As Estratégias dos Agricultores Familiares e o ... · da variável para a região e grau de...

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As Estratégias dos Agricultores Familiares e o Desenvolvimento Sustentável Na Região Central do RS. Pedro Selvino Neumann, Dr. 1 Resumo O presente artigo identifica as diferentes estratégias (re)produtivas dos agricultores familiares localizados no Rebordo da Serra Geral do Conselho Regional de Desenvolvimento do Centro do Estado do Rio Grande do Sul, analisando o seu impacto sobre o desenvolvimento sustentável da referida região. A pesquisa foi realizada nos 34 municípios do COREDE-Centro 2 . A base metodológica utilizada foi a Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários, complementada com as técnicas de pesquisa da Análise Multivariada e de técnicas de levantamento de dados (censos municipais). Palavras-Chaves: Agricultura Familiar; Desenvolvimento Regional; Desenvolvimento Sustentável 1. A Identificação de Espaços Agrários Homogênios A evolução histórica da ocupação social revela a formação de dois grandes sistemas agrários na ocupação econômica da região central do RS: (a) o sistema de campo natural, tanto na Depressão Central quanto nos Campos do Planalto, onde se desenvolveu a pecuária extensiva em grandes propriedades; e (b) o sistema agrário da Mata na Região do Rebordo da Serra Geral, onde se estabeleceu a agricultura colonial, baseada na pequena propriedade familiar. A pergunta que orienta a estruturação deste artigo refere-se às atuais diferenças de ocupação e utilização do solo, às condições agroecológicas, às características culturais da área em estudo, e às características e estratégias produtivas dos diferentes atores sociais presentes. A existência, em um mesmo espaço agrário, de um mosaico de diferentes atores sociais e de agricultores com tecnologias, recursos e produções diversas, é fruto do histórico de ocupação, mas também do atual processo de transformação pelo qual passa o meio rural e a agricultura da região. Identificar e compreender esta diferenciação é uma condição importante para se propor alternativas de desenvolvimento. A identificação de espaços agrários homogêneos (zonificação) ocorreu em duas etapas. A primeira etapa abrangeu a delimitação de zonas fisiográficas, e a segunda o estabelecimento de grupos homogêneos de municípios, de acordo com as condições agrícolas e socioeconômicas. A segunda etapa objetivou testar a coerência na classificação de cada município de acordo com o zoneamento estabelecido na primeira etapa e, também, verificar a existência de outras regiões homogêneas, conforme as características agrícolas e socioeconômicas. Na identificação de grupos homogêneos de municípios foram utilizadas técnicas de Análise Multivariada (Análises Fatoriais seguidas das Análises de Agrupamento), utilizando-se, para tal, o programa de estatística "STATISTICA". 1.1. Determinação das Zonas Fisiográficas Homogêneas Para delimitação de zonas fisiográficas utilizou-se a técnica de sobreposição de mapas temáticos. Após, procedeu-se à distribuição dos municípios em cada zona fisiográfica identificada, de acordo com a localização da maior parte de seu território. A sobreposição dos mapas temáticos 1 Professor Adjunto do departamento de Extensão Rural da UFSM. E-Mail: [email protected] 2 Localiza-se na região central do Estado, abrangendo uma área de 32.752,53 Km², o que representa 11,61% da área total do Estado do RS

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As Estratégias dos Agricultores Familiares e o Desenvolvimento Sustentável Na Região Central do RS.

Pedro Selvino Neumann, Dr.1

Resumo

O presente artigo identifica as diferentes estratégias (re)produtivas dos agricultores familiares localizados no Rebordo da Serra Geral do Conselho Regional de Desenvolvimento do Centro do Estado do Rio Grande do Sul, analisando o seu impacto sobre o desenvolvimento sustentável da referida região. A pesquisa foi realizada nos 34 municípios do COREDE-Centro2. A base metodológica utilizada foi a Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários, complementada com as técnicas de pesquisa da Análise Multivariada e de técnicas de levantamento de dados (censos municipais).

Palavras-Chaves: Agricultura Familiar; Desenvolvimento Regional; Desenvolvimento Sustentável

1. A Identificação de Espaços Agrários Homogênios

A evolução histórica da ocupação social revela a formação de dois grandes sistemas agrários na ocupação econômica da região central do RS: (a) o sistema de campo natural, tanto na Depressão Central quanto nos Campos do Planalto, onde se desenvolveu a pecuária extensiva em grandes propriedades; e (b) o sistema agrário da Mata na Região do Rebordo da Serra Geral, onde se estabeleceu a agricultura colonial, baseada na pequena propriedade familiar. A pergunta que orienta a estruturação deste artigo refere-se às atuais diferenças de ocupação e utilização do solo, às condições agroecológicas, às características culturais da área em estudo, e às características e estratégias produtivas dos diferentes atores sociais presentes. A existência, em um mesmo espaço agrário, de um mosaico de diferentes atores sociais e de agricultores com tecnologias, recursos e produções diversas, é fruto do histórico de ocupação, mas também do atual processo de transformação pelo qual passa o meio rural e a agricultura da região. Identificar e compreender esta diferenciação é uma condição importante para se propor alternativas de desenvolvimento.

A identificação de espaços agrários homogêneos (zonificação) ocorreu em duas etapas. A primeira etapa abrangeu a delimitação de zonas fisiográficas, e a segunda o estabelecimento de grupos homogêneos de municípios, de acordo com as condições agrícolas e socioeconômicas. A segunda etapa objetivou testar a coerência na classificação de cada município de acordo com o zoneamento estabelecido na primeira etapa e, também, verificar a existência de outras regiões homogêneas, conforme as características agrícolas e socioeconômicas. Na identificação de grupos homogêneos de municípios foram utilizadas técnicas de Análise Multivariada (Análises Fatoriais seguidas das Análises de Agrupamento), utilizando-se, para tal, o programa de estatística "STATISTICA".

1.1. Determinação das Zonas Fisiográficas Homogêneas

Para delimitação de zonas fisiográficas utilizou-se a técnica de sobreposição de mapas temáticos. Após, procedeu-se à distribuição dos municípios em cada zona fisiográfica identificada, de acordo com a localização da maior parte de seu território. A sobreposição dos mapas temáticos

1 Professor Adjunto do departamento de Extensão Rural da UFSM. E-Mail: [email protected] 2 Localiza-se na região central do Estado, abrangendo uma área de 32.752,53 Km², o que representa 11,61% da área total do Estado do RS

existentes (solos, relevo, vegetação) permite a identificação de, no mínimo, três zonas, sendo que, a cada uma corresponde uma paisagem agrícola característica (Figura 01).

A zona do Planalto será chamada de Zona I. Nela há predomínio de médias e grandes propriedades, as quais desenvolvem uma agricultura modernizada, com destaque para a cultura da soja e do milho mesclada com a atividade de pecuária de corte.

A zona da Serra, logo abaixo da Zona I, será denominada Zona II. É ocupada pela imigração italiana e alemã, caracterizando-se pela agricultura familiar de pequeno porte. A agricultura é bastante diversificada, predominando os sistemas de produção com base no fumo, na batata inglesa, no feijão e no milho.

A zona plana, localizada na Depressão Central do Estado, será chamada de Zona III, é a tradicional região de campos. Nesta zona coexistem uma agricultura modernizada, com destaque para a cultura do arroz, e um número expressivo de latifúndios com pecuária extensiva.

ZONA I: PLANALTO

ZONA II: REBORDO DA SERRA

ZONA III: DEPRESSÃO CENTRAL

FIGURA1: Zonas Fisiográficas Homogêneas do COREDE-Central, RS.

1.2. Determinação de Microrregiões Homogêneas

A determinação de microrregiões homogêneas implicou a seguinte seqüência de procedimentos3:

- Levantamento de variáveis básicas para caracterização sócio-econômica dos municípios4; - Seleção de variáveis discriminantes para diferenciação das microrregiões com base na importância

da variável para a região e grau de diferenciação de cada variável com base em Análises Fatoriais em blocos de variáveis5;

- análise fatorial da matriz de dados com o objetivo de extrair escores fatoriais para posterior análise de agrupamento;

- análise de agrupamentos (análise de clusters).6 Por meio da análise de agrupamentos os municípios foram agrupados conforme o grau de similaridade nos diferentes fatores. Nas análises de agrupamento foram realizadas várias simulações com a finalidade de testar a coerência dos agrupamentos formados; e

- classificação dos municípios novos7. A análise de agrupamentos revelou que, numa aproximação genérica, há coincidência entre o

zoneamento fisiográfico e o sócio-econômico mas, neste caso observa-se baixo grau de diferenciação entre grupos e alto grau de diferenciação interna nos grupos formados. Nestas circunstâncias, para obter uma caracterização adequada requer-se diferenciações com menor nível de agregação. As diversas simulações evidenciam que obtém-se uma boa aproximação da diversidade com a distinção de 6 grupos (cada grupo correspondendo a uma microrregião), como a que se obtém quando se consideram os quatro fatores selecionados8.

Adotando-se este agrupamento, observa-se que a utilização de indicadores socioeconômicos aponta para a necessidade de diferenciar microrregiões dentro da Zona II, conforme evidenciado na figura 2.

3 A seqüência metodológica é apresentada, aqui, de modo abreviado. Um detalhamento dos procedimentos adotados e dos resultados alcançados em cada fase do processo pode ser obtido com consulta à Neumann (2003). 4 Nesta etapa foram construídas mais de 120 variáveis abrangendo estrutura fundiária, principais produtos agrícolas, produção animal, condição do produtor, grupo de atividades econômicas, percentual de pessoal ocupado por categoria de trabalhador, variáveis do inventário florestal contínuo, produto interno bruto, crescimento da população, densidade demográfica e variáveis de eficiência. 5 As variáveis selecionadas abrangem características fundiárias (6 variáveis), produtos agrícolas (7 variáveis), produção animal (3 variáveis), inventário florestal (4 variáveis), atividades econômicas (5 variáveis), condição do produtor (1 variável) e ocupação (1 variável). Além destas variáveis foram selecionadas variáveis complementares para a caracterização dos municípios. São 16 variáveis, muitas das quais indicadores econômicos como o PIB agropecuário, PIB industrial e PIB serviços. 6 A Análise de Agrupamentos é uma técnica empregada na classificação de observações (ou variáveis) em grupos homogêneos, quando há mais de uma dimensão a ser considerada simultaneamente. 7No caso dos municípios novos foi utilizado só uma parte da matriz de dados, uma vez que ainda não se dispõe de muitas informações sobre os mesmos. 8 Cada fator é uma síntese/combinação diferente do conjunto de variáveis utilizadas, assim no fator 1 o maior poder de discriminação são das variáveis relacionas a estrutura fundiária de pequenas propriedades e as atividades a elas associadas, no fator 2 são as variáveis relacionadas as grandes propriedades e atividades a elas associadas, no fator 3 o maior poder de discriminação são das variáveis relacionadas ao cultivo do arroz e do milho e no fator 4 são as variáveis relacionadas ao cultivo da batata-inglesa

2. Breve Caracterização das Microregiões Identificadas

Os Grupos B, C, D e E são formados pelos municípios da Zona II (Região do Rebordo da Serra Geral), com exceção do município de São Pedro (do Grupo B) que é originário da Zona III. Este resultado indica que também este município, por suas características agrícolas e sócio econômicas, deveria ser incluído na Zona II. Os referidos grupos têm como características principais uma estrutura fundiária de pequenas e médias propriedades e uma agricultura diversificada

O Grupo B é formado por municípios originários da Quarta Colônia Italiana, distinguindo-se entre os da Zona II por apresentarem uma estrutura fundiária com a presença de propriedades maiores e por apresentarem uma matriz produtiva muito diversificada (policultura) com a presença de todas as atividades, com destaque para a cultura do milho (a maior expressão na Região), o feijão, o leite, o fumo, a soja e, também, estabelecimentos com lavoura permanente (pecuária de corte). Tal grupo

PlanaltoCampanha

AlemãesArroz Silveira Martins

FIGURA 02: Microrregiões Homogêneas do COREDE-Centro, RS

caracteriza-se, também, por apresentar os menores valores em termos de PIB/per capita, PIB agropecuário/população rural, PIB agropecuário/Km2 e densidade demográfica entre os grupos da Zona II.Dois subgrupos distintos podem ser observados no interior deste grupo. Um subgrupo formado pelos municípios de Nova Palma, Pinhal Grande, Ivorá e Toropi que se aproximam mais das características dos municípios da Zona I (Grupo A) e que apresentam uma matriz produtiva mais diversificada, e um subgrupo formado pelo restante dos municípios (São Pedro, Mata, Jaguari e Nova Esperança) que guardam mais semelhanças com a Zona III , região da Campanha (Grupo F).

O grupo C é representado, exclusivamente, pelo município de Silveira Martins, município sede da Quarta Colônia, que apresenta uma estrutura fundiária muito próxima aos municípios do Grupo B, diferenciando-se, contudo, por sua matriz produtiva, especializada na atividade da batata inglesa e na atividade leiteira, e pela pouca superfície de mata nativa. Outros municípios destacam-se também na produção da batata inglesa (Ivorá, São Martinho da Serra e Júlio de Castilhos), entretanto, nenhum apresenta as características de Silveira Martins. O referido município possui o maior PIB/per capita, formado, praticamente, pelo PIB agrícola. Também possui o maior PIB Agrícola e VAA/Km entre todos os municípios do COREDE – Centro/RS. Estes expressivos valores talvez encontrem explicação no fato da maioria dos agricultores possuírem áreas de cultivo de batatinha em outros municípios da Região. O município destaca-se ainda pelo alto crescimento da população rural.

O Grupo D é formado pelos municípios especializados no cultivo do arroz. Embora a atividade de arroz seja a atividade mais importante do COREDE - Central, este pequeno grupo de municípios apresenta a peculiaridade de depender, quase que exclusivamente, dessa atividade. É composto por municípios da Quarta Colônia Italiana, localizados entre a Colônia Alemã de Santo Ângelo e a Colônia Italiana. São municípios que apresentam claramente duas zonas distintas de paisagem agrícola: a área serrana (de morro), onde se desenvolve predominantemente a cultura do fumo de galpão, e a área de várzeas, com o cultivo do arroz. É a Microrregião que concentra o maior número de estabelecimentos de 20 a 50 hectares (49,9% dos estabelecimentos), e possui ótimos indicadores de eficiência produtiva (PIB/Per Capita, PIB Agropecuário e VAA/Km). Apresenta, igualmente, uma alta percentagem da superfície ocupada por florestas nativas (média de 41 % do território).

O grupo E é formada pelos municípios que integravam a antiga Colônia Alemã de Santo Ângelo. Os municípios que formam este grupo apresentam a mesma paisagem agrícola do grupo anterior (Grupo D), diferenciando-se, entretanto, pelo fato de sofrerem maior influência da Zona Serrana. É o grupo que apresenta a maior percentagem de superfície ocupada com florestas nativas (média de 49,5%) e com a maior presença de propriedades menores de 20 hectares (40% dos estabelecimentos). A matriz produtiva é caracterizada pela forte presença da cultura do fumo de estufa, tendo a cultura do arroz como a segunda atividade mais importante. O grupo caracteriza-se por ser constituído por municípios eminentemente rurais (78,4% da população, o maior contingente de população rural do COREDE-Central), pelo uso intensivo dos solos, apresentando o mais elevado VAA/Km se for considerada a Superfície Agrícola Útil (um valor sete vezes maior que o obtido pelos municípios do Planalto e cinco vezes maior que o dos municípios da Campanha), pela alta densidade demográfica (19 habitantes/Km) e o maior crescimento populacional da Região. Assim como os municípios do Grupo D, este grupo possui os melhores indicadores de eficiência produtiva. Contraditória e diferentemente dos municípios do Grupo D, apresenta os piores índices de IDH e ISMA, provavelmente pelo pouco desenvolvimento de seus centros urbanos.

TABELA 01: Média das Variáveis de cada Grupo de Municípios

VARIÁVEIS Planalto A

Policultura B

Silveira C

Arroz D

Alemães E

Campanha F

Unidades de até 5 ha 0,3 0,8 1,9 1,4 4,6 0,4 U. de 5 a 10 ha 0,9 2,8 4,9 4,8 9,5 0,9 U. 10-20 ha 2,5 10,1 14,7 13,8 21,6 2,7 U. 20-50 ha 8,4 31,9 44,3 49,9 41,0 8,2 U. 50-100 ha 8,8 22,7 28,4 25,2 14,7 9,3 U. 200-500 ha 23,7 9,8 0,0 0,0 2,2 21,7 U. 500-1000 ha 21,3 5,8 0,0 0,0 1,7 19,6 U. mais de 1000 23,0 1,0 0,0 0,0 0,0 24.5 VAA do Arroz 2.6 8.8 0 46.0 21.9 42.9 VAA da Batata Inglesa 4.1 1.6 64.5 0.7 0.9 0.6 VAA do Fumo 1.0 13.2 0.8 7.2 35.0 1.0 VAA do Milho 4.8 6.7 2.6 3.8 5.1 2.7 VAA da Soja 27.2 9.6 3.6 1.5 1.4 4.6 VAA do Trigo 3.4 1.0 0.0 1.0 0.0 0.4 VAA do Feijão 1.2 5.1 1.9 1.6 1.0 0.3 Bovinos/Km 66.3 56.0 44.7 46.8 34.6 73.3 Suínos/Km 4.0 17.5 32.2 29.8 29.4 4.8 Área de Floresta Nativa 10.9 22.26 19.53 40.59 49.54 18.06 Área Agrícola 15.23 14.28 41.01 30.92 19.30 11.28 Área de Solo Exposto 16.17 9.88 20.34 10.03 10.63 18.59 Área de Campo 57.63 53.27 16.88 15.78 17.47 49.15 Estabelec. De Pecuária 41,2 14,3 9,9 9,3 3,6 35,9 Arrendatários 7,0 3,3 2,7 5,9 7,9 10,2 Empreg. Permanentes 9,9 2,3 0,3 2,0 1,2 17,2

TABELA 02: Médias das Variáveis Complementares de Cada Grupo

Variáveis Planalto Policultura Silveira Arroz Alemães Campanha PIB AGRO 37,4 35,9 58,8 26,6 48,0 30,2 PIB INDUSTRIA 7,9 14,4 1,9 20,3 12,6 17,1 PIB SERVIÇOS 54,7 49,7 39,3 53,1 39,3 52,6 POP. RURAl 49,7 56,6 60,6 47.7 78.4 36,1 HAB/Km 3,1 9.0 12,6 17.0 19.0 4,7 PIB/PERCAPITA 3.931 4.372 7.820 5.040 4.900 4.431 PIB.AGRO/Pop.Rural 3.188 2.579 6.366 2.818 2.876 4.478 PIB.A/Km 11.284 25.839 95.369 47.333 60.766 16.971 VAA/Km 18 37 118 74 73 26 VAA/SAL 21 51 146 135 150 31 IDH 0,73 0,69 0,70 0,72 0,68 0,71 ISMA 0.46 0.49 0.52 0.49 0.46 0.52 CRESC. TOTAL -0,1 -0,5 1,23 -2,9 1,7 -0,7 CRESC. RUR.AL -0,7 -2,1 2,4 -3,98 1,6 -2,3

CRESC. URBANO -3,0 2,3 -1,38 -0,34 2,9 0,28

3. As Estratégias Produtivas do Agricultores Familiares

A Zona do reborda da Serra Geral, objeto do presente estudo, é formada por 16 municípios que se originaram da implantação de duas colônias oficiais (provinciais, com o apoio do Império): a Colônia Alemã de Santo Ângelo9, e a Colônia de Silveira Martins10. Foi a partir da expansão dessas duas colônias, com a criação de núcleos e também de colônias particulares, que se povoou todo o Rebordo da Serra Geral da Região.

A agricultura colonial caracterizava-se, fundamentalmente, por ser uma agricultura baseada na própria força de trabalho familiar (em contraste com as grandes propriedades baseadas na mão de obra escrava), pelo desenvolvimento de uma gama variada de atividades (cultivos) nas unidades de produção, pelo processamento de grande parte dos produtos agrícolas na própria unidade de produção ou na comunidade local e pelo estabelecimento de uma vasta rede de casas comerciais no âmbito local/regional. Os produtos cultivados pelos imigrantes europeus e a tecnologia desenvolvida no processo produtivo agrícola não se diferenciavam muito em relação aos tipos de cultivos e às técnicas empregadas pelos índios e posseiros que anteriormente ocupavam as áreas agora reservadas aos colonos. A agricultura itinerante11, praticada pelos imigrantes, guarda semelhanças, também, com a agricultura desenvolvida na Europa, antes da primeira revolução agrícola. Para os colonos, essa técnica empregada na Região até há pouco tempo era importante para recuperar a “força” (fertilidade) da terra e era um processo muito importante no combate a doenças e ervas daninhas, principalmente as gramíneas que infestavam as lavouras após anos seguidos de cultivo.

Durante o período colonial, um grupo de atividades produtivas esteve no centro das relações comerciais das colônias: é caso do feijão, o milho, a criação de porcos para banha, o cultivo do tabaco, o arroz, a cana de açúcar, a batata inglesa, o trigo e a alfafa. A diversificação da produção, além de ter sido uma estratégia de auto-suficiência alimentar, parece ter sido uma estratégia de diminuir o risco frente às oscilações dos preços dos produtos agrícolas da época. Como algumas atividades eram altamente concorrentes pela mesma mão de obra, o incremento de uma ou outra dependia das condições do mercado. Embora tenha havido diferenças entre a agricultura praticada na Colônia Alemã e na Italiana, acabou ocorrendo, pela proximidade das colônias, uma influência mútua, principalmente da alemã, já instalada, sobre a nova Colônia Italiana. Assim, com algumas diferenças nas atividades comerciais, não existiam grandes diferenciações no sistema agrário na Região do Rebordo da Serra ocupado pela agricultura colonial. Esse tipo de agricultura predominou, na Região, por um período de mais de cem anos, o seu declínio está associado à modernização agrícola ocorrida no Rio Grande do Sul a partir da década de 1960/70.

Do ponto de vista das estratégias de reprodução, no primeiro período de expansão, no final do Século XIX, ocorreu um avanço sobre as áreas particulares que não haviam sido loteadas, mas já no início do Século XX esta possibilidade, praticamente, se esgotou. A partir daí, ocorreu um verdadeiro

9 Criada a partir de1857, na região dos atuais municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de D. Francisca e Cachoeira 10 Criada a partir de 1878 e atualmente conhecida como Quarta Colônia Italiana, nos municípios de Santa Maria e Silveira Martins 11 O processo consistia a cada ano, de se “abrir” uma roça de aproximadamente 0,5 a 1 hectare, sendo cultivado fumo nos dois primeiros anos e por mais dois anos feijão e milho, deixando-se depois a terra em descanso por um período de 7 a 15 anos antes de plantá-la novamente

“enxameamento”12 dos colonos. São grandes as levas de descendentes de imigrantes alemães e italianos que partem em busca de terras mais distantes. Já nas décadas de 1970/80 foi forte a migração para as cidades que ofertavam empregos urbanos (principalmente as fábricas de sapatos), como Farroupilha, Canoas e Porto Alegre. Neste período, ocorreu também uma significativa migração pela busca de áreas de arroz nos municípios da Campanha.

A partir da década 80, fecham-se cada vez mais as oportunidades de empregos, e começa a se acentuar as diferentes estratégias (re)produtivas utilizados pelos agricultores familiares da região, resultando daí em uma acentuada diferenciação entre os municípios da referida região. Essa diferenciação pôde ser comprovado através da técnica da análise de agrupamentos (análise multivariada)13, pois enquanto os municípios da zona do Planalto (Zona I) e da Campanha (Zona II) formam dois grupos coerentes de municípios, os municípios do Rebordo da Serra (Zona III), aglutinam-se em 4 distintos grupos: a Microrregião da Policultura (Grupo A), formada por municípios originários da Colonização Italiana e apresenta, como particularidade, uma estrutura fundiária com o predomínio de unidades de produção de porte médio e uma matriz produtiva bastante diversificada; a Microrregião da Batatinha (Grupo B), formada por um único município (antiga sede da Colônia Italiana), é muito semelhante à microrregião dos municípios da Policultura, mas distingue-se por apresentar uma matriz produtiva altamente especializada na batatinha; a Microrregião do Arroz (Grupo C), localizada na zona de transição entre a Colônia Italiana e a Alemã, apresenta como particularidade uma estrutura fundiária com o amplo predomínio de pequenas unidades de produção e a ocorrência de uma matriz produtiva especializada no cultivo do arroz, havendo, em menor escala, o cultivo do fumo; e a Microrregião de Colonização Alemã (Grupo D), que tem uma estrutura fundiária semelhante à Microrregião do Arroz, e também apresenta uma matriz produtiva com duas culturas principais - o fumo e o arroz – predominando, entretanto, a cultura do fumo.

4. Considerações Finais

Na Microrregião da Policultura (antiga região da Colônia Italiana) ocorreu uma reconcentração fundiária, com o aumento da área média por unidade de produção, o que permitiu, associado ao sistema de plantio direto (com o uso intensivo de herbicídas), continuar utilizando a estratégia da diversificação da produção. Outra estratégia amplamente utilizada pela microrregião para aumentar a superfície de área útil (e para contornar a legislação ambiental) é transformação das áreas de capoeira e de mata secundária em áreas de campo. Pode ser observado também, o aumento de unidades de produção só com idosos (aposentados), e, em algumas comunidades, uma forte masculinização da população rural. Na região da Colônia Alemã ocorreu uma especialização produtiva (fumo de estufa nas regiões serras e o arroz nas áreas de várzeas). Esta estratégia, associada ao uso de herbícidas na cultura do fumo (somadas às restrições legais ao desmatamento), foi responsável por um considerável incremento na área de mato da microrregião14, pelo aumento da população rural e pela diminuição do tamanho média das unidades produtivas. Na Microrregião do Arroz, a especialização no cultivo (intensivo) do arroz provocou uma enorme valorização das terras e também um intenso fracionamento dos lotes. Fato, que por sua vez, acaba conformando unidades de produção com áreas muito fragmentadas (3 a 6 lotes dispersos) e com formatos anacrônicos dos lotes15. Aspectos que aumentam consideravelmente os 12 É o termo usado por Jean Rouche para designar o deslocamento de pessoas de um meio rural para outro, motivados pelo excesso de população e/ou esgotamento da terra. 13 que teve como base uma matriz de dados formadas por mais de 120 variáveis sócio-econômicas da região (fontes do IBGE, FEE, Inventário Florestal) 14 mais de 50 % da superfície total da região é coberta por mato nativo. 15 Muito estreitos e compridos ou seja, com 30 a 90 metros de larguras por 800 a 1600 metros de comprimento.

custos de produção, e, a estratégia dos agricultores, perante a ameaça de exclusão, é o aumento da produtividade física através da intensificação do sistema e da ampliação da superfície de área cultivada, majorando assim, ainda mais, o nível de fragmentação das lavouras, o que se torna um caminho para a insustentabilidade do sistema.

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