As Concepções de Nicho Ecológico Presentes Em Um Programa de Televisão

69
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA As concepções de nicho ecológico presentes em um programa de televisão”. Márcio Lino de Almeida Monografia apresentada ao Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas. RIBEIRÃO PRETO SP 2014

Transcript of As Concepções de Nicho Ecológico Presentes Em Um Programa de Televisão

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, CINCIAS E LETRAS DE RIBEIRO PRETO

    DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA

    As concepes de nicho ecolgico presentes em um programa de televiso.

    Mrcio Lino de Almeida

    Monografia apresentada ao Departamento de Biologia da

    Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto da

    Universidade de So Paulo, como parte das exigncias para a

    obteno do ttulo de Bacharel em Cincias Biolgicas.

    RIBEIRO PRETO SP

    2014

  • 1

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, CINCIAS E LETRAS DE RIBEIRO PRETO

    DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA

    As concepes de nicho ecolgico presentes em um programa de televiso.

    Mrcio Lino de Almeida

    Monografia apresentada ao Departamento de Biologia da

    Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto da

    Universidade de So Paulo, como parte das exigncias para a

    obteno do ttulo de Bacharel em Cincias Biolgicas.

    Orientador: Marcelo Tadeu Motokane

    RIBEIRO PRETO SP

    2014

  • 2

    Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional

    ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Lino de Almeida, Mrcio

    As concepes de nicho ecolgico presentes em um programa de

    televiso. Ribeiro Preto, 2012.

    68 p.: il.; 30 cm

    Monografia, apresentada Faculdade de Filosofia Cincias e Letras de

    Ribeiro Preto/USP. rea de concentrao: Ensino de Biologia.

    Orientador: Motokane, Marcelo Tadeu.

    1. Ecologia. 2. Divulgao Cientfica. 3. Ensino de Biologia

  • 3

    Agradeo minha noiva pelo companheirismo, pelo incentivo e pelas conversas sempre

    construtivas.

    Agradeo minha famlia pelo apoio e pela compreenso nestes tempos de dvidas.

    Agradeo ao meu orientador pela liberdade criativa e pela orientao a mim concedidos,

    pois sem isso este trabalho teria sido muito menos prazeroso.

    Por fim, agradeo tambm a Pr-Reitoria de Graduao da USP, por acreditar e investir

    neste trabalho.

  • 4

  • 5

    Dedico este trabalho a todos os apaixonados professores da rede pblica de ensino brasileira. Estes

    so os verdadeiros heris do nosso tempo e merecedores da minha admirao.

  • 6

  • 7

    RESUMO

    A alfabetizao cientfica considerada uma prtica importante para o desenvolvimento dos

    indivduos e das sociedades baseadas em cincia e tecnologia. Dentre as diversas reas da cincia, a

    ecologia ganha importncia por apresentar conceitos e ideias que permitem a compreenso das

    relaes entre os organismos e seus meios, o que, em se tratando do ser humano, inclui questes

    ambientais, sociais e econmicas. Atualmente a alfabetizao cientfica uma prtica delegada

    principalmente s escolas e aos mtodos formais de educao empregados por elas. Contudo, cada

    vez mais a educao informal vem ganhando destaque por conta de sua grande efetividade didtica,

    muitas vezes superior educao formal. Seguindo esta tendncia, diversos autores tem defendido a

    introduo dos materiais de educao informal na rotina escolar.

    Dentre os meios de educao informal a televiso se destaca por causa de sua alta

    capacidade de difuso e de seu grande potencial didtico. Logo, os programas televisivos de

    divulgao cientfica podem ser considerados materiais de educao informal.

    O objetivo geral deste trabalho discutir a pergunta como a divulgao cientfica aborda o

    conceito de nicho ecolgico e como este material de divulgao cientfica pode ser utilizado no

    ensino de ecologia? Para isso foram feitas uma breve reviso literria sobre as definies deste

    termo e a escolha do programa a ser analisado. Dos episdios assistidos foram retirados trechos de

    falas e imagens que se aproximavam de uma ou mais conceituaes do termo nicho ecolgico. Por

    fim foi feita a anlise de frequncia destas conceituaes.

    Os resultados mostraram que as conceituaes de nicho ecolgico mais frequentemente

    reconhecidas so as de nicho de habitat e nicho trfico. Estas conceituaes de nicho no so

    consideradas as mais apropriadas pela comunidade acadmica, porm a alta frequncia de trechos

    deste tipo mostra que o programa analisado apresenta contedo que pode ser usado no ensino dos

    conceitos de habitat e teias e cadeias alimentares. O programa tambm apresenta contedo, apesar

    de em menor quantidade, que pode ser utilizado para o ensino do conceito de nicho ecolgico (com

    o sentido de nicho de recurso) e da ideia de interdependncia dos organismos de uma mesma

    comunidade.

    Palavras-chave: Alfabetizao Cientfica, Educao Informal, Ensino de Ecologia, Nicho

    Ecolgico.

  • 8

  • 9

    ABSTRACT

    The practice of scientific alphabetization is considered to be of great importance for the

    development of people and societies based on science and technology. In relation to societies,

    ecology science may be highlighted due to its studies on relationships between organisms and their

    environment, which represents, when it comes to human beings, not just environmental issues but

    also social and economic ones. Currently, the scientific alphabetization is a practice carried out by

    schools, through their formal methods. However, more and more the informal education is been

    gaining attention because of its great teaching effectiveness, often superior to formal education.

    Following this trend, several authors have advocated the introduction of informal education

    materials in the school routine.

    Among the means of informal education, television stands out because of its high diffusion

    capacity and its great educational potential. Therefore, the television programs of science

    divulgation may be considered materials of informal education.

    The general objective of this work is to discuss the question how does science

    communication discusses the concept of ecological niche and how can this material of science

    communication be used in teaching ecology? To do it, we started with a brief literature review on

    the definitions of this term and the selection of the program to be analyzed. Excerpts of speeches

    and images that approached one or more concepts from the term ecological niche were removed

    from the watched episodes. Finally, the frequency analysis of these concepts was made.

    The results show that the more frequently recognized concepts of ecological niche are the

    niche of habitat and trophic niche. These conceptualizations of niche are not considered the most

    appropriate ones by the scientific community, but the high frequency of passages of this kind shows

    that the analyzed program presents content that can be used in teaching the concepts of habitat and

    food chains and webs. The program also features content, although in smaller quantities, which can

    be used for teaching the concept of ecological niche (in the sense of resource niche) and the idea of

    interdependence of organisms from the same community.

    Key-words: Scientific Alphabetization, Informal Education, Ecology Teaching, Ecological

    Niche.

  • 10

  • 11

    LISTA DE ANEXOS

    QUADRO DE EPISDIOS............................................................................................................................. 53

    QUADRO DE TRECHOS SELECIONADOS................................................................................................ 59

  • 12

  • 13

    SUMRIO

    INTRODUO......................................................................................................................................... 15

    1. APRESENTAO................................................................................................................................ 15

    2. OBJETIVOS........................................................................................................................................ 16

    CAPTULO 01 - A CINCIA E A ALFABETIZAO CIENTFICA..................................................................... 17

    CAPTULO 02 - EDUCAO FORMAL E INFORMAL.................................................................................. 19

    CAPTULO 03 - DIVULGAO CIENTFICA E O PAPEL DA TELEVISO NO ENSINO...................................... 24

    CAPTULO 04 - ALFABETIZAO CIENTFICA E ECOLOGIA........................................................................ 28

    NICHO ECOLGICO........................................................................................................................... 28

    METODOLOGIA....................................................................................................................................... 36

    OBJETO DE PESQUISA....................................................................................................................... 38

    RESULTADOS.......................................................................................................................................... 41

    1. PROGRAMAS DE TELEVISO MAIS ASSISTIDOS................................................................................ 41

    2. EPISDIOS ANALISADOS DO PROGRAMA TERRA DA GENTE........................................................ 41

    DISCUSSO E ANLISE DOS DADOS........................................................................................................ 43

    1. CATEGORIAS DE NICHO ECOLGICO................................................................................................ 43

    2. PROGRAMA TERRA DA GENTE...................................................................................................... 46

    CONCLUSES.......................................................................................................................................... 48

    BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................................... 50

    ANEXOS.................................................................................................................................................. 53

  • 14

  • 15

    INTRODUO

    1. APRESENTAO

    Ao ingressar no curso de Biologia da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro

    Preto, em 2009, meu principal interesse profissional era a pesquisa nas reas de biologia marinha e

    comportamento animal. Contudo, aps completar a disciplina Comportamento Animal e passar

    alguns meses estagiando em um laboratrio de sistemtica de crustceos, percebi que a pesquisa

    nessas reas no me satisfazia tanto quanto eu imaginava que faria. Ao longo do meu segundo ano

    de graduao, fui me interessando cada vez mais por fotografia, imagens e vdeos de natureza e foi

    assim que, ao final do terceiro ano, tive a ideia de buscar uma forma de combinar um projeto de

    Iniciao Cientfica com meu gosto por vdeos e documentrios ecolgicos. O Laboratrio de

    Ensino de Biologia me pareceu o mais adequado para a realizao de tal projeto e a aceitao pelo

    Prof. Dr. Marcelo Tadeu Motokane foi imediata. A partir de ento, trabalhamos em conjunto para

    desenvolver um trabalho cujo objetivo analisar como se d a divulgao cientfica em um

    programa de televiso com temticas ecolgicas, casando perfeitamente o meu interesse por

    documentrios de natureza com a linha de pesquisa seguida pelo Laboratrio de Ensino de Biologia.

    Ao final do meu quarto ano de graduao, tive a oportunidade de ir para a Austrlia para

    estudar por dez meses. Durante este tempo, alm de cursar disciplinas biolgicas que exploravam os

    ricos ecossistemas do pas, fiz questo de dar um passo alm da biologia e me aventurar por

    conhecimentos at ento completamente desconhecidos por mim. Foi assim que cursei disciplinas

    sobre antropologia, economia e histria. Cursei tambm uma disciplina de desenvolvimento

    sustentvel, que caiu como uma luva naquele momento por interligar os conhecimentos sobre meio

    ambiente, sociedade e economia. Ao mesmo tempo fui aprendendo por conta prpria sobre filosofia

    e percebi que meu interesse acadmico est muito mais na epistemologia da cincia do que na

    experimentao. Ao desenvolver este trabalho, acredito que tive a chance de poder explorar, de

    maneira aceitvel, este meu emergente interesse, tanto nas discusses sobre ecologia quanto

    naquelas sobre educao.

    No primeiro captulo deste trabalho apresentamos uma definio de cincia e discutimos,

    com base nas interaes desta com sociedade e meio ambiente, a importncia da alfabetizao

    cientfica (AC). No segundo captulo apresentamos os conceitos de educao formal e informal e a

    relao destes com a AC. No terceiro captulo falamos sobre divulgao cientfica e destacamos o

  • 16

    papel da televiso e dos programas televisivos na educao. O quarto captulo mostra uma breve

    reviso literria sobre o conceito de nicho ecolgico. Em seguida so mostradas as metodologias

    utilizadas por ns neste trabalho, alm de uma breve apresentao do nosso objeto de pesquisa, o

    programa Terra da Gente. Por fim so apresentados os nossos resultados, a discusso dos dados

    obtidos e as concluses retiradas ao fim dos nossos estudos.

    Desejo ao leitor uma leitura to prazerosa e construtiva quanto foi o desenvolvimento e a

    escrita deste trabalho.

    2. OBJETIVOS

    O presente trabalho pretende discutir a seguinte pergunta: como a divulgao

    cientfica aborda o conceito de nicho ecolgico e como este material de divulgao cientfica

    pode ser utilizado no ensino de ecologia?

    Seguindo esta linha, o objetivo geral deste projeto estudar como concepes de nicho

    ecolgico podem ser reconhecidas em um programa de televiso semanal de grande audincia entre

    os jovens e como as diferentes conceituaes de nicho ecolgico identificadas neste programa

    podem ser utilizadas no ensino de ecologia.

    O objetivo especfico deste trabalho identificar as concepes de nicho ecolgico

    presentes no programa de televiso Terra da Gente, que trata, dentre outras, de questes

    ecolgicas, e indicar como os episdios que contm estas concepes podem ser usados como

    material didtico no ensino de ecologia.

  • 17

    CAPTULO 01 A CINCIA E A ALFABETIZAO CIENTFICA

    A alfabetizao cientfica considerada, por diversos autores, uma atividade de extrema

    importncia para o aumento da qualidade de vida e incluso social de indivduos inseridos em

    uma sociedade moderna, baseada em cincia e tecnologias (BARROS, 2002; CHASSOT, 2003;

    SILVA; NETO, 2004). Porm, antes de explicarmos as razes desta importncia e as consequncias

    desta atividade preciso esclarecer o que a cincia de uma maneira ampla e direta. A definio

    que adotaremos neste texto a de que A cincia pode ser considerada como uma linguagem

    construda pelos homens e pelas mulheres para explicar o nosso mundo natural (CHASSOT, 2003,

    p.91). Esta definio desfaz a percepo da cincia como um objeto e transforma-a em uma

    ferramenta de investigao e comunicao. Segundo Chassot (2003), o mundo existe

    independentemente da cincia, cuja funo seria simplesmente tornar este mundo e seus

    fenmenos naturais inteligveis ao homem e manipulveis s tecnologias. Seguindo esta linha de

    pensamento, a alfabetizao cientfica pode ser compreendida como o ensino da linguagem pela

    qual a natureza descrita (CHASSOT, 2003), ou ento como o compartilhamento dos meios de

    compreender o mundo e seus fenmenos naturais, ou ainda como a transmisso de um conjunto

    de conhecimentos que facilitariam aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde

    vivem (CHASSOT, 20001 apud CHASSOT, 2003, p.94). Um analfabeto cientfico, portanto, seria

    aquele indivduo incapaz de compreender o universo fsico que o rodeia (CHASSOT, 2003). Em uma

    anlise mais especfica, Sasseron e Carvalho (2008) destacam trs condies fundamentais para o

    sucesso da alfabetizao cientfica, que so, em suas palavras: a compreenso de termos,

    conhecimentos e conceitos cientficos fundamentais; a compreenso da natureza da cincia e dos

    fatores ticos e polticos que circundam sua prtica e o entendimento das relaes existentes

    entre cincia, tecnologia, sociedade e meio-ambiente. Estas trs condies so chamadas pelas

    autoras de Eixos Estruturantes da Alfabetizao Cientfica.

    A alfabetizao cientfica causa modificaes positivas tanto no indivduo alfabetizado

    quanto na sociedade como um todo. A compreenso do universo fsico e de seus fenmenos

    naturais permite ao homem reconhecer padres, fazer predies funcionais e construir

    ferramentas atravs das quais pode ganhar controle da natureza (CHASSOT, 2003). Por exemplo: a

    1 CHASSOT, A. Alfabetizao cientfica: questes e desafios para a educao. Iju: Editora Uniju, 2000 p. 19.

  • 18

    compreenso do ciclo de vida e da fisiologia de uma planta permite ao homem fazer plantaes e

    controlar suas produes. Assim, a alfabetizao cientfica, somada ao desenvolvimento

    tecnolgico (que tambm deriva desta alfabetizao), tem o potencial de aumentar a qualidade de

    vida dos seres humanos por meio do controle da natureza (CHASSOT, 2003; SILVA; NETO, 2004).

    Outra vantagem de se fazer alfabetizao cientfica a promoo da incluso social de

    indivduos participantes de uma sociedade baseada em cincia e tecnologia (CHASSOT, 2003;

    SILVA; NETO, 2004), como o caso atual do Brasil e da maioria dos pases no sc. XXI. A

    compreenso do universo fsico, de seus fenmenos naturais e das tecnologias que cercam os

    seres humanos produz uma viso de mundo moderna (SILVA; NETO, 2004) que, segundo Chassot

    (2003), facilita o fazer parte do mundo e permite ao indivduo cumprir melhor seu papel de

    cidado. Assim, a alfabetizao cientfica tambm pode ser entendida como uma prtica social

    (CHASSOT 2003; SILVA; NETO, 2004).

  • 19

    CAPTULO 02 - EDUCAO FORMAL E INFORMAL

    Ao ver as vantagens e a importncia de se realizar a alfabetizao cientfica, surge-nos a

    questo de como efetivamente faz-la. Dizer que atravs da educao ser muito simplista.

    Afinal, onde e como feita a educao? Seria esta uma funo delegada exclusivamente escola?

    Stoklmayer, Rennie e Gilbert (2010) e Kirikkaya, Iseri e Vurkaya (2009) discordam desta viso e

    afirmam que o aprendizado acontece atravs de uma mirade de experincias, ao longo de toda a

    vida, e no somente dentro da sala de aula. De acordo com a National Association for Research in

    Science Teaching (Associao Nacional de Pesquisa em Ensino de Cincias, em portugus), o

    aprendizado, incluindo o cientfico, acontece atravs de experincias vividas no apenas na escola,

    mas tambm em uma visita ao museu, ao ler um livro ou jornal, ao assistir televiso, ao ouvir

    rdio, ao conversar com outras pessoas e ao acessar a internet, dentre tantas outras (DIERKING et

    al., 20032 apud STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010, p. 8). Este tipo de aprendizado chamado

    de informal, nome dado em oposio ao conhecido aprendizado formal, que aquele que ocorre

    por meio de atividades escolares tradicionais. Contudo, existe uma falta de consenso na literatura

    nacional em relao s definies destes termos (MARANDINO et al., 2004), portanto, para melhor

    compreenso desta aparente dicotomia, apresentaremos as definies de educao formal e

    informal fazendo uso principalmente da literatura estrangeira.

    A educao formal aquela que se realiza no contexto da instituio de ensino, como

    escolas e universidades (ANDRONIE, 2013; SILVA; NETO, 2004; LANGHI; NARDI, 2009;

    STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010). Este tipo de ensino estruturado e planejado e apresenta

    o conhecimento de forma sistematizada para que seja trabalhado didaticamente (LANGHI; NARDI,

    2009; STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010). Por ser feito dentro de uma instituio, a educao

    formal submete os alunos influncia de determinadas doutrinas (STOKLMAYER, RENNIE E

    GILBERT, 2010). O ensino formal acontece principalmente dentro das salas de aula e tem como

    figura central o professor, responsvel pela transmisso do conhecimento (ANDRONIE, 2013;

    STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010). Alm disso, outras caractersticas deste tipo de educao

    so: possui carter compulsrio; submete os alunos a avaliaes de desempenho; oferece

    certificao ao trmino do curso; legalmente regulamentado e tem sua obrigatoriedade

    2 DIERKING, L.D., FALK, J.H., RENNIE, L., ANDERSON, D., & ELLENBOGEN, K. Policy statement of the Informal

    Science Education Ad Hoc Committee. Journal of Research in Science Teaching, v. 40, p. 108111, 2003.

  • 20

    garantida por lei (ANDRONIE, 2013; LANGHI; NARDI, 2009; STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT,

    2010). A educao informal, por sua vez, no necessariamente intencional nem compulsria, no

    possui estrutura nem planejamento e tambm no apresenta o conhecimento de forma

    necessariamente sistematizada, pois no tem compromisso didtico (ANDRONIE 2013; SILVA;

    NETO, 2004; STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010; TUDOR, 2013). O aprendizado informal

    acontece por meio de experincias informativas espontneas do dia-a-dia, seja pela interao das

    pessoas com mdias (impressas ou eletrnicas), com a natureza ou mesmo com outras pessoas

    (LANGHI; NARDI, 2009; KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009). Por conta desta caracterstica, o

    ambiente onde a educao informal ocorre pode ser dos mais variados, como em casa, no

    trabalho, na rua, no parque, no museu e at mesmo na escola (ANDRONIE, 2013; LANGHI; NARDI,

    2009). Exemplos de aes nas quais o aprendizado acontece de maneira informal so: observar o

    cu estrelado atravs de um telescpio; assistir a um documentrio sobre vida selvagem;

    conversar com amigos sobre a situao econmica de seu pas etc. (ANDRONIE, 2013). Alm disso,

    a educao informal tambm se caracteriza por: ser motivada intrinsecamente; centralizao do

    aprendizado no estudante; ausncia de certificao ao fim do processo de aprendizado e ausncia

    de regulamentao legal (ANDRONIE, 2013; STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010).

    Neste momento importante fazer uma observao para evitar confuses conceituais.

    Alguns autores, como Silva e Neto (2004) e Marandino et al. (2004) utilizam o termo educao

    no formal com o mesmo sentido que a expresso educao informal recebe neste trabalho.

    Contudo, sinonimizar estes termos pode levar a um desentendimento porque diversos outros

    autores diferenciam suas definies (KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009; LANGHI; NARDI, 2009;

    TUDOR, 2013). Buscando maior clareza, a expresso educao no formal pode ser entendida

    como aquela que acontece fora do espao escolar, porm de forma organizada, estruturada e com

    objetivos didticos declarados, utilizando-se de materiais de ensino apropriados e desenvolvidos

    com objetivos pedaggicos. Alm disso, ela ocorre em um espao fsico destinado ao ensino,

    apresenta certificao ao fim do curso e pode ser regulamentada legalmente, apesar de no ter

    obrigatoriedade garantida por lei (KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009; LANGHI; NARDI, 2009;

    TUDOR, 2013). Exemplos de atividades de educao no formal seriam cursos extracurriculares,

    como um curso de lnguas ou o estudo de um instrumento musical. Tudor (2013) afirma que a

    educao no formal estruturalmente igual educao formal, porm com a diferena que

    aquela no acontece na escola. Portanto, esta distino entre educao no formal e informal a

    que ser adotada ao longo deste trabalho.

  • 21

    A educao informal faz parte da vida de qualquer pessoa (ANDRONIE, 2013). O mesmo

    aluno que vai escola, escuta seu professor, transcreve lousas e l livros didticos tambm assiste

    televiso, joga videogame, ouve rdio, l jornais e revistas, passeia pelas ruas, convive com

    amigos e familiares etc. (SILVA; NETO, 2004). Atualmente, contudo, alguns autores apontam para

    um desequilbrio dentro do cenrio educativo, no qual a educao informal vem sobrepondo a

    educao formal (CHASSOT, 2003). A rpida expanso tecnolgica e o fcil acesso s mdias

    informativas (veja, por exemplo, os smartphones com acesso internet) tem resultado na invaso

    da escola por informaes que vm de fora da escola (CHASSOT, 2003). Segundo Chassot (2003), a

    direo do fluxo de conhecimento mudou: se antes era da escola para o mundo, hoje do mundo

    para a escola. Atualmente no difcil encontrar escolas onde os alunos tem conhecimento sobre

    - e acesso - fontes de informaes, como televises a cabo e internet, maior do que os prprios

    professores (CHASSOT, 19983 apud CHASSOT, 2003). Assim, fica aparente que ... a escola pode

    no ter mudado; entretanto, pode-se afirmar que ela foi mudada (CHASSOT, 2003, p. 90).

    Apesar da expanso da educao informal, esta ainda vista com certa desconfiana por

    muitos professores e profissionais da indstria educacional por ser realizada fora do contexto

    escolar e por no apresentar compromisso didtico (SILVA; NETO, 2004; STOKLMAYER, RENNIE E

    GILBERT, 2010). Grade parte dessa desconfiana se d em relao originalidade e veracidade

    dos fatos relatados; relevncia dos assuntos abordados e, principalmente, linguagem utilizada

    nos materiais de educao informal. Alguns autores acusam estes ltimos de simplificarem demais

    as informaes cientficas transmitidas ao tentarem transp-las para uma linguagem mais

    acessvel ao pblico, o que pode causar um empobrecimento no aprendizado cientfico (SILVA;

    NETO, 2004). Neste sentido, Stoklmayer, Rennie e Gilbert (2010) defendem que, apesar da

    educao informal basear-se no entretenimento e na diverso para atingir seu pblico alvo, a

    simplificao de um texto cientfico deve limitar-se ao enquadramento da cincia em uma moldura

    mais atraente, sem causar o emburrecimento da mesma. Para Pires (2010), a educao informal

    marginalizada devido ao preconceito daqueles que trabalham com a educao formal. Andronie

    (2013) afirma que a esta ltima tradicionalmente vista como mais valiosa por ser mais cara e por

    envolver maior quantidade de recursos e comprometimento. Contudo, apesar das caractersticas

    contrastantes das duas formas de educao, importante notar que ambas apresentam pontos

    3 CHASSOT, A. Presenteismo: uma conspirao contra o passado que ameaa o futuro. Espao da Escola, v.

    4, n. 28, p. 13-19, 1998.

  • 22

    positivos e negativos no que diz respeito ao aprendizado efetivo por parte dos alunos (ANDRONIE,

    2013, p. 455-456).

    Em defesa da educao informal, diversos autores destacam o fato de esta ser

    extremamente efetiva para a compreenso das informaes transmitidas e memorizao de

    longo prazo das mesmas por parte do aprendiz (ANDRONIE, 2013; KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA,

    2009; KOSMA, 1991; SILVA; NETO, 2004; STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010; TUDOR, 2013).

    Uma das explicaes para isso vem do fato do aprendizado ser motivado tanto por fontes

    intrnsecas quanto extrnsecas ao indivduo, mas ser mais efetivo quando motivado

    intrinsecamente (ANDRONIE, 2013), ou seja, a iniciativa de aprender deve partir do prprio

    aprendiz. Enquanto a educao formal se baseia na motivao extrnseca (a iniciativa de aprender

    parte dos pais e professores), a educao informal tem a motivao intrnseca como caracterstica

    fundamental (STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010). Outros aspectos da educao informal que

    auxiliam no aprendizado so: linguagem acessvel; envolvimento com o cotidiano (SILVA; NETO,

    2004); capacidade de causar deslumbre, alegria e espanto; ser entretenedora, interessante e

    divertida; aliar emoo ao raciocnio; acessar conhecimentos prvios (STOKLMAYER, RENNIE E

    GILBERT, 2010) dentre outros. Por ser mais simples e acessvel, a educao informal tem o

    potencial de despertar o interesse das pessoas pela cincia (STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT,

    2010) e de facilitar o entendimento de conceitos cientficos (SILVA; NETO, 2004). Silva e Neto

    (2004) tambm destacam o fato de que os meios de divulgao cientfica, por serem menos

    burocrticos, acompanham os achados cientficos com maior rapidez e agilidade do que o material

    didtico escolar. Alm disso, a aprendizado informal mais duradouro e, pelo fato de no ser

    pautado em estruturas formais que geralmente fragmentam os saberes em disciplinas, pode

    promover um entendimento cientfico mais interdisciplinar (STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT,

    2010).

    Devido a todos os fatores positivos da educao informal, diversos autores defendem que

    este tipo de educao deveria ser reconhecido pelas escolas e integrado educao formal, de

    maneira a se complementarem (CHASSOT, 2003; SILVA; NETO, 2004; STOKLMAYER, RENNIE E

    GILBERT, 2010). ... quando professores tm acesso a um material de qualidade, criativo, ldico,

    possvel criar aes pedaggicas estimulantes e facilitadoras. (SILVA; NETO, 2004, p. 16).

    Porm, quando falamos em meios de educao informal, ou ento em materiais de ensino

    informal (mais precisamente cientficos), a que exatamente estamos nos referindo? Estes seriam

  • 23

    todo e qualquer material miditico que tenha por objetivo divulgar a cincia ao pblico geral

    (filmes documentrios e programas de televiso sobre natureza ou qualquer outro tema cientfico,

    sites da internet que falem sobre cincias, textos de revistas cientficas voltadas ao pblico geral,

    dentre muitos outros). Em outras palavras, qualquer material de divulgao cientfica.

  • 24

    CAPTULO 03 - DIVULGAO CIENTFICA E O PAPEL DA TELEVISO NO ENSINO

    Tendo em mente a ampla definio que apresentamos de cincia, a importncia que a

    alfabetizao cientfica tem na vida dos cidados e o grande potencial que a educao informal

    pode vir a ter nesse processo alfabetizatrio, resta-nos explorar melhor os meios pelos quais a

    educao cientfica informal se apresenta s pessoas, ou seja, os meios de divulgao cientfica,

    com destaque para a televiso. Neste ponto, porm, faz-se necessrio esclarecer precisamente o

    que queremos dizer com o termo divulgao cientfica, j que este tambm sofre da falta de uma

    definio consensual (LANGHI; NARDI, 2009).

    Para evitar confuses, usaremos as definies propostas por Bueno (19844, apud SILVA;

    NETO, 2004, p. 13). Segundo este autor, o termo difuso cientfica diz respeito a todo e qualquer

    processo ou recurso utilizado para a veiculao dos conhecimentos cientficos. Se o pblico alvo

    desta difuso for o profissional especializado em cincia, ento este processo chamado de

    disseminao cientfica. Caso o pblico alvo seja a populao em geral, no especializada, ento

    este processo recebe o nome de divulgao cientfica, e esta definio que adotaremos neste

    trabalho.

    Alguns autores afirmam que a divulgao cientfica no uma prtica moderna e que,

    inclusive, teria surgido juntamente com a prpria cincia (MASSARANI et al., 19985 apud SILVA;

    NETO, 2004, p. 12; SILVA, 2006). Silva (2006) argumenta que, apesar de a cincia ter se

    profissionalizado e ganhado certa autonomia ao longo dos sculos, ela nunca se independeu - nem

    se independer da sociedade, pois nesta que ela nasce e se desenvolve. Adicionalmente, se

    considerarmos que a sociedade co-financiador das pesquisas que se fazem na cincia, podemos

    considerar a divulgao dos achados e das discusses cientficas uma obrigao do meio cientfico

    para com a sociedade (CHASSOT, 2003). Esta divulgao, por sua vez, pode ser feita atravs de

    qualquer meio de comunicao em massa, que varia desde palestras e exposies at filmes e

    sites da internet. Antigamente, mais precisamente durante o sc. XVIII, a divulgao cientfica era

    4 BUENO, W. C. Jornalismo cientfico no Brasil: os compromissos de uma prtica dependente. 1984. 365 p. Tese (Doutorado em Comunicao e Artes) - Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo,

    So Paulo. 5 MASSARANI, L., PRADO, G.; MOREIRA, I. C. Aspectos histricos da divulgao cientfica no Brasil; a dcada

    de vinte. In: CONGRESSO LATINO AMERICANO DE HISTRIA DA CINCIA E DA TECNOLOGIA, 5, 1998. Rio de Janeiro. Resumos... Rio de Janeiro; UFRJ, 1998, p. 170-171.

  • 25

    feita principalmente por meio de livros impressos e palestras itinerantes que Silva (2006, p. 54)

    chama de shows cientficos. Com o desenvolvimento da cincia e o aparecimento de novas

    tecnologias, novos meios de comunicao - como a televiso, o rdio e a internet - assumiram o

    papel de divulgar informaes, muitas delas cientficas. De fato, hoje, os meios de comunicao,

    tambm chamados de mdias, so os principais mediadores entre ns e o mundo que est alm

    dos limites de nossa experincia pessoal e cotidiana (SILVA; NETO, 2004). Para Buckinghan (20056

    apud PIRES, 2010, p. 288), a mdia se define como um espao no qual representaes da realidade

    so transmitidas a ns indiretamente. Junto com estas representaes esto informaes,

    conceitos, ideias e imagens da cincia, que invadem a vida das pessoas por meio das mdias

    (SALM; KAWAMURA, 19967 apud SILVA; NETO, 2004, p. 12) e que ampliam seus conhecimentos

    cientficos e tecnolgicos (Silva e Neto 2004).

    Dentre as mdias mais acessadas, uma se destaca fortemente: a televiso. Segundo

    pesquisa realizada pelo IBGE, em 2009 a televiso estava presente em 95,1% das residncias do

    Brasil, superando o rdio (88,9%) e o microcomputador com acesso internet (23,8%), fato que a

    coloca como o principal meio de difuso de informaes - dentre elas as cientficas - no pas

    (MONTEIRO; BRANDO, 2002). Alm disso, a televiso foi considerada a mdia preferida por

    crianas (PEREIRA, 2002) e tambm por estudantes (CONTIN; MOTOKANE, 2012; TORUK, 20088

    apud KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009, p.922). Salomon (19849 apud KOSMA, 1991, p. 13) afirma

    que as crianas consideram mais fcil aprender por meio da televiso do que por meio de livros

    didticos. Estudos deste mesmo autor tambm apontam que o esforo requerido para se

    compreender uma mdia inversamente proporcional aprendizagem efetiva (SALOMON, 198310

    apud KOSMA, 1991, p.12). Portanto, somando-se o grande interesse das pessoas pela televiso

    com sua ampla capacidade difusora, temos nela uma ferramenta de enorme potencial para a

    realizao de educao informal. Alm disso, o fato da mdia audiovisual ser capaz de trabalhar

    6 BUCKINGHAM, D. Media education: literacy, learning and contemporary culture. Cambridge: Polity, 2005.

    7 SALM, S.; KAWAMURA M. R. O texto de divulgao e o texto didtico: conhecimentos diferentes? In:

    ENCONTRO DE PESQUISADORES EM ENSINO DE FSICA, 5, 1996, guas de Lindia. Atas... guas de Lindia: SBF, 1996, p. 588. 8 TORUK, I. niversite Genliginin Medya Kullanma Alskanlklar zerine bir Analiz. Seluk Universitesi

    Sosyal Bilimler Enstits Dergisi, v. 19, p. 475-488, 2008. 9 SALOMON, G. Television is "easy" and print is "tough"; The differential investment of mental effort in

    learning as a function of perceptions and attributions. Journal of Educational Psychology, v. 76, n. 4, p. 647-658, 1984. 10

    SALOMON, G. The differential investment of mental effort in learning from different sources. Educational Psychologist, v. 18, n. 1, p. 42-50, 1983.

  • 26

    tanto com imagem quanto com som faz dela um instrumento extremamente eficiente para o

    processo de aprendizagem (KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009; KOSMA, 1991). Por exemplo,

    Baggett (197911 apud KOSMA, 1991, p. 13) mostra que o uso didtico de imagens promove uma

    memorizao bastante duradoura. Ela tambm afirma que a imagem capaz de carregar mais

    informaes do que o som ou a palavra escrita (ao ouvir o som ou ler as palavras folha

    vermelha, temos como informao apenas o nome de um objeto e um adjetivo de cor, enquanto

    que a imagem de uma folha vermelha capaz de nos informar sobre tamanho, textura, cor, forma,

    contexto etc.) (BAGGETT, 198912 apud KOSMA, 1991). O udio, por sua vez, pode ser mais preciso

    ao transmitir informaes sobre assuntos mais especficos (KOSMA, 1991). Assim, o ponto forte da

    televiso a sua capacidade de aliar som e imagem (KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009; KOSMA,

    1991). Kosma (1991) afirma que, em um produto audiovisual, a imagem serve como a fonte

    primria de informaes enquanto o udio faz a elaborao da mensagem a ser transmitida. O

    resultado uma melhor compreenso por parte do aluno (KOSMA, 1991).

    Frente aos potenciais educativos da mdia audiovisual, fica fcil imaginar que o uso da

    televiso dentro da sala de aula possa trazer benefcios na hora de aprender. Se o sistema

    educacional formal, conhecido por ser tradicionalista e pouco eficiente, resiste a mudanas

    bruscas, o mais fcil a fazer em busca de melhorias trazer os benefcios da educao informal

    para dentro da escola (STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010). Kirikkaya, Iseri e Vurkaya (2009)

    afirma que a exibio de programas de televiso cria um clima informal na sala de aula, o que

    incentiva o aprendizado dos alunos. Dhingra (200313 apud KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009, p.

    922) tambm apoia o uso de programas de televiso em lies passadas por professores,

    afirmando que isso aproxima aluno e professor e auxilia na memorizao por parte do aluno.

    Salomon (1983 apud KOSMA 1991, p.12) aponta outro fator que pode influenciar na qualidade do

    aprendizado do aluno: o propsito pelo qual os alunos so expostos s mdias educativas (KOSMA,

    1991). Krendl e Watkins (198314 apud KOSMA, 1991, p.13) do suporte a esta afirmao ao

    mostrar que o aprendizado mais efetivo quando os alunos so expostos a vdeos educativos com

    11

    BAGGETT, P. Structurally equivalent stories in movie and text and the effect of the medium on recall. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, v. 18, p. 333-356, 1979. 12

    BAGGETT, P. Understanding visual and verbal messages. In MANDL, H. & LEVIN, J. (Eds.), Knowledge acquisition from text and pictures. Amsterdam: North-Holland, 1989. 13

    DHINGRA, K. Thinking about Television Science: How Students Understand the Nature of Science from Different Program Genres. Journal of Research in Science Teaching, v. 40, p. 234-256, 2003. 14

    KRENDL, K.A. & WATKINS, B. Understanding television: An exploratory inquiry into the reconstruction of narrative content. Educational Communications and Technology Journal, v. 31, n. 4, 201-212, 1983.

  • 27

    a misso de aprender (passada pelo professor) do que por simples entretenimento. Portanto, a

    orientao do professor ao exibir um vdeo em sala de aula se mostra essencial para o bom

    aprendizado dos alunos.

    Vistos os benefcios que o uso da televiso dentro da sala de aula pode trazer, surge uma

    pergunta: existe algum gnero de programa televisivo que seja mais eficiente na promoo da

    alfabetizao cientfica? Muitos autores apontam que programas educacionais so mais bem

    sucedidos quando so entretenedores, e tambm que programas explicitamente rotulados como

    cientficos no alcanam muita audincia (STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010). Um estilo de

    programa muito bem aceito por crianas e jovens so os documentrios de vida selvagem,

    principalmente aqueles que fazem do apresentador o ator principal de uma trama de ao

    (documentrios adventure) como, por exemplo, o famoso The Crocodile Hunter, de Steve Irwin.

    Este estilo de programa foi posicionado entre cincia como educao e cincia como

    entretenimento (DINGWALL; ALDRIDGE, 200615 apud STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010, p.

    21), demonstrando, assim, um grande potencial para ser utilizado como instrumento de educao

    informal por professores. Outro estilo de programa, menos acessado pelo pblico infanto-juvenil,

    porm visto por este com credibilidade, so os telejornais cientficos (KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA,

    2009).

    15

    DINGWALL, R. & Aldridge, M. Television wildlife programming as a source of popular scientific information: A case study of evolution. Public Understanding of Science, v. 15, p. 131152, 2006.

  • 28

    CAPTULO 04 ALFABETIZAO CIENTFICA E ECOLOGIA

    Dentre as diversas reas que compe a cincia encontra-se a ecologia. Por esse motivo, o

    ensino dos fundamentos e conceitos ecolgicos pode ser considerado alfabetizao cientfica. O

    termo ecologia foi criado por Ernest Haeckel em 1866, que a definiu como Cincia do modo de

    vida dos organismos suas necessidades vitais e suas relaes com os outros organismos". Em seu

    livro Fundamentos da Ecologia, Odum define esta rea da cincia como o estudo das relaes

    dos organismos ou grupos de organismos com o seu ambiente e a cincia das inter-relaes que

    ligam os organismos vivos ao seu ambiente. Begon (2007), por sua vez, em seu livro Ecologia: de

    indivduos a ecossistemas, diz que esta o estudo cientfico da distribuio e abundncia dos

    organismos e as interaes que determinam distribuio e abundncia. Logo, possvel perceber

    que a compreenso dos fundamentos e conceitos ecolgicos est ligada compreenso do meio

    ambiente - juntamente com seus fenmenos no qual o indivduo humano se insere. De fato,

    como Maturana (199816 apud MACHADO, 2008, p. 284) afirma, o estudo do meio ambiente diz

    respeito a tudo aquilo que rodeia o homem, o que inclui no s questes ambientais, mas

    tambm sociais e econmicas, uma vez que atitudes tomadas em qualquer uma destas esferas

    sempre causam reaes nas outras, pois esto todas interligadas (Alves, 2002). Logo, se a

    alfabetizao cientfica uma prtica social (CHASSOT, 2003; SILVA; NETO, 2004), o ensino de

    ecologia pode ser considerado uma questo de cidadania (ALVES, 2002).

    Nicho ecolgico

    Dentre os muitos conceitos ecolgicos existentes, destaca-se o de nicho ecolgico. Ele

    considerado por alguns como um dos conceitos de maior importncia para a ecologia (WHITTAKER

    et al., 1973; ALLEY, 1982; LOOIJEN, 1995). Este termo comumente empregado como um

    descritor da funo de um organismo (ou grupo de organismos) em seu meio, alm de tambm

    expressar sua posio em gradientes de variveis ecolgicas (ODUM, 1975). Odum resume nicho

    ecolgico como a profisso do organismo. Apesar de o termo ter sido cunhado apenas no incio

    do sc. XX, vrias abordagens a este conceito j haviam sido feitas por naturalistas do sc. XIX,

    16

    MATURANA, H. Emoes e linguagem na educao e na poltica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.

  • 29

    porm com nomenclaturas diferentes e variadas (REJMNEK; JENK, 1975). Rejmnek e Jenk

    (1975) chegam a igualar o conceito de nicho ecolgico ao de ecossistema em termos de

    importncia terica para os estudos ecolgicos, e afirmam: Pode-se definir ecologia como a

    cincia dos nichos e ecossistemas. O conceito de nicho ecolgico empregado em estudos e

    discusses sobre abundncia e distribuio de espcies, estruturao ecolgica de comunidades e

    at mesmo evoluo (WHITTAKER et al., 1973; LOOIJEN, 1995), alm de nortear algumas teorias

    ecolgicas, como a teoria da competio e o princpio de Gause ou princpio da excluso

    competitiva (WHITTAKER et al., 1973). Contudo, apesar de sua implcita importncia para os

    estudos ecolgicos, infelizmente esta terminologia no tem claros os limites de sua definio, que

    por vezes se sobrepe conceituao de outro termo de grande importncia para a ecologia: o

    habitat (UDVARDY, 1959; WHITTAKER et al., 1973; LOOIJEN, 1995; ODUM, 1975). importante

    ressaltar que no faz parte dos objetivos do presente trabalho revisar e julgar os conceitos de

    nicho ecolgico propostos na literatura, tampouco desenvolver e propor um novo conceito, mas

    para que seja possvel a anlise das abordagens do programa de televiso ao termo aqui referido,

    faz-se necessria a compreenso desta confuso terminolgica.

    O termo nicho ecolgico foi definido de maneiras diferentes por diversos autores ao longo

    do sculo XX (WHITTAKER et al., 1973). Contudo, historicamente, trs destas definies ganharam

    importncia na ecologia e at hoje so citadas nas tentativas de explicar o significado de tal

    terminologia: a definio de Grinnell, de 1924; a de Elton, de 1927 e a de Hutchinson, de 1957. O

    primeiro a usar o termo nicho ecolgico foi Grinnell (1924), tratando-o como a unidade final de

    distribuio, na qual cada espcie esta presa por sua limitao estrutural ou instintiva. Sua

    definio possui carter distribucional, limitado aos fatores fsicos inerentes ao ambiente no qual a

    espcie estudada habita. Assim, Grinnell acreditava que os limites de distribuio de um grupo de

    organismos eram desenhados mais por fatores fsicos e climticos do que por interaes negativas

    entre espcies ou mesmo pela ausncia de alimento acessvel (VANDERMEER, 1972). Esta

    definio ficou conhecida como nicho de habitat (WHITTAKER et al., 1973; LOOIJEN, 1995) ou

    nicho espacial (ODUM, 1975). Vandermeer (1972) a classificou como pr-interativa, afirmando que

    esta definio permite apontar o nicho ecolgico de uma espcie independentemente de suas

    interaes com o ambiente. As semelhanas entre a definio de nicho de Grinnell com o conceito

    usualmente empregado de habitat embasou crticas de diversos autores a este modelo (LOOIJEN,

    1995; ver WHITTAKER et al., 1973), apesar de existir aqueles que defendam que o conceito de

  • 30

    Grinnell mal interpretado e que est mais associado funo do animal em seu ambiente do que

    ao seu habitat (UDVARDY, 1959).

    Enquanto o conceito de Grinnell para nicho ecolgico ainda era assimilado em meio

    acadmico, Charles Elton desenvolvia o seu prprio. Em 1927 publicou seu livro Animal Ecology,

    no qual definiu nicho ecolgico como o lugar do animal em um ambiente abitico e sua relao

    com alimento e inimigos. Com isso percebemos sua tentativa de caracterizar o nicho de um

    organismo em termos das condies ambientais abiticas necessrias para a sobrevivncia dele,

    dos recursos alimentares explorados por ele e ainda das suas relaes inter e intraespecficas

    desarmnicas. Em outro trecho Elton volta a definir nicho ecolgico, porm desta vez como a

    posio de um animal em sua comunidade, que pode ser entendido como a funo do animal em

    sua comunidade. Ele tambm relacionava nicho ao tamanho do animal. Suas definies, contudo,

    no incluem plantas nem organismos unicelulares, fazendo-a alvo de crticas (WHITTAKER et al.,

    1973). Outro ponto importante que, ao se referir aos nichos ecolgicos de diferentes animais,

    Elton invariavelmente utiliza seus hbitos alimentares como parmetro e, apesar de propor que

    outros fatores no relacionados alimentao devem ser levados em conta no estudo de nicho,

    ele no cita quais seriam estes (VANDERMEER, 1972). Este conceito ficou conhecido como nicho

    funcional (WHITTAKER et al., 1973; LOOIJEN, 1995) ou nicho trfico (ODUM, 1975) e foi chamado

    por Vandermeer (1972) de ps-interativo, uma vez que s pode ser reconhecido a partir das

    relaes travadas entre organismo e ambiente. Assim, importante observar que as definies de

    nicho ecolgico de Elton podem ser divididas em duas frentes: uma baseada principalmente na

    alimentao do organismo (nicho trfico) e outra baseada na posio (funo) do organismo em

    sua comunidade (nicho funcional). Porm, apesar de estarem relacionadas, estas duas frentes no

    so indissociveis, ou seja, o habito alimentar faz parte da descrio da posio do animal em sua

    comunidade, porm ele no a prpria descrio. Dentro deste contexto, Udvardy (1959) afirma

    que Grinnell, ao definir nicho, no se referia posio do animal em seu ambiente fsico, mas sim

    em sua comunidade, assumindo, portanto, um carter funcional semelhante ao proposto por

    Elton em 1927.

    Trs dcadas aps a publicao do livro Animal Ecology, de Elton, George Evelyn

    Hutchinson (1957) prope o modelo de nicho ecolgico que viria a revolucionar a forma com que

    este era visto pela comunidade cientfica. Em sua definio, Hutchinson compara o nicho de uma

    espcie a um espao hipervolumtrico n-dimensional que agrega todas as variveis ambientais,

  • 31

    tanto abiticas quanto biticas, que interferem de alguma forma na biologia do organismo

    estudado. Assim, as bordas deste hipervolume seriam estabelecidas pelos valores limites,

    superiores e inferiores, suportados pela espcie, de todas as variveis que a influenciam. Em uma

    ilustrao desta figura, cada uma destas variveis representa uma dimenso espacial. Para facilitar

    o entendimento deste modelo de nicho ecolgico, vamos construir um hipervolume n-dimensional

    para uma espcie genrica. Imagine uma varivel ecolgica x como, por exemplo, temperatura.

    Digamos que nossa espcie estudada suporta uma variao deste fator (x) que vai de x at x.

    Teremos, portanto, uma linha reta (x) da qual qualquer ponto selecionado indica um valor de

    temperatura ao qual nossa espcie est adaptada. Esta linha representa a primeira dimenso.

    Agora vamos introduzir em nosso modelo uma varivel ecolgica y, tal que y x como, por

    exemplo, umidade. O intervalo suportado pela nossa espcie para esta varivel (y) vai de y a y.

    Ao projetarmos estes resultados em um grfico que relacione nossas variveis, teremos um

    retngulo cujos lados so x e y, representando uma figura em duas dimenses. Perceba que

    qualquer ponto dentro da rea deste retngulo representa uma combinao de valores dos

    fatores x e y (temperatura e umidade, neste caso) que permite a sobrevivncia da nossa espcie

    genrica. Ao adicionarmos uma terceira varivel z, tal que z x e z y como, por exemplo,

    radiao solar, transformamos este retngulo em uma representao tridimensional de um

    paraleleppedo cujas arestas so x, y e z. Semelhante ao retngulo anterior, qualquer ponto

    dentro deste volume representa uma combinao de valores de cada uma das trs variveis que

    permite a sobrevivncia da nossa espcie genrica. Seguindo este exemplo podemos continuar

    acrescentando variveis ambientais at que todas aquelas relevantes nossa espcie genrica

    estejam representadas em uma figura hipervolumtrica com n dimenses. Esta figura, obviamente

    abstrata, ilustraria o que Hutchinson chamou de nicho fundamental de uma espcie. Este

    representa as condies ecolgicas ideais para o desenvolvimento indefinido de uma espcie

    (HUTCHINSON, 1957). A proposta do autor que cada ponto deste hipervolume represente um

    conjunto de pontos de uma regio geogrfica que permita a ocorrncia da espcie estudada.

    Contudo, esta espcie dificilmente poder ocupar todo o seu nicho fundamental por conta de suas

    interaes interespecficas negativas (competio, predao, parasitismo etc.). Isso faz com ela

    reduza seu nicho para o que Hutchinson chamou de nicho realizado, que aquele que realmente

    pode ser observado em campo (HUTCHINSON, 1957). Odum (1975) nomeia esta definio como

    nicho multidimensional ou nicho hipervolumtrico. Vandermeer (1972) e Looijen (1995) tambm a

    chamam de nicho hutchinsoniano.

  • 32

    Destas trs definies expostas acima, a mais aceita hoje pela comunidade cientfica a de

    Hutchinson (PUTMAN; WRATTEN, 1984; LOOIJEN, 1995; ODUM, 1975). Ela considerada por

    alguns autores como o resultado da fuso entre os conceitos de nicho de Grinnell e Elton

    (LOOIJEN, 1995; VANDERMEER, 1972). Vandermeer (1972) afirma que ela a nica a integrar

    fatores pr e ps-interativos e que sua maior contribuio foi a distino entre nicho fundamental

    e realizado. Looijen (1995), entretanto, defende que a razo pela qual o conceito de Hutchinson se

    tornou to popular a sua larga abrangncia: um modelo que pretende agregar tudo o que se

    sabe sobre a ecologia de uma espcie. Contudo, esta larga abrangncia que dificulta a definio

    precisa de nicho, de forma que Putman e Wratten (1984) propem que seu conceito seja

    fragmentado (nicho de alimento, nicho de nidificao etc.) para facilitar os estudos. Looijen (1995)

    tambm critica a definio de Hutchinson por considera-lo incompatvel teoria de competio.

    Ele mostra que o fato de o modelo hutchinsoniano englobar no somente os recursos, mas

    tambm as condies ecolgicas necessrias para a sobrevivncia de uma espcie, permite que

    duas espcies coexistentes (presentes no mesmo habitat) que compartilham das mesmas

    condies ambientais, mas no dos mesmos recursos, tenham nichos ecolgicos sobrepostos mas

    no compitam, uma vez que a competio (por explorao) s acontece por compartilhamento de

    recursos. Alm disso, Rejmnek e Jenk (1975) e Looijen (1995) afirmam que o nicho

    hutchinsoniano se aproxima da definio de habitat, que tambm pode ser estudado como um

    espao multidimensional para fatores abiticos (WHITTAKER et al., 1973), de forma que seu uso se

    tornaria desnecessrio. Logo, percebe-se que, apesar da larga aceitao da definio

    hutchinsoniana de nicho pela comunidade cientfica, sua adequao s teorias ecolgicas ainda

    so incertas muito discutidas (LOOIJEN, 1975). Odum (1975) busca uma soluo para este impasse

    considerando as trs definies de nicho (de Grinnell, Elton e Hutchinson) corretas. Ele o faz

    dividindo nicho em trs categorias: espacial (equivalente definio de Grinnell), trfico

    (equivalente definio integral de Elton) e hipervolumtrico (equivalente definio de

    Hutchinson), deixando clara sua preferncia pela ltima. Contudo, Whittaker et al. (1973)

    considera esta diviso um problema, j que os trs conceitos no so complementares e podem

    causar ainda mais confuso. Mais do que isso, estes conceitos podem ser incompatveis, como

    mostra Looijen (1995) em relao s definies de Grinnell e Elton. Este ltimo, em seu livro

    Animal Ecology, fala sobre equivalentes ecolgicos, que so espcies viventes em ecossistemas

    diferentes, mas que possuem nichos (no sentido funcional) semelhantes. Como exemplo ele cita o

    paralelismo de nicho entre a raposa do rtico e a hiena africana. Ambas se alimentam largamente

  • 33

    de ovos (de araus, no caso da raposa, e de avestruz, no caso da hiena) e ocasionalmente

    aproveitam sobras de caas (focas mortas por ursos polares, no caso da raposa, e zebras mortas

    por lees, no caso da hiena). Porm, se tambm considerarmos o nicho de habitat, de Grinnell

    correto, a teoria de equivalentes ecolgicos se torna inconsistente, j que paradoxal duas

    espcies possurem nichos semelhantes, mas habitats diferentes (LOOIJEN, 1975).

    Looijen (1995) expe uma definio de nicho ecolgico que parece ser mais compatvel s

    teorias ecolgicas que se apoiam neste conceito. Ele a chama de nicho trfico ou nicho de recurso,

    que no presente trabalho trataremos por nicho de recurso para que no haja confuso com o

    nicho trfico de Odum. Esta definio, segundo Looijen, uma restrio do modelo de Hutchinson

    apenas para os recursos explorados pelas espcies, sem considerar as variveis ambientais. Assim,

    o nicho de recurso seria um espao hipervolumtrico multidimensional onde cada dimenso

    corresponde a um recurso (ou estado do recurso) necessrio para a sobrevivncia da espcie. Os

    pontos dentro deste espao corresponderiam s combinaes de disposio de recursos que

    permitiriam a sobrevivncia da espcie estudada. Estes pontos, assim como no modelo de

    Hutchinson, tambm corresponderiam a regies geogrficas reais onde estes recursos se

    encontram no estado e na quantidade necessrios para a existncia da espcie. Looijen (1995)

    tambm faz uma distino entre nicho fundamental e realizado, de forma que o primeiro seria o

    total de recursos que a espcie potencialmente exploraria e o ltimo o total de recursos que a

    espcie realmente explora, diferenciando-se do primeiro por conta de suas relaes

    interespecficas negativas. Esta definio, diferentemente da de Hutchinson, se adequa teoria da

    competio por estar desvinculada do conceito de habitat, j que ela no inclui as variveis

    ambientais como parte do nicho (LOOIJEN, 1995). Assim, dizer que existe sobreposio de nichos

    (no sentido de recursos) o mesmo que dizer que duas espcies compartilham recursos. Logo,

    haver competio. Esta competio poder levar ao fim de uma das espcies ou diferenciao

    de nichos (diferenciao na explorao de recursos), que pode ocorrer concomitantemente

    diferenciao de habitat ou no (LOOIJEN, 1995). Esta definio tambm se encaixa no princpio

    da excluso competitiva, pois se duas espcies coexistentes possurem nichos idnticos,

    invariavelmente competiro at que uma desaparea ou que seus nichos se diferenciem. Por estar

    desvinculada do conceito de habitat, esta definio preserva a teoria dos equivalentes ecolgicos,

    pois assim duas espcies podem apresentar o mesmo nicho ecolgico, mas habitar ecossistemas

    diferentes.

  • 34

    As diferentes definies de nicho ecolgico presentes na literatura no so as nicas

    responsveis pelo confuso entendimento deste termo. A sobreposio das definies de nicho e

    de habitat contribui largamente para este desentendimento (UDVARDY, 1959; WHITTAKER et al.,

    1973; LOOIJEN, 1995; ODUM, 1975), que surgiu com a interpretao de nicho de Grinnell como

    habitat, em 1927, e se mantm at hoje (UDVARDY, 1959). Os conceitos de nicho e habitat so

    relacionados a tal ponto que, para que se tenha uma definio robusta de nicho, preciso que a

    definio de habitat seja clara (ver LOOIJEN, 1995). Infelizmente este no o caso, pois o termo

    habitat tambm carece de uma definio formal que seja universalmente aceita pela comunidade

    cientfica (UDVARDY, 1959; WHITTAKER et al.,1973; LOOIJEN, 1995). Semelhante ao que

    aconteceu com nicho, a correta definio de habitat foi pauta de diversas discusses ao longo do

    sc. XX, sem que se chegasse a um acordo definitivo (UDVARDY, 1959; ver YAPP, 1922). Yapp, em

    trabalho publicado em 1922 (ou seja, h quase cem anos), j chamava a ateno para o uso

    indiscriminado do termo habitat dentro da ecologia vegetal. Ele criticava o fato de alguns autores

    empregarem o termo de acordo com o conceito mais apropriado para sua linha de pesquisa, sem a

    preocupao de buscar uma terminologia rigorosa e universal. Yapp mostrou que, apesar de

    alguns autores utilizarem habitat com o simples sentido de local onde um organismo ocorre, j

    existia uma tendncia em considerar os fatores ambientais, principalmente abiticos, na definio

    de habitat. Nestes casos, habitat se confunde com as definies de nicho de Grinnell (com sentido

    de local onde o organismo ocorre) e de Hutchinson, respectivamente. Mais recentemente, uma

    reviso bibliogrfica feita por Hall et al. (1997) considerou como mais correta a definio de

    habitat como os recursos e condies presentes em uma rea que produza ocupao incluindo

    sobrevivncia e reproduo por um dado organismo. Esta definio, construda a partir de

    publicaes de autores como Morrison, Odum e os prprios Grinnell e Hutchinson (HALL et al.,

    1997), assemelha-se muito definio de nicho hutchinsoniano. Whittaker et al. (1973) busca

    esclarecer esta confuso conceituando habitat como um espao multidimensional cujas

    dimenses correspondem s variveis ambientais que caracterizam um local especfico, como, por

    exemplo, elevao do terreno, exposio de encostas, fertilidade do solo etc. Nicho, por outro

    lado, seria um espao multidimensional cujas dimenses correspondem s variveis

    intracomunitrias que afetam a espcie estudada na comunidade em que se insere, como, por

    exemplo, outras espcies membros da comunidade, altura do organismo acima do solo, tamanho

    da presa etc. Looijen (1995) tambm busca esclarecer esta confuso entre nicho e habitat. Ele lista

    quatro conceituaes diferentes de habitat presentes na literatura e, a partir delas, faz uma

  • 35

    distino entre o que chamou de habitat potencial e habitat realizado. O primeiro refere-se a um

    conjunto de ambientes que satisfaam as exigncias e tolerncias ecolgicas de uma espcie, ou

    seja, os locais onde uma espcie pode ocorrer. J o segundo seria um conjunto de ambientes em

    que a espcie realmente ocorre. Assim, pode-se dizer que o habitat realizado de uma espcie

    uma restrio do seu habitat potencial em decorrncia das relaes interespecficas negativas que

    esta espcie trava em sua comunidade, alm de outros fatores como, por exemplo, o isolamento

    (LOOIJEN, 1995). Todas estas discusses, porm, no foram suficientes para que se chegasse a um

    acordo e a definio de habitat continua incerta (UDVARDY, 1959; WHITTAKER et al.,1973;

    LOOIJEN, 1995).

    Apesar de sua importncia na cincia, o termo nicho ecolgico no muito bem

    compreendido fora dos campos da ecologia (ODUM, 1975), ao contrrio do termo habitat, bem

    mais frequente no vocabulrio do pblico em geral (HALL et al., 1997). Contudo, isso no quer

    dizer que a compreenso e utilizao que as pessoas fazem deste ltimo esteja coerente. A

    confuso terminolgica que acomete termos como nicho e habitat distorce a comunicao entre

    pesquisadores, alm de alienar o pblico, que fica refm de respostas ambguas e no

    padronizadas para algumas questes ecolgicas (HALL et al., 1997). De fato, a falta de clareza

    quanto ao significado de termos to importantes quanto nicho e habitat acaba no s afastando a

    comunidade cientfica da sociedade como tambm privando o povo da informao correta, o que

    cria um boicote cientfico e cultural que dificulta a insero de camadas menos instrudas da

    sociedade num cotidiano tecnocientfico cada vez mais presente nos pases em desenvolvimento,

    como o Brasil (BARROS, 2002). No obstante, isso prejudica a formao da opinio de jovens e

    adultos sobre questes ecolgicas importantes e cada vez mais em pauta nas discusses polticas

    brasileiras (BARROS, 2002).

  • 36

    METODOLOGIA

    O presente projeto foi planejado em trs partes: 1) Escolha do programa de televiso a ser

    analisado; 2) Coleta dos dados por transcrio dos trechos em que so reconhecidos conceitos de

    nicho ecolgico nos episdios do programa a ser analisado e 3) Classificao dos trechos transcritos

    de acordo com as categorias de concepo de nicho ecolgico e discusso dos dados.

    Na primeira parte, os critrios utilizados para a escolha do programa de televiso foram: a

    abordagem de temas ecolgicos; a audincia por parte de alunos entre 15 e 18 anos de idade

    matriculados no Ensino Mdio e a adequao do programa proposta de pesquisa do presente

    projeto. Para isso, foram entrevistados 50 alunos do Ensino Mdio, convidados a responder a

    pergunta: Qual o programa de televiso que aborda temas ecolgicos que voc mais assiste?. Foi

    considerada apenas a primeira resposta apresentada pelo entrevistado. Destes 50 alunos, 40 eram de

    escolas pblicas estaduais. Para formar este grupo de 40 alunos, foram entrevistados 10 em cada

    escola. Os outros 10 alunos foram contatados por meio de um site de relacionamento, a partir de um

    perfil criado exclusivamente para este fim, convidados a responder a mesma pergunta. A partir das

    entrevistas todos os programas citados foram listados em ordem crescente de acordo com o nmero

    de vezes com que cada um foi citado (Tabela 1). O programa foi escolhido dentre os mais citados.

    Aps a escolha do programa, teve incio a segunda parte do projeto. Os episdios a serem

    assistidos foram selecionados no site do programa Terra da Gente

    (http://redeglobo.globo.com/sp/eptv/terradagenteeptv/videos/), na ordem do mais atual para o mais

    antigo. Neste site os episdios esto divididos em quatro blocos cada um. No total, 27 episdios

    foram assistidos. O nome e um breve resumo de cada um destes episdios podem ser visto no

    Anexo 1. Os trechos dos episdios nos quais alguma concepo de nicho ecolgico foi reconhecida

    na fala do reprter, do narrador ou do entrevistado foram registrados na forma de quadros (Anexo

    2). Estes quadros contm: nome e bloco dos episdios dos quais os trechos foram retirados;

    intervalo de tempo dos trechos de interesse; descrio das cenas exibidas ao longo dos trechos

    selecionados; transcrio da fala de interesse e classificao das concepes de nicho ecolgico

    presentes em cada trecho. Esta classificao foi feita com base em categorias formuladas seguindo

    as principais definies de nicho presentes na literatura e apresentadas na introduo deste relatrio

    (Quadro 1).

  • 37

    Programa N de citaes

    Globo Reprter 16

    Globo Ecologia 7

    Terra da Gente 5

    O Cl do Orangotango 4

    Animal ao Extremo 4

    Selvagem ao Extremo 3

    Aventura Selvagem 2

    Planeta Terra 2

    Globo Natureza 2

    Globo Cincia 1

    Entre Lees 1

    Fantstico (bloco) 1

    Vida Selvagem 1

    Ecologia 1

    Tabela 1: Programas de televiso com temtica ecolgica, ordenados do mais ao menos citado.

  • 38

    Categoria Concepo Definio

    A

    Nicho de Habitat ou Nicho

    Espacial (definido por Grinnell,

    1924)

    (...) a unidade final de distribuio, na qual cada

    espcie esta presa por sua limitao estrutural ou

    instintiva (Grinnell, 1924).

    B Nicho Trfico (uma das frentes da

    definio de Elton, 1927)

    (...) o lugar do animal em um ambiente abitico e sua

    relao com alimento e inimigos (Elton, 1927), sendo

    que o maior peso dado aos hbitos alimentares do

    animal.

    C Nicho Multidimensional (definido

    por Hutchinson, 1957)

    Espao hipervolumtrico n-dimensional que

    agrega todas as variveis ambientais, tanto

    abiticas quanto biticas, que interferem de

    alguma forma na biologia do organismo estudado.

    D Nicho de Recurso (definido por

    Looijen, 1995)

    Espao hipervolumtrico multidimensional onde

    cada dimenso corresponde a um recurso (ou

    estado do recurso) necessrio para a

    sobrevivncia da espcie.

    E Nicho Funcional (a outra frente

    da definio de Elton, 1927)

    (...) a posio de um animal em sua

    comunidade (Elton, 1927). Aqui, posio recebe

    o sentido de funo.

    Quadro 1: Categorias de nicho ecolgico relacionadas s suas respectivas concepes e definies.

    Os trechos selecionados foram classificados dentro de uma ou mais categorias, de acordo

    com as falas do reprter/narrador/entrevistado e com as imagens exibidas durante estas falas.

    Objeto de pesquisa

    O programa escolhido para ser objeto de estudo deste trabalho foi o Terra da Gente, que

    se destacou como o terceiro mais votado pelos estudantes (Tabela 1). Este programa, que vai ao ar

    todos os sbados, s 13h45, pelo grupo EPTV de emissoras filiadas Rede Globo, pode ser

    considerado um programa hbrido, que apresenta trechos de reportagens intercalados com trechos

    que se assemelham aos documentrios de vida selvagem. A cada episdio do programa a equipe de

  • 39

    reportagem visita uma localizao diferente, geralmente em solo brasileiro, que se destaca por suas

    caractersticas naturais. Geralmente as localizaes visitadas pelas equipes do programa so regies

    de rios e cachoeiras. Nestes locais a equipe se insere em meio vegetao, exibindo e descrevendo

    caractersticas interessantes sobre plantas e animais que ali habitam. Neste contexto, muitas vezes

    so realizadas entrevistas com profissionais locais, como bilogos, ambientalistas, pesquisadores ou

    guias tursticos, que trabalham com os organismos exibidos ou mesmo com o ecossistema

    predominante naquele local. No raramente os reprteres e os entrevistados aparecem em cena

    interagindo com o ambiente natural que os rodeia, como podemos ver, por exemplo, no episdio

    Patagnia Chilena, no qual o reprter do programa exibe a r de Darwin em suas mos ao mesmo

    tempo em que ele fala sobre ela (trecho n. 45), ou ento no episdio Bichos So Francisco,

    quando a biloga entrevistada, em meio caatinga, exibe a armadilha utilizada para capturar sapos

    (trecho n. 2). O episdio Reprise frica est repleto de momentos nos quais toda a equipe de

    reportagem exibida em um contexto de ao, explorao e desbravamento das terras africanas.

    Estes exemplos mostram que o programa Terra da Gente, em certos momentos, se aproxima dos

    documentrios naturais do tipo adventure. Uma caracterstica marcante do programa Terra da

    Gente o destaque que este d prtica da pesca esportiva. Quase todos os vinte e sete episdios

    assistidos por ns continham trechos, s vezes bastante longos, que mostravam os reprteres

    praticando a pesca esportiva, e alguns destes episdios eram integralmente dedicados a tal prtica.

    Alm disso, o quarto e ltimo bloco de todos os episdios assistidos sempre dedicado culinria,

    no qual um convidado ensina a preparar um prato diferente a cada semana, geralmente trazendo

    peixe como ingrediente principal.

    No site oficial do programa Terra da Gente, na aba Quem somos, est exibida uma

    mensagem que, por meio de frases como Nossas matas e rios so reas ainda no totalmente

    conhecidas e nesse cenrio que convidamos voc a viver com a gente a aventura de muitas

    descobertas e Voc nosso convidado especial para conhecer o desconhecido, desvendar

    mistrios e entender que fazemos parte de tudo isso, demonstra o carter expositivo que o

    programa assume (UM CLIC..., [201-]). Entretanto, no possvel concluir apenas com esta

    mensagem que a educao ambiental faz parte dos objetivos do programa. Porm, isso no significa

    que o programa Terra da Gente no pode ser utilizado com fins educacionais. Seu carter

    expositivo faz dele um meio de educao informal e, alm disso, o programa possui algumas

    caractersticas que mostram que ele pode ser uma tima ferramenta de ensino na rea da ecologia.

    Em primeiro lugar podemos destacar o fato de este ser uma atrao televisiva, o que uma

    vantagem j que a televiso o meio miditico preferido pelas crianas e pelos estudantes

    (PEREIRA, 2002; TORUK, 2008 apud KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009, p.922). Em

  • 40

    segundo lugar, o Terra da Gente uma mdia audiovisual e, portanto, carrega consigo todas as

    vantagens educacionais que este tipo de mdia apresenta, como, por exemplo, a capacidade de

    transmitir informaes tanto por imagens quanto por sons, o que deixa a mensagem transmitida

    muito mais robusta quando comparada com sons e imagens separados, garantindo assim uma

    melhor compreenso e memorizao mais duradoura por parte dos alunos (BAGGETT, 1979 apud

    KOSMA, 1991, p. 13; BAGGETT, 1989 apud KOSMA, 1991; KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA,

    2009; KOSMA, 1991). Alm disso, crianas acham mais fcil aprender atravs de uma mdia

    audiovisual do que atravs de uma mdia escrita, como um livro didtico (SALOMON, 1983 apud

    KOSMA, 1991, p.12). Em terceiro lugar destacamos a forma com que o programa Terra da Gente

    estruturado, mesclando contedos de carter jornalstico (entrevistas) e de documentrios de vida

    selvagem (exibio de imagens nas quais predominam a flora e a fauna, acompanhadas por

    narraes que descrevem caractersticas delas), inclusive com momentos de ao que se aproximam

    dos documentrios adventure. Esta caracterstica um atrativo a mais aos estudantes, uma vez

    que os documentrios de vida selvagem apresentam grande popularidade em meio s crianas e aos

    jovens (DINGWALL; ALDRIDGE, 2006 apud STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010, p.

    21) e os jornais so vistos com credibilidade (KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009). Alm

    disso, o programa apresenta outras caractersticas que aumentam sua capacidade de atrair a ateno

    dos estudantes e conseguir um melhor aprendizado, como a utilizao de linguagem simples e bem

    humorada (SILVA; NETO, 2004), carter entretenedor e a no rotulao dele como programa de

    contedo cientfico (STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010).

  • 41

    RESULTADOS

    1. Programas de televiso mais assistidos

    A Tabela 1 mostra a lista dos programas que abordam temas ecolgicos mais assistidos

    pelos jovens entrevistados, acompanhada do numero de citaes que cada programa recebeu.

    2. Episdios analisados do programa Terra da Gente

    De todos os 27 episdios assistidos, apenas 16 apresentaram trechos que se relacionam com

    conceitos de nicho ecolgico, o que representa 59,26% do total. Dentre estes 16 episdios foram

    destacados 70 trechos que se encaixam em pelo menos uma das cinco categorias de nicho ecolgico

    (A, B, C, D e E). O Anexo 2 apresenta cada um dos trechos destacados juntamente com a

    classificao deles. As frequncias relativas, em porcentagens, com que as categorias de nicho

    ecolgico A, B, C, D e E aparecem nestes 70 trechos so ilustradas no Grfico 1.

    Grfico 1: Porcentagem com que as categorias de nicho ecolgico aparecem nos trechos selecionados.

    Categoria A: nicho de habitat ou nicho espacial; categoria B: nicho trfico; categoria C: nicho

    multidimensional; categoria D: nicho de recurso e categoria E: nicho funcional.

    Segundo o Grfico 1, a ordem decrescente de frequncia das categorias : C > D > B > A >

    E.

    0,00%

    10,00%

    20,00%

    30,00%

    40,00%

    50,00%

    60,00%

    70,00%

    80,00%

    90,00%

    100,00%

    A B C D E

  • 42

    O Grfico 2 mostra a frequncia relativa, em porcentagem, com que as diferentes

    combinaes de categorias de nicho ecolgico apareceram nos 70 trechos selecionados.

    Grfico 2: Porcentagem com que cada combinao entre as categorias de nicho ecolgico A, B, C, D e E

    aparecem em relao ao total de 70 trechos.

    Segundo o Grfico 2, a ordem decrescente de frequncia das combinaes de categorias :

    BCD > A > C > E > CD = BCDE > AC > ACD > ABCD > restantes, todas com 0 de frequncia.

    0,00%

    10,00%

    20,00%

    30,00%

    40,00%

    50,00%

    60,00%

    70,00%

    80,00%

    90,00%

    100,00%

    A

    B

    C

    D

    E

    A

    B

    A

    C

    A

    D

    A

    E

    B

    C

    B

    D

    B

    E

    C

    D

    C

    E

    D

    E

    A

    B

    C

    A

    B

    D

    A

    B

    E

    A

    C

    D

    A

    C

    E

    A

    D

    E

    B

    C

    D

    B

    C

    E

    B

    D

    E

    C

    D

    E

    A

    B

    C

    D

    A

    B

    C

    E

    A

    B

    D

    E

    A

    C

    D

    E

    B

    C

    D

    E

    A

    B

    C

    D

    E

  • 43

    DISCUSSO E ANLISE DOS DADOS

    Antes de tudo importante deixar claro que em nenhum momento o termo nicho ecolgico

    citado no programa e tambm que nenhuma tentativa de explicar o que seria nicho ecolgico

    feita. Todas as anlises realizadas por este trabalho se baseiam em trechos contendo falas e imagens

    que se aproximam das concepes de nicho ecolgico apresentadas aqui.

    1. Categorias de nicho ecolgico

    A partir dos grficos 1 e 2 podemos compreender como as concepes de nicho ecolgico

    so reconhecidas no programa Terra da Gente. Porm, para melhor interpretarmos estes grficos

    preciso primeiro entender como as cinco categorias de concepes se relacionam.

    Ao compararmos as categorias B, C e D de nicho, percebemos uma forte sobreposio entre

    elas. Essa sobreposio se d pelo fato das definies que caracterizam cada uma destas categoria

    compartilharem de certos componentes.

    Na definio de nicho trfico (categoria B), o principal parmetro utilizado para se

    reconhecer o nicho ecolgico de um organismo seu hbito alimentar (VANDERMEER, 1972).

    Contudo, o alimento de um organismo pode ser considerado um recurso ambiental explorado por

    ele, de forma que hbito alimentar tambm se enquadra como um parmetro includo na definio

    de nicho de recurso (categoria D). Apesar de todo alimento ser um recurso, nem todo recurso

    alimento. gua, oxignio, CO2, radiao solar, materiais para construo de ninhos etc. so

    exemplos de recursos ambientais. Estes, por sua vez, esto includos, juntamente com as condies

    ambientais, na ampla gama de parmetros que definem o nicho multidimensional de um organismo

    (categoria C). Assim, pode-se afirmar que a categoria B est includa na categoria D, e que esta, por

    sua vez, est includa na categoria C (Figura 1). As categorias A (nicho de habitat) e E (nicho

    funcional) no apresentam sobreposio com nenhuma outra categoria porque no compartilham

    parmetros com elas (Fig. 1).

  • 44

    Figura 1: Esquema ilustrativo de como as categorias de nicho ecolgico se sobrepe. A = categoria A; B

    = categoria B; C = categoria C; D = categoria D; E = categoria E.

    A forma com que as categorias B, C e D se sobrepem influencia na frequncia com que

    essas categorias aparecem nos trechos selecionados. Isso ocorre porque, devido s sobreposies,

    impossvel que a categoria B aparea sem estar acompanhada das categorias D e C, assim como a

    categoria D sempre vai estar acompanhada da C. Portanto, sempre que o hbito alimentar de um

    organismo for citado, o trecho ser classificado como BCD. Quando a explorao de outro recurso

    que no seja alimento for citado, a classificao ser como CD. A categoria C aparece isoladamente

    apenas quando so citadas as condies ambientais necessrias para a sobrevivncia do organismo

    que no se enquadrem como recursos. Essa relao entre as categorias B, C e D explica, em parte,

    os resultados obtidos no Grfico 1, que mostra a categoria C como mais frequente do que a D, e

    esta, por sua vez, mais frequente do que B. Contudo, sabendo que as frequncias de B, D e C foram,

    respectivamente, 20,8%, 24,83% e 34,23%, podemos dizer que, dos 34,23 pontos percentuais que a

    categoria C apresentou, 20,8 destes pontos vm da citao dos hbitos alimentares dos organismos,

    4,03 vm da citao de recursos, que no alimentos, explorados pelos organismos e apenas 9,4

    pontos percentuais vm da referncia s condies ambientais importantes para a sobrevivncia do

    organismo. Essa anlise corroborada pelos resultados do Grfico 2, que mostra a combinao

    BCD com uma frequncia muito mais alta do que a combinao C, alm da ausncia de trechos

    classificados como combinao B e combinao D.

  • 45

    J as categorias A e E, por no se sobreporem a nenhuma outra categoria, no sofrem de

    dependncia e podem aparecer em qualquer tipo de combinao. A categoria A surge somente

    quando citado o local onde determinada espcie habita (como, por exemplo, o nome de um

    parque, de um rio ou uma regio geopoltica) e a categoria E aparece apenas quando transmitida a

    ideia de funo de um organismo em sua comunidade. Assim, a classificao de um trecho como

    BCDE, por exemplo, significa que este trecho associou os hbitos alimentares de um organismo

    funo exercida por este em sua comunidade. Da mesma forma, trechos classificados como AC,

    ACD e ABCD mostram que, nestes trechos, o local habitado pelo organismo foi associado, ou ao

    menos citado em conjunto, s condies ambientais importantes ao organismo, aos recursos

    explorados por este e aos hbitos alimentares deste, respectivamente.

    No Grfico 2, a maior frequncia relativa foi da combinao BCD, o que nos mostra que o

    programa Terra da Gente tem uma forte tendncia a descrever os hbitos alimentares dos

    organismos (em sua maioria animais) que aparecem nas cenas. Em segundo lugar, porm bem

    abaixo do primeiro, temos a combinao A, o que mostra que o programa, em alguns momentos,

    aponta os locais onde os organismos exibidos habitam. A combinao C aparece em terceiro lugar,

    pouco abaixo da combinao A, o que significa que as condies ambientais importantes para a

    sobrevivncia das espcies retratadas so expostas em alguns momentos, porm poucos (12,86%

    dos trechos). Em quarto lugar, mas com baixa frequncia, temos a combinao E, que mostra que o

    programa, em raros momentos (7,14% dos trechos), faz menes funo dos organismos de

    maneira isolada. A categoria E bastante interessante porque, ao expressar a ideia de funo de um

    organismo, ela mostra ao telespectador como uma cadeia de aes e reaes conectam os

    organismos participantes de uma comunidade. Apesar da definio de nicho funcional (categoria E)

    no ser a mais apropriada para ser tomada como definio consensual de nicho ecolgico, a

    mensagem que ela transmite tem bastante valor por mostrar como os organismos so

    interdependentes. Por esse motivo seria interessante que a ideia por trs da categoria E estivesse

    mais presente em um programa com potencial para a alfabetizao cientfica, principalmente

    quando relacionada s categorias B e especialmente D, que so aquelas que melhor conceituam

    nicho ecolgico. Assim, seria prefervel encontrar uma maior frequncia das combinaes BCDE,

    que teve baixssima frequncia (apenas 5,71%), e CDE, que nem ao menos apareceu.

    A partir da quinta colocao aparecem as combinaes CD (5,71%), BCDE (5,71%), AC

    (4,14%), ACD (2,82%) e ABCD (1,43%). Todas elas so combinaes de referncias a condies

    ambientais e/ou recursos e/ou alimentos aliados funo ou ao habitat dos organismos exibidos,

    porm apresentam baixssimas frequncias. As combinaes restantes no apareceram no programa.

  • 46

    Portando, baseando-se nos grficos 1 e 2, podemos afirmar que, em relao aos temas estudados por

    este trabalho, e numa ordenao do mais ao menos frequente, o programa Terra da Gente exibe

    contedos relacionados : alimentao dos organismos (geralmente animais) (concepo B: nicho

    trfico); habitat (concepo A: nicho de habitat); condies ambientais importantes sobrevivncia

    dos organismos retratados (concepo C: nicho multidimensional); funo dos organismos em suas

    comunidades e ecossistemas (concepo E: nicho funcional) e, finalmente, recursos (exceto

    alimento) explorados pelos organismos (concepo D: nicho de recurso). dado destaque

    principalmente aos hbitos alimentares dos organismos e, em segundo lugar, aos locais onde estes

    habitam. Porm, as relaes destes organismos com as variveis ambientais, com as suas

    comunidades e com os recursos disponveis (exceto alimento) so pouco exploradas.

    2. Programa Terra da Gente

    A utilizao de materiais de divulgao cientfica, como uma revista ou um programa de

    televiso, em sala de aula cria um clima informal que pode despertar o interesse dos alunos pela

    cincia e tambm contribuir para o aprendizado deles (KIRIKKAYA, ISERI E VURKAYA, 2009;

    SILVA; NETO, 2004; STOKLMAYER, RENNIE E GILBERT, 2010). Portanto, a utilizao em

    sala de aula de episdios selecionados do programa Terra da Gente pode auxiliar no ensino de

    conceitos ecolgicos. Contudo, apenas a exibio do programa no suficiente para que conceitos

    ecolgicos sejam aprendidos. Ao levarmos em considerao que o programa Terra da Gente

    trabalha com temas ecolgicos e que o conceito de nicho ecolgico tem fundamental importncia

    para a compreenso da ecologia, seria de se esperar que o programa fizesse referncias a uma ou

    mais concepes de nicho com frequncia relevante. Entretanto estas referncias foram

    reconhecidas em apenas 59,26% dos episdios amostrados, fato que expe a falta de compromisso

    por parte do programa com uma educao ecolgica mais cientfica. Portanto, a presena do

    professor de fundamental importncia, pois ele quem deve guiar seus alunos na construo da

    base de conhecimento necessria para a compreenso dos conceitos ecolgicos, de forma que os

    episdios do programa seriam utilizados apenas como ferramentas auxiliares ao processo de ensino,

    trazendo exemplos reais e dinmicos dos conceitos a serem trabalhados em sala de aula. Alm

    disso, Kosma (1991) mostra que quando os alunos assistem a um vdeo com o compromisso de

    aprender, a compreenso das informaes transmitidas maior do que quando o mesmo vdeo

    assistido com fins recreativos. Portanto faz parte dos deveres do professor incentivar este

    compromisso em seus alunos. A aplicao de um questionrio aps a exibio do vdeo um

    exemplo de como este compromisso pode ser criado (Kosma, 1991).

  • 47

    Para auxiliar o ensino do conceito de nicho ecolgico, poderiam ser utilizados os episdios

    que mais contenham trechos cuja classificao apresente a categoria D, ou seja, trechos que

    descrevam os recursos utilizados pelos organismos retratados. Caso o episdio escolhido contenha

    trechos cuja classificao apresente a categoria D acompanhada pela B, cabe ao professor esclarecer

    aos seus alunos que o alimento explorado por um organismo no o nico recurso que define o

    nicho ecolgico ocupado por este.

    A grande frequncia com que a categoria B apareceu nos trechos analisados nos permite

    supor que alguns episdios do programa poderiam ser utilizados no ensino do conceito de cadeia ou

    teia alimentar. Dentre nossa amostragem, 13 dos 16 episdios que contm referncias s

    concepes de nicho ecolgico apresentam a categoria B, porm aqueles em que esta categoria

    mais presente so Reprise frica e Parque Cristalino Aves.

    O programa Terra da Gente tambm pode ser utilizado no ensino do conceito de habitat.

    Os episdios recomendados para este fim seriam aqueles que apresentam trechos cuja classificao

    inclua a categoria A (para ensinar o conceito de habitat como o local habitado pelo organismo), ou

    ento que seja formada somente pela combinao C (para ensinar o conceito de habitat como a

    regio que agrega todas as condies ambientais exigidas e suportadas pelo organismo).

    Apesar de a categoria E ter sido identificada em poucos trechos, a noo que ela transmite

    de interdependncia entre os organismos bastante importante para a compreenso da ecologia.

    Assim, seria interessante exibir aos estudantes episdios do programa que