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Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016 As desigualdades na sucessão entre cônjuges e companheiros no Direito Civil Warlley Tadeu Jorge de Oliveira Sousa⃰ RESUMO: Código Civil de 2002 em seu artigo 1790 trata de forma prejudicial o direito sucessório do companheiro em comparação ao direito sucessório do cônjuge. Este trabalho tem como objetivo contextualizar o conceito moderno de Família no ordenamento jurídico brasileiro, quebrando o paradigma de que o conceito de família seria unicamente o proveniente do casamento, mas, na realidade, este conceito tem como pilar o afeto. A Carta Magna brasileira tratou por equiparar a união estável ao casamento. Contudo, o artigo 1790 do código civil, da forma em que foi disposto pelo legislador fere os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Palavras-chaves: Direito Civil. Família. União Estável. Cônjuge. Sucessão. Inconstitucionalidade. Herdeiro necessário. ABSTRACTT: He Civil Code of 2002 in Article 1790 is a preliminary way the law of succession companion compared to the inheritance law of the husband. This right of course conclusion work aims to contextualize the modern concept of family in the Brazilian legal system, breaking the paradigm that the concept of family would only be from the wedding, but in reality this concept has as a pillar affection. The Magna Carta of our country treated by equating the stable union of marriage. However, Article 1790 of the Civil Code is contrary to the constitution, wounding several constitutional principles, such as equality and human dignity. Keywords: civil law. Family. Stable union. Spouse. Succession. Unconstitutional. heir needed 1 INTRODUÇÃO Na atualidade, o conceito de formação da entidade familiar obteve grande mudança de paradigma, para a sociedade e principalmente para o direito positivo. Novos tipos de famílias foram surgindo com o passar do tempo e reconhecidas pelo direito, assim como ocorreu com a União Estável. O direito de formar uma entidade familiar é tutelado pelo Estado, mas não é imposto qual tipo de entidade familiar é a certa ou a errada. O direito das sucessões é um conjunto de normas que visam garantir que o patrimônio de uma pessoa falecida seja transferido ao herdeiro, em virtude da imposição legal ou por vontade pessoal do falecido, através do testamento. Logo, é o direito dos herdeiros legais (descendentes, ascendentes, cônjuges, companheiros e parentes ate o 4º

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Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016

As desigualdades na sucessão entre cônjuges e companheiros no Direito

Civil

Warlley Tadeu Jorge de Oliveira Sousa⃰

RESUMO: Código Civil de 2002 em seu artigo 1790 trata de formaprejudicial o direito sucessório do companheiro em comparação ao direitosucessório do cônjuge. Este trabalho tem como objetivo contextualizar oconceito moderno de Família no ordenamento jurídico brasileiro, quebrandoo paradigma de que o conceito de família seria unicamente o proveniente docasamento, mas, na realidade, este conceito tem como pilar o afeto. A CartaMagna brasileira tratou por equiparar a união estável ao casamento.Contudo, o artigo 1790 do código civil, da forma em que foi disposto pelolegislador fere os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chaves: Direito Civil. Família. União Estável. Cônjuge. Sucessão.Inconstitucionalidade. Herdeiro necessário.

ABSTRACTT: He Civil Code of 2002 in Article 1790 is a preliminary waythe law of succession companion compared to the inheritance law of thehusband. This right of course conclusion work aims to contextualize themodern concept of family in the Brazilian legal system, breaking theparadigm that the concept of family would only be from the wedding, but inreality this concept has as a pillar affection. The Magna Carta of our countrytreated by equating the stable union of marriage. However, Article 1790 ofthe Civil Code is contrary to the constitution, wounding severalconstitutional principles, such as equality and human dignity.Keywords: civil law. Family. Stable union. Spouse. Succession.Unconstitutional. heir needed

1 INTRODUÇÃO

Na atualidade, o conceito de formação da entidade familiar obteve grande

mudança de paradigma, para a sociedade e principalmente para o direito positivo.

Novos tipos de famílias foram surgindo com o passar do tempo e reconhecidas pelo

direito, assim como ocorreu com a União Estável. O direito de formar uma entidade

familiar é tutelado pelo Estado, mas não é imposto qual tipo de entidade familiar é a

certa ou a errada.

O direito das sucessões é um conjunto de normas que visam garantir que o

patrimônio de uma pessoa falecida seja transferido ao herdeiro, em virtude da imposição

legal ou por vontade pessoal do falecido, através do testamento. Logo, é o direito dos

herdeiros legais (descendentes, ascendentes, cônjuges, companheiros e parentes ate o 4º

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*Funcionário Publico Estadual. Graduando em Direito pela Faculdade Kennedy de Minas Gerais. Belo

Horizonte, 24/11/2015. [email protected]), ou de qualquer pessoa que o de cujos deixou o testamento de adquirem os bens

do espolio.

O presente artigo visa apontar e debater as diferenças ocorridas no atual direito

sucessório, adotado pelo Código Civil de 2002, entre pessoas casadas formalmente,

daquelas sociedades conjugais de pessoas desimpedidas de casarem, que optam por uma

relação informal de formação de família, publica e duradora, indo de encontro contrario

ao que preconiza a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 em seu

artigo 226, que reconhece a união estável como entidade familiar.

Sendo este o questionamento de diversos doutrinadores, os quais serão

destacados, como marco teórico: Flavio Tartuce e Cesar, os quais defendem o direito

constitucional de equiparação entre os cônjuges com os companheiros. Razão pela qual,

serão apontadas as contradições advindas com o Código Civil de 2002 referentes à

participação do companheiro na sucessão do companheiro falecido.

Além disso, este estudo visa discutir a inconstitucionalidade do artigo 1790 do

Código Civil de 2002, que trata da sucessão da união estável, bem como dos prejuízos

decorrentes da sucessão aos companheiros sobreviventes, sendo necessária a

apresentação dos seguintes objetivos pertinentes à compreensão do tema:

Quais são as maiores desigualdades dos companheiros no direito sucessório?

Quais são os concorrentes dos companheiros na sucessão?

Companheiro é herdeiro necessário e tem reserva de quinhão hereditário?

Existe a necessidade de revisão doutrinaria referente a este tema?

“Segundo dados oficiais do senso demográfico de 2010 (Dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística) o numero de uniões estáveis, união entre duas

pessoas, desimpedidas de contraírem núpcias, só que optaram por não oficializarem o

casamento cresceu de 28,6% para 36,4% no Brasil no período de 2000 a 2010,

consequentemente ocorreu uma redução dos casamentos oficiais” (Uol mulher

casamento).

Em razão da atualidade, desta estatística, e dos constantes conflitos jurídicos

sobre este tema torna-se necessário uma discussão mais ampla sobre o principio da

isonomia constitucional que não foi adotado pelo legislador com advento do Código

Civil de 2002, no que tange a sucessão dos cônjuges com as dos companheiros.

Apesar da Constituição da Republica em seu artigo 5º caput, descrever que

todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, o Código Civil de

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2002 conseguiu ser: “perfeitamente inadequado ao trator do direito sucessório dos

companheiros, conforme pensamento Silvio de Salvo Venosa”, (VENOSA, 2014).

Além disso, a Constituição da Republica Federativa do Brasil deixou claro em

seu artigo 226, parágrafo 3º que é reconhecida a união estável entre homem e a mulher,

como entidade familiar. Contudo, este estudo ira demonstrar que o Código Civil de

2002 no que tange a sucessão hereditária de transmissão por causa mortis, há varias

desigualdades na sucessão entre cônjuges e dos companheiros, motivo pelo qual

despertou o interesse sobre este tema.

Discutir o tema de sucessão na união estável e questionar porque os

companheiros não são herdeiros necessários, assim como ocorre com os cônjuges,

apontando as desigualdades de direitos, pois estes dois conceitos de família tanto no

contexto social quanto no intimo visam os mesmos objetivos.

Partindo-se de uma análise estritamente bibliográfica, e utilizando-se do

método crítico-indutivo, para demonstrar ao final, que este tema abordado tem grande

importância social, não só aos operadores do Direito como também a toda a sociedade,

ao apontar o posicionamento de doutrinadores sobre o tema direito de sucessões dos

companheiros e as divergências doutrinarias sobre a aplicação do artigo 1790 do Código

Civil, visando garantir assim a proteção e a igualdade entre os cônjuges e os

companheiros.

Antes de entrarmos, no tema propriamente dito, faz necessário o apontamento de

conceitos relacionados ao tema para maior compreensão. Iremos destacar a seguir os

conceitos de família e os seus tipos, na atualidade.

2 – CONCEITOS DE FAMÍLIA

O conceito de família, no ordenamento jurídico brasileiro, anteriormente ao

Código Civil de 2002 era, exclusivamente, proveniente do conceito matrimonial -

casamento, ou seja, só havia família se houvesse casamento. Contudo, com o avançar do

tempo, novos modelos de família foram surgindo. O atual, Código Civil de 2002, traz

alguns desses modelos, contudo, estar retratando apenas um rol exemplificativo de tipos

famílias.

O conceito moderno de família, nos dias de hoje, tem como base a afetividade,

independentemente de sexo e formação de prole. Neste momento, os conceitos de

família podem ser definidos, exemplificadamente, como: família

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matrimonial/casamento; união estável; família monoparental; família anaparental;

família pluraparental e família unipessoal.

2.1 - Família matrimonial/casamento:

É a forma mais antiga de família. Anteriormente, a Resolução nº 175 do

conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 14 de maio de 2013, o casamento era formado

pela união entre um homem e uma mulher.

Contudo, a partir, desta data, o conceito de família matrimonial deixou de ser

exclusivamente da relação entre um homem e uma mulher, sendo obrigatório que os

cartórios de registro façam a celebração de casamento de pessoas do mesmo sexo,

bastando apenas para configurar este tipo de família que os nubentes realizem esta

vontade de constituir família de forma solene, formal (através do registro civil, após a

habilitação para o casamento), com o objetivo de satisfazer-se e amparar-se

mutuamente.

Além disso, é previsto o casamento religioso para os casais heterossexuais,

sendo exigido que os nubentes levem a certidão emitida pela igreja, no prazo de 90 dias,

para o registro civil.

2.2 - União Estável:

A origem da família proveniente da união estável surgiu decorrente de uma

revolução histórica da sociedade, que devido a vários motivos, tais como: dificuldades

financeiras em arcarem com os custos do casamento; por não terem vontade de se

casarem e também por haver pessoas que já eram casadas, mas já estavam separadas de

fato e não queriam esperar o divorcio para contrair um novo casamento, optaram por

formarem famílias, sem, contudo oriundas do casamento.

A união estável é muito mais que uma relação de namoro ou noivado é a união

entre duas pessoas, do sexo oposto, ou não, (conforme reconheceu o Supremo Tribunal

Federal no julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, em cinco de maio de 2011),

ao equiparar as regras da união heterossexual com as da união homossexual, tornando

uma decisão vinculante em 2011), desimpedidas de casarem (solteiras, viúvas,

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divorciadas, separadas judicialmente ou separadas de fato- conforme artigo 1723,

paragrafo 1º do Código Civil), que por vontade própria não optaram em formalizar este

ato, com a finalidade conviverem de forma publica, contínua e duradora, sobre o mesmo

teto ou não, com o ânimo de constituir família. Sendo permitia por lei a conversão da

união estável em casamento, mediante requerimento de ambas as partes ao juiz e

assento no registro civil.

Este visão estar em conformidade com Washington de Barros Monteiro, que

afirma que:Para reconhecimento dessa união, é necessário que os companheiros nãotenham os impedimentos matrimoniais absolutos, apontados no artigo 1521,exceto na hipótese do inciso VI do aludido dispositivo, referente às pessoascasadas, se estiverem separadas de fato ou judicialmente.(MONTEIRO, 2009,p. 99)

A união estável é considerada um concubinato puro e ao contrário do

concubinato impuro, conforme previsto no artigo 1727 do Código Civil (como por

exemplo, amantes de pessoas casadas) tem toda a proteção constitucional.

A Constituição da República de 1988, equiparou a união estável ao casamento,

além disso, o Código Civil de 2002, garantiu o direito à meação da herança ao

companheiro, como também equiparou a união estável ao regime parcial de bens.

2.3 - Família Monoparental:

É a família composto por apenas um dos pais e seus descendentes, ou seja, é a

família formada quando ha ausência de um dos pais, bem como, é a família formada

entre um dos avós ou bisavós com os seus netos ou bisnetos. Este tipo de família

encontrasse previsão legal no artigo 226, paragrafo 4º da Constituição da Republica de

1988, bem como no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

Este tipo de família é formado, como por exemplo: quando o pai não quer

reconhecer a paternidade do filho e abandona a mãe, ou quando um dos pais falece,

sobrevivendo apenas um deles, ou quando ocorre o fim da sociedade conjugal pela

separação ou pelo divorcio e o casal se distancia.

Além disso, pode ocorrer este tipo de família, no caso de adoção, feita,

exclusivamente, por homem ou por mulher solteiros, conforme preconiza o artigo 42 do

ECA, não importando para a adoção o estado civil do adotante, ou seja, a família

monoparental não exige que a família seja secundaria de um casal.

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2.4 - Família Anaparental:

É a família que não possui vinculo de ascendência ou descendência, entretanto,

pode haver vinculo de parentesco, como por exemplo, a família formada por parentes

colaterais (irmãos, primos, tios e sobrinhos) que vivam juntos. Além disso, a família

anaparental pode ocorrer sem que ocorra o vinculo parentesco. Ou seja, pode ser

oriunda de pessoas que mesmo não sendo parentes resolvam morarem juntas com o fim

de constituir uma família, como por exemplo: amigos que moram juntos.

Entretanto, este tipo de família não encontra toda a proteção jurídica, garantida

as famílias do artigo 226 da Constituição da República de 1988, pois, somente, em

alguns casos, em que iremos analisar neste trabalho, terá direito a herança.

2.5 - Família Pluriparental:

Família Pluriparental é a família formada por membros derivados de uma

família formada anteriormente, que iriam compor esta nova família. Como por exemplo:

pais separados que ao formarem uma nova união familiar, levam seus filhos anteriores

de outro relacionamento, já terminado, para conviverem com a atual família.

A Lei 11924/2010, em consonância com este tipo de família, permite a adoção

do sobrenome do padrasto ou madrasta para o enteado, desde que haja motivo

ponderável e a concordância entre ambas às partes. Esta Lei determina que as partes

possam requerer ao juízo competente que, no registro de nascimento, seja averbado o

nome de família do padrasto ou de sua madrasta, sem prejuízos de seus apelidos de

família.

2.6 - Família Unipessoal:

É a família composta por apenas uma pessoa, seja ela solteira, viúva ou

separada. Conforme Sumula 364 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, este tipo de

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família tem reconhecimento e proteção, pois reconheceu a impenhorabilidade do bem

imóvel deste tipo de família.

Estes bens, consequentemente, ficam excluídos da garantia constituída pelo

patrimônio de seu titular em relação ao cumprimento de seus débitos, garantindo para

este tipo de família a dignidade da pessoa humana básica de sua sobrevivência.

3 – DIREITO DE SUCESSÕES:

Segundo Fiuza (2010) a sucessão é a continuação (transmissão) de uma pessoa

em relação jurídica, que cessou para o sujeito anterior e continua em outro. É a

transferência de direitos patrimoniais de uma pessoa para a outra. A sucessão, quanto a

sua causa, pode ser inter vivos (feitas por pessoas vivas) ou causa mortis (tem como

pressuposto a morte do sucedido), sobre esta ultima causa de sucessão iremos tratar este

trabalho.

Segundo este autor o direito das sucessões tem por objetivo regulamentar a

transmissão do patrimônio de uma pessoa que morre a seus herdeiros e legatários.

A sucessão causa mortis pode ser a título singular (é a transmissão de uma

coisa ou de um determinado bem, ou seja, deixa o objeto da sucessão estabelecido), ou a

titulo universal (é a transmissão de todo o patrimônio ao sucessor).

Além disso, pode ser legítima (quando ocorre segundo determinação legal – ab

intestato, isto é sem testamento, conforme determinação legal) ou testamentaria. Sendo

que a sucessão legitima transmitira todo o patrimônio ao sucessor, logo será sempre

universal.

Segundo Maria Helena Diniz assevera que: “o direito de sucessões vem a ser o

conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de

sua morte, ao herdeiro, em virtude da lei ou testamento” (DINIZ, 2014, p. 17). Logo, é o

direito dos herdeiros legais (descendentes, ascendentes, cônjuges, companheiros e

parentes ate o 4º grau), ou de qualquer pessoa que o de cujos deixou o testamento de

adquirem os bens do espolio.

Segundo afirma Cesar Fiuza: “O objeto da sucessão é o patrimônio do finado

(FIUZA, 2010, p. 1028)”. O Direito Civil, sobre o tema de sucessão causa mortis tem

cunho de assegurar a transferência do patrimônio do falecido.

Segundo Tartuce, (2014) conclui-se, sabidamente, que o direito sucessório esta

baseado no direito de propriedade e na sua função social (artigo 5º, XXII e XXIII da

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CR/88). Porém, mais do que isso, a sucessão mortis causa tem esteio na valorização

constante da dignidade humana, seja do ponto de vista individual ou coletivo, conforme

artigo 1º, III e o artigo 3º, I da CR/88. Sobre esta valorização da dignidade da pessoa

humana, não é aceitável, conforme, iremos demonstrar as desigualdades entre o

companheiro com o cônjuge, pois estar ferindo o objetivo da sucessão causa mortis.

Primeiramente, faz necessário apontar que o Código Civil de 2002, ao tratar

dos direitos sucessórios dos cônjuges, o faz no artigo 1829, no capitulo da ordem da

vocação hereditária, e ao tratar dos direitos sucessórios dos companheiros o faz no

artigo 1790 do CC, no capítulo das disposições gerais.

O artigo 1790 do Código Civil de 2002 trata da sucessão do companheiro:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessãodo outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência daunião estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quotaequivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-áa metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a umterço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade daherança.

Em virtude disso, pode-se dizer que o companheiro só terá direito a herança

sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, como também os

bens descritos no artigo 1660 do Código Civil de 2002, quais são: entram na comunhão

os bens adquiridos durante a vida em comum por título oneroso, ainda que só em nome

de um dos companheiros, assim como os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem

o concurso de trabalho ou despesas anteriores. Também os bens adquiridos por doação,

herança ou legado, em favor de ambos os conviventes, os frutos dos bens comuns, ou

dos particulares de cada companheiro, percebidos na constância da união estável, ou

pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Monteiro (2009) relembra, corretamente, que além dos bens já citados, os bens

móveis adquiridos, quando não se provar que o foram, em data anterior à união estável,

conforme artigo 1662 do Código Civil presumisse ser da constância da união estável.

Além disso, segundo o autor, são muitos os bens que podem integrar o patrimônio

construído ao longo da união estável, e deles o companheiro sobrevivente e meeiro, ou

seja, faz jus a metade dos bens, além da participação que lhe cabe na herança

consistente na meação do falecido nesse patrimônio em comum.

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O autor aponta uma omissão no Código Civil que é favorável ao companheiro

em relação ao cônjuge. Segundo Monteiro (2009) nada é descrito sobre a

obrigatoriedade do companheiro esta convivendo ou não com o de cujus quando da

abertura da sucessão. Contudo, de forma lógica, ele defende que também nesse caso

seria indispensável à existência da convivência ao tempo do óbito para o

reconhecimento de direito sucessório do companheiro. Sendo correto seu

posicionamento.

Definição bastante correta e de fácil compreensão fez Flávio Tartuce sobre os

conceitos diferenciados de meação e de herança.

Para ele: “meação é um instituto de Direito de Família, que depende do regime

de bens adotado. Herança é o instituto de Direito de Sucessões, que decorre da morte do

falecido” (TARTUCE, 2014, p. 1379).

O Código Civil também é omisso sobre como ficaria a situação da herança

quando os companheiros em contrato escrito estipularem outro regime de bens, diverso

da comunhão parcial de bens. Isso porque o cônjuge se for casado no regime de

comunhão universal de bens, ou no regime de separação obrigatória de bens não faz jus

a herança. Contudo, isso não esta previsto para o companheiro. Logo, em tese, pode-se

afirmar, conforme pensamento de Tartuce (2014), que o companheiro é meeiro e

herdeiro, salvo se formalizarem um contrato escrito estipulando o regime de separação

convencional de bens, sendo que neste caso ele não seria mais meeiro.

4 – AS DESIGUALDADES DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS

COMPANHEIROS.

O artigo 1790 do Código Civil de 2002 é inconstitucional, pois ao tratar do

direito sucessório do companheiro, trouxe grande prejuízo, nos seguintes quesitos:

tratou o direito sucessório do companheiro em um capítulo diverso; não garante ao

companheiro os bens adquiridos na constância da união estável a título gratuito; não

especificou como herdeiro necessário; não garantiu o direito real de habitação; colocou

o companheiro em igualdade os parentes colaterais na sucessão com estes; não

preservou o quinhão hereditário de ¼ ao companheiro quando este concorrer somente

com descendentes em comum com o de cujus;

Este pensamento é defendido por Tartuce (2014), ao defender o direito

sucessório como direito fundamental previsto no artigo 5º, XXX da CR/88. Em virtude

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disso, aponta alguns julgados que reconhecem a inconstitucionalidade do artigo 1790 do

CC, por estar distante da sucessão do cônjuge.

Veloso (2011) critica seriamente este artigo ao defender que todos os institutos

de famílias são iguais, dotadas da mesma dignidade e respeito. Não existindo no Brasil,

família de primeira, segunda ou terceira classe. Ele, corretamente, defende que qualquer

discriminação, neste campo, é nitidamente inconstitucional, pois desiguala as famílias.

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Rodrigues (2003), em seu livro descreve que ao regular o direito sucessório

entre companheiros o legislador do CC, em vez de fazer as adaptações e consertos que a

doutrina já propugnava, colocou o companheiro numa posição de extrema inferioridade,

comparada com o cônjuge. Sendo isso um retrocesso ao principio da igualdade e uma

lesão ao este instituto protegido pela Constituição.

4.1 - Críticas à posição do dispositivo legal do direito sucessório dos

companheiros no Código Civil

O Código Civil ao tratar do direito sucessório dos companheiros, de forma

desconexa, não o coloca ou na disposição que trata da ordem de vocação hereditária do

direito sucessório, mas sim no capítulo das disposições gerais. Isto é, corretamente,

criticado por Flávio Tartuce, pois segundo ele: “isso se deu pelo fato do tratamento

relativo à união estável ter sido incluído no CC/2002 nos últimos momentos de sua

elaboração” (TARTUCE, 2014, p. 1392). Infelizmente, o legislador civilista

desconsiderou a importância dos direitos sucessórios dos companheiros adquiridos,

anteriormente, ao CC/02. Além dele, o Excelentíssimo Ministro do Superior Tribunal de

Justiça, Luís Felipe Salomão considera que o artigo 1790 foi erroneamente deslocado

para o capitulo de disposições gerais, que haveria no caso uma inadequação topológica.

Defende que quem participa da sucessão não é outro senão o herdeiro, motivo pelo qual

a localização adequada do artigo deveria ser a do capitulo em que estão dispostas as

regras de ordem da vocação hereditária.

Para Silvio de Salvo Venoso, descreve que: “a impressão que o dispositivo

transmite é de que o legislador teve rebuços em classificar a companheira ou

companheiro como herdeiros, procurando evitar percalços e críticas sociais, não os

colocando definitivamente na disciplina da ordem de vocação hereditária”. (VENOSO,

p. 156 e 157). Aos companheiros devem ser assegurados os mesmos direitos e deveres

dos cônjuges, pois a base da família é a afetividade, não devendo, portanto, o legislador

de ter o receio de classificar os companheiros ao lado dos cônjuges no capitulo da

vocação hereditária.

4.2 - Bens adquiridos na constância da união estável a titulo gratuito

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O artigo 1790 do CC garante ao companheiro a sucessão quanto aos bens

adquiridos de forma onerosa na constância da união estável. Contudo, é omisso em

relação aos bens adquiridos na vigência desta união a titulo gratuito (por doação ou

sucessão), bem como não disciplina o que ocorrera com os bens adquiridos anteriores a

união estável quando não houver nenhum outro herdeiro fora o companheiro.

Flavio Tartuce aponta estes bens como primeira polêmica do CC/2002, no

direito sucessório do companheiro, pois segundo ele: “se o companheiro falecido tiver

apenas bens recebidos a esse titulo, não deixando descendentes, ascendentes ou

colaterais, os bens devem ser destinados ao companheiro ou ao Estado”? (TARTUCE,

2014, p. 1393). Sua resposta para esta pergunta encontra-se em concordância com a

corrente majoritária dos doutrinadores sobre este assunto, que é do entendimento que

estes bens devem ser transmitidos para o companheiro, pois segundo ele os bens

somente serão transmitidos ao Estado se não houver o de cujus herdeiros.

Este também é o pensamento de Maria Helena Diniz,na qual defende que não havendo parentes sucessíveis ou tendo havidorenuncia destes, o companheiro recebera a totalidade da herança, que atina aosadquiridos onerosa e gratuitamente antes ou durante a união estável,recebendo, portanto, todos os bens do de cujus, que não irão ao Município,Distrito Federal ou a União, por força do disposto no artigo 1844 do códigocivil, que é uma norma especial, (relativa à herança vacante), sobrepondo-se aoartigo 1790, VI (norma geral de sucessão de companheiro). (DINIZ, 2014, p.174).

O argumento utilizado por esta autora é apoiado por este autor, pois é justo

estes bens ficarem com o companheiro, que possuía laços de afetividade com o de cujus,

ao invés, de irem para a entidade publica.

4.3 - Companheiro não é herdeiro necessário, nem estar incluído na ordem

de vocação hereditária.

Herdeiro necessário é aquele a quem a lei assegura a metade do acervo

hereditário. Salvo nos casos de deserdação ou indignidade. São os seguintes herdeiros

necessários: descendentes, ascendentes e o cônjuge viúvo.

O companheiro não esta previsto taxativamente no rol de herdeiro necessário.

Logo, a princípio, o companheiro em vida pode dispor, em testamento, da totalidade dos

seus bens que seriam destinados à herança, (reservado o direito de meação, quanto aos

bens adquiridos onerosamente na constância da união estável), se não tiver descendentes

ou ascendentes vivos, prejudicando seriamente o companheiro sobrevivente. Isso,

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segundo a corrente majoritária dos doutrinadores é uma afronta ao direito da igualdade

entre o companheiro com o cônjuge, pois o cônjuge tem resguardado por lei este

porcentual, ou seja, o cônjuge em vida só pode dispor de 50 por cento dos seus bens em

testamento, os outros 50 por cento fica garantido aos herdeiros necessários.

Contudo, de forma brilhante, Monteiro (2009), aponta que havendo bens

adquiridos a título oneroso durante a união estável, é forçosa (obrigatória) a participação

do companheiro sobrevivente, de modo que embora não seja herdeiro necessário, não

poderá de ser excluído dessa participação por testamento.

4.4 - Sucessões do companheiro em concorrência com os descendentes

Ao cônjuge é garantido nos regimes de comunhão parcial de bens (quando deixar

bens particulares), no de participação final no aquesto e no regime de separação

convencional de bens, no caso de somente concorrer com descendentes, em comum, com

o de cujus, um quinhão igual aos descendentes.

Contudo, se estes únicos filhos em comum ultrapassarem quatro ou mais

descendentes, ao cônjuge e reservado ¼ da herança. Ou seja, José que não tinha filhos

casou com Maria e tiveram cinco filhos em comum do casal. Quando José falecer Maria

terá direito a 50 por cento dos bens a titulo de meação, mais ¼ dos restantes dos 50 por

cento, os outros ¾ da herança serão divididos entre os outros quatros filhos. Este

benefício, entretanto não atinge o companheiro na sucessão.

Além disso, o cônjuge tem resguardado sempre uma quota parte da herança

igual aos dos descendentes quando concorrer com qualquer tipo de descendente seja ele

em comum ou não do casal, salvo reserva legal mencionada acima.

O companheiro tem direito à participação da herança somente quanto aos bens

adquiridos a título oneroso durante a união estável, e só terá direito a receber uma quota

parte igual se os descentes forem em comum com o casal. Se os descentes forem filhos

somente do de cujus, o companheiro herdara metade do que cada filho exclusivo do

herdeiro do de cujus receber.

Outro ponto polêmico sobre este assunto que gerou uma confusão jurídica

ocorre quando o de cujus deixar descendentes em comum do casal e exclusivo dele, pois

o artigo 1790 tratou cada inciso de forma individual e não esclareceu como ira ficar

neste caso específico. Segundo os doutrinadores este tipo de sucessão é hibrida, sendo

defendidas três correntes.

Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016

A primeira corrente defende que nos casos de sucessão hibrida deve-se tratar

todos os descendentes como se fossem comuns, ou seja, o companheiro herdara a

mesma quota parte destinado ao descendente. Este é o pensamento majoritário dos

doutrinadores, sendo que este também é o pensamento defendido por este autor, pois

igualam os direitos de ambos os filhos, como também iguala o direito do companheiro

com o do cônjuge.

A segunda corrente defende que nos casos de sucessão hibrida deve-se tratar

todos os descendentes como se fossem exclusivos do autor da herança, ou seja, o

companheiro herdara metade do que herdara cada descendente. Esta corrente é

defendida por Diniz, (2014), sobre a alegação de que igualara todos os descendentes

como se fossem descendentes exclusivos do falecido. Contudo essa corrente deixar de

lado o princípio da isonomia entre o cônjuge e o companheiro.

A terceira corrente defende que nos casos de sucessão hibrida deve-se adotar

uma formula matemática de ponderação para a sua solução. Muito pouco defendida

esta corrente.

4.4.1 Privilégios Dos Companheiros Em Relação Aos Cônjuges

Entretanto, um ponto favorável ao companheiro ocorre quando o cônjuge for

casado no regime de comunhão universal de bens ou no regime de separação obrigatória

de bens ou em regime de comunhão parcial de bens não deixando bens particulares em

concorrência com os descendentes, neste caso o cônjuge nada ira receber de herança.

Nestes casos, entretanto, o companheiro ira herdar conforme descrito, anteriormente,

independentemente, se realizar um contrato escrito particular ou publico optando por

qualquer regime de comunhão.

Além disso, conforme Venosa, (2014), há casos em que o legislador deixou

duvidas de como seria resolvido o fato, tais como: I – como seria a concorrência do

companheiro se houver apenas netos comuns, pois o inciso I do artigo 1790, trata da

concorrência com os filhos. Nesse caso, estando os filhos pré-mortos, não haverá direito

de representação. Assim, parece que a solução é no sentido de o convivente receber a

mesma porção dos netos, que herdam por cabeça, aplicando-se então o artigo 1790, I,

seguindo-se o principio geral de vocação hereditária.

Contudo, o inciso II menciona a concorrência com ´´outros parentes

sucessíveis”. Ora, nesse caso, não havendo direito de representação e recebendo os

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netos por cabeça e não por estirpe, podem eles ser considerados dentro desta dicção

legal, aplicando-se o texto da herança ao sobrevivo e dois terços aos netos. Teria sido

esta a intenção da lei? Nesse caso, o legislador estaria rompendo com a tradição com a

vocação hereditária. É difícil a solução e mais uma vez o legislador foi cruel com o

interprete e com a sociedade. A mesma duvida persiste quando da aplicação do inciso II,

na hipótese de os netos serem só do autor da herança, quando o sobrevivente receberia

só metade do cabente aos netos, se não fosse aplicado o inciso III.

4.5 - Sucessão do companheiro em concorrência com outros parentes

sucessíveis

Parentes sucessíveis para esta concorrência são todos os ascendentes, sem

limite, e também todos os demais parentes colaterais ate o quarto grau (irmão, tio,

sobrinho, primo, tio-avô e sobrinho-neto).

No caso do cônjuge concorrer com os pais ou avôs do de cujus, terá direito a

metade da herança quando tiver somente um dos pais vivo e também quando tiverem

vivo somente na linha ascendente só os avos do de cujus. Contudo, nestes casos citados,

o companheiro herdara somente 1/3 da herança sempre. Sendo que o cônjuge herdara

somente 1/3 da herança do de cujus só nos casos em que concorrer com ambos os pais

vivos.

Contudo, é em concorrência com os parentes colaterais que ocorre a maior

desigualdade no direito sucessório do companheiro, tendo varias decisões sobre este

assunto, declarando sua inconstitucionalidade, pois esta previsão, trata os direitos dos

companheiros, de forma igual, aos direitos de parentes colaterais, muitas vezes,

desconhecidos ou sem relacionamento com o falecido. Sendo isso, uma aberração

jurídica, pois fere o principio da igualdade entre o cônjuge e o companheiro, pois o

cônjuge não concorre com os parentes colaterais do falecido.

Enquanto, o cônjuge na ausência de descendentes ou de ascendentes herdara a

totalidade dos bens do de cujus, o companheiro, na ausência dos descendentes e dos

ascendentes ainda iria concorrer com os parentes colaterais ate 4º grau do de cujus, e

neste caso, herdara somente um terço da herança.

Venosa, (2014), declara que a hipótese sobre a concorrência do companheiro

com outros parentes sucessíveis é insuportável com relação aos colaterais. Colocando

um caso hipotético, onde se o companheiro concorrer com apenas um parente colateral

Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016

ate o quarto grau, mesmo sem vinculo afetivo nenhum com o de cujus, caberá a este 2/3

da herança e ao companheiro que construí todo o patrimônio com o falecido apenas 1/3

da herança. Rodrigues (2003) deixa clara sua indignação contra o legislador que colocou

o companheiro, segundo ele, numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão,

comparando-o no direito sucessório com parentes colaterais. Ele defende que: “a pessoa

com quem o falecido viveu em união estável publica, contínua e duradouramente,

constituindo família, merece tanto reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto à

família fundada no casamento” (RODRIGUES, 2003, p.119). A insatisfação deste autor

é reforçada pela maioria dos autores civilistas e por este autor.

4.6 - Direito real de habitação do companheiro

O Código civil de 2002 em seu artigo 1831 ao tratar do direito real de

habitação não garantiu ao companheiro o direito real de habitação ao único imóvel

destinado a residência da família, garantindo este direito somente ao cônjuge.

Washington de Barros Monteiro critica seriamente o Código Civil de 2002, pois este

privilégio fora outorgado pela Lei nº 9278/96 ao companheiro.

Segundo Tartuce (2014) e Diniz (2014) prevalece o entendimento doutrinário

pela manutenção deste direito ao companheiro, conforme era previsto anteriormente na

Lei 9278/96, artigo 7º, paragrafo único, pois o Enunciado nº 117 CJF/STJ, da I Jornada

de Direito Civil, estendeu o direito real de habilitação ao companheiro sobre a alegação

de que a Lei 9278/96 não foi revogada expressamente e também pela interpretação

analógica do artigo 1831, informado pelo artigo 6º, caput da CR/88. Além disso, pela

regra da especialidade prevaleceria a Lei 9278/96, por ser uma lei especifica, em

detrimento do código civil, por ser uma norma genérica.

4.7 - Amparos para a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1790 do

Código Civil de 2002

Em seu livro, Tartuce, (2014), aponta que a tese de inconstitucionalidade deste

artigo tem amparo em vários julgados, conforme descritos abaixo:

- Existem julgados que reconhecem a inconstitucionalidade somente do inciso

III do artigo 1790, ao prever que o companheiro recebe 1/3 da herança na concorrência

Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016

com os ascendentes e colaterais ate quarto grau. Sendo que Flavio Tartuce é favorável

somente a esta tese. Conforme, os seguintes julgados:“Agravo de Instrumento. Inventario. Companheiro

sobrevivente. Direito a totalidade da herança. Parentes colaterais.

Exclusão dos irmãos na sucessão. Inaplicabilidade do art. 1790, inc.

III, do CC/2002. Incidente de inconstitucionalidade. Art. 480 do CC.

Não se aplica a regra contida no art. 1790, inc. III, do CC/2002, por

afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e

de igualdade, já que o art. 226, paragrafo 3º, da CF/1988, deu

tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao

casamento. Assim, devem ser excluídos da sucessão os parentes

colaterais, tendo o companheiro o direito a totalidade da herança.

Incidente de inconstitucionalidade arguido, de ofício, na forma do art.

480, do CPC. Incidente rejeitado, por maioria. Recurso desprovido, por

maioria” (TJRS, Agravo de instrumento 70017169335, Porto Alegre,

8ª Câmara Civil, Rel. Des. Jose Ataides Siqueira Trindade, j.

08.03.2007, DJERS 27.11.2009, p.38). Concluindo que do mesmo

modo: TJSP, Agravo de Instrumento 654.999.4/7. Acordão 4034200,

São Paulo, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Teixeira Leite, j.

27.08.2009, DJESP 23.09.2009 e TJSP, Agravo de instrumento

609.024.4/4, Acordão 3618121, São Paulo, 8ª Câmara de Direito

Privado, Rel. Des. Caetano Lagrasta, j. 06.05.2009, DJESP

17.06.2009. A Corte Especial do Tribunal de Justiça do Paraná já

seguiu para o entendimento, reconhecendo a inconstitucionalidade

somente do inc. III do preceito (TJPR, incidente de declaração de

inconstitucionalidade 536.589-9/01, da 18ª Vara Civil do Foro Central

da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Suscitante: 12ª

Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Relator:

Des. Sergio Arenhart, j. 04.12.2009). Decisão do ano de 2011 do

Superior Tribunal de Justiça, seguindo a linha esposada, suscitou a

inconstitucionalidade do incs. III e IV, remetendo a questão para

julgamento pelo Órgão Especial da Corte: “ incidente de arguição de

inconstitucionalidade. Art. 1790, incisos III e IV do Código Civil de

2002. União Estável. Sucessão do companheiro. Preenchidos os

requisitos legais e regimentais, cabível o incidente de

inconstitucionalidade dos incisos, III e IV, do art. 1790, do CC, diante

do intenso debate doutrinário e jurisprudencial da matéria tratada”.

(STJ, AI no REsp 1.135.354/PB, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, 4ª

Turma, j. 24.05.2011, DJe 02.06.2011). Porem, em outubro de 2012, o

Órgão Especial da Corte concluiu pela não apreciação dessa

inconstitucionalidade suscitada pela 4ª Turma, eis que o recurso

Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016

próprio para tanto deve ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal

(publicado no informativo n. 505 do STJ). Em suma, a questão da

inconstitucionalidade não foi resolvida em sede de Superior Tribunal

de Justiça, aguardando-se eventual julgamento pelo STF. Com a

decisio, o recurso especial deve voltar a 4ª Turma para ser julgado

apenas nos aspectos infraconstitucionais. (TARTUCE, 2014, p.

1398-1400).

- Há ementas que sustentam a inconstitucionalidade de todo o artigo 1790 do

CC, por trazer menos direitos sucessórios ao companheiro, se confrontado com os

direitos sucessórios do cônjuge. Sendo este o posicionamento deste autor, pois igualou

os direitos. Conforme os seguintes julgados:“Direito sucessório. Bens adquiridos onerosamente durante

a união estável Concorrência da companheira com filhos comuns e

exclusivos do autor da herança. Omissão legislativa nessa hipótese.

Irrelevância. Impossibilidade de se conferir a companheira mais do

que teria se casada fosse. Proteção constitucional a amparar ambas as

entidades familiares. Inaplicabilidade do artigo 1790 do Código Civil

de 2002. Reconhecido o direito de meação da companheira, afastado o

direito de concorrência com os descendentes. Aplicação da regra do

art. 1829, inciso I do CC. Sentença mantida. Recurso não provido

“(TJSP, Apelação 994.08.061243-8, Acordão 4421651, Piracicaba, 7ª

Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Élcio Trujillo, j. 07.04.2010,

DJESP 22.04.2010)”. (TARTUCE, 2014, p. 1398-1400).

Segundo Maria Helena Diniz, uma solução para este problema, seria o Projeto

de Lei nº 699/2011, assim alterara o artigo 1790:O companheiro participara da sucessão do outro na forma seguinte:

I- em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente ametade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão debens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bensparticulares, ou se o casamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observadaa situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separaçãoobrigatória (1641);

II- em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente ametade do que couber a cada um destes;

III– em falta de descendentes e ascendentes, terá direito a totalidade daherança. (DINIZ, 2014, p. 182)

Contudo, o pensamento deste autor, é contrario a este projeto de lei, pois em

concorrência com os descendentes e os ascendentes ele ainda estará em desvantagem

em relação ao cônjuge.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016

Em virtude do que fora exposto, pode-se afirmar que a família encontra

proteção especial do Estado conforme preconiza o artigo 226 caput da Constituição da

Republica. O conceito de família, no presente, conforme demonstrado tem como base a

afetividade, sendo que todos os tipos de família tem proteção constitucional, sendo

medida irregular qualquer ato discriminatório entre um tipo de família com a outra. Em

virtude disso, a CR/88 em seu parágrafo 3º reconheceu a união estável como entidade

familiar que deve ser respeitada é guarnecida por essa proteção especial.

O artigo 1790 do código civil de 2002 fez um tratamento desigual entre os

cônjuges e os companheiros, indo a sentido contrário com o que garante a constituição.

Contudo, esta desigualdade foi contestada por vários doutrinadores e pela

jurisprudência, que vem garantindo ao companheiro sobrevivente o direito igualitário

sobre o tema sucessão, tendo como fundamento os princípios da isonomia e também o

principio da dignidade da pessoa humana, pois é injusto garantir a concorrência do

companheiro com os parentes colaterais ate o 4º grau do de cujus.

Pelo principio da isonomia previsto no artigo 5º, caput da Constituição da

Republica de 1988, o direito do companheiro deve ser igual ao do cônjuge, pois este

princípio estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza. Apesar da Carta Magna haver previsão de tratamento diferencial aos

desiguais, na medida de sua desigualdade, este ao meu ver, e dos doutrinadores citados

neste artigo, não é o caso, pois o principal pilar da família é a afetividade, pois vinculo

familiar dos companheiros não são inferiores aos dos cônjuges. Logo, o que diferencia a

união estável do casamento é apenas o ato formal da vontade de constituírem família,

devendo prevalecer nessas situações os direitos iguais sucessórios para ambos os tipos

de família, pois a família oriunda da união estável, conforme preconiza o artigo 226,

paragrafo 3º da CR/88, tem proteção legal e o mesmo valor da oriunda do casamento,

não podendo haver discriminação entre elas.

A Constituição da República em seu artigo 3º tem como fundamento constituir

uma sociedade livre, justa e solidaria. Logo, o que não seria mais solidário que equipar

os direitos sucessórios dos cônjuges com os dos companheiros. O artigo 3º, inciso IV

destacou ainda a importância de promover a igualdade entre todos.

Diante do exposto, conclui-se que deve haver igualdade no direito sucessório

entre os cônjuges e os companheiros do de cujus, pois ambos os tipos de família

possuem proteção e equiparação constitucional, sendo que a lei infraconstitucional do

Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016

código civil em seu artigo 1790, pelos motivos demostrados neste artigo caminha em

direção contraria a carta magna. Sendo por isso, seus dizeres constantemente

modificados pela jurisprudência. Logo, esperasse que os legisladores corrigissem estas

desigualdades entre os cônjuges e os companheiros.

REFERÊNCIAS

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