As Crianças de Boko Haran

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As crianças de Boko Haram Ainda era possível brincar de mocinho e bandido na minha infância E na rua, com outros garotos, se travava um campo de batalha, Sem precisar de sacos plásticos para os mortos, Sem haver mensagens de despedida para os parentes, E depois da luta finda, Todos retornavam para os seus lares, Pensando no combate do dia seguinte. A fumaça que saia do cano do revólver por causa da espoleta detonada Jamais fazia feridos E na luta permanente entre o bem e o mal Não se faziam reféns e nem campos de prisioneiros Para um julgamento arbitrário Ou uma execução sumária, A vitória era sempre relativa, E a maior glória em cada embate Era não precisar impor uma verdade ou ponto de vista Para dobrar ou eliminar o adversário; As lutas eram decentes, E não se torturava ou matava qualquer animal ou gente

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As crianas de Boko Haram

Ainda era possvel brincar de mocinho e bandido na minha infnciaE na rua, com outros garotos, se travava um campo de batalha,Sem precisar de sacos plsticos para os mortos,Sem haver mensagens de despedida para os parentes,E depois da luta finda,Todos retornavam para os seus lares,Pensando no combate do dia seguinte.

A fumaa que saia do cano do revlver por causa da espoleta detonadaJamais fazia feridosE na luta permanente entre o bem e o malNo se faziam refns e nem campos de prisioneirosPara um julgamento arbitrrio Ou uma execuo sumria,A vitria era sempre relativa,E a maior glria em cada embateEra no precisar impor uma verdade ou ponto de vistaPara dobrar ou eliminar o adversrio;As lutas eram decentes,E no se torturava ou matava qualquer animal ou gente

Levo comigo o menino que lutava nas ruasE que no consegue reconhecer maisNas lutas atuaisA magia de enganar a morteDe no ferir e matar para conquistarEncontro a infncia roubada de brinquedosQue em jogos de extermnioEnsina s crianasQue no h limites para a matana,Que tirar ou perder a vida no tem importncia,Que em cada execuo individual ou coletiva, preciso espalhar o terrorE com o corpo carregado de explosivosMeninos e meninas Cumprem fielmente a sentena,Persuadidos de que redentora,De matar sob a iluso de uma licena divina.

Depois da explosoDeles nada sobraE so tantos mortos e feridos na multidoQue os soldadinhos de chumbo da minha infncia derretem de tanto chorarPor causa do calor de tanta dor.

Outras crianas ainda viro,Avisam os meus medos,Sem qualquer inteno de brincar,Vo bater no meu quintalE no nas lonjuras de uma cidade do mundo que eu vejo pelo jornal ou pela TVElas chegaro costuradas pela escurido,Sem esperana de futuro,Que derrube a cegueira de seus prprios muros,Elas vo me arrastar para o meio da minha rua antiga,Devastar todos os meus abrigos,Insultar minha crena de que estou protegidoPor guardar memrias de haver brincado um dia,E ento precisarei decidir : se permaneo acuado de vergonhaPor ter vivido algo que nem mesmo uma delas sonhaE foi privada de em si mesma buscar e encontrarOu insistirei num destino,De abrir mo de minhas prprias runas,Para ver em cada menino e em cada menina,Que por a sofre,Um precioso cofre,De todas as possibilidades de amor perdidas, Que apenas ainda no ganharam vidaPara desabrochar...

Rio, 22 de janeiro de 2015Roberto P Coelho