sedes nesta

cidade (5). Em segundo lugar, há o fator da natureza do sistema urbano do país. Uma forte primazia

urbana tenderá a acarretar uma concentração desproporcional de sedes de empresas, independentemente

da medida que se use. Terceiro, diferentes histórias econômicas e tradições em negócios podem se

combinar para produzir diferentes resultados. Além disso, a concentração de sedes de empresas pode

estar ligada a uma fase econômica específica. Precisamos de mais pesquisas e parâmetros mais

complexos para entender o impacto da globalização e da telemática sobre o padrão locacional das

empresas e suas implicações para o futuro das cidades globais.

Outra questão locacional com implicações urbanas diz respeito às condições para a aglomeração,

há muito um problema central em economia urbana. Por exemplo, o processo de produção nos serviços

empresariais avançados se beneficia da proximidade de outros serviços es-pecializados, especialmente

nos setores de ponta e mais inovadores dessas indústrias. Complexidade e inovação muitas vezes

requerem insumos múltiplos, altamente especializados, de muitas indústrias. A produção de serviços

financeiros, por exemplo, requer insumos de contabilidade, publicidade, expertise jurídica, consultoria

econômica, relações públicas, designers e editores. As características particulares da produção desses

serviços, especialmente aquelas envolvidas em operações complexas e inovadoras, explicam a sua

pronunciada concentração em grandes cidades.

Em resumo, empresas estabelecidas em ramos de atividade mais rotinizados, com mercados

predominantemente regionais e nacionais, parecem ser cada vez mais livres para instalar suas sedes ou

mudar-se para fora das cidades. Empresas pertencentes a ramos de atividade altamente competitivos e

inovadores e/ou com uma forte orientação para o mercado mundial parecem se beneficiar do fato de

estarem localizadas no núcleo dos grandes centros internacionais de negócios, independentes de quão

altos sejam os custos.

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Ambos os tipos de empresas precisam, no entanto, de um complexo de serviços empresariais para

se estabelecerem em determinado lugar. Onde este complexo será localizado é, provavelmente, cada vez

menos importante na perspectiva de muitas sedes de grandes empresas, embora não de todas. Do ponto

de vista das que prestam serviços ao produtor, um complexo especializado deste tipo mais provavelmente

deverá se localizar no núcleo de uma cidade do que num parque de escritórios no subúrbio. O subúrbio

será um lugar para empresas de serviços ao produtor mas não para um complexo de serviços. E somente

um tal complexo é capaz de satisfazer as demandas empresariais mais avançadas e complicadas. Existe,

nos EUA, uma ampla literatura sobre a distribuição espacial de funções empresariais e serviços

empresariais de primeira linha por todo o sistema urbano; apesar das divergências teóricas e empíricas, a

maioria desses estudos mostra o considerável crescimento dessas atividades nos anos 80, em vários

níveis do sistema. No caso de cidades que são grandes centros internacionais de negócios, a escala, o

poder e os níveis de lucro deste novo núcleo de atividades econômicas são enormes. Nesse contexto, a

glo-balização se torna uma questão de escala e complexidade acrescidas, num processo que também vai

se dando nos níveis inferiores da hierarquia urbana e com uma orientação nacional e regional ao invés de

global.

Espaço e poder: A nova centralidade

Uma versão mais teórica dessas questões locacionais pode ser colocada em termos de

centralidade. No que tange à sua função econômica, as cidades promovem algo que podemos pensar

como centralidade — economias de aglomeração, concentrações maciças de informação sobre os

avanços mais recentes, um lugar de mercado. De que forma a globalização econômica e as novas

tecnologias alteram o papel da centralidade e daí das cidades como entidades econômicas?

A telemática e a globalização surgiram como forças fundamentais na reorganização do espaço

econômico. Esta reorganização vai desde a criação de um espaço virtual para um número crescente de

atividades econômicas até a reconfiguração da geografia do ambiente construído para a atividade eco-

nômica. Quer no espaço eletrônico ou na geografia do ambiente construído, esta reorganização envolve

mudanças institucionais e estruturais. Um dos resultados dessas transformações foi captado por imagens

de dispersão geográfica à escala global e pela neutralização do lugar e da distância através da telemática

em um número crescente de atividades econômicas.

Mas será possível um espaço destituído de pontos de concentração física num sistema econômico

caracterizado pela concentração significativa da propriedade, do controle e da apropriação dos lucros?

Outra maneira de formular esta questão, que capta tanto a dimensão física como a organizacional e de

poder, é em termos de centralidade: pode um tal sistema econômico operar sem centros? E ainda mais:

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até onde as formas de centralidade constituídas no espaço eletrônico podem chegar na substituição de

algumas das funções comumente associadas às formas organizacionais/geográficas da centralidade?

A topologia do e-space:

cidades globais e cadeias globais de valor

Esta nova e vasta topografia econômica que vem sendo implementada por meio do espaço

eletrônico é um momento, um fragmento, de uma cadeia econômica ainda mais vasta que está em boa

parte embutida em espaços não-eletrônicos. Não existe nenhuma firma totalmente virtualizada nem

nenhuma indústria totalmente digitalizada. Mesmo as mais avançadas indústrias da informação, como a

financeira, estão apenas parcialmente instaladas no espaço eletrônico. O mesmo vale para as que

fabricam produtos digitais, como as de criação de software. A crescente digitalização das atividades eco-

nômicas não eliminou a necessidade de grandes centros financeiros e de negócios internacionais e nem

dos recursos materiais que eles concentram e da infra-estrutura corrente de telemática ao talento

intelectual.

Como já dissemos, a telemática e a globalização emergiram como forças fundamentais que

reconformam a organização do espaço econômico. A telemática maximiza o potencial de dispersão

geográfica e a globalização impõe uma lógica econômica que maximiza a atratividade/lucratividade

dessa dispersão.

A transformação dos correlativos espaciais da centralidade por meio das novas tecnologias e da

globalização engendra uma problemática totalmente nova em torno da definição do que constitui hoje a

centralidade, em um sistema econômico onde parte das transações se dá por meio de tecnologias que

neutralizam distância e lugar, e o fazem em escala global. A centralidade materializou-se historicamente

em um certo tipo de ambiente construído e forma urbana, isto é, o distrito central de negócios. Além

disso, a existência de uma nova geografia da centralidade, mesmo que transnacional, contém

possibilidades de imposição regulatória que estão ausentes em uma geografia econômica carente de

pontos estratégicos de aglomeração.

Eis aqui duas séries de questões sobre as quais precisamos de mais pesquisa:

1) Os setores econômicos de ponta altamente digitalizados requerem lugares estratégicos dotados

de enormes concentrações de infra-estrutura, de mão-de-obra, de talentos e de edifícios. Isto vale para o

setor financeiro e para as indústrias multimídia que usam processos de produção digital e produzem

produtos digitalizados. Qual o alcance e qual a expressão espacial da articulação entre os componentes

organizacionais virtuais e reais? Quais as implicações para o espaço urbano?

2) As agudas desigualdades na distribuição da infra-estrutura do espaço eletrônico, sejam redes

privadas de computadores ou a Internet, nas condições de acesso ao próprio espaço eletrônico, e, dentro

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do espaço eletrônico, nas condições de acesso aos segmentos e aspectos altamente dinâmicos,

contribuem todos para a formação de novas geografias da centralidade, no espaço territorial e no espaço

eletrônico. O que isto significa para as cidades?

O lugar da manufatura

na nova economia de serviços

Outro tema de pesquisa e debate é a relação entre a manufatura e o setor de serviços ao produtor

na economia urbana avançada. A nova economia de serviços se beneficia da manufatura porque ela

alimenta o crescimento do setor de serviços ao produtor, esteja este localizado em uma área particular,

em outra região ou no exterior. Enquanto a manufatura, a mineração e a agricultura, sob este aspecto, ali-

mentam o crescimento da demanda por serviços ao produtor, sua efetiva localização é de secundária im-

portância no caso de empresas de serviços de nível global: uma empresa manufatureira ter, portanto, sua

fábrica no estrangeiro ou no país de origem pode ser absolutamente irrelevante desde que ela compre

seus serviços daquelas firmas de primeira linha.

Em segundo lugar, a dispersão territorial das fábricas, principalmente se internacional, aumenta a

demanda por serviços ao produtor devido à crescente complexidade das transações. Este é ainda um

outro significado da globalização: o de que o crescimento das empresas de serviços ao produtor sediadas

em Nova Iorque, Londres ou Paris pode ser alimentado por manufaturas localizadas em qualquer lugar

do mundo se elas fizerem parte de uma rede empresarial multinacional. Vale lembrar aqui que, enquanto

a General Motors transferia a produção para o exterior, devastando a base de empregos de Detroit, sua

sede administrativo-financeira e de relações públicas, situada em Nova Iorque, se apre-sentava mais

dinâmica e mais movimentada do que nunca.

Em terceiro lugar, boa parte do setor de serviços ao produtor é alimentado por transações

financeiras e ne-gócios que pouco ou nada têm a ver com a manufatura, como ocorre em muitos dos

mercados financeiros globais ou para as quais a manufatura é incidental, como em boa parte da atividade

de fusões e incorporações que está de fato centrada na atividade de compra e venda em lugar da compra

propriamente dita de empresas manu-fatureiras. Precisamos de muito mais pesquisas sobre aspectos

particulares da relação entre o setor manufatureiro e o de serviços ao produtor, espe-cialmente em um

contexto de dispersão espacial e de organização transnacional da manufatura.

Também relacionada com a questão da manufatura é a importância da infra-estrutura

convencional para a operação dos setores econômicos que são fortes usuários da telemática. Este é um

tema que tem merecido pouca atenção. A noção dominante parece ser a de que a telemática elimina a

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necessidade de infra-estrutura convencional. Mas, é precisamente a natureza do processo de produção

das indústrias avançadas, quer elas operem à escala global ou nacional, que contribui para explicar o

vertiginoso aumento das viagens a negócios, observadas em todas as economias avançadas durante a

última década. O escritório virtual é uma opção muito mais limitada do que uma análise puramente

tecnológica poderia sugerir. Certos tipos de atividades econômicas podem ser dirigidas desde um

escritório virtual localizado em qualquer lugar. Mas, para processos de trabalho que requerem múltiplos

insumos especializados, considerável inovação e tomada de riscos, a necessidade de interação direta com

outras firmas e especialistas permanece um fator locacional chave. Daí, a metropolização e

regionalização de um setor econômico terem fronteiras estabelecidas em função do tempo que se gasta

em uma viagem à principal ou principais cidades da região. A ironia da atual era eletrônica é que a antiga

noção de região e as antigas formas de infra-estrutura ressurgem como aspectos críticos para setores

chave da economia. Este tipo de região diferencia-se, sob muitos aspectos, de outras formas de região.

Ela corresponde a um novo tipo de centralidade — uma rede metropolitana de nodos conectados via

telemática. Para que esta rede digital funcione, a infra-estrutura convencional — idealmente do tipo mais

avançado — é também uma necessidade.

Novas formas de marginalidade e polarização

Os novos setores de crescimento, as novas capacidades organizacionais das firmas e as novas

tecnologias — os três interrelacionados — estão contribuindo para produzir não apenas uma nova

geografia da centralidade mas também uma nova geografia da marginalidade. As evidências para os

EUA, a Europa Ocidental e o Japão sugerem que serão necessárias políticas e ações governamentais para

reduzir as novas formas de desigualdade espacial e social.

Existem mal-entendidos que parecem prevalecer em boa parte dos comentários gerais sobre o que

é ou não importante em um sistema econômico avançado, na economia da informação e na globalização

econômica. Muitos tipos de firmas, de trabalhadores e de lugares, os serviços industriais por exemplo,

que parecem não pertencer a um sistema econômico avançado, baseado na informação e globalmente

orientado, são, na verdade, parte integral desse sistema. E eles precisam de reconhecimento e de suporte

político: não podem competir nos novos ambientes onde os setores de ponta elevam preços e standards,

embora seus produtos e serviços sejam demandados. A indústria financeira de Manhattan, por exemplo,

uma das mais sofisticadas e complexas, precisa de caminhões para entregar não apenas software mas

também mesas e lâmpadas; e precisa de trabalhadores não qualificados para manutenção e limpeza. Essas

atividades e trabalhadores precisam de condições de vida adequadas para permanecerem na região.

Uma outra dimensão não suficientemente reconhecida é a nova dinâmica da valorização: a

combinação de globalização e novas tecnologias alterou os critérios e mecanismos pelos quais os fatores,

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insumos, bens e serviços são valorizados. Isto tem produzido efeitos devastadores sobre algumas

localidades e indústrias. Desse modo, os salários dos especialistas em finanças e os lucros dos serviços

financeiros dispararam nos anos 80 ao mesmo tempo que afundavam os salários dos trabalhadores não

qualificados e os lucros de muitas firmas manufatureiras tradicionais.

A cidade global e o Estado nacional

A globalização transformou o significado e os lugares do comando da economia. Algumas das

principais propriedades da fase atual na longa história da economia mundial são a ascensão das

tecnologias da informação, o crescimento, a elas associado, da mobilidade e da liquidez do capital e o

resultante declínio das capacidades regulatórias dos Estados nacionais sobre setores chaves de suas

economias.

Uma das características da fase atual da economia mundial é a reafirmação da importância das

unidades sub-nacionais, sejam cidades globais ou regiões estratégicas como o Vale do Silício, na

Califórnia. Isto sugere, talvez ,que o impacto da globalização não pode ser simplesmente reduzido à

noção de declínio do estado nacional, como se afirma com tanta frequência, mas à formação da relação

triangular entre o Estado nacional, a economia global e as localidades estratégicas - tipicamente grandes

centros de negócios e financeiros. A relação estratégica não é mais a dualidade Estado nacional - sistema

econômico global. O trabalho de Taylor (1995) sobre a natureza variável da territorialidade no moderno

sistema mundial, bem como suas observações sobre as nações-estados e as cidades, estabelecem uma

agenda para a pesquisa.

A ênfase excessiva na hipermobilidade e na liquidez do capital é um discurso parcial que tende a

obscurecer a relação entre política externa, política local e economia global. É uma visão que exclui, por

exemplo, a possibilidade de uma participação efetiva das cidades globais na política e na prática

econômica internacional, e, daí, na política externa, à medida que a política econômica se torna uma

preocupação crescente na política externa. Exclui também uma variedade de processos globais que estão

efetivamente relacionados à re-territorialização de pessoas, práticas econômicas e culturais. As

comunidades de migrantes e as sub-economias de vizinhança que elas costumam formar são exemplos. A

formação de vínculos transnacionais e de comunidades através da imigração suscita uma série de

questões adicionais cujo efeito é o de deslocar certas funções políticas das relações internacionais entre

estados para a esfera privada de indivíduos, famílias e comunidades.

Estamos também assistindo à formação de regiões transnacionais que cada vez mais agem como

unidades, não porque sejam coesas mas porque dividem o mesmo terreno a nível espacial e

organizacional. A formação de uma nova “classe transnacional” de gerentes e profissionais representa,

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ainda, outra dimensão desta triangulação. Muitos pesquisadores estão explorando a transnacionalidade a

partir da base, um processo particularmente evidente nas cidades globais. Finalmente, há um debate atual

sobre o retorno das cidades-estado, diante das condições que caracterizam as cidades globais: forte

articulação com mercados globais, múltiplas formas de transnacionalidade e articulação enfraquecida

com a economia nacional e o estado nacional.

Estas transformações em aspectos chaves do Estado moderno e do avançado sistema inter-Estados

assinalam uma abertura conceitual e prática para a inclusão de localidades que são estratégicas para a

economia global e que contribuem para tornar triangular aquilo que um dia foi uma parceria a dois.

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