As concepções de criança e infância como norteadores de uma prática pedagógica

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AS CONCEPÇÕES DE CRIANÇA E INFÂNCIA COMO NORTEADORES DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA Marília Fabiana Pires Mendonça - UFRN [email protected] Vanessa Maria da Silva Clemente - UFRN [email protected] Orientadora: Profª. Drª. Mariangela Momo - UFRN [email protected] INTRODUÇÃO O presente trabalho é parte de uma pesquisa realizada na disciplina Fundamentos da Educação Infantil do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O estudo tem como objetivo investigar de que maneira a Instituição de Educação Infantil abordada na pesquisa compreende as concepções de criança e infância e como o entendimento desses conceitos é refletido na prática educativa. A relevância desse estudo está na possibilidade de observar na prática como as concepções de criança e infância contribuem para o desenvolvimento das atividades pedagógicas na Instituição de Educação Infantil. Muito se tem falado acerca dos conceitos de criança e infância. Estudiosos como Ariès (1978), Del Priore (1998), Freitas (1997), Rice (1998) vem tentando mostrar a relevância de estudar a construção desses conceitos ao longo da história para entender o papel social da criança em diferentes epocas. O modo como uma sociedade enxerga as questões da infância norteia sua forma de tratar as crianças, de vê-las como seres inseridos na sociedade da qual fazem parte. Da mesma forma, o entendimento que a escola tem sobre o que é ser criança e o que é a infância interfere diretamente na maneira de conduzir as atividades pedagógicas. Nesse contexto, a pesquisa investigativa partiu de um estudo bibliográfico sobre os conceitos de criança e infância ao longo da história. Logo em seguida realizamos a observação de uma Instituição de Educação Infantil privada, situada no bairro Morro Branco, zona administrativa oeste da cidade de Natal, em que foram analisados os aspectos físicos e pedagógicos da

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AS CONCEPÇÕES DE CRIANÇA E INFÂNCIA COMO NORTEADORES DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Marília Fabiana Pires Mendonça - UFRN [email protected]

Vanessa Maria da Silva Clemente - UFRN [email protected]

Orientadora: Profª. Drª. Mariangela Momo - UFRN [email protected]

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é parte de uma pesquisa realizada na disciplina

Fundamentos da Educação Infantil do curso de Pedagogia da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte. O estudo tem como objetivo investigar de que

maneira a Instituição de Educação Infantil abordada na pesquisa compreende

as concepções de criança e infância e como o entendimento desses conceitos

é refletido na prática educativa. A relevância desse estudo está na

possibilidade de observar na prática como as concepções de criança e infância

contribuem para o desenvolvimento das atividades pedagógicas na Instituição

de Educação Infantil.

Muito se tem falado acerca dos conceitos de criança e infância.

Estudiosos como Ariès (1978), Del Priore (1998), Freitas (1997), Rice (1998)

vem tentando mostrar a relevância de estudar a construção desses conceitos

ao longo da história para entender o papel social da criança em diferentes

epocas. O modo como uma sociedade enxerga as questões da infância norteia

sua forma de tratar as crianças, de vê-las como seres inseridos na sociedade

da qual fazem parte. Da mesma forma, o entendimento que a escola tem sobre

o que é ser criança e o que é a infância interfere diretamente na maneira de

conduzir as atividades pedagógicas.

Nesse contexto, a pesquisa investigativa partiu de um estudo

bibliográfico sobre os conceitos de criança e infância ao longo da história. Logo

em seguida realizamos a observação de uma Instituição de Educação Infantil

privada, situada no bairro Morro Branco, zona administrativa oeste da cidade

de Natal, em que foram analisados os aspectos físicos e pedagógicos da

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instituição. Por último foi realizada uma entrevista semi-estruturada com uma

das professoras do quadro docente da instituição.

Este trabalho colaborou para a aplicação dos conceitos apreendidos na

disciplina Fundamentos da Educação Infantil e em estudos bibliográficos, nos

levando a interagir e lidar com as mais diversas formas de relação

educador/criança no que concerne à afetividade como também às atividades

pedagógicas destinadas às crianças.

AS CONCEPÇÕES DE CRIANÇA E INFÂNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA

Tanto a concepção de criança quanto a de infância, assim como a

construção de qualquer conceito subjetivo, são elaboradas a partir da visão de

mundo de uma sociedade, sendo assim um produto histórico e cultural

(FRANCO, 2006). Logo, não é possível formular um único conceito, fechado e

restrito, sobre o que seja infância e criança. Esses conceitos variam conforme o

tempo e o espaço.

Os estudos sobre a criança e a infância revelam que os autores não

podem chegar a um consenso a respeito do conceito de criança, mas podem

apontar características do que é ser criança de acordo com cada tempo e

lugar. Segundo Stearns (2006), algumas características são tidas como

universais. Toda criança é dotada de fragilidade e necessita de atenção e

cuidados especiais, como alimentação e cuidados físicos, requerendo esses

cuidados durante muito tempo. Além disso, as crianças são vistas como seres

diferentes dos adultos, que precisam ser preparadas para esta outra fase da

vida. Porém, o tratamento dessas características tidas como universais nem

sempre foram respeitadas. Durante os séculos XV e XVI, as crianças não eram

vistas como seres inseridos socialmente. Muitas crianças morriam, pois não

tinham a devida atenção para com sua saúde. Apenas nos séculos XVII e XVIII

as crianças começam a ser vistas de outra forma. Para Ziberman,

a mudança se deveu a outro acontecimento da época: a emergência de uma nova noção de família, centrada não mais em amplas relações de parentesco, mas num núcleo unicelular,

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preocupado em manter sua privacidade (impedindo a intervenção dos parentes em seus negócios internos) e estimular o afeto entre seus membros. (ZIBERMAN, p.15, 2003).

Esse fato marca as transformações ocorridas na Idade Moderna, epoca

em que a infância é delimitada como uma faixa etária com tratamento

diferenciado.

Quando observamos as características tidas como universais,

percebemos logo que as expressões criança e infância são bem distintas.

Kuhlmann e Fernandes (2004) diferenciam criança e infância da seguinte

forma: infância refere-se a um período da vida humana enquanto criança trata-

se de uma “realidade psicobiológica” do indivíduo. Essa diferenciação é

extremamente importante, pois, apesar de serem expressões comumente

usadas para descrever um período da vida, ambas possuem suas

especificidades.

Mas o estudo dessas concepções não é tão simples quanto possa

parecer. Primeiro porque a história da criança e da infância sempre foi narrada

por um adulto, revelando sempre o olhar deste sobre a criança. Depois, porque

“lidar com a questão da infância pode ser muito pessoal”, pois as questões

subjetivas sempre envolvem a formação de um pensamento e/ou idéia muito

própria do indivíduo (STEARNS, 2006). Envolve uma visão de mundo própria

do adulto e do contexto sócio-cultural deste. Talvez seja por isso que muitas

vezes encontramos na literatura sobre a infância diversas discussões e

posicionamentos diferentes.

Ariès (1978), grande estudioso deste tema, enxergou a Idade Média

como um período em que a criança e seu universo não eram valorizados e

respeitados. Assim, afirma:

O homem moderno ficará surpreso com a incoveniência desses costumes: eles nos parecem incompatíveis com nossas idéias sobre a infância e a primeira adolescência, e já é muito os tolerarmos nos adultos das classes populares, como indício de uma idade mental ainda aquém da maturidade. Nos séculos XVI e XVII, os contemporâneos situavam os escolares no

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mesmo mundo picaresco dos soldados, criados, e, de um modo geral, dos mendigos (ARIÈS, 1978, p. 184).

É claro que nem todos os estudiosos concordam com Ariès. Alguns

autores afimam que era muito comum observar relações afetivas positivas

entre mães e filhos. Segundo Kuhlmann e Fernandes (2004), “a transposição

imediata das questões de Ariès sobre a infância francesa para outros países

pode implicar desvios de interpretação, ao se nivelarem realidades distintas”.

A conclusão que se chega com essas divergências é que estamos

tratando de conceitos muito complexos que são construídos de maneiras

diferentes por cada sociedade em cada tempo histórico, onde o contexto é de

total importância. Mesmo hoje, com o processo de globalização, onde as

informações correm o mundo em uma velocidade assustadora e onde quase

toda a população tem acesso aos costumes e idéias das mais diversas

culturas, as crianças e a infância continuam sendo percebidas de formas

diferentes. Ainda não chegaram a um consenso, a uma unicidade no que se

refere a esses conceitos e certamente essa unidade não é necessária. É certo

que muita coisa mudou ao longo dos anos e que hoje a criança desempenha

um papel fundamental na maioria das sociedades, mas ainda assim, cada

sociedade, dentro de seu tempo, tem sua própria maneira de se relacionar com

elas.

OBSERVAÇÃO DIAGNÓSTICA DA INSTITUIÇÃO ALVO

Tendo em vista as concepções observadas durante o estudo teórico,

partimos para a observação da organização dos espaços dedicados à criança

em uma Instituição de Educação Infantil para investigar como esta Instituição

concebe a criança e seu papel na sociedade.

A Instituição de Educação Infantil alvo da pesquisa, encontra-se

localizada no bairro Morro Branco, Natal/RN. São 27 anos de existência, sendo

esta instituição privada, que atende crianças das classes média e alta da

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cidade. O contato com este espaço ocorreu no dia 06 de maio de 2010 às

07h30min e terminou às 11h30min.

O quadro gestor da instituição constitui-se em: uma Diretora; uma

Coordenadora; e uma Consultora e Acessora Pedagógica. Além da equipe

Pedagógica, a escola conta com mais 71 funcionários, assim distribuídos: 04

porteiros, 02 secretárias, 03 cozinheiras, 01 nutricionista, 02 auxiliares de

serviçoes gerais, 02 digitadores, 24 professoras, 28 professoras-auxiliares, 01

professor de Música, 01 professor de Educação Física, 01 professor de

Natação, 01 professor de Capoeira, 01 professor de Judô, 01 professora de

Ballet.

A escola possui 26 turmas distribuídas conforme a tabela abaixo:

TURMA QUANTIDADE

Berçário 02

Nível I 02

Nível II 04

Nível III 02

Nível IV 02

Nível V 02

1º Ano 02

2º Ano 02

3º Ano 02

4º Ano 02

5º Ano 02

Semi-internato 02

Cada turma da Educação Infantil (Níveis I ao V) conta com cerca de 13 a

20 alunos, variando a quantidade de acordo com o tamanho das salas e o

número de professores e professores-auxiliares, tentando proporcionar aos

alunos um ambiente espaçoso, que permita às crianças se movimentarem na

sala de aula. A escola também conta com 03 crianças com necessidades

especiais, sendo 01 com Síndrome de Down e 02 com Deficiência Mental.

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Apesar de a escola não contar com nenhuma criança cadeirante, os ambientes

da escola são bastante acessíveis, com rampas e banheiro adaptado.

Todas as professoras da Educação Infantil são formadas em Pedagogia,

tendo algumas delas especialização em Psicopedagogia. Todas as

professoras-auxiliares estão em formação, cursando Pedagogia em diversas

instituições, inclusive na UFRN.

Quando consultada a respeito do Projeto Político Pedagógico da escola

(PPP), a diretora que nos atendeu disse-nos que havia tal Projeto na

instituição, mas que estava em processo de reelaboração. Segundo a diretora,

o PPP está sempre passando por mudanças, à medida que a experiência do

dia-a-dia mostra novas realidades e aponta para mudanças importantes.

Algumas informações concernentes à Proposta Pedagógica da escola foram

conseguidas através do site da instituição.

Em sua Proposta Pedagógica, a escola procura

pensar a criança com seus processos singulares, presentes em diferentes culturas e contextos sociais, suas capacidades físicas, cognitivas, éticas e emocionais, proporcionando-lhe um ambiente rico em interações e situações de desafios e aprendizagem, no qual ela amplia gradativamente a compreensão acerca de si mesma e do mundo. São estes os aspectos priorizados na nossa ação pedagógica. O Balãozinho Mágico compreende o aluno como um ser ativo na construção de sua aprendizagem, interagindo com seus parceiros, com professores capacitados e habilitados para promover intervenções em um ambiente de aprendizagem rico e motivador, permitindo ao aluno a vivencia de experiências que ampliem a descoberta do prazer de aprender a conhecer, a fazer, a ser e a viver juntos (PROPOSTA PEDAGÓGICA).

Dentro especificamente da Educação Infantil, a instituição acredita que

educar, cuidar e brincar fazem parte da filosofia que articula o currículo da Educação Infantil. Considerando o compromisso com a qualidade, e uma prática educativa voltada para a formação do aluno com um ser ativo no processo de aprendizagem, a Educação Infantil é formada de crianças agrupadas em cinco níveis por idade aproximada” (PROPOSTA PEDAGÓGICA).

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Buscando integrar a familia às atividades escolares, a coordenação

utiliza-se de reuniões bimestrais e semestrais com os pais. Ao final de cada

bimestre há um plantão pedagógico em que os pais primeiramente recebem as

atividades produzidas pelas crianças e posteriormente comentam com as

professoras os avanços e as possíveis deficiências de seus filhos.

Semestralmente há uma reunião em conjunto entre os pais e a Assessora

Pedagógica e uma conversa individual com a professora. Em caso de avisos

ao longo dos bimestres, a agenda escolar é o maior veículo de comunicação

entre a escola e a família.

Quanto aos ambientes da escola, a mesma conta com 19 salas de aula,

06 banheiros (sendo 05 destinados aos alunos e 01 aos funcionários da

Instituição), 02 copas, 01 refeitório, 01 sala para a Secretaria, 01 sala para a

Diretoria, 01 sala para a Coordenação, 01 sala de informática, 01 sala de

vídeo, 01 quadra, 01 pátio (com parquinho), 01 piscina, 01 parque interno, 01

recepção.

Quanto aos materiais e equipamentos disponíveis, existem 02

televisores (um para a sala de vídeo e um para o semi-internato), 01 DVD, 05

rádios portáteis, 01 mesa de som, 01 caixa de som, 01 projetor multimídia e 10

computadores (06 na sala de informática e 04 para o funcionamento interno).

Além desses equipamentos, há uma grande quantidade de materiais para que

professores e alunos possam utilizar em sala de aula durante o

desenvolvimento das atividades.

A turma escolhida como alvo da observação é do Nível II, composta de

13 alunos, onde o mais novo tem 1 ano e 6 meses e o mais velho tem 2 anos e

3 meses, uma professora especialista em Psicopedagogia e uma professora-

auxiliar cursando o 6º período do curso de Pedagogia na Universidade Federal

do Rio Grande do Norte.

Observamos que o tamanho da sala é proporcional ao número de alunos

e o espaço é bem amplo e limpo. As paredes da sala são bem pintadas e não

há sinal de rachaduras ou mofo. Na sala há um armário onde são guardados os

materiais para utilização durante as atividades, bem como materiais de uso

pessoal dos alunos (necessaires individuais contendo materiais de higiene

pessoal). Além desses materiais, o armário comporta também os materiais

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utilizados pelas professoras e diversas pastas onde são armazenadas as

atividades produzidas pelas crianças. Além do armário, existe também uma

mesa coletiva onde as crianças lancham e fazem as atividades solicitadas. Há

também na sala um espaço destinado à rodinha, onde as crianças fazem

atividades coletivas de movimentação do corpo e brincam. Neste espaço,

existem várias almofadas espalhadas pelo chão. As paredes da sala são

decoradas com motivos infantis (crianças brincando) e com os próprios

trabalhos dos alunos, que são sempre expostos. Os brinquedos ficam em

prateleiras na parede da sala, para que possam ser utilizados nos momentos

destinados à brincadeira. A sala é bastante iluminada e arejada (com

vetiladores).

A rotina da sala é assim organizada:

Momento do Parque (logo quando as crianças chegam na escola, às

07h30, podendo ser realizado na quadra em dias de chuva);

Momento da água (quando as crianças terminam de brincar, bebem água

pra poder voltar pra sala);

Atividade coletiva (onde a professora introduz sempre algum aspecto que

ela quer que seja trabalhado durante o dia, de forma coletiva e dinâmica,

geralmente priorizando o desenvolvimento das capacidades motoras das

crianças);

Momento do Banho;

Momento do Lanche;

Momento da Higienização (lavar as mãos, escovar os dentos, lavar o

rosto);

Atividade individual (onde a professora trabalha individualmente com as

crianças algum aspecto importante para seu desenvolvimento cognitivo);

Brincar (depois das atividades individuais, as crianças são liberadas para

brincarem na sala de aula, até que seus pais cheguem para buscá-los, às

11h). Na sexta-feira este momento é transferido para a sala de vídeo, e as

crianças assistem DVD’s.

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Como é oferecida a opção do semi-internato (que se estende das 7h às

16h), as crianças das turmas que ficam a manhã e a tarde na instituição, tem

uma rotina diferente. Não foi o caso da turma que observamos, mas no caso

das turmas do semi-internato, as crianças após o período da brincadeira

almoçam, são higienizadas e levadas ao dormitório. Quando acordam, realizam

algumas atividades, e brincam novamente até os pais chegarem.

A professora nos informou que a rotina é praticamente a mesma todos

os dias, mas que pode variar de acordo com alguns fatores. Quando julga

necessário, a professora incorpora outras atividades na rotina, ou substitui

atividades. Em dias próximos à datas que a escola comemora, a rotina também

muda um pouco, para que as crianças realizem atividades específicas, como

por exemplo no Dia das Mães, Dia dos Pais, Festas Juninas e Natal.

Durante a manhã em que lá estivemos, percebemos que a relação entre

as crianças e as professoras era muito era afetiva. As professoras são muito

atenciosas e procuravam o tempo todo incentivar as crianças a desenvolverem

o que lhes era proposto. A relação cuidar/educar estava muito presente

naquele ambiente. A própria rotina da sala evidencia esta preocupação,

quando estabelece momentos específicos para o cuidado com as crianças.

Além desses momentos específicos, em todo o tempo em que estivemos

presentes na sala, as professoras demonstraram carinho pelas crianças,

colocando-as no colo quando choravam, e quando as crianças faziam algo

“errado” eram “corrigidas” de modo muito afetuoso, sem gritarias. Era sempre

exposto o porque da repreensão e explicado como deveriam agir.

RELATO DOCENTE

A professora da sala observada é formada em Pedagogia pela

Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especialista em

Psicopedagogia. Atua na Educação Infantil há 10 anos e na instituição a 6

anos.

Durante a entrevista, ela nos relatou que durante todo o tempo em que

trabalha nesta instituição, sempre achou a gestão muito centralizada. Segundo

suas palavras, “a diretora é muito autoritária e não aceita que seja

implementado na escola um regime de gestão descentralizado e democrático”.

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A professora encontra diversas dificuldades ao tentar desenvolver alguma

atividade que fuja da rotina, pois a diretora muitas vezes não aprova. Durante

as reuniões pedagógicas, é consenso geral entre as professoras que há certa

dificuldade em colocar suas opiniões. Apesar de a escola contar com uma

infra-estrutura excelente, e disponibilizar materiais em grande quantidade para

que as professoras desenvolvam suas atividades com as crianças, a questão

da gestão tem incomodado a muitos na escola.

Quando perguntada sobre sua opinião a respeito da turma pela qual é

responsável, a professora se mostrou muito empolgada. Disse-nos que tem

percebido muitos avanços em todas as crianças. Algumas têm um pouco mais

de dificuldade em alguns aspectos, mas essas dificuldades tem sido vencidas a

cada dia, causando uma sensação de alegria na professora, que diz: “quando

vejo uma criança avançando e vencendo suas próprias dificuldades, me sinto

feliz e realizada e vejo que foi pra isso que me tornei educadora”.

Quando questionada se gostaria de mudar algo em sua prática atual, ela

respondeu que procura sempre se renovar. Afirmou que busca se atualizar e

melhorar sua prática docente a cada dia, mas que não adianta somente o

professor buscar melhorias se a direção da escola não oferece o apoio

necessário para que isso se concretize. As dificuldades com a gestão da

escola, mais uma vez aparecem no discurso da professora, que afirma que se

pudesse mudar algo na escola, seria a forma como ela é dirigida,

demonstrando acreditar que uma gestão menos centralizadora traria mais

benefícios à escola e às próprias crianças. Inclusive, ela critica a relação entre

a escola e os pais das crianças, afirmando que acredita que “a escola deveria

aproximar mais os pais da rotina das crianças”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante algum tempo a responsabilidade pela educação dedicada às

crianças era inteiramente da família ou de algum grupo social. Bujes (2001)

afirma que

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durante muito tempo a educação da criança foi considerada uma responsabilidade das famílias ou do grupo social ao qual ela pertencia. Era junto aos adultos e outras crianças com os quais convivia que a criança aprendia a se tornar membro deste grupo, a participar das tradições que eram importantes para ele e a dominar os conhecimentos que eram necessários para a sua sobrevivência material e para enfrentar as exigências da vida adulta (BUJES, p.13, 2001).

Na Idade Moderna, com a valorização da infância, a instituição familiar

ganhou um novo modo de viver, pois “a valorização da infância gerou maior

união familiar, mais igualmente meio de controle do desenvolvimento intelectual

da criança e manipulação de suas emoções” (ZIBERMAM, p.15, 2003). Nesse

contexto, ascende o valor da escola como meio de manipulação do

desenvolvimento intelectual das crianças. Sendo assim, vemos que a

Instituição de Educação Infantil é algo recente na educação dos “pequenos”.

Partindo desse fato histórico e cultural que é o surgimento da Instituição

de Educação Infantil como meio de desenvolvimento intelectual das crianças, a

pesquisa investigou como esta mantém as relações necessárias no cuidar e

educar dos seus pequenos aprendizes. Para isto utilizamos um dos

documentos oficiais do Ministério da Educação – os Parâmetros Nacionais de

Qualidade para as Instituições de Educação Infantil, que percebe a criança

como um sujeito social e histórico, que é marcada pelo meio social em que está

inserida, mas que também contribui com ele (BRASIL, 2006).

Começando pela estrutura da sala de aula, os Parâmetros de Qualidade

estabelecem que “as crianças nunca ficam sozinhas, tendo sempre uma

professora ou um professor de Educação Infantil para cada grupo ou turma”

(BRASIL, 2006). Dentro deste aspecto, percebe-se que a instituição atende a

um número de crianças de modo que a professora responsável possa dar

conta de cuidar de cada uma, sem que haja desmerecimento de nenhum

presente na sala, valorizando assim a função do cuidar que a criança merece.

Assim, nota-se que a escola respeita a concepção de que toda criança precisa

de cuidado, visto que se trata de um ser frágil e dependente do adulto,

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respeitando também as orientações dos Parâmetros, nunca deixando as

crianças sozinhas na sala.

A valorização da criança e deste período tão singular que é a infância

pela instituição, pode ser vista na rotina da escola, onde são apreciados o

momento do parque, momento da água, atividade coletiva, momento do banho,

momento do lanche, momento da higienização, atividade individual e o ato de

brincar. Todos estes momentos atendem às orientações dos Parâmetros de

Qualidade que procura mostrar a importância de valorizar igualmente as

atividades de alimentação, leitura de histórias, troca de fraldas etc.

A instituição também segue os princípios estabelecidos pelos

Parâmetros de Qualidade, quanto ao item Proposta pedagógica das

Instituições de Educação Infantil em que se “contemplam os princípios éticos

no que se refere à formação da criança para o exercício progressivo da

autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem

comum” (BRASIL, 2006). A escola mantém essa proposta, visto que podemos

observar a presença de armários onde as crianças guardam seus pertences,

desenvolvendo a autonomia e a responsabilidade sobre seus próprios objetos.

Outro ponto extremamente relevante na instituição é o desenvolvimento

de atividades que promovam a movimentação das crianças, favorecendo o

desenvolvimento motor e psicológico. O ato do brincar é algo em destaque nas

atividades em sala de aula, onde as crianças dispõem de brinquedos da

escola, valorizando o lúdico na construção de conflitos entre o real e o ficcional.

Assim, a criança é vista como um ser que tem o direito de brincar como

também o direito de participar ativamente na construção de sua aprendizagem.

Percebe-se que com essa postura a instituição valoriza os princípios estéticos,

envolvendo a criatividade e a ludicidade, também proposta pelos Parâmetros.

Em contraposição aos aspectos expostos anteriormente, a instituição

fica a desejar quanto ao atendimento das orientações postas pelos Parâmetros

de Qualidade no que diz respeito à interação entre a Instituição de Educação

Infantil e a família. Através da fala da professora entrevistada percebemos que

esta interação ainda não ocorre de maneira integral. No período de

acolhimento inicial, a presença dos pais não é permitida nas dependências da

instituição, sendo responsabilidade apenas dos professores propiciar a

adaptação das crianças.

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Finalmente, percebemos que os diferentes aspectos presentes na

instituição observada obedecem em grande parte os Parâmetros Nacionais de

Qualidade para as Instituições de Educação Infantil, tendo em destaque a

formação da criança como um ser social ativo e presente na sociedade a qual

ela faz parte. A criança é tida como um ser capaz, que tem suas

especificidades físicas e intelectuais e que precisa de cuidados. A instituição

nesse sentido é o espaço em que a criança recebe cuidados, como também é

o lugar em que desafios para sua vida ativa são proporcionados, possibilitando

um ensino significativo, reflexivo e crítico para essa faixa etária.

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