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ANDRÉA D’ÁVILA DA SILVA AS CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DOS CADERNOS PEDAGÓGICOS DE BIOLOGIA E O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO CIENTÍFICO UNISAL AMERICANA - SP 2013

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ANDRÉA D’ÁVILA DA SILVA

AS CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DOS CADERNOS

PEDAGÓGICOS DE BIOLOGIA E O DESENVOLVIMENTO

DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO CIENTÍFICO

UNISAL

AMERICANA - SP

2013

ANDRÉA D’ÁVILA DA SILVA

AS CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DOS CADERNOS

PEDAGÓGICOS DE BIOLOGIA E O DESENVOLVIMENTO

DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO CIENTÍFICO

Dissertação apresentada ao Centro

Universitário Salesiano de São Paulo, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em Educação, sob a orientação

Profª. Drª. Maria Luisa Bissoto.

UNISAL

AMERICANA - SP

2013

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Maria Luisa Bissoto

UNISAL

Profa. Dra. Brígida Pimentel Villar de Queiroz

UNISAL

Prof. Dr. Antonio Carlos Miranda

UNISAL

AGRADECIMENTOS

A Deus pela sua infinita graça e misericórdia em minha vida.

A minha querida irmã Adriana D´Ávila da Silva que não mediu esforços para que

este sonho se concretizasse.

A minha mãe Maria Conceição D´Ávila da Silva pelo estímulo diário e apoio contínuo

para que este trabalho fosse concluído com êxito.

A minha orientadora Profª. Drª. Maria Luisa Bissoto, minha gratidão pela orientação,

experiência, dedicação e acima de tudo apoio para a realização deste trabalho.

Aos professores, funcionários e alunos da EE. Profº. Djalma Octaviano pelo convívio

diário.

Aos meus queridos amigos Adriano Januário, Ednalva Rosa Bergamasco, Edilene

Batista Oliveira, Maisa Tossani Rosa, Maria Raineldes Tosi, Ellen Vitório, Elizabete

Zanuncio e José Carlos Guireli, pelo encorajamento sempre presente e por

acreditarem na realização deste trabalho.

Aos colegas de turma pelo convívio, conversas e bons momentos compartilhados,

em especial com Silvia Elias e Mauro Santana que foram os meus companheiros de

viagem durante o curso de Mestrado em Educação Sociocomunitária do UNISAL –

Americana.

"(...) se você tem um sonho, ele será

apresentado no melhor momento. Não

somos nós que produzimos o sonho; o

sonho é que molda a nossa vida. É o sonho

que transforma nosso destino e as

circunstâncias em que vivemos. Deus

concede um sonho a todo indivíduo, ou

nação, antes de abençoá-lo (...)".

David Yonggi Cho

RESUMO

O objetivo da presente dissertação é verificar o nível de alfabetização

científica e de autonomia do pensar as questões relacionadas à Biologia no

cotidiano obtidos pelos alunos ao final do primeiro ano do Ensino Médio.

Metodologicamente realizamos uma pesquisa bibliográfica e a análise da proposta

para o ensino de Biologia como apresentados na proposta curricular do Estado de

São Paulo e nos cadernos de Biologia, que referenciam a mesma. Como referencial

teórico foi empregada a epistemologia de Gaston Bachelard, pela defesa que esse

autor faz da importância de que o pensar científico seja autônomo e criativo. A

dissertação assim se estrutura: uma breve revisão da História do Ensino das

Ciências no Brasil; seguida da análise crítica desse ensino nos dias atuais no Estado

de São Paulo; passando a seguir para a visão do Filósofo Bachelard; completando

com a comparação da teoria proposta por esse autor com a “prática” do ensino de

Biologia como apontado pelos Cadernos de Biologia, da rede estadual de ensino de

São Paulo. Como resultados encontra-se que ainda não estamos conseguindo,

enquanto instituição escolar, desenvolver uma plena alfabetização científica com os

alunos, implicando numa dificuldade generalizada de construir hipóteses científicas

para problemas cotidianos, elaborar argumentações condizentes e verificar tais

hipóteses. Inter-relações mais consistentes e efetivas com questões que realmente

importam para esse aluno, em relação ao cotidiano, podem ser uma perspectiva de

encaminhar a defasagem encontrada.

Palavras-Chave: Ensino de Ciências, Proposta Curricular, Epistemologia de Bachelard, Autonomia, Educação Sociocomunitária.

ABSTRACT

The objective of this dissertation is to check the level of scientific literacy and

autonomy of thinking the issues related to biology in everyday obtained by the

students at the end of the first year of high school. Methodologically conducted a

literature search and analysis of the proposal for biology teaching as curriculum

presented in the State of São Paulo and biology books that reference the same. It

was used as a theoretical epistemology of Gaston Bachelard, the defense that the

author makes the importance of scientific thinking is autonomous and creative. The

dissertation is structured such as: a brief review of the history of science education in

Brazil, followed by critical analysis of this teaching nowadays in the State of São

Paulo, going forward for the vision of the philosopher Bachelard; completing the

comparison with the theory proposed by the author with the "practice" of teaching

biology as pointed out by the Notebooks of Biology, the state schools of São Paulo.

The results is that we are not getting as educational institutions, develop a full

scientific literacy with students, implying a widespread difficulties in building scientific

hypotheses to everyday problems, develop consistent arguments and verify such

assumptions. Interrelations more consistent and effective with issues that really

matter to the student in relation to daily life, can be a prospect of sending the lag

found.

Keywords: Science Teaching, Curriculum Proposal, Epistemology of Bachelard,

Autonomy, Education socio-communitarian.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Atividade de pesquisa proposta no caderno do aluno.....................................................................................

114

Figura 2 - Representatividade do número de casos de ascaridíase no caderno do aluno................................................................

114

Figura 3 - Exercícios propostos no caderno do aluno a partir da análise do gráfico anterior..................................................

115

Figura 4 - Relação entre o comprimento da perna e do antebraço de vários alunos no caderno do professor..............................

117

Figura 5 - Exemplo de possível gráfico relacionando complemento da perna e do antebraço de vários alunos no caderno do professor..............................................................................

117

Figura 6 - Tabela 9 - Relação entre porcentagem de alunos na escola e porcentagem de alunos analfabetos em 11 cidades (dados fictícios) – caderno do professor...............................

118

Figura 7 - Gráfico 4 - Relação entre porcentagem de alunos na escola e porcentagem de alunos analfabetos em 11 cidades (dados fictícios) – caderno do professor..................

119

Figura 8 - Exercícios propostos para os alunos resolverem no caderno do professor..........................................................

120

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATPC................................................... Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo

CEB..................................................... Câmara de Educação Básica

CNE..................................................... Conselho Nacional de Educação

ENEM.................................................. Exame Nacional do Ensino Médio

IBGE.................................................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP.................................................... Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa

LDB................................................ ...... Lei de Diretrizes e Bases

LDBEN.............................................. ... Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC..................................................... Ministério da Educação

ONGs................................................... Organizações Não-Governamentais

PCNs.................................................... Parâmetros Curriculares Nacionais

PIBID.................................................... Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência

PISA..................................................... Programme for International Student Assessment

PUCCAMP........................................... Pontifícia Universidade Católica de Campinas

SARESP.............................................. Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

SEE/SP................................................ Secretaria de Estado de Educação de São Paulo

SENAC................................................. Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI.................................................. Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SESP……………………………………. Secretaria de Educação de São Paulo

UNESCO.............................................. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNICAMP............................................ Universidade Estadual de Campinas

USAID..................................................

U.S. Agency for International Development - Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional

USP...................................................... Universidade de São Paulo

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................ 12

CAPÍTULO I - O ENSINO DE CIÊNCIAS: ESCORÇO HISTÓRIC O...... 15

1.1. As Ciências na Colônia................................................................... 16

1.1.1 Museu Nacional do Rio de Janeiro.......................................... 18

1.1.2 Colégio Pedro II....................................................................... 23

1.2. Final do Século XIX e a Primeira Metade do Século XX.................. 25

1.2.1. O Positivismo........................................................................ 26

1.2.2. O Pragmatismo...................................................................... 32

1.3. O Manifesto dos Pioneiros e seus Desdobramentos na Educação

Brasileira........................................................................................... 37

1.4. Análise das Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946............. 45

1.5. Três Décadas Conturbadas: 1960, 1970 e 1980.............................. 49

1.6. Sumarização do Capítulo................................................................. 55

CAPÍTULO II - O BRASIL PÓS 1988 E A IMPLANTAÇÃO DA LEI DE

DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LDBEN), N.

9394/96................................................................................................

57

2.1. O Ensino Médio na Perspectiva da Constituição de 1988 e da

Nova LDB.......................................................................................... 57

2.1.1. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96

(LDBEN)................................................................................... 59

2.2. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e o Ensino de

Ciências/Biologia............................................................................... 64

2.3. Sumarização do Capítulo................................................................. 84

CAPÍTULO III – A VISÃO EPISTEMOLÓGICA DE BACHELARD. ....... 87

3.1. A Epistemologia do Ponto de Vista de Bachelard............................ 89

3.1.1. Contexto Cultural: Crítica às Filosofias do Imobilismo............ 90

3.2. Racionalismo Aplicado e Imaginação Criadora................................ 92

3.3. Realidade Científica e Imaginação: Sonho e Devaneio................... 92

3.4. Educação como Formação e Reforma............................................. 94

3.4.1. Uma Pedagogia Intersubjetiva: Racionalismo 95

Professor/Aluno......................................................................

3.4.2. A Pedagogia em Bachelard.................................................... 96

3.5. A História das Ciências.................................................................... 99

3.6. O Papel do Professor....................................................................... 103

3.7. Os Obstáculos à Aprendizagem....................................................... 105

3.8. Sumarização do Capítulo................................................................. 107

CAPÍTULO IV - Ensino de Biologia: Do Ideal à Prátic a...................... 108

4.1. Análise do Impresso do “Currículo do Estado de São Paulo”.......... 108

4.2. A Disciplina de Biologia na Visão da Proposta Curricular................ 110

4.3. Análise do Material na Vertente Bachelardiana............................... 113

4.4. Realidade em uma Unidade Escolar................................................ 124

4.5. Plano Gestão para 2011................................................................... 126

4.6. A pesquisa com os alunos................................................................ 128

4.7. Análise dos Questionários................................................................ 130

4.7.1. Conjunto das Respostas....................................................... 131

4.7.2. Análise de Cada Orientação em Particular........................... 131

4.7.3. Entrevistas............................................................................. 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ..................................... 138

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... .............................. 143

12

INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem como objetivo central verificar o nível de

alfabetização científica alcançado pelo aluno, que chega ao primeiro ano do Ensino

Médio. No Estado de São Paulo a Secretaria de Educação (SESP), para as escolas

de seu sistema de ensino, elaborou caderno pedagógico de Biologia para o Ensino

Médio, que se alinha com temas e concepções epistemológicas propostos nos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ministério da Educação (MEC), que

se propõem a favorecer a construção do conhecimento científico de maneira crítica e

proporcionar o desenvolvimento da autonomia do pensar, da argumentação e da

configuração cognitiva para uma forma científica de entender os fenômenos do

mundo; enfim, daquilo que podemos chamar de uma alfabetização científica efetiva.

A questão central posta foi, então, se tal material didático torna possível, de

fato, trabalhar os conhecimentos em Ciência, Tecnologia e Sociedade, com o fim de

despertar a consciência para a prática de uma cidadania reflexiva, responsável e

geradora de transformações de sua realidade; como anunciado em seus

pressupostos.

Nossa opção metodológica depois do aprofundamento das questões teóricas

e análise dos documentos oficiais foi realizar uma investigação qualitativa, na

modalidade estudo de caso, numa escola da rede estadual do município de

Campinas (SP), com duas classes do primeiro ano do Ensino Médio.

A referência teórica levará em consideração os fundamentos

epistemológicos propostos Gaston Bachelard. A escolha deste autor se deve ao fato

de seu trabalho apresentar uma ruptura epistemológica entre a ciência

contemporânea e o senso comum, propondo um novo espírito científico, que até

então se baseava nos limites do positivismo e do empirismo/pragmatismo.

O ensino de ciências apresenta atualmente uma constante preocupação em

ter como finalidade central a alfabetização científica em toda a formação básica.

Esta preocupação encontra fundamento na medida em que percebe a necessidade

de preparar os alunos para atuar no mundo globalizado, repleto de tecnologia e

produção científica.

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A alfabetização científica também promove a inclusão social das pessoas na

medida em que facilita a leitura do mundo em que vivemos, tornando-os críticos e

capazes, a fim de transformar a sua realidade de maneira significativa, melhorando

sua qualidade de vida e dos outros que estão em seu entorno. Com o acesso aos

conhecimentos científicos e tecnológicos, haveria solução a respeito de vários

problemas que ocorrem no cotidiano das pessoas, tais como relacionados à saúde,

sobrevivência, além da consciência que se deve desenvolver entre ciência e

sociedade (FURIO, et al., 2001).

É importante que se entenda por alfabetização científica, de acordo com

Sasseron e Carvalho (2011) que essa corresponde ao domínio dos três eixos:

Compreensão básica de termos, conhecimento e conceitos científicos fundamentais.

O objetivo do ensino de ciências pretende destacar a formação cidadã dos

estudantes para dominar e usar os conhecimentos científicos e seus

desdobramentos nas diversas áreas de sua vida. De um modo geral as

preocupações com o ensino de ciências são norteadas pela construção de

benefícios práticos para as pessoas, a sociedade e o meio ambiente.

A concepção do ensino de ciências espera promover nos alunos condições

para que sejam inseridos em mais uma cultura, no caso, a cultura científica.

Possibilitando assim aos alunos o acesso e a interação a uma nova cultura,

inovando na forma de como enxergam o mundo e os fatos que nele acontecem,

podendo não somente transformá-los, mas a si mesmos por meio de vivências que

interajam com os saberes e os conhecimentos científicos além das habilidades

relacionadas ao fazer científico.

A alfabetização científica é um conceito complexo sendo apresentada por

alguns estudiosos sob diversas formas e imprescindíveis de serem observadas e

compreendidas em diferentes situações.

O capítulo I se refere à reconstrução histórica do panorama de ensino de

Ciências no Brasil desde a Colônia até os primórdios do século XX, trabalhando as

origens da educação brasileira e como paulatinamente foi implantada a noção de

Ciências no ensino.

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O capítulo II se refere à revisão ampla da legislação e parâmetros

educacionais, que regulam e orientam o Ensino Médio e, mais especificamente, o

ensino de Biologia.

O capítulo III se inicia com a proposta epistemológica do filosófo Bachelard,

seguido da análise do projeto de ensino de biologia proposto pela Secretaria de

Estado de Educação de São Paulo (SEE/SP). Para melhor compreensão da

proposta do material elaborado pela SEE/SP (2010), foi feita a caracterização da

unidade escolar, complementada com a avaliação realizada por professores e

alunos a respeito da prática do ensino de biologia na referida unidade escolar.

O Capítulo IV se refere à análise dos exercícios propostos nos Cadernos de

Biologia, averiguando se contemplam os objetivos postos pela SEE/SP.

15

CAPÍTULO I

O ENSINO DE CIÊNCIAS: ESCORÇO HISTÓRICO

O objetivo deste capítulo é traçar um panorama do ensino de Ciências no

Brasil com vistas a entender as concepções dos manuais de ensino de Ciências

contemporâneos, que, se hipotetiza aqui, se mantém numa visão positivista de

conhecimento científico. Para realizar esse objetivo faremos primeiramente uma

breve reconstrução histórica da noção do ensino de Ciências. Essa reconstrução se

iniciará, na primeira seção, com a vinda dos jesuítas para o Brasil e com a

implantação do ensino vinculado às concepções religiosas cristãs.

Na sequência será apresentada a importância da vinda da família real

portuguesa em 1808 e as consequentes mudanças na estrutura educacional do

país. Abordaremos também as experiências institucionais do Museu Nacional e do

Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O objetivo aqui é reconstruir a noção de ciência

nessas experiências. Abordaremos também nessa seção as ações didático-

pedagógicas do notório Colégio Pedro II, como o primeiro a focalizar em seu

currículo “disciplinas científicas”.

Na terceira seção faremos uma apresentação em linhas gerais do desenrolar

da história da educação brasileira entre o final do século XIX e a primeira metade do

século XX. Nessa apresentação ocupará destaque duas correntes filosóficas e suas

influencias na estrutura educacional do Brasil, a saber, o positivismo e o

pragmatismo. Com isso, passamos para a importância do Manifesto dos Pioneiros

(1934) e o movimento da Nova Escola. Por fim, faremos uma análise das

Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946 no sentido de destacar a posição das

disciplinas científicas na estrutura curricular.

Na quarta e última seção faremos a apresentação de como se desenrolou a

estrutura educacional brasileira nas três décadas conturbadas da segunda metade

do século XX, a saber, as décadas de 1960, 1970 e 1980.

16

1.1. As Ciências na Colônia

Formalmente, o ensino de ciências no Brasil pode ter se iniciado com a

instalação dos Colégios dos jesuítas, em 1556. O currículo, embora aplicado no

Ensino Médio, se espelhava no que se estudava no ensino superior pelo conteúdo

típico das universidades europeias medievais de matriz jesuítica, ou seja, a

RatioStudiorum. Esse plano de estudos era subdividido em trivium com o conteúdo

de gramática, retórica e dialética e quadrivium, dentro do qual se iniciava os estudos

das ciências por meio da aritmética, geometria e astronomia, complementadas pela

música. Portanto, as Ciências Biológicas como conhecidas hoje em dia, eram

desconhecidas, o que mais se aproximava de um “curriculum” de Ciências era a

astronomia (TOSI, 2012, p. 51).

Em 1759, com o governo luso-brasileiro do Marques de Pombal, houve a

expulsão dos jesuítas também das nossas terras. O novo governante aboliu

oficialmente a RatioStudiorum, porém tal conteúdo perdurou na prática pela falta de

implantação de um novo modelo. Dessa forma, não restou aos professores leigos

outra alternativa, senão continuar a utilizá-lo, apesar de promoverem algumas

pequenas mudanças, de caráter insignificante. Ghiraldelli Jr. (1994, p. 20), afirma

que essa realidade esteve presente no Brasil por mais de duzentos anos “o que

mostra, de certa forma, a incapacidade do pensamento laico em superar a

organização da cultura forjada pelo catolicismo no Brasil” e que contribuiu com

vários elementos para a constituição da chamada Pedagogia Tradicional.

Até a segunda metade do século XIX as instituições científicas e educacionais

brasileiras não podiam ser comparadas com aquelas da América hispânica. A

educação colonial brasileira, sob a direção dos jesuítas, nunca ultrapassou o

equivalente à escola secundária; enquanto que em outros países sul-americanos,

como a Argentina, já possuíam instituições universitárias renomadas. Isso se devia,

em parte, à preocupação da Coroa com a ideia de que as instituições de ensino da

colônia pudessem de alguma forma, rivalizar com aquelas portuguesas. A Coroa

portuguesa impediu, assim, que os jesuítas instalassem na colônia a universidade

que desejavam como impediu a criação de qualquer tipo de imprensa que pudesse

contribuir para a disseminação de novas ideias.

17

Contudo, do ponto de vista não formal, para além da influência dos jesuítas

no ensino das Ciências através da Filosofia e da Astronomia, outras perspectivas de

produção e de divulgação do conhecimento das ciências naturais se fizeram

importantes.

De acordo com Schwartzman (2001), a abordagem de estudos científicos

prevalente no Brasil Colônia, até a Independência, fora do ambiente escolar dos

colégios jesuíticos, era a de uma ciência descritiva, baseada nos relatos e

descrições feitas por viajantes, que vinham ao Brasil para conhecer e desvendar sua

natureza misteriosa de Novo Mundo. O exotismo da sua fauna, flora, recursos

minerais e as próprias características da população, em especial indígenas e

africanos, acrescentando conhecimentos ao acervo de observações sobre a História

Natural que se acumulava na Europa. A Corte Portuguesa admitia e incentivava,

inclusive com contratações, naturalistas europeus designados para fazer o

levantamento das características do novo território e o mapeamento das diversas

regiões exploradas.

Em 1783, Alexandre Rodrigues Ferreira foi o primeiro naturalista brasileiro a

estudar em Coimbra, e teve a responsabilidade de analisar a fauna e a flora do

Brasil. Sua missão era descrever, recolher, apontar e remeter para o Museu Real de

Lisboa amostras de utensílios usados pela população local, bem como de minerais,

plantas e animais, além de tecer comentários filosóficos e políticos sobre o que visse

nos lugares por onde passasse. O trabalho de Ferreira exemplifica a visão de

produção científica da época, ao menos como pensada por Portugal - uma Ciência

que estava ligada à exploração da terra: conhecer para melhor utilizar.

Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, houve um

desenvolvimento rápido do meio cultural científico, principalmente na Capital

Federal, a cidade do Rio de Janeiro, com o surgimento de institutos técnicos e certas

atividades de pesquisa mais sistemáticas. Um exemplo desse desenvolvimento foi a

criação da academia de Guardas Marinha, no Rio de Janeiro, chamando-se mais

tarde Academia Naval, o Colégio Médico Cirúrgico da Bahia, e a Escola Médico

Cirúrgica do Rio de Janeiro, sendo as duas primeiras escolas de medicina do país.

18

Contudo as duas instituições mais importantes para a nossa pesquisa são o

Museu Nacional do Rio de Janeiro e a implantação do Colégio Pedro II. Na

sequência, serão apresentadas essas instituições do ponto de vista de suas

respectivas contribuições para o desenvolvimento da estrutura educacional científica

no Brasil.

1.1.1. Museu Nacional do Rio de Janeiro

Este merece destaque, pois se abriu como espaço para demonstrações de

fenômenos científicos, cedendo seu laboratório de química para aulas práticas

(1824), doando espécimes minerais, vegetais e animais para as escolas, mostrando-

se forte apoio para a disseminação do que hoje consideramos alfabetização

científica.

A visão predominante de cientistas estrangeiros na atividade do século XIX

colaborou por formar a própria base para o desenvolvimento científico no país,

contribuindo para a implantação e institucionalização do Museu Nacional,

destacando-se principalmente pela aplicabilidade das ciências naturais de

fundamental importância para as atividades que se desenvolviam no mesmo, tendo

caráter educativo e perspectiva de alcançar e melhorar os padrões científicos

almejados (FIGUEIRÔA, 2005).

A transferência da metrópole para colônia em 1808 trouxe mudanças

importantes para a institucionalização das ciências, não apenas com a criação de

instituições, mas com toda a estrutura necessária para o desenvolvimento de suas

atividades.

Se a "Casa dos Pássaros" [1784 - ca. 1812] foi um entreposto colonial e, como tal, desempenhou especificamente seu papel (compondo o projeto maior de funcionamento dos museus portugueses da Ajuda, de Coimbra ou da Academia de Ciências), o que se transferiu e se criou no Rio de Janeiro em 1818 foi um Museu metropolitano de caráter enciclopédico e universal. (...) nos anos 1890 (...), mais do que uma continuidade da tradição naturalista do Museu Nacional, [observa-se] ruptura entre o modelo de Museu Geral, "Metropolitano", enciclopédico, e o modelo dos museus cada vez mais especializados das províncias, que se afirmaram nas últimas

19

décadas do século, justamente em contraposição ao antigo Museu do Império. (LOPES, 1995, p. 330-31).

O Museu Nacional contribuiu para o desenvolvimento das atividades

científicas por meio de pesquisas que acabaram despertando as atividades

educacionais próprias.

O Museu Nacional desde suas origens, (...) já atuava como um centro irradiador e de apoio às atividades de ensino de Ciências Naturais, uma vez que as próprias coleções que constituíram as bases de seu acervo tratavam-se de coleções de estudo dos alunos da Escola Militar do Rio de Janeiro. Ao longo do século, o Museu não ministrou apenas aulas de História Natural e Mineralogia para a Escola Militar. O Museu compartilhou professores e cedeu salas, laboratórios, coleções e instrumentos para a Faculdade de Medicina, para as Escolas Normais da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, para os cursos isolados, como os de Química e Medicina Legal, para o Colégio Pedro II. (LOPES, 1995, p. 334).

No sentido de fortalecer e ampliar os estudos superiores no país de acordo

com a sua realidade:

Em diversas ocasiões o Museu ocupou o centro dos debates sobre a criação de cursos superiores de Ciências Naturais no Brasil. Desde o início da década de 1830, Custódio Alves Serrão planejou reformular o Museu Nacional do Rio de Janeiro, para que esse se encarregasse dos cursos de Mineralogia, Química, Física, Botânica e Zoologia que eram consideradas disciplinas acessórias na Faculdade de Medicina e na Escola Militar. De 1834 a 1851, os Ministros, o Senado e a elite científica da Corte discutiram a propriedade de se instalar uma Faculdade de Ciências Naturais no Museu, no contexto das conveniências de se criar uma Universidade no Brasil, que reunisse os cursos superiores já existentes. (...) Na década de 1870, a questão do papel educacional é retomada por Ladislau Netto que,... argumentava sobre a importância e a necessidade de se viabilizarem cursos públicos de nível superior, voltados especificamente para as Ciências Naturais desenvolvidas pelas diferentes seções do Museu. Para o final do século essas propostas seriam abandonadas, priorizando-se os cursos livres e regulares já em funcionamento no Museu para Conferências Públicas. (LOPES, 1995, p. 334).

20

Figueirôa (1998), afirma ser impossível desvincular percursos humanos e

institucionais do processo da construção científica, citado como exemplo o Museu

Nacional:

Os diretores do Museu se profissionalizavam e, nesse sentido, a própria história do Museu é também a da profissionalização científica nos diferentes ramos das Ciências Naturais, no bojo de sua institucionalização. (...) enfrentando toda a sorte de dificuldades levaram à frente suas missões, confundindo suas vidas e seus interesses pessoais e científicos com os das instituições que dirigiram, em geral por 10, 20 [anos] ou mais tempo ainda. (LOPES, 1995, p. 332).

Desde sua criação o Museu atuou em diversos focos de interesse científico,

por exemplo: a) manteve exposições no campo das ciências naturais, abertas ao

público; b) colaborou com as instituições educacionais, tais como escolas e

faculdades do Império; c) participou da educação por meio de cursos populares,

inaugurados em 1876.

Havia uma estreita interação entre o Museu Nacional e as instituições de

ensino do Período Imperial, devido a dois fatores: as instituições usavam as salas do

Museu para aulas práticas, principalmente o laboratório químico, e ainda recebiam

doação de material mineralógico, botânico e zoológico. Essa doação de material

tinha finalidade didática, embora não estivesse prevista em seus estatutos,

entretanto, essa relação do Museu Nacional com as escolas tornou-o “um centro

irradiador e de apoio às atividades de ensino das ciências naturais” (LOPES Neto,

apud SÁ e DOMINGUES, 1996, p. 80).

Havia uma aproximação entre o ensino de ciências e a história das ideias

científicas, especialmente com o conteúdo da Filosofia das Ciências, devido à

interação entre o Museu Nacional, que valorizava o conhecimento, as prelações, e,

os cursos, que passou a criar. Esse interesse ficou evidente quando o Ministério dos

Negócios do Império, ao qual o Museu Nacional estava subordinado, por meio de

seu Ministro, escreveu no relatório anual que seria importante criar um “acervo

zoológico, botânico, mineralógico e de utensílios indígenas no Museu”, bem como,

um “laboratório químico [...] equipado com instrumentos de física e mecânica”.

21

(Relatório do Ministério do Império referente a 1832, apud SÁ e DOMINGUES, 1996,

p. 80). O Ministro escreveu, que assim equipado, o Museu Nacional estaria em

condições de abrigar um Colégio de Ciências Físicas. Posteriormente, em 1834, o

ministro substituto reforçou a ideia da criação de uma Escola de Ciências Físicas no

Museu, acrescentando que a Biblioteca Nacional deveria ser enriquecida com mais

obras de história natural, bem como por relatos de naturalistas. Isso denotava o

desejo de acompanhar, naquilo que fosse possível, as tendências do pensamento

científico europeu.

O Museu Nacional no período de 1849 a 1876 contou com a importante

presença e contribuição nos trabalhos do professor e engenheiro Guilherme Schüch

de Capanema, que atuou como adjunto na Seção de Mineralogia e Geologia,

desenvolvendo pesquisas aplicadas, além de fazer outras associações científicas e

profissionais, como também comissões de levantamento de territórios e de formação

de profissionais de engenharia.

Segundo Figueirôa (2005), Capanema contribuiu muito para o

desenvolvimento científico e tecnológico dentro do Museu Nacional, com inúmeras

atividades que desenvolvia, como por exemplo, a invenção e produção do Formicida

Capanema, que foi comercializado até o início do século XX, sendo encontrado nos

arquivos do Museu dezenas de cartas que pessoas que usaram o produto e

expressaram o seu agradecimento. Capanema procurava criar uma cultura técnico-

científica produzida no país. Percebe-se que no período da colônia as ciências e

tecnologias estiveram presentes no Brasil, assumindo as características típicas e os

limites de cada contexto, inseridas de forma concreta nas instituições e nos seus

integrantes.

Com as reformas políticas e sociais de 1870, ocorreram várias mudanças no

ensino e na divulgação científica do país, tais como: (a) priorização do ensino em

geral, criação de novas escolas e mudanças nos currículos escolares e das

Faculdades; (b) quatro anos depois, em 1874, a Escola Central passou a ser

chamada Escola Politécnica e; (c) o Curso de Ciências Físicas e Matemática da

Escola Central foi subdividido nos cursos de “Ciências Físicas e Matemática” e

“Ciências Naturais e Matemática”. Estes novos cursos passaram a formar bacharéis

nestas especialidades (TELLES, 1984, apud SÁ e DOMINGUES, 1996, p. 80).

22

São os autores Sá e Domingues (1996) que indicam a existência de outras

iniciativas: em 1873 - divulgação de conhecimentos de Ciências Naturais, Geologia,

Antropologia, dentre outros, pela Sociedade Promotora da Instrução Pública; em

1874 - a criação da Escola Politécnica com os cursos de bacharelado em “Ciências

Físicas e Matemática” e “Ciências Naturais e Matemática”; de 1876-1886 - as

“Conferências Populares na Corte”, desenvolvidas por instituições como o Museu

Nacional, e, os “Cursos Públicos do Museu Nacional”; em 1876 tanto o “Curso

Popular de Química”, pela Escola Normal de Niterói, quanto à criação da Associação

de Estudantes da Faculdade de Medicina do Atheneu Acadêmico.

Como podemos observar a evolução do ensino das Ciências Naturais, em

especial por meio do esforço do Museu Nacional, avançava ano a ano, devido a uma

administração focada no enriquecimento e uso do acervo da Instituição, na criação

de cursos e na interação com as escolas e faculdades do Império. Em 1874,

Ladislau Netto procurou reativar o Laboratório Químico. Já se considerava o Museu

um gerador de conhecimentos nacional e internacional. Lacerda, em seu livro sobre

a história do Museu Nacional, publicado em 1905, ao início do regime republicano,

referiu-se ao Museu de História Natural e Antropologia, dizendo que “museus não

destinavam-se apenas a exibir coleções, mas também instruir o público com o

auxílio dessas coleções[...]”(LACERDA apud SÁ e DOMINGUES, 1996, p. 86).

Para os objetivos desta pesquisa destacamos o curso de Botânica, ministrado

por Ladislau Netto (1876), com as disciplinas morfologia, anatomia dos vegetais e

sua fisiologia. Havia espaço para a discussão de temas relacionados às Ciências

Naturais, aos novos conhecimentos, teorias e descobertas, que chegavam da

Europa. Como os debates públicos motivados pelas polêmicas surgidas com a teoria

evolucionista de Charles Darwin, em que os professores da Escola de Medicina

tiveram oportunidade de lá expor suas ideias sobre a nova teoria.

Com as dificuldades para manter os cursos públicos, a Administração do

Museu Nacional decidiu substituí-los por “conferências extraordinárias”, sendo que

cada professor expunha seus próprios trabalhos. Ao mesmo tempo observava-se um

encantamento do público por assuntos científicos.

23

Esse cientificismo iniciante e focado, sobretudo, no Rio de Janeiro, ganharia

considerável impulso no II Império, sob os auspícios de Dom Pedro II, grande

entusiasta das Ciências, a ponto de financiar o desenvolvimento de pesquisas

europeias, com recursos próprios e da Coroa (por exemplo, suportando

financeiramente os estudos de Graham Bell, que levaram à invenção do telefone).

1.1.2. Colégio Pedro II

Durante o século XIX, o relacionamento entre o Brasil e a França foi

importante fator de desenvolvimento das instituições científicas e educacionais

brasileiras. Lorenz (2002) argumenta que o desenvolvimento do conhecimento

científico na época do II Império sofreu uma grande influência francesa, que se

revelava, dentre outras, também na organização curricular e nos livros didáticos. A

organização do currículo seguia o padrão francês, com predominância dos estudos

das humanidades complementados pelos estudos das ciências sociais, de

matemática e de ciências.

Uma instituição modelo, nesse sentido, foi o Colégio Pedro II1, que pela

primeira vez apresentou na estrutura curricular um conjunto de disciplinas ditas

científicas: zoologia, botânica, mineralogia. Mais que isso, o Colégio Pedro II foi o

primeiro a designar e se especializar no ensino secundário. Mesmo o termo

“secundário” foi empregado pela primeira vez no país por esta instituição de ensino.

Para Zotti (2005) o termo “secundário” significa muito mais que indicar uma “posição”

do ensino, isto é, a sequência, “primeiro”, “segundo” etc. Para a autora ele designa

uma mudança profunda no currículo no sentido de proporcionar a elite da capital do

país no século XIX uma formação abrangente e que estivesse em consonância com

os desenvolvimentos científicos europeus, principalmente o francês. É de se notar

(cf. ZOTTI, 2005, p. 30-33) que o currículo nas escolas no período colonial não

1O Colégio Pedro II não foi o único no século XIX a implantar um novo currículo desvinculado do padrão confessional, embora ele seja central porque foi o primeiro a implantar um currículo com orientação científica. Havia outros colégios, tal como Liceu que possui o mesmo padrão curricular. Ou seja, embora o Colégio Pedro II seja central, ele não foi o único no período. Para mais detalhes sobre essas outras instituições de ensino, cf. MARTIZES e BOYNARD, 2010.

24

tinham a orientação científica, isto é, as ciências não eram ensinadas nas aulas

avulsas comuns no Brasil desse período anterior a fundação do Colégio, tampouco

nos colégios particulares no Município da Corte e nas províncias e sua inclusão no

currículo foi extremamente importante.

Essa nova orientação presente no Colégio Pedro II foi possível porque havia

condições econômicas, sociais e institucionais no Brasil desde a chegada da família

real. Segundo Zotti (2005) a família real portuguesa, no momento em que chega ao

Brasil, modifica as instituições aqui instaladas, isto é, o Brasil passa a não ser mais

“colônia”, mas sede do Império Português. Além disso, há a já conhecida “abertura

dos portos” para o comércio com a Inglaterra, afetando também as relações

econômicas que antes determinavam a elite do país. Com essas novas orientações,

a elite presente no Brasil começa a exigir outro tipo de formação educacional

(ZOTTI, 2005).

Foi nesse espírito de mudanças estruturais profundas no país que o Colégio

D. Pedro II foi criado em 2 de dezembro de 1837. Como se sabe (MARTINEZ,

BOYNARD, 2010 e ZOTTI, 2005) o Colégio tem como modelo a estrutura

educacional da França como principal inspiradora. Sob a monarquia de Luís Felipe e

sob Napoleão III o ensino secundário e o ensino superior eram estruturados na

forma de cursos visando à preparação profissional ampla. A influência das ideias

liberais, assim como o modelo advindo da França foram cruciais para se implantar

as linhas gerais de orientação do Colégio Pedro II, constituindo-se então como os

fios condutores de seu ensino.

Os modelos orientadores tiveram como objetivo central uma educação voltada

para os interesses do modo de produção capitalista implantado no Brasil e, portanto,

moldada principalmente pelos interesses da elite do país no período. Para essas

elites, adotar os marcantes e estruturados modelos de instituições de países

desenvolvidos, tais como foi o da França, significava a possibilidade de elevar o país

a uma condição similar de progresso e “civilização”. Esses modelos, por exemplo, se

expressam na adoção do material didático utilizado na escola. O uso dos livros

didáticos até o século XIX no Colégio Pedro II, em sua maioria eram franceses,

devido à falta de livros nacionais. Considerando as ciências, foi adotado o livro La

physique reduite em tableaux raisonnees, de Etienne Barruel. Na segunda metade

25

do século XIX, por inspiração de nova pedagogia francesa, diminuiu-se a

importância dos estudos de Ciências Naturais. Em seu lugar priorizaram-se os

estudos das Ciências Humanas. Foi somente no final do século XIX, com a

penetração em nosso país dos ideais, também de influência francesa, dos

Positivistas, que recrudesceu o interesse científico e, por consequência, a promoção

da educação científica em terras brasileiras (LORENZ, 2002).

No que diz respeito ao currículo escolar, este representa uma seleção e

organização de certas áreas do conhecimento a partir do critério de significação que

representam com o fim de assegurar sua transmissão às novas gerações. O ensino

secundário no Brasil, enquanto tipo de ensino destinado à formação da elite, teve o

seu currículo formulado em termos de uma cultura geral em que predomina o caráter

clássico-humanista, sem dúvida um dos traços da influência francesa.

Desde sua fundação o Colégio Pedro II, no plano de estudos do Regulamento

n.8, embora ainda predominassem os estudos literários, abriu-se aí um espaço para

as ciências, a história e as línguas modernas, que antes não havia. As disciplinas

seriam: línguas latina, grega, francesa e inglesa, retórica; os princípios gerais de

geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, botânica, química, física,

aritmética, álgebra, geometria, e astronomia (ZOTTI, 2005). É possível, então,

perceber a forte tendência ao ensino universalista e enciclopédico, que será

característica dos estudos secundários durante todo o Império e início da República.

Contudo, temos que destacar aqui a inclusão das disciplinas de cunho científico, tais

como zoologia, mineralogia, botânica, química, física e astronomia.

1.2. Final do Século XIX e a Primeira Metade do Séc ulo XX

O final do século XIX foi marcado por profundas transformações devido às

Revoluções: Francesa, Americana e Russa. No bojo dessas revoluções políticas e

influenciadas pela Filosofia estavam novas teorias, das quais destacamos o

positivismo e o pragmatismo. No Brasil, podemos destacar também que nesse

período houve uma importante movimentação em torno do tema da educação

pública. Um dos indícios dessa movimentação foi o Manifesto dos Pioneiros (1932),

26

assim como o movimento da Escola Nova. Essas tendências foram cruciais para

designar o lugar da educação nas Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946.

Far-se-á aqui a apresentação desse desenvolvimento histórico.

1.2.1. O Positivismo

Por positivismo entenda-se a corrente filosófica que surgiu na França, por

meio de Augusto Comte, no começo do século XIX, ganhando força ao final desse

século por toda a Europa, influenciando também o Brasil até os meados do século

XX.

Para essa Filosofia a única forma de conhecimento verdadeiro é a científica,

comprovada por meio de métodos experimentais válidos. Qualquer outro

conhecimento que não esse é considerado como crença, ou superstição, impeditivas

do avanço das ciências.

O pensamento comtiano tenta recuperar e superar o distanciamento entre

filosofia e as ciências positivas, que até então eram vistas e tratadas como não

harmoniosas, propondo assim, uma relação de interação, garantindo os princípios

de ordem, progresso e “amor”. As concepções positivas estão fundamentadas nas

leis naturais e, assim, independentes da subjetividade humanas: única forma de se

assegurar a “verdade” do mundo. A concepção positivista admite a existência de um

mesmo fazer científico tanto das ciências naturais como das ciências sociais,

contudo, propõe a observação dos fenômenos de ambas as ciências de forma

objetiva, como a primeira fase do método positivo, direcionado para a compreensão

do real e do plausível, de tudo que é palpável e tangível à inteligência humana.

Quando entendido como filosofia, o positivismo se caracteriza pela expressa

confiança nos benefícios da ordem social, no otimismo em relação ao progresso

capitalista (à época de Comte impulsionado pela industrialização), exigindo dos

trabalhadores tanto o conhecimento tecnológico como o culto à ciência, além da

valorização do método científico, no conjunto tendo como objetivo a reforma

intelectual e moral da sociedade (OLIVEIRA, 2010).

27

Brandão (2011) caracteriza o positivismo como uma ampla corrente de

pensamento que se baseava no ideário de que a ciência seria o único caminho para

o conhecimento real, se sobrepondo sobre outras formas de conhecimento. O

positivismo encontra nas ciências naturais uma metodologia de conhecimento muito

segura de seus parâmetros de experienciação, pretendendo estendê-los para as

ciências humanas e sociais.

Comte (1798-1857) procurou desenvolver um conhecimento para ser usado

como base educacional pela sociedade a fim de promover uma evolução nas

relações sociais:

O estado positivo, tido por Comte como estado de virilidade da nossa inteligência, representa uma ruptura radical com a postura metafísica. As questões filosóficas tradicionais que nortearam séculos de discussão, como a origem e destino das coisas, bem como a sua essência, etc., são substituídas por questões que remontam diretamente ao observável. Com efeito, o importante nesse estado não é conhecer as causas dos fenômenos, mas pesquisar, através da observação, as leis que explicam as relações existentes entre eles. O estado positivo, portanto, é o estado científico. Seria o momento do pensamento em que o conhecimento científico teria alcançado sua mais alta perfeição, a ponto de servir de modelo para a reorganização da sociedade como um todo. (BRANDÃO, 2011, p. 83).

Os fatos sociais ainda não eram adequados para o pensamento científico de

Comte, pois as relações do homem com a sociedade ainda não contemplavam a

cientificidade proposta. Assim surge a sociologia caracterizada como uma ciência de

observação, recebendo o nome de física social para poder estudar os fenômenos

sociais.

Brandão (2011) diz que toda ciência para ter sua expressão máxima na visão

de Comte era tratada como física. Sejam quais forem os fenômenos astronômicos,

químicos, fisiológicos são tratados como físicos. Para Comte os fenômenos sociais

também receberiam o mesmo tratamento, porém afirmava não pretender alcançar os

mesmos resultados com os estudos dos fenômenos sociais que obtinha com as

outras áreas das ciências naturais.

28

O papel da sociologia, ou física social, é buscar na história (enquanto reunião de fatos), através do estudo aprofundado do passado, uma explicação verdadeira do presente e uma demonstração geral do futuro. Ou seja, cabe à sociologia estabelecer as relações mútuas dos fatos sociais e compreender suas influências no conjunto do desenvolvimento humano, permitindo, assim, uma evidenciação, por meio de leis naturais, das diversas tendências próprias de cada época. Os resultados dessas investigações devem poder orientar o homem político, no que diz respeito à descoberta e instituição de formas práticas que venham evitar ou suavizar as crises na sociedade. Isso porque nessa ordem de fenômenos, assim como em qualquer outra, Comte vai dizer que a ciência conduz à previsão e esta permite regularizar a ação. (BRANDÃO, 2011, p. 85-86).

O ideário de Comte era propor um escopo para as ciências, cuja

característica comum era o emprego do método positivista, no qual a explicação de

todos os fenômenos se baseava no método positivo. Além de destacar que uma

ciência dependeria de outra, formando uma grande cadeia para atingir seus

objetivos.

No positivismo a classificação das ciências ficou do seguinte modo:

matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia, constituindo o

panorama geral da filosofia positivista. Ansiando assim, pela possibilidade de uma

renovação social, Comte acreditava que sua ideia pudesse ser usada como base

educacional por todos os cientistas, pretendendo somente promover uma unidade

de método e não uma unidade das ciências.

Desde o final do século XIX e ao início do século XX, ou seja, nos primórdios

do período republicano, o Brasil caminhava paralelamente com a França, em termos

de mimetizar a cultura desse país. Como a educação volta-se para a elite, uma elite

que parecia querer se tornar francesa, foi natural aceitar reformas curriculares

incentivadoras do Ensino de Ciências, conforme o modelo francês.

O positivismo exerceu forte influência na educação brasileira, especialmente

quando se fala do Ensino das Ciências Naturais. O início dessa influência se deu na

organização curricular do Colégio Pedro II: aí eram rotineiros o debate de ideias e

assuntos franceses. Segundo Tobias (1972), o currículo do Colégio abandonava

tanto quanto possível os estudos das humanidades e enfatizava enciclopedicamente

o ensino das Ciências Físico-Matemáticas.

29

Em 8 de novembro de 1890 o Senado Federal aprovou o Decreto N. 981,

também chamado de Reforma Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que

regulamentava a Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal. Ela se

inspirava nas propostas do Colégio Pedro II, e, apesar de ser restrita do Distrito

Federal, serviu de modelo para as outras regiões brasileiras. Das leituras a respeito

do conteúdo fica evidente a influência do positivismo de Comte. Por exemplo, do

currículo de ensino de 13 a 15 anos (2º do Ensino Fundamental) e do Ensino Médio,

constam as disciplinas: Caligrafia; Português; Elementos de língua francesa;

Aritmética (estudo complementar). Álgebra elementar. (Geometria e trigonometria);

Geografia e história, particularmente do Brasil; Elementos de ciências físicas e

historia natural aplicáveis às indústrias, à agricultura e à higiene; Noções de direito

pátrio e de economia política; Desenho de ornato, de paisagem, figurado e

topográfico; Música; Ginástica e exercícios militares; Trabalhos manuais (para os

meninos) e Trabalhos de agulha (para as meninas).

Costa e Arduim (2011) resumem esse decreto da seguinte forma: no que

concerne ao sistema educacional, este deve se dividir em três etapas, que estariam

baseadas no processo de desenvolvimento humano: (a) a infância, caracterizada

como primeira fase, a aprendizagem não teria um caráter formal, configurando a

concepção abstrata de mundo; (b) a adolescência e a juventude, que caracterizam a

segunda fase, onde o homem começa o estudo sistemático das ciências e; (c) a

idade adulta, na qual o homem chega ao estado positivo, deixando o estado

metafísico. Na observação do currículo de Benjamin Constant verifica-se que ao

início do período republicano as normatizações necessárias na mudança do regime

atendiam tanto os princípios positivistas (franceses), quanto os princípios liberais

(norte americano).

Politicamente essa dualidade também se fazia sentir. O positivismo era vivido

e pregado pelos militares e pelos representantes de uma fina elite da burguesia

urbana, que havia estudado nas escolas técnicas europeias, a fim de se dedicarem

posteriormente à carreira militar, à engenharia ou à medicina e, por isso, mantinham

maior contato com as chamadas “ciências positivas” (biologia, física, matemática

etc.). Tendiam à centralização do poder; por outro lado entre os demais civis,

30

especialmente os gaúchos, a tendência era a liberal e com esse princípio lutavam

pelo princípio federativo consolidador da autonomia regional.

A dicotomia política se refletia sobre o sistema educacional. Rui Barbosa,

enquanto Ministro da Fazenda, se inquietava e fazia duras críticas ao que então

vigorava. Manifestando-se pela responsabilidade do poder público em relação à

Educação, apresentou a proposta da criação de ministério específico para a

educação sob a responsabilidade do Estado:

A verdade (...) é que o ensino público está à orla do limite possível a uma nação que se presume livre e civilizada; é que há decadência, em vez de progresso; é que somos um povo de analfabetos, e que a massa deles, se decresce, é numa proporção desesperadoramente lenta; é que a instrução acadêmica está infinitamente longe do nível científico desta idade; é que a instrução secundária oferece ao ensino superior uma mocidade cada vez menos preparada para o receber; é que a instrução popular, na Corte como nas províncias, não passa de um desideratum; é que há sobeja matéria para nos enchermos de vergonha, e empregarmos heroicos esforços por uma reabilitação, em bem da qual, se não quisermos deixar em dúvida nossa capacidade mental ou os nossos brios, cumpre não recuar ante sacrifício nenhum... [...] A ideia hostil à interferência do governo no domínio da instrução pública não passa de uma concepção abstrata, contrariada pela evolução das ideias e dos fatos nos países mais livres. Em vez de vos propor medidas tendentes a enfraquecer a organização central do ensino, a vossa comissão encara, por conseguinte, como providência de largo alcance e urgência imperiosa a criação do ministério da instrução pública”. (RUI BARBOSA, Obras Completas de, v. 10, t. 1, 1883. p. 8)2.

Envolvido nos problemas específicos de sua pasta, Barbosa deixou de lado

os problemas educacionais e no início da República perdurou o que propunha o Ato

Adicional (do Império) de nº 1834, qual seja: cada província do Brasil se tornava

autônoma para organizar, de acordo apenas com suas próprias diretivas, o ensino

primário e secundário. Tal medida pulverizou os sistemas de ensino pelos diferentes

estados. Esse fato causou alguns problemas, pois o primário e secundário deveriam

ser preparatórios ao ensino superior, que pelo Ato, era de responsabilidade do

governo central.

A Constituição republicana de 1891 não ampliou as normas para o ensino

primário e secundário, visto que ela somente faz referência ao ensino superior e

2http://www.casaruibarbosa.gov.br/scripts/scripts/rui/mostrafrasesrui.idc?CodFrase=1966.

31

militar. Já vimos, que do ponto de vista do ideário, a República nasceu sob a

influência e inspiração do Positivismo e que ele marcou o currículo educacional.

Essa realidade trouxe consequências práticas: recebeu a oposição da Igreja

Católica; afetou as escolas particulares, uma vez que propunha a liberdade e a

laicidade da educação; defendeu e investiu no ensino publico e gratuito.

Pedagogicamente, buscava-se superar a tradição clássica das humanidades

acusada de responsável pelo academicismo do ensino brasileiro, e isso o fazia

mediante a inclusão de disciplinas científicas, consideradas mais modernas, no

currículo escolar, segundo o modelo positivista (OLIVEIRA, 2010).

Ao positivismo científico, já no início do século XX, aliaram-se a sociologia

geral e sociologia da educação, superando o domínio da Filosofia, da Teologia e das

Línguas Clássicas, disciplinas tradicionais nas escolas brasileiras de cunho

confessional. De acordo com Fernando de Azevedo (1958) o estudo da sociologia já

era feito no século XIX, entretanto a expansão desse estudo se deu quando da

introdução do ensino dessa matéria em escolas do país (1928-1935). Diz o autor a

respeito desses estudos, em A Sociologia no Brasil, 1958, s/p:

Foi pelo Colégio Pedro II e pelas Escolas Normais, do Distrito Federal, de Recife e de São Paulo, que se iniciou no Brasil, penetrando somente em 1933, no ensino superior, pela Escola Livre de Sociologia e Política, e em 1934 e daí por diante, no ensino universitário, com a incorporação do Instituto de Educação à Universidade de São Paulo, e a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras — a primeira que se instalou, no país, com a fundação dessa Universidade. (...) Não fossem, de um lado, a fundação da Escola de Sociologia e Política e a criação das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras — a de São Paulo, em 1934, e a do Distrito Federal, em 1935, e, de outro, o concurso das missões de professores estrangeiros, em São Paulo e no Rio, e o ensino de Sociologia se teria arriscado a comprometer-se gravemente quanto à sua solidez, eficiência e orientação.

Segundo Medonça et al. (2006) a importância da sociologia francesa,

representada por Durkheim, contribuiu para uma reflexão sobre as relações entre

educação e sociedade e acabou por reforçar a ideia de que se deve buscar nas

ciências sociais as bases científicas para organizar os sistemas de ensino. O

32

objetivo era fundamentar os sistemas de ensino tomando por base a realidade

social, sem ficar somente nos “ideais”, na “teoria”.

1.2.2. O Pragmatismo

Outra corrente epistemológica que marcou profundamente a escola brasileira,

e consequentemente o ensino de Ciências, foi o pragmatismo. Que constituiu-se

como uma das principais correntes filosóficas que influenciaram a composição do

currículo do Ensino Fundamental e Médio, eliminando, por exemplo, o Latim, por não

ser mais uma língua universal, embora mantida para a classificações filogenéticas,

de forma geral.

Segundo Brugger (1962, p. 417):

O pragmatismo é uma variedade do relativismo, segundo o qual a verdade não se mede pelo objeto, mas por outra norma. Enquanto o psicologismo vê [a verdade] nas causas psíquicas do processo cognoscitivo, o pragmatismo procura-a no fim que deve ser alcançado pelo conhecimento. Se um conhecimento favorece esse fim, se se revela fecundo para a ação (...), nesse caso é "verdadeiro", concorde ou não com a realidade. Segundo o pragmatismo, não há verdade absolutamente válida, pois o que é útil a um pode ser nocivo a outro.

Quanto à origem dessa filosofia, o autor citado indica:

O pragmatismo encontrou especial acolhida na Inglaterra (F. S. C. Schiller) e na América do Norte (W. James). — É, sem dúvida, exato que o conhecimento deve servir à vida, e que o conhecimento verdadeiro, ou seja, o que é conforme com a realidade, favorece também, via de regra, as finalidades práticas. Mas daí não se segue, de maneira nenhuma, que o fomento da vida constitua a medida da verdade, porque o que deve valer como estimulante da vida depende da compreensão que o homem adquire de si mesmo, da finalidade de sua existência e dos círculos ou ordens, em que está envolvido; depende, portanto, da verdade.

33

John Dewey (1859 – 1952) foi um dos autores mais influentes e

representativos do pragmatismo americano no debate sobre educação da passagem

do século XIX para o XX. Indicava que o educando aprende fazendo, baseado em

um empirismo que considera a práxis como entendimento de que se deve ensinar

conforme uso e em função da vida.

Os pressupostos de seu pensamento estavam fundamentalmente ligados à

filosofia pragmática, que vigorava fortemente nos Estados Unidos. Essa filosofia

enfatizava as possibilidades que o conhecimento científico oferece para solucionar

problemas práticos, trazendo para si problemas concretos a serem investigados e

resolvidos. O efeito mais evidente desse pensamento era o de defender o caráter

multidisciplinar e multimodal da educação, percebida não somente como processo

racional, mas, muito mais que isso, como questão sociológica, cultural e

antropológica, econômica e ecológica, psicológica e biológica, política e moral.

Dewey identificava na escola pública não apenas uma transmissora de cultura, mas

também um meio de melhoria social, mas que para isso acontecesse nada na

educação poderia ser deixado ao acaso: é necessário fazer da educação um

empreendimento científico.

Dewey, em relação ao pragmatismo, insiste na aprendizagem por meio da

experiência, pois com ela se forma de interação, ou seja: a relação causal entre o

sujeito x mundo, (posteriormente esse fato foi denominado de “transacional”,

significando a “relação mútua entre sujeito e palavras”). Ele queria dizer que quando

se dá o vínculo entre as ações x pensamentos, formam-se as interações entre o “eu”

x mundo externo, desencadeando-se: estímulos, ideia e ação. Chama a atenção,

entretanto, que ao conjunto junta-se o ambiente social/natural, fonte do

conhecimento (DEWEY, Experiência e Pensamento, cap. 11)3.

Como Dewey é avesso à simples aquisição passiva e descontextualizada de

conhecimentos já consagrados, lembra que é no conflito entre as ações cotidianas X

os valores, que se torna possível a obtenção de novas experiências e a criação de

novos conhecimentos. O educador terá que lançar mão da comunicação tanto para

compartilhar o conhecimento, como para provocar o interesse para o novo. Isso se

faz por meio do questionamento, que desequilibre a aceitação sem a reflexão. 3http://www.educ.fc.ul.pt/professors/opombo/hfe/dewey/cap11.htm.

34

Em suma, o que o autor afirma é que a aprendizagem é continuamente

flexível, apta a mudanças/transformações conforme o meio, situações, sentimentos

e experiências transformadas em novas experiências. Os conceitos e experimentos

possibilitam os testes ao que foi produzido no concreto por meio dos pensamentos,

observações e criticidade. O mover científico possibilita a busca ininterrupta do

conhecimento transformador de ideias e sentimentos, criando seres pensantes e

motivadores de transformações, sempre em busca do alvo que é uma diretriz para a

solução de um problema, muitas vezes único, instigando os educadores a

continuamente ensinarem de forma diferente, conforme as experiências, as

vivências e as teorias.

Ao aplicar o conceito pragmático mostra-se que o mesmo é o meio pelo qual

se faz a relação sujeito X ambiente. O inquérito, os experimentos, os instrumentos, o

conhecimento, no conjunto, são determinantes da aprendizagem para o futuro,

pretensão especial da aprendizagem. Tal teoria possibilita tanto aos educadores

quantos aos educandos um caminho para o desenvolvimento e busca de respostas

por meio da análise investigativa e do entendimento do conhecimento.

A espontaneidade na construção do conhecimento deve permanecer ativa,

evitando-se o relativismo total. Mesmo Dewey acreditando e tendo como aspectos

pragmáticos o aprender fazendo, mantém em sua concepção o naturalismo,

conforme segue:

As ações consideradas são as que derivam de contextos empíricos contingentes, e que conduziriam a conhecimentos legítimos, caso tenham obtido sucesso ou sido eficientes para resolver determinados problemas. Ou seja, são ações de natureza empírica, sem nenhuma função estruturante: naturalmente conduziriam ao conhecimento já institucionalizado. (GOTTSCHALK, 2007).

O conhecimento permite a atribuição e sentido às experiências, no qual o

entendimento de novas regras possibilita a aplicação do conceito/palavra em demais

contextos. Se o aluno souber aplicar o conceito em determinadas situações novas,

ele absorveu a regra proposta, incorporando-a. O conceito gera experiência nova e

não o inverso, sendo que a aceitação de novas regras e pontos de vista dão

35

significado ao mundo / novo contexto. Desta forma, deve-se haver total interação

do educador X educando quanto à perspectiva pragmática da linguagem.

Luís Alves Mattos e Anísio Spínola Teixeira tiveram papeis cruciais na

divulgação do pragmatismo no Brasil. O viés central do pragmatismo, como

defendido por Teixeira, se inclinava na direção de perceber o acesso ao

conhecimento, e à configuração racional do pensamento vinculada a esse, como

formas de se estruturar cientificamente a ação do sujeito em seu ambiente;

facultando sua transformação. De acordo com Mendonça et. al. (2006, pg. 106),

No artigo "O espírito científico e o mundo atual" Anísio Teixeira questiona a permanência dos dualismos entre teoria e prática, entre o racional e o empírico, entre o manual e o intelectual, entre ação e pensamento, entre o útil e o espiritual, prevendo que, com o advento das tecnologias científicas, todas aquelas partes, antes dicotômicas, seriam reintegradas em um só método: o método científico. Apesar de visualizar tal tendência, ele registrava a existência de fortes resistências frente a hábitos milenares de segregar tais atividades, exemplificando as formas sutis de dualismo entre saber científico (o dos fatos) e saber moral e social (o dos valores e fins da atividade humana). O núcleo argumentativo concentrava-se na questão da ética, ou seja, do uso da ciência segundo princípios morais.

A influência de Anísio Teixeira inicia-se na administração da educação, em

1952, quando assumiu o cargo de diretor do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa

(INEP). Sua intenção era transformá-lo em uma agência de pesquisa. Anísio

Teixeira questionava o uso simplista da palavra ciência e sugeria que os processos

científicos deveriam ser sempre questionados no que tange ao seu caráter acabado

de conhecimento. Suas concepções, ainda nos anos de 1950, ficam claras com a

publicação na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Em um de seus números,

ao discorrer sob a inspiração de Jonh Dewey, Teixeira afirmava (1956, p.15)4:

A democracia não é um fato histórico pretérito, que estejamos a procurar repetir, nem uma previsão rigorosamente científica a que possamos chegar com fatal exatidão determinística, mas, antes de tudo, uma afirmação política, uma aspiração, um ideal ou, talvez, uma profecia.

4Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 25, n. 62, abri/jun. 1956. p. 3/16.

36

O pensamento de Teixeira a respeito do desenvolvimento da democracia se

sustentava na conquista do coletivo, baseado no potencial humano capaz de pensar

e planejar. O autor não acreditava no desenvolvimento de uma educação e

sociedade melhores, por meio dos resultados do trabalho científico, mas sim dentro

da filosofia, de um modo muito mais amplo que o cientificismo propunha, não

descartando, claro, os procedimentos científicos. Para ele a ciência era um recurso

que deveria servir de base para construir processos escolares não excludentes,

proporcionando, assim, o surgimento das bases para o nascimento da democracia

no Brasil.

Ele se mostrava também a favor da união entre a ciência (fins materiais da

vida) e a filosofia (fins superiores ou espirituais), tal com entendia essas áreas.

Transcrevendo as palavras de Jonh Dewey, Anísio Teixeira afirmava que a filosofia

deveria mostrar como esses dois mundos, o de crer e do conhecer, dos fatos e

valores pode ser mais eficaz e frutuosamente ao se relacionar um com o outro.

(TEIXEIRA, 1956). Também propunha que a filosofia deveria estimular a

compreensão e a regulação da conduta humana enquanto disciplina.

Os fins superiores ou espirituais “o do governo da liberdade humana, o da

realização da fraternidade e o da felicidade pessoal e coletiva”, dependem das

crenças que os seres humanos desenvolvem ao longo de sua história; eles podem,

portanto, ser investigados objetivamente pela ciência, que por sua vez fornecerá

subsídios para a filosofia (TEIXEIRA, 1977)5. A crítica de Teixeira a respeito do

conhecimento científico relaciona-se diretamente com a apropriação do

conhecimento produzido, que ficou subjugada a mercê do desinteresse do governo e

de todas as camadas da sociedade para o que hoje chamamos de globalização.

O homem moderno, pensado nessa perspectiva, estava em uma fase de

educação limitada e individualista, o que impedia de despertar na sociedade novas

posturas diante de novos problemas que estavam surgindo. Em sua visão, o papel

da ciência seria o de colaborar para a melhoria da sociedade, aprimorando a

educação por meio dos conhecimentos científicos. Para Anísio Teixeira, todo

trabalho científico para ser apropriado pela sociedade deve se submeter à

5Educação e o Mundo Moderno. 2e. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1977.

37

experiência do homem, dependendo das definições científicas da experienciação

coletiva.

Por isso a importância da filosofia, para o autor. A filosofia, na medida em que

discute questões sobre a vida não como verdade imutável, mas como algo em

constante mudança no tempo, propõe um diálogo a respeito dos paradigmas

científicos e de seu desenvolvimento. Teixeira sintetiza a importância da filosofia em

dar sentido à vida, que por ser social e historicamente determinada, está em

constante processo de alterações. Acredita que os filósofos tinham que estar atentos

as mudanças do mundo e de acordo com as necessidades apontadas pelo coletivo,

acompanhando-as de modo crítico.

Em suma no centro da filosofia do autor, está a importância que tem o homem

social, que nos documentos oficiais de nossos dias se traduz como o cidadão, como

veremos ao estudar a questão dos PCNs. Personagem central na história da

educação no Brasil, nas décadas de 1920 e 1930, além de difundir os pressupostos

do movimento da Escola Nova, Anísio Teixeira reformou o sistema educacional da

Bahia e do Rio de Janeiro, exercendo vários cargos executivos. Fundou a

Universidade do Distrito Federal, em 1935, depois transformada em Faculdade

Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.

1.3. O Manifesto dos Pioneiros e seus Desdobramento s na

Educação Brasileira

No sentido de compreender as influências do positivismo e do pragmatismo

no Manifesto dos Pioneiros, importante documento que inaugura uma nova fase na

educação e no ensino no Brasil, destacamos o seguinte trecho inicial do manifesto6:

6Pode ser encontrado literalmente no portal: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br. Lançado em 1932 teve como signatários: Fernando de Azevedo, Afrânio Peixotode Sampaio Doria, Anisio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessôa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, AttilioVivacqua, Francisco Venancio Filho, Paulo Maranhão, Cecilia Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça, Armanda Alvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nobrega da Cunha, Paschoal Lemme e Raul Gomes.

38

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes.

A influência pode ser também observada já na constituição dos subtítulos do

manifesto, tais como: Movimento de renovação educacional; Diretrizes que se

esclarecem; Reformas e a Reforma; Finalidades da educação; Valores mutáveis e

valores permanentes; O Estado em face da educação: a) A educação, uma função

essencialmente pública; b) A questão da escola única; c) A laicidade, gratuidade,

obrigatoriedade e coeducação. A função educacional: a) A unidade da função

educacional; b) A autonomia da função educacional; c) A descentralização. O

processo educativo: O conceito e os fundamentos da educação nova. Plano de

reconstrução educacional: a) As linhas gerais do plano; b) O ponto nevrálgico da

questão; c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no

Brasil; d) O problema dos melhores. A unidade de formação de professores e a

unidade de espírito. O papel da escola na vida e a sua função social. A democracia,

um programa de longos deveres.

Como se observa, no item acima por nós grifado, dava-se início ao que se

chamou a Escola Nova. É comum aos autores analisados a afirmativa de que a

Escola Nova somente tenha sido possibilitada pela junção das propostas positivista

e pragmatista. O termo já remete a uma ideia de que ela se contrapõe ao

tradicionalismo educacional. Para ser mais precisa, vamos verificar o que diz

39

Lourenço Filho em seu livro denominado Introdução ao estudo da Escola Nova

(1967, p.17, grifos do autor):

De modo mais vivo, desde os últimos anos do século passado. Em vários países muitos educadores então passaram a considerar novos problemas, intentando solvê-los com a aplicação de recentes descobertas relativas ao desenvolvimento das crianças. Outros experimentaram variar os procedimentos de ensino, ou logo transformar as normas tradicionais da organização escolar, com isso ensaiando uma escola nova , no sentido de escola diferente das que existissem.

O autor aponta como foi o processo de divulgação das ideias emergentes:

(grifo nosso).

Esse singelo nome foi por alguns adotado para caracterização do trabalho em estabelecimentos que dirigiam e, logo também, por agremiações criadas para permuta de informações e propagação dos ideais de reforma escolar. Mais tarde, passou a qualificar reuniões nacionais e internacionais, bem como a figurar no título de revistas e séries de publicações consagradas ao assunto. Dessa forma, a expressão escola nova adquiriu mais amplo sentido, ligado ao de um novo tratamento dos problemas da educação, em geral.

Logo a seguir justifica o que então se esperava:

Nessa acepção, ainda agora se emprega. Não se refere a um só tipo de escola, ou sistema didático determinado, mas a todo um conjunto de princípios tendentes a rever as formas tradicionais do ensino. Inicialmente, esses princípios derivaram de uma nova compreensão de necessidades da infância, inspirada em conclusões de estudos da biologia e da psicologia. Mas alargaram-se depois, relacionando-se com outros muito numerosos, relativos às funções da escola em face de novas exigências, derivadas de mudanças da vida social. O que aqui chamamos estudo da escola nova corresponde, pois ao exame de muitos ensaios, primeiramente dispersos e depois sistematizados, com o intuito de rever o trabalho escolar, suas condições.

Em Tobias (1972) verificamos que as novas ciências a que alude Lourenço

Filho e outras novas escolas novistas, como visto acima (biologia e psicologia),

dentro do ramo da Filosofia, já tinham autores históricos: Sócrates (século IV a.C.);

40

Santo Agostinho (Argélia – norte da África no século IV d.C.), Comenius (século XVII

d.C.) e Rousseau (século XVIII d.C.). Todos diferentes em seus conteúdos, tinham

em comum o respeito ao ser humano em fase de aprendizagem, mais

especificamente a criança.

Para se entender o que o movimento da Nova Escola propunha de tão

importante para o Ensino das Ciências e porque ainda é lembrada em nossos dias, é

necessário que, pelo menos resumidamente, se entenda quais as suas

características. Mais uma vez nos valemos de Lourenço Filho (1967, p.162-164):

Quanto à “A - Organização Geral”, a Escola Nova: - é um laboratório de pedagogia prática; - é um internato, porque só o influxo total do meio em que se move a criança, permite realizar uma educação eficaz; - está situada no campo, porque este constitui o meio natural da criança; - agrupa seus alunos em casas separadas, vivendo cada grupo, de dez a quinze alunos, sob a direção material e moral de um educador, secundado por sua mulher ou uma colaboradora; - a co educação dos sexos, praticada nos internatos, até o fim dos estudos, tem dado quando aplicado em condições materiais e espirituais favoráveis, resultados morais e intelectuais surpreendentes; - organiza trabalhos manuais para todos os alunos, durante uma hora e meia, ao menos, por dia; de duas a quatro, trabalhos obrigatórios que tenham fim educativo e de utilidade individual ou coletiva, mais que profissional; - Entre os trabalhos manuais, o de marcenaria ocupa o primeiro lugar, porque desenvolve a habilidade e a firmeza manuais, o sentido da observação exata, a sinceridade e governo de si mesmo. A jardinagem e a criação de pequenos animais entram na categoria das atividades ancestrais que toda criança ama, e deveria ter ocasião de exercitar; - Ao lado dos trabalhos regulados, concede-se tempo para trabalhos livres, que desenvolvem o gosto da criança e lhe despertam o espírito inventivo; - A cultura do corpo será assegurada tanto pela ginástica natural, como pelos jogos e desportos; - As excursões, a pé ou em bicicleta, com acampamentos em tendas de campanha e refeições preparadas pelos próprios alunos, desempenham um papel importante na Escola Nova.

O que se observa é uma escola de tempo integral, e à exceção dos internatos

particulares, ou das escolas rurais que alguns estados adotaram, inclusive São

Paulo, essa é uma organização muito além da realidade. No que diz respeito à

formação intelectual:

B - quanto à formação intelectual a Escola Nova: (Grifo nosso).

41

- procura abrir o espírito por uma cultura geral da capacidade de julgar, mais que por acumulação de conhecimentos memorizados. O espírito crítico nasce da aplicação de método científico; observação , hipótese, comprovação, lei;

- a cultura geral se duplica com uma especialização espontânea, desde o primeiro momento; cultura dos gostos preponderantes em cada menino, depois sistematizada, desenvolvendo os interesses dos adolescentes num sentido profissional;

- o ensino será baseado sobre os fatos e a experiênci a. A aquisição dos conhecimentos resulta de observações pessoais, visitas a fábricas, prática de trabalho manual, etc., e, só e m sua falta, da observação de outros, recolhida através dos livros. A teoria vem sempre depois da prática, nunca a precede ;

- esta baseada na atividade pessoal da criança . Isto supõe a mais estreita associação possível do estudo intelectual com o desenho e os trabalhos manuais mais diversos;

- o ensino está baseado em geral sobre os interesses espontâneos da criança; de quatro a seis anos, idade dos interesses disseminados ou idade do jogo; de sete a nove anos, idade dos interesses adstritos aos objetos imediatos; de dez a doze anos, idade dos interesses empíricos; dos dezesseis aos dezoito anos, idade dos interesses abstratos complexos; psicológicos, sociais e filosóficos;

- o trabalho individual do aluno consiste numa inve stigação, seja nos fatos, seja nos livros ou jornais, etc . É uma classificação segundo um quadro lógico adaptado à sua idade, de documentos de todas as classes, assim como de trabalhos pessoais, e de preparação de relatórios para a classe;

- o trabalho coletivo consiste numa troca, ordenação ou elaboração lógica comum, dos documentos individualmente reunidos;

- o ensino propriamente dito será limitado à manhã, em geral, das oito ao meio-dia; à tarde, dar-se-á expansão a iniciativas individuais;

- estudam-se poucas matérias por dia: uma ou duas, somente. A variedade nasce não das matérias tratadas, mas da maneira de tratar as matérias , pondo-se em jogo, sucessivamente, os diferentes modos de atividade;

- estudam-se poucas matérias por mês ou por trimestre. (LOURENÇO FILHO, 1967, p.164).

É nesse campo característico do conhecimento que se encontra mais

arraigado o que se buscaria para o Ensino das Ciências. Observa-se que não se fala

de conteúdos específicos, mas mais do tratamento metodológico ativo, a ser

aplicado em cada matéria:

C - Quanto à formação moral (Grifo nosso):

- como a intelectual, deve exercitar-se não de fora para dentro, por autoridade imposta, mas de dentro para fora, pela experiência e prática gradual do sentido crítico e da liberdade. [...];

42

- as recompensas ou sanções positivas consistem em proporcionar aos espíritos criadores ocasiões de aumentar a sua potência de criação. Desenvolve-se, assim, um largo espírito de iniciativa;

- os castigos ou sanções negativas estão em relação direta com a falta cometida, quer dizer, tendem a pôr a criança em condições de melhor alcançar o fim julgado bom;

- a emulação se dá, especialmente, pela comparação fe ita pelo educando, entre o seu trabalho presente e o seu tra balho passado , e não exclusivamente pela comparação de seu trabalho com o de seus camaradas;

- deve ser um ambiente belo, como desejava Ellen Key. A ordem e a higiene são as primeiras condições, o ponto de partida. [...];

- a educação da razão prática consiste, principalmente entre os adolescentes, em reflexões e estudos que se refiram de modo especial à lei natural do progresso individual e social. (LOURENÇO FILHO, 1967, p. 164).

Essas características morais remetem à reflexão pelo próprio aluno a respeito

do ato que está ou que esteve cometendo. Chamamos a atenção para o fato a

respeito da emulação, uma vez que a característica aponta para o progresso

individual, o que de certa forma deveria estar sendo aplicado no processo de

progressão continuada e que erroneamente foi apressadamente assumido por

professores e escolas como promoção automática.

Em suma, muito do que se discute nos dias atuais é impulsionado pelos

escolas-novistas, porém no todo, estamos longe de viver o que pregavam. Naquela

data como em hoje em dia muitas instituições necessitam receber jovens preparados

para o desenvolvimento da ciência experimental. Tobias (1972), chegando a

enaltecer o estado de São Paulo, relembra que nosso Estado já vinha desde o

Império sendo um Estado provocador e estimulador da pesquisa científica. O autor

enumera: Instituto Butantã (criado em 1899 e com autonomia em 1901), o Instituto

Agronômico de Campinas, fundado em 1887 e transferido para a Secretaria de

Agricultura do Estado de São Paulo em 1892. Lembramos também da Escola de

Agricultura Luiz de Queiróz – Universidade de São Paulo (USP) localizada em

Piracicaba a partir de 1901, todos eles em plena atividade e reconhecidos

internacionalmente.

Retornando à questão da apresentação do Manifesto, duas questões chamam

a atenção: a primeira diz respeito ao ano de sua divulgação, ou seja, 1932 e a outra,

o nome de um de seus signatários: Anísio Spínola Teixeira. Essas observações se

fazem necessárias, uma vez que em se tratando da Constituição Brasileira da

43

época, ela sucedia a de 1891, a primeira republicana, que teve como característica

organizar o regime. Em matéria de educação foi muito restrita, atribuindo

privativamente ao Congresso, no artigo 34, item 30º legislar sobre a organização

municipal do Distrito Federal bem como sobre a polícia, o ensino superior e os

demais serviços que na capital forem reservados para o Governo da União.

O segundo destaque necessário para nossa pesquisa é que em 1931,

portanto sob a orientação da referida Constituição, mas um ano antes da divulgação

do Manifesto, era Ministro da Educação e signatário desse documento, Francisco

Campos, cuja alcunha é “Chico Ciência” justamente pela aprovação do Decreto, de

nº 19.851, de 11 de Abril de 1931, importante para nossa pesquisa.

Na abertura já se destaca o público ao qual se destina: o ensino superior.

Porém não se trata de qualquer ensino superior, mas sim às universidades

declaradas no artigo 1º. Esse destaque era importante, visto que consultando Tobias

(1972) o que se observava era a existência de faculdade em muitos estados

brasileiros, porém elas tinham por função somente reproduzir conhecimentos.

Investigar é papel da universidade, e o referido Decreto no Artigo 1º determina:

(Grifo nosso).

Art. 1º O ensino universitário tem como finalidade : elevar o nível da cultura geral, estimular a investigação cientifica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e cientifico superior; concorrer, enfim, pela educação do indivíduo e da coletividade, pela harmonia de objetivos entre professores e estudantes e pelo aproveitamento de todas as atividades universitárias, para a grandeza na Nação e para o aperfeiçoamento da Humanidade.

Essa determinação pela ciência continua,

Art. 5º A constituição de uma Universidade brasileira deverá atender às seguintes exigências:

II - dispor de capacidade didática, ai compreendidos professores, laboratórios e demais condições necessárias ao ensino eficiente.

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O Título VI, a respeito da organização didática, mantém a preocupação para

com a ciência emergente, assim como os cuidados para com o ensino e

aprendizagem coletiva:

Art. 32. Na organização didática e nos métodos pedagógicos adaptados nos institutos universitários será atendido, a um tempo, o duplo objetivo de ministrar ensino eficiente dos conhecimentos humanos adquiridos e de estimular o espírito da investigação original, indi spensável ao progresso das ciências .

Art. 34. Nos métodos pedagógicos do ensino universitário, em qualquer dos seus ramos a instrução será coletiva , individual ou combinada, de acordo com a natureza e os objetivos do ensino ministrado.

Parágrafo único. A organização e seriação de cursos, os métodos de demonstração prática ou exposição doutrinária, a do estudante nos exercícios escolares, (...)

Art. 35. Nos institutos de ensino profissional superior serão realizados os seguintes cursos:

a) cursos normais, nos quais será executado, pelo professor catedrático, o programa oficial da disciplina;

f) cursos de extensão universitária, destinados a prolongar, em benefício coletivo, a atividade técnica e cientifica dos institutos universitários.

Art. 46. Além dos cursos destinados a transmitir o ensino de conhecimento já adquiridos, os institutos universitários deverão organizar e facilitar os meios para a realização de pesquisas originais que aproveitem aptidões e inclinações, não só do corpo professor e aluno, como de quaisquer outros pesquisadores estranhos à própria Universidade.

§ 1º A amplitude das pesquisas a serem realizadas em qualquer dos institutos universitários, assim como os recursos de ordem material que se fizerem necessários à execução das mesmas, dependerão de apreço e decisão do Conselho técnico-administrativo de cada instituto singular.

A preocupação para com as ciências foi tão importante que se estendeu ao

corpo docente, tal como no Art. 104: “As associações de estudantes de cada

instituto, (deverão ter) [...] 2ª, comissão científica”.

45

1.4. Análise das Constituições Federais de 1934, 19 37 e 1946

Nesse momento histórico, os debates a respeito da educação já estavam

ampliados. Na Constituição de 1934, então promulgada, avançou-se um pouco mais.

Ela alude ao ensino militar, à revalidação de certificados estrangeiros quando

couber. Porém já inicia a atenção para o ensino primário, aceitando a parceria com a

obrigatoriedade de empresas providenciarem o ensino primário quando houver

dentre seus empregados e filhos mais de 50 analfabetos. Para a responsabilidade

de ensino público há um grande avanço.

Art. 150 - Compete à União:

fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País;

d) manter no Distrito Federal ensino secundário e complementar deste, superior e universitário;

Parágrafo único - O plano nacional de educação constante de lei federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39º, nº VIII, letras a e e, só se poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às seguintes normas:

a) ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos;

b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível; (grifo nosso).

Já na Constituição Federal de 1937: o país, a essa altura, passava por

período político complicado pelo governo Vargas, e na prática, educacionalmente,

pouca coisa mudava. Em 1937, outra Constituição foi promulgada. No que se refere

especificamente à Educação, o que se observa é a preocupação para com a

obrigação do Estado e nada propõe para o currículo propriamente dito:

Art. 128 - A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares.

É dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições artísticas.

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Nas Leis Orgânicas, Gustavo Capanema foi o responsável pela organização

do ensino primário, secundário, normal, por meio das Leis Orgânicas. No total foram

oito, que normatizaram também os cursos agrícola, comercial, Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

(SENAC): O Decreto-Lei nº 8.529, de 2 de Janeiro de 1946, ou a Lei Orgânica do

Ensino Primário. Ele apresenta as categorias de ensino primário:

Art. 2º - O ensino primário abrangerá duas categorias de ensino:

a). o ensino primário fundamental, destinado às crianças de sete a doze anos;

b). o ensino primário supletivo, destinado aos adolescentes e adultos.

O fundamental é o que mais nos interessa: Art. 3º O ensino primário

fundamental será ministrado em dois cursos sucessivos; o elementar e o

complementar. Para o tema de nossa dissertação, entre os estudos que seriam

realizados na fase elementar constava: “IV. Conhecimentos gerais aplicados [...]” à

saúde . Na fase complementar: disciplinas e atividades educativas: “IV. Ciências

naturais e higiene”. (Grifo nosso).

Já o Decreto-Lei nº 4.244 – de 9 de abril de 1942, a Lei Orgânica do ensino

secundário introduz:

Art. 4º O [...] curso científico, [...] com a duração de três anos, [...] (tem) por objetivo consolidar a educação ministrada no curso ginasial e bem assim desenvolvê-la e aprofundá-la, [...], (no) curso científico, essa formação será marcada por um estudo maior de ciências.

No que se referia ao curso ginasial o artigo 10, entre outras disciplinas, tornou

como obrigatório o ensino de Ciências Naturais. No Curso Científico, a seriação das

Ciências Naturais ficou estabelecida no artigo 15: Primeira série acresce-se as

disciplinas de Física e Química à grade básica. Na Segunda série, Química e

Biologia. E na Terceira série Física, Química e Biologia.

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No que diz respeito ao Decreto-Lei nº 8.530 – de 2 de janeiro de 1946 para o

curso Normal:

Art. 8º O curso de formação de professores primários se fará em três séries anuais, compreendendo, pelo menos, as seguintes disciplinas: Primeira série: 3) Física e química. 4) Anatomia e fisiologia humanas.

Na Constituição Federal de 1946 e na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de

1961, como se observa, os esforços teóricos e práticos empreendidos por alguns

dos escola-novistas produziram alguns frutos. Em 1946, foi proclamada a nova

Constituição, e dela destacamos, no que interessa à Educação, o artigo que trata

dos princípios. Verifica-se que no Inciso II se restringe a matrícula dos alunos por

questões financeiras, restrição que vinha existindo, pois as matrículas ficavam

subordinadas ao número de vagas, portanto sob a responsabilidade de cada Estado:

Art. 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:

I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional;

II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos;

Chama a atenção o Art. 173 - As ciências , [...] são livres.

Relembrando, esta Constituição é de 1946, o que exigiria a imediata

implantação de plano especial para ela, já solicitada em Constituições anteriores.

Essa realidade se dará em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº

4.024, de 20 de dezembro de 1961. Dentro dela vamos nos restringir ao ensino das

Ciências Naturais. (grifo nosso)

Art. 1º A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim: [...]

e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utiliz ar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio;

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Art. 9º Ao Conselho Federal de Educação, além de outras atribuições conferidas por lei, compete:

e) indicar disciplinas obrigatórias para os sistemas de ensino médio [...]

Art. 20. Na organização do ensino primário e médio, a lei federal ou estadual atenderá:

a) à variedade de métodos de ensino e formas de atividade escolar, [...]

Art. 35. Em cada ciclo haverá disciplinas e práticas educativas, obrigatórias e optativas.

§ 1º Ao Conselho Federal de Educação compete indicar, para todos os sistemas de ensino médio, até cinco disciplinas obrigatórias, cabendo aos conselhos estaduais de educação completar o seu número e relacionar as de caráter optativo que podem ser adotadas pelos estabelecimentos de ensino.

Façamos algumas considerações: (a) o curso primário foi atribuído aos

diferentes estados e sob a responsabilidade dos Conselhos Estaduais; (b) o ginásio

(1º Ciclo) e o colégio (2º Ciclo), ficaram sob a supervisão do Conselho Federal de

Educação.

O Ministério da Educação (1969) publicou o documento: Consolidação da

Legislação do Ensino Secundário após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, e da qual retiramos os dados que se referem ao Ensino de Ciências:

Art. 34 São formas curriculares do curso secundário [...]

a) No Ginásio 3ª e 4ª Séries – Ciências, (1 ciclo).

Art. 37 – no 2º ciclo as Ciências Físicas e Biológicas poderão desdobrar-se em Física, Química e Biologia, (colegial).

O artigo 33, que pouco chamou a atenção à época, e tem importância por explicar uma metodologia a ser seguida, incorporada à Legislação de 1971:

Art. 33 – O currículo compreenderá [...]:

§ 2°- entende-se por disciplina a atividade escolar destinada à assimilação de conhecimentos sistematizados e progressivos, passíveis de mensuração e que é condição de prosseguimento de estudos;

§ 3º Entende-se por práticas educativas as atividades que correspondem às necessidades de ordem física, artística, cívica, moral e religiosa e que colocam o acento principal na maturação da personalidade, com a formação de hábitos correspondentes, embora necessitem, também, de assimilação de certos conhecimentos.

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Dessa apresentação pode se perceber que esta Lei foi o primeiro grande salto

em educação no que diz respeito à organização do ensino brasileiro. Como veremos

sua estrutura permanecerá naquelas Leis que lhe sucederam. Pode-se mesmo

assegurar que apenas atualizaram as demandas sociais de suas épocas.

1.5. Três Décadas Conturbadas: 1960, 1970 e 1980

Nessa última seção se fará uma apresentação em linhas gerais de como a

estrutura educacional brasileira se moldou nessas três décadas a partir das

orientações das Leis constitucionais anteriores. De 1961 (Jânio Quadros) até 02 de

fevereiro (José Sarney), politicamente o Brasil passou pela época denominada de

Anos de Chumbo. Desde o início da República, o país recebia para mão-de-obra

imigrantes que estavam vinculados às correntes políticas de cunho anarquista e

socialista. Os intelectuais se dividiam em cristãos, liberais/tradicionalistas e os

emergentes socialistas – propagadores da filosofia comtiana e socialista de Marx

(TOBIAS 1972).

Em 1961 foram eleitos: Jânio Quadros como presidente da República e João

Goulart como seu vice. Até os dias presentes os historiadores não têm uma resposta

decisiva para a renúncia do titular. Todos concordam que a posse de Goulart trouxe

três anos de insatisfação e possibilidade de golpe, o que efetivamente aconteceu em

31 de março de 1964. Dessa data em diante sucederam-se os militares: Marechal

Castelo Branco, General Costa e Silva, General Médici, General Ernesto Geisel e

General Figueiredo, finalizado com o civil: José Sarney. Não iremos analisar o que

significam tais mandatos, pois não é objeto de nossa pesquisa. O que faremos é

verificar no que a educação se alterou nesses 30 anos.

Segundo, Fontoura (1971, p. 7) deve-se lembrar que é nesse cenário que a

era industrial chegava ao Brasil:

Mas eis que, quase de repente, em grande parte como consequência da 2ª Grande Guerra, o Brasil ingressa na Era Industrial, e a nossa estrutura social, marcada pela sociedade patriarcal se vê lançada abruptamente na

50

sociedade industrial, característica das grandes potencias dos tempos atuais. A modificação da estrutura socioeconômica teria forçosamente de repercutir na estrutura educacional do país. (Grifo do autor).

A indústria que crescia à época necessitava de mão de obra que pagava

significativamente mais do que a agrícola. Esse fato causou grande êxodo rural,

inchando os maiores centros urbanos. A nova população havia sido penalizada

educacionalmente por dois fatores: isolamento habitacional e sistema de exames de

admissão, que selecionavam os mais culturalmente adequados para a continuidade

de estudos.

Entretanto, o empresário industrial precisava de mão de obra minimamente

preparada. Era o sistema capitalista nacional que se unia ao capitalismo

internacional, lembrando que a opção do governo militar pendeu para o sistema

anglo-americano, que atendeu aos pedidos de ajuda para o desenvolvimento,

conseguidos por meio da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento

Internacional – U.S. Agency for International Development (USAID), a partir de 1964

(ARAPIRACA, 1982). Será essa Agência que irá auxiliar a implantação da Lei de

1971 (para o I e II Graus) e 5540/68 (para o Ensino Superior). Por meio dessa ação

os teóricos começaram a discutir, por outros vieses, o pragmatismo educacional,

tendo por objetivo a formação para o trabalho, como responsável pelo

desenvolvimento pessoal e coletivo.

Entre os teóricos da educação propriamente ditos, que versaram a respeito

dessa união entre Educação e Desenvolvimento, pode-se lembrar de Brandão

(1976), que indicava ser a proposta da educação como qualificação para o trabalho,

uma expectativa dos economistas, que aguardavam encontrar mão de obra

qualificada, assim que as pessoas saíssem do Ensino Médio. O autor demonstra

que para o universo educacional, ou seja, a formação dos pedagogos, não era,

contudo, prioridade educacional. Além disso, havia a insuficiência de recursos

necessários para a educação, tanto de ordem material, como de profissionais

preparados. Chamava igualmente à atenção para o grande número de formados,

que não encontrariam mercado de trabalho e para exemplificar do que falava,

lembrava os formados nas escolas agrícolas.

51

Em 1978, Chagas, profundo conhecedor do sistema educacional brasileiro

devido à sua atuação no Conselho Federal de Educação de 1962 a 1976, e

idealizador da Lei de Diretrizes e Bases n.º 5.692/1971 em favor da reforma do

ensino de primeiro e segundo graus, assim como da reforma universitária, escreveu

a respeito e justificou porque aprovava a educação para o trabalho/desenvolvimento.

O princípio detectado por ele era o da integração. Ele trata do ponto de vista

nacional, da integração racial, cultural, econômica e política, e também da

integração internacional e conclui (1978, pg. 83, grifo do autor):

Em outras palavras, desenvolvimento . Desenvolvimento igualmente integrado, que não se detém na simples variável econômica. Sem dúvida, o elemento quantitativo não deixa de ter predominância sobre o qualitativo nas fases iniciais do processo. Toda nação, seja realista ou idealista a filosofia que inspira o seu projeto, faz-se necessariamente pragmática no momento de alçar vôo para a plena afirmação. Tal mobilização de forças, entretanto, leva a um geral despertar de energias espirituais que urge estimular como condição de êxito para o crescimento material, a que não pode cifrar-se o próprio desenvolvimento como categoria global. Nessa múltipla incidência é decisivo o papel da Educação.

Outro autor, Cunha (1979), trouxe o assunto de forma bastante abrangente.

Como a presente dissertação não irá aprofundar-se nesse texto, somente

indicaremos, dentre os cinco capítulos da obra, aqueles quem mais dizem respeito

ao exposto na Introdução (p. 22):

O livro consta de 5 capítulos, escritos como ensaios autônomos, guardando, entretanto, uma estreita relação entre si. O primeiro capítulo, A educação e a construção de uma sociedade aberta, apresenta a origem histórica, no pensamento liberal, da ideologia que atribui à educação o papel de instrumento de equalização de oportunidades. Compara, também, as maneiras como esse papel aparece no pensamento pedagógico e no plano do Estado, no Brasil. O segundo capítulo, Educação e distribuição da renda, contém uma crítica a certas "explicações" que têm sido dadas ao processo de concentração da renda ocorrido no Brasil, tendentes a encontrar sua causa numa suposta insuficiência na oferta de pessoas de escolaridade média e superior. [...] o quinto capítulo, Política educacional: contenção e liberação, analisa (sic!) as medidas do Estado no campo educacional, bem como certos mecanismos empresariais que desempenham, consistentemente, funções econômicas e político-ideológicas de discriminação da classe trabalhadora e até mesmo de certos setores das camadas médias.

52

De qualquer maneira, ao apresentarem suas propostas, a Lei já estava em

vigor, desde o ano de 1971, fundamentada na Constituição Brasileira de 1967. A

seguir lançaremos nossas análises para a questão específica das Ciências Naturais

como indicadas na Lei nº 5692/71.

Na Constituição Federal de 1967, que, lembremos, foi promulgada nos

primeiros Anos de Chumbo, enquanto presidia o Brasil o Marechal Castelo Branco.

No artigo 8º ela dava à União a Competência de:

XIV - estabelecer planos nacionais de educação e de saúde

XVII - legislar sobre:

q) diretrizes e bases da educação nacional; (...).

Quando tratou especificamente a respeito da educação, esclareceu:

Art. 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana.

§ 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos.

§ 2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à Iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo.

§ 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas:

I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional;

II - o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais; (...) (grifo nosso).

Já a lei LDB nº 5692/71, foi, na realidade, apenas uma alteração da LDB nº

4024/61 e teve como principal objetivo:

Art. 1º O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.

53

Observa-se que ela já utiliza a denominação de Graus: I - para o ensino

primário/ginasial e II – para o Ensino Médio. Não vamos dissertar a respeito da

mesma, por não ser objeto de nossa pesquisa, interessa-nos apenas o que ela

predispõe curricularmente para as Ciências Naturais. E, mais uma vez encontramos

essa responsabilidade afeta ao Conselho Federal de Educação:

Art. 4º Os currículos do ensino de 1º e 2º graus terão um núcleo comum, obrigatório em âmbito nacional, e uma parte diversificada para atender, conforme as necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos. [...]

I - O Conselho Federal de Educação fixará para cada grau as matérias relativas ao núcleo comum, definindo-lhes os objetivos e a amplitude.

A Resolução a que alude a Lei é a de nº 8 de 1º de dezembro de 1971 que

aprofunda o tratamento administrativo e pedagógico que deveria nortear esses dois

graus de ensino. O Parecer foi relato por Chagas (1971) do qual destacamos o que

se refere às Ciências. À página 39 ele orienta para as grandes linhas formadoras de

um mínimo, assim, classifica as matérias em três campos: “(a) Comunicação e

Expressão, (b) Estudos Sociais e (c) Ciências, paradoxalmente mais unificadora

que a classificação dupla de Ciências e Humanidades , [...]” (grifo nosso).

Quando trata dos objetivos próprios das Ciências (p. 41), indica: o

“desenvolvimento do pensamento lógico e a vivência d o método científico, sem

deixar de pôr em relevo as tecnologias que resultam de “suas aplicações”. (grifo do

autor).

Quanto à Resolução nº 8 propriamente dita:

Art. 1º O núcleo comum a ser incluído, obrigatoriamente, nos currículos plenos de ensino de 1º e 2º graus abrangerá as seguintes matérias:

a) Comunicação e Expressão; b) Estudos Sociais; c) Ciências. § 1° Para efeito da obrigatoriedade atribuída ao núcleo comum, incluem-se como conteúdos específicos das matérias fixadas: (...);

c) nas Ciências — a Matemática e as Ciências Físicas e Biológicas.

54

§ 2º Exigem-se (...) Programa de Saúde (...)

A orientação dada às unidades escolares e professores a respeito da

importância dessas matérias foi justificada no Artigo 3º, observa-se no seu parágrafo

1º a aplicação do método científico, portanto contrário às aulas expositivas:

Art. 3º Além dos conhecimentos, experiências e habilidades inerentes às matérias fixadas, (...), o seu ensino visará: c) nas Ciências, ao desenvolvimento do pensamento lógico e à vivência do método científico e de suas aplicações.

§ 1° O ensino das matérias fixadas e o das que lhes sejam acrescentadas, sem prejuízo de sua destinação própria, deve sempre convergir para o desenvolvimento, no aluno, das capacidades de observação, reflexão, criação, discriminação de valores, julgamento, comunicação, convívio, cooperação, decisão e ação, encaradas como objetivo geral do processo educativo.

A preocupação da progressão dos conhecimentos foi estabelecida no Artigo

4º:

Art. 4° As matérias fixadas nesta Resolução serão escalonadas, nos currículos plenos do ensino de 1° e 2° graus, da maior para a menor amplitude do campo abrangido, constituindo atividades, áreas de estudo e disciplinas.

Já o artigo 5º esclarecia como deveria ser esse escalonamento:

Art. 5º No escalonamento a que se refere o artigo anterior, conforme o plano do estabelecimento, as matérias do núcleo comum serão desenvolvidas:

I — No ensino de 1º Grau,

a) nas séries iniciais, sem ultrapassar a quinta sob as formas de [...] e Iniciação às Ciências [...], tratadas predominantemente como atividades;

b) em seguida, e até o fim desse grau, sob as formas [...], e Ciências, tratadas predominantemente como áreas de estudo;

II — No ensino de 2º Grau, sob as formas de [...], Ciências Físicas e Biológicas, tratadas predominantemente como disciplinas e dosadas segundo as habilitações profissionais pretendidas pelos alunos.

55

Parágrafo único. Ainda conforme as habilitações profissionais pretendidas pelos alunos, as Ciências Físicas e Biológicas, referidas no inciso II, poderão ser desdobradas em disciplinas instrumentais da parte especial do currículo e, como tais, integrar também esta parte.

Antes de passarmos adiante nos artigos da Lei, precisamos esclarecer três

termos apresentados no artigo acima, que serão importantes para se entender os

PCNs, que serão abordados no Capítulo II, e que àquela época não foram bem

entendidos pelos componentes do magistério. Trata-se do significado de Atividades,

Áreas de Estudos e Disciplinas. Tal explicação pode ser encontrada em Chagas

(1978, p.197), que se fundamentou na evolução cognitiva da psicogenética. Explica

o autor:

Essa amplitude apresenta-se tanto maior quanto mais baixo seja o nível alcançado na escolarização e tanto menor, em conseqüência, quanto mais alto seja ele. Até boa parte do período das operações concretas, a criança age no mundo e sobre ele, adquirindo hábitos e outros comportamentos mais ou menos estereotipados, com um mínimo de interiorização e mobilidade; daí a predominância das atividades como forma de abordagem global do Conhecimento. A medida, porém, que aumenta a capacidade de discriminação do indivíduo e certos campos adquirem destaque e nitidez, surgem em primeiro plano as áreas de estudo como divisão do Conhecimento em amplos setores. Por fim, tanto mais avançado esteja o período das operações formais quanto mais cresce aquela capacidade de discriminação e pode o aluno, em um número crescente de situações, prescindir do apelo direto aos objetos; donde o ensino calcado principalmente em disciplinas como subdivisões das áreas de estudo. (grifo do autor).

1.6. Sumarização do Capítulo

Como foi possível acompanhar até aqui por meio do escorço histórico, pode-

se notar de modo geral como foi sendo implantado e desenvolvido o ensino de

Ciências no Brasil. Pôde-se ver aqui, na primeira seção deste capítulo que a vinda

dos jesuítas para o Brasil proporcionou a implantação do ensino vinculado às

concepções religiosas cristãs. Embora tenha esse vínculo, os jesuítas foram os

primeiros a se preocuparem com uma educação formal no país. Do ponto de vista

epistemológico realizaram única e exclusivamente o reforço dos conhecimentos de

conteúdo cristão.

56

Com a vinda da família real portuguesa em 1808 e as consequentes

mudanças na estrutura educacional do país, percebeu-se uma mudança estrutural

fundamental na constituição do país. Essas mudanças puderam ser acompanhadas

mais de perto através das experiências institucionais do Museu Nacional e do Jardim

Botânico do Rio de Janeiro, bem como nas ações didático-pedagógicas do notório

Colégio Pedro II, sendo este o primeiro a focalizar em seu currículo “disciplinas

científicas”. Do ponto de vista epistemológico percebeu-se o surgimento do

positivismo.

Pôde-se acompanhar a história da educação brasileira entre o final do século

XIX e a primeira metade do século XX e como ela foi determinada por duas

correntes filosóficas e suas influências na estrutura educacional do Brasil, a saber, a

consolidação do positivismo e a incidência do pragmatismo. Daí a importância do

Manifesto dos Pioneiros (1934) e o movimento da Nova Escola. Analisando as

Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946, pôde-se indicar de modo geral a

posição das disciplinas científicas na estrutura curricular. Foi nesse momento que o

sistema educacional previu a implantação das disciplinas de ciências naturais

(biologia) consolidando desta forma a epistemologia positivista e pragmática. Não

menos importante foram as décadas de 1960 a 1980 quando por influência norte-

americana a epistemologia foi pragmática e praticamente para a educação básica as

propostas positivistas foram abandonadas.

Enfim, temos que destacar para o ensino das ciências naturais/biologia o

decreto 19.851/31 que fortaleceu a introdução dessas disciplinas na grade curricular

da Educação Básica; e a Lei de Diretrizes e Bases 4024/61 uma vez que com ela

ficou consolidada a necessidade de planos educativos e, por conseguinte, a escolha

epistemológica de cada planejador. Por isso, o próximo capítulo tratará justamente

de analisar os documentos estruturantes da educação brasileira contemporânea.

57

CAPÍTULO II

O BRASIL PÓS 1988 E A IMPLANTAÇÃO DA LEI DE DIRETRI ZES E

BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LDBEN), N. 9394/96

O capítulo I apresentou um esboço para encaminhamento da compreensão

das bases epistemológicas com as quais se deveria analisar as questões da história

brasileira e a situação real na qual ocorre atualmente o processo educativo, das

escolas e da sala de aula. Pretende-se, nesse capítulo, apresentar mesmo que

sucintamente a evolução da educação brasileira e dentro dela o momento que surgiu

e como foi progredindo o ensino das ciências até chegar ao conteúdo específico da

biologia. Verificamos que por todo o período o que vigorou foi a epistemologia ora

cristã, ora positivista, ora pragmatista, no mais das vezes caracterizando-se um

amalgamar dessas, com maior ou menor peso a uma ou outra corrente.

Trataremos da fase mais recente do processo educacional brasileiro e

paulista, analisando um conjunto de leis e documentos que orientam o processo

educacional. Especificamente iremos analisar os textos mais básicos,

representados: pela Constituição Federal de 1988; pela Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBEN), n. 9394/96, pelos Parâmetros e Diretrizes

Curriculares; e, pela orientação advinda da Secretaria de Educação do Estado de

São Paulo.

2.1 O Ensino Médio na Perspectiva da Constituição d e 1988 e da

Nova LDB

Abordar apenas o tema específico a respeito do Ensino Médio dentro da

Constituição em vigor a partir de 1988 é erro básico, visto que esse capítulo

somente tem sentido à luz do princípio maior e que irá orientar toda a vida do

cidadão brasileiro e especificamente em nosso caso, todo o sistema educacional.

58

Estamos falando de algo imprescindível à Constituição de 1988 em seu

TÍTULO I - Dos Princípios Fundamentais, dos quais destacamos (com grifo nosso):

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana;

Tendo sempre presente essa prescrição pode-se dirigir ao que de específico

fica consagrado na Carta Magna e que está no capítulo e seção referentes à

Educação,

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A primeira parte desse artigo não representa nenhuma novidade, visto que o

Estado e a família já eram declinados em constituições anteriores. O que de novo

existe é a possibilidade de contar com a colaboração da sociedade, fator que não se

encontra regulamentado em nenhum documento oficial posterior, mas que

possibilitou a criação e permanência de escolas privadas, confessionais ou não. Há

que se observar, igualmente, que o termo cidadania está aí declarado e mantendo a

noção da legislação de 1971, permanece a intenção da qualificação para o

trabalho . Essas duas questões serão importantes para se verificar como se dará a

epistemologia nos documentos oficiais ligados ao currículo e mais ainda, como

serão encaminhados os temas nos planos da unidade escolar.

Nos dias atuais se discute muito e embora não sendo um dos temas a ser

tratado em nossa pesquisa, a questão da Progressão Continuada. Esse fato pode

ser interpretado de formas mais variadas, porém, ele está fundamentado no:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

59

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

No que diz respeito ao Ensino Médio, ele é tratado de forma inovadora dentro

de uma Constituição brasileira, que singularmente, no artigo 208, declara que ele é

dever do Estado e entendido como: “II - Progressiva extensão da obrigatoriedade e

gratuidade [...]”.

Oliveira (1999) chama atenção para um fato vital para essa etapa de ensino,

qual seja uma alteração no sistema que vinha desde 1934, ocasião na qual se

colocava essa modalidade como propedêutica, isto é: existia, porém não era

absolutamente necessária, pois poderia ser substituída pelo ensino técnico. Agora,

ele é obrigatório como conclusão da etapa da educação básica.

2.1.1. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacion al, nº 9394/ 96 (LDBEN)

O primeiro destaque a se observar diz respeito aos oito anos que se

passaram entre a promulgação da Constituição e aprovação dessa Lei. Na prática o

que permanecia era a legislação de 1971, portanto os rumos da educação eram

frontalmente contrários à nova história republicana.

Um dos motivos dessa demora era o espírito democrático, àquele momento

em vigor, que atendia aos esforços de todo cidadão ou organização legitimamente

representativa, que se fazia ouvir com Encontros, Simpósios, Congressos, artigos,

projetos, etc., discutindo princípios e artigos para a nova lei. Saviani (2008) indica a

tramitação de seis textos. Ao final é aprovado o do senador Darcy Ribeiro, o que

causou estranheza e até aversão por alguns autores especialmente pelo próprio

Saviani que à página 231 declara:

O desfecho da tramitação da LDB evidenciou, [...], que no âmbito da educação a vontade política que acabou prevalecendo operou em sentido

60

contrário o esforço necessário para se equacionar um problema que vem se arrastando há mais de um século e que, por isso mesmo, já não pode mais ser escamoteado e cuja gravidade é consensualmente reconhecida.

Lei aprovada com o consentimento ou não dos teóricos, era necessário que

fosse imediatamente implantada. Isolando apenas o que é relevante para a nossa

pesquisa vamos analisar essa Lei. Iniciaremos pelo que dela é fundamental, ou seja,

os fundamentos norteadores que deverão constar da prática em sala de aula e estão

no TÍTULO I - DA EDUCAÇÃO (grifo nosso):

Art. 1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa , nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

§ 1º - Esta lei disciplina a educação escolar , que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias .

§ 2º - A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social .

Os grifos já orientam o que de específico deve ser obedecido pelos sistemas:

os processos formativos, as unidades especificamente escolares como centros

educativos. O legislador que tornar inequívoca as verbas educacionais não se

voltarem para Organizações Não-Governamentais (ONGs), ou associações que

embora importantes pelos seus objetivos e conteúdos, não fariam parte do sistema

público. Outro ponto grifado mostra o cuidado do ensino se voltar para o mundo do

trabalho e da prática social. É interessante que se observe que Darcy Ribeiro

aceitava as propostas do Manifesto dos Educadores, que contemplavam esses dois

tópicos.

O artigo 3º amplia e aprofunda os princípios expostos na Constituição, senão

vejamos:

Art. 3º - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

61

IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; [...] IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extraescolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

Indo diretamente ao que se refere ao Ensino Médio, vejamos o TÍTULO V,

artigo 21 que determina os níveis e modalidades de educação e ensino. No inciso I

preconiza: “I – educação básica, formada pela educação infantil, Ensino

Fundamental e Ensino Médio ”.

A partir de então vão sendo colocadas finalidades e procedimentos a serem

obedecidos em todas as fases hierárquicas dos sistemas. Para o total do conjunto

de etapas da Educação Básica a Lei determina:

Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

O que chama a atenção é a insistência para com a formação do ser humano

como cidadão. Mas para a prática docente fica a importância do entendimento desse

nível como uma passagem para estudos posteriores, não sendo tratado se para a

universidade ou somente para a progressão no trabalho.

O parágrafo anterior tratou do Ensino Médio no conjunto da Educação Básica,

entretanto para ele há artigos prescritivos, quais sejam:

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

62

IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

A novidade dentro desse artigo está no último Inciso que se volta para a maior

atualidade de então, qual seja os fundamentos científico-tecnológicos, e que serão

arduamente tratados nos PCNs. Esse fator é tão importante que no artigo seguinte é

reforçado (grifo nosso):

Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:

I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes ;[...]

§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna.

Observa-se o inciso II do caput a declaração de princípios epistemológicos, o

que não acontecia em legislação anterior, como estudado no capitulo precedente.

Até a promulgação da Constituição/88, o regime de exceção implantava

normas e os que a elas eram submetidos somente restava cumprir as

determinações. Com esse princípio havia um documento denominado Guias

Curriculares, o livro mestre para os professores. A partir da Constituição de 1988, o

princípio constitucional previa no artigo 5º a respeito dos direitos e de deveres do

cidadão: “IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença.” E como já vimos

anteriormente o artigo 206 preconizava: O ensino será ministrado com base nos

seguintes princípios: “II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o

pensamento, a arte e o saber”.

A esses princípios constitucionais acrescia-se para as unidades escolares,

além da liberdade constitucional, a obrigação de seguir os princípios que já

63

destacamos acima e que aqui relembramos: “artigo 3º O ensino será ministrado com

base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e

divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de

concepções pedagógicas”.

Deixar a plena liberdade foi totalmente desconsiderado e a LDBEN vai

apresentando uma série de diretrizes e obrigações das diferentes instâncias. Assim:

Art. 8º - § 1º Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.

§ 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei.

Ainda se referindo ao papel da União, o artigo 9º preconiza: (grifo nosso)

IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.

O que toda essa trama legal quer dizer: há necessidade de se organizar a

educação até para que se mantenha a unidade republicana, porém se transpõe para

os níveis inferiores da instituição no nosso caso a escola a responsabilidade pela

produção intelectual de tal forma que a educação cidadã seja efetivada.

Essa organização continua sendo determinada e quando trata da construção

do currículo estabelece no artigo 26:

Os currículos, do ensino fundamental e médio, devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversifica, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

64

Verifica-se a responsabilidade das unidades escolares e de cada professor. A

seguir no mesmo artigo são declinados quais os conteúdos obrigatórios a serem

inseridos nos diferentes sistemas. Para nós interessa especificamente o parágrafo 1º

uma vez que dentro dele claramente fica inserida as ciências naturais no todo do

Ensino Fundamental e do Ensino Médio, o que não ocorria anteriormente. Esse

artigo se expressa da seguinte maneira:

Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o (...) conhecimento do mundo físico e natural, da realidade social e política, especialmente do Brasil.

Essa determinação como se verá a seguir será apropriada pelos PCNs e

determinada nas diretrizes estaduais, fato que esclarece a presença do componente

Biologia centro de nossa pesquisa.

Quando se destaca a Biologia já se está a referir diretamente ao Ensino

Médio. A esse é dada orientação específica na Seção IV. Do artigo 35 lembramos

que ele é a etapa final do ensino básico. Já o Art. 36 no seu, §1º, consolida: “os

conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal

forma que ao final do Ensino Médio o educando demonstre: I - domínio dos

princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; [...]”.

2.2. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e o E nsino de

Ciências/Biologia

Não importa a existência da lei, se não há um órgão ou alguém a se obrigar a

pô-la em execução. Esse normalmente no nível nacional é o papel do Ministério da

Educação (MEC).

O MEC publicou diversos volumes destinados à visão teórica do ensino para

a 1ª a 4ª séries, para a 5ª a 8ª séries (vivenciados atualmente pelo sistema de

Ciclos), e para o Ensino Médio, de forma a sugerir formas de orientação do processo

65

educativo oficial. É evidente que para a nossa pesquisa o volume destinado ao

Ensino Médio será o documento básico.

Antes de passarmos à análise desse texto, queremos fazer uma distinção

entre o que se fizera na fase anterior, ou seja, a obediência aos Guias ou diretrizes

Curriculares e o que se pretendia naquele momento, ou seja, a observação dos

Parâmetros.

Segundo Houaiss (2001), um dos significados do termo Diretriz: “esboço, em

linhas gerais, de um plano, projeto, etc.”, quando estabelece o significado do termo

Parâmetro, indica que ele é específico da Matemática e significa (entre outros):

“variável de caráter secundário cuja finalidade é especificar os objetivos de um

conjunto ou de uma família.” Neste momento não pretendemos aprofundar o

conteúdo dos Guias, somente lembramos que neles se encontravam os fins e

objetivos da educação e acrescentavam os conteúdos específicos de cada

disciplina.

Nos Parâmetros o que se pretende como explicado pelo então Ministro da

Educação, Paulo Renato de Souza, é encontrado na Carta de Apresentação, que

por sua relevância transcrevemos:

AO PROFESSOR

O papel fundamental da educação no desenvolvimento das pessoas e das sociedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milênio e aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de cidadãos. Vivemos numa era marcada pela competição e pela excelência, em que progressos científicos e avanços tecnológicos definem exigências novas para os jovens que ingressarão no mundo do trabalho. Tal demanda impõe uma revisão dos currículos, que orientam o trabalho cotidianamente realizado pelos professores e especialistas em educação do nosso país.

Assim, é com imensa satisfação que entregamos aos professores do ensino fundamental os Parâmetros Curriculares Nacionais, com a intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva escolas, pais, governos e sociedade e dê origem a uma transformação positiva no sistema educativo brasileiro.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania.

66

Os documentos apresentados são o resultado de um longo trabalho que contou com a participação de muitos educadores brasileiros e têm a marca de suas experiências e de seus estudos, permitindo assim que fossem produzidos no contexto das discussões pedagógicas atuais.

Inicialmente foram elaborados documentos, em versões preliminares, para serem analisados e debatidos por professores que atuam em diferentes graus de ensino, por especialistas da educação e de outras áreas, além de instituições governamentais e não- governamentais. As críticas e sugestões apresentadas contribuíram para a elaboração da atual versão, que deverá ser revista periodicamente, com base no acompanhamento e na avaliação de sua implementação.

Esperamos que os Parâmetros sirvam de apoio às discussões e ao desenvolvimento do projeto educativo de sua escola, à reflexão sobre a prática pedagógica, ao planejamento de suas aulas, à análise e seleção de materiais didáticos e de recursos tecnológicos e, em especial, que possam contribuir para sua formação e atualização profissional.

Paulo Renato Souza Ministro da Educação e do Desporto

No primeiro parágrafo já se encontra a determinação constitucional qual seja

a formação do cidadão. No segundo parágrafo o que se observa é a vontade do

Ministério em envolver o maior número possível de responsáveis pela educação das

novas gerações. O terceiro parágrafo mostra que, ao invés de uma determinação, o

documento apresenta uma orientação a ser aprofundada e adaptada a cada local

específico onde ocorre o processo educativo. O quarto e o quinto parágrafos

mostram que o documento contou com a colaboração dos mais diferentes

educadores e instituições.

O que o Ministro quis externar era a maleabilidade de aplicação dos

Parâmetros e a necessidade daqueles que estivessem responsáveis pelos sistemas,

unidades escolares e salas de aula, usassem as orientações, mas se

responsabilizassem integralmente pelo aprendizado escolar.

Dois documentos legais precederam e fundamentaram os PCNs, e se

encontram nos Anexos I e II, e serão sistematicamente lembrados de ora em diante.

Trata-se do Parecer do Conselho Nacional de Educação de nº 15/98 aprovado em

1/06/98 pela Câmara de Educação Básica (CEB), do Conselho Nacional de

Educação (CNE), acrescido da Resolução CEB/CNE nº 03/98 que tratam das

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

67

A necessidade de reavaliação dos PCNs foi uma constante a partir do texto

original de 1997. Deixando de lado todos os que se efetivaram a partir dessa data,

passaremos neste momento para o PCN+ (2007) e o PCN (2006), que em resumo

possuem a mesma essência. Ambos são os orientadores de nossas ações de

magistério e aplicados na presente pesquisa.

A visão dos dois PCNs citados indica como base a aprendizagem do

conhecer, o aprender a fazer, aprender a viver a vida e aprender a ser. Contemplará

o currículo em seus conteúdos e as estratégias de aprendizagem, o que possibilitará

desenvolver o potencial humano nos seguintes âmbitos: social, produtivo e pessoal,

integrando-os ao cidadão.

Devem-se considerar algumas características apontadas pela United Nations

Educational, Scientificand Cultural Organization (UNESCO), que seguem abaixo

como incorporadas às diretrizes gerais referentes à educação no mundo atual.

No que tange à premissa aprender a conhecer observa-se como importante

a busca e a necessidade de uma educação, que possibilite posteriormente um

aprofundamento em uma área específica. Havendo a disponibilidade de recursos

para a busca e domínio do conhecimento, tendo o meio como mecanismo de

compreensão de qualquer conteúdo, para desenvolvimento das habilidades

pessoais, sociais e profissionais. Quanto mais há conhecimento, mais estímulo e

prazer existem no desenvolvimento da capacidade intelectual e no senso crítico.

Referente ao aprender a fazer , ocorre a promoção do desenvolvimento das

habilidades e estimula o surgimento de novas capacidades do indivíduo na vida

cotidiana com o uso da teoria, na prática acrescidos de recursos de tecnologia na

ciência e sua expressão na vida social.

Em relação ao aprender a viver a vida , é abordada a capacidade de

aprender a viver juntos, percebendo o outro e desenvolvendo relações de

interdependência e visando a convivência harmônica e a resolução de conflitos.

Quanto ao aprender a ser , deve haver comprometimento por parte da

educação com o contínuo desenvolvimento de um cidadão, requerendo preparo da

pessoa em todos os âmbitos sociais, na tentativa de formação de um individuo

68

pensante, crítico, criativo, capaz de discernir a respeito dos temas que o cercam e

de sua própria vida pessoal, garantindo e assegurando liberdade de expressão e

pensamento.

Tanto o “aprender a viver como o a ser”, derivam do “aprender a conhecer e a

fazer”, agregando a responsabilidade do desenvolvimento e formação de um

verdadeiro cidadão, cuja transformação possa ser contínua.

Considerando todos os princípios e necessidades, o currículo deve conter

programas e conteúdos voltados aos objetivos no que tange ao desenvolvimento de

competências e habilidades, visando-se desenvolvê-los no Ensino Médio.

Considerando-se também um dimensionamento que abrange o “histórico-cultural”,

há ligação entre os valores sociais e históricos transpondo-os ao contexto atual,

permitindo a contextualização conforme relevância social e de valores.

O que se percebe é uma proposta epistemológica que permite a reconstrução

dos procedimentos, que englobam os aspectos do conhecimento, garantindo

contínua adequação e possibilidade de inserção de novas ideias e criações.

Desde as prescrições da LDBEN o Ensino Médio se divide em três áreas ou

saberes de conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da

Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e, Ciências Humanas e suas

Tecnologias, acreditando assim que a base de estudos fosse próxima, o que

facilitaria e estimularia a prática da Interdisciplinaridade.

Neste trabalho vamos nos ater à área de Ciências da Natureza e suas

Tecnologias.

De acordo com os PCNs citados, esta área de ensino privilegia a investigação

científica, a fim de incentivar e aproximar os educandos deste processo. A maioria

das ciências deriva da linguagem matemática, no qual a mesma torna-se

instrumento de expressão e comunicação e almeja considerar aspectos do cotidiano

real. As ciências naturais baseiam-se em objetos e meio histórico, no qual há

adequação conforme suas “próprias regras” e particularidade de cada ramo das

ciências naturais.

69

Além disso, os princípios científicos, como a impessoalidade e objetividade,

acrescidos da busca das razões e suas causas, devem ser compreendidos,

associando-os à busca por soluções e tomada de decisão no âmbito contextualizado

dos sujeitos, podendo utilizar-se dos recursos que cada ciência possui, gerando

inovação em seus processos. Desta forma, na relação ciência X tecnologia busca-se

compreender a necessidade real das pessoas, utilizando-se do saber científico /

metodológico na constante busca por soluções e novas proposições para situações

existentes ou que surgirão.

Outro conceito importante é o da interdisciplinaridade, pois ela visa

ultrapassar os limites impostos ao conhecimento compartimentalizado que analisa

os assuntos de forma fragmentada. Em nova perspectiva de tratamento de

conhecimentos a solução dos problemas de ensino/aprendizagem é facilitada graças

à conjugação de várias disciplinas que se interrelacionam.

Com a flexibilidade dos conteúdos, a contextualização social e detalhamento

de cada matéria, será possível a inserção e preparação do aluno para o futuro

mercado profissional.

Cada disciplina/conteúdo, conforme a área em que o educando se

especializará e centralizará posteriormente, terá sido visto de forma básica e mesmo

que superficial nas matérias estudadas, mediante seu grau de complexidade.

Identifica-se neste ponto, uma educação voltada tanto à formação geral quanto à

profissional.

Referente aos saberes das Áreas Curriculares, como dito anteriormente, a

área das Ciências da Natureza e Matemática, identificam competências que

abrangem conceitos da física, química, biologia etc., interligando e entendendo tanto

os aspectos práticos e racionais quanto também à grandeza da natureza, que

possibilita o exercício contínuo do desenvolvimento cognitivo, do aspecto motivador

das descobertas.

As ciências, foco deste estudo, referenciadas acima, devem constituir

habilidades e competências que possibilitem, de acordo com a versão de 2000 dos

PCNs (p. 95 - 96):

70

• compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade;

• entender e aplicar métodos e procedimentos próprios das Ciências Naturais;

• identificar variáveis relevantes e selecionar os procedimentos necessários para produção, análise e interpretação de resultados de processos ou experimentos científicos e tecnológicos;

• apropriar-se dos conhecimentos da Física, da Química e da Biologia, e aplicar esses conhecimentos para explicar o funcionamento do mundo natural, planejar, executar e avaliar ações de intervenção na realidade natural;

• compreender o caráter aleatório e não-determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar instrumentos adequados para medidas, determinação de amostras e cálculo de probabilidades;

• identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre valores de variáveis, representados em gráficos, diagramas ou expressões algébricas, realizando previsão de tendências, extrapolações e interpolações, e interpretações;

• analisar qualitativamente dados quantitativos, representados gráfica ou algebricamente, relacionados a contextos sócio-econômicos, científicos ou cotidianos;

• identificar, representar e utilizar o conhecimento geométrico para o aperfeiçoamento da leitura, da compreensão e da ação sobre a realidade;

• entender a relação entre o desenvolvimento das Ciências Naturais e o desenvolvimento tecnológico, e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuseram e propõem solucionar;

• entender o impacto das tecnologias associadas às Ciências Naturais na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.

• aplicar as tecnologias associadas às Ciências Naturais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida;

• compreender conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas, e aplicá-las a situações diversas no contexto das ciências, da tecnologia e das atividades cotidianas.

Uma observação mesmo que superficial já pode remeter à interpretação de

que todos esses objetivos estão a reproduzir uma epistemologia positivista, em

razão a aplicação do método científico experimental.

Passaremos agora para o documento dos PCNs+, por ser mais completo,

detalhado e orientador para os planos de Biologia.

Segundo as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros

Curriculares Nacionais as principais áreas de interesse da Biologia são sintetizadas

em seis temas estruturadores:

71

O primeiro tema é o da interdependência da vida e se apoia nas ciências

ambientais. Os conteúdos abordam a vida e o meio ambiente, a interação e

dependência entre os mesmos. Apresenta a organização sistêmica da vida, as

influências, o que o ser humano pode causar no ambiente. Os assuntos

relacionados a este tema possibilitam o desenvolvimento de competências que

promovem ações de intervenção junto ao meio ambiente.

Quanto às unidades temáticas ainda abrangendo este tema, os PCNs

identificam:

1. A interdependência da vida

• Identificar, analisando um ambiente conhecido (um jardim, um parque, um terreno baldio, uma mata), as características de um ecossistema, descrevendo o conjunto vivo auto-suficiente nele contido.

• Reconhecer que os seres vivos em um ecossistema, independentemente de ser um lago, uma floresta, um campo ou um simples jardim, mantêm entre si múltiplas relações de convivência indiferente ou de ajuda mútua com alguns e de conflito com outros, a ponto de prejudicá-los ou de se prejudicar.

• Avaliar o significado das interações estabelecidas entre os indivíduos para o conjunto das espécies envolvidas e para o funcionamento do sistema.

• Fazer um levantamento de dados, pesquisando variados tipos de registros, referentes às condições ambientais – luminosidade, umidade, temperatura, chuvas, características do solo, da água – existentes em ecossistemas diferentes.

• Organizar os dados obtidos relacionados às condições ambientais, em tabelas e/ou gráficos e interpretá-los, visando a identificar a influência dessas condições na sobrevivência das espécies e na distribuição da vida na Terra.

• Identificar no globo terrestre as regiões de maior diversidade de seres vivos, associando essa concentração e variedade de vida com as condições de luz e umidade.

• Relacionar a estabilidade dos ecossistemas com a complexidade das interações estabelecidas entre os organismos das populações na natureza. (p.42/43).

O item de número 1 tratou mais especificadamente de objetivos relacionados

ao meio ambiente. O item de número 2 detalhará as questões ideológicas:

2. Os movimentos dos materiais e da energia na natu reza

72

Em um dado ecossistema (uma mata preservada, um terreno baldio, um trecho de praia, por exemplo), observar as condições do meio e os seres vivos aí existentes para:

• identificar as relações alimentares estabelecidas entre esses organismos, empregando terminologia científica adequada;

• representar essas relações alimentares, utilizando esquemas apropriados;

• interpretar as relações alimentares como uma forma de garantir a transferência de matéria e de energia do ecossistema;

• identificar a origem da energia existente em cada nível de organização desse ecossistema;

• traçar o circuito de determinados elementos químicos como o carbono, oxigênio e nitrogênio, colocando em evidência o deslocamento desses elementos entre o mundo inorgânico (solo, água, ar) e o mundo orgânico (tecidos, fluidos, estruturas animais e vegetais);

• coletar material e realizar experimentos com a finalidade de observar a decomposição da matéria orgânica e compreender que o reaproveitamento de materiais, que ocorre naturalmente nos ecossistemas, impede o esgotamento dos elementos disponíveis na Terra;

• representar graficamente as transferências de matéria e de energia ao longo de um sistema vivo;

• redigir um relatório, utilizando linguagem científica adequada para apresentar as principais observações, conclusões e possíveis generalizações. (p: 43).

O item de número 3 trata das ações antrópicas no meio ambiente:

3. Desorganizando os fluxos da matéria e da energia: a intervenção humana e os desequilíbrios ambientais a partir de diversas fontes de informação (textos científicos, reportagens jornalísticas ou imagens) que discutam a exploração e o uso dos recursos naturais pela sociedade:

• analisar a maneira como o ser humano interfere nos ciclos naturais da matéria para recriar sua existência, retirando materiais numa velocidade superior à que podem ser repostos naturalmente ou devolvendo em quantidades superiores às suportadas pelos ecossistemas até que a degradação deles se complete;

• analisar dados sobre intensificação do efeito estufa, diminuição da taxa de oxigênio no ambiente e uso intensivo de fertilizantes nitrogenados, associando-os às interferências humanas nos ciclos naturais dos elementos químicos;

• avaliar diferentes medidas que minimizem os efeitos das interferências humanas nos ciclos da matéria;

• descrever as características de regiões poluídas, identificando as principais fontes poluidoras do ar, da água e do solo;

73

• fazer um levantamento de dados relativos às condições do solo, da água e do ar das regiões onde vivem os alunos e compará-los com outras regiões brasileiras;

• propor, debater e divulgar junto à comunidade medidas que podem ser tomadas para reduzir a poluição ambiental, distinguindo as de responsabilidade individual e as de responsabilidade coletiva e do poder público. (p. 43).

O item de número 4 trabalha com os dados mais atuais que visam o bem

estar da sociedade:

4. Problemas ambientais brasileiros e desenvolvimento sustentável: uma relação possível?

A partir de dados e informações referentes às modificações pelas quais passaram os principais biomas brasileiros em quinhentos anos de exploração:

• relacionar a densidade e o crescimento da população com a sobrecarga dos sistemas ecológico e social;

• relacionar os padrões de produção e consumo com a devastação ambiental, redução dos recursos e extinção de espécies;

• apontar as contradições entre conservação ambiental, uso econômico da

biodiversidade, expansão das fronteiras agrícolas e extrativismo;

• avaliar a possibilidade de serem adotadas tecnologias ambientais saudáveis;

• analisar propostas elaboradas por cientistas, ambientalistas, representantes do poder público referentes à preservação e recuperação dos ambientes brasileiros;

• fazer um levantamento das propostas que têm sido elaboradas visando ao

desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira e sistematizá-las em um texto.

Em uma determinada região (uma favela, um bairro, o entorno da escola) realizar estudos para:

• avaliar as condições ambientais, identificando o destino do lixo e do esgoto, o tratamento dado à água, o modo de ocupação do solo, as condições dos rios e córregos e a qualidade do ar;

• entrevistar os moradores, ouvindo suas opiniões sobre as condições do ambiente, suas reclamações e sugestões de melhoria;

• elaborar propostas visando à melhoria das condições encontradas, distinguindo as de responsabilidade individual das que demandam a participação do coletivo ou do poder público;

74

• identificar as instâncias da administração pública que poderiam receber as reivindicações e encaminhá-las. (p. 44).

A questão da qualidade de vida das populações humanas é abordada na

questão da saúde, não se restringindo somente à ausência de doenças, mas

relacionando-a também com o bem estar físico, mental, psicológico e social, que

permite por meio da interpretação e análise de dados, o desenvolvimento de

inúmeras competências. Vejamos:

1. O que é saúde?

Diante de índices de desenvolvimento humano e de indicadores de saúde pública, como os referentes à natalidade, esperança de vida ao nascer, mortalidade, longevidade, doençasinfecto-contagiosas, nutrição, renda, escolaridade, condições de saneamento, moradia, acesso aos serviços voltados para a promoção e a recuperação da saúde:

• relacionar as condições sócio-econômicas com a qualidade de vida das populações humanas de diferentes regiões do globo;

• elaborar tabelas ou gráficos mostrando a correlação entre certos indicadores como mortalidade infantil e escolaridade dos pais, ou níveis de renda e incidência de doenças infecto-contagiosas;

• construir a noção de saúde levando em conta os condicionantes biológicos como sexo, idade, fatores genéticos e os condicionantes sociais, econômicos, ambientais e culturais como nível de renda, escolaridade, estilos de vida, estado nutricional, possibilidade de lazer, qualidade do transporte, condições de saneamento. (p. 45).

Se o item número 1 tratou do conceito de saúde, o item número 2 tratará das

questões do desenvolvimento humano:

2. A distribuição desigual da saúde pelas populações

• Comparar os índices de desenvolvimento humano de países desenvolvidos com os de países em desenvolvimento.

• Elaborar tabelas com dados comparativos que evidenciem as diferenças nos indicadores de saúde da população de diferentes regiões brasileiras.

• Fazer um levantamento de dados e de informações junto às secretarias da administração municipal para identificar a disponibilidade de serviços e equipamentos voltados para promoção e recuperação da saúde, para educação, lazer e cultura em diferentes regiões da cidade.

75

• Fazer um mapa da cidade (ou do estado ou ainda das regiões brasileiras), indicando as regiões onde se encontram a maior e a menor concentração de equipamentos e serviços de saúde, lazer e cultura e comparar seus indicadores de saúde pública.

• Entrevistar moradores e líderes comunitários de diferentes bairros para identificar as reivindicações quanto aos serviços de saúde, educação, lazer e cultura e discutir com eles formas de encaminhá-las. (p. 45).

O item de número 3 se dedica a orientar as ações dos alunos:

3. As agressões à saúde das populações

• Identificar, a partir da análise de dados, as principais doenças que afetam a população brasileira considerando idade, sexo, nível de renda.

• Distinguir, entre as principais doenças identificadas, as infecto-contagiosas e parasitárias, as degenerativas, as ocupacionais, as carenciais, as sexualmente transmissíveis (DST) e as provocadas por toxinas ambientais.

• Realizar uma pesquisa bibliográfica para identificar as principais medidas preventivas para essas doenças.

• Elaborar explicações para os dados a respeito da evolução, na última década, em particular no Brasil, da incidência das DST, particularmente a aids, entre homens e mulheres de diferentes faixas etárias.

• Escolher medidas que representem cuidados com o próprio corpo e promovam a saúde sexual e reprodutiva dos indivíduos.

• Discutir os riscos da gravidez na adolescência e as formas de preveni-la, a partir da análise de dados.

• Levantar dados sobre as condições da previdência social e nível de emprego nas diferentes regiões brasileiras na última década, e propor um debate sobre essas condições e possíveis medidas para transformá-las, em que os alunos participantes representem o posicionamento de diferentes lideranças. (p. 45).

O item de número 4 analisará os dados referentes à comunidade na qual os

alunos se inserem:

4. Saúde ambiental

• Analisar dados sobre as condições de saneamento básico das várias regiões brasileiras.

• Caracterizar as condições de saneamento da região em que os alunos moram e compará-las com as da cidade ou do estado.

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• Correlacionar os dados de saneamento com os de mortalidade infantil e de doenças infecto-contagiosas e parasitárias.

• Fazer uma pesquisa bibliográfica ou junto à população sobre as principais formas de tratamento de água utilizadas.

• Fazer um levantamento sobre as principais formas de destino do esgoto e lixo no município e avaliar as vantagens e desvantagens de cada uma.

• Visitar regiões sem rede de água e esgoto para identificar a posição dos poços e das fossas nos vários terrenos e avaliar sua adequação.

• Discutir com os moradores possíveis soluções para impedir que a água seja contaminada pelos resíduos da fossa.

• Relacionar o reaparecimento de determinadas doenças (como cólera e dengue) com a ocupação desordenada dos espaços urbanos e a degradação ambiental.

• Levantar dados sobre as principais doenças endêmicas da região em que os alunos moram ou do Brasil e relacioná-las com as condições de vida na zona rural e nas periferias urbanas das grandes cidades. (p. 46).

Referente à Identidade dos Seres Humanos, nesse tema são estudadas as

características que identificam os seres vivos. As células têm todas as suas

características e funções vitais analisadas. Também são apresentadas as

tecnologias de manipulação genética, promovendo discussões sobre as vantagens e

desvantagens dessas técnicas ao homem e ao meio ambiente.

Quanto às unidades temáticas relacionadas ao tema em questão, segue

abaixo:

1. A organização celular da vida

Utilizando instrumentos óticos, observando fotos e diversas representações, pesquisando textos científicos:

• identificar na estrutura de diferentes seres vivos a organização celular como característica fundamental de todas as formas vivas;

• comparar a organização e o funcionamento de diferentes tipos de células para estabelecer a identidade entre elas;

• representar diferentes tipos de células;

• relacionar a existência de características comuns entre os seres vivos com sua origem única. (p. 46).

77

O item de número 1 tratou das questões citológicas e o item de número 2

tratará da estrutura e funções celulares:

2. As funções vitais básicas

• Registrar o caminho das substâncias do meio externo para o interior das células e vice-versa, por meio da observação ao microscópio ou da realização de experimentos para perceber que a constante interação entre ambiente e célula é controlada pelas membranas e envoltórios celulares.

• Analisar imagens e representações relacionadas aos diferentes tipos de transporte através da membrana celular.

• Analisar os processos de obtenção de energia pelos sistemas vivos – fotossíntese, respiração celular – para identificar que toda a energia dos sistemas vivos resulta da transformação da energia solar.

• Traçar o percurso dos produtos da fotossíntese em uma cadeia alimentar.

• Descrever o mecanismo básico de reprodução de células de todos os seres vivos (mitose) a partir de observações ao microscópio ou de suas representações.

• Associar o processo de reprodução celular com a multiplicação celular que transforma o zigoto em adulto e reconhecer que divisões mitóticas descontroladas podem resultar em processos patológicos conhecidos como cânceres. (p. 46/47).

O item de número 3 analisa e apresenta a transmissão da hereditariedade:

3. DNA: a receita da vida e o seu código

• Localizar o material hereditário em células de diferentes tipos de organismo observadas ao microscópio, em fotos e representações esquemáticas.

• Identificar a natureza do material hereditário em todos os seres vivos, analisando sua estrutura química para avaliar a universalidade dessa molécula no mundo vivo.

• Construir um modelo para representar o processo de duplicação do DNA.

• Estabelecer relação entre DNA, código genético, fabricação de proteínas e determinação das características dos organismos.

• Analisar esquemas que relacionem os diferentes tipos de ácidos nucléicos, as organelas celulares e o mecanismo de síntese de proteínas específicas.

• Relatar, a partir de uma leitura de referência, a história da descoberta do modelo da dupla-hélice do DNA, descrita na década de 1950 pelo biólogo J. Watson e pelo físico F. Crick. (p. 47).

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O item de número 4 remete à pesquisa que os alunos devem realizar com os

conteúdos científicos adquiridos:

4. Tecnologias de manipulação do DNA

• Identificar, a partir da leitura de textos de divulgação científica, as principais tecnologias utilizadas para transferir o DNA de um organismo para outro: enzimas de restrição, vetores e clonagem molecular.

• Fazer um levantamento de informações sobre a participação da engenharia genética na produção de alimentos mais nutritivos e resistentes a pragas e herbicidas, de produtos farmacêuticos, hormônios, vacinas, medicamentos e componentes biológicos para avaliar sua importância.

• Fazer um levantamento de informações para identificar alguns produtos originários de manipulação genética que já estejam circulando no mercado brasileiro.

• Relacionar entre os organismos manipulados geneticamente aqueles que são considerados benéficos para a população humana sem colocar em risco o meio ambiente e demais populações e os que representam risco potencial para a natureza, analisando os argumentos de diferentes profissionais. (p. 48).

No que tange à diversidade da vida, este tema propõe a caracterização da

diversidade da vida, contemplando sua distribuição nos ambientes e compreensão

dos fatores que contribuíram para a diversidade dos seres vivos. Analisa os

desequilíbrios ambientais causados pelo homem e seu impacto na diversidade da

vida presente no meio ambiente.

Referente às unidades temáticas, identifica-se:

1. A origem da diversidade

• Construir o conceito de mutação, analisando os efeitos de determinados agentes químicos e radioativos sobre o material hereditário.

• Reconhecer o papel das mutações como fonte primária da diversidade genética, analisando possíveis efeitos sobre o código genético provocados pelos erros na molécula do DNA.

• Reconhecer a reprodução sexuada e o processo meiótico como fonte de variabilidade genética.

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• Relacionar os processos responsáveis pela diversidade genética para elaborar explicações sobre a grande variedade de espécies no planeta.

• Fazer um levantamento de informações sobre os reinos em que estão divididos os seres vivos e suas principais características para elaborar um quadro resumo. (p. 48).

Enquanto o item número trata da riqueza de existência dos seres vivos, o item

2 traduz a possibilidade para a vida:

2. Os seres vivos diversificam os processos vitais

• Reconhecer os princípios básicos e as especificidades das funções vitais dos animais e plantas, a partir da análise dessas funções em seres vivos que ocupam diferentes ambientes.

• Caracterizar os ciclos de vida de animais e plantas, relacionando-os com a adaptação desses organismos aos diferentes ambientes.

• Estabelecer as relações entre as várias funções vitais do organismo humano.

• Localizar os principais órgãos em um esquema representando o contorno do corpo humano. (p. 48).

O item de número 3 aborda os critérios de organização para classificar os

seres vivos:

3. Organizando a diversidade dos seres vivos

• Reconhecer a importância da classificação biológica para a organização e compreensão da enorme diversidade dos seres vivos.

• Conhecer e utilizar os principais critérios de classificação, as regras de nomenclatura e as categorias taxonômicas reconhecidas atualmente.

• Reconhecer as principais características de representantes de cada um dos cinco reinos, identificando especificidades relacionadas às condições ambientais.

• Construir árvores filogenéticas para representar relações de parentesco entre diversos seres vivos. (p. 48).

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O item de número 4 remete a pesquisa que os alunos devem realizar com os

conteúdos científicos adquiridos:

4. A diversidade ameaçada

• Identificar em um mapa as regiões onde se encontra a maior diversidade de espécies do planeta, caracterizando suas condições climáticas.

• Reconhecer as principais características da fauna e da flora dos grandes biomas terrestres, especialmente dos brasileiros.

• Assinalar em um mapa a distribuição atual dos principais ecossistemas brasileiros e compará-la com a distribuição deles há um século atrás.

• Fazer um levantamento das espécies dos principais ecossistemas brasileiros que se encontram ameaçadas.

• Debater as principais medidas propostas por cientistas, ambientalistas e administração pública para preservar o que resta dos nossos ecossistemas ou para recuperá-los.

• Relacionar as principais causas da destruição dos ecossistemas brasileiros.

• Comparar argumentos favoráveis ao uso sustentável da biodiversidade e tomar posição a respeito do assunto. (p. 48).

A transmissão da vida, ética e manipulação gênica aborda a hereditariedade

com enfoque na transmissão dos caracteres humanos. É enfatizado o diagnóstico e

tratamento de doenças, a identificação de paternidade ou de indivíduos. Promove

discussões no âmbito da bioética, a respeito de manipulações genéticas.

Segue abaixo o que abrange as unidades temáticas acerca do tema em

questão.

1. Os fundamentos da hereditariedade

• Listar várias características humanas ou de animais e plantas, distinguindo as hereditárias das congênitas e adquiridas.

• Identificar, a partir de resultados de cruzamentos, os princípios básicos que regem a transmissão de características hereditárias e aplicá-los para interpretar o surgimento de determinadas características.

• Utilizar noções básicas de probabilidade para prever resultados de cruzamentos e para resolver problemas envolvendo características diversas.

81

• Analisar textos históricos para identificar concepções pré-mendelianas sobre a hereditariedade.

• Identificar e utilizar os códigos usados para representar as características genéticas em estudo.

• Construir heredogramas a partir de dados levantados pelos alunos (junto a familiares ou conhecidos) sobre a transmissão de certas características hereditárias. (p. 49).

Enquanto o item de número 1 trata das características da hereditariedade, o

item de número 2 aborda as condições especificamente humanas:

2. Genética humana e saúde

• Levantar dados sobre as características que historicamente são consideradas para definir os agrupamentos raciais humanos em caucasóides, negróides e orientais, identificando-as como correspondentes a apenas uma fração mínima do genoma humano.

• Analisar aspectos genéticos do funcionamento do corpo humano como alguns distúrbios metabólicos (albinismo, fenilcetonúria), ou os relacionados aos antígenos e anticorpos, como os grupos sangüíneos e suas incompatibilidades, transplantes e doenças auto-imunes.

• Distinguir uma célula cancerosa de uma normal, apontando suas anomalias genéticas, além de alterações morfológicas e metabólicas.

• Identificar fatores ambientais – vírus, radiações e substâncias químicas – que aumentam o risco de desenvolver câncer e medidas que podem reduzir esses riscos, como limitar a exposição à luz solar.

• Avaliar a importância do aconselhamento genético, analisando suas finalidades, o acesso que a população tem a esses serviços e seus custos. (p. 49).

O item de número 3 trata da aplicação da engenharia genética:

3. Aplicações da engenharia genética

• Identificar as técnicas moleculares utilizadas para a detecção precoce de doenças genéticas, seus custos, levantando informações junto a profissionais e serviços de saúde.

• Identificar o papel da terapia gênica no tratamento de doenças genéticas e seu uso na medicina brasileira, pesquisando textos ou entrevistando profissionais da área.

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• Reconhecer a importância dos testes de DNA nos casos de determinação da paternidade, investigação criminal e identificação de indivíduos.

• Compreender a natureza dos projetos genomas, especialmente os existentes no país, listando seus objetivos como identificação dos genes, da seqüência do DNA e armazenamento dessas informações em bancos de dados. (p. 50).

O item de número 4 remete à pesquisa que os alunos devem realizar com os

conteúdos científicos adquiridos:

4. Os benefícios e os perigos da manipulação genética: um debate ético

• Reconhecer a importância dos procedimentos éticos no uso da informação genética para promover a saúde do ser humano sem ferir a sua privacidade e sua dignidade.

• Posicionar-se perante o uso das terapias genéticas, distinguindo aquelas que são eticamente recomendadas daquelas que devem ser proibidas.

• Avaliar a importância do aspecto econômico envolvido na utilização da

manipulação genética em saúde: o problema das patentes biológicas e a exploração comercial das descobertas das tecnologias de DNA.

• Posicionar-se perante a polêmica sobre o direito de propriedade das descobertas relativas ao genoma humano, analisando argumentos de diferentes profissionais. (p. 50).

A respeito da origem e evolução da vida, da Terra e do Universo, apresentam-

se várias interpretações sobre a história da vida em diferentes épocas. Possibilita a

percepção quanto à transição dos conhecimentos científicos, promovendo a reflexão

dos alunos a respeito de questões polêmicas que discorrem sobre a evolução da

vida e do homem.

Abaixo segue o que abrange as unidades temáticas:

1. Hipóteses sobre a origem da vida e a vida primitiva

• Identificar diferentes explicações sobre a origem do Universo, da Terra e dos seres vivos, confrontando concepções religiosas, mitológicas e científicas, elaboradas em diferentes momentos.

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• Analisar experiências e argumentos utilizados por cientistas como F. Redi (1626-1697) e L. Pasteur (1822-1895) para derrubar a teoria da geração espontânea.

• Apresentar em textos, maquetes, desenhos ou esquemas, os fenômenos relacionados com o surgimento da vida e as condições da vida primitiva. (p. 50).

Enquanto o item de número 1 trata do surgimento da vida do homem, exorta o

papel de diferentes pesquisadores e demonstra ao aluno como transmitir os

conhecimentos adquiridos, o item de número 2 mantém a exortação a

pesquisadores e trata de dados polêmicos a respeito das ideias evolucionistas:

2. Idéias evolucionistas e evolução biológica

• Comparar as idéias evolucionistas de C. Darwin (1809-1882) e J.B. Lamarck (1744-1829) apresentadas em textos científicos e históricos, identificando as semelhanças e as diferenças.

• Elaborar explicações sobre a evolução das espécies, considerando os mecanismos de mutação, recombinação gênica e seleção natural.

• Identificar alguns fatores – migrações, mutações, seleção, deriva genética – que interferem na constituição genética das populações.

• Comparar a freqüência de genes de determinada população, ao longo do tempo, relacionando as alterações encontradas com o processo evolutivo.

• Traçar as grandes linhas da evolução dos seres vivos a partir da análise de árvores filogenéticas.

• Construir uma escala de tempo situando fatos relevantes da história da vida. (p. 51).

Quanto ao item de número 3 trata da evolução dos seres humanos e suas

transformações:

3. A origem do ser humano e a evolução cultural

• Construir a árvore filogenética dos hominídeos, baseando-se em dados recentes sobre os ancestrais do ser humano.

• Reconhecer o papel desempenhado pelo desenvolvimento da inteligência, da linguagem e da aprendizagem na evolução do ser humano.

84

• Distinguir a evolução cultural, fundada no aprendizado e na transmissão de comportamentos aprendidos, da evolução biológica que decorre de alterações nas freqüências gênicas.

• Apontar benefícios e prejuízos da transformação do ambiente e da adaptação das espécies animais e vegetais aos interesses da espécie humana, considerando o que tem acontecido, nos últimos milhares de anos da história da humanidade e especulando sobre o futuro da espécie humana. (p. 51).

O item de número 4 remete à pesquisa que os alunos devem realizar com os

conteúdos científicos adquiridos:

4. A evolução sob intervenção humana

• Reconhecer a seleção feita pelo ser humano, como um mecanismo de alteração das características das espécies sob intervenção.

• Avaliar o impacto da medicina, agricultura e farmacologia no aumento da expectativa de vida da população humana, na sobrevivência de genótipos com funções biológicas alteradas e no processo evolutivo da espécie. (p. 51).

2.3. Sumarização do Capítulo

Os PCNs são orientações amplas para a prática e valorização do ensino.

Para entendê-lo, em primeiro lugar, o que se observa claramente é a preocupação

para o cumprimento dos princípios Constitucionais, especificamente da preparação

para a cidadania. Na análise da aplicação social dos conteúdos propostos, se nota

a pretensão do indivíduo ser reconhecedor dos seus direitos e deveres, avaliador de

suas próprias ações, argumentador quando se fizer necessário.

A apresentação de cada tema proposto pela SEE/SP deixa claro que é

influenciada pelos PCNs e ambas tentam colocar em prática propostas dos

“Pioneiros da Educação” (conforme página 37 e seguintes) que propunham a

formação intelectual que: abrisse o espírito por uma cultura geral capaz de julgar,

aguçar o espírito crítico por meio da aplicação de método científico da observação,

de hipótese, de comprovação dessa e da descoberta de leis gerais.

85

Os documentos por nós apresentados também demonstram tal ideia quanto

ao ensino basear-se em fatos e a experiências, ou seja, a teoria dissociada da

prática, posta como objetos paralelos de conhecimento, aproximando-se de uma

perspectiva epistemológica positivista. Isto que dizer que aquilo que os documentos

estão a propor nada mais é, que haja uma estreita associação do estudo intelectual

com o “fazer”, através de trabalhos individuais e coletivos. Relembramos que isso

era a proposta da “Educação Nova”:

O trabalho individual do aluno consiste numa investigação, seja nos fatos,

seja nos livros ou jornais, etc. É uma classificação segundo um quadro lógico

adaptado à sua idade, de documentos de todas as classes, assim como de trabalhos

pessoais, e de preparação de relatórios para a classe. O trabalho coletivo consiste

numa troca, ordenação ou elaboração lógica comum, dos documentos

individualmente reunidos.

E a preocupação com a argumentação, com a discussão crítica dos

conteúdos com questões próprias à realidade dos alunos? Ou de fomento à

organização coletiva dos mesmos, para enfrentar tais problemas?

Evidentemente que outras propostas estão acrescentadas e adaptadas à

sociedade atual, por exemplo: a questão dos elementos que caracterizam a

economia contemporânea, a inter-relação ensino aprendizagem com a tecnologia, e

outros temas atuais. Contudo, os princípios gerais para a aprendizagem no Ensino

Médio, nos documentos analisados, deixam claro que essa não é uma etapa de

formação específica, pois, por finalizar o ensino básico, há ainda a responsabilidade

de tratar da formação geral dos alunos. Outra preocupação encontrada nos PCNs e

conectada à questão da cidadania, diz respeito à formação do cidadão inserido no

mundo do trabalho. Porém, quando será, enfim, a fase escolar direcionada para

trabalhar especificidades do fazer científico? Em muito, o que os PCNs propõem

deixam vagas diversas preocupações, que esse documento afirma encaminhar,

reeditando discursos que já fizeram parte da história do nosso sistema educacional,

discutíveis, em termos de efetividade, mesmo à época em que foram propostos. Por

que “dariam certo”, agora?

86

Finalmente, o Manifesto dos Pioneiros, os PCNs, os documentos da SEE/SP

são linhas traçadas para um sistema que diz buscar a qualidade do ensino e da

aprendizagem. Não é intenção de nossa dissertação descer a detalhes das forças

impeditivas de sua aplicação, mas há ampla literatura que já coloca algumas

“pistas”, como o despreparo do professor, a falta de recursos específicos, os salários

defasados, a pouca preocupação com o aluno como indivíduo autônomo e como

agente de transformação social. Esses seriam os fatores que prejudicariam a efetiva

implantação dos documentos que, a nosso ver, como diretoria de escola, propiciam

a educação de qualidade.

87

CAPÍTULO III

A VISÃO EPISTEMOLÓGICA DE BACHELARD

Gaston Bachelard é considerado para muitos, em nossos dias, o mais notável

filósofo das ciências de língua francesa. Nasceu no século XIX, em 27 de junho de

1884, no vilarejo Bar-sur-Aube, na região de Champagne, no interior da França e

faleceu no século XX, no dia 16 de outubro de 1962 em Paris, portanto, pertenceu a

dois séculos e viveu a ruptura que marcou a passagem de um para outro.

Presenciou um período de grandes revoluções na ciência, como a teoria da

relatividade e a mecânica quântica.

Quando nasceu, a cidade era pequena com apenas 4.636 habitantes. Seus

pais possuíam uma pequena tabacaria, onde também se vendiam jornais; seu avô

fora sapateiro. O fato de descender de uma família pobre não fez com que

Bachelard tivesse uma infância menos feliz. As recordações dos momentos de

alegria que viveu quando criança são constantes em suas obras poéticas e a

presença da natureza foi fato marcante, tanto em sua vida como sua obra.

Foi um filósofo camponês, pois, ao contrário de outros pensadores, cuja

formação se deu nos grandes centros intelectuais parisienses, formou-se numa

província rústica do campo e passou sua infância em contato com os elementos da

natureza, só se mudando para Paris na maturidade. A origem rústica e camponesa

de Bachelard conferiu à sua obra traços marcantes que foram os responsáveis pela

originalidade de sua obra. Sua vida foi marcada por descontinuidade e rupturas que

vão dinamizar e enriquecer a obra deste “filósofo do não”.

Em 1903 viu-se obrigado a trabalhar nos correios. A guerra o impediu,

entretanto, de dar continuidade aos estudos, pois foi convocado em 1914, só

retornando em 1918. Ao retornar, estando casado e tendo uma filha, viu-se obrigado

a renunciar à sua ambição de ser engenheiro e ingressa na sua carreira de

professor, passando a lecionar ciências e, mais tarde, filosofia no colégio de sua

cidade natal. Em 1928 são publicadas suas duas teses defendidas no ano anterior:

Essai sur la connaissance approchée e Étude sur l’évolution d’um problème de

88

physique, la propagation thérmique dans les solides. Na primeira tese começa a

esboçar os elementos centrais de sua epistemologia, entre eles o conhecimento

aproximado, traduzindo a ideia de que o objeto científico deve ser abordado por

meio do uso sucessivo de vários métodos, uma vez que, cada método está

destinado a tornar-se obsoleto e em seguida, nocivo. (JAPIASSÚ, 1976, p. 20).

Bachelard conseguiu expressar as revoluções científicas de seu tempo,

mostrando que a ciência estava vivendo um novo espírito científico que só podia ser

compreendido por uma epistemologia que lhe fosse adequada. Como amante da

poesia e da arte, conseguiu penetrar no mundo dos sonhos e devaneios,

apreendendo o verdadeiro sentido da imagem e da imaginação, criando por meio de

uma imagética, uma surrealidade.

A partir desta época Bachelard torna-se conhecido pela sua competência nos

meios intelectuais franceses e em 1930 começa a lecionar na faculdade de letras de

Dijon, permanecendo até 1940 quando então é convidado pela Sorbonne, de Paris.

No final de sua vida, continuou trilhando as duas vertentes paralelas a ciência e da poesia. Em ambas, desenvolve o tema central de seu racionalismo aplicado ou materialismo racional. Ponto de cruzamento da ciência e da poesia. Razão e Devaneio, embora distintos, andam sempre juntos. Os últimos livros de Bachelard são uma elucidação desta dialética entre Razão e Poesia: Racionalismo aplicado (1949), Atividade racionalista da física contemporânea (1951), O materialismo racional (1952), A poética do espaço (1957), A poética do devaneio (1961), A chama de uma candeia (1961). Vários outros artigos e ensaios póstumos foram publicados com os seguintes títulos: Estudos (1970), O direito de sonhar (1970), O engajamento racionalista (1972). (JAPIASSÚ, 1976, p. 22).

Publica livros como A psicanálise do fogo (1938), nesta obra ciência e poesia

se unem em dois mundos distintos, separados pela objetividade do conhecimento

científico e A formação do espírito científico (1938) que aborda os preconceitos e

obstáculos que se dão no processo de desenvolvimento do pensamento científico.

Seus últimos livros mostram uma dialética entre razão e poesia.

Em suma, a vida de Bachelard foi toda ela pontilhada de “instantes” decisivos, assim como sua obra foi marcada pela presença dos contrastes. Este filósofo da atualidade, na vanguarda da ciência e da arte de seu

89

tempo, lança suas raízes no século XIX. Mas se afirma como um pensador do presente século, cuja envergadura intelectual transcende o momento histórico em que ela se exerceu. É conhecido como um pensador racionalista fogoso. Ele próprio não aceita esta etiqueta, por não considerar-se racionalista, mas alguém que procura sê-lo. (JAPIASSÚ, 1976, p. 26).

Bachelard se compromete apenas com a razão em detrimento à religião e à

ordem estabelecida de um poder tradicional, contra as supertições científicas diante

de seus primeiros êxitos de racionalização. O surracionalismo foi um termo novo que

Bachelard inventou cujo objetivo era de evocar a agressividade da razão,

valorizando a dialética da renovação e estreitando o compromisso racionalista em

constante revolução. (JAPIASSÚ, 1976).

As várias categorias epistemológicas aprimoradas por Bachelard, tais como as de “obstáculo”, “ruptura”, “dialética”, “recorrência”, “atos epistemológicos”, “problemática”, quer sejam discutidas, contestadas ou simplesmente utilizadas, nem por isso deixam de estar presentes e atuantes em quase todos os debates teóricos empreendidos pelos homens cultos de hoje. (JAPIASSÚ, 1976, p. 28).

3.1. A Epistemologia do Ponto de Vista de Bachelard

Ao iniciar a pesquisa e influenciada pela formação universitária e pela

docência na disciplina específica de biologia, vivíamos a hipótese de que o ensino

desta matéria teria como concepção epistemológica o positivismo. Isto porque o

positivismo se declara como abrangente e moderno no reconhecimento e domínio

das coisas da natureza.

Ao aprofundar dos estudos do mestrado, contudo, verificamos que somente o

positivismo não se mostrava suficiente para o ensino que parece o mais correto,

aquele de empoderar o aluno frente à sua realidade.

Para encararmos então a formação do cidadão fomos em busca de outros

filósofos e encontramos em Bachelard (2010) a posição que melhor atende as

questões envolvidas com um pensamento crítico em relação às ciências

experimentais, trazendo uma nova posição epistemológica.

90

3.1.1. Contexto Cultural: Crítica às Filosofias do Imobilismo

A epistemologia de Bachelard é fundamentalmente polêmica, pois desenvolve

suas teses principais por meio da crítica de algumas perspectivas epistemológicas

que predominavam no momento em que surgem suas obras.

Afirmando que seu objetivo é “uma filosofia do não”, constrói suas ideias por

meio da retificação dos princípios e categorias que norteavam as filosofias das

ciências de sua época.

Apesar de não explicitar claramente quais são suas perspectivas, pode-se

inferir de seus escritos que se tratam das perspectivas filosóficas que dominavam o

contexto cultural das universidades francesas no momento em que emerge o

pensamento bachelardiano, ou seja, o espiritualismo, o positivismo de Augusto

Comte e a epistemologia de Émile Meyerson (BARBOSA E BULCÃO, 2004).

O espiritualismo era uma doutrina que se impunha como uma forma de

idealismo, modificando-se por meio de seus diferentes pensadores, apesar de se

sustentar em pressupostos fundamentais que persistiam em cada em destes

pensadores.

Meyerson se apresenta como o adversário privilegiado de Bachelard que

estabelece com ele diálogo polêmico e frequentemente por meio do qual contesta os

pressupostos do realismo meyersoniano, chegando a posições filosóficas

divergentes que atestam a originalidade do pensamento bachelardiano. No

pensamento meyersoniano uma forma de realismo impõe-se como doutrina filosófica

predominante, assume na análise da ciência uma função epistemológica. Para esse

autor, a ciência é ontologia e tem como pretensão primordial descrever o real. Já em

Bachelard e em várias obras há o convite para desconfiar do caráter ontológico do

saber científico contemporâneo que, em lugar de se voltar para um real que

preexiste ao processo cognitivo, constrói seu objeto ao longo do ato de conhecer

(BARBOSA e BULCÃO, 2004).

Alguns intérpretes do pensamento bachelardiano fazem referência à posição

que existe entre Bachelard e as teses mais fundamentais do positivismo comteano.

91

Dominiqueb Lecourt chega a afirmar que, “quando Bachelard começa a escrever,

uma coisa é certa: ele se impõe, declarando-se desde suas primeiras obras como

antipositivista” (BARBOSA e BULCÃO, 2004, p.56).

Embora reconhecendo que a crítica de Bachelard a Comte nem sempre é

direta ou explícita, não se pode deixar de admitir que o racionalismo bachelardiano

abalou as teses comteanas, negando seus pressupostos mais fundamentais e

impondo-se como uma perspectiva epistemológica contrária à do positivismo. O

pensamento do autor se impõe, pois, como profundo combate a pressupostos mais

fundamentais da tradição científico-filosófica.

Para Barbosa e Bulcão (2004), o que Bachelard combate com tenacidade ao

longo de sua obra é a noção de razão absoluta e contínua, pressuposto comum às

perspectivas, que podem ser compreendidas como “filosofias do imobilismo”. Estas

partem do pressuposto de que a razão substancialista possui uma estrutura

invariável, o que a levaria a progredir de forma contínua, por meio de categorias a

priori imutáveis e absolutas. As filosofias do imobilismo retomam alguns pares

conceituais e contraditórios que pretendem dar conta das perspectivas

epistemológicas, tais como: realismo X idealismo, empirismo X idealismo,

sensualismo X espiritualismo, privilegiando um deles, situando o fundamento do

conhecimento no real ou no pensamento. Como adversário das “filosofias do

imobilismo” que, optando por um dos polos, tornaram-se inadequadas para

expressar a verdadeira dinâmica do saber científico da contemporaneidade,

Bachelard enfatiza a inconstância da verdade científica, descontinuidade da razão e

a fecundidade da ciência que, por ser efêmera, é sempre atual.

"Ver diferente é a condição necessária para continuar a ver”. (BACHELARD,

1996).

3.2. Racionalismo Aplicado e Imaginação Criadora

Bachelard analisa o procedimento das ciências contemporâneas e constata a

existência de um novo espírito científico. O antigo espírito científico tinha a razão

92

pensada como substância (algo fechado) e a ciência captava a realidade e tentava

reproduzi-la o mais fielmente possível. Razão e realidade seriam imutáveis. Com o

surgimento do novo espírito científico, o real é tudo o que pode se constituir como

objeto no interior de um modelo. Para o autor não há um pensamento puro,

verdadeiramente e formal a ciência pura constrói seu objeto em relação com a

natureza razão e experiência. (BARBOSA e BULCÃO, 2004).

[...] A ciência deve construir um modelo teórico suscetível de integrar não somente o dado, isto é, os dois fenômenos existentes, ocorre uma interação entre razão e experiência. (BACHELARD, 1996, p.30).

Para compreender o caráter do racionalismo como ele se compõe e se

constitui, é preciso analisar o papel do meio científico. Só é possível falar da

constituição de uma nova cultura científica porque este estabelece regras de ação. É

ele que vai construir as bases da ciência. Bachelar insiste que o cientista passe por

um processo de formação de seu espírito científico. Segundo ele não temos direito à

construção solitária, pois esta não é uma construção científica. O homem

racionalista possui um mérito singular: o de pensar, de trabalhar o pensamento. Para

isso é necessário uma longa preparação de cultura, ser cientista e colocar-se numa

situação cultural e tomar lugar no meio científico, claramente determinado pela

modernidade da investigação.

“Os cientistas se unem em uma cela da cidade científica, não somente para compreender, mas ainda para se diversificar, para ativar todas as dialéticas que vão dos problemas precisos às soluções originais.” (BACHELARD, 1990).

3.3. Realidade Científica e Imaginação: Sonho e Dev aneio

Foi grande a influência que a Teoria da Relatividade de Einstein exerceu

sobre o pensamento de Bachelard. As revoluções científicas no começo do século

93

XX trouxeram mudanças para a ciência, a teoria da relatividade saltava aos olhos do

mundo. Ela permitia prever a ação possível dos princípios tornando a realidade em

ação eficaz diante das novas descobertas. Notadamente com o advento da

microfísica é que foi possível perceber uma mudança do espírito científico. À medida

que a realidade científica era constituída havia uma produção teórica de conceitos.

A realidade cientifica à época surgia da coerência de um modelo matemático

fundamentado não mais na observação dos fenômenos naturais, este modelo

conduziu o pesquisador à realidade. O fenômeno conduziu a consciência para

interpretações possibilitadoras da divisão do pensamento experimental puro e da

teoria pura.

O pensamento de Bachelard (1996) se fundamenta na interpretação dos

tradicionais elementos fogo, ar, água, terra, mas a dirige para uma nova

interpretação, mais objetiva. Preocupa-se com a objetividade da interpretação, mas

crê que ela seja insuficiente para fundar uma metafísica da imaginação. Essa crença

levará a um segundo momento denominado fenomenologia da imaginação.

A imaginação é um estado psicológico que fundamenta a arte. Na vertente

poética fica claro que a imaginação liberta e impulsiona o homem para além de si

mesmo. Quando diante da realidade o autor propõe duas formas de imaginação: a

formal e a material. Quanto à primeira propõe que ela dá vida à causa formal, que se

detém no objeto. Já a imaginação material dá vida à causa material e tem como

meta o domínio da intimidade da matéria.

Com esta teoria o autor abandona totalmente a tentativa tradicional de

interpretação dos elementos e procura fazer uma fenomenologia da imaginação.

Esta permite que o sujeito aflore toda a força de sua vivência, na visão da imagem.

Bachelard afirma que a imaginação ultrapassa a realidade, ela vê o invisível, ela vai

ao fundo das coisas.

O método fenomenológico é o método da imaginação criadora, o objeto é constituído de traços que a imaginação criadora pode perceber porque só ela pode ir além do que esta visível só ela pode penetrar no objeto mesmo e ver o que esta por trás dos fenômenos visíveis. (BARBOSA e BULCÃO, 2004, p. 47).

94

3.4. Educação como Formação e Reforma

O tema da educação está presente na obra de bachelardiana por meio da

noção de formação, termo constante em todos os seus textos, levando a acreditar,

que para o autor, a educação implica fundamentalmente na formação do sujeito.

Esta é muito mais completa e abrangente do que a educação propriamente

dita, pois ela não traz no seu bojo as conotações que a formação do sujeito

apresenta e que são oriundas da tradição que leva a compreender o conhecimento

como ato de repetir e de memorizar ideias. Bachelard exalta a criação e a invenção

mostrando que o ato de conhecer é muito mais amplo, imensurável e aventureiro,

estabelecendo novas verdades por meio da negação do saber.

A problemática da formação em Bachelard se desenvolve a partir de dois

eixos distintos e presentes em sua obra, considerados como opostos e

contraditórios: o eixo da razão e o eixo da imaginação. A reflexão de Bachelard

sobre a formação tem como preocupação principal o ato de pensar no que consiste

a formação do sujeito, no seu esforço de produção de conceitos, ou, no seu esforço

de vivenciar obras poéticas, ou seja, no seu esforço de razão e de imaginação. Para

que se possa compreender o verdadeiro sentido de formação faz-se necessário a

reflexão sobre um ritmo oscilatório quanto à objetivação e subjetivação.

(BACHELARD, 1996).

No pensamento bachelardiano não há produção de saber e construção de

objetos sem que haja concomitantemente desenvolvimento e formação do sujeito. A

atividade mais essencial do sujeito, durante o processo de formação, é a de se

enganar. Para o autor, a consciência da eliminação dos erros subjetivos constitui um

processo de formação e de educação permanente. Quanto mais complexo for seu

erro e quanto mais difícil for a tarefa de afastá-lo, mais rica será a experiência do

sujeito.

Não há sujeito originalmente constituído, nem sujeito originalmente

constituinte. A função do sujeito é a de se enganar, de se retificar e, portanto, de ir

se formando ao longo de um esforço inerente ao processo de conhecimento. O

95

sujeito em Bachelard é, pois, fruto de um trabalho e sua formação implica no

trabalho penoso de renúncias.

Para Bachelard, formação deve ser compreendida fundamentalmente como

reforma do sujeito. Para ele, a razão não é uma tradição, mas sim atividade

constante de inovação e de invenção de novas ideias. O filósofo defende a tese que

só há formação quando há retificação do saber anterior, quando há negação das

intuições primeiras, ou seja, quando há desconstrução e reforma do sujeito.

Isso nos leva a concluir que a educação e a formação implicam primordialmente na desconstrução e reforma do sujeito que se refaz, refazendo suas próprias ideias, retificando conceitos aprendidos anteriormente, fazendo, assim, de seu dinamismo e de sua inconstância o requisito pedagógico mais importante e mais fundamental. (BULCÃO, 2002, p. 288).

3.4.1. Uma Pedagogia Intersubjetiva: Racionalismo P rofessor/Aluno

É na escola que o ato de pensar se desenvolve por meio de uma troca

ininterrupta de ideias entre todos os sujeitos ali presentes. Na meta do racionalismo

todos podem compreender e aceitar novas verdades que se abrem para um futuro

promissor de conhecimentos.

Bachelard pretende mostrar que a consciência de saber está diretamente

relacionada ao ato de pensar, já que a objetividade só pode se fundamentar numa

intersubjetividade. Para ele, o racionalismo exige a aplicação de um espírito a outro,

pois só se verifica a coerência de uma ideia quando se é capaz de demonstrar ao

outro a verdade desta ideia.

A escola, o modelo mais elevado de vida social (BACHELARD, 1996)

contempla dois aspectos desta “pedagogia da razão”: inversão da dialética do

mestre e do aluno, pelo fato de ser essencialmente dinâmica e o outro aspecto trata-

se do processo de desenvolvimento do racionalismo, pois, pensar é colocar o objeto

de pensamento diante de um sujeito dividido. O racionalismo é um exercício vivo de

pensar, um processo ininterrupto de reflexão e de diálogo que caracteriza a

96

verdadeira escola, o diálogo pressupõe tempo, entretanto, ele afirma que o único

tempo real é o instante. O instante se impõe de um modo inesperado e completo

para na sequencia deixar de existir. O tempo é caracterizado como não sendo

contínuo formado por instantes pontuais. A imaginação criadora que tem como

fundamento a noção temporal de instante.

3.4.2. A Pedagogia em Bachelard

A educação se apresenta em dois eixos: razão e imaginação que são

opostos, porém, complementares, pois os dois ultrapassam e renovam o mundo,

substituindo-o por uma surrealidade e, o que é mais primordial e contribuindo para o

desenvolvimento pleno do espírito humano.

Dois aspectos que contribuem para uma pedagogia da imaginação e para a

formação do sujeito: A imaginação formal (fundamentada na visão e na

contemplação do mundo, permanecendo, assim, nas arestas exteriores do objeto) e

a imaginação material (instaurada na psicologia do contra, impondo-se como um

convite ao domínio sobre a intimidade mesma da matéria).

Para Bachelard, a verdadeira imaginação é a imaginação material, pois

enquanto a imaginação formal é puramente contemplativa e opera a partir de um

distanciamento do mundo, a imaginação material, ao contrário, resulta de um corpo

a corpo com a materialidade do mundo, tornando-se, assim, dinâmica e

transformadora.

Viver a ascensão vertical do momento de criação científica e poética é o

melhor meio de instrução e de formação espiritual, elevando-nos por meio da

imaginação criadora, às alturas num voo ascensional de liberdade plena.

Trata-se nada mais e nada menos [...] da primazia da reflexão sobre a percepção, da preparação numenal dos fenômenos tecnicamente constituídos. (BACHELARD, 2010, p. 19).

97

A respeito do método filosófico ou científico que tem por objetivo unir ou

conciliar diversas teorias, Bachelard toma o seguinte posicionamento:

Se um ecletismo dos fins confunde indevidamente todos os sistemas, parece que um ecletismo dos meios seja admissível para uma filosofia das ciências, que pretende fazer face a todas as tarefas do pensamento científico, que pretende dar conta dos diferentes tipos de teoria, que pretende medir o alcance das suas aplicações, quê quer, antes de mais nada, sublinhar os processos tão variados da descoberta, mesmo que eles sejam os mais arriscados. (BACHELARD, 2010, p.37).

Neste sentido Bachelard nos mostra que os cientistas no caso da educação:

professor e alunos precisam ter para além do positivismo, proposta melhor mais

ampla e variada de métodos e conteúdos.

Pediremos também aos filósofos que rompam com á ambição de encontrar um único ponto de vista e um ponto de vista fixo para julgar no conjunto uma ciência tão mudável como a física. (idem ibidem, p.37).

Na vertente científica do autor a ciência não é apenas uma representação,

mas, sim um ato. O conhecimento científico torna-se operativo. A ciência produz

seus próprios objetos pela destruição dos objetos por meio da percepção comum,

dos conhecimentos imediatos. Sendo que por meio das rupturas com o senso

comum com as primeiras opiniões ocorre progresso do espírito científico.

Segundo Japiassú, a filosofia de Bachelard mostra que a atividade das

ciências orienta-se por uma dupla certeza que explica o diálogo entre dois tipos de

filosofia: o racionalismo e o realismo. Em sua epistemologia a filosofia tradicional das

ciências diferencia-se pelo fato de aceitar como objeto de reflexão o real e o racional

que estimula todos os atos dos cientistas. Todas as filosofias do conhecimento

científico, para Bachelard, devem ordenar-se a partir do racionalismo aplicado e do

materialismo técnico. Sendo que as filosofias conduzem ao idealismo e realismo

ingênuos que comprometem o seu poder em explicar o trabalho dos cientistas e em

lhes assessorar teoricamente, uma vez que, se afastam do centro filosófico unindo-

se ao mesmo tempo à experiência refletida e à invenção racional.

98

[...] em relação à epistemologia de Bachelard, uma vez que, ela se situa nos antípodas da filosofia do “unificado”, do “idêntico” e do “contínuo”, desenvolvendo o tema de um racionalismo pluralista do descontínuo e afirmando-se numa posição radicalmente antipositivista. Em oposição às clássicas formulações dos empiristas e racionalistas, Bachelard propõe uma nova interpretação do conhecimento científico, na qual a criatividade do espírito está associada à experiência numa dialética movida por uma constante retificação dos conceitos. (JAPIASSÚ, 1976, p. 30).

Apesar de nunca ter escrito um livro sobre educação, Bachelard sempre

deixou evidente sua preocupação com o ensino vinculado à ciência, mudando o

modelo da epistemologia do ensino de ciências. Enxerga a educação como um

processo embasado em uma relação dialógica, no qual ocorre não somente a troca

de ideias, mas sim sua construção. Sendo favorável a um ensino que realmente

transforme em conhecimento o que se é ensinado na escola. Estimulando o uso

constante do pensamento para responder as mais diversas perguntas, excluindo

assim um banco de respostas prontas e propondo uma elaboração do pensamento

às questões em um novo contexto.

Consequentemente, a aprendizagem não possui o caráter a ela atribuído nos bancos escolares - perfeita imagem dos que se sentam para passivamente ver e ouvir. Não se aprende pelo acúmulo de informações; as informações só se transformam em conhecimento na medida em que modificam o espírito do aprendiz. (LOPES, 1993, p. 324).

Promovendo, então, uma transformação tanto cultural quanto racional, sendo

essa a finalidade do ensino de ciências. O aluno não é considerado tabula rasa, uma

vez que ele possui conhecimentos adquiridos a partir do senso comum que

obstaculizam os conhecimentos científicos. A transformação cultural elimina os

obstáculos epistemológicos oriundos do cotidiano dos alunos, favorecendo assim a

enculturação científica.

Quando se procuram as condições psicológicas do progresso da ciência, logo se chega à convicção de que é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado. E não se trata de considerar obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos

99

fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. (BACHELARD, 1996, p. 17).

Para Bachelard os obstáculos epistemológicos são as crenças intelectuais

que não permitem acessar nenhum questionamento, impedindo a construção do

novo saber. Sendo também um defensor do descontinuísmo da razão contrário à

vinculação entre o conhecimento comum e o conhecimento científico.

A racionalidade do conhecimento científico não é um refinamento da racionalidade do senso comum, mas, ao contrário, rompe com seus princípios, exige uma nova razão que se constrói à medida em que são suplantados os obstáculos epistemológicos. Essa ruptura impede o infinito encadeamento das ideias como elos de uma corrente produzidos à semelhança dos anteriores, visando o encaixe perfeito. (LOPES, 1993, p. 325).

Para superar os obstáculos epistemológicos, Bachelard (1996) propõe que o

ensino precisa se libertar intelectual e psicologicamente para se construir um novo

conhecimento. Tendo como exigência a superação dos obstáculos epistemológicos

oriundos do conhecimento comum, sendo necessário que o aluno altere

constantemente a sua visão de ciências.

É importante ressaltar que a psicanálise do conhecimento nunca é definitiva, chegando-se ao ponto de haver superação total dos obstáculos epistemológicos. Exatamente por serem intrínsecos ao conhecimento, os obstáculos estão sempre presentes, exigindo o constante trabalho de superá-los. Como afirma Bachelard (1975), mesmo na aplicação do racionalismo a um problema novo, manifestam-se antigos obstáculos a cultura, nunca totalmente superados. (LOPES, 1993, p. 326).

3.5. A História das Ciências

O papel da historicização do ensino de ciências é muito importante, pois,

apresenta a história da evolução do conhecimento científico, enriquecendo o

processo educativo, o que é muito diferente do que se apresenta nos livros

didáticos, que trazem apenas um caráter ilustrativo, como afirma Bachelard,

transformando questões científicas e filosóficas em experiências empíricas simples.

100

A história da ciência assume, então, papel preponderante no trabalho pedagógico de construção racional, combatendo um ensino centrado no que Bachelard (1975) denomina empirismo da memória: retemos os fatos, mas esquecemos (porque não aprendemos) as razões. Pretender ensinar pelo ato de mostrar como as coisas são, colocando os alunos diante de dados, e não de raciocínios, implica, necessariamente, nessa memorização compulsória e, a bem dizer, inútil. Fatos isolados não compõem um saber. (LOPES, 1993, p. 327).

A epistemologia da ruptura proposta por Bachelard deu início a uma nova

maneira de se conceber a história das ciências. A ciência contemporânea deixa de

ser fixada em um estado definitivo e eterno assumindo a historicidade do

conhecimento racional. A história torna-se aliada à ciência convertendo em atos não

do passado, mas sim do futuro. Neste sentido a história das ciências deve ter maior

consideração sobre o valor dos pensamentos e das descobertas científicas.

Por ser atualmente eficaz, a história das ciências se desdobra em duas: a dos conhecimentos que se tornaram impensáveis na racionalidade efetiva (história superada) e a dos conhecimentos sempre atuais ou atualizáveis, validados pela ciência de hoje (história sancionada). (JAPIASSÚ, 1976, p. 09).

Com o intuito de tornar a ciência mais atrativa muitos cientistas erram ao

apresentá-la como sendo uma extensão do conhecimento comum, sendo tal

característica danosa repetida nas salas de aula pelos professores.

Lopes (1993) enfatiza que muitas vezes a dificuldade do aluno não é

individual, sendo recorrente de um percurso histórico. Para o desenvolvimento do

trabalho pedagógico racional, o ensino da história da ciência se opõe a um modelo

de ensino centrado no empirismo da memória que ao apresentar fatos e dados aos

alunos leva diretamente a uma memorização, que logo será esquecida, não

promovendo a aprendizagem. Tão pouco o desenvolvimento do raciocínio científico

para o entendimento de uma nova teoria científica é necessário a compreensão da

teoria negada, o que possibilita visualizar as correções ocorridas.

Bachelard se posiciona contrário a uma aprendizagem que não promove

mudanças, não estimula criatividade e nem tampouco o ato de pensar. O ensino de

ciências exige elaboração e muito trabalho para romper com velhos padrões do

pensamento.

Afinal, muito mais tranquilo é manter o espírito aquietado diante de um conhecimento pronto e acabado, do que fazê-lo questionador diante de uma

101

ordem sempre nova. Não é por nada que Bachelard (1972a) se refere à época da escola secundária como a época dos aborrecimentos escolares. E igualmente evoca a escola ao tratar da razão como tradição, na defesa da razão aberta. (LOPES, 1993, p. 327).

O aprendizado do aluno só ocorre se sua inteligência for respeitada, se o

professor tornar-se aluno junto com ele, participando de todo processo de mudança

cultural e suas prováveis dificuldades psicológicas. Formar parceira com um aluno

na construção do saber e resgatá-lo do engano da “ciência fácil” que se vincula aos

padrões do senso comum, possibilita ao aluno romper velhos modelos do

conhecimento familiar e partir rumo à satisfação da obtenção de novas conquistas

no seu processo individual de ensino aprendizagem.

Segundo Lopes (1993), o livro didático na visão de Bachelard orienta a

construção do conhecimento científico e o desenvolvimento dos alunos na escola.

Se o conteúdo de tais livros estiver correto e atualizado, provavelmente, a ciência é

caracterizada tanto como produção social, quanto do meio científico.

Segundo Lopes (1993), Bachelard defende a desvinculação entre o

conhecimento comum e o conhecimento científico. Propondo que toda

aprendizagem só irá ocorrer se o aluno tiver motivos que o façam mudar sua razão,

portanto a nova aprendizagem se constrói contra um conhecimento anterior. O que

permite abrir espaço para um conhecimento aberto e dinâmico em detrimento de um

saber estático e fechado.

A continuidade dos conhecimentos comum e científico e a crença de se

conhecer a partir do nada são consideradas duas grandes ilusões dos educadores,

uma vez que não desfazem falsos conceitos e promovem novos conhecimentos,

quando consideram apenas amplia o conhecimento comum. (LOPES,1993).

Parafraseando Bachelard (1947) ao fazer referência ao racionalismo, podemos dizer que a aprendizagem nunca começa, sempre continua, sempre destrói um conhecimento para construir outro. E se ensinar é a melhor maneira de aprender, só aprende quem ensina. «Saber é ser capaz de ensinar», afirma Bachelard (1972a), citando Brunschvicg. (LOPES, 1993, p. 325).

Percebemos dessa forma que a organização do pensamento, permite ao

aluno reconstruir conceitos e ensiná-los, promovendo assim a aprendizagem. Os

conceitos são desenvolvidos por meio da racionalização.

102

“[...] Na atividade de receber e transmitir conhecimento, o pensamento se vitaliza, há a formação de espíritos dinâmicos e auto-críticos. Não mais se adquire um conceito por mera constatação, típica do empirismo, mas ele é obtido por racionalização. Para Bachelard (1947), um ensino recebido é psicologicamente um empirismo, mas um ensino ministrado é psicologicamente um racionalismo”. (LOPES, 1993, p. 325).

Na visão de Bachelard, os professores usando da autoridade que possuem na

escola secundária distribuem os conhecimentos efêmeros e de forma aleatória, não

promovendo a enculturação científica, colocando-os apenas dados absolutos, uma

vez que, todo conhecimento científico deve ser reconstruído a cada momento.

É imensa a distância entre o livro impresso e o livro lido, entre o livro lido e o livro compreendido, assimilado, sabido! Mesmo na mente lúcida, há zonas obscuras, cavernas onde ainda vivem sombras. Mesmo no novo homem, permanecem vestígios do velho homem. (BACHELARD, 1996, p. 10).

Para desenvolver o espírito científico em sua formação individual, faz-se

necessário passar pelos três períodos seguintes:

O primeiro período, que representa o estado pré-científico, compreenderia tanto a Antiguidade clássica quanto os séculos de renascimento e de novas buscas, como os séculos XVI, XVII e até XVIII.

O segundo período, que representa o estado científico em preparação no final do século XVIII, se estenderia por todo o século XIX e início do século XX. Em terceiro lugar consideraríamos o ano de 1905 como o início da era do novo espírito científico momento em que a Relatividade de Einsten deforma conceitos primordiais que eram tidos como fixados para sempre. (BACHELARD, 1996, p. 09).

A experiência científica é uma experiência que contradiz a experiência

comum. A experiência comum não é de fato construída, é feita de observações

justapostas, não podendo ser verificada ela permanece um fato, e não pode tornar-

se uma lei. Para confirmar cientificamente a verdade, é preciso confrontá-la com

diferentes pontos de vista. É necessário pensar uma experiência, mostrando a

coerência de um pluralismo inicial. (BACHELARD, 1996).

Na visão do autor a ciência opõe-se absolutamente à opinião, traduzindo

necessidades em conhecimento. O espírito científico é contrário a opiniões sobre

questões que não compreendemos, sobre questões que não sabemos formular com

103

clareza. É preciso saber formular problemas e não de modo espontâneo, sendo

neste sentido do problema que se caracteriza o espírito científico.

Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído. (BACHELARD, 1996, p. 18).

Segundo Lopes (1993) o novo espírito científico garante o desenvolvimento

intelectual da cultura científica, por meio da educação da criança e do adolescente.

Ficando a encargo do professor trabalhar em três níveis: pelas experiências

objetivas, pelos encantamentos racionais e pelas realizações estéticas, a fim de

desenvolver a aprendizagem nos alunos sem impor o saber, dando a eles razões de

evoluir.

Para o ensino de ciências se tornar socialmente ativo é necessário ter o ato

de pertencimento à escola, o que caracterizaria o mais elevado modelo de vida

social. A reelaboração do conhecimento torna todos ao mesmo tempo, estudantes e

professores, participantes de uma sociedade científica, transformando ativamente o

seu meio social, cientes que estão em um processo aberto e em permanente

construção.

3.6. O Papel do Professor

“Saber é ser capaz de ensinar”, afirma Bachelard (1975). O obstáculo

pedagógico na visão do epistemólogo é o fato de o professor de ciências não

compreender o porquê o seu aluno não aprende. Apontando como causa o

desinteresse ou desconhecimento do professor em relação ao conhecimento prévio

do aluno. Enfatiza que o ensino racional deve discutir em cima de problemas o

surgimento de novas teorias.

Para fazer educação em ciências é necessário um grande trabalho de

elaboração e rompimento com velhos hábitos do conhecimento. A aprendizagem

está em constante processo de criação, transformação e reflexão sendo

imprescindível o papel do professor em conduzir os alunos rumo à construção e

consolidação dos saberes científicos.

Como prática de aprendizado é necessário que se utilizem diversas

estratégias que englobem analogias, metáforas, e inúmeros outros modelos com a

104

tendência da substituir o raciocínio por resultados/esquemas. Se tal não acontecer

se cristalizam obstáculos epistemológicos:

[...] não se tratam de “obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie e imperativo funcional, lentidões e conflitos”. (BACHELARD, 1996, 17).

O autor identifica que muitos professores não consideram a “bagagem” de

conhecimento que os alunos possuem e já adquiriram nos anos anteriores.

Apresentam novos conhecimentos como meras adições de informações, tornando

os alunos meros receptores de conteúdos não científicos apreendidos das

ilustrações e imagens.

Bachelard acredita que os educadores devem estabelecer um diálogo entre

as variáveis experimentais, realizando a substituição do saber fechado e “parado”

por conhecimentos abertos e dinâmicos. Esse fato não ocorre tendo em vista que o

conhecimento escolar está longe de ocorrer por meio de experimentos em

laboratórios, ao se ater somente a imagens / ilustrações que demonstrem resultados

extraídos do concreto.

Ele ainda chama a atenção para o fato da generalização na educação como

sendo um obstáculo epistemológico impeditivo para a formação de um espírito

científico, pois existe a tendência das generalizações se tornarem leis que não

suscitam o interesse dos alunos em questioná-las, tornando-se verdades acabadas.

Da mesma forma ocorrem obstáculos verbais quando nas aulas de ciências,

fenômenos são explicados por meio de expressões, imagens, metáforas ou

analogias que associam uma palavra concreta a uma abstrata.

O problema ocorre quando há o uso anterior à explicação da hipótese ou teoria, pois pode ocorrer uma tendência à estagnação do pensamento, o aluno se apega e aceita essa aproximação como um estratagema conclusivo, não havendo necessidades de maiores elucidações o que impossibilita a abstração necessária ao conhecimento. (BACHELARD, 1996).

105

3.7. Os Obstáculos à Aprendizagem

Os obstáculos são importantes à aprendizagem quando se juntam a eles

questionamentos e críticas que produzem a transição do conhecimento comum e

cientifico. De um modo geral os obstáculos são importantes para a aprendizagem,

não devendo ser vistos apenas como um erro ou atividade pontual dos alunos.

Existem vários tipos de obstáculos epistemológicos independentemente de

quais sejam sua natureza, o autor não os descreve, porém remete ao professor a

necessidade de serem identificados e corrigidos.

Para que o desenvolvimento da aprendizagem ocorra de modo satisfatório é

necessária a desconstrução do velho e o início da construção do novo

conhecimento, que vai além de novos questionamentos e críticas, transpondo o

conhecimento comum em conhecimento científico.

O ensinamento de Bachelard se apresenta como uma liberação não propondo

nenhuma pedagogia tampouco qualquer formação ou informação. A ciência deve

desrealizar o cotidiano, o sensível e os pretensos dados. O caminho que ele propõe

para ser percorrido exige disponibilidade, paciência, abertura e coragem para

transpor as barreiras além de não estarmos presos a qualquer dogma ou concepção

absoluta.

Bachelard procura um elo primordial entre o homem e o mundo, até mesmo em suas construções racionais ou científicas, porque está profundamente convencido de que nada pode ser estudado, conhecido, que não tenha sido antes sonhado. (JAPIASSÚ, 1976, p. 11).

A preocupação de Bachelard consiste em criar uma filosofia que seja capaz

de se adequar às ciências contemporâneas, acreditando, pois, que as filosofias do

conhecimento anteriores revelavam-se inadequadas, sendo estas espiritualistas e

positivistas, ineficientes para acompanhar a evolução das novas teorias científicas.

(JAPIASSÚ, 1976).

[...] E isto, por duas razões: em primeiro lugar, elas utilizam os conceitos científicos como se as ciências contemporâneas nada tivessem a dizer a

106

seu respeito ou como se aquilo que elas dizem não lhes pudesse interessar; em segundo lugar, porque, ao tomarem por objeto de reflexão as ciências, visam sempre a uma ciência ideal, que nada tem a ver com a que existe efetivamente [...] (JAPIASSÚ,1976, p. 36).

Na visão de Bachelard é importante ter uma filosofia que não ignore as

ciências que estão se fazendo. Propõe que a história das ideias se faça por rupturas,

cortes epistemológicos e não por evolução e continuísmo, favorecendo a criação e o

desenvolvimento de um espírito científico, transformando-se assim numa pedagogia

científica.

[...] O dever da filosofia das ciências consiste em reformular o conhecimento não – científico, que sempre entrava o conhecimento científico. Para tanto, precisa romper com as viseiras que a filosofia tradicional havia imposto à ciência. E é por isso que ela deve ser uma pedagogia científica: toda ciência exige uma nova pedagogia. Os a priori do pensamento não podem ser definitivos, devendo estar sujeitos às mudanças dos valores racionais [...] (JAPIASSÚ, 1976, p. 39).

A intenção de Bachelard era de estimular os filósofos na tentativa de elucidar

a relação entre as determinações e o determinismo que envolvem e utilizam. Ao

iniciar diversas e decisivas retificações dos valores humanos a fim de se recolocar

os valores do conhecimento científico.

O projeto filosófico de Bachelard está inserido em três estruturas básicas,

segundo Japiassú, 1976, p. 49:

a. Bachelard apoia-se na reorganização das ciências físicas contemporâneas, não somente para defender as novas ciências contra as deformações e as explorações que delas faziam as filosofias do conhecimento tradicionais, mas porque as ciências repousam sobre um passado “reformado”; b. Ao tomar a defesa das ciências existentes, ao empreender uma luta para que os filósofos venham a reconhecer a novidade radical das doutrinas físicas e ao fazer um esforço gigantesco e constante para torná-los sensíveis aos “valores filosóficos da ciência”, Bachelard tem em vista elaborar um projeto de adequar a filosofia às ciências contemporâneas e fazer com que cada ciência tome consciência da filosofia que implicitamente encerra; c. Para levar a efeito essas duas preocupações, Bachelard elabora progressivamente não somente certas categorias fundamentais e conceitos

107

diretrizes para sua epistemologia, mas algumas teses propriamente filosóficas.

3.8. Sumarização do Capítulo

Para Bachelard a formação implica essencialmente em desconstrução e

reforma do sujeito. Ele precisa eliminar obstáculos, ilusões impeditivas ao acesso do

conhecimento. O erro torna-se fator positivo, pois se impõe como mola propulsora

para o desenvolvimento do saber.

Na razão bachelardiana a atividade intersubjetiva empreendida em sala de

aula se dá entre mestre e aluno, sendo o racionalismo por ele proposto efetivado no

diálogo entre o professor e o aluno, fator esse, como lembraram Barbosa e Bulcão

(2004), que transforma a escola no modelo mais elevado de vida social.

A verdadeira escola, aquela que tem como objetivo primordial a formação do

homem, deve ser uma instituição que substitui o instinto conservador pelo instinto

criador e a passividade e a ociosidade pelo instinto espiritual, fazendo reviver a

dialógica do racionalismo professor/aluno, ao mesmo tempo em que se eleva o

espírito, por meio da imaginação criadora num voo ascensional, profundo e

verticalizado.

Em suma, ao se analisar o processo didático de professor da área científica e

em nosso caso da Biologia, deve-se levar em conta se a atividade docente

realmente estabeleceu:

(a) A ruptura do conhecimento comum;

(b) A construção das ideias;

(c) A elaboração do pensamento referente a questões de um novo contexto;

(d) A transformação tanto cultural, quanto racional;

(e) A ultrapassagem do conhecimento comum para a construção do

conhecimento científico.

São com essas características que analisaremos os exercícios presentes nos

Cadernos de Biologia e as respostas dadas pelos alunos primeiro anistas e expostas

no capítulo IV.

108

Capítulo IV

Ensino de Biologia: Do Ideal à Prática

4.1. Análise do Impresso do “Currículo do Estado de São Paulo”

A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo lançou no ano de 2008

republicado em 2010 uma proposta curricular intitulada: Currículo do Estado de São

Paulo para ser implementada de forma imediata em todas as escolas da rede

pública do Estado. O projeto, que segundo a Secretária da Educação do Estado de

São Paulo naquele ano: Professora Doutora Maria Helena Guimarães Castro é

ousado e inovador, está apoiado na utilização de vários materiais pedagógicos

(SEE/SP, 2008).

Inicialmente o projeto para reestruturar o currículo foi implementado pelo

“Jornal do Aluno”. Este “jornal” foi organizado por áreas pretendendo facilitar a

compreensão do leitor, sendo que a “Revista do Professor” subsidiou a aplicação

das atividades propostas no referido Jornal. O material foi dividido em duas sessões

voltadas ora para o nível fundamental ora para o nível médio, por disciplina/série e

apresentava em seu teor o número específico de aulas necessárias para a aplicação

de cada conteúdo pré-determinado e trouxe de forma detalhada possibilidades de

aplicação e de avaliação das atividades propostas para o aluno que ler o Jornal

(SEE/SP, 2008).

Uma das características da proposta era o caráter interdisciplinar e visava

melhorar o desempenho dos alunos nas avaliações do Sistema de Avaliação do

Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Propunha-se que as

práticas pedagógicas para a sala de aula, que trabalhassem a capacidade leitora e

escrita, além do raciocínio lógico e matemático nos alunos, sendo estas áreas as

que apresentavam maior dificuldade de aprendizado dos educandos.

O “Jornal do Aluno” que contemplava todas as disciplinas do currículo com as

atividades propostas já elaboradas, bem como, o seu tempo de duração estipulado.

109

As atividades previstas na revista do professor eram aplicadas no período de

recuperação, visando não comprometer o calendário escolar, evitando assim atrasos

ao conteúdo escolar, os professores eram orientados por meio de vídeos tutoriais e

um livro que sintetizava a prática docente.

As atividades com o uso do jornal tiveram seu início no dia 18 de fevereiro e

seu término em 30 de março de 2008, caracterizando um rápido período de

recuperação intensiva, em todas as séries do Ensino Fundamental – ciclo II e Ensino

Médio. Na sequência, as unidades escolares receberam os cadernos dos alunos

para dar início ao conteúdo previsto para o 1º bimestre e assim sucessivamente com

os demais bimestres.

A Revista do Professor apresenta também:

[...] as habilidades que foram previstas para recuperar/consolidar; o modo de o professor se preparar para aplicar a aula; os recursos necessários; o modo de direcionar e motivar os alunos; o tempo previsto; o modo de organizar a classe para as tarefas; o modo de avaliar e corrigir os produtos da atividade (SEE/SP, 2008, p. 13).

Após essa primeira experiência com o “jornal”, a Secretaria de Educação

implementou o material didático tal como conhecemos hoje. Assim surgiram os

“Cadernos do Professor”, uma outra cartilha confeccionada sob a coordenação de

Maria Inês Fini, denominada “Proposta Curricular do Estado de São Paulo – Ensino

Fundamental Ciclo II e Ensino Médio”. O texto de Apresentação da Cartilha vem

assinado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo Maria Helena

Guimarães de Castro que justifica a necessidade de uma Proposta Curricular com a

seguinte frase: “A criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que deu autonomia às

escolas para que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo

importante. Ao longo do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrou-se

ineficiente.” (SEE/SP, 2008a, s/p.).

Por conta da ineficiência apontada, a Secretária da Educação do Estado de

São Paulo salientou que se fazia necessária uma “[...] ação integrada e articulada

[...]”, que também subsidiasse os profissionais da rede. Finalizando o texto de

110

apresentação, Fini afirmava: “Mais do que simples orientação, o que propomos, com

a elaboração da Proposta Curricular e de todo o material que a integra, é que nossa

ação tenha um foco definido.” (SEE/SP, 2008a, s/p.).

De modo geral o material didático apresentado pela SEE/SP é composto

pelo caderno do professor e do aluno, sendo organizado por disciplinas, série (ano)

e bimestres. No caderno do professor as situações de aprendizagem já são

apresentadas em um formato pronto para todos os atores envolvidos na gestão da

aprendizagem, cada conteúdo a ser desenvolvido apresenta um tempo previsto com

a duração das aulas, conteúdos e temas prontos, competências e habilidades a

serem atingidas, proposição de estratégias, recursos e avaliações para serem

aplicados.

Pode-se perceber a importância atribuída pelas esferas governamentais aos

“avanços” para o ensino de Ciências, área bastante defasada no Brasil, conforme

nos mostram os resultados alcançados por nossos alunos no Programme for

International Student Assessment (PISA) trazidos pela proposta da SEE/SP. Essa

importância traz o comprometimento de professores, dá “esperanças” de que “agora

as coisas vão”, de que há possibilidade de mudança efetiva na aprendizagem dos

alunos. E, ao mesmo tempo, desesperança, um sentimento de “engodo”, ou de que

os professores não foram competentes, ou de que os alunos são “imutáveis” quando

as mudanças propostas não acontecem. Refletindo, então, sobre a necessidade de

se avaliar e fazer a crítica em relação à proposta da SEE/SP, analisando em que

pontos essa realmente avança e aqueles nos quais ainda precisa ser aprimorada, é

que essa pesquisa foi realizada.

4.2. A Disciplina de Biologia na Visão da Proposta Curricular

De acordo com a proposta curricular, as ciências da natureza fazem-se

presentes de diversas maneiras na sociedade, tanto na vida cotidiana quanto

cultural. As ciências estão associadas a muitas técnicas, estando inseridas em

várias áreas que envolvem processos de produção. Também estão relacionadas à

tecnologia, além de possuírem um caráter filosófico ao interpretar e compreender os

fenômenos da natureza e os mecanismos da vida. (SP/SEE, 2008a).

111

Finalmente, as ciências descortinam uma bela visão do mundo natural, ao revelar a periodicidade das propriedades dos elementos químicos, ao mergulhar nos detalhes moleculares da base genética da vida e ao investigar a origem e a evolução das espécies vivas da Terra ou do Universo como um todo. (SP/SEE, 2008a, p. 25).

A alfabetização científico-tecnológica é enfatizada como uma condição

necessária para o pleno exercício da cidadania, uma vez que o domínio de conceitos

científicos nos dias de hoje é imprescindível para acompanhar o desenvolvimento da

sociedade, participando de forma crítica e atuante diante de situações que exijam o

domínio das ciências.

A área das ciências da natureza no ensino médio organiza a aprendizagem

em disciplinas como a Biologia, a Física e a Química com conceitos, métodos e

procedimentos próprios, experimentações e análise de resultados, visando promover

uma formação mais ampla e geral nos alunos por meio do projeto pedagógico da

escola e da proposta curricular, trabalhando todas estas disciplinas não de forma

isolada, mas articuladas entre si.

Para o ensino fundamental as ciências contemplam uma única disciplina, no

qual dentro da proposta curricular é ressaltada a importância do uso de linguagem

acessível para cada faixa etária, priorizando sempre o ensino no cotidiano do aluno

por meio de suas vivências e experimentações. A proposta para o ensino médio

dentro das ciências é promover um aprofundamento em termos de conteúdos

relacionando as competências do conhecimento científico ao contexto real do aluno

de forma interdisciplinar. (SP/SEE, 2008a).

Enfim, a sociedade atual, diante de questões como a busca de modernização produtiva, cuidados com o ambiente natural, a procura de novas fontes enérgicas e a escolha de padrões para as telecomunicações, precisa lançar mão das ciências como provedoras das linguagens, instrumentos e critérios. Por isso, a educação de base que se conclui no Ensino Médio deve promover conhecimento científico e tecnológico para ser apreendido e dominado pelos cidadãos como recurso seu, e não “dos outros”, sejam estes cientistas ou engenheiros, e utilizado como recurso de expressão, instrumento de julgamento, tomada de posição ou resolução de problemas em contextos reais. (SP/SEE, 2008a, p. 28).

Identifica-se na proposta o objetivo quanto ao atendimento às especificações

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBDEN), de 1996, no sentido

112

de promover o desenvolvimento de competências e habilidades genéricas ou até

mesmo específicas, ampliando a cultura científica.

Assim, encontra-se na proposta a intenção de estimular a competência

linguística por meio do domínio da capacidade leitora e escrita, destacando-se

diversas habilidades como ler e interpretar textos, tabelas, gráficos, elaborar uma

reescrita, desenvolver trabalhos em grupos, participar de debates, elaborar relatórios

e resolver situações problemas. Destacam-se algumas habilidades como

capacidade em observação, estabelecimento de relações, interpretação e crítica,

facilidade em solução de problemas envolvendo o individual X o coletivo, estando

estas dentre as competências que caracterizam perfis que utilizarão conhecimentos

a fim de interagir das diversas formas no cotidiano por meio das práticas científicas.

Conforme a proposta há exigência de capacidade de estabelecimento de

conexões e de atuação em diversos contextos, sugerindo-se habilidades

relacionadas às ciências e demais áreas, havendo relações entre as informações,

permitindo a interligação do que abrange questões “técnicas e científicas”,

possibilitando assim, a análise do papel da ciência/tecnologia no mundo atual,

estabelecendo vínculo ao passado.

O papel das ciências na vida dos alunos ultrapassa o método somente de

embasamento cultural, e sim permeia na concepção de permitir que o educando

interaja de forma efetiva e participativa, tornando a educação uma possibilidade de

qualificação que o capacite para o trabalho em um mundo globalizado e promova

qualidade de vida e atuação geradora de transformações sociais no meio em que

vive.

Aborda-se na proposta como obstáculo aos objetivos, sendo tais

referenciados na LDBEN, a grande quantidade de informações que as ciências

fornecem e que geralmente na prática são abordadas de forma “enciclopédica”,

mantendo o aluno em posição de simples agente receptor de informações. (SP/SEE,

2008a).

Numa conclusão, mesmo que parcial, os textos da LDBEN e do currículo

proposto pela SEE, não deixam explícitos qualquer epistemologia a ser seguida.

Entretanto, como descrito acima, há para o professor a possibilidade de utilizar as

mais variadas fontes epistemológicas. Resta indagar se àquelas a serem usadas

contemplam, em suas raízes ontológicas, os objetivos expressos nas legislações

113

aqui citadas. Nisso concordamos com as propostas de Bachelard. Percebe-se nos

documentos que os alunos necessitaram ultrapassar a percepção dos fenômenos e

apresentar a reflexão a respeito dos mesmos.

Deixando de lado esta visão filosófica e nos detendo ao conteúdo

propriamente dito do ensino de biologia, observamos que se não houver os cuidados

de aprofundamento de conteúdo e habilidade a proposta se tornará bastante pobre

tendo em vista, por exemplo, o exercício proposto na 1ª série do Ensino Médio

referente ao 3º bimestre na situação de aprendizagem quatro que apresenta o tema:

“Saúde é tudo”, propondo o seguinte roteiro para aplicação da situação de

aprendizagem, bem como suas propostas de situações de recuperação.

4.3. Análise do Material na Vertente Bachelardiana

Antes de iniciarmos a análise da “unidade” referida é preciso indicar aqui

como se organiza de modo geral os Cadernos do professor e do aluno. Nos

concentraremos aqui no Caderno do professor. Cada “unidade” do Caderno está

centrada na ideia de situação de aprendizagem. Esse é um modo de organizar os

conteúdos que visam partir de “realidades concretas” possivelmente vivenciadas

pelo aluno. Assim, ao invés do conteúdo partir de noções abstratas do

conhecimento, ele pretende partir de problemas reais. Tomando o exemplo com o

qual trabalhamos aqui, a “situação de aprendizagem quatro” do Caderno do

Professor, 1ª série, Vol.3, parte do contexto de compreensão no que consiste a

doença conhecida com ascaridíase. No Caderno do Aluno pede-se que ele faça uma

pesquisa inicial na internet ou numa biblioteca. Essa pesquisa é orientada por três

questões que o aluno deve buscar responder.

114

Figura 1 – Atividade de pesquisa proposta no caderno do aluno

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação (2009, p.45).

Após essa pesquisa surge um gráfico (figura 2) que apresenta o número de

casos de ascaridíase em Piraraquara do Oeste.

Figura 2 – Representatividade do número de casos de ascaridíase no caderno do aluno

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação (2009, p.46).

115

Com essa proposta, é sugerido ao aluno que ele responda quatro questões a

partir da análise do gráfico (figura 2).

Figura 3 – Exercícios propostos no caderno do aluno a partir da análise do gráfico anterior

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação (2009, p.47).

Nesse sentido, o material didático intencionava trabalhar conhecimentos que

não somente envolvem a área da biologia, mas sim das “ciências da natureza” em

geral, pois o conteúdo da área da biologia está relacionado com as matemáticas,

isto é, a compreensão da doença e de sua “epidemia”, por assim dizer, depende de

conhecimentos que não estão somente vinculados à biologia.

Por isso, no Caderno do Professor é proposto que se trabalhe a noção

científica de “variável”. Na explicação geral da “situação de aprendizagem quatro” do

Caderno do Professor surge a seguinte orientação:

Nesta situação de aprendizagem, os alunos retomam o trabalho com gráficos, enfatizando as relações entre variáveis. São convidados a tratar do

116

problema de causa e efeito entre variáveis, uma questão que aparece em vários momentos em todas as áreas do conhecimento: Quando duas variáveis estão relacionadas, como saber se uma é a causa da outra ou seja as duas não são apenas a consequência de uma terceira variável? Por último, podem comparar indicadores de saúde de diferentes países, verificando se o que aprenderam comparando cidades brasileiras pode ser extrapolado para outras partes do mundo. Tudo isso tem como objetivo apresentar a saúde das populações com algo complexo, afetado por múltiplos fatores (CADERNO DO PROFESSOR, p.36, 2010).

O objetivo proposto pelo material é fazer com que os alunos saiam da

compreensão mais direta e comum e passem pelo processo de abstração de casos

particulares. O gráfico bem com as variáveis tratadas nele visa fornecer as bases

gerais para desenvolver a habilidade de sair das realidades concretas cotidianas e

desenvolver teses e hipóteses mais gerais sobre determinada situação. Ou seja,

mediante a “abstração” fornecida pelos gráficos, que trabalham com a ideia de

variável, é possível desenvolver uma das mais importantes habilidades científicas, a

abstração. Como pudemos ver em Bachelard, a proposta contemplaria,

superficialmente, as orientações científicas sugeridas por ele para a construção do

conhecimento/pensamento científico, a saber, a ruptura do conhecimento com o

senso comum, a construção de ideias, a elaboração do pensamento em um novo

contexto, transformações tanto cultural quanto racional e ultrapassagem do

conhecimento comum para a absorção do conhecimento científico.

Essa proposta está diretamente determinada pela sugestão de atividade e

texto de apoio. Por isso, é preciso aqui também analisar essas atividades com o

intuito de saber em que medida a proposta foi de fato contemplada.

A primeira atividade consiste em construir uma tabela em que os alunos

trabalham com duas variáveis. Essas últimas são construídas a partir da relação

entre comprimento do antebraço e da perna, de tal modo que uma variável seria o

“comprimento do braço” e a outra o “comprimento da perna”. Para construí-lo, o

Caderno propõe que a classe seja dividida em grupos de 10. Na sequencia, é

indicado como exemplo a tabela a seguir (figura 4):

117

Figura 4 – Relação entre o comprimento da perna e do antebraço de vários alunos no caderno do professor

Pessoa Antebraço (cm) Perna (cm)

Clara 18 35

Rodrigo 20 38

... ... ...

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação (2009, p.37).

A partir da construção da tabela (figura 4), os alunos, orientados pelo

professor, devem construir o seguinte gráfico (figura 5):

Figura 5 – Exemplo de possível gráfico relacionando complemento da perna e do antebraço de vários alunos no caderno do professor

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação (2009, p.37).

Na sequência, o Caderno do Professor propõe que o professor oriente os

grupos a discutir a “coleta de dados” com o intuito de padronizar os dados. O

objetivo é apresentar a ideia de que na ciência há também debate entre os pares e

que isso é parte importante do processo científico. Os alunos são assim orientados a

escolher quais máximas e mínimas que serão adotadas no gráfico (figura 5). Além

dessas, é orientado também que os alunos estabeleçam a escala dos gráficos

constantes na figura 5 a partir da tabela contemplada na figura 4. A ideia geral, como

118

podemos perceber, é a de que, a partir da criação de gráficos realizada pelos

alunos, estes possam ter a ideia de como são feitos gráficos no geral, isto é, os

gráficos estão relacionados com a coleta de dados que visam apresentar uma

determinada relação entre variáveis. O gráfico constante na figura 5, que inserimos

acima, indica assim uma relação positiva entre as variáveis, ou seja, os alunos

devem compreender que quanto maior o antebraço, maior será o tamanho da perna.

Após estabelecer uma relação positiva entre as variáveis, na sequência o

material indica uma relação negativa entre duas variáveis. Novamente é proposto

que se construa um novo gráfico a partir de dados que não foram recolhidos pelos

alunos. Ou seja, agora, os dados não serão mais produzidos pelos alunos, mas são

apresentados pelo Caderno. Esses estão descritos na tabela contemplada na figura

6:

Figura 6 – Tabela 9 - Relação entre porcentagem de alunos na escola e porcentagem de alunos analfabetos em 11 cidades (dados fictícios) – caderno do professor

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação (2009, p.38).

119

Novamente, a partir da tabela (figura 6), os alunos devem construir o gráfico,

tal como está o gráfico (figura 7):

Figura 7 – Gráfico 4 - Relação entre porcentagem de alunos na escola e porcentagem de alunos analfabetos em 11 cidades (dados fictícios) – caderno do professor

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação (2009, p.38).

Na sequência é proposto que se trabalhe com os alunos seis questões a partir

do que foi exposto até aqui:

120

Figura 8 – Exercícios propostos para os alunos resolverem no caderno do professor

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação (2009, p.39).

121

Retomando aqui as orientações gerais apresentas no capítulo anterior

segundo Bachelard, faremos, como exemplo de investigação, a análise da proposta

dessa “unidade” abordada pelo material fornecido pela Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo, usando as orientações de Bachelard como categorias de

análise.

A primeira orientação indicada por Bachelard consiste na ruptura do

conhecimento com o senso comum. O exercício fornece condições de ruptura com o

senso comum? Relativamente. Na medida em que os alunos executem a pesquisa

sobre a ascaridíase, orientada pelas questões sugeridas, os conhecimentos de

cunho científico para a denominação, origem, consequências e prevenção dessa

doença, que não estão disponíveis- ou estão disponíveis de outra forma, no senso

comum, surgem com mais clareza. Mas isso realmente rompe com o senso comum,

ou seja, o aluno, doravante, é capaz de pensar cientificamente em termos de

ascaridíase? O fato de o exemplo dado no livro fazer referências a dados fictícios

não enfraquece essa proposição? Por que o uso de ficção, se esse é um problema

real no Brasil? E lidar com dados fictícios em ciência, como apresentados no gráfico

relacionado a esse exercício, é uma estratégia correta? Qual a possibilidade de

envolvimento do aluno com a realidade de seu estado/país, com base nessa ficção?

Na proposta sobre a produção e análise de gráficos o material também

parece objetivar essa orientação bachelardiana, pois seu intuito é produzir

conhecimento científico a partir das noções de variáveis, algo que não é nada óbvio

no senso comum. Mas isso se mostra efetivo com a mensuração de algo tão

prosaico como antebraços e pernas? Para alunos do Ensino Médio? Não haveria

variáveis mais interessantes para fundamentar a atividade? E a discussão

propriamente dita do que é variável, de como podemos “recortar” a realidade de

diversas formas, estabelecendo um conjunto bastante amplo de variáveis, ou de

relações causa/efeito? O exercício/a unidade, tal como se apresenta, não se mostra

bastante arraigada ao positivismo? O problema, nesse caso, seria o de propor uma

“revolução” no ensino de ciências- como apregoado nas legislações, mas

empregando uma base epistemológica subjacente que não permite contemplar, de

fato, tal transformação.

122

A segunda orientação é a construção de ideias. Na pesquisa inicial sobre a

ascaridíase, podemos perceber que a construção de ideias não se desenvolveu, já

que a pesquisa visa encontrar informações já estabelecidas, prontas e disponíveis.

Mas, ao analisarmos a produção dos gráficos e compreendê-los, essa orientação

bachelardiana é contemplada, pois o material propõe que os alunos construam os

gráficos a partir dos dados, ou seja, é possível que eles compreendam como são

produzidos os gráficos e, com isso, a ideia geral de gráfico. Conteúdo que, observa-

se, já está presente nos conteúdos escolares desde o ensino fundamental. Contudo,

novamente, a aprendizagem fica restrita ao domínio de uma técnica- aqui, a

construção de gráficos, a partir de variáveis muito simplificadas; sem contemplar as

potenciais complexidades que poderiam aparecer e enriquecer o aprendizado,

gerando, de fato, produção de ideias. Por exemplo, as citações feitas, no livro do

professor, quanto às respostas postas à atividade de “reflexão” sobre gráficos, que

aqui aparece na página 124. A primeira delas, no exercício três, sugere que o

professor, como resposta ao exercício, estabeleça uma correlação positiva entre a

ida de alunos à escola e a diminuição do analfabetismo. Ora, e quando isso se

aplica a uma realidade escolar, vivida exatamente por alunos da faixa etária

estudada, em que encontram-se muitos alunos com 15 anos ou mais, que, apesar

de estarem na escola, não se mostram alfabetizados? E a discussão sobre o que é

estar alfabetizado? E, ainda, como se pode valorizar a cultura de quem não é

alfabetizado, reduzindo as estigmatizações em relação a uma população que é, em

muitos casos, a mesma de origem dos alunos da escola pública? Produção de

novas ideias ou preservação de pré (conceitos), que confirmam a exclusão?

A terceira orientação é a elaboração do pensamento em um novo contexto.

Novamente, vemos que no primeiro exercício essa orientação não é contemplada,

pois a pesquisa pode permanecer no âmbito meramente biológico, embora as

questões visem tratar também sobre questões de relevância social. Corre-se o risco

de permanecer meramente nesse âmbito, dependendo do professor. Não há

nenhuma referência em relação à ascaridíase no contexto do aluno, de forma a fazê-

lo pensar em seu contexto de vida de maneira mais complexa e problematizadora.

Lembrando que em um trabalho com gráficos, variáveis e indicadores, seria de suma

importância ensinar os alunos de ensino médio a acessar bases de dados, como

aquelas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do sistema

123

nacional de saúde, nas quais os alunos encontrariam esses e outros dados sobre

endemias, que tanto caracterizam a realidade brasileira. Aí o aluno poderia começar,

de forma mais consistente, a construir um novo contexto sobre seu país e sua

população, percebendo-se como integrante dos números, gráficos e estatísticas

presentes nessas bases. No exercício sobre a produção do gráfico, a própria forma

do exercício proposto leva a elaboração do pensamento num outro contexto, pois os

dados coletados sobre “antebraço e perna”, são levados a constituir “dados”

matemáticos, ou seja, números, no contexto matemático. Porém, é bastante

superficial, isto é, tornam-se indiferentes de sua origem, podendo ser abstraído da

noção biológica de “antebraço e perna”. Ao passar para “números”, passa-se

também do contexto biológico para o matemático, mas ainda numa visão

reducionista do que se poderia entender por contexto.

A quarta orientação diz respeito à transformação tanto cultural quanto

racional. No primeiro exercício, podemos dizer que a transformação cultural é mais

visada do que a racional, pois na medida em que os alunos obtêm a informação da

origem e contágio da doença, essa informação pode ser utilizada na mudança de

hábitos culturais. Já foi exposta anteriormente como a questão da ficção dos dados

obstaculiza essa proposição. Nenhuma reflexão que envolva o posicionamento dos

alunos quanto às suas concepções familiares em relação à ascaridíase,

popularmente conhecida como “lombriga” ou “bicha”. Sendo que é prática bem

disseminada, na cultura popular, a associação entre a “vontade” de comer algo e o

surgimento da “lombriga”. Discutir as concepções dos alunos e de suas famílias e

comunidades em relação a essas práticas seria suficiente para provocar uma

transformação cultural e racional de hábitos em relação à higiene e saneamento? A

análise da extensão da rede de esgotos do próprio município de origem dos alunos,

ou do local em que vivem atualmente, não colaboraria para que se chegassem à

conclusão de que somente a mudança de hábitos, sem a estrutura de saúde pública

adequada, que deveria ser fornecida pelos serviços públicos, se mostra ineficaz para

conter essa e outras parasitoses?

Na segunda proposta, a da produção de gráficos, podemos dizer que a

transformação racional foi mais utilizada do que a cultural, pois na medida em que

há a mudança de contexto no qual os alunos são orientados a pensar de modo

124

matemático, isto é, estabelecer relações entre números e variáveis, que se

relacionam outro contexto, essa proposta permite desenvolver o pensamento

racional, lógico. A questão do acesso à cultura, de maneira geral, não seria um

tópico importante a ser discutido em relação ao analfabetismo? Que possibilidades

existem para que um recém-alfabetizado, ou para alguém que mesmo analfabeto,

deseje entender revistas e jornais, há na comunidade? A condição de analfabeto

fica, novamente, colocada como “culpa” individual, aquele que não se adaptou, não

se mostrou competente, ou não quer procurar, o sistema escolar.

A última orientação consiste em ultrapassagem do conhecimento comum para

a construção do conhecimento científico. Podemos dizer que tanto a proposta de

pesquisa a respeito da ascaridíase quanto os exercícios sobre os gráficos

contemplam essa orientação geral, pois nos dois é previsto a absorção do

conhecimento científico a partir do conhecimento comum. Novamente, a questão é a

superficialidade do que é proposto. Na página 124, nos exercícios ali encontrados,

há nas respostas aos professores, a indicação de uma correlação positiva entre

“uma maior renda” e a “longevidade”, levando-se crer que com mais dinheiro pode-

se cuidar melhor da saúde. Conhecimento ideologicamente do senso-comum. Mas e

o conhecimento científico de que o Estado brasileiro, em sua constituição, assume

ser responsável pelas condições básicas de acesso e garantia de cuidados com a

saúde da população? A correlação que se estabelece nessa proposição é,

inversamente ao proposto no livro, de que países com populações mais longevas

são aqueles onde há um esforço nacional para garantir um serviço de saúde pública

eficiente aos seus cidadãos. Qual conhecimento científico foi, de fato, construído por

essa unidade específica, aqui tratada como exemplo de outras, presentes nos

Cadernos?

4.4. Realidade em uma Unidade Escolar

Nossa pesquisa foi realizada na EE. Prof. Djalma Octaviano que se situa à

Rua Willian Booth, s/n, no bairro Jardim Paulicéia, região do município de Campinas

- S.P. A escola foi construída em 1975 e inaugurada em 20 de agosto de 1976. Com

125

o Projeto de Lei nº 67 (1976) no artigo 1º, a Unidade passou a denominar-se Escola

Estadual de 1º grau do Jardim Paulicéia, em Campinas.

O patrono da escola Prof. Djalma Octaviano foi professor em 1920, sócio

fundador e primeiro tesoureiro da Associação Campineira de Imprensa. Também foi

juiz de paz do 1º Subdistrito de Paz de Campinas Cartório Conceição e terminou sua

carreira como diretor de escola.

Atualmente, a Escola atende a demanda dos bairros: Jardim Ipaussurama,

Vila Perseu Leite de Barros, Jardim Roseira, Jardim Campos Elíseos, Jardim Novo

Anchieta, Parque Ipiranga, Jardim Londres, Jardim Paulicéia, Vila Castelo Branco,

Jardim Garcia, Vila Padre Manoel da Nóbrega, Núcleo Habitacional Padre Manoel

da Nóbrega, Campo Grande, Satélite Iris, Vila União, Jardim Florence e, até mesmo

bairros mais distantes que utilizam a Avenida John Boyd Dunlop, via principal de

acesso ao bairro.

O Jardim Paulicéia é um bairro da Região Sudoeste de Campinas, tendo ao

norte o Jardim Garcia e a Vila Castelo Branco, ao sul e a oeste o Jardim Campos

Elíseos, a leste está situado a Rodovia Anhanguera e o Jardim Miranda.

A Região Sudoeste é caracterizada como uma região semiperiférica com uma

das maiores concentrações populacionais da cidade, notadamente por famílias

imigrantes que em sua maioria origina-se do nordeste do país. Seus diversos bairros

são caracterizados por construções precárias e favelas, além de conjuntos

habitacionais populares, hospital e postos de saúde e até um shopping center. Trata-

se de uma região com grande índice de criminalidade da cidade, como roubos/furtos

e tráfico de drogas.

A unidade escolar em si, encontra-se situada em um zoneamento misto,

comercial e residencial, que disponibiliza a oferta de serviços e comércio por meio

de pequenos estabelecimentos que atendem a população local e os funcionários das

diferentes empresas. Nas proximidades da escola existem padarias, supermercados,

loja de materiais de construção, floricultura, bancos, entre outros.

A taxa de crescimento populacional na região sudoeste de Campinas foi de

0,36% ao ano entre 2000 a 2010, com uma população de 234.804 habitantes para

126

uma área de 99,606 km², representando uma densidade demográfica de 2.357,32

hab/km² (IBGE, 2010), sendo a região de menor crescimento, porém a segunda

maior de densidade demográfica7.

Identifica-se que considerando o total de responsáveis por domicílio segundo

as faixas de rendimento, para a macrozona 07, em 2010 o maior número de pessoas

responsáveis por família com rendimento nominal mensal está entre 01 a 02 salários

mínimos8.

4.5. Plano Gestão para 2011

De acordo com os dados da escola, no ano de 2011 houve um quadro de

atendimento que totalizou 554 alunos divididos em dois períodos: Da 5ª a 8ª série

foram 330 alunos (período integral/diurno). No ensino médio foram 140 alunos e em

EJA foram 84 alunos (período noturno).

A escola possuía em seu corpo docente dezenove professores efetivos e

vinte e quatro professores substitutos, duas coordenadoras pedagógicas, um diretor

substituto e um vice-diretor que atuavam no período diurno e noturno.

Para o funcionamento da escola havia onze funcionários de apoio, sendo três

auxiliares de limpeza, quatro agentes de organização escolar e quatro cozinheiras.

Segundo constava no plano gestão 2011 a proposta pedagógica da unidade

escolar procurava corresponder às exigências ético/políticas do modelo de

desenvolvimento humano contemplando suas práticas educativas. Também se

propunha a desenvolver o sentimento de pertinência e o desenvolvimento de

atitudes de compromisso e participação social e a capacitação para o mercado de

trabalho no ensino médio em seu caráter de terminalidade.

7 PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS. Dados sobre a escola. Disponível em:

https://docs.google.com/spreadsheet/pub?key=0Amj0mSYLXRsfdDZGVlhfV3EyT0lSeEJ0MTRzeU9QTHc&single=true&gid=0&output=html. Acesso em: 03 de outubro de 2012.

8 PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS. Dados sobre a escola. Disponível em:

https://docs.google.com/spreadsheet/pub?key=0Amj0mSYLXRsfdE1mME8tMjVZLTBtYm9UOGVxTjRNTGc&single=true&gid=0&output=html. Acesso em: 03 de outubro de 2012.

127

A clientela da escola não mudou: caracteriza-se por classe média baixa,

segundo classificação atual do MDS, e com muitos alunos oriundos de favelas. Os

pais pouco ou nada se interessam pela vida escolar dos filhos e só procuram a

escola para reclamarem ou quando são solicitados pela direção para resolver

problemas disciplinares. Há ainda alunos provenientes de famílias de comerciantes

e profissionais liberais.

A comunidade escolar realiza constantemente parceria com a Pontifícia

Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), por meio de estagiários e

professores de Biologia e também com a Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP), por meio de alunos de mestrado que desenvolvem trabalhos com

professores em ATPCs9 e com os alunos. No ano de 2012 esta unidade escolar em

parceria com a UNICAMP está envolvida no projeto PIBID10 desenvolvendo ações

desses estagiários no projeto de residência educacional.

Está documentado também no plano gestão 2011 que os professores têm

consciência de que a escola tem que suprir a falha das famílias e orientar os alunos

quanto ao futuro seja no trabalho, na vida, em sociedade e nos estudos. A escola

procura trabalhar formando os educandos em sua totalidade, como trabalhadores,

cidadãos e aptos a resolver problemas futuros. Também consta que os gestores da

unidade escolar reforçam junto aos professores e alunos sobre a importância da

aprendizagem, o foco da educação, dando formação continuada, palestras alertando

sobre novos cursos e a didática a ser praticada na escola, exigindo atuação às

aulas, responsabilidade e compromisso de todos.

Descreve sua função social como sendo o seu papel conhecer e valorizar os

diferentes grupos da sociedade, a pluralidade cultural e reconhecer a diversidade

como um direito. Aprender a conviver sendo relevante trabalhar questões da

discriminação e preconceito. Com relação à função social da escola quanto ao

currículo proposto pelo Estado de São Paulo, a escola acredita que com uma

formação de qualidade é necessário interagir com grandes questões sociais. Sendo

que seu projeto educativo parte de um diagnóstico da realidade social e educativa

na tentativa de aproximar a educação da realidade de seus alunos.

9 Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo 10

PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência.

128

A avaliação das atividades didático-pedagógicas da unidade escolar é feita

por meio de comparação entre o que é planejado e desenvolvido em todos os

setores da escola durante o ano letivo. Ao final de cada bimestre é realizado um

levantamento por meio de gráficos sobre o desempenho dos alunos em todos os

componentes curriculares gerando resultados que a equipe trabalha nos conselhos

de classe e série nos ATPCs a fim de buscar soluções para melhorar a qualidade de

ensino proposto.

4.6. A pesquisa com os alunos

Para mais bem encaminhar os objetivos propostos nessa dissertação à

análise dos exercícios dos Cadernos de Biologia, como acima expostas, escolhemos

o Estudo de Caso em unidade escolar do município de Campinas, como forma de

coleta de dados. Os instrumentos utilizados foram: um questionário com pergunta e

respostas abertas, aplicado a 45 alunos de duas turmas de 1º ano do Ensino Médio,

entrevista focal com 06 alunos das mesmas turmas. O objetivo imediato dessa

pesquisa de campo foi descobrir como os pesquisados consideram as questões

teórico/filosóficas acerca do ensino de ciências. Esse material serviu, também, como

base comparativa para o entendimento se há alguma aplicação das propostas de

Gaston Bachelard, já alcançadas por esses alunos, que, afinal, já estariam no final

de um processo de alfabetização científica, considerando-se a terminalidade do

Ensino Médio.

Nas perguntas abertas questionou-se: a) o que é ciência; b) o que é fazer

ciência; c) como se faz ciência; d) para que serve a ciência; e) quem faz ciência; f) a

ciência serve para a vida prática, como?

Durante a aplicação do questionário para os alunos deixou-se claro que suas

respostas deveriam ser espontâneas e claras, e que não se preocupassem em

responder apenas para satisfazer o professor da disciplina.

129

Os procedimentos realizados durante a pesquisa foram desenvolvidos em

etapas: coleta e organização de dados, entrevistas suplementares e análise e

interpretação dos resultados.

Para a obtenção das respostas utilizou-se o seguinte roteiro:

a) Solicitação de permissão da direção da escola para a aplicação do

questionário;

b) Solicitação aos professores de autorização para a aplicação do questionário

em sua aula;

c) Esclarecimento aos alunos a respeito da importância de responder às

questões, orientando-os que se tratava de uma pesquisa que seria desenvolvida

para uma dissertação de mestrado em Educação;

d) Aplicação pela pesquisadora durante as aulas de Biologia;

e) Os questionários não receberam identificação pelos alunos;

f) Tempo de duração da pesquisa em cada sala de aula foi de dois dias.

A presente pesquisa partiu da indagação e dúvida da possibilidade do

material didático proposto pela Secretaria de Estado e Educação de São Paulo

(SEE/SP) para o Ensino Médio viabilizar os conhecimentos em Ciências, Tecnologia

e Sociedade, a fim de despertar a consciência para a prática de uma cidadania

reflexiva, responsável e geradora de transformações de sua realidade, como

exposto em seus princípios norteadores. Para responder a essa questão foi

proposto como objetivo geral da pesquisa a verificação dos cadernos pedagógicos

de Biologia elaborados pela Secretaria de Estado e Educação de São Paulo

(SEE/SP) para o Ensino Médio, que se alinham com temas e concepções

epistemológicos propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do

Ministério da Educação (MEC), que propõem um desenvolvimento do conhecimento

científico de modo argumentativo e favorecendo a construção do pensamento

autônomo, da criticidade e do desenvolvimento cognitivo capaz de entender os

fenômenos do mundo diante de uma verdadeira alfabetização científica.

130

Os autores brasileiros que usam a expressão “Enculturação Científica” partem do pressuposto de que o ensino de Ciências pode e deve promover condições para que os alunos, além das culturas religiosa, social e histórica que carregam consigo, possam também fazer parte de uma cultura em que as noções, idéias e conceitos científicos são parte de seu corpus. Deste modo, seriam capazes de participar das discussões desta cultura, obtendo informações e fazendo-se comunicar. (SASSERON e CARVALHO, 2011, p. 60).

Desde 1996 o ensino voltado para a ciência experimental vem recebendo

maior atenção no Brasil. Essa afirmativa pode ser observada nos dois documentos

publicados pelo Ministério da Educação (MEC) voltados para a Educação Infantil e

para o Ensino Fundamental como se segue:

4.7. Análise dos Questionários

Segue abaixo orientações para o entendimento/interpretação dos resultados

obtidos. Queremos lembrar que nem sempre os alunos pesquisados eram alunos,

durante o ensino fundamental, da própria Unidade Escolar. Nesse caso, estamos

caracterizando a preparação recebida em uma área geográfica e social mais ampla.

Ao final do capítulo anterior deixamos claro as categorias filosóficas

apresentadas por Bachelard e que orientarão as análises das respostas

apresentadas pelos alunos do primeiro ano do Ensino Médio, da escola analisada.

Recordando:

(a) A ruptura do conhecimento comum;

(b) A construção das ideias;

(c) A elaboração do pensamento referentes a questões de um novo contexto;

(d) A transformação tanto cultural, quanto racional;

(e) A ultrapassagem do conhecimento comum para a absorção do

conhecimento científico.

O grupo pesquisado corresponde à quase totalidade dos alunos matriculados,

isso permite que se tenha um resultado que corresponda à expectativa que o aluno

131

tem a respeito das questões formuladas, notadamente, porque não houve nenhuma

questão em branco.

4.7.1. Conjunto das Respostas

Antes da análise de cada categoria de Bachelard, apresentamos o conjunto

das respostas obtidas.

Gráfico 1 – Demonstrativo das respostas

4.7.2. Análise de Cada Orientação em Particular

a) Orientação 1: ruptura do conhecimento – Observa-se que no conjunto é a

determinação filosófica mais frágil na concepção dos 45 questionados. Ou seja, as

132

respostas às questões postas não indicaram que os alunos, apesar de estarem no

Ensino Médio, tenham rompido com conhecimentos tradicionalmente associados ao

que é ciência, suas “utilidades” e finalidades e nem ao como fazer ciência. Por

exemplo: na questão número 02 (O que é fazer ciência ), tivemos como resposta:

[...] é se envolver em experiências, fazer testes químicos, se envolver com o meio

ambiente, etc. Outro, expressou-se da seguinte forma: estudar profundamente o

funcionamento biológico de um ser vivo e da natureza à sua volta. Na questão

número 03 (Como se faz ciência ), por exemplo, obtivemos como resposta: [...] ao

estudar o meio ambiente e os seres vivos que vivem nele. Outro aluno na mesma

questão se expressou da seguinte maneira: [...] podemos dizer que a ciência é um

modo de aprendizagem, que todas as pessoas aprendem sobre o ser humano e o

que existe na natureza.

b) Orientação 2: construção de ideias – no conjunto, é a mais forte. Vamos

apresentar alguns exemplos que confirmem essa análise:

� Na questão número 1 (O que é ciência ) – apresentamos como exemplo as

seguintes propostas: [...] é uma junção de física, química e biologia. Outro

escreve: [...] a natureza e tudo o que habita nela.

� Na questão número 2 (O que é fazer ciência ) – [...] é fazer pesquisas e

estudos. Outro afirma: [...] é fazer um experimento científico.

� Na questão número 3 (Como se faz ciência) – apresentamos como exemplo:

[...] ciência é feita com muitas experiências. Outro aluno assim se expressa:

[...] estudando algo e descobrindo como tal funciona.

� Na questão número 4 (Para que serve a ciência) – apresentamos como

exemplo: [...] para ajudar a descobrir os elementos químicos. Outro assim se

expressa: [...] serve para sabermos mais sobre a preservação do meio

ambiente.

133

� Na questão número 5 (Quem faz ciência) – apresentamos como exemplo de

resposta: [...] cientistas. Outro se expressa da seguinte forma: [...] pessoas

que fazem várias pesquisas sobre a vida.

� Na questão número 6 (Como a ciência serve para a vida prática ) –

apresentamos como exemplo de resposta: [...] ajudar a descobrir curas para

doenças graves. Outro exemplo: [...] comer alimento que fazem bem para a

vida.

As respostas, ainda que superficialmente, indicam que houve uma construção de

ideias do que seria o fazer científico; porém, se pensarmos que essas respostas são

de estudantes do Ensino Médio, elas nos parecem ainda bastante primárias.

c) Orientação número 3 (Elaboração do pensamento em um novo

contexto) – é a categoria que teve maior dispersão. Vejamos o que isso significa:

� Na questão número 1 (O que é ciência ) – apresentamos como exemplo as

seguintes respostas: [...] é o esforço para descobrir e aumentar o

conhecimento humano. Outro aluno assim se expressou: [...] um modo de se

aprofundar em uma pesquisa ou estudo.

� Na questão número 2 (O que é fazer ciência ) – não se observou nenhuma

resposta condizente com essa categoria.

� Na questão número 3 (Como se faz ciência) – foram respostas incipientes.

Apresentamos como exemplos: [...] com estudos e uma alta tecnologia. Outro

exemplo: [...] Pode ser feita de diversas formas: como a reprodução humana,

não agredir o meio ambiente, entre outros.

� Na questão número 4 (Para que serve a ciência) – é a questão que mais

obteve respostas. Apresentamos como exemplo: [...] serve para nos mostrar

que tudo o que temos hoje se baseia na ciência, como a tecnologia que está

avançando e também porque dentro da ciência aprendemos a reciclar e levar

134

para a nossa vida inteira tudo o que temos e podemos para oferecer um

mundo melhor. Ou então outro exemplo: [...] para explicar muitas coisas (sic!)

como o corpo humano e também ajuda [sic!] no avanço de remédios,

tecnologia, etc.

� Na questão número 5 (Quem faz ciência) – Apresentamos como exemplos:

[...] são os químicos, físicos, cientistas, os biólogos e todos que contribuem

para o avanço da tecnologia. Outro exemplo: [..,] os seres humanos fazem a

ciência acontecer e nos leva [a] uma qualidade de vida ainda melhor. Somos

cientistas porque pesquisamos aquilo que temos dúvida.

� Na questão número 6 (Como a ciência serve para a vida prática ) –

Apresentamos como exemplos: [...] no avanço tecnológico, nos hospitais, no

meio ambiente e nas escolas, ensinando e sendo usada para a melhoria da

vida dos seres vivos. Outro exemplo: [...] porque através da tecnologia

podemos por em prático o que o estudo nas ciências nos proporciona.

d) Orientação número 04 (Transformação cultural quanto racional) – é uma

das mais frágeis. Somente houve resposta para a questão número 1 (O que é

ciência ) – vejamos: [...] é um estudo que realiza pesquisa para vários tipos de

áreas, para melhorar a forma de vida do ser humano.

e) Orientação número 5 (Ultrapassagem do conhecimento comum para a

absorção do conhecimento científico). Nenhuma resposta foi condizente com a

categoria.

135

4.7.3. Entrevistas

Foram realizadas com as mesmas questões. No conjunto não houve

alteração. Somente o que foi observado foi que oralmente os entrevistados se

expressaram de maneira mais elaborada:

Na orientação número 01 (Ruptura do conhecimento com o senso comum)

colocamos como destaque:

� Sujeito A: [...] a ciência serve para estudar quimicamente os processos que

ocorrem na natureza e com nós mesmos [...].

� Sujeito B: [...] serve para ajudar nos estudos médicos, científicos e também

estudos ambientais [...].

Na orientação número 02 (Construção de ideias) colocamos como destaque:

� Sujeito C: [...] é o estudo que ensina o corpo humano [...].

� Sujeito D: [...] a ciência é feita através de experimentos e pesquisa [...].

Na orientação número 03 (Elaboração do pensamento em um novo

contexto):

� Sujeito E: [...] é o estudo do planeta e suas características para a gente saber

como agir em relação a certas situações [...].

� Sujeito F: [...] os estudos científicos que foram realizados no dia-a-dia, ou

seja, explorados literalmente [...].

Na orientação número 04 (Transformação cultural quanto racional )

� Não encontramos respostas que contemplassem esta orientação.

A orientação número 05 (Ultrapassagem do conhecimento comum para a

absorção do conhecimento científico) – assim como nos questionários não houve

proposta.

� Não encontramos respostas que contemplassem esta orientação.

136

Considerações sobre os questionários:

A escola pesquisada não é diferente de qualquer outra do Ensino Médio na

responsabilidade do Estado de São Paulo. Ela recebe alunos das mais diversas

origens sociais e geográficas. Segue a mesma estrutura curricular e muito

dificilmente os professores utilizam-se de outros recursos, que não sejam os

mesmos dos oferecidos pelo Sistema Estadual.

O que nossa pesquisa tentou captar é a bagagem de conteúdos e habilidades

que os alunos traziam de diferentes unidades escolares do Ensino Fundamental que

completaram, e seu nível de alfabetização científica, entendo essa como fazendo

uso do conhecimento científico para pensar de forma problematizadora, com

racionalidade e imaginação, o seu contexto de vida. No conjunto das respostas dos

questionários o que se verifica é que os alunos pesquisados não se mostram, ainda,

cientificamente alfabetizados, nos sentidos aqui apresentados. Nem correspondem,

em nível de formação teórica, conceitual ou de raciocínio, ao cidadão competente

em termos científicos, apto a compreender e transformar sua realidade, como

explicitado nas propostas das legislações aqui analisadas. O viés filosófico

bachelardiano, que tomou-se aqui como modelo epistemológico que possibilitaria

alcançar os objetivos de tais propostas, não se mostrou contemplado, a não ser de

maneira superficial. O viés epistemológico mais presente, ainda que de forma

subsumida, não explícita, continua a ser positivista. Mais grave, as respostas dos

alunos nos mostram que fazer ciência continua a ser entendido como uma

possibilidade para poucos, para “cientistas”, distante da realidade dos alunos da

periferia. Nenhuma resposta indicou o fazer científico como instrumento de ampliar o

domínio sobre o contexto, de uso para a transformação da realidade a não ser no

lema geral “melhorar a qualidade de vida”. De quem?

Pode-se dizer que houve a construção e algumas ideias sobre o que é fazer

ciência, como essa é feita, mas nada que necessitasse, no fundo, que o aluno

passasse pelos 8 anos (ao menos) do Ensino Fundamental para construí-las.

De maneira geral não encontramos na expressão escrita e oral respostas que

pudessem ser dúbias ou mal interpretadas por não terem um Português correto.

137

Pudemos ler e ouvir com clareza de conteúdo o que os alunos iniciantes do Ensino

Médio estavam propondo.

No que diz respeito ao conteúdo específico das Ciências Naturais

observamos que houve uma dispersão de entendimento de qual seja o campo dessa

ciência. Embora poucos, alguns conseguiram entendê-la como um todo complexo.

Uns a entendem do ponto de vista isolado da biologia, ou da física, ou da química ou

da ecologia. Isso nos faz crer, até por causa de nossa própria formação universitária,

que os professores do ensino fundamental na área das Ciências também se

aprofundam com suas classes, ora mais em um ora mais em outro conteúdo

específico. Mas não integram esse conhecimento num todo comum.

Chama-nos atenção as respostas envolvendo questões de cunho ecológico e

especificamente a questão da relação da tecnologia com a ciência, que pode vir de

um discurso mais amplo, encontrado na sociedade em geral, nos meios de

comunicação, que continuamente nos colocam tais questões. Encontramos

respostas muito adequadas, embora raras. Se bem informado aos professores do

Ensino Médio da área de Ciências e Tecnologia, esses seriam alunos capacitados

para continuar com facilidade os seus estudos universitários, demonstrando que

qualquer escola de perfil público também possui alunos de alta qualidade. Mas, a

grande maioria, infelizmente, se mostra abaixo do perfil que seria esperado para

alunos do Ensino Médio. E o material didático analisado não vem se mostrando

adequado para mudar esse quadro, confirmando um ensino de Ciências afastado da

problematização de questões sociais agudas, que permitiram ao aluno um olhar

crítico e não alienado da sociedade em que vive.

138

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando as linhas gerais desta dissertação, no capítulo I foi possível

acompanhar, tendo em vista o desenvolvimento histórico das ciências, a

implantação e desenvolvido do ensino de Ciências no Brasil. Pudemos acompanhar

que a vinda dos jesuítas para o Brasil proporcionou a implantação do ensino

vinculado às concepções religiosas cristãs. Embora tenha esse vínculo, os jesuítas

foram os primeiros a se preocuparem com uma educação formal no país. Do ponto

de vista epistemológico realizaram única e exclusivamente o reforço dos

conhecimentos de conteúdo cristão. Com a vinda da família real portuguesa em

1808 e as consequentes mudanças na estrutura educacional, percebeu-se com isso

uma mudança estrutural fundamental na constituição geral do país. Essas mudanças

puderam ser acompanhadas mais de perto através das experiências institucionais

do Museu Nacional e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, bem como as ações

didático-pedagógicas do notório Colégio Pedro II, sendo este o primeiro a focalizar

em seu currículo “disciplinas científicas”. Do ponto de vista epistemológico percebeu-

se o surgimento do positivismo.

A partir desse período, pôde-se acompanhar a história da educação brasileira

entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX e como ela foi

determinada por duas correntes filosóficas e suas influências na estrutura

educacional do Brasil, a saber, a consolidação do positivismo e a incidência do

pragmatismo. Daí a importância do Manifesto dos Pioneiros (1934) e o movimento

da Escola Nova. Analisando as Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946, foi

apresentada de modo geral a posição das disciplinas científicas na estrutura

curricular. Foi nesse momento que o sistema educacional previu a implantação das

disciplinas de chamada de ciências naturais (biologia) consolidando deste modo a

forma a epistemologia positivista e pragmática. As décadas de 1960 a 1980

receberam a influência norte-americana, acentuando-se a epistemologia pragmática.

Assim, as propostas positivistas foram postas num segundo plano, mas

encontravam-se e encontram-se ainda muito influentes no ensino de ciências hoje

praticado. Só que sobre novas roupagens: o que caracteriza essa perspectiva

epistemológica, em nosso entender, é o afastamento sujeito/objeto conhecedor, o

139

apelo à neutralidade do conhecimento científico e a “padronização” exterior de um

“Método” que teria que ser seguido pelos denominados “cientistas” para comprovar a

realidade. Ora, tais características se mantêm presentes no material analisado, bem

como se refletem nas falas e registros escritos dos alunos.

Contudo, após esse pequeno histórico da implantação da noção de ciência e

de disciplina científica no Brasil, a compreensão das ciências naturais/biologia o

decreto 19.851/31 depende da orientação que estas receberam com a Lei de

Diretrizes e Bases 4024/61, uma vez que com ela ficou consolidada a necessidade

de planos educativos e, por conseguinte, a escolha epistemológica de cada

planejador.

Daí a importância de se analisar mais de perto os PCNs. Na análise que

apresentamos aqui, podemos perceber que o tema proposto pela SEE/SP

diretamente influenciado pelos PCNs, tentando colocar em prática aquelas

propostas dos Pioneiros da Educação (conforme página 37 e seguintes) que

propunham a formação intelectual e, principalmente, que abrisse o espírito por uma

cultura geral capaz de julgar, aguçar o espírito crítico por meio da aplicação de

método científico da observação, de hipótese, de comprovação e da descoberta de

leis.

Ao se analisar o Ensino Médio, os documentos deixam claro que não é uma

etapa de formação específica por finalizar o ensino básico, mas sim ainda tem a

responsabilidade de tratar da formação geral dos alunos. Outra preocupação

encontrada nos PCNs e diretamente ligada à questão da cidadania, diz respeito à

formação do cidadão inserido no mundo do trabalho.

Embora essas condições de implantação das orientações encontradas nos

PCN’s e nos documentos da SEE/SP não sejam completamente implementadas,

cabe aqui nesta dissertação, no entanto, avaliar o material didático do ensino de

ciências naturais. Ou seja, embora haja limitação da implantação do ensino de

ciências, estas foram implantadas e, com isso, fizemos aqui uma avaliação do

conteúdo científico da disciplina de biologia. Para realizar essa intenção inicial,

apresentamos no capítulo III as considerações gerais sobre ensino de ciência de

Gaston Bachelard.

140

Pudemos acompanhar que, para Bachelard, a formação implica

essencialmente em desconstrução e reforma do sujeito. A este é imposta a

necessidade de eliminar obstáculos e ilusões impeditivas ao acesso do

conhecimento. Para ele, a verdadeira escola, aquela que tem como objetivo a

formação do homem, deve ser uma instituição que substitui o “instinto conservador”

pelo “instinto criador”. Também deve substituir a passividade e a ociosidade pelo

instinto espiritual, fazendo reviver a dialógica do racionalismo professor/aluno, ao

mesmo tempo em que se eleva o espírito por meio da imaginação criadora num voo

ascensional, profundo e verticalizado.

Mas o mais importante que pudemos compreender de suas ideais gerais

sobre o processo didático de professor da área científica e em nosso caso da

Biologia, consistiu em cinco orientações gerais, a saber: a ruptura do conhecimento

comum; a construção das ideias; a elaboração do pensamento referente às

questões de um novo contexto; a transformação tanto cultural, quanto racional e; a

ultrapassagem do conhecimento comum para a absorção do conhecimento

científico.

E foi a partir dessas orientações que fizemos no capitulo IV a análise do

material didático fornecido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Para realizar essa análise, recortamos uma “unidade”, chamada de “situação de

aprendizagem” com a intenção de apresentar como se constitui esse material

didático. Como já indicamos aqui, a disciplina trabalhada foi a Biologia. Fizemos

então a apresentação e a análise dessa unidade tendo em vista tanto as orientações

curriculares gerais, quanto as orientações indicadas por Bachelard. Dessa forma foi

possível a esta dissertação avaliar o conteúdo científico tal como este autor o

delimita.

Pudemos ver que o material didático possui seu conteúdo superficialmente

vinculado àquilo que Bachelard indica que seja o papel da ciência. Destacamos,

aqui, por exemplo, que o modo de construção do conhecimento científico a partir da

“situação de aprendizagem” permite que se faça com os alunos a passagem do

conhecimento senso comum para o conhecimento científico. Pelo menos é o que o

material didático “pensa” que propicia, o que não se comprova na análise aqui feita

de uma “situação de aprendizagem” proposta nos Cadernos de Biologia.

141

Contudo, sabemos que a utilização em sala de aula desse material depende

de condições gerais, tais como, da sala de aula, do comprometimento dos alunos,

da habilidade do professor etc. Ou seja, mesmo que o material aponte para a

construção do conhecimento científico, esta construção depende em última instância

da relação entre alunos, professores e escola no geral, algo que, esta dissertação,

devido a seu escopo, não abordará. Mas os indicativos das respostas no livro do

professor, a adequação das questões, a forma como sugere-se ao professor que os

exercícios sejam abordados...nada disso contribui para alcançar-se os objetivos da

proposta.

Ao analisar uma situação de aprendizagem proposta no Caderno do Aluno

para o primeiro ano do Ensino Médio percebemos que os exercícios propostos

pouco contemplam os vieses epistemológicos apontados por Bachelard. Com

relação à construção de ideias, a simples pesquisa proposta pelo Caderno do Aluno

em se elaborar uma pesquisa sobre a ascaridíase não fortalece tal orientação, fato

este, que é recuperado com outras atividades complementares no Caderno do

Professor, a partir da construção de gráfico o que viabiliza a construção de ideias.

A elaboração do pensamento proposta pelo autor, infelizmente, não aparece

nesta atividade no Caderno do Aluno. Novamente as atividades complementares do

Caderno do Professor trabalham esta orientação, porém abordando outro assunto,

como relação métrica e hipóteses a respeito do crescimento do antebraço e da

perna.

A transformação tanto cultural quanto racional são “contempladas” de forma a

procurar melhorar a qualidade de vida dos alunos, uma vez que, aborda assuntos

referentes à tratamento e prevenção de doenças que podem ajudar de forma

positiva não somente a sua vida como as dos que o cercam. Contudo, isso é

proposto como uma situação fantasiosa, que não favorece o espelhamento, a

identificação do aluno com os temas abordados na unidade aqui analisada. Já no

Caderno do Professor é trabalhado o desenvolvimento do raciocínio lógico.

Ressaltamos ainda que, embora o “sucesso” e “maior aproveitamento do

material didático” proposto pela SEE/SP seja elaborado para atribuir a

“responsabilidade final” pela eficácia da proposta ao professor, o próprio material

obstaculiza a alfabetização científica, como encontrada no pensamento

142

bachelardiano. Observamos que há uma estreita cobrança, por parte dos

professores, para que seus alunos sejam bem sucedidos no Exame Nacional do

Ensino Médio (ENEM), e provas correlatas, elaboradas para o Ensino Fundamental,

o que redunda numa crescente preocupação com “dar conteúdos”, ao invés de se

trabalhar as formas de compreensão da lógica que articula tais conceituações. A

continuar nesse ritmo continuaremos com alunos que percebem a ciência como

“coisa de escola”, num embotamento do pensamento científico que está tão aberto

às diversidade de formação, na contemporaneidade.

143

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