As circunstâncias legais e a aplicação centrífuga da pena

download As circunstâncias legais e a aplicação centrífuga da pena

of 24

Transcript of As circunstâncias legais e a aplicação centrífuga da pena

(SANTOS JNIOR, Rosivaldo Toscano dos. As circunstncias legais e a aplicao centrfuga da pena. Revista dos Tribunais. vol. 908. p. 233-262. So Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 2011)

As circunstncias legais e a aplicao centrfuga da pena

ROSIVALDO TOSCANO DOS S ANTOS JNIOR MBA em Poder Judicirio pela FGV-Rio. Especialista em Processo Penal pela UNP. Bacharel em Direito pela UFRN. Professor da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte. Membro da Associao Juzes pra a Democracia. Juiz de Direito.

REA DO DIREITO: Penal; Processual Penal; Constitucional RESUMO: A vedao, pelos tribunais superiores, das circunstncias legais irem aqum ou alm do quantum em abstrato previsto no tipo se tornou um dogma. Isso porque o senso comum terico dos juristas sacralizou o discurso dos tribunais superiores, enxergando seus precedentes como tetos epistemolgicos. Visando comprovar o risco do julgamento por remisso a argumentos de autoridade, sem question-los, visitamos as jurisprudncias do STJ e do STF. Sob a tica da lgica aristotlica, apontamos as falcias e as incoerncias inconciliveis nos referidos discursos.Rompido o dogma, amparados na razoabilidade e na proporcionalidade, propomos o que chamamos de aplicao centrfuga da pena, e conclumos ser a postura crtica a nica constitucionalmente adequada. P ALAVRAS-CHAVE: Atenuantes e agravantes Vedao Falcias Inconstitucionalidade Ilegalidade Razoabilidade Proporcionalidade. ABSTRACT: The recognition by the higher courts not allowing the legal circumstances to go before or beyond the penalty quantum in the abstract provided in kind has become a dogma. We condemn the stance of uncritical and blind called common sense theory of lawyers sacralizes judicial precedents of higher courts, seeing them as epistemological ceilings. Aiming to prove the risk to the legal system when it was judged by precedents, we visited the jurisprudence of Brazilian Superior Court and the Supreme Court, and from the perspective of Aristotelian logic, we point inconsistencies and fallacies irreconcilable in their speeches. Once the dogma is broken, we propose the centrifugal application of penalty, supported by the postulates of reasonableness and proportionality, and we conclude that the critical stance is the only one constitutionally appropriate. KEYWORDS: Mitigating and aggravating factors Seal Fallacies Unconstitutional Illegality Reasonableness Proportionality. SUMRIO: 1. Introduo 2. A interpretao do direito: o senso comum dos juristas Sobre falcias 4. Do sistema bifsico para o trifsico 5. Nelson Hungria e a falcia do sistema trifsico 6. Art. 59 do CP 7. Arts. 61, 62 e 65 do CP 8. Art. 67 do CP 9. O art. 68 do CP 10. Analogia in mallan partem 11. Os precedentes da Smula 231 do STJ 12. A repercusso geral no STF 13. Princpios constitucionais em jogo 14.

Aplicao centrfuga da pena 15. Pena zero, reserva do impossvel e razoabilidade 16. Concluso 17. Bibliografia.

1. Introduo A razo de termos escrito esse texto se deve a um dilema pelo qual passamos no incio da carreira na magistratura: numa pequena cidade do serto do Rio Grande do Norte, dois jovens cometeram um latrocnio. Antnio (nome fictcio) tinha todas as circunstncias judiciais favorveis e Manuel (nome fictcio) no. Ainda por cima, Antnio era menor (19 anos), confessou a prtica do ato na delegacia e delatou o ento desconhecido coautor Manuel. Ao sentenciarmos o caso, na fase da aplicao das circunstncias legais, depa ramonos com a Smula 231 do STJ. 1 Ainda estvamos apegados ao verdadeiro amestramento ideolgico dos concursos, que impem fiel obedincia lei estrita e aos precedentes jurisprudenciais dos tribunais superiores em detrimento de posicionamentos crticos e embasados constitucionalmente entramos em contato com alguns colegas. Um deles nos sugeriu uma inusitada soluo (para no ferir a smula, embora entendssemos que era injusta):que procurssemos encontrar alguma circunstncia judicial desfavorvel ao acusado, para ento aumentarmos a pena-base e, s assim, possibilitarmos a aplicao das atenuantes. Infelizmente, em razo do aprisionamento epistemolgico que afeta a prxis jurdica e que explicaremos mais a frente, essa postura termina sendo mais comum do que usualmente se imagina. Esse aprisionamento epistemolgico referida smula se acentuou com a deciso do STF em repercusso geral, considerando que as atenuantes no podem ir aqum do mnimo legal.2 Por isso ganham ainda mais importncia as reflexes que sero aqui expostas. O senso comum da prtica jurdica est cada dia mais dependente dos precedentes judiciais. Inexoravelmente, ao se deparar com um caso difcil como o narrado acima, a deciso tende a ser de acordo com (e fazendo remisso a) a Smula 231 do STJ, pretensamente ainda mais cogente em razo da ratificao desse entendimento pelo STF. Ento, conclumos ser uma questo essencial analisar a jurisprudncia dos referidos tribunais sobre o assunto, para perquirir sobre a robustez de seus argumentos.

1

A incidncia da circunstncia atenuante no pode conduzir a reduo da pena abaixo do mnimo legal. Ao penal. Sentena. Condenao. Pena privativa de liberdade. Fixao abaixo do mnimo legal. Inadmissibilidade. Existncia apenas de atenuante ou atenuantes genricas, no de causa especial de reduo. Aplicao da pena mnima. Jurisprudncia reafirmada, repercusso geral reconhecida e recurso extraordinrio improvido. Aplicao do art. 543-B, 3., do CPC. Circunstncia atenuante genrica no pode conduzir reduo da pena abaixo do mnimo legal (Repercusso geral por QO noRE 597270/RS, j. 26.03.2009, rel. Min. Cezar Peluso. DJe-104 05.06.2009, Ement vol-02363-11 p. 2257).2

Com a assimilao do conceito de senso comum terico dos juristas, teremos, ento, maior abertura epistemolgica e crtica, permitindo-nos fazer uma anlise sobre a coerncia e validade dos argumentos que amparam a Smula 231 do STJ e a repercusso geral do STF. Feito isso, discutiremos se constitucionalmente adequado o entendimento que veda s circunstncias atenuantes e agravantes ficarem aqum do mnimo previsto abstratamente no tipo penal.

2. A interpretao do direito O senso comum dos juristas Como bem alertou Rosmar Rodrigues Alencar,3 a aplicao do direito no Brasil evoluiu assim: 1.) aplicao pura da lei; 2.) descobriu-se a Constituio como fundamento de validade da lei; 3.) aplicao hierarquizada de precedentes de tribunais superiores, com prestgio do efeito vinculante, ainda que no o tenham. As smulas (vinculantes ou no), as repercusses gerais e os precedentes judiciais se tornaram verdadeiros fetiches na prxis judiciria, sem os quais o senso comum terico no consegue obter uma resposta para as questes que surgem, em razo da abordagem dogmtica, repetitiva, maquinal e acrtica. E o mais grave de tudo: quem conhece um pouco a realidade dos tribunais superiores sabe bem que l se julga por remisso. A demanda to alta que no h tempo para se dedicar aos casos com a ateno que eles merecem. Termina havendo o que chamamos de efeito frmula pronta: busca-se apressadamente uns precedentes e, pronto, caso resolvido. Resolvido? Queremos mostrar que h outro caminh o. E esse caminho passa pela abordagem do chamado senso comum terico, que o discurso que domina o imaginrio dos juristas, de cunho acrtico e sem contedo investigativo. esclarecedor o apontamento feito por Artur Stamford quando diz que:O exerccio da atividade profissional produz conhecimentos to ideolgicos quanto os do senso comum leigo, pois a prtica forense produz uma terminologia e uma forma de atuar prpria do cotidiano profissional. Esse conhecimento no um saber cientfico, principalmente por se preocupar em justificar e no em explicar a realidade de sua atividade profissional (SOUTO, 1987: 42). A este senso comum, Warat chama senso comum terico dos juristas, distinguindo-o do saber cientfico, que o saber jurdico que emana da necessidade de justificar a ordem jurdica, e no de explic-la.4

ALENCAR, RosmarAntonni Rodrigues Cavalcanti de. Efeito vinculante e concretizao do direito. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Ed., 2009.p. 52. 4 STAMFORD, Artur. E por falar em teoria jurdica, onde anda a cientificidade do direito?RevistadaFaculdadedeDireitodeCaruaru, vol. 33, n. 24, p. 68.

3

Essa postura enxerga os tribunais superiores como um orculo que ter j respondido, em algum momento (isto , sem conscincia histrica),5 indagao interpretativa contida em um caso concreto, sem se importar se os precedentes so impertinentes e/ou anteriores s normas objeto de anlise nos julgados. Gadamer teceu severas crticas a esse modus operandi quando discorreu sobre a importncia da conscincia histrica nas cincias humanas.6 preciso compreender, portanto, que os precedentes judiciais so elaborados em um determinado momento histrico e sob a tutela de uma determinada ordem constitucional. Durante o processo de concretizao do direito, deve o destinatrio da norma por excelncia que o julgador , entender essa inevitvel relao. Falta, ainda, a efetiva compreenso do direito como um sistema de regras e princpios que possui a Constituio como topos normativo-argumentativo. Essa ignorncia faz com que usualmente o ator jurdico pense estar desincumbido de interpretar os fatos sob a tica da Constituio somente porque algum tribunal emitiu alguma smula ou precedente! Pra que pensar? O orculo j emitiu a palavra autorizada, j disse a verdade. Mesmo entendendo que o precedente encontrado, sumulado ou no, constitucionalmente inadequado, quedar-se7 diante do entendimento dos tribunais superiores a dose de anestesia ideolgica queles que imaginam que como isso esto cumprindo o dever constitucional de fundamentar seu convencimento. Assim, as smulas e os precedentes formam a pia moral na qual o ator jurdico, envolto no senso comum da prxis jurdica, lava as mos, amparando-se na jurisprudncia de tribunais superiores, transferindo suas responsabilidades funcionais. Depois, vai dormir o sono dos inocentes, pois o Supremo ou o Superior (com a devida conotao hierarquizada), j pensaram por ele. Se erraram, errou junto com os bons. Infelizmente, essa postura mais comum do que se possa imaginar primeira vista. Alia-se a isso a crescente contaminao do Judicirio pelo discurso econmico neoliberal, incompatvel com a realidade social de um pas como o Brasil, que sequer cumpriu o Estado Social. No para menos, a palavra eficincia se tornou a pedra de torque do5 6

Idem, p. 66. A conscincia moderna assume precisamente como conscincia histrica uma posio reflexiva com relao a tudo que lhe transmitido pela tradio. A conscincia histrica j no escuta beatificamente a voz que lhe chega do passado, mas, ao refletir sobre a mesma, recoloca-a no contexto em que ela se originou, a fim de ver o significado e o valor relativo que lhe so prprios. Esse comportamento reflexivo diante da tradio chama-se interpretao. (...) devemos questionar o sentido de se buscar, por analogia o mtodo das cincias matemticas da natureza, um mtodo autnomo prprio s cincias humanas que permanea o mesmo em todos os domnios de sua aplicao (GADAMER, Hans-Georg. O problema da conscincia histrica. Org. Pierre Fruchon.Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1998. p. 18). 7 eufemismo. Ajoelhar-se seria a que melhor retrataria, figurativamente.

discurso da cpula do Judicirio. Loas aos eficientes, mas no se, para isso, tiverem que despir a toga para se tornarem, finalmente, administradores, gerentes de um entreposto judicirio. Esses operrios do direito, no seu sentido maquinal e autmato, agem a servio da matriz, que lhes manda, por meio de enunciados, as diretrizes e os limites epistemolgicos. Adequao da deciso Constituio? Isso no lhes pertence mais! Bem lembrado o alerta feito por Alexandre Morais da Rosa, ao metaforizar o Poder Judicirio como uma grande orquestra, comandada:Por um maestro (STF), com msicos espalhados nos diversos instrumentos. Estes msicos, ainda que arregimentados, eventualmente, por sua capacidade tcnica e de reflexo, ficam obrigados a tocar conforme indicado pelo maestro, sob pena de excluso da Orquestra nica. No h outra para concorrer; ela a portadora da palavra. Diz a Verdade. Ainda que alguns dos msicos pretendam uma nota acima ou abaixo da imposta, no lhe do ouvidos, porque o dilogo prejudicado. O slogan : toque como queremos ou se retire.8

Sintoma disso foi a publicao de uma resoluo do CNJ estabelecendo como critrio para promoo, o respeito s smulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores.9 No fosse isso, vez ou outra surgem crticas ao independentismo da magistratura de primeiro grau, como se ter uma postura independente e crtica fosse algo reprovvel.10 Mas o juiz no independente, verdade. Ele tem um senhor: a Constituio. Fechando esse parntesis, Luis Alberto Warat denuncia o senso comum terico como sendo:Um imaginrio de referncia a partir do qual se estabelecem as inibies, os silncios e as censuras de todos os discursos das chamadas cincias sociais (...) em nome de uma razo madura (me refiro razo cientfica) se consegue a infantilizao dos atores sociais. Eles no conseguem mais pensar por si, pensam a partir da mediao que o Estado exerce sobre a produo, circulao e recepo de todos os discursos de verdade.11

A fora de um argumento deixa de estar no encadeamento lgico capaz de convencer e passa a se colocar na origem de quem o propala, capaz de vencer. Alarmante quando constatamos, numa leitura dos votos que embasaram a Smula 231 do SJT e o RE 597.270/RS, do STF, utilizadas como razo de decidir de uma grande parcela da magistratura nacional, a existncia de tantas falcias, como ser visto mais a frente.

ROSA, Alexandre Morais da.O Judicirio e a lmpada mgica: o gnio coloca limite, e o juiz?Revista Direito e Psicnalise, vol. 1, n. 1, p. 14. 9 Recebemos com surpresa e preocupao a Res. CNJ 106, que trata do estabelecimento de critrios para a promoo, remoo e acesso de magistrados por merecimento, uma vez que assim prescreveu: Art. 5. Na avaliao da qualidade das decises proferidas sero levados em considerao: (...) e)o respeito s smulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores. SANTOS JNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Independncia ou morte. Disponvel em: [http://rosivaldotoscano.blogspot.com/2010/04/independencia-ou-morte.html]. Acesso em: 21.02.2011. 10 FOLHA DE S O PAULO. Mendes critica partidarizao do servidor pblico. Disponvel em:[www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u473694.shtml]. Acesso em:20.02.2011. 11 WARAT, Luis Alberto. Introduo geral ao direito II: a epistemologia jurdica da modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2002. p. 69-70.

8

Por conseguinte, no devemos nos deixar iludir com os discursos asspticos, que apregoam a verdade do argumento da autoridade, no caso dos tribunais superiores, que fazem crer, nas entrelinhas, que existe uma hierarquia no s processual, mas material tambm. Direito no religio. No existem dogmas e nem portadores da verdade. O ator jurdico deve ser ctico, no se contentar com a simples transcrio de uma ementa de acrdo ou de smula. Um julgado no se conhece pela ementa, assim como no se l um livro pela orelha.

3. Sobre falcias A filosofia e a lgica aristotlica esto mais prximas do jurista do que ele costuma pensar, pois em muitas situaes os argumentos judiciais seguem um silogismo.12 bem verdade que a lgica se coaduna com o raciocnio dedutivo e que nem sempre o jurista atua sob essa baliza, mas importante para qualquer ator jurdico (juiz, acusador ou defensor) saber o que um raciocnio lgico vlido e, principalmente, identificar falcias que comprometam a validade dos argumentos expressos em uma tese jurdica. Em poucas palavras, podemos dizer que o silogismo composto de duas premissas e uma concluso. A primeira premissa geral. A segunda premissa refere -se primeira, mas em relao a uma situao particular. A concluso se extrai dessa relao entre as premissas. Todo argumento correto precisa se basear no respeito ordem das premissas (do geral para o particular, por isso o silogismo dedutivo). Exemplo de um silogismo: (1) Todo homem mamfero (primeira premissa geral). Flix homem (segunda premissa particular). Logo, Flix mamfero (concluso). Porm, possvel que as proposies sejam verdadeiras e a concluso falsa. Basta a segunda premissa no se referir ao sujeito da primeira (o homem). Com isso a concluso se torna invlida, como no exemplo abaixo, em que no se pode inferir ser Flix um homem: (2) Todo homem mamfero (primeira premissa). Flix mamfero (poderia ser um gato, que tambm mamfero segunda premissa). Logo, Flix homem (concluso). A essas deficincias ou erros, a lgica deu o nome de falcias ou sofismas, como alguns chamam.13 Podemos dizer, em poucas palavras, que falcia um raciocnio ou afirmao falsa ou errnea aparentemente verdadeira.14 psicologicamente persuasiva, parece correta, pois no raras vezes retoricamente impactante. Por isso, numa rea como o direi o, t

Segundo Godoffredo Telles Jnior, argumentao na qual um antecedente, formado de duas proposies, que unem dois termos a um terceiro, infere um consequente, que une esses dois termos a um ao outro (TELLES JNIOR, Godoffredo da Silva. Tratado da consequncia. Curso de lgica formal. 6. ed. rev. So Paulo: Juarez de Oliveira Ed., 2003. p. 207). 13 ARISTTELES. Organon. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2005.p. 546-547. 14 COPI, Irving M. Introduo lgica. 2. ed. So Paulo: Mestre Jou, 1978.p. 73.

12

em que a linguagem o instrumento de trabalho (ou arma...) visando (con)vencer mediante o embate de argumentos, to importante o seu estudo. Em relao sua forma de expresso, as falcias so divididas em: (a) formais e(b) informais. As falcias formais tm sua falha na prpria construo do raciocnio, como no exemplo 2. Falamos das falcias formais. Porm, o que mais exige ateno dos atores jurdicos a falcia informal. Nela a falha est na falsidade/impropriedade de suas premissas, e no no encadeamento delas, seja atravs do uso de termos vagos (falcias de ambiguidade)15 ou da no relevncia para justificar a concluso (falcias de relevncia). Exemplificando

(grotescamente): (3) Todos os homens so iguais perante a lei. Maria no homem, mulher. Logo, Maria no deve ser tratada igualmente. Nesse caso se v claramente que o termo homem foi utilizado de maneira ambgua, ora para representar o gnero humano, ora o gnero masculino. Outro exemplo (j mais elaborado): (4) Penas maiores visam combater a criminalidade. A criminalidade est alta. Logo, devemos aumentar as penas. Aqui no h relevncia porque no se comprova que a majorao das penas obtm o resultado pretensamente almejado de combater a criminalidade. Portanto, necessrio se faz observar se as acepes esto sendo usadas sob o mesmo contexto e se h pertinncia a gerarem a concluso proposta. Apesar do pouco espao, mas sendo o tema relevante, durante nosso estudo detectaremos os argumentos falaciosos nas passagens de alguns precede ntes judiciais. Aproveitamos para exemplificar alguns: Petio de princpio: a concluso j est escondida nas premissas: o acusado deve ser condenado porque mal. E todo mal causado deve ser punido. Assim, o acusado deve ser punido. Ser punido por ser mal ou porque agiu mal? Pergunta complexa: voc deixou de furtar? Nesse caso, em qualquer das respostas o interlocutor estar confessando a prtica de furtos. Apelo compaixo: ele deve ser absolvido ou Vossa Excelncia no misericordioso? Apelo circunstancial: voc vai conden-lo ou vai querer que seus filhos se deparem com mais um assaltante na rua? Apelo ao popular: voc precisa aplicar penas mais leves, ser mais progressista.

CARAHHER, David W. Senso crtico: do dia-a-dia s cincias humanas. So Paulo: Cengage Learning, 2008.p. 27.

15

Apelo autoridade: ilegal a atenuao aqum do mnimo porque o STJ e o STF j disseram isso. Apelo tradio: em 1958 Nelson Hungria j dizia isso! Argumento ad hominem: ele no merece crdito, pois um marxista da poca de Stalin! Ser que pelo fato de algum ter uma determinada posio ideolgica, seus argumentos nunca sero vlidos? Falsa causa: o ru reincidente? E ainda quer negar a autoria?, como se o fato de ser reincidente j implicasse em sua culpa. Apelo ignorncia: nunca vi um traficante se regenerar. Portanto, ele deve ser culpado, como se a falta de conhecimento de um dado fosse o mesmo que sua no existncia. Negao do antecedente: quem atira (antecedente), fere. No atirou. Logo, no feriu. O fato de negar o antecedente (atirar), no implica em no ferir, pois no se fere somente com tiros. Afirmao do consequente: quem atira, fere. Feriu (consequente). Logo, atirou. Da mesma forma, afirmar o consequente (ferir), no implica no antecedente (atirar), j que no se fere somente com tiros. Falcia naturalista: associar juzos de valor a juzos fticos. Exemplo: Toda reincidncia (juzo ftico) revela distoro de carter (juzo de valor). Joo reincidente. Logo, tem carter distorcido. A reincidncia pode at ser consequncia de um carter distorcido. Mas ningum pode desconhecer as dificuldades de reinsero social dos condenados. Agora, faremos uma contextualizao do problema e depois verificaremos a existncia ou no de falcias nos precedentes que fundamentaram a Smula 231 do STJ e o RE 597.270/RS, do STF, que teve efeito de repercusso geral.

4. Do sistema bifsico para o trifsico Quando entrou em vigor o Cdigo Penal de 1940, houve uma grande discusso cujo cerne era saber a quantidade de etapas que deveriam ser cumpridas para a aplicao da pena. Uma corrente defendeu a tese de que seriam duas fases, sendo a pena-base e as circunstncias atenuantes e agravantes aplicadas no mesmo instante, posio essa defendida com maior nfase por Roberto Lyra. De outro lado havia quem defendesse trs fases, sendo a primeira a pena-base, a segunda as circunstncias atenuantes e agravantes, e a te rceira as causas de aumento e de diminuio. Seu maior expoente era Nelson Hungria. Como asseverava Anbal Bruno, a tese vencedora foi a que adotou o sistema bifsico:

Se existem circunstncias agravantes e atenuantes, a pena-base ser fixada pela considerao conjunta dessas circunstncias, e dos elementos indicados no art. 42 da antiga redao da Parte Geral do Cdigo Penal. Ocorrendo condies particulares de aumento ou de diminuio, essas viriam a alterar a pena-base fixada no clculo.16

Vencedora a tese bifsica, que operava a considerao das circunstncias judiciais e legais num mesmo momento, isto , na fixao da pena -base, a soluo da questo dos limites das circunstncias judiciais ficou clara, uma vez que a redao do art. 42 do CP (redao originria), que tratava da fixao da pena-base, obrigava que se limitasse ao abstratamente estabelecido no tipo penal.17

5. Nelson Hungria e a falcia do sistema trifsico O argumento doutrinrio mais comum, quando no o nico, nos julgados que limitam as circunstncias atenuantes e agravantes ao quantum mnimo e mximo da pena cominada, um dogma: a pena atenuada no pode ultrapassar o mnimo legal. Isso no fundamentao. a falcia de petio de princpio, em que as concluses j esto nas premissas. E assim se est ferindo a exigncia constitucional de fundamentao das decises judiciais, esculpido no art. 93, IX, da CF/1988. Ocorre comumente, tambm, a utilizao inapropriada de argumentos de autoridade,18 como so os casos de citao/aluso a Nelson Hungria, falecido 25 anos antes da reforma de 1984. Alm disso, constitui uma falcia de ambivalncia, pois Nelson Hungria se referia ao assunto tendo em vista o Cdigo Penal de usa poca, com sua redao originria, bifsica, e do trifsico anteprojeto do que viria a ser o Cdigo Penal de 1969, de sua autoria, outorgado pelos ditadores de planto da poca,19 e que previa, expressamente, uma regra no existente na atual redao da Parte Geral do nosso Cdigo Penal. Vejamos:Quantum da agravao ou atenuao

BRUNO, Anbal. Comentrios ao Cdigo Penal. Arts. 28 a 74. Rio de Janeiro: Forense, 1969.vol. II. Redao originria do Cdigo Penal: Art. 42. Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e personalidade do agente, intensidade do dolo ou gru da culpa, aos motivos, s circunstncias e consequncias do crime: I determinar a pena aplicavel, dentre as cominadas alternativamente; II fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicavel. 18 Os compndios de lgica falam emargumentum ad verecudiam (apelo autoridade), que o recurso ao sentimento de respeito que se tem a determinadas pessoas que, pela sua notoriedade, possuem uma opinio de maior peso, mas que podem, pelas circunstncias, no estar devidamente credenciadas para se apresentarem como tal. No caso em apreo essa falcia se apresenta, pois utilizou-se o nome do famoso jurista, mas num contexto que ele no vivenciou, por ser posterior sua morte, para poder emitir um juzo de valor (COPI, Irving M.Op. cit., p. 81-82). 19 Diziam as primeiras palavras daquele Cdigo que jamais chegou a entrar em vigor, aps sucessivas vacatio legis: Decreto-Lei n. 1.004, de 21.10.1969 DOU 21.10.1969 Cdigo Penal. Os Ministros da Marinha de Guerra, do Exrcito e da Aeronutica Militar, usando das atribuies que lhes confere o art. 3. do Ato Institucional n. 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o 1. do art. 2. do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, decretam: (...). 17

16

Art. 59. Quando a lei determina a agravao ou atenuao da pena sem mencionar o quantum, deve o juiz fix-lo entre um quinto e um tero, guardados os limites da pena cominada ao crime.

Mesmo assim, o senso comum terico passou a se ancorar no pensa mento de um autor que no foi contemporneo da Lei 7.210/1984. Faltou, assim, historicidade na interpretao que culminou na Smula 231 do STJ e na repercusso geral do STF.

6. Art. 59 do CP de fcil constatao que o art. 59 do CP, que fixa a pena-base (circunstncias judiciais), em seu inc. II, determina que a pena deve se limitar ao previsto no tipo penal. Por exemplo: um crime contra a ordem tributria (art. 1. da Lei 8.137/1990), possui pena cominada de recluso, de 2 a 5 anos, e multa. Independentemente da valorao das circunstncias do art. 59, a pena-base no poder ser inferior a 2 anos e nem superior 5 anos. Com isso h de concordar o leitor. Agir contrariamente seria ferir os princpios constitucionais da legalidade e da individualizao da pena (art. 5., II e XLVI,da CF/1988), que do suporte ao inc. II do art. 59 do CP e servem de baliza ao magistrado na individualizao da pena. Mas continuemos.

7. Arts. 61, 62 e 65 do CP Por outro lado, a redao dos arts. 61 e 65 do CP clara quando di que as z atenuantes e agravantes sempre agravam ou atenuam a pena. No lgico entender que sempre significa s vezes, o que poderia levar a um paradoxo ao se possibilitar que a expresso s vezes tambm possa ser tomada como sempre. Preferimos entender o bsico. Sempre sempre, salvo se existente alguma norma, seja regra ou princpio jurdico que crie uma hiptese de exceo, o que no ocorre no caso. O pior que o senso comum terico dos juristas faz uso de analogia in mallan partem, como ser visto mais a frente.

8. Art. 67 do CP Como ser visto depois, um dos precedentes da Smula 231 do STF, o REsp 146.056/RS, arguiu que a palavra limite, contida no art. 67 do CP, prova de que no cabe s atenuantes e agravantes ultrapassarem as balizas da pena inabstrato. O art. 67 do CP trata do concurso de circunstncias agravantes e atenuantes, diz que a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstncias preponderantes e enumera quais so as circunstncias preponderantes. A palavra limite, nesse contexto, no tem pertinncia nenhuma com a pena-base, primeira fase da aplicao da pena, e que est no

art. 59 do CP. O dispositivo versa sobre a situao em que h agravantes e atenuantes a serem sopesadas. A pena deve se aproximar do limite da circunstncia preponderante, que o quantum que se atenuaria a pena se no houve uma circunstncia antagnica que amenizasse seus efeitos. O precedente acima citado tentou vincular essa palavra ao art. 59 do CP. Trata-se de uma falcia da falsa causa, pois no h pertinncia nenhuma entre essa palavra e a concluso de que no cabe aplicao das circunstncias legais alm dos limites em abstrato previstos no tipo penal.

9. O art. 68 do CP O art. 68 claro ao determinar que na aplicao da pena o juiz fixa a pena-base de acordo com o critrio do art. 59 do CP que, em seu inc. II, impe que no se ultrapasse o mnimo e o mximo previstos em abstrato no tipo. Em seguida, isto , no mais se atendendo ao critrio do art. 59, sero consideradas as circunstncias atenuantes e agravantes, por ltimo, as causas de diminuio e de aumento. Ora, se o argumento foi de que essa limitao deve se impor s circunstncias legais, mesmo raciocnio deve ser feito no tocante s majorantes e minorantes. Por qual razo no? Por que estas atuam na cominao e aquelas na individualizao? Isso no justifica diferenciao. Trata de uma falcia informal de -se falsa causa. O raciocnio o seguinte: se as majorantes podem ultrapassar os limites mnimo e mximo, ento elas atuam na cominao da pena (em abstrato); as atenuantes atuam na aplicao (em concreto). Portanto, a atenuante no pode ultrapassar o mximo legal. Veja-se que se parte de uma premissa que no causa da outra. Portanto, a concluso no vlida. Tambm no logicamente vlido o argumento de que as atenuantes no podem ultrapassar os limites da pena-base porque no possuem um quantum definido, podendo ocorrer pena zero, porque se omite a aplicabilidade dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, como ser visto mais a frente. No momento, vale aferir a existncia de um fenmeno vedado em qualquer Estado Democrtico de Direito: a analogia in mallan partem.

10. Analogia in mallan partem Adotando-se a tese de limitao das circunstncias legais ao quantum mximo e mnimo abstratamente previsto, estar-se-ia, primeiramente, ferindo o princpio constitucional da legalidade, pois se ignoraria uma regra expressa determinando que as atenuantes e agravantes sempre incidem, sem que houvesse uma regra de exceo. E mais um gravame aos direitos fundamentais se estaria fazendo. Com efeito, adotar-se-ia, face inexistncia de uma regra expressa vedando a aplicao alm do mnimo e do mximo previsto no tipo, uma postura criacionista e de

voluntariosa analogia in mallan partem. Arvorar-se-ia isoladamente das palavras atenuantes (no plural, pois a regra tem a ver com o concurso de circunstncias antagnicas atenuantes e agravantes) e limites, do art. 67 do CP, para prejudicar o ru no momento da aplicao. Interessante o alerta de Zaffaroni:Se por analogia, em direito penal, entende-se completar o texto legal de maneira a estend-lo para proibir o que a lei no probe, considerando antijurdico o que a lei justifica, ou reprovvel o que ela no reprova ou, em geral, punvel o que no por ela penalizado, baseando a concluso em que probe, no justifica ou reprova condutas similares, este procedimento de interpretao absolutamente vedado no campo da elaborao cientfico-jurdica no campo do direito penal.20

11. Os precedentes da smula 231 do STJ Os precedentes que originaram a smula foram os seguintes: REsp 146 .056/RS (1997), REsp 49.500/SP (1994), REsp 46.182/DF (1994), REsp 32.344/PR (1993), REsp 15.691/PR (1992) e REsp 7.287/PR (1991). Vejamos cada um deles. O REsp 146.056/RS: esse julgado, datado de 1997, diz em sua ementa que as atenuantes (...), nunca podem levar a pena privativa de liberdade para nvel aqum do mnimo legal que , at a, a reprovao mnima estabelecida no tipo legal. No seu voto, o relatou apresentou, em suma, os seguintes fundamentos: (a) desde a elaborao do Cdigo Penal de 1940 at os dias atuais nunca predominou o entendimento de que as atenuantes pudessem levar a pena privativa de liberdade para fora dos limites previstos em lei (um argumento no se valida pelo tempo. Um erro, sim, pode perdurar. Trata-se, portanto, de falcia da tradio); (b) citou Nelson Hungria e Anbal Bruno como exemplos na doutrina sobre o assunto (Hungria faleceu em 1969 e Bruno em 1977. Sequer conheceram a redao da Parte Geral do Cdigo Penal, reformada em 1984, e por isso no so pertinentes para o deslinde da questo. Apelo autoridade). Disse que o limite das atenuantes decorre da lgica, seno existiria um sistema de ampla indeterminao, podendo gerar a pena zero (a no ser que se entenda lgica como analogia in mallam partem. E mostraremos uma soluo em que no h o risco da pena zero). Destacou o seguinte trecho do voto:Na hiptese de um concurso de agentes em que dois rus, com circunstncias judiciais favorveis, so condenados mesma pena, apesar de um deles ainda ter, a seu favor, mais de uma atenuante, tambm, data venia, no argumento decisivo. A aplicao da pena no pode ser produto de competio entre rus ou delinquentes.

Diante de uma clara violao ao princpio da igualdade, pois havia dois rus em situaes diferentes, mas sendo tratados igualmente, a sada foi por via do apelo moral.20

ZAFFARONI, Eugenio Ral; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. So Paulo: Ed. RT, 2007. p. 153.

REsp 49.500/SP. A fundamentao foi uma remisso ao REsp 15.695/PR. E esse julgado cingiu-se a novamente remeter a outro precedente, no caso, do STF, o HC 63.707/SP, cuja redao disse o seguinte: Pena. Fixao. Menoridade. Circunstncia atenuante, que, todavia, no pode implicar reduo da pena fixada no mnimo legal. E afirmou que era da jurisprudncia do tribunal o entendimento de que as atenuantes, embora de aplicao obrigatria, no poderiam, ao contrrio das causas de diminuio, implicar reduo abaixo do mnimo legal. E remeteu ao HC 61.467/SP, datado de 27.04.1984, portanto, antes do advento da Lei 7.209/1984, que implantou o sistema trifsico. Nota-se que esse precedente falho e dbil. Foram inmeras remisses, todas elas formando uma cadeia de decises fundadas em precedentes que culminaram em um precedente que no era contemporneo Lei 7.209/1984, que criou o sistema trifsico. Ocorreram duas falcias: a falcia do apelo autoridade e falcia da tradio, uma vez que as fundamentaes se limitavam a rem eter a julgados do prprio tribunal, em uma cadeia de remisses vazias de fundamentao, culminando em um julgado absolutamente impertinente para o deslinde da questo em razo de versar sobre um sistema de penas j inteiramente abolido. O REsp 46.182/DF. Em outro precedente falacioso, pois nas premissas se fundamentou a prpria concluso a chamada falcia da petio de princpio , disse o STJ o seguinte: o juiz fixa a pena-base apreciando as circunstncias judiciais (premissa). Depois aplica as circunstncias legais sem extrapolar os limites legais (premissa aqui reside a falcia). Havendo qualificadora (sic), aumenta a pena na quantidade prevista e apenas nessa ltima fase pode ir alm ou aqum dos limites abstratamente cominados (concluso). Cria-se um dogma. E dogma no cientfico. Pertence crena e no cincia. O REsp 32.344/PR. Mais um caso de falcia: a causa de diminuio no se confunde com a atenuante (premissa), pois aquela afeta a cominao (pena em abstrato), enquanto esta a aplicao (pena em concreto) (premissa). E conclui que por isso a atenuante no pode ultrapassar os limites cominados. Essa confuso com cominao/aplicao nada tem a ver com o assunto. Isso no relevante para a concluso extrada. Na verdade, as causas de aumento e de diminuio da pena possuem limites expressos e as agravantes/atenuantes no. Mas isso no implica concluir em alguma vedao, notadamente quando a lei diz que so de aplicao obrigatria. Nova falcia de falsa causa. O REsp 15.691/PR. Outro raciocnio falacioso usado nos precedentes: a individualizao da pena feita em trs fases, sendo a primeira cominao dada pelo legislador, a segunda a aplicao feita pelo juiz e a terceira a execuo regulada pela Lei 7.210/1984 (premissa). O princpio da individualizao garantia para o ru e limite do poder de punir (premissa). Assim, no possvel a atenuante ultrapassar, para menos, os limites da

cominao, sob pena de transform-la em causa de diminuio de pena (premissa). Novamente so postas para o leitor duas premissas verdadeiras, mas que no implicam em nada na concluso. Por no guardarem coerncia entre as premissas e a concluso, trata de -se uma falcia da falsa causa. O REsp 7.287/PR: seus fundamentos, um dos precedentes da Smula 231 do STJ, so igualmente falaciosos. O raciocnio o seguinte: as causas de aumento e de diminuio de pena permitem resultados abaixo ou acima dos limites estabelecidos na lei (premissa). As causas de aumento devem ser consideradas aps a aplicao das agravant s ou atenuantes e (premissa). Assim, as atenuantes no tm o efeito de diminuir a pena aqum do mnimo legal (concluso). Verifica-se que as premissas no guardam nenhuma coerncia com a concluso, pois no explica por qual razo o fato das causas de aument /diminuio de pena serem o consideradas depois das agravantes/atenuantes implicaria em vedao destas ultrapassar o em quantum fixado no tipo penal. Existe uma relao de impertinncia entre os dois enunciados e a concluso. As premissas so verdadeiras, mas no a concluso. Ocorreu a a chamada falcia falsa causa.21 Vivemos uma poca de objetificao do sujeito e da pasteurizao das ideias. O senso comum dos juristas termina por reproduzir uma imposio que se d atravs da vinculao a smulas e precedentes que nem sempre guardam a devida adequao constitucional. Permitir ao magistrado raciocinar perigoso. Um dos caminhos assoberb-lo de tarefas22 e de metas a cumprir, colocando-o na defensiva, a ponto de quebrar seu limiar de resistncia hierarquizao.

12. A repercusso geral no STF O STF julgou o RE 597.270/RS, admitindo a repercusso geral. O relator, Min. Cezar Peluso, argumentou, em suma, que desde a dcada de 70 as atenuantes genricas no tm fora para conduzir a pena abaixo do mnimo legal. Contudo, tal argumento constitui a chamada falcia da tradio, que tenta levar a crer que um argumento se sustenta pelo simples fato de se pensar de um mesmo jeito por um longo perodo de tempo. Ao revs, demonstra a falta de historicidade, que seria essencial em uma situao como essa. Essa alienao temporal abre alas para interpretaes que no guardam reciprocidade nem com os textos legais atuais, nem com o contexto em que vivemos.

21

COPI, Irving M.Op. cit., p. 83-84. Um colega magistrado no interior do Nordeste me contou que mensalmente tem que preencher nada menos que 14 relatrios, dentre os exigidos pelo tribunal a que vinculado e exigidos pelo CNJ.22

Interessante analisar outros pontos do voto do relator. Argumentou, ainda, exemplificando o caso da confisso (uma atenuante), que esta poderia nem ser sincera ou verdadeira, criando uma exigncia no estabelecida em lei. Ocorrem aqui duas falcias. A primeira pelo fato de que irrelevante, para definir a questo, perquirir, em uma exemplificao, sobre a sinceridade ou veracidade de uma confisso. Trata-se de falcia de falsa causa, alm de constituir apelo emoo, sem sustentao argumentativa. Por fim, alegou que se a Corte se propuser a modificar essa jurisprudncia, ela teria que tomar certas cautelas pelo risco que introduziria de deixar a cada juiz a definio da pena para cada crime. No vislumbramos isso como uma argumentao vlida. Trata-se de apelo circunstancial, que associa uma concluso aos interesses ou receios do pblico-alvo, no caso os demais Ministros do STF. Ademais, perguntamo-nos: definir o juiz a pena de cada crime no exatamente o da previso constitucional de individualizao da pena no momento da sentena condenatria? Esta precisa ser estabelecida atravs da considerao das circunstncias que tenham o condo de alterar o quantum da reprimenda. Todas, sem exceo. Esse receio no tem fundamento real devido inafastabilidade dos princpios da razoabilidade e da proporcionalidade, que balizaro a adequao entre o fato ilcito penal e sua consequncia jurdica, no momento da individualizao da pena. Trataremos desse tema mais abaixo. Por ora, como no h como bem interpretar um texto sem conhecer seu contexto, faamos uma historicidade da questo, o que foi, at hoje, deixado margem do debate dos limites das atenuantes legais.

13. Princpios constitucionais em jogo Questo essencial diz respeito adequao dessas posies que vedam a aplicao das circunstncias legais aqum do abstratamente previsto no tipo na Constituio Federal, notadamente aos direitos fundamentais. Uma ideia inafastvel e, talvez, o mais importante princpio constitucional o princpio da isonomia, pois do seu cerne se extraem muitos outros mandamentos individuais e sociais. E isonomia no quer dizer mera igualdade, mas igualdade substancial. E dentro desse conceito se encontra o de tratar desigualmente os desiguais. Como no caso real que citamos no incio desse texto, apenar igualmente ambos os acusados seria ferir a isonomia. Mas no s isso. Estar-se-ia ferindo o princpio constitucional da individualizao da pena, uma vez que a reprimenda precisa ser proporcional aos diversos elementos descritos na lei para

quantificao dela e de acordo com a censurabilidade da conduta e do grau de culpa do acusado. Talvez a mola propulsora para a vedao atenuao abaixo do previsto na primeira fase da aplicao da pena seja poltica e no jurdica. Imaginamos ser o temor de que, fixada a premissa, as circunstncias legais podem ultrapassar os limites mximo e mnimo em abstrato, assim correramos o risco da pena zero. Antes de definirmos isso, devemos buscar os princpios constitucionais que regem a questo: o direito de punir do Estado, de um lado, e a individualizao da pena, do outro. Precisa haver a compatibilizao de ambos. Um impe. O outro dispe. Um determina, o outro condiciona. Um abstrato. O outro concreto. Mas falar de legitimao do direito penal , antes de tudo, falar da adequao material da lei incriminadora Constituio, uma vez que esta, ao passo que prev a atuao do direito penal, faz sua delimitao. A Constituio , ao mesmo tempo, o fundamento normativo do direito de punir e seu limitador. Conforme Luciano Feldens:Em um modelo de Estado Constitucional de Direito a exemplo do nosso (...) a dogmtica jurdica e a poltica criminal no podem se estruturar de forma divorciada da Constituio, a qual predispe-se a definir os marcos no interior dos quais havero de desenvolver-se tais atividades poltico-intelectivas.23

H, ainda, um contedo ideolgico subjacente a toda essa discusso. No nos enganemos, pois por trs deste manto de defesa da proibio da atenuante abaixo do mnimo legal existe, sim, uma poltica criminal alheia aos direitos fundamentais que, em ltima anlise, vencidas todas as falcias que a sustentam, descerrada a sua mscara, torna-se confessadamente partidria do movimento da lei e da ordem.24 Justia que age assim no justia constitucional, pois toda deciso judicial tem que ter sua ncora na normatividade, com a Constituio Federal no vrtice superior da pirmide. Pode at ser aplicadora de poltica criminal, mas no do direito. E justia que no aplica o direito o que , realmente?

14. Aplicao centrfuga da pena Mas admitida a constitucionalidade das circunstncias legais aqum e alm dos limites descritos no art. 59, II, do CP, at onde se pode ir? H o risco de pena zero? Pode uma atenuante ter uma graduao maior que uma circunstncia majorante ou minorante? Como resolver isso se o direito positivo no traz uma soluo? Eis a onde reside uma grande

FELDENS, Luciano. A Constituio penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 43. 24 Sobre o movimento da lei e da ordem, vide: S ANTOS JNIOR, Rosivaldo Toscano. As duas faces da poltica criminal contempornea. RT 750/461-471.

23

dificuldade dos atores jurdicos: decidir em situaes em que no h uma expressa regulamentao legal. Mas a soluo se encontra no prprio sistema jurdico. No caso, os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Com efeito, explica Humberto vila,25 regras e princpios so normas de primeiro grau, que visam promover um estado de coisas. Mas h entes que no se situam em qualquer das duas categorias, pois no visam conferir direitos ou impor obrigaes. Funcionam como uma ferramenta para aplicao das regras e dos princpios. E esses entes jurdicos, a quem vila chama de metanormas e outros de postulados,26 no descrevem direta ou indiretamente comportamentos, mas modos de raciocnio e de argumentao relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, no se podem confundir princpios com postulados. 27 Seriam os postulados normas de segundo grau. Vozes recentes no STF entendem da mesma forma. Paradigmtico foi o voto do Min. Eros Grau na ADIn em que se declarou a constitucionalidade da aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor s instituies financeiras. E disse o Ministro:(...) razoabilidade e proporcionalidade so postulados normativos da interpretao/aplicao do direito um novo nome dado aos velhos cnones da interpretao, que a nova hermenutica despreza e no princpios.28

Os postulados diferem dos princpios, pois no so realizados em vrios graus, mas em um s (a medida ou no proporcional ou razovel, por exemplo). No so regras porque no possuem uma hiptese e uma consequncia, e nem podem ser declaradas invlidas em caso de coliso. Assim, no se ponderam e nem se declaram vlidos ou no, pois so eles ferramentas para se ponderar princpios e se aquilatar a invalidade de uma regra. Alis, no so princpios. So meios. Meios de se aplicar o direito. Alis, no se podem aplicar as metanormas v.g. a proporcionalidade ou a razoabilidade como princpios, j que assim se estaria transformando o juiz em legislador, competindo a ele criar uma norma que, ao alvedrio de qualquer princpio ou regra que a fundamentasse, fosse a mais proporcional ou razovel para aquele caso. Voltaramos viso positivista de discricionariedade judicial. Como bem adverte vila:S elipticamente que se pode afirmar que so violados os postulados da razoabilidade, da proporcionalidade ou da eficincia, por exemplo. A rigor, violadas so as normas princpios e regras que deixaram de ser devidamente aplicadas.29

VILA, Humberto. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos princpios jurdicos. 6. ed. So Paulo: Malheiros, 2006. p. 122. 26 Em geral uma proposio que se admite, ou se pede seja admitida, com o escopo de tornar possvel uma demonstrao ou um procedimento qualquer (ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. 2. ed. So Paulo: Mestre Jou, 1982. p.751). 27 VILA, Humberto.Op. cit., p. 123. 28 STF,ADIn 2.591/DF, j. 07.06.2006, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acrdo Min. Eros Grau, DJ 29.09.2006, p. 31. 29 Idem, p. 122.

25

Em nosso direito constitucional contemporneo o postulado da proporcionalidade, que deve ser obedecido tanto por quem exerce quanto por quem se submete ao poder, tem por pressuposto:(a) a existncia de um ato normativo que afete um direito constitucional fundamental; (b) uma relao entre os fins perseguidos e os meios utilizados nesse desiderato; (c) uma situao de fato, conforme preleciona Paulo Bonavides.30 No obstante a ideia de proporcionalidade j remontasse a Aristteles , foi a jurisprudncia alem que a sistematizou em trs mximas parciais, a saber:31 (a) adequao (Geeignetheit); (b) necessidade (Enforderlichkeit) (c) proporcionalidade em sentido estrito (Verhltnismssigkeit).

Adequao significa o meio apto a atingir o fim fomentado pela norma. No se exige que este fim seja atingido, mas sim, perseguido. Essa a posio de Humberto vila, que critica a formulao feita por Gilmar Mendes, atribuindo a ele um erro de traduo do significado da expresso, uma vez que o atual Ministro do STF fala em adequao como atingimento do fim.32 Necessidade quer dizer o meio menos oneroso aos bens ou valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possveis. Verifica-se aqui um contedo comparativo entre as possibilidades de deciso. Por fim, proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a sacrificar o mnimo visando preservar o mximo de direitos, uma vez que nenhum direito constitucional pode, sob nenhuma circunstncia, suprimir outro por inteiro. Assim, o grau de restrio de um direito fundamental deve ser justificvel em razo do fim perseguido.33 Comeamos o fechamento do nosso raciocnio com uma afirmao : essencial haver a determinabilidade da pena. Pena zero no pena, realmente. Pensamos sobre o assunto. Chegamos a um raciocnio que consegue ponderar os princpios da necessidade da pena, por um lado, e da individualizao da pena, por outro. Demos o nome de aplicao trifsico-centrfuga da pena. Entendemos que h uma graduao crescente na amplitude das fases que compem a aplicao da pena. Das trs fases previstas no art. 67 do CP, duas so delimitadas expressamente. A primeira, a da pena-base, a mais restrita, pois h vedao expressa ultrapassagem dos limites mnimo e mximo abstratamente previstos no tipo. A ltima, das causas de aumento e de diminuio de pena, permite que se v aqum de 1/6 a 2/3, no caso

30

31

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. Ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 393. PEREIRA, Rejane Reis Gonalves. Interpretao constitucional e direitos fundamentais. So Paulo: Renovar, 2006, p. 320-321 e 324 e ss. 32 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 2. ed. So Paulo: Celso Bastos Ed., 1998. p.43. 33 BILHALVA, Jacqueline Michels. A aplicabilidade e a concretizao das normas constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 134-135.

das minorantes, e at trs vezes alm, no caso da majorante do crime continuado, sobre o resultado da etapa anterior do clculo da pena. A segunda fase no haveria de ser a mais ampla de todas, sob pena de ferir o princpio da necessidade da pena, uma vez que no h determinao do quantum de atenuao ou agravamento. Criamos ento o chamado mtodo centrfugo de aplicao da pena, no qual a primeira fase estaria no centro a das circunstncias judiciais formando a pena-base. E na borda a terceira fase das majorantes e minorantes. Alcanar o fim fomentado pelo princpio da individualizao da pena (adequao) entender que as circunstncias legais segunda fase da aplicao da pena esto parametrizadas entre os limites da primeira fase pena-base e o aumento ou diminuio mnima. Isto quer dizer que seu quantum pode ir at 1/6. Visando demonstrar sua conformao com o postulado da proporcionalidade, a aplicao centrfuga da pena o meio menos oneroso aos bens ou valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possveis, pois ao mesmo tempo que franqueia maior liberdade na individualizao da pena, um direito do ru, impede a impunidade, um direito da sociedade (necessidade). Por fim, h um sacrifcio mnimo do princpio da necessidade da pena, na medida em que garante a individualizao desta (proporcionalidade em sentido estrito). Sob a tica da proporcionalidade, as atenuantes no devem ser fixadas em um sexto arbitrariamente, mas em at um sexto. O quantum ser dado pelo caso concreto. Exemplificando, se uma confisso completa faz jus atenuao em 1/6, uma confisso qualificada pode ser atenuada em frao menor, 1/9, por exemplo. Por fim, cabe uma advertncia, como bem destacou Euler Jansen:A defesa dessa tese libertria das atenuantes no tem qualquer propsito de poltica criminal ou comiserao com o apenado sendo, na verdade, uma mera questo de lgica. Na prtica, as situaes em que a pena mnima poderia e deveria ser ultrapassada decorrem da tese abraada pelo mesmo raciocnio: a possibilidade da extrapolao do limite mximo in abstracto na segunda fase, por conta das agravantes genricas insculpidas nos arts. 61 e 62 do CP. No entender assim seria tratar os iguais de forma 34 diferente e os desiguais igualmente. Seria injustia no puro conceito aristotlico.

15. Pena zero, reserva do impossvel e razoabilidade Um dos principais argumentos falaciosos contra a aplicao das circunstncias legais reside no propalado risco de pena zero. Dizem os crticos que em razo da quantidade de atenuantes previstas no art. 65 do CP (sete ao todo), e das ilimitadas possibilidades de aplicao de atenuantes genricas (art. 66 do CP), caso houvesse pelo menos seis atenuantes34

JANSEN, Euler. Manual de sentena criminal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 110-111.

aplicadas ao mximo, poderia ocorrer a pena zero, uma vez que se tirando 1/6 seis vezes, restaria nada (x anos - 1/6 - 1/6 - 1/6 - 1/6 - 1/6 - 1/6 = - 6/6 = pena zero). Esquecem-se os militantes desse raciocnio que o magistrado no um autmato e que o direito uma cincia social no matemtica. Direito razo. E dele deriva a razoabilidade como postulado imanente ao seu prprio funcionamento, tanto em sua teoria quanto na prxis. Mais uma vez, nos socorremos de Humberto vila quando, ao descrever a hiptese de aplicao da razoabilidade, diz o seguinte:H casos em que analisada a constitucionalidade da aplicao de uma medida no com base em uma relao meio-fim, mas com fundamento na situao pessoal do sujeito envolvido. A pergunta a ser feita : a concretizao da medida abstratamente prevista implica a no realizao substancial do bem jurdico correlato para determinado sujeito? Trata-se de um exame concreto individual dos bens jurdicos envolvidos, no em funo da medida em relao a um fim, mas em razo da particularidade ou excepcionalidade do caso individual. (...) A razoabilidade determina que as condies pessoais e individuais dos sujeitos 35 envolvidos sejam consideradas na deciso.

importante salientar dois pontos na razoabilidade: (a) deve-se verificar como paradigma o que ocorre no diaadia, e no o extraordinrio; (b) deve-se considerar, alm disso, as peculiaridades da situao frente abstrao e generalidade da norma. Verifica-se que os dois elementos acima culminam no entendimento de razoabilidade como antagnica arbitrariedade e respeitando a justia do caso concreto, isto , a equidade. Assume-se, assim, um dever de consistncia e coerncia lgica. Desta forma, cada atenuao ser aplicada sobre a pena resultante da atenuao anterior (da mesma forma em que feito no clculo das majorantes e minorantes), no se atingindo a pena zero. Consideremos que hipoteticamente um condenado por homicdio simples, com pena-base mnima, tenha a seu favor sete atenuantes aplicadas no seu mximo grau, isto , 1/6 (onde A = anos; M = meses; D = dias): Pena-base: 6 anos de recluso; 1. atenuante: -1/6 = 5A; 2. atenuante: -1/6 = 4A2M; 3. atenuante: -1/6 = 3A5M20D; 4. atenuante: -1/6 = 2A10M21D; 5. atenuante: -1/6 = 2A4M27D; 6. atenuante: -1/6 = 2A2D; 7. atenuante: -1/6 = 1A8M1D. Somente como curiosidade, para que o hipottico sentenciado por homicdio simples tivesse uma pena zero (pois o CP determina que se ignore frao de dia), teriam que ser reconhecidas em benefcios dele nada menos que 36 atenuantes.

35

VILA, Humberto. Op. cit., p. 142-143.

16. Concluso Alertamos para o fato de que esse apego do senso comum terico acabou assumindo propores dogmticas formando, para si prprio, barreiras epistemolgicas imaginrias, inexistentes, invisveis e o mais grave vistas como intransponveis. Mas um exame um pouco mais detalhado dos enunciados da Smula 231 do STF e do RE 597.270/RS do STF, bem como dos precedentes judiciais que os balizaram, demonstrou que essas muralhas tm alicerces de barro. Portanto, alertamos para o risco de se decidir acriticamente, com base em precedentes judiciais que, no raras vezes, so falaciosos, impertinentes ou ilegtimos para servir de fundamento a uma deciso judicial que aplique o direito penal, observando-se as garantias constitucionais. Sob pena de cometer injustias, o ator jurdico necessita, ao usar como fundamento um precedente ou uma smula, pelo menos estudar os votos e as razes deles, pois a abstratividade do acrdo no alcana a singularidade das pessoas e as peculiaridades de cada caso. Isso agir com responsabilidade crtica. E repito: um julgado no se conhece pela ementa, assim como no se l um livro pela orelha. Cada situao submetida a julgamento guarda sua distino. O discurso da verdade s desce por gravidade para aqueles que se colocam abaixo. No se pode respeitar os precedentes e as smulas sem questionar seus (des)acertos. Seno, a injustia campeia. Portanto, sempre bom se questionar. Questionar as verdades promanadas dos discursos jurdicos. A deciso acertada de um caso concreto quase sempre vai alm de qualquer frmula pronta, de qualquer homogeneidade. Como demonstramos ao analisar a origem da jurisprudncia que culminou na Smula 231 do SJT e na repercusso geral no STF, a dificuldade (e os consequentes erros na aplicao do direito) para o ator jurdico advm, em boa parte, de sua falta de senso histrico. Como diz Gadamer:Ter senso histrico superar de modo consequente a ingenuidade natural que nos leva a julgar o passado pelas medidas supostamente evidentes de noss vida atual, adotando a a perspectiva de nossas instituies, de nossos valores e verdades adquiridos. Ter senso histrico significa pensar expressamente o horizonte histrico extensivo vida que vivemos e seguimos vivendo.36

No direito penal cada caso mpar, por mais parecidas que sejam as circunstncias reveladas pela historicidade dos fatos. E nicas suas implicaes, igualmente. Por isso no existem frmulas prontas. O direito penal no deve ser realizado em linha de montagem, como se o texto e o contexto, nesse inseridas as pessoas e os fatos, fossem a matria-prima e a liberdade ou a priso meros produtos.36

GADAMER, Hans-Georg.Op. cit., p. 18.

Nesse diapaso, destaco a advertncia feita por Rosmar Rodrigues Alencar, no tocante s smulas vinculantes, mas que perfeitamente se aplica s repercusses gerais e s smulas que no tenham, formalmente, esse efeito, mas, na prtica, terminam sendo usadas como dogma jurdico:O risco a exacerbao de um nvel de abstrao que chegue a ferir o ncleo concernente singularidade humana (...) o formalismo judicial perpassou dos textos legais s smulas, com um magistrado similar a um juiz-funcionrio.37

Streck claro quando diz que aclimatamos aqui o sistema americano do staredecisis de maneira deturpada, pois os denominados precedentes sumulares e os verbetes jurisprudenciais que constam aos bordes em inmeros manuais so utilizados (e citados) de forma descontextualizada. J no direito norte-americano isso no ocorre, mormente pelo fato de que l, o juiz necessita fundamentar e justificar detalhadamente sua deciso. Como contraponto, no direito brasileiro, de origem continental, suficiente que a deciso esteja de acordo com a lei (ou com uma Smula ou com uma jurisprudncia dominante ementada).38 No estamos a fazer uma ode contra as smulas, pois elas cumprem importante papel de revelar o posicionamento, naquele momento histrico, de um tribunal. Mas so os magistrados, notadamente os juzes de primeira instncia, que conhecem os fatos e produziram as provas, esto prximos dos fatos concretos. E dever do magistrado entender essa realidade inefvel e cumprir o papel que lhe delegado: aplicar o direito penal, respeitando os direitos fundamentais. Eis a onde reside a lgica do direito: ajustar-se, ponderando os princpios em jogo e as regras sobre as quais eles incidem, e encontrar a deciso constitucionalmente mais adequada. Juzes que agem assim so entes pensantes, no meros autmatos, cumpridores de frmulas e rituais, que necessitam de um orculo supremo que lhe diga todas as verdades.

17. Bibliografia ABBAGNANO , Nicola. Dicionrio de filosofia. 2. ed. So Paulo: Mestre Jou, 1982. ALENCAR, RosmarAntonni Rodrigues Cavalcanti de. Efeito vinculante e concretizao do direito. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Ed., 2009. ARISTTELES. Organon. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2005. VILA, Humberto. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos princpios jurdicos. 6. ed. So Paulo: Malheiros, 2006.

37

ALENCAR, RosmarAntonni Rodrigues Cavalcanti de. Op. cit., p. 22-23. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdio constitucional e hermenutica: uma nova crtica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 508.38

BILHALVA, Jacqueline Michels. A aplicabilidade e a concretizao das normas constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. Ed. So Paulo: Malheiros, 2004. BRUNO, Anbal. Comentrios ao Cdigo Penal. Arts. 28 a 74. Rio de Janeiro: Forense, 1969. vol. II. CARAHHER , David W. Senso crtico: do dia-a-dia s cincias humanas. So Paulo: Cengage Learning, 2008. COPI, Irving M. Introduo lgica. 2. ed. So Paulo: Mestre Jou, 1978. FARIA, Jos Eduardo. O Poder Judicirio no Brasil. Braslia: Conselho Nacional da Magistratura, 1996. FELDENS, Luciano. A Constituio penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. FOLHA DE SO PAULO. Mendes critica partidarizao do servidor pblico. Disponvel em: [www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u473694.shtml]. Acesso em: 20.02.2011. GADAMER, Hans-Georg. O problema da conscincia histrica. Org. Pierre Fruchon. Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1998. JANSEN, Euler. Manual de sentena criminal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 2. ed. So Paulo: Celso Bastos Ed., 1998. PEREIRA, Rejane Reis Gonalves. Interpretao constitucional e direitos fundamentais.So Paulo: Renovar, 2006. ROSA, Alexandre Morais da. O Judicirio e a lmpada mgica: o gnio coloca limite, e o juiz? Revista Direito e Psicnalise. vol. 1. n. 1. p. 14. Curitiba: UFPR, 2008. SANTOS JNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Discurso sobre o sistema penal. Revista dos Tribunais. vol. 861. p. 466-482. So Paulo: Ed. RT, jul. 2007. ______. As duas faces da poltica criminal contempornea. Revista dos Tribunais. vol. 750. p. 461-471. So Paulo: Ed. RT, abr. 1998. ______. 21.02.2011. STAMFORD, Artur. E por falar em teoria jurdica, onde anda a cientificidade do direito? RevistadaFaculdadedeDireitodeCaruaru. vol. 33. n. 24. p. 63-78. Caruaru: Asces, 2002. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdio constitucional e hermenutica: uma nova crtica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. Independncia ou morte. Disponvel em: [http://rosivaldotoscano.blogspot.com/2010/04/independencia-ou-morte.html]. Acesso em:

TELLES JNIOR , Godoffredo da Silva. Tratado da consequncia. Curso de lgica formal. 6. ed. rev. So Paulo: Juarez de Oliveira Ed., 2003. WARAT, Luis Alberto. Introduo geral ao direito II: a epistemologia jurdica da modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2002. ZAFFARONI, Eugenio Ral; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. So Paulo: Ed. RT, 2007.