AS EMOÇÕES NO PALCO DA TRAGÉDIA PROMETEU … · · 2017-12-20Em A ‘hamartia’...
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AS EMOES NO PALCO DA TRAGDIA PROMETEU CADEEIRO:
EDUCAO E AO TRGICA
Michelle Bianca Santos Dantas
Universidade Federal da Paraba
Introduo
A nossa presente pesquisa, intitulada As emoes no palco da tragdia Prometeu
Cadeeiro: educao e ao trgica, pretende analisar os elementos centrais que so suscitados
durante a cena trgica e que so fundamentais para a sua compresso. Assim, nosso trabalho
justifica-se pelo valor inestimvel que nos propicia (desde os tempos mais remotos, at os dias
atuais) o debruar-se diante da averiguao dos sentidos e efeitos mltiplos, decorrentes do
desencadear de determinadas emoes. Isso comprovado, inclusive, ao observarmos que, desde a
Antiguidade Clssica, muitos foram os filsofos que discorreram sobre elas e, consequentemente,
sobre os seus liames na criao potica, seja na epopeia, tragdia, comdia etc. Portanto, temos
como objetivo estudar as mltiplas dimenses representativas que as emoes de piedade e temor
exercem na cena trgica, a partir de sua importncia, seu valor educativo e sua funo no enredo das
tragdias. Para tanto, ser-nos-o importante, ao longo de nossa exposio, as consideraes de
autores como Aristteles (1998/2005), Konstan (2006), Lesky (1996), Werner (2003), Luna (2005)
entre tantos outros.
Prometeu Cadeeiro: um breve contexto
squilo (525-456/5 a.c) foi um dos poetas trgicos do sculo de ouro da Literatura Grega, e
comps por volta de noventa peas, mas s nos chegaram sete. Alm de poeta, squilo tambm
participou de alguns combates de guerra, a exemplo da de Salamina. Entre os tragedigrafos gregos,
ele o mais velho, seguido por Sfocles e Eurpedes. Foi ele o responsvel por elevar o nmero de
atores nas peas, de um para dois, como nos informa Aristteles (1988), em sua Potica; alm de
ter diminudo o papel do coro e de ter dado primazia ao dilogo. Em vida, presenciou o
estabelecimento da democracia ateniense, fato que tematizou em algumas de suas obras.
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Em Prometeu Cadeeiro, cuja autoria atribuda a squilo, vemos discusses sobre a
questo do direito e da justia. Nela, Prometeu, benfeitor dos homens, punido por Zeus, por ter
roubado o seu fogo e dado aos mortais. Os encarregados de realizarem a sua punio foram Fora,
Poder e Hefestos, que materializa o castigo divino, cumprindo as ordens do Deus supremo. Esta
pea foi a nica que nos chegou da trilogia esquiliana - Prometeu Acorrentado, Prometeu libertado
e Prometeu porta-fogo tambm no se sabe ao certo a ordem destas tragdias.
Ao dizermos, no pargrafo anterior, que a pea tem uma autoria atribuda a squilo,
chamamos ateno para uma problemtica na compreenso desta pea. Quem nos alerta para este
fato Jaa Torrano (2009), em sua introduo obra de squilo, onde dedica alguns pargrafos na
descrio dos processos que existem de contestao de autoria feita por alguns estudiosos. Este
processo contestatrio comeou, em 1869, quando o helenista alemo R. Westphal observou
diferenas estruturais entre Prometeu Cadeeiro e as outras peas de squilo. Essa descoberta
ganhou adeptos que continuaram as pesquisas, numa tentativa de comprovarem quem teria escrito a
pea, alm de somarem argumentos para afirmar que no seria squilo, o seu compositor. De todo
modo, preferimos considerar o posicionamento de Vernant, citado por Torrano, de que Mesmo
que, quanto a esse ponto, tivessem oferecido uma resposta decisiva, nem por isso o problema da
tragdia estaria resolvido. (VERNANT; apud TORRANO, 2009, p. 325). Essa problemtica
acentuada por terem sido perdidas duas outras peas que compunham a trilogia, o que afeta, tanto
na definio da autoria, quanto na interpretao da tragdia. No mais, o que nos importa, para alm
de descobrir certezas de autoria, a possibilidade de refletirmos e analisarmos to rica obra da
literatura ocidental.
Metodologia- Algumas consideraes sobre a ao trgica
A teorizao acerca da tragdia deve, necessariamente, iniciar por Aristteles, em sua
Potica, at porque foi ele o responsvel por iniciar o estudo desse gnero, tentando abarc-lo em
sua definio e caractersticas principais. Isso porque, consideramos que qualquer estudo sobre o
drama, antigo ou moderno, deve ser embasado pelo conhecimento que esse filsofo nos deixou de
legado. E, naturalmente, podemos complementar esse estudo, a partir dos outros muitos tericos
que escreveram sobre este tema, a exemplo de Albin Lesky (1996), Jaqueline de Romily (2008),
Junito Brando (2005), Yoshie (2008), Sandra Luna (2005) entre outros.
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Contudo, a respeito do trgico, no podemos dizer o mesmo, j que a maior parte dos
estudos sobre o tema, que foram realizados pelos filsofos alems, no conseguem de todo, abarcar
o trgico em toda sua amplitude e flexibilidade; mas no discutiremos isso no trabalho presente. Na
verdade, o que queremos deixar exposto, que existem ainda algumas dificuldades estruturais no
estudo do trgico e que, para que possamos realiz-lo, devemos saber lidar com a flexibilidade
terica; sendo consciente de que alguns dos aspectos que fazem uma pea trgica, no so,
necessariamente, os mesmos que faro uma outra pea ser trgica. Ou seja, sabemos que a pea
exemplar da tragicidade dipo Rei, mas o meio pelo qual ela realiza o trgico e o seu efeito, no
o mesmo percorrido por peas como jaz, Orestia, Prometeu Cadeeiro etc. Dentro dessa
perspectiva, aqui vale ressaltar o que Albin Lesky (1996), estudioso deste gnero, esclarece-nos a
respeito desta rea:
H algo, sem dvida, que podemos afirmar com inteira segurana: os gregos criaram a grande arte trgica e, com isso, realizaram uma das maiores faanhas do
campo do esprito, mas no desenvolveram nenhuma teoria do trgico, que tentasse ir alm da plasmao deste no drama e chegasse a envolver a concepo do mundo como um todo. (LESKY, 1996, p. 21)
Se os que criaram o trgico, no desenvolveram uma teoria sobre ele, ficamos ento na
busca pela descoberta do que seria a sua essncia. De todo modo, Aristteles traz-nos contribuies
relevantes; segundo o autor da Potica, uma questo importante para que se chegue ao temor e a
piedade (emoes que levam ktharsis1) que os fatos sejam inesperados, a fim de proporcionar
mais maravilha que sorte. Diz o filsofo:
O objeto da imitao, porm, no apenas uma ao completa, mas casos de inspirar temor e pena, e estas emoes so tanto mais fortes quando, decorrendo uns dos outros, so, no obstante, fatos inesperados, pois assim tero mais aspecto de maravilha do que se brotassem do acaso e da sorte; (...)
(ARISTTELES, 2005, p. 29)
este fato inesperado que levar o personagem trgico do fortnio ao infortnio, ou o
contrrio. Quanto ao carter do personagem trgico, Aristteles revela-nos que ele no deve ser nem
1 O termo ktharsis possui um amplo e complexo significado, mas podemos traduzi-lo como purificao ou purgao,
pois essa a linha comum da maioria dos tradutores, j que no possumos um equivalente exato em nossa Lngua
Portuguesa. Isso justifica, inclusive, o fato de muitos autores no realizarem a traduo e usarem a transcrio catartse
ou katarse para designao do termo.
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to virtuoso, nem to maldoso. Pois o primeiro provocaria piedade excessiva e o segundo a apatia.
E este carter deve ser manifestado atravs da ao do personagem, j que a piedade e o temor
devem surgir pela ao cometida e no pelo carter. J os episdios, para que sejam trgicos, devem
ocorrer entre pessoas de boa relao, amigos, parentes, porque, de um modo geral, um amigo matar
amigo, trgico, j no fato de um inimigo matar um inimigo, no conseguimos ver nada de
comoo trgica, consequentemente, nada que leve a catstrofe/ao pattico.
O erro trgico, a hamarta (do grego amartia), segundo Aristteles, alcana maior efeito
quando ele realizado de modo no consciente. Ou seja, o filsofo diz que este erro pode ser
realizado de modo consciente ou no, todavia este o mais trgico. A respeito da hamarta, muitos
estudos j foram realizados, numa tentativa de desvendar o real sentido deste erro, fala-se em erro
involuntrio, transcendental, intelectual etc. Por hora, deteremos nossa anlise ao que o prprio
Aristteles revela-nos. Na Potica, duas passagens citam a hamarta, vejamos:
, ,
. (...)
2. (Potica, XIII, 1453 a, 10-12/15-17)
(...) algum erro daqueles de grande glria e boa fortuna, como o de dipo e Tiestes,
tambm por homens ilustres de famlias tais (...) a partir da fortuna para o
infortnio, no por maldade, mas atravs de um grande erro, ou como o que foi
dito, ou de um (erro) melhor ou ainda pior.3
As passagens em negrito acima, e , possuem dois
determinantes, ambos realizando a concordncia com o substantivo a que se referem. O
primeiro um pronome indefinido, que pode ser traduzido, a partir da consulta ao Liddel-Scott
(1996), por um, algum. J o segundo uma forma adjetiva, proveniente de aj, para qual o
dicionrio nos d as seguintes opes: large, big, great; ou seja, largo, grande, importante. O
substantivo significa filure, error (falha, erro) e possui a forma verbal aw, que
significa to miss, miss the mark (falhar, errar o alvo). Deste modo, podemos concluir que o erro
2 Os destaques so nossos. Texto disponvel em: http://www.hs-augsburg.de/~harsch/graeca/Chronologia/S_ante04/Aristoteles/ari_poi2.html, s 20:35hs, de 17 de julho
de 2010. 3 Traduo nossa.
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trgico, to importante na estrutura da tragdia, , ou seja, indefinido; podendo ser proveniente
de aes diversas. Contudo, apesar de indefinido, ele , ou seja, grande, importante. E,
como j dissemos, possuir maior efeito trgico se for realizado de modo no consciente.
Em A hamartia aristotliaca e a tragdia grega, Filomena Yoshie (2008) relaciona os
conceitos do erro trgico (hamarta) e do reconhecimento (anagnrisis), com base tambm na
Potica e em A tica a Nicmago. Ela considera, em concordncia com Eudoro de Sousa, que a
hamarta o elemento principal para a mudana na fortuna do heri, e completa A essncia da
hamarta a ignorncia combinada com a ausncia de inteno criminosa. Segundo Lucas, a
simples falta de conhecimento gnoia; hamarta falta do conhecimento necessrio se decises
corretas devem ser tomadas. (YOSHIE, 2008, p. 89).
Albin Lesky (1996), em A tragdia grega, concorda com Benno Wiese, ao falar que no h
uma mgica formula para se desvendar o trgico. O autor tenta indicar a ktharsis como a essncia
do trgico, e comenta que a hamarta (o erro, a falha trgica) est associada a incapacidade humana
de reconhecer o certo. Para o autor, outros elementos tambm so importantes como a dignidade na
queda, o conflito e a conscincia.
Junito Brando (2007) comenta que a tragdia esquiliana mais de teomorfizao, que de
antropomorfizao, e que possui mensagens como gnthe sautn (conhece-te a ti mesmo) e medn
gan (nada em demasia). Para Brando, o homem v-se limitado diante de sua condio, j que o
grande trgico busca nervosa e desesperadamente uma conciliao entre dke, o princpio da
justia, e a Moira, o destino cego, j que a polis a casa dos homens e a pracij, praxis dos
deuses (BRANDO, 2007, p. 17).
Para Jacqueline de Romilly (2008), o trgico encontra-se tambm na limitao intrnseca
da condio humana, inclusive, cintando H. D. F. Kitto, que compartilha do mesmo pensamento.
Para ela, o erro impe-se como trgico, principalmente, por ser necessrio, e, consequentemente,
proporcionar o temor e a piedade (phbos ka leos), j que o homem precisa dobrar-se diante da
imposio da necessidade. Segundo a autora, mesmo na fatalidade, existe a responsabilidade
humana, ou seja, mesmo adversidade, o indivduo age e, por meio de sua prpria ao, chega ao
destino trgico. De modo geral, o heri tenta (...) agir bem. E tudo aquilo que se faz, de bem ou de
mal, revela-se com consequncias particularmente pesadas. (ROMILY, 2008, p. 174-175). A
autora ressalta tambm o contexto como um fator importante para a reiterao trgica, j que o
esprito presente, no sculo V a.C, cheio de confiana no homem, no progresso e na civilizao,
confrontava o homem e sua limitao, que o grande mote da tragdia grega.
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Sandra Luna (2005), em Arqueologia da ao trgica, retoma os conceitos aristotlicos, a
fim de elucid-los e chegar a uma concluso terica do trgico. Alguns elementos como a empatia,
o distanciamento e a necessidade da ao errnea do personagem so fundamentais para a
realizao da ktharsis. A autora tambm destaca a importncia da hbris (ubrij), ou seja, da
soberba, da desmedida, do excesso e da arrogncia; e da at (ath), que significa a cegueira que
leva o indivduo catstrofe. Luna (2005) tambm compartilha da ideia de que o erro involuntrio
o mais trgico, contudo, alerta-nos para um recurso que o da valorizao da empatia, nos casos em
que o erro voluntrio, para que se possa compensar a diminuio no efeito trgico.
Resultados e discusses- As emoes no palco da tragdia Prometeu Cadeeiro: educao e
ao trgica
De incio, achamos importante destacar que, ao falarmos de emoes trgicas, estamos nos
referindo, mais especificamente, a piedade e o temor, emoes essas fundamentais no enredo
trgico. Isso porque, entendemos que as emoes envolvidas, no contexto de discurso, determinam
e/ou influenciam na forma como a mensagem ser repassada. Para Aristteles (2005), as emoes
so responsveis por causar alteraes no ser humano, tendo o poder, inclusive, de mudar o seu
juzo a respeito de algo. Elas seriam, portanto, uma espcie de virtude intelectual, facultada atravs
de uma razo prtica. Para ele, elas comportariam dor e prazer, seriam a saber: a ira, a calma, o
amor, a inimizade, o temor, a confiana, a vergonha, a desvergonha, a amabilidade, a piedade, a
indignao, a inveja e a emulao; compreendendo, como vemos, os seus semelhantes e os seus
contrrios.
Aristteles (2005) considerava o medo (foboj) como uma emoo proveniente de uma
situao de aflio ou perturbao, que fosse advinda de algum mal iminente, sendo, ento, o
contrrio do medo, a confiana. O filsofo tambm destaca que nem todos os males so temveis,
mas sim aqueles dos quais poder decorrer grandes destruies, que estejam prximas, j que a
distncia de algum mal no nos coloca medo. Assim, tememos o dio, a ira, a injustia e tudo aquilo
possa vir destruir, abalar profundamente e promover grandes tristezas. O autor tambm nos elucida
de que o temor est relacionado aos males que so inesperados, j que no h como haver uma
preparao para a sua aceitao; e tambm quando h um erro grave, seja por ser impossvel de
resolver, ou porque um outro detm o seu poder de resoluo.
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Na pea Prometeu Cadeeiro, conseguimos observar vrios momentos em que o medo toma
conta de alguns personagens, principalmente daqueles que observam o deus em deplorvel
circunstncia, mas tambm por meio do relato das perseguies que princesa Io estava a sofrer e
viria sofrer, ainda mais, por causa da ciumenta Hera, devido a mais um caso amoroso de Zeus.
Destacamos um momento em que, aps Prometeu contar todo o seu porvir, ao final, entre os versos
877 e 886, a sacerdotisa de Hera expe todo o seu pavor. Em um momento, no verso 881, ela
explicita que o seu corao est tomada pelo fobwi, ou seja, pelo medo, que toma o seu corpo,
mesmo sem ela ter vivido, s pelo fato de ela saber o que lhe vir ocorrer. A revelao de seu
destino, propicia a Io uma atividade corporal tomada pela emoo do medo. Inclusive, antes mesmo
da revelao de todas as provaes que Io ainda viria passar, o Coro j expressava temor ao v-la
vagando perdida e sofrida, por isso, no verso 696, Prometeu diz que cedo eles esto se
desesperando, j que o mal maior ainda estaria por vir, e, para tanto, utiliza a expresso fobou.
J em relao a piedade (ele/oj), Aristteles (2005) expe que ela est na pena sentida por
algo que aflige e faz sofrer a si ou ao outro, ainda mais, quando esse outro prximo de ns e
quando essa ameaa tambm no nos distante. A piedade ocorre quando se percebe a iminncia de
passar pelo mesmo que sofre aquele que digno de sua compaixo. Dessa maneira, ao longo da
leitura de Prometeu Cadeeiro, conseguimos observar momentos em que os personagens se apiedam,
seja de Prometeu, seja de Io e, at mesmo, de outros personagens, tomados pelas emoes
desencadeadas nas cenas trgicas. Entre tantos momentos, destacamos um no qual o Coro, tomado
de compaixo pelo estado de Prometeu, entre os versos 397-405, diz que derramam lgrimas sem
fim, por sofrerem pelo destino funesto do deus, devido a deciso de Zeus, por punir-lhe por ajudar
os mortais. Em outro momento, nos versos 687-695, o Coro diz-se estar estremecido em ver a
situao de perdio e perseguio na qual Io se encontra.
Ressaltamos que, nesses dois momentos ilustrados, o Coro exerce o papel de intermdio,
entre a proximidade e o afastamento, que necessrio para realizao da piedade, pois, como afirma
Aristteles (2005), o afastamento no possibilita compaixo e a proximidade extrema promove o
horrvel. Alm do mais, temos, nesses versos referidos, o fator de imerecimento, de injustia, o que
so importantes para acentuar a tragicidade do fato.
Ressaltamos, ainda mais, o que o filsofo coloca: para apiedar-se, necessrio termos
alguma proximidade com a outra pessoa, mas, ao mesmo tempo, essa proximidade no pode ser
muito significativa, pois, da, teramos, no a piedade, mas o horrvel. O sofrimento imerecido, que
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ocorre no momento em que uma pessoa honrada sofre algum mal, tambm nos causa compaixo,
devido a ocasio de injustia.
Nesse percurso, para compreendermos o papel educativo das emoes, destacamos o que
nos diz Elisa Possebon (2017), acerca dessa jornada, iniciada na tradio filosfica, por meio de
Aristteles, e que passa pela perspectiva biolgica de Charles Darwin, e das investigaes
psicofisiolgicas de William James. Assim, vemos que no to simples tentarmos abarcar toda a
complexidade e magnitude que nos exige o estudo das emoes. A autora tambm destaca que a
emoo surge, por meio de algum estmulo diverso, vejamos:
Para que a emoo surja necessrio que exista um estmulo, um acontecimento, algo que provoque o seu desencadeamento. O acontecimento pode ser externo (uma situao) ou interno (um pensamento, uma recordao); pode ser atual, passado ou futuro; pode ser real ou imaginrio; consciente ou inconsciente. Assim o indivduo pode se emocionar quando for sujeito de uma ao externa a ele, como tambm, por trazer em si mesmo, atravs de suas experincias, histrias e marcas
imemoriais, evocando contedos que tem o poder de emocion-lo. (POSSEBON, 2017, P. 19-20)
Assim, pelo entendimento da citao acima, podemos dizer que as emoes suscitadas pela
arte trgica provocam e atingem o indivduo, seja por meio de seu contato direto com o texto, ou
por meio de uma encenao ou uma narrao da histria. Enfim, as emoes trgicas podem ser
desencadeadas atravs de fatores externos e/ou internos, medida que o contato com o enredo
trgico propicia uma experincia, pois esta, seja real ou imaginria, afeta o indivduo.
David Konstan (2006), em The emotions of the Ancient Greeks: studies in Aristotle and
classical literature, salienta que as emoes dos gregos antigos possuam diferenas significativas
em relao s nossas. Por isso ele defende a necessidade de sabermos identific-las, a fim de termos
um melhor entendimento da literatura grega e da universal. O autor faz um longo estudo sobre as
diversas emoes do mundo antigo, por meio de fundamentao filosfica e literria, analisando e
demonstrando como determinadas emoes exerciam diferentes representatividades. Contudo,
iremos nos deter ao momento em que ele interroga sobre as diferenas entre temor e piedade,
Konstan (2006, p. 155) questiona: How, then, does tragic fear differ from pity? (traduo nossa:
Como, ento, o medo trgico diferente da piedade?). A resposta dada pelo prprio autor, que
considera que esse medo, fruto da ao trgica, no um erro comum, mas algo advindo de uma
experincia profunda, porque no est fora do sujeito, e sim em sua prpria constituio, est no ser
prprio ser. Mas isso no significa que esse medo no pode vir de algo decorrente no outro, ao
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contrrio, Konstan (2006, p. 155), citando Aritteles, lembra (...) fear for others analogous to fear
for ourselves., quer dizer, podemos sentir medo pela experincia do meu semelhante ou pela nossa
prpria, assim, a nossa simpatia pela dor do outro pode fazer com que possamos comparti lhar as
emoes.
Diante do exposto, no podemos deixar de fazer a correlao entre as emoes presentes
no enredo trgico com a sua funo formadora, educativa. Sobre isso, auxilia-nos Werner Jaeger
(2003), ao explicar-nos que, para os antigos, educao e cultura no eram formas abstratas, distintas
e isoladas da formao histrica e espiritual de um povo, isso porque (...) para eles, tais valores
concretizavam-se na literatura, que a expresso real de toda cultura superior. (JAEGER, 2003,
p.1). por isso, inclusive, que o autor justifica no utilizar o termo educao, optando por paidia,
a fim de se aproximar da coerncia etimolgica e semntica do que seria a sua essncia, e no
apenas uma designao simblica, como explica o autor.
Para exemplificarmos o papel desse processo formativo, na pea Prometeu Cadeeiro, de
squilo, ocorridas no primeiro episdio da tragdia, na qual Oceano chega at o deus acorrentado e
oferece-lhe ajuda, dizendo que no h amigo maior que ele, pois tudo ele estaria disposto a fazer
para o seu bem. Aps longa e instigante conversa que eles tm, inclusive, intermediada pelo Coro, o
personagem Oceano, em duas situaes desse dilogo, utiliza-se da expresso ensinar. Na
primeira, presente no verso 382, ele diz: didaske me.4, ou seja, ensina-me. Com o verbo no
imperativo, Oceano solicita que o seu amigo, mesmo em situao to deplorvel, permeados de
emoes dolorosas e dignas de piedade, mesmo assim, seja o seu mestre. Alguns versos depois, a
conversa continua, e Oceano expe a sua tristeza pela situao do amigo, demonstrando tambm
bastante revolta. Prometeu o acalma e aconselha que ele possa voltar para casa, sem dio, e, ao
ouvir-lhe as palavras, no verso 391, Oceano diz: h sh, Promhqeu, sumfora\ didaskaloj.5,
quer dizer, A sua vivncia, Prometeu, ensina.6 Tais observaes nos fazem interpretar que as
emoes trgicas ensinam, por isso afirma Jaerger (2003):
Sem dvida, os verdadeiros representantes da paidia grega no so os artistas
mudos- escultores, pintores, arquitetos, - mas os poetas e os msicos, os filsofos,
4 Texto no original retirado da obra em verso bilngue de Torrano (2006, p.380). 5 Destaque nosso (Ibidem, p. 382). 6 Torrano traduz: A tua conjuntura, Prometeu, ensina. (2006, p. 383), mas ns preferimos usar o termo vivncia
para traduzir sumfora\, por considerarmos, que, no contexto do nosso trabalho, a melhor que traduz a expresso
desse dilogo.
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os retricos e os oradores, quer dizer, os homens de Estado. No pensamento grego,
o legislador encontra-se, em certo aspecto, muito mais prximo do poeta que o
artista plstico: que ambos tm uma misso educadora, e s o escultor que forma
o Homem vivo tem direito a este ttulo. (JAEGER, 2003, p.18)
Desse modo, por meio das consideraes feitas acima, compreendemos que as emoes
trgicas exerciam um carter educativo na Antiguidade, j que cultura e educao no eram fatores
isolados, e sim elementos intrnsecos e constituintes da formao de uma nao.
Concluso
Atravs do nosso trabalho, As emoes no palco da tragdia Prometeu Cadeeiro:
educao e ao trgica, consideramos que conseguimos realizar a nossa pretenso de analisar os
elementos centrais suscitados no decorrer da cena trgica: piedade e temor. Percebemos, assim, que
as emoes na Antiguidade tinham uma representao esttica, por meio de um gnero literrio- a
tragdia grega, e uma finalidade educativa, a fim de alcanar os espectadores nas suas mais nfimas
sensaes. A nossa pesquisa permitiu-nos o debruar-se diante da desses sentidos e efeitos
mltiplos, decorrentes da cena trgica presente na tragdia Prometeu Cadeeiro, de squilo,
permeada de emoes e finalidades didticas em prol de uma formao global do indivduo na
Antiguidade- a paidia. Por isso consideramos que:
A palavra, o e o som, o ritmo e a harmonia, na medida em que atuam pela palavra, pelo som ou por ambos, so as nicas foras formadoras da alma, pois o fator decisivo em toda a paidia a energia, mais importante ainda para a formao do esprito que para a aquisio das aptides corporais no agon. (JAEGER, 2003, p.18)
E, para que posamos ter alcanado a objetividade de nossa pesquisa, utilizamo-nos de
autores fundamentais que corroboraram significativamente com a fundamentao terica do nosso
trabalho, a saber: Aristteles (1998/2005), Konstan (2006), Lesky (1996), Possebon (2017), Werner
(2003), Luna (2005) entre tantos outros.
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Referncias
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_______. Retrica das Paixes. Trad. Isis Borges B. da Fonseca. 2 ed. So Paulo: Martins Fontes,
2003.
BRANDO, Junito de Souza. Teatro Grego: tragdia e comdia. 10.ed. Petrpolis: Vozes, 2007.
SQUILO. Prometeu Cadeeiro. In: Tragdias. Trad. Jaa Torrano. So Paulo: Iluminuras, 2009.
JAEGER, Werner. Paidia; a formao do homem grego. , 4 ed. Trad. Artur M. Parreira. So
Paulo: Martins Fontes, 2003.
KONSTAN, David. The emotions of the Ancient Greeks; studies in Aristotle and classical
literature. Canad: University of Toronto Press Incorporated, 2006.
LESKY, Albin. A tragdia grega. Trad. J. Guinsburg, Geraldo Gerson de Souza e Alberto Guzik.
3.ed. So Paulo: Perspectiva, 1996.
LUNA, Sandra. Arqueologia da Ao Trgica: o legado grego. Joo Pessoa: Idia, 2005.
POSSEBON, Elisa Gonalves. O universo das emoes; uma introduo. Joo Pessoa: Libellus,
2017.
ROMILLY, Jacqueline de. A Tragdia Grega. Trad. Leonor Santa. 2 ed. Lisboa: Edies 70, 2008.
YOSHIE, Filomena. A hamarta aristotlica e a tragdia grega. In: Anais de Filosofia, vol. 2, n
3, 2008. Acessado em www.ifcs.ufrj.br/~afc/2008/FILOMENA.pdf
http://www.ifcs.ufrj.br/~afc/2008/FILOMENA.pdf