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AS CONTRIBUIÇÕES DA MORFOLOGIA DERIVACIONAL PARA A FORMAÇÃO DO LEITOR PROFICIENTE: UMA ANÁLISE DIDÁTICA Autor: Carlos Roberto Gonçalves da Silva [email protected] Coautora: Maria Izabel Santos de Moura [email protected] Universidade Federal de Campina Grande Resumo: Estudos contemporâneos advindos da área da Psicologia (MOTA & LIMA, 2008; MIRANDA & MOTA, 2013), como também da Linguística, têm comprovado que as capacidades de ler e escrever de maneira proficiente estão associadas ao conhecimento que falante possui com relação aos morfemas de que dispõe em um momento sincrônico da língua. Essa capacidade de combinar as unidades mínimas das palavras é entendida, nesse trabalho, como competência lexical. Objetivamos, neste trabalho, analisar a abordagem da morfologia lexical, com foco no trabalho com os processos de formação de palavras especificamente, os processos comuns de derivação, a fim de perceber se tal abordagem contribui para a formação leitora e desenvolvimento da competência lexical do indivíduo. Salientamos que este trabalho focaliza o ensino de Língua Portuguesa, no tocante à observação dos aspectos destacados, nos eixos de leitura e escrita. Como aporte teórico, fazemos uso dos postulados de Azeredo (2008), Sandmann (1992), Laroca (2011), dentre outros teóricos da ciência linguística. Nossa metodologia baseia-se na análise qualitativa de dois livros didáticos do primeiro ano do ensino médio. Os resultados indicam duas abordagens: uma que privilegia o trabalho meramente estrutural e outra os aspectos semânticos, mórficos e sintáticos da combinação de morfemas na construção do texto e sua leitura. Assim, apontamos a necessidade de maiores estudos nessa área e novas abordagens da morfologia. Palavras-chave: Morfologia Derivacional, Abordagens Didáticas, Leitor Proficiente, Competência Lexical. INTRODUÇÃO

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AS CONTRIBUIÇÕES DA MORFOLOGIA DERIVACIONAL PARA A

FORMAÇÃO DO LEITOR PROFICIENTE: UMA ANÁLISE DIDÁTICA

Autor: Carlos Roberto Gonçalves da Silva

[email protected]

Coautora: Maria Izabel Santos de Moura

[email protected]

Universidade Federal de Campina Grande

Resumo: Estudos contemporâneos advindos da área da Psicologia (MOTA & LIMA, 2008;

MIRANDA & MOTA, 2013), como também da Linguística, têm comprovado que as capacidades de

ler e escrever de maneira proficiente estão associadas ao conhecimento que falante possui com relação

aos morfemas de que dispõe em um momento sincrônico da língua. Essa capacidade de combinar as

unidades mínimas das palavras é entendida, nesse trabalho, como competência lexical. Objetivamos,

neste trabalho, analisar a abordagem da morfologia lexical, com foco no trabalho com os processos de

formação de palavras – especificamente, os processos comuns de derivação, a fim de perceber se tal

abordagem contribui para a formação leitora e desenvolvimento da competência lexical do indivíduo.

Salientamos que este trabalho focaliza o ensino de Língua Portuguesa, no tocante à observação dos

aspectos destacados, nos eixos de leitura e escrita. Como aporte teórico, fazemos uso dos postulados

de Azeredo (2008), Sandmann (1992), Laroca (2011), dentre outros teóricos da ciência linguística.

Nossa metodologia baseia-se na análise qualitativa de dois livros didáticos do primeiro ano do ensino

médio. Os resultados indicam duas abordagens: uma que privilegia o trabalho meramente estrutural e

outra os aspectos semânticos, mórficos e sintáticos da combinação de morfemas na construção do

texto e sua leitura. Assim, apontamos a necessidade de maiores estudos nessa área e novas abordagens

da morfologia.

Palavras-chave: Morfologia Derivacional, Abordagens Didáticas, Leitor Proficiente, Competência

Lexical.

INTRODUÇÃO

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A prática da leitura tem cotidianamente circundado o sujeito em diferentes situações

de interação social. Teorias relativas à psicologia têm comprovado que o conhecimento dos

elementos morfológicos das palavras contribui para a compreensão do leitor acerca das mais

diversas realizações textuais (MOTA & LIMA, 2008), já que diz respeito à estrutura e

produção do significado das palavras - a partir dos morfemas - que são as menores unidades

de significado de uma língua (BATISTA, 2011).

Sob a relevância dos estudos linguísticos que têm consolidado a necessidade de se

trabalhar o texto em sua completude e a inquietação com o tratamento tradicional prescritivo e

proscritivo, a prática pedagógica tem tendido à extrema valorização do ensino de gramática

como autônoma e descontextualizada. No tocante aos estudos gramaticais e sua aplicação em

sala de aula, percebemos a ausência de uma abordagem que alie a gramática à formação

leitora do aluno, fato este observado no âmbito do ensino da morfologia. Observa-se, contudo,

que o conceito de gramática que permeia o ensino de língua é de um manual de regras para o

bom uso da língua, baseado no uso dos escritores consagrados de determinada língua – os

chamados cânones da literatura (TRAVAGLIA, 1996). Nesse sentido, entendemos que a

escola contemporânea não tem atribuído a devida valoração ao conhecimento morfológico,

pautado na construção semântica das palavras, para a formação de leitores proficientes.

Considerando a pertinência de tal temática para o ensino de língua, partimos da

experimentação de Miranda e Mota (2013), que buscaram comprovar a relevância da

habilidade de refletir sobre os morfemas e apontaram que essa competência está relacionada

ao bom desempenho na leitura de textos e compreensão das palavras. Assim, nos apoiamos na

terceira concepção de leitura defendida por Koch & Elias (2006), enquanto interação entre

autor-texto-leitor que possibilita a construção de sentido do texto considerando os

conhecimentos do leitor, englobados aqui o conhecimento enciclopédico, ou de mundo, o

metagenérico – relacionado aos gêneros textuais, e o linguístico, sendo este último o foco de

nosso trabalho, manifestado na compreensão da materialidade linguística, isto é, o cotexto.

Neste trabalho, objetivamos analisar qualitativamente o tratamento da morfologia

derivacional nos livros didáticos - mais especificamente, dos processos de derivação comuns,

percebendo esses materiais como suportes de ensino-aprendizagem que ainda

instrumentalizam e direcionam a prática pedagógica. Buscamos, com isso, verificar se essas

abordagens contribuem para um ensino produtivo de língua materna, observando

principalmente a análise das unidades menores – de cunho gramatical - relacionadas ao eixo

da leitura. Assim, a pertinência deste estudo manifesta-se na necessidade de novas abordagens

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para o ensino de língua no tocante à leitura e à escrita, para a definição de um ensino

produtivo.

Nas seções seguintes, apresentamos uma breve revisão teórica sobre a morfologia

lexical, com foco no processo de formação de palavras via derivação, a fim de delimitarmos o

campo desta pesquisa. Após isso, abordamos os aspectos metodológicos da análise dos

materiais didáticos. Por fim, traremos nossas conclusões e propostas a partir do corpus dessa

pesquisa.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A língua de um povo é muito mais do que um mero meio de comunicação, mas um

veículo de cultura, pelo qual se materializa também uma ideologia. De acordo com Azeredo

(2008), o conjunto de palavras do português brasileiro, ou seja, o seu léxico, constituiu-se na

união de três grupos: (1) palavras herdadas do latim, (2) palavras advindas de outras línguas

antigas e modernas (os empréstimos), (3) palavras formadas por recursos morfológicos

produtivos da língua em sua fase sincrônica. É a este último grupo que nos detemos.

Segundo o autor supracitado,

A possibilidade de combinar morfemas para criar novos lexemas torna bem

menos penosa nossa necessidade de memoriza-los. De fato, a memória

armazena apenas uma parte do estoque de lexemas (...), pois a outra parte

pertence a um conjunto de unidades criadas por meio de regras de formação

de palavras. (AZEREDO, 2008, p. 395)

A habilidade de refletir acerca dos morfemas de uma dada língua, dominar as regras de

formação de novas palavras e ser capaz de compreender o sentido de novas palavras por meio

do uso de afixos faz parte do que o autor denomina Competência Lexical. A essa competência

está associado o domínio desses recursos na construção de frases, orações e até mesmo textos,

além da compreensão das unidades máximas de sentido – o texto, na atividade interativa que é

a leitura. Ainda sobre a competência lexical, Sandmann advoga que interessa entender “como

o falante/escrevente forma unidades lexicais novas, boas ou aceitáveis, evita a formação de

unidades inaceitáveis e como ele as entende e julga boas ou aceitáveis enquanto

ouvinte/leitor” (SANDMANN, 1992, p. 12)

Basílio (1980), citada por Azeredo (2008), considera a competência lexical sob dois

aspectos, distintos, mas complementares. O primeiro se constitui nas Regras de Formação de

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Palavras (RFP), necessárias para explicar a produção e a compreensão de novas palavras, o

segundo, nas Regras de Análise Estrutural (RAE), importantes para reconhecer os morfemas e

interpretar a contribuições deles para o significado da palavra. Ao internalizá-las, o falante

consegue formar palavras novas ou entender palavras novas. Neste trabalho, interessa-nos a

interseção desses dois aspectos.

Até o momento, utilizamos genericamente a terminologia palavra para nomear aquilo

ao qual nos referimos. Contudo, fazem-se necessárias algumas considerações sobre esse uso.

De acordo com Batista (2011), alguns são os critérios usados para a delimitação do conceito

de palavra, sendo eles de natureza gráfica, estrutural, semântica, fonológica e sintática. Neste

trabalho, consideramos adequada a proposição de natureza sintática, pela qual o autor elabora

a seguinte definição:

Palavra é a forma mínima que pode ocorrer isoladamente numa sequência

linguística, desde que possa ocupar diferentes posições e diferentes funções

sintáticas e que apresente uma coesão interna e significação (lexical ou

gramatical) aceitável na língua. (BATISTA, 2011, p. 45)

Parece-nos que as definições do processo de derivação são relativamente simples,

apresentadas sinteticamente nos livros didáticos e, às vezes, nas gramáticas. De acordo com

Azeredo (2008), a derivação é um processo que dá origem a novos lexemas1, diferentemente

da flexão que produz apenas variações na forma de um lexema. Os processos de formação de

palavras por meio de afixos2 chamam-se derivação prefixal e derivação sufixal. Para Azeredo,

não existe o que as gramáticas pedagógicas chamam de derivação prefixal e sufixal, como em

recompor, mas a prefixação e posterior sufixação. Contudo, por demandar mais estudos e

análises, aceitaremos a nomenclatura convencional.

Laroca (2011) defende a divisão da derivação em três tipos: prefixal, sufixal e

parassintética, sempre havendo o acréscimo de afixos a uma palavra-base. Exemplificando,

temos: (1) prefixação → prefixo + palavra-base, ex. supernatural, megacomício,

hipermercado; (2) sufixação → palavra-base + sufixo, ex. sequestrável, dolarização, besteirol;

(3) parassintética → prefixo + palavra-base + sufixo, ex. empobrecer, entristecer, engavetar.

Diante disso, para os objetivos deste estudo, cremos ser importante traçar algumas

considerações, com base em Sandmann (1992). (1) Na derivação, temos uma base e um afixo, 1 Os lexemas, ou vocábulos lexicais, são aqui entendidos como termos dotados de significação externa,

indicando uma substancia, uma qualidade, um estado, um processo ou uma ação, referindo -se ao mundo real.

(HENRIQUES, 2011) 2 Morfemas presos adicionados ao radical, dando origem a novas palavras. (BATISTA, 2011)

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cabendo a ele expressar a ideia geral e à base uma ideia particular menos geral. (2) O sufixo é

sempre um elemento preso e sinsemântico, isto é, só tem sentido juntamente a uma base.

Assim, (3) as sufixações têm a estrutura determinado-determinante, sendo o sufixo o núcleo

da palavra. Além disso, (4) os prefixos têm função essencialmente semântica, enquanto os

sufixos abrigam as funções semântica, sintática e discursiva.

O conhecimento e domínio dos processos derivacionais comuns, como dito

anteriormente, contribui para a competência lexical do falante, como também é essencial no

entendimento semântico das palavras e na composição textual. Assim sendo, o pensamento de

Laroca novamente é pertinente para nossos objetivos, quando afirma que

Sendo a derivação um processo sincrônico, o falante nativo deverá ter

possibilidade de depreender os morfes constituintes, bem como ter

consciência do acervo de afixos disponíveis e produtivos para a formação e

decodificação de novas palavras. (LAROCA, 2011, p. 72)

METODOLOGIA

Para a coleta dos dados, utilizamos dois livros didáticos do primeiro ano de duas

coleções diferentes voltadas ao ensino médio. O primeiro é da coleção Português: linguagens

em conexão, das autoras Graça Sette, Márcia Travalja e Rozário Starling, 1ª edição, do ano de

2013, editora Leya. O segundo foi retirado da coleção Português: contexto, interlocução e

sentido, cuja autoria é de Maria Luiza M. Abaurre, Maria Bernadete M. Abaurre e Marcela

Pontara, 1ª edição, ano de 2010, da editora Moderna.

Nosso trabalho baseia-se numa metodologia dedutiva, ou seja, partimos dos postulados

da psicologia que comprovam a colaboração da morfologia derivacional na formação de

leitores/escritores proficientes e dos pensamentos de gramáticos da Língua Portuguesa para

analisar as atividades e questões teóricas postas pelos LDs, a fim de observar se a abordagem

está em consonância com os estudos linguísticos voltados à descrição gramatical e ensino

aprendizagem. Dessa forma, avaliaremos se os materiais influenciam na formação leitora e

escritora do aluno.

A análise se dará de maneira descritivo-exploratória, de abordagem qualitativa.

Consideramos também este trabalho como estudo de caso, uma vez que apontamos

abordagens do conteúdo supracitado em alguns livros didáticos como associadas ou não aos

estudos vigentes.

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ANÁLISE E DISCUSSÃO DAS ABORDAGENS

Diante da fundamentação teórica apresentada e com vistas ao alcance dos objetivos

apontados em nossa introdução, procedemos agora à análise das abordagens didáticas de

maneira sintética e com foco nas atividades propostas. Assim, iniciamos esta seção com a

observação do livro Português: linguagens em conexão.

O primeiro ponto a ser destacado é o curto espaço reservado ao estudo da morfologia

do vocábulo. Há apenas um capítulo, intitulado Processos de formação de palavras, no qual

as autoras sumarizam de maneira considerável o conteúdo, agregando nesta pequena parte a

estrutura das palavras, os principais processos de formação e o uso do hífen em prefixos e

compostos, além de conceituar brevemente a ideia de neologismos e estrangeirismos. A

introdução ao conteúdo se dá por meio de um texto - Palavras emprestadas, de Ivan Ângelo -,

no qual o autor advoga em defesa do uso de palavras estrangeiras no léxico português.

Importa-nos, sobre isso, a proposta seguinte: uma atividade composta por 8 questões de pura

seleção e transposição das ideias defendidas no texto, ao invés de conduzir o aluno,

exercitando sua autonomia e tomando o texto como suporte, a refletir sobre o uso dos

estrangeirismos pelos falantes brasileiros, e em que medida isso pode impactar positiva ou

negativamente na formação e competência lexical do indivíduo. Por razões de espaço,

exemplificamos com os enunciados: (1) Qual é o tema dessa crônica? O que motivou a

crônica? e (2) Qual é a posição do cronista em relação ao uso de estrangeirismos? Que

argumentos ele usa para defender sua posição?.

Como dito anteriormente, interessa-nos a abordagem dada à morfologia derivacional.

Contudo, entendemos que é necessário aproximar o aluno das ideias concernentes à

estruturação das palavras. No primeiro caso dessa abordagem didática, o conhecimento sobre

essa estrutura é dado em uma única página. Quanto às definições dos processos derivacionais,

exemplificando, temos: "o processo de derivação pode ser prefixal, quando ocorre acréscimo

de prefixo ao radical da palavra primitiva; [...] sufixal, quando ocorre anexação de sufixo à

palavra primitiva [...]" (SETTE, TRAVALHA & STARLING, 2013, p. 328).

Encerrando a descrição analítica da abordagem no livro didático número um,

destacamos alguns aspectos das atividades. Além da citada anteriormente, ao final do capítulo,

as autoras propõem um exercício de quinze questões, divididas em questionamentos propostos

pelas autoras e quesitos que foram retirados de vestibulares. Predominantemente, as propostas

são de cunho estrutural, advindas de uma concepção estática de língua e que não permitem ao

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aluno a reflexão metalinguística, como em enunciados do tipo "Dê o nome de cada um dos

elementos destacados nessas palavras" .

Em oposição a essas questões puramente estruturais, algumas das questões retiradas de

exames vão além das definições dadas pelo livro, considerando aspectos semânticos da

prefixação, como em "Registre em seu caderno a alternativa que traduz a ideia expressa pelo

prefixo assinalado em transvariado" . Contudo, não há subsídio teórico para que o aluno

imagine sequer que os prefixos possuem uma função semântica junto ao radical.

Acerca do segundo livro analisado, Português: contexto, interlocução e sentido,

percebemos uma mudança na forma de abordagem. Em termos gerais, as autoras deste

material exploram os mais diversos eixos que podem ser trabalhados no tocante à análise

mórfica das palavras, como o semântico e o textual. Em oposição ao primeiro livro, este

reserva para os estudos morfológicos espaço consideravelmente maior se comparado ao

anterior, no decorrer de três capítulos intitulados A estrutura das palavras, formação de

palavras I e formação de palavras II.

Fazendo uso, também, do eixo textual-discursivo, as autoras abordam a estrutura das

palavras partindo do gênero tirinha e pondo em evidência a abordagem semântica da estrutura

das palavras, o que é manifestado no enunciado “O sentido da tira é construída pela

oposição de dois termos. Quais são eles? Explique o sentido de cada um.”, no qual o aluno é

conduzido a refletir sobre o sentido do prefixo des- na construção do texto. Igualmente, é

necessário apontar as definições dadas pelas autoras a alguns elementos:

1. Derivação prefixal: “(...) essa operação sempre produz alguma alteração no sentido do

radical;

2. Sufixos: “(...) modificando o seu sentido básico ou a classe gramatical.” (ABAURRE,

ABAURRE & PONTARA, 2010, grifos nossos)

Por fim, acerca das atividades propostas, as autoras elencam questões elaboradas com

vistas à formação leitora e desenvolvimento da competência lexical dos indivíduos. Os

enunciados requerem do aluno a reflexão que une forma, função e sentido, sempre partindo de

textos variados. Exemplificando, temos: Explique de que maneira a autora cria um efeito

expressivo recorrendo ao mesmo processo de formação de palavras utilizado em desatino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A abordagem da Morfologia nos livros didáticos, comumente, são sintéticas e

meramente estruturais, materializando concepções de língua como estática – um sistema

homogêneo que está acima do indivíduo, não cabendo a este modificá-lo, o que está em

consonância com os ideais saussureanos (SAUSSURE, 1973). Neste trabalho, partimos do

princípio de que o conhecimento morfológico acerca da derivação contribui para a formação

leitora do aluno e o desenvolvimento de sua competência lexical tanto para a leitura quanto

para a escrita.

Embora essas contribuições já venham sendo discutidas tanto na área da Psicologia

quanto da Linguística, ao analisar as propostas dos dois livros didáticos do ensino médio,

percebemos que um deles traz análises estruturais com relação à estrutura e formação das

palavras, o que em nada – ou quase nada – contribui para a formação do aluno. Nele, valoriza-

se a ideia de gramática como conjunto de regras e noções para o bem falar e escrever, baseada

unicamente na norma culta (TRAVAGLIA, 1996). Predomina, portanto, o ensino da chamada

gramática teórica, partindo das nomenclaturas e conceitos. Essas ideias permitem que

afirmemos que a abordagem do livro das autoras Graça Sette, Márcia Travalja e Rozário

Starling não favorece o desenvolvimento do aluno no que compete ao supracitado.

A segunda abordagem, contudo, corrobora o ideal de gramática implícita e reflexiva,

ao partir dos usos e da criação de situações comunicativas para levar o aluno à aprendizagem

(TRAVAGLIA, 1996, p.33). Por meio da abordagem dada à morfologia lexical, contemplando

aspectos destacados em nossa fundamentação teórica, cremos ser prudente afirmar que este

trato favorece os desenvolvimentos que, neste trabalho, apontamos.

Travaglia (op.cit.) aponta, ainda, alguns objetivos para o ensino de língua materna,

sendo um deles o (1) desenvolvimento da competência comunicativa no aluno, como também

levar o aluno a (2) conhecer a língua como forma e função. Para que esses objetivos sejam

atingidos, é imprescindível que as abordagens didáticas conduzam o aluno no estudo da

gramática contextualizada, em seus aspectos mórficos, sintáticos, semânticos, fonológicos e

discursivos. É preciso, portanto, que a abordagem morfológica considere tais aspectos, de

modo que o aluno seja conduzido a uma reflexão metalinguística que favoreça o

desenvolvimento de sua competência lexical.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ABAURRE, Maria Luiza M. et al. Português: contexto, interlocução e sentido. São Paulo:

Moderna, 2008.

AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:

Publifolha, 2008.

BATISTA, Ronaldo de Oliveira. A estrutura morfológica. In:_ A palavra e a sentença: estudo

introdutório. São Paulo: Parábola editorial, 2011.

HENRIQUES, Cláudio Cézar. Morfologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

KOCH, Ingedore V., ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São

Paulo: Contexto, 2006.

LAROCA, Maria Nazaré de Carvalho. Manual de Morfologia do Português. Campinas, São

Paulo: Pontes. 2011.

MIRANDA, L., MOTA, M. Há uma relação específica entre consciência morfológica e

reconhecimento de palavras? Psico-USF, 18(2), 2013, 241-248.

MOTA, M., ANIBAL, L., & LIMA, S. A morfologia derivacional contribui para a leitura

e escrita no português? Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(2), 2008, 311-318.

SANDMANN, Antônio José. Morfologia Lexical. São Paulo: Contexto, 1992.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 5ª. Ed. São Paulo: Cultrix, 1973.

SETTE, Maria das Graças Leão, et al. Português: linguagens em conexão. São Paulo: Leya,

2013.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de

gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.