As estruturas elementares do parentesco · – Estrutura e função na sociedade primitiva A.R....

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COLEÇÃOANTROPOLOGIA

–AsestruturaselementaresdoparentescoClaudeLévi-Strauss

–OsritosdepassagemArnoldvanGennep

–AmentedoserhumanoprimitivoFranzBoas

–Atrásdosfatos–Doispaíses,quatrodécadas,umantropólogoCliffordGeertz

–Omito,oritualeooralJackGoody

–AdomesticaçãodamenteselvagemJackGoody

–Osaberlocal–NovosensaiosemantropologiainterpretativaCliffordGeertz

–EstruturaefunçãonasociedadeprimitivaA.R.Radcliffe-Brown

–Oprocessoritual–EstruturaeantiestruturaVictorW.Turner

–SexoerepressãonasociedadeselvagemBronislawMalinowski

–PadrõesdeculturaRuthBenedict

–Otempoeooutro–ComoaantropologiaestabeleceseuobjetoJohannesFabian

–Aantropologiadotempo–ConstruçõesculturaisdemapaseimagenstemporaisAlfredGell

–Antropologia–PráticateóricanaculturaenasociedadeMichaelHerzfeld

–ArteprimitivaFranzBoas

–Explorandoacidade–EmbuscadeumaantropologiaurbanaUlfHannerz

–CrimeecostumenasociedadeselvagemBronislawMalinowski

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–AvidaentreosantroseoutrosensaiosCliffordGeertz

–Estarvivo–Ensaiossobremovimentos,conhecimentoedescriçãoTimIngold

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CDD-307.76

DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)(CâmaraBrasileiradoLivro,SP,Brasil)

Hannerz,UlfExplorandoacidade:embuscadeumaantropologiaurbana/UlfHannerz;traduçãodeVeraJoscelyne.–Petrópolis,RJ:Vozes,2015.–(ColeçãoAntropologia)

Títulooriginal:ExploringtheCity:inquiriestowardanurbananthropologyBibliografiaISBN978-85-326-5021-4–Ediçãodigital

1.Antropologiaurbana2.CidadesI.Título.II.Série.

14-11954

Índicesparacatálogosistemático:1.Antropologiaurbana:Sociologia307.76

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©1980ColumbiaUniversityPress

Títulodooriginalinglês:ExploringtheCity–InquiriesTowardanUrbanAnthropology

Direitosdepublicaçãoemlínguaportuguesa–Brasil:2015,EditoraVozesLtda.

RuaFreiLuís,10025689-900Petrópolis,RJ

www.vozes.com.brBrasil

Todososdireitosreservados.Nenhumapartedestaobrapoderáserreproduzidaoutransmitidaporqualquerformae/ouquaisquermeios(eletrônicooumecânico,incluindofotocópiaegravação)ou

arquivadaemqualquersistemaoubancodedadossempermissãoescritadaeditora.

DiretoreditorialFreiAntônioMoser

EditoresAlinedosSantosCarneiro

JoséMariadaSilvaLídioPeretti

MarilacLoraineOleniki

SecretárioexecutivoJoãoBatistaKreuch

Editoração:MariadaConceiçãoB.deSousaDiagramação:AlexM.daSilvaCapa:FelipeSouza|Aspectos

Ilustraçãodecapa:Ilustraçãofeitaapartirdaimagemde©Davidtb|Dreamstime.com

ISBN978-85-326-5021-4(ediçãobrasileiradigital)ISBN978-0-231-08376-8(ediçãonorte-americanaimpressa)

Editadoconformeonovoacordoortográfico.

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Sumário

Agradecimentos

1Aformaçãodeumantropólogourbano

2EtnógrafosdeChicago

3Abuscapelacidade

4AvistadoCopperbelt

5Pensandocomredes

6Acidadecomoumteatro–ContosdeGoffman

Conclusão–Aconstruçãodecidadesedasvidasurbanas

Apêndice–ConceitosanalíticosemExplorandoacidade

Referências

Textosdecapa

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Agradecimentos

Osagradecimentosquecomeçamumlivro,masquegeralmentesãoaúltimacoisaaserescrita,sãoaevidênciadepartedeuma redede contatospessoais ede fasesda carreiradeumavida.Elespodemdocumentarapassagempormuitosambientes,umasériedeexperiênciassignificativaseumavariedadedeconversasemandamentoouinterrompidas.

Nofinaldocapítulointrodutório,descrevialgunsdosfatorespessoaisquefizeramdeExplorandoacidadeotipodelivroqueé,emencionotrêsexperiênciasdecampo,emWashingtonD.C.,emKafanchan,na Nigéria, e nas Ilhas Cayman. Parece-me adequado, primeiramente, destacar o que aprendi nesseslocaissobreoqueéurbanoeoquenãoé,eagradecercoletivamenteaosamigos,conhecidoseaosqueestavamláemederaminformações,peloquefizeramparaqueeuentendessemelhoraquiloquevia.Aosquemaismeajudaram, emalguns casospudedestacarouo farei, futuramente, emoutraspublicações.Mas alguns, devido à ética do trabalho de campo e de publicação, continuarão anônimos. É muitoprovável, é claro, que muitos deles acharão difícil enxergar a relação entre as coisas concretas quepassamosjuntosealgumasdasnoçõesmaisabstratasdaspáginasqueseseguem.Mesmoassim,arelaçãoestálá.

Voltando-meparaomundoacadêmico,épossível,comumafrequênciaum tantomaior,discernirainfluência direta sobre o que foi colocadoneste livro de determinadosparceiros da redede contatos,embora em alguns casos devam, inevitavelmente, ser feitas referências a outras coletividades.Amaisdiversa e maior delas é a dos colegas e alunos que tiveram alguma reação a minha opinião sobreantropologiaurbana,emumasériedeseminárioseconferênciasnosEstadosUnidos,Canadá,InglaterraeEscandináviaequemepermitiramcompartilharasua.Oquetornou-seumgrupoverdadeiro,embora,aestaaltura,possamuitobemestarquaseigualmentedisperso,foramosparticipantesdeumsemináriodeantropologia urbana no Departamento de Antropologia da Universidade de Pittsburgh, onde eu eramembroconvidadodafaculdadeem1971-1972.Apesardeatéentãoaindanãoterpensadoseriamenteemescreverumlivrosobreoassunto,esseseminárioajudou-meacomeçaraorganizarminhas ideias.Leonard Plotnicov e Keith Brown, com quem dei o seminário, estavam igualmente interessados emdiscutir, dentro ou fora do seminário, aquilo que consideravam como característico da vida e daantropologia urbanas e fizerammuito para tornar esse ano inesquecível.Espero que eles reconheçam,nestelivro,umasériedequestõeslevantadaspelaprimeiravezemnossasconversasemPittsburgh–seporumdelesoupormim,confesso,nãoconsigomelembrarbem.

Outra incursão acadêmica aconteceu em um estágio posterior do desenvolvimento deste livro. Naprimaverade1976, eueraPesquisadorSêniordoProgramaSimon,noDepartamentodeAntropologiaSocialdaUniversidadedeManchester.Jáqueissomedeuaoportunidade,bastanterara,depassarmuitotempolendo,pensandoeescrevendo,semgrandesperturbaçõeseemumambienteestimulante,soumuito

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gratoaosmeusentãocolegasdeManchesterporteremmerecebido.JohnComaroff,ChrisFullereKeithHartmeajudarammuitocomnossasconversas.EmvirtudedeopapeldodepartamentodeManchestertersido tão proeminente no desenvolvimento de estudos de antropologia urbana, no entanto, as vantagensdaqueleperíodo tambémvariaramentre algoconcreto, comooacervodebibliotecasespecializadaseumasensaçãomuitomenostangível,masmesmoassimverdadeira,dequealieraumambienteadequadoparameusinteresses.

Noentanto,foi,naturalmente,nomeuprópriodepartamento,naUniversidadedeEstocolmo,quetiveagrandeoportunidadedetestarváriasideias,duranteosanosqueestelivroestavasendoescrito(nemsempredeformalinear),eonde,também,olivrotomouformadeváriasoutrasmaneiras.Ossemináriosde Antropologia Urbana, Informações Pessoais nas Relações Sociais, Análise de Carreira e AnáliseCultural,entre1970e1978, foramespecialmenteúteisaesse respeito,eseusparticipantesconstituemoutro grupo fortemente unido a que devo agradecer coletivamente. StefanMolund,KristinaBohman eThomasGerholm,também,emumououtromomento,leramváriosesboçosdecapítulosemuitasvezesmeajudaramatornarmaisclarasasminhashipóteseseaorganizarmeuargumento,comsuascríticase,também,chamandoaminhaatençãoparaumaetnografiamaisclaraeparaoutrasreferências.Umgrupodecolegas,ex-alunosoualunosdepós-graduaçãododepartamento,umavezmaisincluindoostrêsqueacabei de mencionar, também tem minha gratidão por terem sido um dos melhores guias que umantropólogo urbano poderia ter quando os visitei em campo, em cidades de três continentes. E estoutambém muito grato pela minuciosa atenção que quatro assistentes conscienciosos do departamento,KerstinLagergren,UllaForsbergFröman,GunnelNordström,eLenaHaddad,deramàspartesdigitadaseàsversõesdooriginal.

Alémda rededosgruposdePittsburgh,ManchestereEstocolmo,épreciso reconhecer, também,ointeresse que algumas outras pessoas demonstraram ter por este livro. Por meio de conversas ou decorrespondência, tive o prazer de ter as opiniões deGeraldD. Berreman quanto ao capítulo 1, A.L.EpsteineJ.ClydeMitchellnoquedizrespeitoaoscapítulos4e5,JeremyBoissevaineAlvinW.Wolfesobre o capítulo 5 e Erving Goffman com relação ao capítulo 6. Um leitor anônimo que leu todo ooriginal,emnomedaColumbiaUniversityPress,deuváriassugestõesúteis,dasquaisapenasalgumaspudeseguir.EJohnD.Moore,daColumbiaUniversityPress,foiumeditorextremamenteamável,mesmolevandoemcontaqueaconclusãodooriginalfoiconstantementeadiada.

OExplorandoacidade,queagoraestarádiantedoleitor,éumlivroumpoucodiferentedaqueleque,a princípio, eu esperava escrever quando dei início ao projeto de organizar minha concepção sobreantropologiaurbana.Isso,emparteporque,depoisdecertoperíodo,viqueestavaemumacorridacontraotempo,eiludidoporesperarescreverolivrodeescopobastanteamplooriginalmenteprevisto.E,dequalquerforma,eledificilmentecaberiaentreduascapas.Mesmocomoestá,Explorandoacidadenãoéum livro muito pequeno. É possível que eu venha a encontrar outras oportunidades para lidar comquestões e dados que agora devem ser deixados de lado.Mas, outromotivo para o livro, talvez, teraumentadoumpoucoaqui,diminuídoumpoucoali,epartidoparaalgumasdireçõesqueeunãopensaraantes,foi,evidentemente,ainfluênciaconstantedeamigosecolegas.Elenãoirá,espero,seroprodutofinaldemeusdiálogoscomeles,jáquegostariadetermuitosdelesnaminharededecontatosquandoeupassarparaoutrosaspectosdoestudoantropológicodascidades.

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Qualquerquesejaoméritoqueestelivropossater,pensoquedeveriacompartilhá-locomaquelesque ajudaram e encorajaram minha iniciativa. Ao contrário de um punhado de autores recentes,entretanto, acho que seria injusto de minha parte sugerir que aqueles que deram esse apoio tambémdevamestarpreparadosparaassumirumapartedaculpapelosváriosdefeitosdolivro.Aconvençãodequeestefardodevesercarregadoapenaspeloautoréaqueaceito.Afinal,sefosseumlivrocomoqualmeusamigosecolegas,sinceramente,quisessemestarassociados,nãooteriamescritoelesmesmos?

Em vários aspectos, a escrita tende, em geral, a ser uma tarefa solitária. Na maioria das vezes,encontreiasolidãonecessária,duranteosperíodosquepasseilongedaconfusãodavidaurbana,emumacasadeveraneioisoladacomumjardimcheiodematoevelhasárvoresfrutíferasquerecebiaavisitadegatosetinhaumouriçoresidente,nosuldaSuécia.Esse,paradoxalmente,éolocalondeestelivrosobreantropologiaurbanafoiiniciadoeéondepretendoterminá-loagora.Mesmoparaumurbanitaassumido,devoconfessar,ocampopodetersuasvantagens.

Utvälinge,abrilde1980.UlfHannerz

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1Aformaçãodeumantropólogourbano

Apenashápoucomaisdeumadécada,quasenãohaviaumaantropologiaurbana.Apreocupaçãocomourbanismocomopartedacivilizaçãoeointeressepeladefiniçãodesuaspropriedadesinterculturais,jálevaram uma série de pesquisadores a Timbuktu e a outros locais distantes.Mas, ainda no início dadécadade1960,umestudantedeurbanismocomparativopôdeobservarqueosantropólogoseram“umgrupo notoriamente agoráfobo, antiurbano por definição” (BENET, 1963a: 212). Só nessa década atendência dos antropólogos de ir para as cidades (ou, simplesmente, de permanecer nelas) tornou-serealmente considerável. Houve vários motivos para isso. Nas sociedades “exóticas” às quais osantropólogoshabitualmentededicaramamaiorpartede suaatenção–equeagoraestãoaprendendoadescrevercomo“TerceiroMundo”–aspessoas,cadavezmais,deixavamasaldeiaseiamparanovoscentros urbanos em constante crescimento e é claro que os pesquisadores de suas vidas dificilmentepoderiamdesconsideraresse fato.NosEstadosUnidos,muitosantropólogosestavammaisdiretamenteenvolvidos com os desenvolvimentos locais. Na década de 1950, a imagem que os Estados Unidostinhamdesimesmoseraadeumasociedadedemassahomogeneizadaeafluente;intelectuaisqueixavam-se de um excesso de conformismo medíocre. Na década de 1960, a etnicidade e a pobreza foramredescobertas e, na maioria das vezes, foram definidas como “problemas urbanos”. Na Europa, aomesmotempo,amigraçãodemãodeobrainternacionale,emmenormedida,oafluxoderefugiadosdeconvulsões políticas, estavam mudando o caráter de muitas cidades. Havia uma busca por novosconhecimentoseosantropólogossentiramquepoderiamdesempenharumpapel.Tinhamseespecializadoem“outrasculturas”,masastinhamprocuradoemlugaresdistantes.Agora,elesasencontravamdooutroladodarua[1].

Entre a presença de antropólogos nas cidades até o surgimento de uma antropologia urbana, noentanto,houveaindaoutropasso.Aidentificaçãocoletivacomanovaespecializaçãoacadêmica,eousohabitual do rótulo de antropologia urbana, foimais uma coisa da década de 1970 do que da décadaprecedente.OprimeirolivrocomotítuloAntropologiaUrbanasurgiuem1968.Desde1973,autoreseeditores(umpoucosemimaginação)ousaramemmaiscincolivros[2].ArevistaAntropologiaUrbanacomeçouaserpublicadaem1972.Obviamente,naquelemomento,osantropólogosurbanosjáestavamformandoumacomunidade.Candidatavam-seavagasdeespecialistasemseusprópriosdepartamentosde antropologia, encontravam-se em suas próprias conferências e as cartas que trocavam não erampequenas,istoquandonãoescreviamcompêndiosparaensinaraosalunossobreascidades.

Areaçãoaessesdesenvolvimentostemsidoumtantoconfusa.Aantropologiaurbana,comoéagora,pode reivindicar certas realizações. Ela também enfrenta vários problemas não resolvidos e não háconsensosobresuasperspectivas.Umprofissionalsugerequea“antropologiaurbanapodevirasero

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novo núcleo criativo da antropologia social comparativa moderna” (GUTKIND, 1968: 77); outroconsideraadelimitaçãodetalárea“falsaeretrógrada,namedidaemquetendeacriarumajustificativaparamanterumtemadentrodeumadisciplinaquenãopodeenãodevelidarcomele”(LEEDS,1972:4).Para alguns, os recursos teóricos emetodológicosda tradição antropológicaparecem insuficientespara a pesquisa urbana; para outros, o problema é justamente que os novos urbanologistas não estãoprestandoatençãosuficienteàs ideiasdesenvolvidasporantropólogosemoutroscontextossociais.Osque têmalgumaconsciênciadoque sepassanadisciplina-irmãda sociologiapodem ternotadoqueabaseparaumaespecializaçãourbana,teóricaouprática,talvezestivesselá.Outrospodemterpercorridoseu caminho independente e, talvez, mais lentamente, em direção à incerteza similar. O que é umapreocupaçãoderelevância,paraalguns,podesermerooportunismoparaoutros–“umalutaindignaparaencontrarselvagenssubstitutosnasfavelas”,naspalavrasdeRobinFox(1973:20).

Assim,podeparecerqueaantropologiaurbananãotemnenhumpassadonemqualquermotivoparasepreocupar com seu futuro.Mesmo assim, este livro é emgrande parte retrospectivo, uma tentativa detrilhar alguns dos passos dados na direção do presente. Quemotivos poderia haver para realizar umempreendimentocomoeste?

Emgrandeparte,eudiria,elespodemserencontradosnamaneirapelaqualosantropólogosentraramnacidade.Nãoforamtantosuasprópriasreflexõessobreanaturezaeoestadodesuadisciplinaqueoslevaramlá,massimeventosexternosqueinsistentementeexigiamatenção.Emumacorridadesenfreadapara um campo definido por conflitos raciais, instituições que funcionavam mal e o crescimento defavelas, eles, muitas vezes, refletiam pouco sobre o que é urbano na antropologia urbana e o que éantropológico a respeito dela. Havia apenas a transferência mais simples e menos autoconscientepossível da antropologia básica para o novo contexto. As especialidades da antropologia que eramconsideradas óbvias eram uma sensibilidade para a diversidade cultural e a proximidade dosacontecimentosdavidacotidiana,queeramacompanhadaspelaobservaçãoparticipantecomométododepesquisadominante;eainclinaçãoparadefinirosproblemasemseustermosgerais,“holisticamente”,enão em suasminúcias.Tais características, demétodo e perspectiva, tenderam a levar o antropólogo,especialmentenosEstadosUnidos,paraoenclaveétnico,ogueto,que tinhacaracterísticasculturaiseorganizacionaiscomasquaiselepoderia–àsuaprópriaestranhamaneira–sentir-seàvontade.Mas,emgeral,oqueeramaisimportanteparaatraí-loparalá,éclaro,équeessetipodecomunidadeétambémfrequentemente confrontada com problemas sociais. Particularmente a antropologia urbana americana,tornou-seentão,nafrasedeTylor,“aciênciadoreformador”.Elasevoltouparaasquestõesdesaúdeebem-estarsocial,leiejustiça,escolaetrabalho,oambientefísicoesuasmudanças.

Isso, certamente, não é motivo para arrependimento. A preocupação com boas obras, certamentecontinuará a ser parte da antropologiaurbana e a tendência é acharmosque ela pode ser bastanteútilnessasáreas.Seriatambémimperdoávelqueumantropólogocomraízesemumasociedademuitomaishomogênea sugerisse que os antropólogos urbanos americanos devessem parar de prestar atenção aosbairrosétnicosdesuascidades.Obviamente,aetnicidadecontinuasendoumaforçavivanasociedadeamericana. O resultado disso, no entanto, é especialmente uma antropologia de senso comum, cujaqualidadetendeasermensuradamaisporsuarelevânciapráticaeresultados,doqueporseupurovalorintelectual. Embora contribuições teóricas possam resultar de tal trabalho, elas são passíveis de ser

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subprodutosinesperados.

Éumoutrofatodasmesmasrealidadesdepesquisaqueocampodaantropologiaurbanafoidefinidodeumamaneiramuito ampla.Namaioria das vezes ela é levada a incluir todos os estudos emque acidadeéolocusenãoofocus[3].Etnicidadeepobreza,porexemplo,podemocorrernacidade,maselasnão são,pordefinição, fenômenos tipicamenteurbanos.Ousoeufemísticode “problemasurbanos”naretórica política não é um guia confiável aqui. As investigações da vida familiar urbana, ou dasatividades de gangues de jovens, ou das culturas ocupacionais, tampouco precisam estar muitorelacionadascomquaisquercaracterísticasintrinsecamenteurbanas.Essainclusãogenerosadetodosostiposde interesses, ideiasedescobertas, juntamentecomumarelativadespreocupaçãocomaquiloquepoderiaserseudenominadorcomum,tambémcontribuiparaaimagemdeumaantropologiaurbanaqueparecenãoterumaestruturacoerenteeunificadoradeideias.

Nestelivro,tentaremosselecionaralgunsdoselementosdessaestrutura.Éprovavelmenteinevitávelque isso também nos leve a ter como objetivo primordial uma antropologia urbanamais estritamenteconcebida,ondeofocusestejanourbanismoemsi–sejaláoqueforqueestaafirmaçãopossasignificar.Emgrandemedida,iremosdesconsideraroquepareçasermeramentepráticarotineiradaantropologiadentro dos limites da cidade. Mas isso não significa necessariamente que tenhamos de começarnovamentedozero.Podemosobterumavisãogeralmelhordoterritórioaserexploradoseusarmosasoportunidadesquesurgememnossocaminhoparaobservá-lasdoombrodegigantes–ouàsvezesatémesmode gente pequena como nós.Emoutras palavras, tentaremos reunir alguns componentes de umpassadoutilizávelparaaantropologiaurbanaquetemosemmente.Aantropologiaurbanaprecisadesuaprópria história das ideias, uma consciência coletiva do crescimento das compreensões que digamrespeitoaosfundamentosdacidadeedavidadacidade.Algumasdessascompreensõesjápodemterumaidade respeitável. Outras são produto de um passado muito recente, até mesmo fundindo-se com opresente. Elas apareceram em contextos variados e pode muitas vezes ser útil (ou pelo menosintelectualmenteagradável)vê-las,ali,pelaprimeiravez.Outras,claro,ocorreramperiodicamenteemformas ligeiramente diferentes em váriosmomentos e locais.Grande parte do trabalho de traçar suasinterligaçõesecombiná-lasemumpadrãoaindaprecisaserfeita.

Descreveroqueseseguecomohistóriaparcialdopensamentoantropológicourbano,noentanto,sóseria correto de algumas maneiras; de outras, seria um equívoco. Isso implicaria, sobretudo, umaautonomiamuitograndeparaadisciplina.Amaiorpartedoquepossa ter sidoútilnopassadoparaaantropologiaurbanadehoje,originou-sedooutro ladodas fronteiras acadêmicas,pormais aceitáveisqueessasideiaspossamagoraparecerparaumaperspectivaantropológica.Elasdevemsertomadas,porexemplo,dahistória,dasociologiaedageografia.Hátambémaquestãodorelacionamentodadisciplinadoramourbano,comaantropologiacomoumtodo.

Podemos, talvez, veros antropólogosurbanosquer seja comourbanologistas comumdeterminadoconjuntodeferramentas,oucomoantropólogosqueestudamumdeterminadotipodearranjosocial.Osdoismodosdeolharotrabalhodelesnãosãototalmenteindependentes,massugeremênfasesdiferentes.Acredito que grande parte da antropologia urbana recente presta-se mais ao conceito anterior; suapergunta tem sido: “Qual é a contribuição da antropologia para os estudos urbanos?” A questãocomplementaré,“Qualéacontribuiçãodosestudosurbanosparaaantropologia?”Ambasasperguntas

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merecemserfeitas,repetidamente,paraversenovasrespostaspodemestaremdesenvolvimento.Mas,separaaprimeiraquestãoatéagoraas respostasestiveram,emsuamaioria,dentrodospadrõesnormaisacerca das características da antropologia, a últimapode ser, teoricamente,mais provocativa e talvezpossagarantirqueacomunicaçãoentreaantropologiacomparativageraleoseuramodacidadepasseaserumaviademãodupla.

Parafazerjusàsuapretensãodeser“aciênciadahumanidade”,noentanto,aantropologiadeveserreconstruídaparaincluirumaconsciênciadevidaurbana.Elanãopodetirarsuasconclusõesbaseando-se apenas em pesquisas em comunidades pequenas, sem complicações, principalmente nas partes nãoocidentais do mundo. A contribuição especial da parte urbana ao todo antropológico consiste nacompreensão de uma série de fenômenos sociais e culturais, pouco ou nunca encontrados em outroslocais,quesejamexaminadostendocomofundoavariaçãohumanaemgeral.

Combasenessepontodevista,deveseracrescentadoqueaafluênciadosantropólogosurbanosparaos enclaves étnicos das nossas cidades pode parecer um subterfúgio. Eles podem ser a coisa maissemelhante aos locais da pesquisa antropológica tradicional que poderíamos encontrar na cidade,“aldeias urbanas” nos termos deGans (1962a).No caso ideal, umagrandeparte dos relacionamentossociaisdapopulaçãoestácontidadentrodoenclave.Oscompatriotasdoaldeãourbanoformamumgrupoparaoqualsãoatraídosnãosóseusvizinhos,mas tambémseusamigoseparentes,eele interagecomelesnestas capacidades,principalmentedentrodo territórioda aldeia.Quantomenor for apopulação,maisprovávelseráqueelaformeumadensaredederelacionamentosemquepodemoscomeçarapartirdeumapessoa,traçaralgumasligaçõesevoltarporumcaminhotortuosoparaaquelamesmapessoa–epodemos fazer isso por uma série de caminhos diferentes.ComoGans diz, é possível que nem todosconheçamtodososdemais,mastodossabemalgumacoisadetodososoutros.Alémdisso,podehaverumacontinuidadeconsiderávelaolongodotemponessasrelações,jáqueosaldeõesseveemdiaapósdia,eraramentepassampormudançasemsuasvidasquerompamoslaçosquetêmentresi.Criançasquecrescem juntas podemmuito bem ser, quando adultas, amigas umas das outras, vizinhas e talvez, atéparentesporafinidade.

Nemtodososbairrosétnicossãoassim.Paracontribuiraomáximocomopanoramaetnográficoqueéumdosmaioresrecursosdaantropologia,noentanto,osantropólogosdacidadetalvezdevessemdargrande parte de sua atenção ao extremo oposto da aldeia urbana. Tendemos a pensar a cidadeespecialmente como um lugar onde as pessoas não se conhecem muito bem (pelo menos nãoinicialmente),ondeconhecidosemcomumsãodescobertosenãopresumidos,eondetransiçõesrápidaspodemserfeitasatravésdaestruturasocial.Diantedissopoderíamosafirmarquetaisfenômenosnãosãorealmentemaistípicosdacidadedoquedaaldeiaurbana.Issopodeserverdade,porumlado,mas,poroutro,podeserbastanteirrelevante.Existeumsentidoemqueprovavelmenteconcordaríamosqueelessão“maisurbanos”doqueaaldeiaurbana–ouseja,queémaisprovávelqueelessejamencontradosnacidadedoqueemoutrasáreas.Sefiéisanossaherançaantropológica,estaremosmaisinteressadosnasvariações da forma do que naquilo que é típico e é neste sentido que eles são importantes comomanifestaçõesdeurbanismo.

Ao longodeste livro,nossas investigações irão,portanto, serdirecionadasparaa identificaçãodeinsightsespecíficosqueoestudodacidadepodeoferecerparaaantropologia.Aomesmotempo,deve

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serentendidoqueanossaprópriamaneirade selecionareconceituar fenômenospodeser, emsi,umacontribuição da antropologia aos estudos urbanos. O pensamento urbano antropológico é,fundamentalmente,pensamentoantropológico.Tantooquepodeseroriginalsobreoassuntoquantooqueseráemprestadodeoutrasfontes(e,depois,possivelmentetransformado)édeterminadopeloconfrontodamenteantropológicacomarealidadeurbana.Issopodeacabarsetornandoumaexperiênciaumtantoparadoxal na adaptabilidade da análise antropológica.Depois de décadas de trabalho construindo umsistemaconceitualparaacompreensãodesociedadestradicionaisdistantes,sempretemendoocativeiromoraleintelectualdoetnocentrismo,agoranosdeparamoscomotestedessesistemaemnossasprópriascidades. Seus efeitos, espero, incluirão o desenvolvimento de ideias que também possam provar serimportantes emoutras esferas da antropologia, embora a natureza da vida urbanapossamostrar a suautilidadedeformasparticularmentedramáticas.

Espero que a perspectiva esboçada aqui satisfaça os antropólogos que criticam a noção de umaantropologia urbana porque sentem que a sua diferenciação, com um rótulo próprio, marcaria suaseparação da disciplina-mãe. Eles estão preocupados com o fato de que o estabelecimento de umaidentidadeseparadaleveàrejeiçãodométodoedateoriaantropológicosconsiderando-osinadequadosparaosestudosurbanos.Istonãoé,obviamente,aminhaconcepçãodeantropologiaurbana.Comoumramo da antropologia, a antropologia urbana não é mais separada do que os estudos de, digamos,sociedadescamponesasounômades.Ninguémsugerequeoestudoantropológicodecamponesestenhasedivorciadodaantropologiapropriamentedita;ninguémnegaqueaantropologiatenhasebeneficiadodocrescimentodosestudoscamponesesque,não fazmuito tempo, tambémconstituíamumnovo interesseemergente.Contudo,aomesmo tempo, reconhece-sequeoestudodas sociedadescamponesasenvolveum grupo de conceitos e ideias para o qual é prático ter-se uma designação comum. Nemmais nemmenos,éoqueeuachoquedevaserreivindicadoparaaantropologiaurbana.Elaéumaespecializaçãoreconhecida,mas,aomesmotempo,umaparteintegrantedaantropologia.

Poroutrolado,apreocupaçãocomacontribuiçãointelectualdosestudosurbanosparaaantropologiapodeparecermeroacademicismo,umrecuoderelevância.Pode-seresponderàessaobjeção,antesdemais nada, dizendo que há espaço paramais do que uma antropologia urbana. Pelomenos nessa faseinicial,certamente,devemosestarpreparadosparadeixarquemilflorescresçameesperamosqueelasirão encontrar maneiras de florescer mesmo em um ambiente de concreto.Mas, além disso, pode-seresponderqueoantropólogocujocamposejaemBostonouBerlim,devetertantaoutãopoucaliberdade–sejaqualfornossodesejo–paracultivarsuacuriosidadeporsuasvantagensintrínsecasquantoaquelequeváviverentreosbongo.Pensardeoutraformadariaaimpressãodeetnocentrismo,pormaisbem-intencionado que fosse. Na verdade, se Boston ou Berlim por acaso fossem parte de nossa própriasociedade,poderíamossermaiscapazesdedesempenharaparteativadeumantropólogo-advogadodoque poderíamos fazer nos lugares em que estivéssemos “apenas visitando”. No entanto, parece haverpoucadiferença,emprincípio,entrerejeitaressepapelficandoemcasaouevitando-oindoparaBongo.

Naturalmente,tambémpodemosesperarqueumaatençãomaiscríticaàteoriaeàconceituaçãodosfundamentoscomunsdaantropologiaedourbanismopossalevaraumaaplicaçãopráticamaisprecisadaantropologia aos assuntos urbanos. E, além disso, não devemos cair na armadilha de considerar otrabalhoacadêmicodeumamaneirarestritaeoenvolvimentodefinidonaengenhariasocialfragmentada

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tambémdeumamaneirarestritacomosendoasúnicasalternativasdiantedosantropólogos.Arelevânciadaantropologiatambémsebaseianoseupotencial,nemsemprepercebido,defazeraspessoasrefletiremsobreavariabilidadedacondiçãohumanaesobresuaprópriasituaçãoparticular.

Devofalarumpoucosobreessepoderdaantropologia.Em1935,umescritorsatíricoinglês,CharlesDuff,publicouoAnthropologicalReportonaLondonSuburb[RelatoantropológicosobreumsubúrbiodeLondres],umaparódiadaquiloqueumantropólogodaquelaépocapoderiateradizersevoltassesuaatenção para sua própria sociedade[4]. A seguir o Professor Vladimir Chernichewski, o “eminentecientista”fictício,emcujonomeDuffescreveu:

a ciência da antropologia não se preocupa somente como selvagemnu,mas como homemou amulher comcalçaplusfoursouvestidodegala.Paraoverdadeirohomemdeciência,poucoimportaseeleestálidandocomosubúrbiooucomaselva,comadançadejazzmodernooucomaorgiasexualselvagem,amágicadaflorestamágicaouodeísmoantropomórficodeumverdureirosuburbano,ascurasefeitiçosdopagédeBantuouaobrade ummembro doRoyal College of Physicians. A diferença entre nós e os selvagensmuitas vezes émaisaparentedoquereal;umacalçaplusfourspodeesconderumbruto,eumacamadade tintapodeencobrirumcoraçãosensível(DUFF,1935:12).

Até certo ponto, o antropólogo urbano de hoje pode concordar com o relativismo do ProfessorChernichewski.Mas, Chernichewski usa sua liberdade poética para tornar o suburbano e o selvagemigualmenteburlescose torna-seelepróprio ridículoaoparecer incapazdechegaraumacompreensãomaisprofundadeumoudooutro.Atáticaquepodemospreferiréaquelaondeaantropologia,devidoàconsciência que ela promove de qualquer estilo de vida, como uma de uma série quase infinita dealternativas, pode contribuir para uma exotização do familiar; sua estranheza recém-adquirida pode,então, tornar possível concepções novas e incisivas. As bases da perspectiva da antropologia nãodeveriamsomenteiremdireçãoàsinter-relaçõesdavidasocial,mastomarparasioqueC.WrightMills(1961:5)chamoudeimaginaçãosociológica,permitindoquequematenha“entendaocenáriohistóricomais amplo, em termos de seu significado para a vida privada e pública de uma variedade deindivíduos”.Hátambémumaimaginaçãoantropológicapeculiar,queimplicamelhorarseuentendimento,porcomparaçõesimplícitasouexplícitas,domododevidaemoutrosarranjossociaiseculturais.Elaseapoia na possibilidade de compreender a si mesmo por entender os outros. Isso também é umacontribuiçãodaantropologiaaosestudosurbanos:aantropologiaurbanacomoinstrumentopeloqualoshabitantesdacidadepossampensardemaneiranovasobreoquesepassaaoseuredor.

Podeserútilseeufalarumpoucomais,aqui,sobreomeuentendimentodanaturezadaantropologia,já que ele continuará a nortear o que se segue. Talvez o produto mais característico do trabalhoantropológico seja a etnografia; predominantemente qualitativa, com descrições ricamentecontextualizadasdopensamentoedaaçãohumanos.Emlinhasgerais,pode-sepensaremtaletnografia,porumlado,comoalgointimamenteligadoàformacomootrabalhadordocampoantropológicoabordaa realidade, por outro lado, como a fonte da qual a teoria antropológica é extraída e refinada e, emseguida,usadaparaguiaraproduçãofuturadaetnografia.Essecomplexoda indústria intelectualpodenãoparecermuitoeficiente.Algunsobservadorespodemacharqueumagrandepartedaetnografiatorna-se inútil. Na verdade, isso deveria ser visto contra o pano de fundo da preocupação natural doantropólogocomdescobertas.Comosuatradiçãoéexplorar terrenossociaiseculturaisdesconhecidoselequermaximizarasensibilidadeparao inesperado–fatosnovos,novas ligaçõesentreeles.Éfácilentender a ênfase dada à observação participante e ao “holismo” como, no mínimo, parcialmente

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motivadapelocaráterexploratóriodatarefa.Esseusodaimaginaçãoantropológicapeloqualatécenasfamiliarespossamser tidascomoestranhase,portanto,disponíveisparanovasdescobertas tambémseencaixaaqui.

Mas, neste ponto em particular, podemos nos preocupar menos com o procedimento de campoantropológicoemaiscomopensamentoantropológico,comaestruturaconceitualquetambémfazparteda postura antropológica com relação à realidade. A perspectiva que desenvolvo aqui é a de umantropólogosocial,eelamesugereumamaneiradedescreverocontrasteentremimeumaespéciedesociólogo típico. Isso provavelmente é útil, já que os antropólogos urbanos parecem muitas vezesdesenvolverumaansiedadecrônica sobrenão ser suficientementediferentesdos sociólogosurbanos–especialmentedosprimeirossociólogosurbanos.Beals(1951:4),hámuitosanos,citouumsociólogonosentidodeque,seosantropólogoscontinuassemcomohaviamcomeçadooestudodaculturamoderna,iriamcomotemporeinventarasociologia,nomínimopelomenos50anosdepoisdorestodaárea.Maisrecentemente,Shack(1972:6) lamentouquegrandepartedaantropologiaurbanapareceserapenas“asociologia da década de 1940 revisitada”. Em vez disso, ele propõe que a antropologia urbana devabasear-se na tradição antropológica de análise comparativa do comportamento institucional – comoexemplos, ele sugere que o princípio da oposição complementar ou a análise de ciclos dedesenvolvimentoemgruposdomésticospossammuitobemtersuavalianosestudosurbanos.

Nãofaçoobjeçõesaessesexemplos,eaexpansãodosconceitosantropológicosgeraisparaaáreaurbana está, certamente, em sintonia com a minha concepção de antropologia urbana como parteintegrante de uma visão comparativa geral da sociedade humana. Mas isso não deve degenerar emescolasticismo,ummenosprezodasmaneiraspelasquaisavidaurbanatemsuasprópriascaracterísticaspeculiares,umentendimentoque,porsisó,podeajudaradesenvolverideiasparaaantropologiageral.Portaismotivos,pode-seacharatéquea“análisecomparativadocomportamentoinstitucional”sejaumadefiniçãomuitolimitadadaantropologia,poisumadasáreasparaasquaisaantropologiadassociedadescomplexas temdadoimportantescontribuiçõesé,defato,adocomportamentonão institucionalizado–empreendedorismo,manipulaçãoderedeeassimpordiante.

Sejaqualforadiferençaqueexistaentreaantropologiaeasociologiaurbanas,eucreio,elaémelhorcompreendidadeoutraforma.Adistinçãoquetenhoemmenteéfeita,maisconvincentemente,porLeach(1967)emseuscomentáriossobreumapesquisasocialnoCeilãorural.Apremissadosociólogocomsuaorientaçãoestatística,Leachsugere,équeocampodeobservaçãoconsisteem“unidadesdepopulação”,“indivíduos”.Oantropólogosocial,porsuavez,acreditaqueseusdadossãocompostosde“sistemasderelacionamento”. A imagem antropológica da sociedade é, mais especificamente, uma imagem deepisódios de interação e de interdependências mais duradouras entre as pessoas. Os indivíduos, damaneiracomoosantropólogossociaislidamcomeles,estãoempenhadosemfazercontatocomosoutros;elessãoentidadesconstruídasapartirdospapéisqueassumemnestassituaçõesvariadas.Ossociólogosmais frequentemente tentam enfrentar o paradoxo de abstrair as pessoas da diversidade real de suasligações em andamento, descontextualizando-as, e ainda assim definindo-as de alguma forma comoanimaissociais.Essadiferençadetendênciaéoqueéfundamental.Ofatodesermuitomaisfácilusarosnúmerosparalidarcomdadosindividuaisdoquecomdadosrelacionaisésecundário,pormaisevidentequeissopossasercomosintoma.

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Nossaênfaseaquié,portanto, sobreumaperspectiva relacional–sobresituaçõessociais, sobreaparticipaçãodaspessoasnestasesobreamaneiracomoumavidasocialcomplexapodeserconstruídaapartirdelas.Isso,reconhecidamente,nãoéosuficienteparasepararaantropologiaurbanaestritamentedetudoaquiloquepassaporsociologiaurbana,ouatémesmoparasepararasociologiadaantropologia.Osantropólogos,àsvezes,achammotivosparacontarpessoas,evemossociólogosquepensamtantoemtermosrelacionaiscomoqualquerantropólogo.Naáreaurbana,oúltimoéexemplificadoporclássicos,bemcomoporumasériedeestudiososcomumafiliaçãosociológicaprofissionalque recentementesetornaramosetnógrafosbacanasdasboatesdestriptease,baresnoturnosecasasdemassagem[5].Mesmoassim,podemosdiscernirque,àmedidaqueforamevoluindo,aantropologiaeasociologiapassaramater centros de gravidade diferentes, não só na escolha do assunto,mas também demodo analítico.Aantropologia,quandovaiparaacidade,nãoprecisasetornarcompletamenteindistintadasociologiae,refletindo um pouco, talvez possamos perceber que a “sociologia urbana” que, como antropólogos,achamossermaiscompatívelestá,realmente,deacordocomessecritériode“antropologiaurbana”.Deumamaneira um tanto arrogante, podemos até achar algumas vezes que suas análises poderiam ter seaprofundado mais se isso tivesse sido percebido. Por outro lado, uma definição um tanto vaga dafronteira entre sociologia e antropologia não precisa ser especialmente inquietante. O imperativoterritorial não deve ser intelectualmente respeitado e a visita mútua entre antropologia e sociologia,quandoocorre,temsidofrequentementegratificante.Emgrandepartealinhadivisóriapoucoclaraquetemoséumacidentedahistória.Nestelivronãoseremosmuitorespeitososemrelaçãoaela.

Aqueles que não sejam tão enfaticamente antropólogos sociais podem se surpreender por eu terescolhido o ponto de vista relacional, em vez do conceito de cultura, como a marca distintiva daantropologia. Na academia americana em particular, muitas vezes deparamos com a noção, um tantoestranha, que “os sociólogos estudam a sociedade, enquanto os antropólogos estudam a cultura”.Poderíamos até pensar que dificilmente seria possível estudar uma ou a outra sem, em certamedida,estudar as duas.Mas, certamente, há alguma verdade nessa opinião. Existem alguns antropólogos quelidam com cognições sem desenvolver muito uma concepção da estrutura social e os sociólogos, àsvezes, prestammuito pouca atenção a coisas como ideias, conhecimento, crenças ou valores em suasdescriçõesdasociedade.Naantropologiaurbanatambém,acreditoqueaideiadeculturaserámuitomaiscentraldoquetemsidohabitualmentenasociologiaurbana.MeumotivoparadarprioridadeàconcepçãorelacionaldasociedadepodeteralgumasemelhançacomabemconhecidadeclaraçãodeFortes(1953:21),queaestruturasocialpodeservistacomo“aculturatotaldeumdeterminadopovoétratadaemumenquadramentoespecialda teoria”,masela temumarelaçãomaisdiretacomanossacompreensãodeurbanismo. O último é consideravelmente mais propenso a ser definido em termos sociais do queculturais; tendemos a generalizar sobre urbanismo, primeiramente, como um tipo característico desistemaderelacionamentossociaisesomentedeformasecundáriaeporderivação,comoumconjuntodeideias pertencente aos urbanitas. A cultura urbana, consequentemente, pode ser conceituada maisfacilmentequandoadescriçãodaestruturasocialjáestiverbemencaminhada.

Parecebastantepossível,aomesmotempo,queosestudosurbanospossamcontribuirparadaraosantropólogosumaconcepçãomuitomaissofisticadadosprocessosedaorganizaçãoculturaisdoqueemgeral têm feito. A cultura, como já foi dito, é uma questão de tráfego de significados. A imagem éoportunaparaosnossospropósitos,poisficaimediatamenteevidentequeospadrõesdetráfegourbano

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têmalgumaspeculiaridadesequealgunsveículospodemsermaisadequadosparaelesdoqueoutros.Osistemasocialurbanopodepromovercertostiposdeideias,oudarorigemaproblemasespecíficosdeorganizaçãodacultura.Podehaverideiassobregerenciamentodecontatoscomestranhos,sehouverumagrande quantidade deles no meio ambiente. Ou se, como é bastante provável em um sistema socialcomplexo,forpossíveldizerquepelomenosalgunsindivíduosestãoenvolvidoscomváriasculturas,asformas de lidar com esta diversidade podem ser umproblemapara a análise.Vamos lidar com essasquestõesbrevemente,masnãomaisdoqueisto,nestelivro.

Essa, então, é, em termos mais gerais possíveis, minha concepção de visão antropológica desociedade,ofundamentodotratamentoquedouàsvariadasformasdedescrevereanalisaravidaurbananoscapítulosaseguir.Eupoderia terprosseguidoaquiparadizeralgosinopticamentesimilarsobreoquepresumoserarealidadedourbanismo,aoutrapartedaequaçãonoencontrodoantropólogocomacidade.Mas deixarei que essas compreensões se desdobremgradativamente no que se segue.Emvezdisso,acrescentareialgumasobservaçõesmaispessoais,quepodemlançarluzsobreotipodelivroqueescrevi.

Emboraeucreiaqueseriaútilparaosantropólogosurbanosseuniremmais firmementeporalgumtempo,desenvolvendoumconjuntodeconceitosdeescopovariadonatentativadeveratéquepontoissoajudariaaorganizaraáreaintelectualmente,épossívelquefiqueóbviopeloquefoidito,quenaminhaescolha pessoal de tal ordenação de ideias, não sou muito fiel a qualquer tradição antropológicaespecífica.Dissequeescrevocomoumantropólogosocial; istopodeserentendidocomoa identidadeescolhidadealguémfavoravelmenteinclinadoparaacorrentebritânicadopensamentoantropológico.Defato,achoqueosesforçosdessacorrentepararealizarumaanálisesistemáticaeabrangentedasrelaçõessociaiséadmirável.Masmuitasdesuasideiascentraistêmumahistóriamaislongaecomopassardosanoselasseespalharamparaoutroscantosdomundo,ondeforamreformuladas.Essesdesenvolvimentosanteriores e posteriores, como provavelmente veremos, têm me interessado tanto quanto aqueles docentroestabelecido.

Além disso, a visão da antropologia urbana apresentada aqui teve a influência de algumas outraspreferênciasminhas. Quero dar bastante atenção à formação e ao tratamento dado ao significado dasinteraçõesobjetivando,assim,umaanáliseculturalquesejaflexívelosuficienteparasercompatívelcoma análise social de estruturas complexas que, por enquanto, está tão mais desenvolvida. Com esseobjetivo fui atraídomuito cedopara o interacionismo simbólico, uma tendência dopensamento socialamericano, embora em sua maior parte ligeiramente fora da antropologia acadêmica daquele país.Embora meu interesse nesse tipo de interacionismo não tenha sido particularmente sistemático, elecertamente desempenha um papel nas páginas que se seguem.Até agora, contudo, vejo uma afinidademuitograndeentreeleeaantropologiasimbólicaquemaisrecentementesetornouumdoscomponentesprincipaisdaantropologianosEstadosUnidos.

Meuinteresseemhistóriasocialsóestaráemevidênciadeformamaisdispersa.Acredito,noentanto,queseráumaboacoisaseosantropólogosurbanossefamiliarizaremmaisprofundamentecomestudosdeHistória,especialmentequandocomeçamaseenvolvercomestudoscomparativosmaissistemáticosdourbanismo.Esperotermaisadizersobreissoemumaobrafutura.

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Provavelmenteessasíntesepessoal,pormaisincompletaquepossaaindaser,temalgoavercomaminhaprópriaexperiênciaacadêmica.Tiveaoportunidadedefazeralgumasobservaçõesparticipantesentreantropólogosamericanosebritânicos,ecomoaantropologiaurbanasedesenvolveumuitomaisnosEstadosUnidosdoqueemoutroslocais,vejo-meconduzindoumaespéciedediálogoespecialmentecomestesdesenvolvimentos.Maspassoamaiorpartedotempoemumambienteacadêmicosemumatradiçãonacionalprópriaestabelecidanotipodeantropologiapeloqualmeinteresso.Podeserqueissotenhamedeixado com liberdade um pouco maior para procurar ideias em direções um tanto idiossincráticas,atravessandoasfronteirasdeuniversosdepensamentoque,emoutroslugares,poderiamserdemarcadasmaisclaramente.

Mas envolvimentos e experiências, além daqueles que surgiram dentro do círculo de colegas deprofissão, também podem ter tido seus efeitos sobreminha visão da antropologia urbana. Embora eusugiraqueumcertoconhecimentodasideiassobreacidade,dasobrasondeelasforamproeminentesedaspessoasqueestãoportrásdestestrabalhos,sãotodospartedaformaçãodeumantropólogourbano,esta formação também deve basear-se consideravelmente na inter-relação de temas urbanos com aprópriabiografiadoantropólogo.Comoinúmerosoutrosantropólogos,passeipraticamentetodaaminhavidaemáreasurbanas.(Talvezvislumbremos,aqui,outromotivoparaqueadisciplinatenhasevoltado,cada vezmais, para os estudos nas cidades – são poucos os antropólogos que têm conhecimento dosaspectospráticosdecuidardeumafazenda,dacriaçãodeanimaisdomésticosedeoutrosaspectosdavidamaispróximadanaturezaesomos,aesterespeito,malpreparadosparaaprendersobreformasruraisdevida.)Tambémgostodascidadeseusooutroshabitats,namaioriadasvezesporpoucotempo,apenasparacontrastá-loscomascidades.Quandosaiodeférias,émaisprovávelqueprocureruasdistantesdoqueaserraouapraia.Fuiummoradorhabitual,porperíodosbastantelongos,decidadesamericanas,suecas e inglesas e passei menos tempo fazendo turismo antropológico em comunidades urbanas naÁfrica,Ásia,Austrália,Oceania,AméricaLatinaeCaribe,bemcomoemoutroslugaresdaEuropa.Issotemmedadoaoportunidadepararefletirsobreoqueédiferenteeoquepermanece,dealgumaforma,omesmoentrealdeiasecidadesemlocaisvariados.Alémdisso,trêsexperiênciasdetrabalhodecampoantropológicotambéminfluenciarammeupensamentosobreavidaurbana–umdelesmaisindiretamente,doismuitodiretamente.

Na década de 1960, passei dois anos emWashington,D.C., fazendo o que consideraria agora (deacordo como que foi dito acima) antropologia na cidade,mas, em suamaior parte, antropologia nãourbananosentidoestrito.Emoutraspalavras,ofocodemeuinteressenãoeraocaráterespecificamenteurbanodosestilosdevidacomoqualmeenvolvi,emboratenhagradativamenteficadomaisatentoaestetipodelinhadeinvestigaçãoemaispreocupadocomisto.Esseestudofoicentradoemumbairronegrodebaixa renda, conduzidoquase inteiramentepormeiodeobservaçãoparticipante,para tornaromeupapeldepesquisadorminimamenteambíguoemumaatmosferatensa.Olivroqueresultou(HANNERZ,1969)tratoudainteraçãodadelimitaçãoétnicacomoportunidadeseconômicaslimitadasnaformaçãodeumasériedeadaptaçõescoletivas;umaculturacomplexaancoradanopassadoenopresente.Entreostemasespecíficosestavamadinâmicadospapéisdosgênerosnogueto,oconhecimentopartilhadoqueserviu como fonte para uma identidade comum entre os seus moradores e a relação entre seuspensamentoseaçõescomaculturaamericanapredominante.Menosostensivamente,noentanto,euestavalidandotambém,porexemplo,comasincertezasqueeueelesconfrontamosaolidarcomavidadarua.

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Percebi, como nunca antes, que podemos, algumas vezes, ser forçados a pensar nas pessoasdesconhecidasdocenáriourbanocomoproblemas.Tambémmetorneiconscientedasdificuldadesparaescolheredelimitarumaunidadedeobservaçãonosestudosurbanos.Meubairropoderiaservisto,decertamaneira,comoumaaldeiaurbana,masestaregiãonãotinhatantosignificadonavidadeunsquantotinhanavidadeoutros.Secertaspessoasdificilmentesaiamdele,outrasnamaioriadasvezesiamparacasaparadormire isso,àsvezes,nemtãoregularmente.Poderiahaver laçosdeparentescoeamizadeestreitoscompessoasdosul ruraleumafaltade relacionamentospessoais foradacomunidadenegra.ComoWashingtontinhaumapopulaçãonegramuitogrande,oguetocomoumtodobastavaparaacriaçãode arranjos de relacionamentos sociais que não eram nem compactos nem estáticos. Como mais umexemplodamaneiracomoosproblemasdourbanismosemisturamcomosdapobrezaedaetnicidade,pudenotarqueàsvezesqueriasabermaissobreasdiferençasentreavidadoguetonegrodeWashingtoneosdeoutrascidades,comoNewarkouDetroit.Emquemedidaanaturezadetodaacomunidadeafetaacomunidadeétnicaaninhadadentrodele?Sevocêjáviuumgueto,realmenteviutodoseles?

Minha segunda experiência de campo, em 1970 (e relatada emHANNERZ, 1974a), foi um breveestudoda política local nas IlhasCayman, noCaribe, e sua relação coma antropologia urbana não éexatamenteóbvia.Euestava,defato,morandonacapital–chamadaGeorgeTown,comotantosoutroslugaresqueumavezfizerampartedoImpérioBritânico–maserapoucomaisdoqueavilaprincipalemumterritóriomuitopequeno.Naverdade,arelevânciadessaexperiênciaparaaminhacompreensãodeurbanismofoiofatodeelaterapresentadoumcontrastesignificativo.AsociedadedasIlhasCaymanfoiomais próximo que consegui chegar como etnógrafo profissional de uma estrutura social de pequenaescala,eessaescalanãoeramenosevidenteemsuapolítica.Amáquinaformaldogovernotinhacomobaseideiasimportadasdeumasociedadedemassa,compapéisaltamentediferenciadoseprocedimentosimpessoais.Orelacionamentoqueoscaimanianostinhamunscomosoutros,poroutrolado,àsvezeserademasiadointensoeeracomoseapersonalidadetotaldaspessoastendesseaseenvolvernasinterações.Eraassimtambémquepreferiamagirnapolíticae,poristo,suadivergênciadeopiniãocomasnuançasdo governo teve algunsmomentos dramáticos. Issome fez pensar sobre o papel desempenhado pelasinformaçõespessoaisnasconstruçõesvariáveisdosrelacionamentossociais.

MeutrabalhodecampomaisrecentefoinaNigéria,emmeadosdadécadade1970e,nestecaso,osobjetivosdapesquisaforamantropologicamenteurbanosnosentidoestrito.Comojátinharealizadoumestudo da vida em um enclave de uma grande cidade, agora queria experimentar, conceptual emetodologicamente, estudando toda uma comunidade urbana. O sítio escolhido foi Kafanchan, umacidadequecresceuemumimportanteentroncamentoferroviárioduranteosúltimoscinquentaanosequeagoraapresentagrandediversidadeocupacionaleétnica[6].Omosaicoéumametáforapopularquandotentamosresumiranaturezadeumacomunidadeassimerealmenteé,dealgumaforma,apropriado.Massealgunsdosgruposque formamacomunidade são relativamentebem-demarcados, com limitesbem-definidos,comoummosaico,outrossesobrepõemousemisturam.Alémdisso,ahistóriadeKafanchandealgumamaneirarefletiuopassadovolátildaNigériacomoumtodo,eesteéumdosmotivospeloqualadimensãodiacrônicadesuaestruturasocialédegrandeimportância.Omosaicotransforma-seemumcaleidoscópio,ondeamultiplicidadedaspartesrepetidamenteassumenovasconfigurações.

Eu comecei em Kafanchan colhendo os dados da totalidade dos grupos de relacionamentos,

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ordenadosporlinhasétnicas,profissionais,religiosas,recreativaseoutras.Esseéumobjetivoqueexigeavisitaaigrejas,tribunais,mercados,baresqueservemvinhodepalma,cortiçoseumasériedeoutroslugares.Emcondições ideais – e o estudo, certamente, aindanão chegou lá –gostaríamosde ter umarepresentação da estrutura social urbana de cima para baixo, desde os conjuntos de vínculos maisinclusivosatéosmenosinclusivos,mesmoquedosúltimossósejapossívelobterumaamostragem.Noprocesso de obter essa representação, obteríamos também uma avaliação da maneira como sãoordenados esses vários componentes da vida comunitária para compor uma coexistência física emumespaçorestrito.Indubitavelmente,essaorganizaçãoespacialevisualdevecausargrandeimpressãonasmentesdosetnógrafosurbanosemmuitoslocais.Kafanchantambémmedespertouparaofatodequeparaentenderumacomunidadeurbanacomoumtodo,deve-sevê-laemseucontextomaisamplo.AcidadenãoteriachegadoaexistirsenãofossepelaconstruçãodeumsistemaferroviárionaNigéria.Olocalpoderiaainda ser um trecho de savana, parcialmente usado por agricultores de subsistência em um pequenovilarejo próximo, e ocasionalmente atravessada por pastores de gado.Agora que as coisasmudaram,Kafanchan tornou-se o centro de uma pequena região, servido (ou, talvez, às vezes governado ouexplorado) pelos burocratas, comerciantes, médicos, enfermeiros, professores, líderes religiosos eartesãosdacidade.Oscamponesesvãolávenderseusprodutos,masalgumasvezestambémparateroprazer de observar o cenário urbano. Se deixarmos de fora todas essas ligações entre cidade e país,teríamosumaimagembastanteestranhadeumlugarcomoKafanchan.

Essas impressões de três campos, então, podem prenunciar muitas das questões levantadas nestelivro,jáqueelasforamumaparteimportantedomeuprópriotrabalhonocursodeantropologiaurbana.Nas páginas a seguir, no entanto, Washington, George Town e Kafanchan não estão conspicuamentepresentes. O material para uma antropologia urbana que enfatizarei é o que recebeu grandereconhecimento por sua importância na pesquisa urbana, embora essa nossa maneira de juntá-lo einterpretá-lo possa ser incomum. Nem todos os capítulos cortarão fatias semelhantes do pensamentourbano.Emprimeirolugar,nopróximocapítulo,nosconcentraremosemChicagoenonotáveltrabalhopioneirodeetnografiaurbanafeito lá,particularmentenasdécadasde1920e1930.Eleéumexemploondedesconsideraremosolimiteentresociologiaeantropologia,umavezqueestamoslidandocom“aEscola de Sociologia de Chicago”. Mas descobriremos, no final, que os estilos contrastantes deconceituaçãoquedemarcamo limite têmalguma importância.Apartirdaqui,passamos,nocapítulo3,paraumapesquisamaisampladeideiassobreoquesejaurbanismo.Elepoderiaserconsideradocomoocapítulo principal do livro e aomesmo tempo aquele que tem um dos conteúdosmais diversificado.Todosostiposdecidadesaparecemneleeváriasdisciplinas.Nocapítulo4,háumfocomaisdistinto,semelhanteàquelesobreaEscoladeChicago.Tratamosaquinovamentecomumaformaespecíficadeurbanismo,adascidadesdemineraçãonaÁfricaCentral,comoforamestudadasduranteofinaldaeracolonialpelosantropólogosdoInstitutoRhodes-Livingstone(tambémidentificáveiscomomembros“daEscoladeAntropologiadeManchester”).Háumaestreitaligaçãotambémentreessegrupoeotemadocapítulo 5, análise de redes, já que ela teve papel proeminente no desenvolvimento destamaneira deconceituarasrelaçõessociais.Mas,falaremosaquisobreumgrupomaisvariadodecontribuidoresdopensamentoemrede,nemtodosdentrodaantropologiaacadêmica.Aanálisederedes,éclaro,nãoselimitaàpesquisaurbana,maspareceútiltratardelaaqui,umavezquepodeserespecialmenteútilparacompreenderosaspectosdavidanacidade.Opapelprincipalnocapítulo6édesempenhadoporErving

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Goffman,umpensadorbrilhanteeumpoucocontroverso,cujaposiçãoencontra-sena fronteiraentreasociologiaeaantropologia.Usandoseu trabalhocomopontodepartida,consideramosoproblemadedefinirapessoa–tantoaconstruçãoquantoaapresentaçãodoself–sobcircunstânciasurbanas.Issoétambémumretornoparaondecomeçamos,jáqueGoffmanéumchicagoensedeumageraçãoposterior.Noúltimocapítulo tentaremosjuntarosfiossoltosdeseuspredecessores,delineandonossapercepçãodaquiloqueéantropologiaurbana.

Umpequenoexércitodeguiasserá,portanto,alistadoparanosajudaraexploraracidade.Existemaindaoutrosquepoderiamter-noslevadoparapasseiosadicionais,maseutambémvimotivoparadeixardeforaalgunsdoscandidatosmaisóbvios.OsestudosYankeeCity,deLloydWarnereseusassociados,certamente constituem um importante acervo de pesquisas, com uma reconhecida inspiraçãoantropológica. No entanto, o seu impacto foi maior no campo da estratificação social do que no dourbanismoe, talvezporisto,nãocausetantasurpresaqueosantropólogosurbanoshojeprestempoucaatençãoaeles.Alémdisso,osuficiente jápode tersidodito–“foramtantasascríticasaWarnerquetalvezsejahoradepediramoratóriadelas”(BELL&NEWBY,1971:110).UmjulgamentosemelhanteprovavelmentepodeserfeitoparaexcluirosLyndssobreMiddletown,e(maispróximodenossotempo)odebatesobre“culturadapobreza”,tãocentralparaoquefoientendidocomoantropologiaurbananosEstadosUnidos no final dos anos de 1960. Eumesmo estive envolvido nesse debate através domeuestudo sobre Washington; e para exemplificá-lo parecem ser suficientes os livros de Lewis (1966),Valentine(1968)eLeacock(1971).Umconjuntodepesquisasqueteriammeatraídomaiséaquelesobreourbanismolatino-americano,realizadoespecialmenteporantropólogosdosEstadosUnidosedaGrã-Bretanha.Antesdemaisnada,elepoderiatersidoumcomplementoútilàquiloqueéditosobrecidadesafricanas,pequenasegrandes,nocapítulo4.Otrabalhoanterior,noentanto,principalmentesobreáreasde assentamento ilegal, parecemenos rico em ideias analíticas sobre urbanismo, enquanto a segundaonda,teoricamenteimportante,comseuinteresseemconexõesmaisamplas,regionaiseinternacionais,éuma coisa tão atual que seria difícil tratar aqui da continuidade de seu desenvolvimento. Repetindo,estamosparticularmenteinteressadosemresgatarumpassadoutilizável.

Portanto,comecemoscomChicago,comoelaeraemsuaadolescência.

[1].CertamentetambémnãoéumfatototalmenteinsignificantequeemumnúmerocrescentedepaísesdoTerceiroMundo,pesquisadoresestrangeiros já não eramparticularmente bem-vindos.Alémdisso, o financiamento para longos períodos de trabalho de campo no exteriorpareciacadavezmaisdifícildeseencontrar,talvezespecialmenteparajovensantropólogosamericanos.Aantropologiaurbanaemmeupaíspoderiaassimserumasaída.

[2].OprimeirovolumecomessetítuloédeEddy(1968);osoutrossãodeSouthall(1973a),Gutking(1974),UzzelleProvencher(1976),Fox(1977)eBasham(1978).BastantesemelhantessãooslivrosdeWeavereWhite(1972),FostereKemper(1974)eEameseGoode(1977).

[3].EstougratoaHenningSivertsporessaformulaçãoemumseminárionoDepartamentodeAntropologiaSocial,UniversidadedeBergen,em1971.

[4].Esseesquecidovolumefoiapresentadodeumamaneiraligeiramentemaiscompletaemoutrolugar(HANNERZ,1973).

[5].UmórgãoextraoficialdessaúltimatendênciaéapublicaçãoUrbanLife,quecomeçouaserpublicadaem1972.

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[6].Umprimeirorelatóriosobreoprojeto,voltadoparaametodologia,encontra-seemHannerz(1976).

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2EtnógrafosdeChicago

OcrescimentodeChicagoque,noséculoXIXeiníciodoXX,partiudepraticamentenadaparasetornar uma grande metrópole, foi espetacular. Dos estados do leste e de grande parte da Europa aspessoasafluíamparapegarumaparte,grandeoupequena,da riquezacriadapela indústria frigorífica,pelasiderurgia,pelabolsadetrigoeporoutrostiposdeindústriaecomércio.Voltaemeiaumrecém-chegadotinhamaissucessodoqueseriaimaginável.Outros,noentanto,seviamnapobrezadesesperadaqueera, tão frequentemente,o reversodeumasociedadeem rápida industrialização sobcondiçõesdelaissez-faire.Algunsdosrecém-chegadostiveramsucessoapenasquandosevoltaramparaocrime,maseste não foi necessariamente o caminho seguro para uma vida confortável para todos aqueles que otentaram.Na recente classe trabalhadora, sindicatos egrupospolíticos seorganizavamparaumaaçãocoletiva;em1°deMaiode1886,aquelaquefoiprovavelmenteaprimeiramanifestaçãomundialdoDiado Trabalho, marchou até a Avenida Michigan pela jornada de trabalho de oito horas. Alguns diasdepois, umprotesto dos trabalhadores, emHaymarketSquare terminou em grande confusão quando apolíciaagiuparadispersá-loseumabombaexplodiu,provocandotiroteiosindiscriminados,comamortedeváriospoliciaisemanifestantes.A“RevoltadeHaymarket”durantemuito tempopermaneceucomosímbolodaameaçaqueasideologiasestrangeirascomooanarquismoeosocialismorepresentavamparaasociedadeamericana.

Essa Chicago volátil era também o ponto de entrada para o Ocidente e, por isto, alguns recém-chegadosmudavam-se novamente.No final do séculoXIX, porém, essa opção já não era tão atraentequanto antes. Simultaneamente à Feira Mundial de Chicago de 1893 – um evento que orgulhava oschicagoenses, que viam sua cidade como uma história de sucesso – foi realizada aquela reunião dehistoriadoresemqueo jovemFrederickJacksonTurnerobservouofimdaeradafronteira,aomesmotempoemqueespeculavasobreseusignificadoparaaculturaamericana.Nasdécadasqueseseguiram,aexpansão da sociedade americana se concentraria ainda mais em suas cidades, com Chicago aindaocupandoumlugardedestaque.

Comomuitasoutrascidadesemtransformação,Chicagoapagoumuitosdosvestígiosdesuahistóriarecente.OHullHouse,oantigoabrigoqueumpequenogrupodeidealistas,lideradasporJaneAddamsadministrava,tentandomelhorarascondiçõesdasfavelasvizinhas,aindaestádepé,masagoraumpoucoisoladocomoumpequenomuseunosarredoresdeumnovocomplexoacadêmico.Apoucascentenasdemetrosdedistância,aHaymarketSquarefoicortadaemdoisporumsistemaviárioeporummonumentoerguidoparaperpetuaraaçãodospoliciaisem“defesadacidade”,naqueladesastrosanoitedemaio,eapenas sua base continua ali, quase imperceptível para quem não estiver procurando por ela.Muitasversões da estátua que ficava sobre ela foram explodidas ao longo dos anos, uma delas pelos

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Weathermen,em1969.

Mas se a cidade não parece mais a mesma, a juventude de Chicago foi documentada,expressivamente,demuitasoutrasmaneiras.Haviaosescritores.TheodoreDreiser,em“SisterCarrie”,mostrou uma cidade que parecia crescer sozinha e a corrupção de jovens recém-chegados era seuprincipalnegócio;UptonSinclairdescreveuacarreirasombriadoimigrantelituanoJurgisRudkus,quedetrabalhadoremummatadourosetransformouempresidiário,metalúrgico,mendigo,ladrãoepolíticocorrupto, emTheJungle.Há asmemórias de JaneAddams,Twenty Years at theHullHouse. Há umcapítulodedicadoàpolíticadeChicagoemTheShameofTheCities,deLincolnSteffens,onde,talvezsurpreendentemente,oautordescobriuqueacidade,pelomenosem1903,nãoestavarealmenteentreasmaiscorruptas.

Nãomenosimportante,noentanto,éumainstituiçãolocalqueaindaestávivaequetambémteveumpapelsignificativonaformaçãodonossoentendimentonãosódeChicagonoiníciodoséculoXX,masdo urbanismo em geral. A partir da Primeira Guerra Mundial e durante toda a década de 1930, ossociólogosdaUniversidadedeChicagorealizaramumasériedeestudosbaseadoseminvestigaçõesdesuaprópriacidade,quefoigeralmentereconhecidacomooiníciodosestudosurbanosmodernos,ecomoo conjunto de pesquisas sociais mais importantes sobre qualquer cidade do mundo contemporâneo.Embora tenha sido examinada antes, podemos nos lembrar dela,mais uma vez, a fim de incorporá-laexplicitamenteàherançadaantropologiaurbana[1].

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Ocomeço:ThomasePark

Instituições jovens, amenos que tenham a intenção muito respeitável de imitar suas venerandasantecessoras, têmapossibilidadedecriaralgonovo.AUniversidadedeChicagoabriusuasportasem1892elogoteveoprimeirodepartamentodesociologiaemumauniversidadeamericana.Foiumperíodoem que os recrutados para a nova disciplina vieram, em geral, de outras áreasmais estabelecidas e,talvezpor isto, a sociologiaamericanadaquelaépocapossa serdivididaemduasgrandes tendências:umafilosofiasocialespeculativa,teorizandoemgrandeescalasobreasbasesdasociedadehumanaedoprogresso social, e um movimento de pesquisa social conceitualmente fraco, mas extremamentepreocupado em reunir dados sobre as características indesejáveis da sociedade industrial emcrescimento.(Meioséculo,ouquaseisto,maistardeesteúltimoteriaumparalelonaprimeiraondadepesquisasemcidadesdoTerceiroMundo;cf.MITCHELL,1966b:39-40.)Ambasastendênciasestavaminteressadasemmelhoraracondiçãohumana,masentreelashaviaumagrandelacuna.Emvirtudedesuacontribuição para fechar essa brecha,a nomeação mais importante nos primeiros vinte anos dodepartamento,pelomenosnoquedizrespeitoasuaduradourainfluênciaintelectual,foiprovavelmenteadeWilliamIsaacThomas.

Thomasinsistiunainvestigaçãoempíricasistemáticaeparticipoudoafastamentogradualdosestudosde organização social das inclinações biologísticas que o caracterizavam anteriormente. Enfatizou,também,anecessidadedecompreenderavisãodosparticipantes,a“definiçãodasituação”,termodadoporele,ecomocontrapartidametodológicaaestainovaçãoteórica,foipioneironousode“documentospessoais” – diários, cartas e autobiografias, bem como relatos de experiência de vida coletados porpsiquiatras,assistentessociaisoucientistassociais.Emumadeclaraçãoautobiográfica,Thomassugeriuquetropeçoupelaprimeiraveznestemétodoacidentalmente:

Descubroaorigemdemeuinteresseemumalongacartaquepegueiemumdiachuvoso,emumaruelaatrásdaminha casa, uma carta de uma moça que fazia um curso de treinamento em um hospital, para o pai, sobrerelacionamentos e discórdias familiares.Ocorreu-me, nomomento, que uma pessoa poderia aprendermuito setivesseumgrandenúmerodecartasdessetipo(BAKER1973:250).

Thomas pôde apresentar muitas de suas ideias em seu grande estudo de grupos de imigranteseuropeus, que o levou a viajar para lugares distantes em busca de novos materiais. No final ele seconcentrounospoloneses,emcolaboraçãocomojovemfilósofosocialpolonês,FlorianZnaniecki,que,assim,lançouasuaprópriacarreiraamericana.OscincovolumesdeThePolishPeasantinEuropeandAmericaforampublicadosentre1918e1920,ummarcodasociologianorte-americana.

Maisoumenosnamesmaépoca,ThomasdeixouaUniversidadedeChicago, sobaameaçadeumescândalopessoal.(Umdetetiveoencontrouemumquartodehotelcomaesposadealguémenãotevemuitadúvidasobrecomodefinirasituação;Thomassedefendeucontraasacusações,masdeumaformaum tanto provocativa. O clima moral da universidade aparentemente era o mesmo daquele quepredominou quando Thorstein Veblen a deixou sob circunstâncias semelhantes, mais ou menos umadécada antes.) Thomas deixou para trás um conjunto de ideias importantes, incluindo, além das jámencionadas–etalvezumpoucoironicamente,dadasascircunstâncias–umconceitodedesorganizaçãosocial,“adiminuiçãodainfluênciadasregrasdecomportamentosocialexistentessobreosindivíduosdo

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grupo”,queenfatizavaoprocessosocialemvezdecaracterísticasindividuais.EssaideiairiaocuparumlugarcentralnosestudosurbanosdeChicago.Noentanto,apesardetodasassuascontribuições,opapelmaisimportantequeThomasdesempenhounocrescimentodasociologiaurbanafoi,provavelmente,odetertrazidoRobertEzraParkparaauniversidade.

Quando chegou para assumir um cargo em Chicago, Park já tinha 50 anos de vasta experiência.Criado em uma cidade deMinnesota, em um bairro onde os imigrantes escandinavos predominavam,estudounaUniversidadedeMichigane logodepoiscomeçoua trabalharnoMinneapolisJournal. Osmuitos anos como jornalista o ajudaram a desenvolver seu ponto de vista sobre a vida urbana, poisquando seu editor de assuntos locais percebeu que ele dedicaria mais tempo a uma história do quequalquer outro jornalista, fez de Park um repórter investigativo. Foi um período em que a imprensapopularcomeçouaserreformuladaeomuckrakinghaviacomeçado,emboraaindanãosobesterótulo.Parksóqueriacontinuaressetrabalhodeformamaissistemática.Escreveusobreantrosdeópioecasasde jogos, discutiu as causas do alcoolismo com base em casos e seguiu as pistas da origem de umaepidemia de difteria fazendo um mapa do local de sua propagação. Tendo iniciado com essasexperiências,escreveuopróprioParkmaistardeemumapassagemmuitocitada,eleprovavelmentetinha“coberto mais território, vagando por cidades de diferentes partes do mundo, do que qualquer outrohomemvivo”.

Mas,nolongoprazo,oavançodojornalismodeixouParkinsatisfeitoeeleseguiuadiante,tornando-seestudantedefilosofianaUniversidadedeHarvard.DepoisdeumanoemHarvarddeucontinuidadeaseutrabalhoacadêmiconaAlemanha,ondeadquiriuumconhecimentoprofundodascorrentesintelectuaiseuropeias, assistiu palestras deGeorg Simmel e outros, e fez umdoutorado emHeidelberg, comumapequena tese sobre o comportamento coletivo. Isso tudo pode parecer muito distante da vida de umjornalista,mas,decerta forma, foi consequênciade suasexperiênciasanteriores.Emsua teseafirmouqueaopiniãopúblicaerafacilmentemanipuladaporpalavrasdeefeito;“ojornalismomodernoque,sesupõe,deveriainstruireorientaraopiniãopública,relatandoediscutindoeventos,geralmenteacabasetornandoumsimplesmecanismoparacontrolaraatençãocoletiva”.

AovoltarparaosEstadosUnidos,Parklogoquissairdomundoacadêmiconovamenteevoltou-se,mais uma vez, para a reforma. Tornou-se assessor de imprensa daCongo Reform Association, umaorganizaçãodemissionáriosbatistasquequeriachamaraatençãoparaodesgovernodoReiLeopold,doCongo,ecolaboroucomartigosparaaEverybody’s,umapublicação líderdomuckraking.SeusplanoseramiraoCongoparaestudarasituaçãolocalmente,masemvezdisso,acabouporseenvolvercomasrelações raciais nos Estados Unidos. Booker T. Washington, o líder negro mais influente à época,convidou Park para trabalhar em seu instituto, emTuskegee, e lá ele permaneceu, como assistente deWashington, por muitos anos. Para isso, teve de conhecer o sul do país intimamente e, além disso,acompanhouWashingtonemumaviagemdeestudopelaEuropacomoobjetivodecompararasituaçãodosnegrosdosulnorte-americanocomadecamponeseseoperárioseuropeus.EmTuskegee,WashingtoneParktambémderamumaconferênciainternacionalsobreoproblemaracialefoinestaconferência,em1911,queThomasencontroucomParkpelaprimeiravez.Algunsanosdepois,elepôdetrazê-loparaaUniversidadedeChicago.Noinício,aideiaeraqueParkocupasseocargotemporariamente,noentanto,comoseviu,eleoocupouporvinteanos.

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Umavisãodeurbanismo

Durante esses anos em Chicago, nos escritos de Park, houve um fluxo constante de comentáriosanalíticos sobre a vida contemporânea. Dada sua experiência com relações raciais americanas e oimpactocontínuodaimigraçãonasociedadenorte-americana,nãoédeseestranharqueosproblemasdasminoriasconstituíssemumadesuasprincipaisáreasdeinteresse;aoutraeraourbanismo,easduasnemsempreforamfacilmenteseparadas.Parkseexpressava,principalmente,nosartigoseprefáciosparaoslivrosdeseusalunos.Dessaforma,eleseguidamenteacrescentavaalgoaumaestruturadeideias,masaessênciadessaestruturaestava,aparentemente,bemclaraemsuamentequandoesteperíodocomeçou.Noprimeiroemais famosodeseus trabalhosurbanos,TheCity:Suggestions for the InvestigationofHumanBehaviorintheUrbanEnvironment,publicadoem1915,nãomuitotempoapóssuachegadaaChicago, podia-se ter uma visão do urbanismo que era, ao mesmo tempo, o produto de uma longaexperiênciaeoprenúnciodeumprogramadepesquisaparaosanosqueseseguiriam.

Parkeracapazdepensarsobreurbanismo,tantoemgrandeescalaquantoemseusmínimosdetalhes.Sua familiaridade comescritores comoSimmel eSpenglermostrou-lheque a cidade eraumelementopoderosonahistóriamundial,capazdedar formae libertaranaturezahumanadenovasmaneiras.Aomesmo tempo, ele era o homem que tinha passado uma década de sua vida no mundo das notícias,observandooquesepassavanasruasepor trásdesuasfachadas.Noprimeiroestudosobrepesquisaurbanaessesdoisaspectosdeseuinteressesãovisíveis.Porumlado,Parkobservavaascaracterísticasvariadasdosbairrosurbanos:algunserampequenosmundosisoladosemsimesmos,lardepopulaçõesimigrantesquetinhampoucoslaçoscomasociedadeaseuredor;outroseramaglomeraçõesanônimasdegentedepassagemeoutrosainda,novamente,áreasdeconsumodedrogaqueerammaiscaracterizadaspelousoquesefaziamdelasdoqueporquemmoravaali.Todosessesbairrosdiferentesprecisavamserdescritos e compreendidos. Mas, ao mesmo tempo, a grande mudança que o urbanismo trouxe foi acrescentedivisãodotrabalho,queserviupararomperoumodificarovelhotipodeorganizaçãosocialbaseadoemfatorescomoparentesco,castaevínculoscomolugar.Adivisãodotrabalhocriouumnovotipodehomemracionaleespecializado–oumelhor,muitostipos,poiscadaocupaçãopodiamarcaraspessoasdeumamaneiradiferente.Aimplicaçãopráticaparaapesquisaeraqueumasériedeformasdesustentodeveriaserinvestigada.

Abalconista,opolicial,ovendedorambulante,otaxista,ovigianoturno,ovidente,oatordeteatrodevariedades,ocurandeiro,obarman,olíderpolítico,ofura-greve,oagitadortrabalhista,oprofessor,orepórter,ocorretordabolsadevalores,oagiota;todoselessãoprodutoscaracterísticosdascondiçõesdevidanacidade;cadaum,comsuaexperiênciaparticular,insightepontodevista,determinaparacadagrupoprofissionaleparaacidadecomoumtodo,suaindividualidade(PARK,1952:24-25).

Umasériedeinstituiçõestambémmereciaestudo.Oqueaconteceunacidade,comafamília,comaIgreja,comos tribunaisde justiça?Quenovasformasorganizacionaissurgiramcomoconsequênciadourbanismo?Havia,maisumavez,ojornaleoseupapelmoldandoaopiniãopública.Quetipodepessoaeraojornalista?Umdetetive?Umhistoriador?Umfofoqueiro?Haviaomercadodeações:Qualeraapsicologia e a sociologia de suas flutuações? Havia a organização política: Qual era a natureza dasrelações sociais na máquina e na reforma políticas? Em parte, essas eram questões da área docomportamentocoletivoe,poristo,Parkpôderetornaraalgumasdesuaspreocupaçõesacadêmicasdo

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passado.

Havia a preocupação constante com a “ordem moral”[2]. Em muitas sociedades, Park sentiu, oindivíduotravavaumalutaparapreservarorespeitopróprioeseupontodevista,massópodiaserbem-sucedido se ganhasse o reconhecimento dos outros. Isso era o que transformava o indivíduo em umapessoa. Porém, nas cidades, essa ordem moral das relações é cheia de dificuldades incomuns. Odinheiro, emvezde trazercivilidade, torna-seomeiode troca.Aspessoasdificilmente seconhecem.“Sob essas circunstâncias o status do indivíduo é determinado por um grau considerável de sinaisconvencionais–pormodae‘fachada’–eaartedeviveréenormementereduzidaaumapatinaçãosobregelofinoeaoestudometiculosodeestiloemaneiras”(PARK,1952:47).

Essaideiadesuperficialidadedasrelaçõessociaisurbanasseriatemarecorrentenosestudosurbanosde Chicago. Mesmo assim, Park tinha plena consciência de que laços estreitos e estáveis tambémexistiam na cidade e de que as condições urbanas exerciam influência na forma como eles seorganizariam.Nacidadehaviagenteobastanteparamanterumasériedeestilosdevidaea liberdadesuficienteparaquemuitosgruposnãotivessemqueseimportarmuitocomadesaprovaçãoalheia.

[...]ocontágiosocialtendeaestimular,emtiposdivergentes,asdiferençasdetemperamentoquesãocomuns,easuprimirosatributosqueosunemcomostiposnormaisaseuredor.Aassociaçãocomoutroscomoelesprópriostambémnãodáapenasumestímulo,mastambémapoiomoralparaostraçosquetenhamemcomumequenãoencontrariam em uma sociedade menos seletiva. Na cidade grande, os pobres, os viciados e os delinquentesmisturadosemumaintimidadenocivaecontagiosa,sereproduzememcorpoealma[...].Devemos,então,aceitaressas“regiõesmorais”easpessoasmaisoumenosexcêntricaseexcepcionaisqueashabitam,emcertosentido,pelomenos,comopartedavidanatural,senãonormal,deumacidade(PARK,1952:50-51).

Existe pelo menos uma parte da teoria do processo cultural urbano, aqui. Nela, talvez estejamosdispostosaaceitaralgumascoisas,masprovavelmenteacharemosoutrasinsatisfatórias.Ovocabuláriojánãoémaisnossoepodemosnos sentirpoucoàvontadecomele.Aênfasenabase interacionaldocrescimentocultural,quepodemosvercomoonúcleodoenunciado,parececorretoevoltaremosparaele. Park, também, cuidadosamente observou que isso era uma análise geral, e não uma que dissesserespeitoapenasaocriminalouanormal.Acidadepossibilitaapessoasdiferentesmanteremcompanhiasdiferentes; e uma companhia com características semelhantes pode dar o apoio moral para umcomportamento que outros poderiam desaprovar. Na comunidade pequena cada uma dessas pessoaspoderia ter sido aúnicapessoadeum tipo específico, e a pressãopara a sua conformidadeocultariaexpressões daquilo que, então, seria mera idiossincrasia. Park foi menos eficaz, no entanto, quandoexaminouoqueeraexatamentequeaspessoastraziamcomoobjetodainteração.Aqui,elequisdependerdeumapsicologiaindividual,tratandoasinclinaçõespessoaisparaumtipodecomportamentoououtrocomoalgomaisoumenosdado.Assim,acidadefoiconsideradacomoumainfluênciapermissivamaisdoquecomootipodeinfluênciaquerealeativamentemoldaaspessoas.Acidadeteriaatendênciaa“disseminar e revelar para a opinião pública todas as características e traços humanos que sãonormalmenteobscurecidosereprimidos”.Aessaaltura,provavelmente,gostaríamosdeaprofundarnossainvestigaçãoaindamaisbuscandoosdeterminantessocioestruturaisdocomportamentonacidade.

A descrição das distintas “regiões morais” ou “mundos sociais” tornou-se uma das tarefas maisimportantesdossociólogosdeChicago.Mas,ofatodeessesdoismundoscoexistiremnacidadepodia,também, levar a novas perguntas sobre o relacionamento entre eles. Em uma passagem que por si só

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parecia ser suficienteparaestimularmuitaspesquisas,Parkdeuumvislumbredeumcaminhonoqualelespoderiaminteragir:

Osprocessosdesegregaçãogeramdistânciasmoraisquefazemdacidadeummosaicodepequenosmundosquese tocam,mas não se interpenetram. Isso torna possível aos indivíduos passarem, rápida e facilmente, de umambientemoralparaoutroeencorajaaexperiênciafascinante,masperigosa,deviveraomesmotempoemváriosmundosdiferentesecontíguosque,soboutrosaspectos,sãoextremamenteseparados(PARK,1952:47).

Essafacetadaorganizaçãoculturaldacidade,entretanto,foiemgrandemedidaabandonadaporseusseguidores nos anos que se seguiram. É possível considerar os escritos sobre o “homem marginal”,lançados em 1923 pelo próprio Park, como uma retomada desse fio dameada, emboramuitos delestenhamseperdidoemumatoleirodeconceituaçãoinadequada.Mas,tantoaquiquantoemoutraspartesde seu trabalho sobre ordemmoral, Park e outros chicagoenses tenderam a deixar como herança umtrabalhoinacabado,enãoumainabilidadededesenvolverumacompreensãodavidaurbana.

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Talcomoacontececomasplantas:aordemespacialdacidade

Houveumesforçoumtantomaissistemáticoparaesclareceroqueeraconsideradoaoutraprincipaldimensãodavidaurbana–defato,detodaavidahumana–adalutacruelpelasobrevivência.Jáemseuprimeirotrabalhoimportantesobreacidade,Parkobservouascaracterísticasextremamentevariadasdosbairros; elepôde, também,perceberqueestas característicasnãopermaneciamestáveis como tempo.Naspalavrasdeumdeseusalunos(ZORBAUGH,1929:235),noiníciodoséculoXXumobservadordocenáriodeChicago,podiavercomo

ruas residenciais da moda tornaram-se o bairro das casas de cômodos da região, as casas de cômodos setransformaramemcortiços,cortiçosforamreformadosemestúdioselojas.Umgruposucediaoutro,omundodamodatornou-seomundodosquartosmobiliadoseparaestemundovieramosmoradoresdesmazeladosdafavela.OenclaveirlandêsKilgubbintornou-seoSmokyHollowsueco;oSmokyHollowsueco,aLittleSicily;eagoraaLittleSicilypassouaserumbairronegro.

Park refletiu sobre essa mudança de padrões em uma série de estudos, onde desenvolveu sua“ecologia humana”. Era uma perspectiva analítica, onde a peculiaridade do fenômeno humano doconsensoedacomunicaçãotinhamimportânciainsignificante,eondeainspiraçãododarwinismosocialera óbvia. Havia um stratum de vida humana, onde as pessoas tendiam a se comportar como outrascoisasvivas,umstratum“subsocial”ou“biótico”,ondeadisputaeraa formabásicadecoexistência.Embora essas tendências possamou não ser influenciadas por fatores de ordem superior, tais como acoaçãomoral, elas tiveramumgrande impactona formaçãodacidademoderna.Parkdescobriuqueaanalogiacomaecologiavegetalseencaixavaperfeitamenteeescreveusobreautilidade,paraosestudosurbanos,dosconceitoscomoadominância,asimbioseeasucessão.Omaisimportante,contudo,eraadisputaeeleaviucomoumadisputaporespaço.Assim,oshabitantesmaisfortesdoambienteurbanoocupariam os locais mais vantajosos e os outros se adaptariam às suas demandas. Com o tempo, osprimeiros poderiam se expandir obrigando aos demais a se mudar para outro local. O princípio dasimbiose,segundooqualhabitantesdiferentespoderiamsebeneficiar,mutuamente,dacoexistênciaemumambiente,foiumfatormodificadoremtodooesquema.

OsprópriosestudosdeParksobreecologiahumanaeram,emsuamaioria,declaraçõesdeprincípiosgerais complementados com ilustrações adequadas. Coube a seus jovens associados, particularmenteRoderick McKenzie e Ernest Burgess, elaborar mais esses conceitos e demonstrar suas aplicaçõespráticas.Osegundo,especialmente,ofezdentrodocontextodeChicago.Jáqueaecologiahumanaforaconcebidacomoumasociedadedeespaçoecomoadisputaeraaforçaprincipalderegulamentação,foientendido que as várias atividades humanas seriam distribuídas de acordo com o valor do terreno.Burgess derivou disso seu famoso diagrama de tipo ideal da cidade como uma série de círculosconcêntricos(figura1).Dentrodoprimeirocírculoestavaobairrodecomércionocentro–emChicago“theLoop”–comospreçosdeterrenomaiscaros.Osegundocírculocontinhaa“zonaemtransição”,quefora invadidapelocomércioea indústria levevindosdocentro.Issoa tornousematrativoparaamaioriadoshabitantesque,então,fugiramparaasáreasresidenciaisdaszonasmaisperiféricas.Masazona de transição ainda continha colônias de artistas, bairros de imigrantes, e as áreas de casas decômodos.Elessomentesemudariamseconseguissemrejeitarseuambientedeterioradoouseocentroafluente,devidoaoseucrescimento,osforçasseairparaaindamaislonge.Osprocessoseconômicos,

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então, criaram “áreas naturais”, como os sociólogos de Chicago colocam – bairros que não foramconscientementeprojetados,masqueapenascresceram.

Essa visão da cidade foimuito criticada, em parte devido à tendência deBurgess e outros a nãodeixarclarosesuasinterpretaçõesdiziamrespeitosomenteaChicago,ouaqualquercidadeindustrialoua qualquer outra cidade de qualquer tipo[3]. De fato, teria sido prudente se tivessem feito apenasafirmaçõesmaislimitadas.Oesquemapareceu,porexemplo,pressuporumaextensadivisãodetrabalho,comusosdeterrenobemdiferenciadoseumaseparaçãoentremoradiaetrabalho;eleignorouofatodequesedeslocarpelacidadeseriamuitomaisinconvenienteemalgumascircunstânciasdoqueemoutras(dependendo,especialmente,datecnologiadetransporte),detalformaqueavidanosubúrbiopoderiaser um inconveniente para as pessoas que ainda tinham alguma escolha; excluiu, também, asconsideraçõessobreascaracterísticasnaturaisdolocalurbano;e,nãomenosimportante,suapremissadequeovalordos terrenosdependianecessariamentedomercadoenãodeoutros tiposdeavaliaçãonemsempreeraverdadeira.

Éclaro,omodeloaplicava-semuitobemaChicago,mesmoseoscírculosdeBurgesstivessemdeseestender até o LagoMichigan por um lado, e se as diferenças entre o norte e o sul tivessem de serminimizadas. Era uma nova cidade, onde nenhum sentimento de ligação com certas áreas erasuficientemente intenso para perturbar os processos econômicos, e era um lugar plano. E por maislimitações que a estrutura do pensamento tivesse, ela era importante para orientar os sociólogos deChicago.Nocasodosestudosaquedaremosumaatençãoespecialaseguir,essaestruturadeu-lhesumponto de apoio em territórios específicos, principalmente na zona em transição. Mas, comoveremos,nessescasos,a localizaçãodosfenômenosnoespaçofoigeralmenteapenasoprefácioparaotrabalhoetnográfico,ondeosconceitosecológicos,comoestavam,forampegosdesurpresapelofatorculturaleoutrosdaconsciênciahumana.Emoutrosestudos,adimensãoespacialpermaneceumaiscentral,jáqueelesseconcentraramnoestudoemgrandeescaladasdistribuiçõesdefenômenossociaisespecíficosnacidade.VimosquePark,comojornalista,jáhaviafeitomapaslocaisdascoisasqueestavainvestigando.NaUniversidadedeChicago,aideiafoiadotadacomoumaimportanteferramentadepesquisaeBurgess,emparticular,regularmentefaziausodeaulasde“patologiasocial”paraabordaracriaçãodemapas.Oresultado desse tipo de conhecimento acumulado foi uma série de estudos correlatos, usando dadosquantitativos abstratos – e não, como foi sugerido no capítulo anterior, na forma de conceituação epesquisaqueosantropólogosusualmentepreferem.Mas,naecologiaurbanasociológicaelessetornaramincrivelmente dominantes, sem mudanças fundamentais, quando os novos pesquisadores tentaramreconstruiraperspectiva,paraevitaralgunserrosanteriores sobreChicago.Aoconcentrarouagregarinformaçõesedesprezandoaopiniãointerna,elatomouumcaminhodiferentedaquelequeagradamaisaos antropólogos. Park, por seu lado, tinha suas dúvidas sobre o bom-senso em se desprezar ainformaçãoqualitativa,mastambémtinhainteresseemtornarasociologiamaiscientífica.Eaciência,naépoca,faziabastantemensuração.Então,pertode1930,naUniversidadedeChicagoeemoutroslocais,oqueeradenominadosociologiaurbanacomeçouaseafastardaetnografia.

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Figura1Odiagramatipo-idealdacidadecriadoporBurgess

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OsestudosdaChicagocomoantropologia

Parece justificável sugerir, portanto, que dois tipos de estudos urbanos foram criados naUniversidade de Chicago; concebidos em unidade, mas afastados em termos das características dastendênciasatuaisdadisciplina.Umtornou-semaisestritamentesociológicoeháumalinhacontínuadedescendênciaentreeleegrandeparteda sociologiaatual.Ooutroeramaisantropológico.Épossíveldizerqueelepossavirasetornarpartedaancestralidadedaantropologiaurbanasomenteporadoção;apropósito,podemosobservarquealigaçãoéumpoucomaisfortedoqueisto.

Quando o programa de pesquisa urbana começou a avançar, o divórcio entre a sociologia e aantropologia aindanãohavia começadonaUniversidadedeChicago.Somente em1929 foi criadoumdepartamentodeantropologiaseparado.NãoédoconhecimentogeralqueLeslieWhitefoiumprodutodesse departamento conjunto, já que sua antropologia evolucionista posterior tinha pouca semelhançaóbviacomaspreocupaçõesdosurbanistasdaquelauniversidade.Maistarde,WhitecomentouqueParkfoioprofessormaisestimulantequetiveranaChicago,emboranãosoubessemuitobemoqueaprenderacomele(MATTHEWS,1977:108).RobertRedfield,poroutrolado,quequaseàmesmaépoca,saíadodepartamento com seudoutorado, levou as preocupaçõesdos chicagoenses ao âmagoda antropologia,comoveremosnopróximocapítulo;eleera,alémdisso,genrodePark.

Oqueéigualmenteimportantenotaréqueessaeraumaépocaemqueossociólogoscontinuavamasepreocupar mais em se familiarizar com o estado atual da antropologia (e os antropólogos com o dasociologia)doque tenderama fazermais recentemente.AUniversidadedeChicago, alémdisso, tinhaumaatmosferaintelectualondeocontatoentreasváriasciênciassociaiseraexcepcionalmenteintenso.ÉnestecontextoquedevemosverofatodeThomas,jáem1909,terpublicadooSourceBookforSocialOrigins,umcompêndioimportantedefatosetnológicos,comumaediçãorevisadasobonovotítulodePrimitive Behavior, em 1937. E, em um comentário amplamente citado em seu artigo de 1915 sobreestudosurbanos,Parkobservouqueométodoantropológicopoderiaserumafontedeinspiraçãoparaapesquisaurbanaqueestavaporvir:

Até o presente a Antropologia, a ciência do homem, tem estado principalmente preocupada com o estudo depovosprimitivos.Mas,ohomemcivilizadoéumobjetobastanteinteressantedeinvestigaçãoe,aomesmotempo,sua vida está mais aberta à observação e ao estudo. A vida e a cultura urbanas são mais variadas, sutis ecomplicadas,masosmotivos fundamentais são,nosdois casos,osmesmos.OsmesmosmétodospacientesdeobservaçãoqueantropólogoscomoBoaseLowiedespenderamnoestudodavidaedoshábitosdosíndiosnorte-americanos, podem ser utilizadosmais proveitosamente na investigação de hábitos, crenças, práticas sociais econcepções gerais de vida prevalentes emLittle Italy, no baixo norte deChicago, ou registrando os tiposmaissofisticados de comportamento de um grupo de moradores de Greenwich Village e do bairro deWashingtonSquare,NovaYork(PARK,1952:15).

Park,noentanto,certamentetinhaoutrasfontesparaumaabordagemetnográficadavidaurbana–suaexperiênciajornalísticaeraumadelas,onaturalismoliteráriodeZola,DreisereUptonSinclaireraoutra–eoqueéimportantenãoéapenasagenealogiaintelectual.Oqueimporta,aocontrário,éque,qualquerque seja o local de onde as influências originais tenham vindo e onde quer que elas tenham idoposteriormente,muitosdosestudosacabaramseparecendobastantecomaantropologiaurbanadehoje.Issonãoétãoverdadeironoquedizrespeitoàteoriaexplícita,masmaisverdadeiroquantoàescolhademétodos e tópicos equanto à formade apresentação.Abateriametodológicadesses chicagoenses era

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similaraodosantropólogos,aoenfatizaraobservaçãode fenômenossociaisemseuambientenatural,masincluindoentrevistasinformais,pesquisaseacoletadedocumentospessoais,emcombinaçõesquevariavam de um estudo para outro. À medida que as informações colhidas por esses meios eramentrelaçadas,osresultadosforametnografiasbem-equilibradas,comênfasenaapresentaçãoqualitativa.E como a descrição, a seguir, de cinco dos estudos mais conhecidos pode demonstrar, os tópicosselecionadosforaminstituiçõese formasdevidade tiposque igualmente tenderamaatrairo interessedosantropólogosurbanosmodernos.

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HoboeseHobohemia

OprimeirodeumasériedeestudosbemconhecidosdosmundossociaisdeChicagoaserpublicadofoiTheHobo, deNelsAnderson, em 1923.Ohobo, comoAnderson o conhecia, era um trabalhadormigrante, geralmente nascido e criado nos Estados Unidos, que se deslocava pelo país sem planospredeterminados.A construção e o trabalho agrícola, a silvicultura e a pesca e uma série de biscatestemporários, todos encontraram lugar para o hobo. Porém, não muito tempo depois do estudo deAnderson,ficouóbvioqueessetipodenômademoderno,emparticular,eraumaespécieemextinção.Ohobo fezpartedeumasegunda fronteiraamericana,que foiparaooestemaisoumenosduasdécadasdepoisdaprimeira fronteira,no rastrodaestradade ferro.Novascidades,grandesepequenas,novasfazendaseindústrias,possibilitaramaexistênciadeumamãodeobraitineranteeaté,emparte,tinhamnecessidade dela. Quando essa fronteira também fechou, as vagas para o trabalhador temporáriodiminuíram bastante. E, então, o hobo passou para a história da fronteira. Grande parte do territórioocupadopelasociedadehobo,éclaro,estavasituadamaisparaooeste,masChicagocontinuavasendosuacapital.ParaChicagooshomensviajariamentretrabalhos.Chicagoeraaestaçãofinaldeestradasdeferroimportanteseoshobostinhamohábitodeviajarclandestinamentenostrensdecarga.Eleshaviamtomadopartenaconstruçãodasviasférrease,emChicagoeemoutroslugares,invadiamacampamentos,conhecidoscomo“jungles”quefrequentementeestavamlocalizadospertodostrilhos.Mas,emChicago,as jungles eram apenas uma parte domundo do hobo. A hobohemia de Anderson era parte da zonatransicional, uma área com hospedarias baratas, que podia competir com os desconfortáveisacampamentosdedesabrigados,mastambémondeohobosemisturavacomumavariedadedepessoaseinstituições.

NelsAndersonestavapeculiarmentebemequipadopararealizaroestudodavidahobo.Nelstinha,defato,abandonadoaescolasecundáriaparaserumjovemhobo,vagandopelooesteporalgumtempo,até queuma família de fazendeiros deUtah, quehavia lhedado trabalho, o encorajou a voltar para aescolae fazer faculdade.Duranteosestudoso rapaz fazia trabalhosmigrantesocasionaisedepois foiaconselhado,porumprofessor,afazersociologianaUniversidadedeChicago.Tendofeitousodesuaexperiênciaanteriorcomomaterialparaasuatesenauniversidade,eleconseguiuobterumfinanciamentopara continuar seus estudos nessa área. Para Anderson, como sociólogo, isso era observaçãoparticipante; para Anderson, como hobo, o estudo era uma forma de “sobrevivência”. E o sítio depesquisaeramasmesmasruas,becosetabernasondeelevenderajornalquandomenino.

Anderson avaliou que, por ano, uns 300.000 a 500.000 homens sem-teto passaram por Chicago,ficando apenas por alguns dias ou por longos períodos, dependendo de uma série de fatores, como asituaçãodomercadodetrabalhoeaépocadoano.Duranteoinvernomuitospermaneceriamnacidadeporperíodosmaislongos.Emqualquerépocahaviaentre30.000e75.000desseshomensemChicago.Mas, os homens sem-teto que, então, se juntavam nas “principais ruas” dos bairros transicionais deChicago, não eram todos hoboes. Cinco tipos principais podiam ser distinguidos, de acordo comAnderson,eohoboeraapenasumdeles.Oprimeiroeraotrabalhadorsazonal,queseguiaumcicloanualmaisoumenosfixo,principalmentedetrabalhoagrícola,comooscamponesesmigrantesamericanosdehoje. Na terminologia do nomadismo, seu padrão migratório podia ser visto como uma espécie de

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transumância.Osegundotipoeraohobo,tambémumtrabalhadormigrante,masnãoumqueseguisseumitinerário previsível e recorrente. O terceiro tipo era um migrante, mas não um trabalhador; era ovagabundo,queganhavaavidamendigandooutalvezroubando.Oquartotipoeraohomeguard,queeraumtrabalhador,masnãoummigrante.EnquantoohobonormalmentenãopegassetrabalhosemChicago,o home guard era uma espécie de sua contrapartida urbana localizada; ele permanecia na mesmacomunidade, mas vivia entre o trabalhomalpago e o biscate, com suas raízes, se tivesse alguma, nasociedadedasruasdahobohemia.Oquintotipoeraomendigo,maisnecessitadodoquequalquerumdosoutros,quenãotrabalhavaenãoeramigrante.Entreessestiposhavia,éclaro,gradações,eoshomensestavam,constantemente,transferindo-sedeumacategoriaparaoutra.

Exatamenteporquemotivooshomenssem-tetose tornaramhomenssem-teto,nãoerasemprefácildescobrir,jáqueopassadodecadahomemeraoseuprópriosegredo,emboranotíciasmenospessoaissobreascondiçõesdavidanaestradafossem,deboavontade,trocadas.Mas,umavariedadederazõespoderia ser colhida. Alguns simplesmente foram em busca de novas experiências. Outros foramempurradosparaforadotrabalhoestávelpelascontradiçõesdomercadodetrabalho.Jáoutrosdeixaramcrisesfamiliaresatrásdesi.Algunssofriamdedeficiênciafísicaoumental.Comascondiçõesdevidaetrabalho encontradas pelos homens sem-teto, a maioria deles, tempos depois, acabaria nessa últimacategoria.Oalcoolismotambémteveseupreço,assimcomoousodedrogasemmenorescala.

Os homens tinhammuito pouca contrapartida feminina[4]. Amaioria deles não era casado, algunstinham se separado de suas famílias. A prática homossexual ocorria com alguma frequência, talvezespecialmentenosacampamentosdetrabalho,assimcomoemoutrassituaçõesdeisolamentosexual.EmChicagohaviamelhorchancedeseacharcompanhiafeminina,nossalõesdedança,entreasmeninasdoteatroburlescoouentreasprostitutas.Algunsseacalmavamcomassuasparceirasedeixavamomundodoshomenssem-teto,masamaioriadelestinhasomenterelacionamentospassageiros.Nahobohemia,orelacionamentoentrehomememulhereraapenasumdosmuitosexemplosdesimbioseentreosemtetoeoutrosgruposouinstituições.Haviaumascinquentaagênciasdeempregoquemantinhamoshoboesindoe voltando entre Chicago e o oeste. Havia os penhoristas, os restaurantes onde podia-se comer umarefeiçãonãomuitoatraentepordezcentavos,oshotéisepensõesbaratasondeelespodiamficar.Haviaescolasdebarbeiro,ondeostreinadosnecessitavamdealguémparapraticar,alguémquenãoreclamassedosresultadosdesdequeopreçofossejusto.

Emboranacidadeoshobostivessemmuitotemposobrando,maspoucodinheiro,muitodestetempoeragastosubindoedescendoasruas,olhandoasvitrinesàprocuradecomidaetrabalho.ElespodiamirparaaWashingtonSquare,a“BughouseSquare”nosmapashobo,paraouvirosoradoresdepalanqueque falavamsobre assuntosvariadosde ciência,política, economiae religião.Paravamparaouviroscânticos dos coros de missões religiosas ou a inspirada arte de vender do mascate. Se sua situaçãoeconômicaficasseparticularmenteruimpodiamsevoltarparaavendaambulanteoumendigar.Embora,talvez,grandepartedoshomenssem-tetofossehostilàsreligiõesorganizadas,algunssesubmetiamaser“convertidos”emtrocadecamaecomida,masissoeramaisfrequenteentreosvagabundosoumendigosdoqueentreoshobos.Eleseramapelidadosde“missionstiffs”;oshomenssemtetodesenvolverambemum vocabulário de tipos sociais que os permitia se comunicar eficientemente sobreacomodações epersonalidadesemseumundoemconstantemudança.O“junglebuzzard”ganhavaavidamendigandonas

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jungleselavavapotesepanelasparaoutrohomem,emtrocadoprivilégiodecomeroquesobraraneles.O “jack roller” roubava os colegas vagabundos enquanto estivessembêbados ou dormindo; é sobre ojovemdeste tipoqueCliffordShaw(1930),outrochicagoense, realizouumestudodehistóriadevidamuitoconhecido.A“gunmoll”eraumavagabundaperigosa.Assimcomoosesquimós,quecriaramumasériedenomesparatiposdiferentesdeneve,oshoboesprecisavamdetermosparapensarefalarsobretiposdepessoas.Emborativessefeitopoucomaisdoqueperceberaexistênciadessestermos,épossívelconsideraraatençãoqueAndersondeuaelescomooprimeiropassoemdireçãoaoestudoetnocientíficodo nomadismo urbano, retomado mais recentemente por Spradley (1970, 1972), cujos estudos devagabundosdemonstraramquealgunsdosmesmostermoscontinuamsendousadosquase50anosdepois.

Oestilodevidaitinerantedohoboobviamentenãopermitiuumaorganizaçãosocialmuitosólidaeoshomens mantinham tais agências externas, como as da missão religiosa e de caridade, a distância.Todavia,duasorganizaçõesexistentesnãoeramapenasparaohobo,masemalgumamedida,tambémdohobo. Ambas tinham o objetivo político de melhorar a sorte dos trabalhadores migrantes, mas suaestratégia era diferente. Uma delas era a reformista International Brotherhood Welfare Association,fundadaporJamesEadsHow,herdeirodefortunadefamília,queesperavaacabarcomapobrezaatravésdaeducação.Paraessefim,eleapoiou“asuniversidadeshobo”,salasdeconferênciaondeoshomenspodiamirparaouvirpalestrasediscutirasquestõesdodia.AIbwatambémtinhaalbergues.Devidoaocontrole deHow sobre os fundos, no entanto, ela só podia ser umaorganização dos homens sem-tetoparcialmente;emparteelacontinuavasendoumainstituiçãobeneficente,mesmoquefossededicadaaoobjetivo de construir “uma sociedade semclasses sociais”. Portanto, ela diferia significativamente daoutra organizaçãodemaior impacto sobre a sociedadehobo – os IndustrialWorkers of theWorld, os“Wobblies”.AIWW,éclaro,nãotinhacomometaapenasorganizaroshoboes,masentreelesencontrouseuapoiomaisforteeistocontribuiuparafazerdeChicagoacapitaldoswobblies.Seusorganizadoresviajaram muito por todo o oeste, vendendo o cartão vermelho de membro, às vezes pela persuasãoideológica e, outras vezes, por meio de ameaças. Alguns hobos, pelo menos, podiam, assim, serconsiderados uma parte politicamente consciente do lupemproletariado. Eles eram os homens queapoiavamaslivrariasradicaisdahobohemia,liamoHoboNewseoIndustrialSolidaritye,deacordocomumalistadeleiturasrecomendadaspelaIWW,deabrilde1922,podiamrefletirsobreosignificadodaAncientSociety,deLewisHenryMorgan.Elestentariampassaramensagemadiante,discursandona“BughouseSquare”,ealgunsdelestentavamescrever,emborasóalgunspoucos,comoJoeHillcomsuasmúsicas,ganhassemqualquerreconhecimentoporseusesforços,mesmoentreoutroshobos.

TalvezporqueAnderson,comsuaexperiência,pudessetorná-loum“trabalhointerno”,TheHobo,emtermos de riqueza etnográfica, foi considerada uma das melhores monografias da Universidade deChicago. Se havia uma tendência ao romantismo envolvida em sua maneira de retratar o mundo doshomenssem-teto,issopodeserdevidoemparteaestatendênciageralentreossociólogosdeChicago,eem parte a alguma nostalgia sua.Mas, essa nostalgia, por sua vez, talvez possa ser fundamentada naconsciênciadeque,pelomenosparaohobo,essemundopodiaconterumaformadevidarazoavelmenteviáveleumacoerentevisãodemundo.Ohobo,ParkescreveunoTheCity,era“oboêmionascategoriasdemãodeobracomum”.Mas,seépossívelquealgunsconsiderassemqueesseeraumestilodevidacom algumas satisfações, claramente não era assim para todo hobo e ainda menos provável para ovagabundoeomendigo.Comofimdohoboesomenteessesúltimosaindapermanecendo,oSkidRow

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dascidadesamericanas,queéosucessordahobohemiacomobairrodoshomenssem-teto,continuaaterpoucomaisdoqueoselementosdatragédiahumana.

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1.313gangues

Chicago,nadécadade1920,tinhaumgrandenúmerodeorganizaçõescomnomescomo“BucketsofBlood”,“theDirtySheiksandWailingShebas”e“theHawthorneToughs”.Esses,eoutrosexemplos,demeninosejovensemgrupos(commulheresraramenteincluídas),foramotemadoTheGang,deFredericM.Thrasher,publicadopelaprimeiravezem1927,umainvestigaçãopioneirasobreadelinquêncianavida urbana. Seu subtítulo a descrevia como “um estudo de 1.313 gangues em Chicago”, um númeroenorme,considerando-sequeospesquisadoresmaisrecentesdegangues,geralmenteficaramsatisfeitosdecobriruma.É, também,umnúmeroquepode sugerirque isto seriaumestudogirandoem tornodamanipulaçãoestatísticadeumnúmerogigantescodedadosquantitativos.Essenãoéocaso,noentanto,jáqueasinformaçõesdeThrashersobreasváriasganguesnãoeramestritamentecomparáveise,assim,nãoeramgeralmente receptivasa tal tratamento.Algunsdadosvieramdereportagensde jornais,outrosdeobservaçõespessoaiseaindaoutrosdedocumentospessoaisdemembrosdasganguesedeobservadoresdestecenário. (Thrasher,aparentemente, recebeuaajudademuitosgarotosdeganguesmostrandosuashabilidades comomágico.)De fato, não fica exatamente claro comoThrasher enumerou suas gangues.Contá-las e separá-las por entidades distintas certamente envolveria algumas dificuldades, já que “oprocesso de formação de uma gangue é um fluxo contínuo e há pouca permanência na maioria dosgrupos”.Algumasdelastinhamapenastrêsmembros;outrasreuniammilhares.Noprimeirocaso,éclaro,acaracterísticado“agoravocêvê,agoravocênãovê”devetersidoinevitável.

Embora Thrasher pudesse fornecer tabelas de dados numéricos para algumas características dasgangues–masapenasparaproporçõesmuitovariáveisdaspopulaçõesde1.313–ele,destaforma,usouaamplitudedesuasinformações,emgrandeparteparaindicartemasevariações.OleitoratualdoTheGang,independentementedeficar,talvez,umpoucoimpacientecomalgunsdosargumentospsicológicos,podeacharessaapresentação,àsvezes,umpoucoforadefoco,ou,piorainda,contraditória.Aotentargeneralizarsobregruposcomorientaçõesecaracterísticasdosmembrosbemdiferentes,taisproblemaspodemseresperados.Emboragrandepartedosmembrosdasgangues fossedeadolescentes,Thrashertinhagruposcommembrosdeapenasseisanosdeidadeeoutroscomaté50anos.Certamente,teriasidouma tarefamaismanejável lidar com uma quantidade de gruposmenor, ou com grupos de tiposmaisacentuadamentedelimitados.OqueThrasherdeuaosseusleitores,emvezdisso,foiumavisãogeraldetodo o complexo de formação de gangues, irritantemente obscuro em alguns aspectos, mas, bastanteesclarecedoremoutros[5].

Umadescoberta importantedescoberta foi que a formaçãodegangues tinhaumaspecto territorial.Elassurgiamnosubmundodocrime,eistocoincidemuitocomazonadetransiçãodoesquemaecológicodeBurgess.

Provavelmente,oconceitomaissignificativodoestudosejaotermo intersticial– istoé,pertencenteaespaçosqueintervêmentreumacoisaeoutra.Nanaturezaomaterialestranhotendeaseacumularesolidificaremcadafenda, rachadura e greta – interstícios.Há, também, fissuras e rupturas na estrutura da organização social.Aganguedeveservistacomoumelementointersticialnaestruturadasociedade,eosubmundodocrimecomoumaregiãointersticialnodesenhodacidade(THRASHER,1963:20).

Opontoera importante,primeiramente,porqueneleestá sugeridoqueasgangues faziampartedascaracterísticassociaisdaprópriaárea,emvezdeserqualquergrupoemparticularqueseencontrasse

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ali.Thrashernotouqueumavariedadedegruposdeimigrantespassoupelazonatransicional,comoáreade primeiro acampamento e embora tendessem a formar grupos enquanto estivessem ali, o índice deformaçãodegangues,emgeral,caíadrasticamentequandosaíamdali.Asgangues,portanto, tinhamdeservistascomoparteintegraldadesorganizaçãosocialqueeledescobriusertípicadazonatransicional.

Mesmoassim,elenãopodia ignorar totalmenteasmaneiraspelasquaisaetnicidadedirecionavaavidadagangue.Das880ganguesemqueelecolheuinformaçõessobrecomposiçãoétnica,quase60%eram, exclusiva ou dominantemente, de um grupo étnico.Naturalmente, alguns grupos étnicos supriammais gangues do que outros, simplesmente por serem umamaior proporção da população.Mas haviatambémalgumavariação relativa a essaporcentagem.Poloneses, italianos, irlandeses enegros tinhammuitasgangues,partindo-sedessepontodevista.Alemães,judeusesuecostinhampoucas.Emparte,masnãototalmente,seriaumafunçãodequaisgruposétnicosjátinhamcomeçadoasairdazonatransicional,jáqueThrasher faziaoscálculos tendoemvistaosnúmerosdapopulaçãodeChicagocomoum todo.Alémdisso,seusnúmerosnãonosdizemsealgumgrupoétnicofezsurgirganguesmaioresdoqueoutras,de maneira que um pequeno número delas pudesse abranger uma parte relativamente grande dapopulação.Provavelmente,noentanto,haviatambémalgumasreaisdiferençasculturaiseorganizacionaisentreosgruposétnicos–Thrasherutilizouocontrasteentrejudeuseirlandesescomoexemplo.

Entretanto, a etnicidade não era a única, talvez nemmesmo a base principal da formação de umagangue e de seus conflitos.Havia antagonismo entre os grupos, em níveis econômicos diferentes, e ahomogeneidadeétnicapode,muitasvezes,tersidoumcoincidentedeterritorialidade.Asgangueseram,namaioriadasvezes, recrutadasnobairro,ecomograndepartedazona transicionalconsistiadeumavariedadedebairrosétnicos,asganguesétnicaseramumaconsequêncianatural.Seessesbairrosfossemameaçados pela invasão de outro grupo étnico, a solidariedade étnica da gangue podia aumentar, namedida emque o conflito entre as gangues se tornava uma expressão da luta.Onde os bairrosmistosalcançaramalgumaestabilidade,poroutrolado,asganguestambémerammistas.

Thrasherdescobriuaorigemdasganguesnapequenaeinformalturmadecrianças,mesmoabaixodaidade escolar; este foi ummotivopara que ele sentisse ser necessário observar tudo, destes grupos àmáquina política e ao crime organizado como um único campo social. Gradualmente, os gruposdesenvolveriamumaestrutura internaecompartilhariamtradições.Oque, finalmente, transformariaumgrupoemumagangue,noentanto,eraareaçãoàoposiçãoeàreprovaçãodeseuambiente–agangueeraumgrupodeconflito.

Certamente, ela não estava frequentemente envolvida em conflitos graves. Thrasher percebeu quegrande parte da atividade da gangue envolvia simplesmente andar a esmo e explorar o mundo,experimentando novos padrões de comportamento e criando fantasias românticas que tirassem suasmentes, pelo menos momentaneamente, de seu ambiente restrito. A caminhada, o esporte, o teatroburlescoeo filmede suspensedesempenharamumpapel tão fundamentalnissoquantoasbrigasentregangues.Thrasherviunissoumabusca interminávelparanovasexperiências,umdos“quatrodesejos”queThomas formulara como amola principal damotivação humana[6].Mas, ele não estabeleceu umarelaçãomuitoclaraentreessabuscaeaposiçãoestruturaldosmeninosdegangue.Emboraossociólogosdedelinquência,maisrecentes,comseuconceitomaissocializadodohomem,tivessemfrequentementevistoocomportamentodasganguesemtermosdeinsegurançaeproblemassimilares,paraThrasherele

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eraumsinaldeindependência.Osubmundodocrimeeraumafronteiramoralecultural,ondeanaturezahumanapodiaserexpressaemestadobrutoeomeninodagangueeraumfronteiriço.

Deixe-nosvoltar,entretanto,paraoenvolvimentocomoconflito.Elenãotomaumaformaidêntica,ou igualmente grave, em todas as gangues e Thrasher descreveu uma tipologia que nos permitecompreender um pouco as variações.O “tipo difuso” era apenas a gangue rudimentar. Seusmembrospodemmorarnomesmobairroeassiminteragirtodososdiase,ocasionalmente,irãobrigarjuntos.Mas,a lealdade ou a estrutura interna não eram fortemente desenvolvidas. Dentro desse tipo, geralmenteatravésdeconflitomaisprolongado,o“tipo solidificado”podiadesenvolver“umamáquinadeguerrabemintegrada,pormeiodoqualagangueapresentaumafrentesólidacontraseusinimigos”.Esseeraotipomaispurodegrupodeconflito,quevalorizavaoconflitoemsi,estimavasuareputaçãodedurãoemantinhaumcódigorígidodelealdade.Geralmente,ogrupoeradeadolescentes.Quandoseusmembrosficavammaisvelhos,e seeles simplesmentenãoabandonassemavidadegangue,algumassequênciasalternativas de desenvolvimento poderiam ocorrer. A gangue podia virar uma sociedade secreta,desenvolvendorituaisaparentementemaismotivadospelaexcitaçãodomisticismo.Esse,provavelmente,seria o grupo predominantemente pacífico, buscando um padrão de organização de grupo com algumprestígio em uma sociedade ampla e continuando a dar sociabilidade a seus membros. Outrapossibilidadeeraqueelapoderiasetornarum“tipoconvencionalizado”degangue,descartandosuamaisostensiva orientação de conflito e alcançando legitimidade, como um clube com algum propósitosocialmenteaceitável.Avariantemaiscomumeraoclubeesportivo,pormeiodoqualpelomenosalgunsmembrosestabeleceriamcontatocomesportesorganizados.

Muitasvezes,noentanto,elatambémestaráligadaàpolítica,quandoummembrodamáquinapolíticaderseupatrocínioemtrocadeváriostiposdeapoio,comoconseguirvotosemdiadeeleição.Essaeraumadasmaneirasdeintegraraganguenaestruturamaisampladomundoadulto.Outraeraassumirumaorientaçãomaisinstrumentalparaocrimeeligar-semaisdefinitivamenteaosubmundo.Muitasgangues,é claro, tinham o hábito de roubar ocasionalmente, devido a uma mistura de motivos econômicos eexpressivos, e seus bairros foram, por vezes, redutos do crime organizado, que podiam desempenharalgum papel em sua socialização informal. Algumas gangues tinham seus próprios Fagins, Thrasherobservou. E na época da proibição de venda de bebidas alcoólicas, havia um extenso escopo paraatividadesilícitas.

Quando as gangues se tornavam sociedades secretas ou clubes esportivos, elas necessariamenteassumiamumaestruturamais formal.Emoutros tiposdegangues,as relações internaseram,commaisfrequência,informalmenteordenadasetalordempoderiaexistirentrelaçadacomaorganizaçãoformal.Em sua atenção não só para com os líderes, mas também para o papel do “menino engraçado”, do“maricas”,do“exibicionista”,edo“pateta”,nadivisãoinstrumentaleexpressivadetrabalhonagangue,Thrashertornou-semaisespecificamentemicrossociológicodoqueamaioriadossociólogosdeChicagoemostrou um notável conhecimento da dinâmica de pequenos grupos. Nisso, assim como em notar ainclusão de gangues nas estruturas da máquina política e do crime organizado, ele prenunciou asrealizaçõesdeWilliamF.Whyte,emStreetCornerSociety(1943).Whyte,éclaro,decertaformapôdesermaissistemático,namedidaemquelidoucomapenasumaúnicagangueedecisivamente,fezquestãodesalientarquea favela tinhaumaorganizaçãosocialprópria,ao invésdemeradesorganização.Mas

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Thrasher,enquantoseapegaaovocabuláriodeseuspares,nãoestavatãodistantedetalcompreensão:As gangues representam o esforço espontâneo de meninos de criar uma sociedade para si, no caso em quenenhuma sociedade que seja adequada às suas necessidades exista [...] A incapacidade de controlar e dirigirnormalmente os costumes e instituições para que funcionem eficientemente é, na experiência dos meninos,indicada pela desintegração da vida familiar, pela ineficiência das escolas, pelo formalismo e externalidade dareligião, pela corrupção e indiferença da política local, pelos baixos salários e a monotonia das atividadesocupacionais,pelodesempregoepelafaltadeoportunidadeparaarecreaçãosadia.Todosessesfatoresentramnocenáriodafronteiramoraleeconômica,e,juntamentecomadeterioraçãodahabitaçãoedosaneamentoedasoutrascondiçõesdevidadafavela,dãoaimpressãodedesorganizaçãoedecadênciageneralizadas.Aganguefuncionacomreferênciaaessascondiçõesdeduasmaneiras:elaforneceumsubstitutoparaoqueasociedadefalhaemdareumalívioparaasupressãoeocomportamentodesagradável(THRASHER,1963:32-33).

Emoutraspalavras:aprópriagangueeraorganização,emvezdedesorganização,umaadaptaçãoaumambienteindiferente.EsseexemplodeveriaseróbvioosuficienteparademonstrarcomoosconceitosdaChicagoàsvezestraíamasobservaçõesdeChicago.

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ObairrojudeunaEuropaeAmérica

TheGhetto(1928),deLouisWirth,foi,emmaiormedidadoqueasoutrasmonografiasrespeitantesadeterminadosbairrosdeChicago,umaobradehistóriasocial–nadasurpreendente,jáqueobairrojudeufezasuaapariçãonosEstadosUnidoscomumpassadojáprontoeóbvionoVelhoMundo.Wirth,assim,passouquaseaprimeirametadedeseulivrodiscutindoofenômenoguetonaEuropa,apartirdadiásporaatéoséculoXIX,caracterizadopelaemancipaçãodaEuropaOcidentalepeloaumentodarepressãonoOriente.Emseuinício,osguetoseramconcentraçõesvoluntáriasdejudeusembairrosespecíficos;como passar do tempo, sua segregação ali se tornou publicamente regulada, aomesmo tempo em que osmeiosdesubsistênciadosjudeusficaramcadavezmaiscircunscritosaumnúmerolimitadodenichos.Porumlado,ahistóriadoguetonaEuropaé,portanto,odainstitucionalizaçãodeumafronteiraétnica.Os judeus eram úteis, pelomenos para algumas partes da sociedade ao redor e, portanto, em grandemedidatolerados,massofrendoataquescontínuoseímpetosdeperseguiçãoqueummembrodaminoriadificilmentepoderiasepermitiresquecer.Poroutrolado,oguetotinhaumaautonomiaconsiderável,pelomenosaoquedissesserespeitoaseusassuntosinternos.Omundoexteriortinhaatendênciadetratá-locomoumacomunidadecorporativa,responsável,deummodogeral,pelacondutadeseusmembros.Seusimpostos, por exemplo, eram cobrados dos oficiais da sinagoga em uma quantia única. Dentro dessacomunidade, instituições religiosas, jurídicas, educacionais e de assistência social cresceram,emaranhandooshabitantesdoguetoemumateiadevidaqueosligavaentresieosseparavadosdefora.Mas, também, tinha uma dimensão informal, emocional, que dificilmente eramenos importante para ohomemdogueto.

Emboraseuscontatoscomomundoexteriorfossemcategóricoseabstratos,dentrodesuaprópriacomunidadeeleestavaemcasa.Ali,podiarelaxardaetiquetaedoformalismopelosquaissuacondutanomundogentioforaregulada. O gueto proporcionava libertação. O mundo, em geral, era frio e estranho, seu contato com elelimitando-seaointercursoabstratoeracional.Mas,dentrodoguetoelesesentialivre.[...]Semprequeretornavadeumaviagemaummercadodistante,oude seu trabalhodiário,queerampredominantementeemummundogentio, elevoltavaparao seio familiar, ali para ser recriado e reafirmadocomohomeme como judeu.Mesmoquando estavamuito afastadoda família, vivia suaverdadeira vida interior, nos seus sonhos e esperanças comeles.Comosdasuaprópriaespécieelepodiaconversarnalinguagemdomésticaefamiliarqueorestodomundonãoconseguiaentender.Estavaconectadoporproblemascomuns,porinúmerascerimôniasesentimentosaseupequenogrupoquevivesuaprópriavida,alheioaomundoalémdoslimitesdogueto.Semoapoiodeseugrupo,semasegurançadequedesfrutavaemseucírculoprivadodeamigosecompatriotas,avidateriasidointolerável.

EmsuadiscussãosobreoguetoeuropeuWirthusou,particularmente,oexemplodeFrankfurt,omaisfamoso dos bairros judeus da Europa Ocidental. Mas durante o século XIX, os judeus da EuropaOcidental foram atraídos, cada vez mais, para o comportamento de vida predominante em suasrespectivas sociedades.Muitos estavam na linha de frente do iluminismo intelectual cosmopolita. NaEuropa Oriental, a situação era bem diferente. Muitas vezes, isolados no meio de uma sociedadecamponesa, os judeus continuavam a se voltar para a sua própria comunidade, sua visão de mundofortemente tingida pelo misticismo. Enquanto os guetos ocidentais começaram a se dissolver, ascomunidades orientais ainda estavam encapsuladas em sua condição deminoria. Essa diferença entreOriente e Ocidente, na Europa, foi um fato de importância fundamental quando a história dos guetosamericanoscomeçou.

Como,então,eraoguetodeChicagodeacordocomoqueWirthodescreveu?Paracomeçar,porum

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períododeváriasdécadasdevidajudaicanacidade,nãohavianadaquepudesse,apropriadamente,serchamadodegueto.Apequenacomunidade judaica, recrutandonovosmembros, lentaegradativamente,não estava exatamente espalhada de forma aleatória no espaço,mas tambémnão estava isolada. Seusmembrosestavam,emsuamaioria,envolvidoscomocomércio,combastantesucessoetinhamumasériede contatos com outros chicagoenses. Visto que amaioria deles era de origem alemã, sentiam poucainclinação para erguer barreiras contra a sociedade ao seu redor e se esforçavam para moldar asinstituições que construíram, de forma que se encaixassem no padrão comum de vida respeitável daAmérica urbana. Na última parte do século XIX, no entanto, o número de judeus recém-chegadoscontinuouacrescereagoraeleseram,emsuamaioria,doLesteEuropeu–poloneses,russos,romenos.Esse foi o período em que o crescimento de um gueto realmente começou no lado oeste deChicago,continuando até que, com uma população demais de um quarto demilhão nomomento do estudo deWirth, a comunidade judaica deChicago era a segundamaior de qualquer cidade americana, emboraaindacomgrandeinferioridadenuméricacomrelaçãoadeNovaYork.Mas,claro,essaquantidadetodadepessoasnãomoravanogueto.Emprimeiro lugar,os judeusmaisbem-estabelecidospermaneceramnaqueles bairrosmais satisfatórios onde já haviamcriado raízes.E aqueles para quemogueto fora opontodeentrada,sairiamgradualmentedali.

Ondeojudeuchicagoenseescolheuparamoraré,realmente,ofocodoestudodeWirth,jáque,fielàsinclinações ecológicas de sua fraternidade sociológica, ele observou que “onde o judeu more é umindicadortãobomquantoqualqueroutrodotipodejudeuqueeleé”.Oguetodoladooeste,naverdade,transformara-se, em alguns aspectos, nos antigos guetos da Europa. Uma barreira, embora agorainvisível, aindaparecia cercá-lo eproteger a vidada comunidadedas influências externas.Sinagogasortodoxasfloresceram,compensandoemquantidadeoseutamanhoeaparênciafrequentementemodestos.O idioma era o iídiche e a vida social formal e informal, girava em torno daLanckmannschaften depessoas da mesma cidade ou região do antigo país. As sinagogas, as sociedades de ajudamútua, associedades funeráriaseasescolas religiosas foramcriadassobreessabaseeoscompatriotaspodiamrelembrarjuntosopassadoetrocarideiassobreoseunovopaís.Noentanto,acriaçãodeinstituiçõestambém ocorreu, baseando-se em toda a comunidade. Havia a imprensa iídiche e o teatro iídiche, osionismoeosocialismotinhamgrandeapoio,comojáhaviamtidonaEuropaOriental.

Mas, apesar de toda a intensidade de sua vida interior, o gueto era uma comunidade vulnerável.Desdeoinício,seushabitantesviramquehaviajudeusquepreferiammorarforadali,queaparentementehaviam rejeitado os conceitos do gueto sobre a identidade judaica. Os judeus alemães, naturalmente,eram predominantes entre estes. Os europeus orientais do gueto agora frequentemente os viam comoapóstatas.Aomesmo tempo,outros laçosuniamosdoisgrupos.Oseuropeusorientais tinhamchegadoquasesemdinheiroeavidanoguetoparaestes recém-vindos foicaracterizadapelapobrezaextrema.Motivados,semdúvida,empartepelohumanismoeasolidariedadeétnica,osjudeusalemãesrealizaramuma variedade de projetos para auxiliar os pobres do gueto; de certa maneira, eles também foramimpulsionadospelodesejoderespeitabilidade,que tantasvezes foiumfortemotivoentreosmembrosdasminoriasamericanasemmelhorsituação,queentendiamqueareputaçãodosguetosjudeustambémiria refletir sobre eles. Para muitos dos europeus orientais, um desses compatriotas étnicos já bem-sucedidostambémsetornariaoprimeiropatrão.Noentanto,seosdoisgruposfossem,assim,dealgumaformaligados,anaturezahierárquicadosrelacionamentostambémpodiaaumentaradiscórdia.

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Conforme o tempo passava, os judeus alemães já não estavam sozinhos como símbolo da relaçãoproblemática entre o judaísmo e o sucesso, como era entendido no gueto.Os homens que subiramdevida,deumcarrinhodemãonomercadodeMaxwellStreetparaumapequenalojaedepoisparaumaempresadevendasnoatacado,começaramaseafastardoscostumesqueinterferiamnoprogresso,eapróximageraçãoteveaindamaispropensãoaquestionarosvaloresantigos.

Essedilemadeadaptação levouàdiferenciaçãodacomunidadedoguetoe tambéma seudeclíniocomocentrodavidaétnica.Oshabitantestinhamumvocabulárioparaisso.Haviajudeusbem-sucedidosqueeramMenscken,quetinhamdadocertosemsacrificarmuitodeseujudaísmo.MashaviatambémosAllrightnicks, considerados oportunistas culturais cuja mobilidade econômica fora acompanhada pelodesrespeito aos padrões da comunidade tradicional[7]. Aqueles que pareciam moldar seu novocomportamento de acordo com aquele dos judeus alemães ficaram conhecidos comoDeitchuks: e àmedidaqueeles semudarampara longedoguetodo ladooeste,gradualmente tomandoocomandodaárea deLawndale dos irlandeses e dos alemães, este novo bairro, socialmente superior,mas comumsabor étnicomuitomenos distinto, ficou conhecido pelosmoradores do gueto comoDeutschland. Umnúmerocadavezmaiordelessubiunavidaesemudouparaforadogueto,porém,atéaquelesquetinhamido para Lawndale para escapar do gueto, descobriram que ele os havia seguido para o novo local,mesmoquetivesseperdidoalgumasdesuascaracterísticas.E,assim,umanovaondadedispersãoteveinício,parabairrosque,senãofosseporisso,nuncateriamtidoumaconcentraçãoétnicatãoforte.

TheGhettomostraas influênciashabituaisdopensamentoecológicodaChicago.VimosqueWirthencontrounamoradiaumindicadorútildeestilodevida.Algunsfatoresculturaisemparticular,comooacessoaummercadoearelaçãocomoutrosgruposétnicos,podemter tidoalgumainfluênciasobrealocalização do gueto; ainda assim, as leis da concorrência econômica eram supremas, e por isto,basicamente,oguetoeraomesmotipode“áreanatural”,comoLittleSicily,oBlackBeltoumesmoumaáreade consumodedrogas.Cadaárea tinha a suaprópriavida e entre elaso contato era superficial.Novamente,Wirthtrouxeaimagemdasimbioseentreplantas.

AtémaisdoqueumaobrasobreaecologiadeChicago,noentanto,TheGhettopodeservistocomouma expressão da influência do pensamento de Park sobre relações raciais[8]. O “ciclo de relaçõesraciais”típicoapartirdoisolamentolevariaàcompetição,aoconflitoeàacomodaçãoatéaassimilação–oguetorepresentavaaacomodaçãoeasaídaeraoiníciodaassimilação.Essa,noentanto,eraumafasedifícil.Apessoaenvolvidanela,notermocunhadoporPark,um“homemmarginal”.Noestágioanterior,Wirth sugeriu um tanto duramente, “o gueto judeu é provinciano e temumapersonalidade ananicada”.Quando ele entra na sociedade mais ampla, “ele está sobre o mapa de dois mundos, e não estáconfortávelemnenhumdosdois”.

Escritoresposteriores,comovimos,fizerammuitousodoconceitodohomemmarginal;outrosotêmcriticadoduramente. Isso,noentanto,é tangencialàsnossaspreocupaçõesaqui.Oquedeveria, talvez,emvez disso, ser enfatizado, é que a constantemudança, que segundo a descrição deWirth, aconteceapós a saída do gueto, não necessariamente acaba em assimilação. Como Amitai Etzioni (1959)assinalou,emumacríticadoTheGhetto,umacomunidadeétnica,emboradeumtipoumpoucodiferente,podia se estabilizar novamente sem uma base territorial. ParaWirth, um agnóstico de origem judaicaalemã, talproposiçãopode tersidoneminteressantenemdesejável.Mas talvez tambémasuafaltade

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preocupaçãocomtalalternativaéopreçoquetevedepagarporsuainclinaçãoecológica.

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PanoramadoBaixoLadoNorte

EmsuaintroduçãoaolivrodeHarveyW.Zorbaugh,TheGoldCoastand theSlum (1929),RobertParktraçouadiferençaentrecomunidades“descritíveis”e“indescritíveis”.Asprimeiraseramlocaisdeunidade e charme; as últimas não tinham estas qualidades.OBaixo LadoNorte deChicago, tema damonografiadeZorbaugh,eraclaramenteindescritível.Omaisquestionáveleraseelerealmentepodiaserchamadodecomunidade,umavezqueaáreacompartilhavapoucomaisdoqueumadesignaçãocomum.Mas aomesmo tempo, como o título do livro pode levar a crer, tampouco se tratava de apenas duascomunidades.Zorbaugh,defato,delineouseis“áreasnaturais”noBaixoLadoNorte–TheGoldCoast,azona de casa de cômodos,Bohemia, a dilapidada área comercial e de entretenimento que tinha comocentro a North Clark Street, a favela e Little Sicily. Mais uma vez, entre essas, algumas eram maiscomunidadesdoqueoutras.Dequalquerforma,oescopodesseestudoera,portanto,maisamplodoqueosdamaioriadeseuscontemporâneos.Eletambémsesobrepunhaparcialmenteaessesbaseando-se,atécertoponto,porexemplo,emThrashersobreagangue,emAndersonsobreohoboeemCresseysobreossalõesdedançarinasdealuguel.

NamaioriadasvezesosurbanistasdeChicagorelataramsobreospobres,osestrangeiros,ousobreaquelesmaisoumenosmal-afamados.OcapítulodeZorbaughsobreomercadodaGoldCoastassinalouumaexceção.AGoldCoast,àsmargensdoLagoMichigan,foiolardemuitoshabitanteschicagoensesquederamcerto,masprincipalmentedosFourHundred,aclassealtaautoconscientedacidade.Oguiadosdezmais,dequemeraquemnessegrupo,comsuasuniversidades,clubesecasamentoslistados,eraaquele pequeno livro azul, o Registro Social, e o Blue Book of Etiquette, de Emily Post, era acodificaçãodeseuestilodevida.

Vários membros desse grupo escreveram documentos para o estudo de Zorbaugh, representando“percepçõesamigáveiseautoanálisemeiodivertida”,eocapítulofoiconstruídoemtornodestes.Esseeraummundodelazer.Aspessoastinhamdecompareceràsestreiasnaópera,eaosbaileseencontrosnosclubes corretos, e encaixaro cabeleireiro, amanicure, amassagemea aulade francêsna agendasemanal.Paraumaparteconsideráveldoano,éclaro,podia-senãoestaremChicago,masnaEuropaouemresorts americanos.No entanto, havia também responsabilidades para com a sociedade.A pessoapodia participar de uma ou outra organização demelhoria social, ativa nos bairrosmais pobres, ou,voluntariamente, tinha de fazer doações para as instituições de caridade. De fato, essa era uma dasmaneiras pelas quais uma família de novos ricos podia entrar para a verdadeira elite: doando,conspicuamente,paraumaorganizaçãoestabelecidadecaridadeaanimaisdomésticosdeumamulherdaaltasociedade,eassim,provocaroconviteparaparticipardeseucírculosocial,mesmoque,noinício,apenasemsuaperiferia.Outraformaeraenviarosfilhosàsescolascertas,criandorelaçõespormeiodelas.A elite social deChicago, nestemomento, tornava-semenos fechada emenos semelhante a umsistemadecastas,algoqueosFourHundredlamentavam.Mas,osrecém-chegados,pelomenos,teriamque assimilar a hierarquia do estilo.Não se podia chegar à ópera em um táxi amarelo, nem carregarembrulhosouumguarda-chuvae,quandoasbalconistascomeçassemausarumamoda,ossocialmenteambiciososdaGoldCoastteriamdeabandoná-la.

Algumasdessasbalconistasfizeramseular–ouaquiloaquepodiam,hesitantes,sereferircomoseu

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lar – nãomuito longe da Gold Coast, nesse “universo de quartosmobiliados” que as mantinham emcontato com o oeste. Essa área, certa vez, fora uma região de residências elegantes, mas foramsubstituídas, uma a uma, por casas de cômodos e, assim, tornou-se naturalmente um local de um tipomuito diferente. Enquanto a Gold Coast tinha seus grupos restritos que interagiam com bastanteintensidadee, seushabitantesmantinhamumcontroleestreitosobreas reputaçõespessoais,aáreadascasas de cômodos era uma área de forte atomismo social e anonimato.Emalguns pontos juntara-se àfavela,emsuapartemaisaonorteemaisrespeitável,moçaserapazessolteiros,deummodestoestratodecolarinho-branco,constituíamgrandepartedapopulação,emuminterlúdionadasurpreendenteentredois ciclos familiares. Naturalmente tal bairro seria marcado pela transiência, não só porque fizesseparte de uma fase da vida de alguém. As pessoas também semudavam para as casas de cômodos erapidamentesaíamdelasesperandoque,dealgumaforma,apróximafosseumlugarmenostriste.Nemmesmoosproprietáriostinhamraízes.Zorbaughdescobriuquemetadedelesnãopermaneciamaisdeseismesesnomesmoendereço.

Azonadecasadecômodosdeuaosociólogoumaplataformaparaaformulaçãodramáticadoqueavidaurbanaseria:

Ascondiçõesdevidanouniversodosquartosmobiliadossãoaantítesediretadetudoqueestamosacostumadosapensar como normal na sociedade. A mobilidade exagerada e o anonimato surpreendente desse mundo têmimplicaçõessignificativasparaavidadacomunidade.Ondeaspessoasestãoconstantementeindoevindo;ondeelasvivem,nomelhordoscasos,sóalgunsmesesemumdeterminado local,ondeninguémseconheceemsuaprópriacasa,paranãodizeremseuprópriobairro(ascriançassãoosvizinhosreais,eéummundosemfilhos);onde não há grupos de qualquer tipo – onde todas estas coisas são verdadeiras, é óbvio que não possa havernenhuma tradição de comunidade ou definição comum de situações, sem opinião pública, sem controle socialinformal.Comoresultado,ouniversodacasadecômodosédeindiferençapolítica,denegligênciasdospadrõesconvencionais,dedesorganizaçãopessoalesocial.Ouniversodacasadecômodosnãoé,emnenhumsentido,ummundo social, um conjunto de relações de grupos através do qual os desejos da pessoa são realizados.Nessasituaçãodemobilidadeeanonimato,depreferênciaasdistânciassociaissãocriadas,eapessoaéisolada.Seuscontatossociaissão,maisoumenos,totalmentecortados.Seusdesejossãofrustrados,elanãoencontranacasade cômodos, nem segurança, nem resposta, nem reconhecimento. Seus impulsos físicos são contidos. Ela estáinquieta,eelaésó(ZORBAUGH,1929:82).

Claramente,houvealgumabaseparaumainterpretaçãocomoessa.OsdocumentosmuniramZorbaughcom ilustraçõesde inquilinoscujasvidas,passadaepresente, eramdesconhecidasdosvizinhosequepartiramsemdeixar rastros,oudepessoascujo isolamentopode tê-las levadoparacaminhosque,emoutrasituação,talveznãohouvessemtomado.Oíndicedesuicídiodaáreadacasadecômodoseraalto.No entanto, pode-se perguntar se, no caso de tal população livre, um foco em seu bairro realmentelevariaaumacompreensãodoseumododevida–oudeformamaisrealista,talvez,desuavariedadedeestilosdevida.Pois,emboraalguns,semdúvida,estavamsolitáriosnacidadegrande,outrospoderiamter feito contatos importantes fora do território, e entre os homens e mulheres jovens, algunsprovavelmentecriaramláforaosrelacionamentosíntimosquefinalmenteoslevariaaabandonaraáreadosquartosalugados.

ObairroboêmiodeChicagotambémeraconhecidocomoTowertown,depoisqueaantigatorredeáguapassouaseraúnicalembrançadoantigoLadoNorte,antesdograndeincêndiode1871.Eletinhaoqueumbairrocomoessedeveriater:estúdios,lojasdearte,livrariasepequenosrestaurantes.Quandosereuniam em locais como oDill PickleClub, seus intelectuais emitiamopiniões radicais sobre sexo epolítica.Mesmoquevários de seus habitantes também se tornassemapenasmoradores temporários, a

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áreaeramaisparecidacomumacomunidadedoquearegiãodecasadecômodos.Eladavaliberdadenão apenas através do anonimato, mas através da afirmação de princípios. Casais não casados, queviviam juntos, podiam encontrar refúgio lá, como podiam as minorias sexuais. Ali as mulheresencontravamuma liberdadede iniciativanavidaculturalquenão tinhamemoutro lugarda sociedadeamericana.

Towertowntambémtevesuaparceladeartistaseautoresdesucesso.Masamaioriadelesforaparaboemiasmaioresemelhoresdeoutroslugares,emNovaYorkedoexterior.ParaZorbaughissofoiumsinaldedeclínio, poisoque foradeixadopara trásnãoo impressionavamuito– “pessoas afetadas eegocêntricas, neuróticas, rebeldes contra as convenções daMain Street ou as fofocas da comunidadeestrangeira, pessoas que buscam um ambiente incomum, ocultistas amadores, diletantes das artes oupartidosparacriarlapsosdeumcódigomoralqueacidadeaindanãohaviadestruído”.Aautoexpressãoera o objetivo declarado, mas para aqueles com pouco talento isso se tornou uma questão dedesempenharpapéiseusarmáscaras.ComonaGoldCoast,aquelesquetinhamumareivindicaçãomaisautênticadosvaloresdacomunidade,estavamsendoacompanhadospelosrecém-chegados,cujodomíniosobreessesvaloreseramaisprecário.Mas,novamente,essesúltimostambémestavampreocupadosemmanteroslimitessimbólicosentreelespróprioseasociedadeemgeral,rejeitandooqueelaaceitava.

Mesmonessascircunstâncias,noentanto,Zorbaughsentiuqueaboemianãopodiasemanter.Nãosóondeosvaloresdosterrenossubiram,forçandoaspessoasasairdeseusconjugadosbaratosdiantedosprédioscomerciaisqueinvadiamaregião.Maisimportante,talvez,atolerânciaàboemiaseespalhariapelacidadecomamobilidadeeoanonimato.NãohaveriamaisnecessidadedeumaTowertown.

SairdaGoldCoast, irparaazonadascasasdecômodoseparaaboemia,edepoisparaaNorthClark Street era, claramente, descer no sistema de classes. Essa era uma parte da hobohemia comodescritaporAnderson.Essaeratambémaruaprincipalparagrandepartedazonadecasasdecômodosedafavela,e“oRialtodomeio-mundo”,umaexpressãopopularentreossociólogosdaChicago.Elaeraalinhada com salões de dança, cabarés, restaurantes, salões de bilhar, lojas de penhor e hospedariasbaratas.Osjovenssolteirosdascasasdecômodospodiambuscarseuentretenimentoali,nossalõesdedança menores. Os salões maiores tinham um público misto de operários, balconistas, membros degangues,prostitutasecriminosos.Ascalçadaseramterritóriodepedintesevendedoresambulantes.

AfaveladaqualaNorthClarkStreetera,emparte,umaextensãocomercial,eraemsiumaáreadegrandediversidade. Somente os aluguéis baratos reuniamgente de vários tipos ali. Paramuitos, seriaapenas uma parada para outro lugar. Outros passaram a vida toda lá. Alguns dos habitantes, pessoassolteirasoufamílias,erameconômica,mentalefisicamentederrotados.Outracategoriaincluíaopessoaldo submundo. Uma terceira categoria era, simplesmente, de pessoas da classe trabalhadora de rendamodesta, frequentemente de minorias étnicas. Zorbaugh encontrou representantes de vinte e oitonacionalidades.HaviaamaiorcolôniadeassíriosdosEstadosUnidos,umacampamentogrego,umBlackBelt em crescimento e grupos de alemães e suecos que permanecerammesmo quando a maioria doscompatriotas tinha deixado a área. Para Zorbaugh a favela era, eminentemente, uma área dedesorganizaçãosocial.Noentanto,podemossuspeitarqueessascategoriasvariadas,emumexamemaisaprofundado, mostrariam padrões sociais mais variados do que tal rótulo permitiria, e queparticularmenteasminoriasétnicaspoderiam,emalgunscasos,serdescritascomogrupos intimamente

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unidos.

AsextaeúltimaáreadescritaporZorbaugh,eraumadascolôniasétnicasquefaziapartedafavela,emborafossegrandeedistintaosuficienteparaserescolhidaparaumtratamentoespecial.EraaLittleSicily,tambémconhecidacomo“LittleHell”.Aáreatornara-seitaliana–epraticamentetodasiciliana–logo após a virada do século, e ainda mais do que antes, quando fora o lar de outros grupos deimigrantes,tornara-seummundopróprio.Talvezdevesseserditoatéqueelasetransformaraemmuitosmundosmenores,poisaconsciênciade“espécie”dosicilianoeraintensamentelocal.ComoosjudeusdoguetodoLadoOestecomsuaLandsmannschaften,ossicilianosentãocomeçaramorganizandosuavidasocialtendocomobasesuaorigemnomesmolocaldoantigopaís.

Essa virada interna da comunidade tevemuitas implicações.Ela poderiamanter um código socialMediterrâneodeintensalealdadeàfamília,controlerigorososobreasmulhereseasideiasdehonraevergonha.Elapermitiuquealgunsmembrosseestabelecessemnocomércio,fornecendoosnecessáriosderivadosculturaisdesconhecidosdomundoexterior,equeoutrosseestabelecessemcomocorretores,aquemseconfiava,porexemplo,atarefadeencontrartrabalhoparaosoutrosnaquelemundo,ouusandoseupoderdevotoscoletivosnamáquinapolítica.Elatornoupossívelqueunsaterrorizassemosoutroscomatosdeviolência,umavezqueninguémseriauminformanteparaapolícia.Eessaregradosilênciotambém protegeria aqueles que estavam para subir a escada do crime organizado. Mas isso, paraZorbaugh,jáeraumsinaldemudança,poisaganguedelinquenteeraumaresposta,dasegundageração,ao aumento do contato com a vida americana. Tal como acontece comoutros grupos de imigrantes, ageraçãomaisjovemteriaquepassarpeladesorganização,umavezquedeuosprimeirospassosparaaarenasocialmaisamplaedeixounormasantigasparatrás.

AperspectivapanorâmicadeTheGoldCoast and the Slum continua impressionante.Observandoque Zorbaugh atingira uma das aspirações deRobert Park,DavidMatza (1969: 48) sugeriu que “eracomo se um antropólogo solto em Chicago tivesse descoberto a América urbana em toda a suadiversidade”.Noentanto,pode-sesentirqueseeleganharaemamplitudedecobertura,emcomparaçãoamaioria de seus colegas, perdera algo em profundidade. Embora suas descrições propiciassemvislumbresfascinantesdavariedadedevidasdoBaixoLadoNorte,elasseparecemmaiscomasnotasetnográficas fornecidasaosarquivoscoloniaispor funcionáriosdodistritode turismo(embora, talvez,maischeiasdevida)doquecomtextosqueestejamemconformidadecomosideaismalinowskianosdosantropólogosprofissionais.Noquedizrespeitoadarumavisãointerna,oestudodeWirthsobreoguetoeodeAndersonsobrehobohemiasãoconsideravelmentesuperioresaoTheGoldCoastandtheSlum.Zorbaughtampoucofezmuitocomaproximidadedesuasseisáreasnaturaisentresi,mesmoqueaúltimaparte do livro seja dedicada à discussão sobre os problemas enfrentados pelas ações voluntárias eassociaçõesnatentativadefazerdoBaixoLadoNorteumacomunidade.Deummodogeral,éprovávelqueoleitoraindaselembredissocomoumestudodeumasériedemundossociaisdistintos.Éprovávelqueaintençãotenhasidoessa,mastalvez,seZorbaughtivessedadomaisatençãoaoqueaconteceunasfronteirassociaiseàsperspectivasqueessesmundostinhamunsdosoutros,elepudesse terfeitoalgoparauniraspartes,maisestreitamente,emumúnico todo.Maisespecificamente, seaGoldCoastnãofosseapenasumacomunidadedelazer,esimummundosocialondeopodereraexercidodemaneiraaafetargrandeparteda cidade,Zorbaugh tevepoucoadizer a respeito. Isso se tornouapenasmaisum

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retratodeumestilodevida,parasercolocadoaoladodeoutrosescritosdenaturezasemelhante.

Apesar dessas críticas, tendo em vista quase outromeio século de desenvolvimentos nas ciênciassociais,noentanto,TheGoldCoastandtheSlummereceservistoentreosclássicosdeChicago.Paraalguémquequeirauma introduçãoconcisaao trabalhodosprimeirosurbanistasdeChicago, ele (ouaantologiadeShort,TheSocialFabricof theMetropolis), seriaumaboaescolha.O livro temaformacaracterísticade apresentaçãodaquelesurbanistas, umbomesboçode seuspontosdevista teóricos eetnografiaqueaindadeveriaestimularopensamentodeantropólogosurbanos.

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Dançandoparasesustentar

“A sociedade feminina está à venda, e por um bom preço.” Assim Paul G. Cressey descreveu aessênciadanovainstituiçãourbanaqueeraotemadeseuTheTaxi-DanceHall.Publicadoem1932,olivro foi umadasúltimas etnografias bemconhecidas associadas comosprimeiros anosda escoladesociologiadaUniversidadedeChicago.Otrabalhodecampoparaolivrotinhacomeçadoem1925,noentanto, e ele teve comobase a tese de ummestrado que foi concedido em1929, de tal forma que ocontextoérealmenteChicagodosanosde1920enãodosanosde1930.

O salão de dançarinas de aluguel era um tipo de estabelecimento com uma reputação um tantoduvidosaquetevesuasorigenstantonasescolasdedançaquantonossalõesnormaisdedançaabertospara os dois sexos. Alguns gerentes de escolas de dança descobriram que certos alunos estavamdispostosapagarpelaoportunidadededançarcomsuasprofessoraspormuitomaistempodoqueaquelenecessário para aprender a dançar; proprietários de salões de dança, por outro lado, às vezes sedeparavam com grandes números de clientes do sexomasculino socialmente pouco atraentes para osquais não havia nenhuma companhia feminina.A solução lógica era pagarmoças para que dançassemcomosclientes.Opreçonormaleradezcentavosdedólarporcadadança.Oshomenscompravamosbilhetesnoportãodeentradaeamoçaquetinhasidoescolhidacomoparceiraparaumadançarecolhiaobilhete.Ela então recebia ametadedosganhosobtidos comseusbilhetes, enquanto aoutrametade iaparaoproprietárioquepagavapelo salão,pelaorquestra, eoutrosgastosoperacionais.Esse sistema,naturalmente,garantiamelhoresganhosparaasmoçasmaispopularesecolocavatodasasmoçasemumasituaçãodecompetitividadeumascomasoutras.

Algopoderiaserditosobreaecologiadossalõesdedançarinasdealuguel(quetendiamaindaasedescreverem como academias de dança, embora poucos clientes se iludiriam com essa reivindicaçãopedagógica).Eram localizadosnos locaisondeos aluguéis fossembaratos e emáreasde fácil acessoparaseusclientes–agoratodosdosexomasculino.Napráticaissomuitasvezessignificavaumaáreadecasasdecômodos,nãomuitodistantedobairrocomercialcentral.MasaecologianãofoiumtemaaqueCresseydedicoumuitas páginas.Ele estavamais interessadono salão de dançarinas de aluguel como“um mundo diferente, com sua própria maneira de agir, de falar e de pensar. Ele tem seu própriovocabulário,suasprópriasatividadeseinteresses,suaprópriaconcepçãodaquiloqueésignificativonavidae–atécertoponto–seusprópriosesquemasdevida”(CRESSEY,1969:31).

Essemundotinhatrêsgruposprincipaisdehabitantes:osproprietários,asdançarinasdealugueleosclientes.EmChicagoquase todosospioneirosnoestabelecimentode salõesdedançarinasdealugueleram americanos de origem grega. Para Cressey, a explicação para isso era amobilidade geográficadessegrupo;graçasaelaelesouviamfalardeumanovaoportunidadedenegóciodessetipoemoutrascidadesondeelatinhasurgidoprimeiro;outromotivoeratambémopoucoprestígiodessegrupoétnico,algoqueprovavelmenteosafastavadonegóciodesalõesdedançaregulares,masque,poroutrolado,ospunha em contato com osmoradores da zona de casas de cômodos. Cressey observou também que àmedida que esses tipos de salão foram tendo mais sucesso economicamente, houve uma tendência àsucessãoétnica,jáqueelespassaramaserinteressantescomoproposiçõescomerciaisparamembrosdegrupos étnicos com conexões políticas mais poderosas – sempre um fator importante em um

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empreendimentoquefuncionavaàmargemdarespeitabilidadeedalegalidade.

Osegundogrupo,asdançarinasdealuguel,foioqueatraiumaisaatençãodeCressey.Muitasdelas,ele descobriu, eram “jovens volúveis na primeira empolgação do entusiasmo pelas excitações,satisfaçõesedinheiroqueessemundotransientedosalãodedançaoferece”–comoaheroínadeSisterCarrie,sóque40anosdepoisdaoriginal.Outrasjáestavammaisblaséemenospreocupadascomasconvençõesmorais.Suas idadesvariavamentre15e28anos.Nosalãodedançarinasdealuguelelaspassavamporumprocessode socialização; a conversanobanheiroduranteo intervalo eraumaparteimportantedisso.Oresultadoera,porumlado,reduzirainfluênciadaetiquetaconvencionale,poroutro,regulamentarosrelacionamentosentreasmoças.Aposiçãopredominantecomrelaçãoaosclienteseradequeeleseramoqueelaschamavamde“peixes”,pessoasparaseremexploradas.Erapossívelacontecer,noentanto,queumamoçagostassedeumparceiro,eumamaneiradeexpressaressesentimentoeralhedardançasgrátis,istoé,semcoletarseubilhete.Masessapráticatinhadeserfeitasemoconhecimentodagerência.Essaúltimatinhaseucódigodecondutaparaasmoças,essas,porsuavez,tinhamumcódigopróprioeeraodelasquefuncionavademaneiramaiseficientenosalão.

Quemeramessasmoças?Comfrequênciaelasaparentementejátinhamsedesligadodasinfluênciascontroladorasdafamíliaedosvizinhos,porvárioscaminhos,antesdeentrarnosalãodedançarinasdealuguel.Muitastinhamcrescidoemfamíliasincompletase,considerandosuajuventude,ofatodecercadedoisquintosdelasjáterempassadoporumdivórciopodecausarsurpresa.NamaioriadoscasosseuspaismoravamemChicagoouporperto,mashaviatambémumnúmeroconsideráveldemoçasimigrantes.Cresseyobservouquequasenãohaviaitalianas,oumoçasdoguetojudeu,masquehaviaalgumasmoçasda área judia de segundo assentamento (Lawndale ou áreas semelhantes) e uma proporção bastanteconsiderável demoçasdeorigempolonesa.Muitas delas adotavamnovosnomes “profissionais” parausonosalão.SealistacamufladaqueCresseyfezdessesnomesforumarepresentaçãoverdadeira,essamudançadenome tinha a tendência a envolverumamudançadenomes eslavosparanomes franceses,anglo-saxõesecélticos[9].

UmdosconjuntosmaisinteressantesdedescobertasnoestudodeCresseyrelaciona-seàmobilidadesocialdasdançarinasdealuguel.Aocontráriodascarreirasocupacionaistípicas,acarreiradadançarinadealuguelpioravaemvezdemelhorar.Ébemverdadequepoderiaseestabilizaremummomentodado;mashavia, segundoCressey,umpadrãodedeclínio.Oprimeiropassoenvolviaumamudançadeumasituaçãoinsatisfatórianasociedadeconvencionalparaomundodosalãodedançarinasdealuguel,ondearecém-chegadapoderiagozardepopularidadeeprestígio.Se,comopassardotempo,noentanto,elajánãopudessemanterseustatus,épossívelquebuscasserestabelecê-loemnovoscírculos–emumsalãomenoscompetitivo,porexemplo,ouaceitandoasatençõesdeclientesdeumstatusinferior,taiscomoosorientais que compunhamumaparte considerável da população dos salões desse tipo.Ela só poderiamantersuapopularidadecomessesúltimos,noentanto,enquantoelesnãoaconsiderassem“vulgar”.OpróximopassododeclíniopoderiaseroscabarésdoBlackBeltdeChicago,eamudançafinalpoderiaser para a prostituição em um bairro negro. O padrão, portanto, envolvia uma mudança de baixaapreciaçãoemumaesferadeprestígiomaisaltoparaaltaapreciaçãoemumaesferadeprestígioinferior.Issopoderiaserconsideradocomoumpequenomovimentoparacima;mas,umavezestabelecidananovaesfera,amoçamuitoprovavelmentesofreriaumdeclíniocontínuo.

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Com respeito aos clientes,Cressey foimenos capaz de oferecer informação sistemática, em parteporqueoshomensquefluíamporessainstituiçãocompunhamumgrupoumtantovariado.Haviahobosetrabalhadores, homens de negócio de fora da cidade e membros de estratos sociais mais altos, quevinham, uma vez na vida, experimentar uma atividade “inferior”; filipinos, eslavos, gregos, chineses,mexicanos,ovelhasnegrasdefamíliasdeclassealta(masnãopessoasnegras);osanões,osmutilados,os marcados pela varíola. Obviamente vários tipos de necessidades eram satisfeitos pelo salão dedançarinasdealuguel.Eraumamaneiraconvenientededesfrutardecompanhiafemininaparapessoasdepassagemquenão tinham tempopara fazercamaradagempormeiodoscanaisconvencionais.Eraumaforma de passar uma noite se divertindo para rapazes de grupos étnicos que mantinham suas jovensmulheressobrígidavigilânciafamiliar.Eraumaajudaparahomenssolteirosdemeia-idadeparaquemrelações bem-intencionadas normalmente sugeririam companhia feminina muito mais enfadonha. Masclaramente, o salão de dançarinas de aluguel também encontrava muitos de seus clientes em gruposestigmatizadosquenãoeramcompetitivos.Entreessesestavamosorientais;eosfilipinoseramamaioriaentreeles,pelomenosumquintodaclientelatotalsegundoaavaliaçãodeCressey.Osfilipinossofriamdiscriminação racial e assim tinhamgrande dificuldade em encontrar companhia do outro sexo; e dosfilipinosquechegaramaosEstadosUnidosduranteadécadade1920,apenasumemcada15eramulher.O fato de os salões de dançarinas de aluguel também existirem nas Filipinas poderia ser ummotivoadicionalparaapropensãoquetinhamoshomensdaquelepaísparaprocuraremessessalõesnascidadesamericanas.

Paraascategoriasdehomensquenãopodiamfacilmenteestabelecercontatocommulherespormeiodeoutroscanais,eranaturalqueàsvezeselesdesejassemlevarseurelacionamentocomasdançarinasdealuguel umpoucomais alémda dança.O gerenciamento dos salões normalmente desencorajava essescontatos,mas elesocorriamdequalquer forma.Ocasionalmente eles levavamao casamento,mas commaior frequênciaos relacionamentos assim formados seriammaisoumenosmutuamente exploradores.Entre aqueles que envolviam relacionamentos sexuais, Cressey delineou três tipos: aqueles em que amoçasetornava,porumperíodo,aamantedeumhomem;aquelesemqueumaespéciedepoliandriaeraestabelecida, com vários homens contribuindo para o sustento de uma mulher, embora cientes daexistência uns dos outros ou até amigos entre si; e o relacionamento sexual de uma noite. Taisrelacionamentos poderiam obviamente significar um passo descendente na carreira na direção daprostituição. Mas essa nem sempre era a consequência e nem todas as dançarinas de aluguel seenvolviamneles.

Cressey deu alguma ênfase a sua visão do salão de dançarinas de aluguel como um mundoindependente “um ambiente moral quase que totalmente distanciado das outras formas maisconvencionaisdavidaurbana”.Realmente,umamoçapoderiase tornarcompletamenteabsorvidapelainstituição, morando com outras dançarinas de aluguel, se sustentando com o que fazia no salão econhecendoseusnamoradosnorecinto.Noentantoparecerazoávelhesitarantesdefazeressaafirmaçãosobreisolamentomoralemvistadaevidênciaapresentadaemoutrapartedotexto.Asmoçasvinhamdeoutros tipos de vida e após um breve período novamente semudavam passando a fazer alguma outracoisa.MuitasdelasmantinhamalgumtipodecontatocomsuasfamíliaseCresseychegaadescrevê-lascomo “levando uma vida dupla” evitando que suas famílias tivessem conhecimento de sua ocupação.Emboraformulandoumpadrãodecarreiratípicocomummovimentodescendente,eletambémobservou

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queoanonimatodasociedadeurbana faziacomque fossepossívelque tantoasdançarinasdealuguelquantoasprostitutasalternassementreessesmeiosdevidaeasposiçõesnasociedadeconvencional.Osclientesdossalõesdedançarinasdealuguel,éclaro,vinhamdemuitoscírculosdiferentesearededoproprietáriopoderia incluirpolíticosepoliciais.Tudopoderia serumaquestão,naturalmente,daquiloquesequerdizercom“isolamento”deummundosocial.Masconsiderandoessavariedadedeconexõescomomundo externo, bempoderíamos considerarTheTaxi-DanceHall comoumestudopioneiro deumadessasinstituiçõesnodaisemquemuitosmundosurbanosseencontram.

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UmaretrospectivadaEscoladeChicago

Em sua introdução a uma nova edição do The Jack-Roller, de Shaw, Howard Becker (1966)comentou sobre amaneirapelaqual os estudosdeChicago formamummosaico–umavezmais essametáfora–cadaumdelesumpedaçoquecontribuiparaotodoequeservecomoumaleituracontextualparaosoutros.QuandochegamosàquelapartedahistóriaemqueStanley,ojack-roller[*]seenvolveemroubos com outros rapazes, é possível que venha à mente a discussão de Thrasher sobre gangues eroubos;equando,porumperíodo,ocenáriodesuavidaéooestedaMadisonStreet,podemosnosvoltarpara Anderson para uma descrição mais detalhada desse hobo de “rua principal”. Isso é etnografiacooperativa;mesmoqueomosaiconãoformeumretratodeChicagocomoumtodo,pelomenospodemosobter umquadromais amplo do ambiente urbano de qualquer grupoou instituição específicos do queaquelequenormalmentepodemosencontraremumúnicoestudo.Valeapenaobservaressefeito,porqueelepraticamentenãoteveparalelosemoutroslugares.

Emgrandeparte,noentanto,dependedoleitordeslindarsozinhoosfatossobreosquaisbasearessacompreensãodeumescopomaisamplo.Osprópriosautorestendemaexagerarumpoucooisolamentodomundosocialqueestudavam–comoDavidMatza(1969:70-71)disseemsuacríticaimportantedoschicagoensesemBecomingDeviant,“haviaumacertacegueiracomrelaçãoàsuperposiçãoeàconexão”paraofatode,porexemplo,certosgruposdissidentes“existiremnocontextodaAméricaconvencional,obterem seu sustento daquele ambiente, prestarem serviços a ele, recrutarem pessoas dele e,frequentemente,devolveremdissidentesarrependidosaele”.

Se considerarmos cada estudo separadamente, na verdade, acabamos percebendo que aEscola deChicago tevemais oumenos os pioneiros em virtualmente todos os tipos de antropologia tópicas nacidadecomasquaishojeestamosacostumados:estudosdeenclavesétnicos,estudosdegangues,estudosdeocupaçõesdissidentes,estudosdecomportamentoemlocaispúblicosoudeentretenimentopúblico;estudosdebairrosmistos.Maselescompartilham,commuitasdasetnografiasurbanasdeumageraçãoposterior, aquela “certa cegueira”.Adeficiência pode parecer surpreendente emvista do interesse deParknapassagemdaspessoasentrediferentesambientesmorais.

Ébastantepossívelqueoschicagoensesàsvezesestivessemmaispróximosdeumavanço radicalnessaáreadoqueacadêmicosposteriores.Umadasmaneirasemqueissoéverdadeésuaconsciênciadadimensão temporal. Os relacionamentos entre vários segmentos da sociedade urbana podem comfrequênciaseremcompreendidoscomorelacionamentosqueemergemcomopassardo tempo,e,comoShort (1971: xliv) observou, “a Escola de Chicago, mais do que qualquer outra, desenvolveu umasensibilidadeparaprocesso”.OcicloderelaçõesraciaisdePark,oacompanhamentoqueThrasherfezdaganguedesdesuafasecomogrupodeatividades juvenisatéapolíticaouocrimeorganizado,ouainterpretaçãoqueCresseyfezdosestágiosdacarreiradedançarinadealuguelsãoexemplosdisso.Seoschicagoenses tivessemreconhecidomaisa abertura relativadessas sequênciasdodesenvolvimento, aspassagens variáveis de grupos e indivíduos pela estrutura social urbana poderia ter sido melhoresclarecida.

Ofatodeelesnão teremidomaisadiante, sobcircunstânciasquepareceriamtersidopropícias,é

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talvezmaisbemcompreendidocontraopanodefundodeumafragilidadegeralnogruponaanálisedaorganização social, em que o progresso eramenor do que os que ocorriam na ecologia e também napsicologiasocial.Ainteraçãoentreetnografiaedesenvolvimentoconceitualnuncarealmentefuncionoumuito bem. As contribuições etnográficas da Escola de Chicago foram às vezes descritas, com umareferênciaexplícitaouimplícitaaopassadodePark,como“merojornalismo”.EssaavaliaçãonomínimosubestimaaprópriaformaçãodePark–suaexperiênciaacadêmicaqueestavalongedeserparoquialesuaprofundaimaginaçãosociológica.Emboramuitasdesuasideiasaindacontinuemaatrairuminteresseconsiderável,noentanto,éverdadequenemtodasforamrealmentedesenvolvidasporseusseguidores.Algumasdelasforamsimplesmentenegligenciadas,outrasapenascitadasfielmente;equandoseguidoresse esforçaram para incorporar o máximo possível delas, houve pouca cumulatividade teórica.Poderíamosterdesejado,alémdisso,queParktivessetransmitidomaiseficazmentesuasinspiraçõesquevieramdosclássicosemergentesdasociologiaeuropeiaatodos,enãoapenasaalguns,deseusalunosecolegas. Em várias das etnografias, há poucos sinais de uma influência direta desses clássicos. NelsAnderson,nonovoprefácioàreediçãodeTheHobo,observouqueoconselhomaisimportantequeelerecebeudeParkfoirealmenteode“escreverapenasaquiloquevocêvê,ouveesabe,comoumrepórterdejornal”eque,noestágioemqueestivesseescrevendoseulivrofamoso,seuconhecimentoempíricosuperasse em muito sua sofisticação teórica. Embora compartilhasse alguma nostalgia da pequenacomunidade com um grande número de teóricos sociais, Park também tinha um forte sentido daspossibilidadespeculiaresdavidaurbana.Umavezmais,essaapreciaçãopareceumuitasvezesfaltaremoutrosdeseugrupo,quepoderiamparecer,paraumcríticomaisrecente(FEUER,1973:86)“comoumbandodesecretáriosdaYmcadeumacidadepequena”comseuvocabuláriomoralextremamenterígidoquegeraçõesposteriorespoderiamterachadoquenãoeraumacontribuiçãoparaasociologiavindadoestiloextravagantedadécadade1920.

Em primeiro lugar, coisas demais foram consideradas “desorganização”. Existe, por certo, anecessidadedeumconceito para issono estudodos relacionamentos sociais e os antropólogos atuaispodem,àsvezes,exageraremseurelativismoculturalparaevitá-lo.Masoschicagoensesfizeramoerrocontrário.A definição deThomas enfatizou a influência decrescente das normas –mas quais normas?Embora,comoParkmostrou,aestruturasocialurbanapudessepermitirquegruposfossemporcaminhosdiferenteseafirmassemsuasprópriasnormas,haviaumaforte tendêncianestesgruposdeestudiososaconsiderar tudo que não fosse conformidade com os padrões da sociedade convencional como umaquestão de desorganização. E portanto, na frase de Matza, eles concebiam desorganização quandodescreviamdiversidade.Comoumaexceçãoparcial,elespodiamprontamenteadmitirqueospadrõesdegruposimigranteseramrealmentediferentesenormaspordireitopróprio;masdeacordocomascrençasassimilacionistasdePark eoutros, achavamque isso eraum fenômeno temporário.Quandoa segundageração nos grupos de imigrantes mostrou outro tipo de comportamento sem parecer ser exatamenteamericanosconvencionais,jáeramaisprovávelqueseumododevidafossedenominadodesorganizado.Ousogenerosodesserótulopôdeobviamenteocultaravariaçãosistemáticanaformaderelacionamentossociais.

Portrásdessetipodevocabulário,eportrásdointeresserelativamentelimitadoemdesenvolvimentoteórico,podemospressentirqueosinteressesportrásdosestudoserammuitasvezesdeumanaturezaumtanto mais prática. Apesar do desprezo um tanto provocativo que Park, na fase chicagoense de sua

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carreirasinuosa,costumavaexpressarsobreotemados“fazedoresdobem”–aparentementeresultantedesuadesilusãocomosmissionárioscomquemtrabalharasobreaquestãodoCongo–asociologianaChicago ainda estava profundamente envolvida em reforma. E se a ecologia parecia a caminho de setornarumaciênciainsensíveldemais,aetnografiaeracommaisfrequênciaassociadacomaalasensívele sua tradiçãodepesquisas de fatos. Isso também implicavaumenvolvimento comagências externas,comBurgessfrequentementenopapeldemediador.Paraoestudodohobo,AndersonteveopatrocíniodoChicagoCouncilofSocialAgenciesedoJuvenileProtectiveAssociation(respectivamenteConselhode Agências Sociais de Chicago e Associação Protetora de Menores); essa última também apoiouCressey em sua pesquisa sobre o salão de dançarinas de aluguel. O estudo de Zorbaugh estavarelacionado com o trabalho de organizações comunitárias tais como o Lower North Side CommunityCouncil(ConselhoComunitáriodoBaixoNorte)eThrashermencionounadamenosque26agênciasquecooperaramcomseuestudosobreasgangues.Sobtaiscircunstâncias,essesalunosseviamescrevendonãoapenasparaseuscolegasdeprofissão,masemgrandemedidaparapessoasquetinhamuminteressepráticoimediatoemsuasconclusões.Certamente,se“nadaétãopráticoquantoumaboateoria”,issonãoprecisava restringirodesenvolvimentode ideias teóricasemseusestudos.Mas ideiascomrelevânciamenosevidenteparaareformasocialpoderiamnãosermuitorequisitadasepoderiamatémesmotersidocontraproducentes se sua inclusão nas publicações as tornasse menos intelectualmente acessível aosleitoresleigos.

Comrespeitoàecologia,ondeoimpulsoteóricorealmenteocorreu,vimosqueteveumvalormistoparaotrabalhosobreetnografiaurbana.Oqueofereceuaessaúltimafoiaquiloquepodemosconsiderarcomo um sentido de lugar que, em grande medida, foi útil. Os estudos chicagoenses estão bastanteclaramentelocalizadosemumterritórioespecíficoenãoemumvácuocomopareceocorrercomcertasanálisesmaispuramenteorganizacionais.Aomesmotempo,issogeravaproblemaspróprios.Devezemquando os próprios chicagoenses tornavam esse sentido de lugar ambíguo ao sugerir que a ordemespacialdeChicagoeraaordemespacialdequalquer cidade.Aanalogiacomaecologiadasplantastambém tinha limites que erammuito óbvios, mas que a Escola de Chicago não levou realmente emconsideração. As pessoas, ao contrário das plantas, se deslocam no espaço. Nem todos seusrelacionamentossãobaseadosemcompartilhamentosduradourosdeterritórioounadisputaporterra.Eespecialmente os urbanitas, como teremos a oportunidade de assinalar uma vezmais, tipicamente nãoextraemseusustentodiretamentedaterra,esim,emgrandemedida,desuasinteraçõesunscomosoutros.Umapreocupaçãomaisrestritacomrelaçõesespaciaiseostiposdefatosrelacionadosmaisintimamentecomelasiriam,provavelmente,levaraumavisãoempobrecidadavidaurbana,aindaqueclaramenteacidadedevaserreconhecidacomo,emparte,umfenômenoespacial.

Desde o início, é claro, Park observou que os laços de localidade provavelmente teriam umaimportânciadecrescentenacidade.Emumaáreacomoo“mundodequartosmobiliados”deZorbaughissoébastanteconspícuo.AssugestõesalternativasquePark tinhafeitoparaestudosocupacionaisemseu primeiro programa de pesquisa realmente inspirou alguns trabalhos, principalmente o de EverettHughes que, com Redfield, tinha herdado os interesses variados de Park e seu estilo de ensaísta. AperspectivainteracionistadeHughesesuapreocupaçãocomaobservaçãodecampofoimotivoparaumaforte conexão entre a Escola de Chicago em seu início e etnógrafo-sociólogos posteriores tais comoErvingGoffman,HowardBeckereAnselmStrauss.Trabalhoscomoesses,noentanto,nãosetornaram

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umaparteintegraldapesquisaurbana,esimumasociologiadeocupaçõesseparada.

Otextode1915deParkcaracterizouocomeçodoprimeiroperíododaetnografiadeChicago;poucomais de duas décadasmais tarde, outro trabalho por LouisWirth de certamaneira fez um resumo degrande parte do assunto de que tratava aquele primeiro período. Como veremos a seguir, haviasemelhançasóbviasentreosdois.Issopoderiaserconsideradocomooutrosinaldeque,pelomenosnaáreadeorganizaçãosocial, teriahavidaalgumaestagnaçãoteórica,mesmoqueosdoistextostivessemtido grande relevância. Mas não devemos ser demasiado implacáveis. Meio século depois de suapublicaçãootrabalhodosetnógrafosdaChicagoaindamerecemuitoserlido.Masalgumasdascríticasquepodemserdirigidasaelessãoigualmenterelevantes,jásugerimos,nocasodeumnúmerobastanteextensodeestudosrecentes.Esequisermosprogredirnadireçãodeumaantropologiamaissistemáticadavidadacidade,oprimeiroofereceumnúmerotãograndedetextosúteisquantoessesúltimos.

ComrespeitoàprópriaChicago,éclaro,aetnografiaestádevolta.Podemospensarquealgunsdosestudosmaisrecentes,alémdisso,sãomaisoumenoscontrapartidasdosestudosdoprimeiroperíodo.ObairromultifacetadodeZorbaughtemseuparalelonadécadade1960emTheSocialOrderofaSlum(1968)deSuttles,umaordemquenãoétãomisturadaequefoianalisadamuitomaisintensivamente.OJack-Roller temum rival emHustler! (1965), a história da vida deHenryWilliamson, um criminosonegro,organizadaporLincolnKeiser.EstudosdeganguesvãodesdeolivrodeKeiser(1969)TheViceLords,sobreumagrandeorganização,atéasobrasdeShorteStrodtbeck,sobreumgrandenúmerodelas,que,portanto,podemparecermaiscomo trabalhodeThrashercomsuas1.313.Seosatores travestis(NEWTON, 1972) e os cantores de blues urbanos (KEIL, 1966) são, de algumas maneiras, muitodiferentesdasdançarinasdealuguel,elesaindasãooscentrosdemundossociaisondeoentretenimentosignificanegócio.Masobservadoresparticipantesestãotambémaparecendoemnovoslocais–comoumtrabalhadoremumasiderúrgica,comoemKornblum(1974),oucomoumdelegadonamáquinapolíticadominante,nocasodeRakove(1975).ObviamenteChicagocontinuaaseratraentecomoumlaboratórioparaapesquisasocial,exatamentecomoParkimaginava.

[1]. Decidi não entulhar o texto que se segue com referências e sim reservá-las para pontos específicos que pareceriam exigir umadocumentaçãoprecisa.Emvezdisso,estanotapodeserconsideradacomoumminiensaiobibliográficosobrefontesquemepareceramúteisao desenvolver minha própria compreensão dos sociólogos de Chicago. Já que este é um grupo de acadêmicos que atraíram muitoscomentários durante anos, certamente não afirmo estar oferecendo um quadro completo da literatura. Sobre as obras dos próprioschicagoenses umnúmero demonografias é citado ou resumido no texto.Grande parte da importante obra deThomas ePark, no entanto,adotou outras formas, e foi colecionada em forma de livro apenas em anos recentes. A série Heritage of Sociobiology da University ofChicagoPresséparticularmenteútilaqui.DeW.I.ThomaselacontémumvolumesobreSocialOrganizationandSocialPersonality (1966)organizado e introduzido por Janowitz.RalphH.Turner fez uma coleção semelhante da obra deParkOnSocial Control andCollectiveBehaviour (1967) e na série estão também uma reedição de 1967 deTheCity, uma coleção de artigos de Park, Burgess eMcKenzie,publicadapelaprimeiravezem1925eadissertaçãodedoutoradodeParkemalemãoTheCrowdandthePublictraduzidaepublicadacomalguns outros ensaios sob a organização de Henry Elsner, Jr., em 1972. A coleção de Louis WirthOn Cities and Social Life (1964a)organizadae introduzidaporReisseOnHumanEcology (1968)deRoderickMcKenzie comserviços semelhantesprestadosporHawleyestãonomesmoformatoqueosdoisprimeirosvolumessobreThomasePark.OutrosvolumesúteisnasérieHeritageofSociobiologyincluemasbrevesmemóriasdeRobertFarisChicagoSociology1920-1932(1970),assimcomoTheSocialFabricoftheMetropolis(1971)emqueoorganizador,JamesF.ShortJr.,nosdáumarevisãolúcidadasociologiaurbanadeChicagocomointroduçãoaumaamostradetextospor seus profissionais. Fora dessa série há os três volumes dos textos coletados dePark,Race andCulture (195),HumanCommunities(1952)eSociety(1955),sobaorganizaçãogeraldeEverettC.Hughes.Osegundodelescontémostextosmaisdiretamentevoltadosparaourbanismoeminhasreferênciasdepáginasnotextosãoparaessevolumefacilmenteacessível,enãoparaaspublicaçõesoriginaisdispersas.

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Éclaro,háumasuperposiçãoconsiderávelentreessestrêsvolumeseosdasérieHeritage.HáumacoleçãoanteriordeescritosporThomasemSocialBehaviourandPersonality,organizadaporVolkartepublicadaem1951peloSocialScienceResearchCouncil.Entreosmuitoscomentáriosgeraissobreoschicagoensesdoislivrosrecentesnãoabreviados,SociologyandPublicAffairs:TheChicagoSchool(1975deCareyeQuest foranAmericanSociologyRobertE.Parkand theChicagoSchool (1977)deMatthew,merecemmenção especial; oúltimo é uma leitura particularmente agradável. Um capítulo por Stein em The Eclipse of Community (1960) e um porMadge em TheOrigins of Scientific Sociology (1962) tambémmerecem ser citados.O último tem um capítulo adicional sobreThe Polish Peasant inEuropeandAmericadeThomaseZnaniecki.OcapítuloporBurgesseBogue(1967)éumaretrospectivavistadedentro.HáumaênfasesobreParknoartigodeBurnetsobreasociologiadeChicago(1964);ParktambémfoisucintamenteretratadoporHughesemumartigoquefoipublicadopelaprimeiravezno semanárioNewSociety e foi reimpressono livroTheFoundingFathers of Social Science (1969) deRaison, assim comoThe Sociological Eye pelo próprio Hughes (1971) em que outros artigos também fornecem vislumbres dos estudosurbanosdaChicago.AdiscussãodeParkpelosWhites(1962)parece-meexagerarsuastendênciasantiurbanas.HáumartigodeduaspartessobreThomasporYoung(1962-1963)eumsobreacolaboraçãoThomas-ZnanieckisobreThePolishPeasantporSymmons-Symonolewicz(1968).A avaliação daquele estudoporBlumer (1939) é bemconhecida.Baker publicou sketches autobiográficos porThomas ePark em1973.Sobreas ideiasdeWirthháumtextogeralporBendix (1954)eumacríticadeseuestudodoguetoporEtzioni (1959).Oquasequeinfinitodebatesobreseu“UrbanismasawayofLife”serátratadonopróximocapítulo;parabibliografiacf.capítulo3,nota3.

[2].Oconceitode“ordemmoral”foiusadomaisfrequentementedoquedefinidonosescritosdePark,epodemossuspeitarqueseuslimitesnãoforamdesenhadoscomprecisão.Umadiscussãodequedependoaquiequeachobastanteesclarecedorafoipublicadapelaprimeiravezem1925notextoentãointitulado“TheConceptofPositioninSociology”reimpressomaistardeemHumanCommunities(1952:165-177).

[3].Aliteraturadecomentáriossobredeterminantesdousodaterraurbana,comoinicialmenteinspiradopeloesquemadeBurgess,tornou-semuitoextensa.Schnore(1965)eLondoneFlanagan(1976)estãoentreosescritoresqueoferecemrevisõescomparativasbastanteúteis.

[4].Há,noentanto,umaautobiografiaporumahobofeminina,“BoxCarBertha”,SisteroftheRoad,publicadacomofoicontadaparaoDr.Ben L. Reitman (1975; 1. ed., 1937). Reitman que também é mencionado no livro de Anderson, era ele próprio uma pessoa pitoresca.Abandonadomuitocedoporseuspais,comapenasoitoanoselefaziapequenasencargosparaprostitutasefoisermarinheiropoucosanosmais tarde. Enquanto trabalhava como porteiro na Policlínica de Chicago, chamou a atenção dosmédicos que lhe ajudaram a obter umaformaçãoemmedicina.Envolveu-seintensamentecomomundodoshoboesespecialmentecomsuasatividadeseducacionais,mastambémfoiumpersonagemconhecidonaboemiadeChicago,especialmentenoDillPickleClubqueZorbaughmencionouemTheGoldCoastandtheSlum.PorumlongoperíodofoiamantedeEmmaGoldman,aanarquista;dizemtambémqueteveumcasocomaviúvadeAlbertParsons,mulherpoliticamenteativaeumadas líderes trabalhistas radicaisque foi enforcadapor sua supostaparticipaçãonoHaymarketAffair (cf.ADELMAN,1976:109-114).

[5].AbiografiaporShaw,TheJack-Roller(1930)éumcomplementoútilaotrabalhodeThrasherparanosdarumestudodecasoextensoecoerentedavidadeummeninoquefaziapartedeumagangue.

[6].Os“quatrodesejos”eramnovaexperiência,segurança,reaçãoereconhecimento(cf.VOLKART,1951:111ss.;THOMAS,1966:117ss.).

[7].Há alguma semelhança entre o contrasteMensch-Allrightnick e a distinção feita por Paine entre “freeholder” (dono de propriedadealodial)e“freeenterprisers”(empreendedorautônomo).

[8].Deveserobservadoaquiqueoesquemado“cicloderelaçõesraciais”eraelepróprioinspiradopelaecologia.

[9].Thrasher(1963:81-82)observamudançassemelhantesdonomeétnicoentreboxeadores.

[*].NosEstadosUnidosdofimdoséculoXIXecomeçodoséculoXX,um jack-rollereraumindivíduoqueroubavapessoasobviamentebêbadas,normalmenteatacando-asviolentamente[N.T.].

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3Abuscapelacidade

LouisWirth publicou seuUrbanism as a Way of Life em 1938, um dos textos mais amplamenteconhecido nas ciências sociais.Mais oumenos à mesma época, outro chicagoense, Robert Redfield,trabalhavanaformulaçãodesuaideiadaanticidade,asociedadepopular.Nestecapítulo,natentativadecomeçar a lidar com o conceito de urbanismo, iremos ter como ponto de partida a cidade deWirth,iluminadapelocontrastecomafolksociety (sociedadeprimitiva)deRedfield.Aidentificaçãodeseuslimites,edefini-losdeumaformaquesejaválidaparatodasasépocasetodososlugares,paracidadespequenas e megalópoles, acabou por não ser nada fácil. “É um dos termos mais multiformes”, naspalavrasdeumrecenteefidedignocomentarista(WHEATLEY,1972:601).Noentanto,umarápidavistaaérea de algumas das formas que ele assumiu, na visão de intérpretes diferentes, deve pelo menospermitir que descubramos algo sobre o que os antropólogos urbanos podem fazer com ele. Assim,continuaremosparaobservara relaçãoentreurbanismoe tradiçõesculturaisespecíficas;o impactodeeconomias e tecnologias diferentes na forma da vida urbana; as perspectivas com relação à históriaurbanacomparativadeMarx,Webereoutros;eideiasdesistemasurbanosdesenvolvidasporgeógrafos.E então, na terceira parte deste capítulo, começarei a juntar os elementos de um arcabouço analíticopropriamentenosso.

EmboraRedfield fosse pessoal e intelectualmente conectado comos sociólogos chicagoenses, seuinteresseeramaisamplo,abarcandooutraspartesdomundoeconcentrando-seinicialmentenaspequenasaldeias comunitárias tradicionais. À sua preocupação com questões amplas sobre a natureza humanaaliava-seumadasmentespoéticasdaantropologia.Aprimeirafontedeexperiêncianocampo(nadécadade1920)queolevouacunharoconceitodesociedadeprimitivamostravaapenasvestígiosdessemododevida–aaldeianãotãopequenadeTepoztlan,aquasecemquilômetrosdaCidadedoMéxico.Depoisdisso, Redfield desenvolveu suas ideias no contexto de um projeto de pesquisa que envolvia quatrocomunidadesnaPenínsuladeYucatan:umaaldeia tribalmaia,umaaldeiadecamponeses,umacidadecomercial e uma cidade de características um tanto cosmopolitas. Daí em diante, ele continuou adesenvolverocontrasteentrefolkecidade,eainfluênciadacidadenamudançadessasditas“sociedadesprimitivas”, em textos escritos durante umperíodo que vai até a década de 1950[1]. Embora a leituradesses textos, assimcomodeoutros trabalhos seus, sejaumaexperiênciaagradávelparaalgunselaé,evidentemente,umaexperiênciairritanteparaoutros.

FoiTusik,aaldeia tribal,quepôdeservircomomodelomaispróximoparaasociedadeprimitiva.MasRedfieldteveocuidadodeassinalarqueessaúltimaeraapenasumconstruto.

Asociedadeprimitiva idealpoderiaserdefinidajuntando,na imaginação,ascaracterísticasquesãologicamenteopostasàquelasquesãoencontradasnacidademoderna,sóseprimeiramentetivéssemosalgumconhecimentode

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pessoasnãourbanasquenospermitissedeterminaraquiloque,realmente,sãoostraçoscaracterísticosdavidanacidademoderna.Oprocedimentotodoexigequenosfamiliarizemoscomsociedadesprimitivasemmuitaspartesdomundo e as descrevamos em palavras suficientemente gerais para descrever namaior parte delas aquelascaracterísticasqueelastêmemcomumumascomasoutrasequeacidademodernanãotem(REDFIELD,1947:294).

Asociedadeprimitivatípica,continuouele,seriaumasociedadeisoladacomumnúmeromínimodecontatoscomomundoexterno.Seusmembrosestãoemcomunicaçãoíntimaunscomosoutros.Hápoucaou nenhumamobilidade física, pelomenos do tipo que perturbe as relações internas da sociedade ouaumenteasinfluênciasexternas.Acomunicaçãoéapenasverbal–nenhumaescritaenenhumaleituraparacompetir com a tradição oral ou para controlá-la. Os membros da sociedade primitiva são muitosemelhantes.Emcontatoapenasunscomosoutroselesaprendemasmesmasmaneirasdepensaredefazer – “hábitos são omesmo que costumes”. As pessoasmais velhas veem as geraçõesmais novasfazendo aquilo que elas próprias faziam na mesma idade, já que há pouca mudança. Há uma fortesensação de pertença; cada membro tem “uma forte reivindicação da solidariedade dos demais”. Adivisão do trabalho é limitada àquela entre homem e mulher, e o mesmo ocorre com a divisão doconhecimento.A sociedadeprimitiva é autossuficiente, namedida emque as pessoasproduzemoqueconsomemeconsomemoqueproduzem.

Suaculturaé,emgrandemedida,única.Normas,valoresecrençassãoosmesmosparatodos.Oqueaspessoaspensamquedeveserfeitoécoerentecomaquiloqueelascreemqueéfeito.Tudonaculturaestáintimamenteconectadocomtudoomais.Arondadavidanãovaideumaatividadeparaoutraquesejadiferente.Elaéumaúnicagrandeatividade,daqualnenhumapartepodeserseparadasemqueafetetodooresto.Opoderdasociedadedeagircoerentementeedeenfrentarcrisescomsucessonãodependedopoderde indivíduosoudadevoçãoaalgumprincípioúnico, e simédevidoàcoerênciageraldasaçõesecompreensões.Aspessoasnãosãodirecionadaspararefletirsobrea tradiçãodeumamaneiracríticaouobjetiva.Nãoháqualquersistematizaçãodoconhecimento.

As convenções que unem as pessoas umas às outras são tácitas e não explícitas ou contratuais.Espera-sequeaoutrapessoareajaàssituaçõesdamesmamaneiracomonósreagiríamoselida-secomelacomoumapessoaenãocomoumacoisa.Comefeito,essatendênciaseestendetantoquemuitasvezesascoisastambémsãotratadascomopessoas.Alémdisso,asrelaçõesnãosãoapenaspessoais–elassãofamiliares. É nos termos de um universo de conexões de parentesco que os relacionamentos sãoconceituados e categorizados, criando sejam quais forem as diferenças que existem entre eles. “Osparentessãoaspessoastípicasparatodaaexperiência.”

Asociedadeprimitivaéasociedadedosagrado.Asnoçõesdevalormoralestãoligadasàsmaneirasde pensar e de agir. Todas as atividades são objetivos em si mesmas e expressam os valores dasociedade.Nãoháqualquerlugarparaomotivototalmenteseculardeganhocomercial.Adistribuiçãodebenseserviçoséumaspectodaestruturaderelacionamentospessoais.Intercâmbiossãosinaisdeboavontade.

ObviamenteRedfield tinhaumaapreciaçãoestéticadaharmoniadasociedadeprimitiva.Comoeleobservou,seinvertermosasqualidadesdaquelasociedade,obteremosourbanismo,deumaformamuitosemelhanteàqueledescritoporWirth.NenhumapartedoensaiodeWirthémaisconhecidodoquesuadefinição da cidade como “um assentamento relativamente grande, denso e permanente de indivíduos

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socialmenteheterogêneos”.Deumououtrodessesatributosdourbanismo,sugeriuele,outrospodemserderivados.Naverdade,porém,comoeletinhamuitopoucacoisaespecíficaadizersobreapermanência,o tamanho, a densidade e a heterogeneidade foram os fatores que receberam um tratamento maisdetalhado.

Otamanhodoagregadopopulacional,navisãodeWirth,temumimpactoimportantenanaturezadosrelacionamentossociais.Tãologoumacomunidadetenhamaisquealgumascentenasdehabitantes,passaaserdifícilouatéimpossívelparacadaindivíduoconhecertodososoutrospessoalmente.Amultidãodepessoas em interação exige uma redução dos contatos. É provável que nenhum outro parágrafo emUrbanismasaWayofLifesejamaissignificativodoqueoquefoidedicadoaesteargumento.

Caracteristicamente, urbanitas se encontram em papéis extremamente segmentais. Por certo, eles sãodependentesdemaispessoasparaasatisfaçãodesuasnecessidadesvitaisdoqueaspessoasnocampoeassimestãoassociadosaumnúmeromaiordegruposorganizados,massãomenosdependentesdepessoasespecíficas,esuadependênciadeoutrosestálimitadaaumaspectoaltamentefracionalizadodarondadeatividadesdooutro.Isso é essencialmente o que queremos dizer quando dizemos que a cidade é caracterizada por contatossecundáriosemvezdecontatosprimários.Oscontatosdacidadepodemrealmentesercaraacara,masapesardisso são impessoais, superficiais, transitórios e segmentais. A reserva, a indiferença e a visão blasé que osurbanitasmanifestamemseusrelacionamentospodemassimserconsideradascomoartifíciosparasequeelesseimunizemcontraasreivindicaçõespessoaiseasexpectativasdosoutros(WIRTH,1938:12).

Nãoestandoparticularmentepreocupadosunscomosoutroscomopessoas totais,osmoradoresdacidade tendemaadotarumavisãocompletamenteracionaldesuas interações,considerandoosdemaiscomo ummeio para a realização de suas próprias metas. Isso pode ser visto como emancipação docontroledogrupo.Aomesmotempo,noentanto,issoimplicaumaperdadasensaçãodeparticipaçãoquevem com uma identificação mais próxima com os outros. Ela é substituída, observouWirth (citandoDurkheim),peloestadodeanomia,umvaziosocial.

O caráter segmentar e utilitário dos relacionamentos é expresso na variedade de ocupaçõesespecializadas.Há umperigo constante de que a falta de consideração pessoal por outros envolva aspessoas em relacionamentos predatórios. Para controlar a expansão dessas tendências destrutivas, noentanto,asociedadeurbanatendeainstituircódigosprofissionaiseumaetiquetaocupacional.Navidaeconômica,acorporaçãoempresarialéoutroexemplotípicodoetosurbano;suautilidadeeeficiênciaéresultadodofatodeacorporaçãonãoteralma.

O tamanho da população, além disso, faz com que seja impossível para cada indivíduo estardiretamente envolvido nos negócios da comunidade como um todo.Os interesses são articulados pormeio de delegação.Oque um indivíduo diz é de pouca importância, enquanto a voz do representantepareceserouvidamaisclaramentetantomaiorsejaonúmerodepessoasemcujonomeelefala.

Entreos resultadosdadensidadeestáa tendênciadourbanitade seorientardeacordocompistasvisuais.Como os contatos físicos são próximos,mas os contatos sociais distantes, a pessoa reage aouniformeenãoaohomem.Oajuntamentodepessoasedeatividadespodeserumincômodoealgumaspessoaseatividadesincomodammaisqueoutras.Porissoocorreasegregaçãoenadisputaporqualquerespaçoespecíficooresultadoseránormalmentedeterminadoporqualdosusosofereceromaiorretornoeconômico.Locaisderesidênciaelocaisdetrabalhotendemaseseparar.Osprocessosdesegregaçãoproduzemomosaicourbanodemundossociaisenoentanto,hásuficientejustaposiçãodemodosdevida

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divergentes para fomentar a tolerância e a perspectiva relativista pela qual a vida é secularizada. Aordemdavidanasociedadecompactaémantidapelaadesãoarotinasprevisíveis.Aspessoasdacidadevivemseguindoorelógioeossinaisdetrânsito.Aindaassim,ocongestionamentopodecausarfricçãoeirritação.Eoprópriocontrasteentreproximidade físicaedistância socialaumentaa reserva, fazendosurgirasolidãoamenosqueoindivíduopossadescobrirsaídassociaismaisespecíficas.

Comoourbanitaestáexpostoàheterogeneidadedacidadeevaideumcontatoaoutrocomváriosindivíduosegrupos,elepassaaaceitara instabilidadeea insegurançacomonormal,umaexperiênciaque acrescenta algo a seu cosmopolitismo e a sua sofisticação. Nenhum único grupo tem sua totallealdade. Os círculos dos quais ele participa não podem ser organizados hierarquicamente ouconcentricamente;aocontrário,elessetocamouintersectamdeváriasmaneiras.Ofatodeelepassarpormuitos empregos, bairros e interesses durante sua vida também evita que o morador da cidade secomprometamuito fortementecomoutraspessoas.Noentanto,apesarde todasuamobilidade,elenãoconsegueadquirirumavisãogeraldacomplexidadedesuacomunidadecomoumtodo.Comisso,eleficainseguro sobre aquilo que é de seu próprio interesse, e é vulnerável às pressões persuasivas dospropagandistas. Por motivos como esse, o comportamento coletivo na cidade tende a se tornarimprevisível.

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Aprevalênciadadicotomia

AanálisequeWirthfazdavidaurbanaeavisãocomplementardasociedadeprimitivaoferecidaporRedfieldpodematrairumurbanitacontemporâneoemvirtudedesuaprópriaexperiênciaepelomenosempartesiguaisemvirtudedehábitosdepensamentoherdados.Reconhecemoscomotiposomalandrourbano e seu oposto, seja ele parte do verdadeiro “povão”, um nobre selvagem, ou simplesmente umcaipira do campo.De um jeito ou de outro, a dicotomia hámuito está entre nós.CaroBaroja (1963)mostroucomoissoeraumlugarcomumnocomentáriosocialdaAntiguidadeClássica.Aproximando-semaisdotipodecidadequeeraaChicagodeWirth,Engels(1969:58)tinhaescritoemTheConditionoftheWorking Class in England que embora “esse isolamento do indivíduo, essa busca restrita de simesmo seja o princípio fundamental de nossa sociedade no mundo todo, ele não está tãodespudoradamente desnudo, tão autoconsciente como exatamente aqui namultidão da grande cidade”.(No entanto, comMarx, noManifesto Comunista, ele reconheceu que essa experiência resgataria ohomemda“idioticedavidarural”.)

AquelaurbanizaçãoexplosivaqueEngelsobservouequedrasticamentemudouafacedasociedadeeuropeia também inspirou o desenvolvimento da disciplina de sociologia. De sua própriamaneira, oGemeinschaft eGesellschaft de Tönnies, e a oposição entre solidariedademecânica e solidariedadeorgânica de Durkheim são assim também parte da mesma família dos contrastes entre a sociedadeprimitiva e a urbana. Georg Simmel, em seu ensaio de 1903 sobre a vida mental da metrópole, foiclaramente um dos antecessores intelectuais mais próximos de Wirth; e é provável que isso tenhaocorridoespecialmentepelainfluênciadiretaquetevesobreRobertPark.

Ainfluênciafundamentaldagrandecidadenapsiquehumana,sugeriuSimmel,éa“intensificaçãodoestímulonervoso”.Impressõesduradouras,impressõesquesediferemapenaslevementeumasdasoutras,impressõesquecontinuamapartirdeumcursoestabelecidoemostramapenasoscontrastesprevisíveis,envolvem a consciência menos do que o agrupamento de imagens que mudam rapidamente,descontinuidadesque sãoaparentes apenas comumolhar, e a imprevisibilidadedenovas impressões.Essasúltimas sãoaexperiênciadohabitantedacidade.Ele se tornaumapessoacomplexa,que reagecom amente e não com o coração e também se torna blasé. Ele é indiferente a toda individualidadegenuínaporqueasreaçõeserelacionamentosqueresultamdelanãopodemser tratadoscompletamentepormeiodeoperaçõeslógicas.Eletendeàjustiçaformaleaumadurezadesatenciosa.

Emgrandeparte,RedfieldeWirthsobreasociedadeprimitivaeacidadeforamapenascelebrantesde um conhecimento estabelecido. Estudiosos do pensamento humano e da vida social tambémcontinuaram a dicotomizar de forma semelhante em anos posteriores, fossem ou não diretamenteinspiradosporessesdoisouporfontesanteriores[2].Mas,pelomenosporalgumtempo,umamplogrupode sociólogos e antropólogos tiraram suas premissas explícita e diretamente do paradigma Wirth-Redfield.Paraosociólogo,interessadoprincipalmenteemsuasociedadeocidentalmoderna,aênfaseerasobretudoemWirtheseucontrasteeraprovavelmenteomenosdramáticoentreourbanoeorural–esseúltimo,dentrodocontextodasociedademoderna,nãopodiaserexatamenteigualàsociedadeprimitiva.AformulaçãodeRedfieldatraíamaisosantropólogos,comseuinteresse–pelomenosparcialmente–pelas sociedadesmais isoladas e tradicionais encontradas nomundo. Em sincronia com as ideias de

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ambos os autores, a dicotomia foi então transformada em um contínuo, em reconhecimento ao fato desociedades verdadeiras oumodos de vida nem sempre se encaixarem completamente em nenhum dostipospolaresesecolocarememalgumpontoentreosdois.

Noções dos contínuos primitivo-urbana ou rural-urbana passaram a ser ciência social dos livrosacadêmicos principalmente após a Segunda Grande Guerra e nos Estados Unidos, estendendo-se deformadesigualpara influenciarestudiososemoutraspartesdomundo.Noentanto,nemtudodeucertocomessasnoções.Aquantidadedenovaspesquisasinspiradasporessasconceituações,queasusavamcomo base cumulativamente, foi considerada pouco interessante. Commuita frequência elas parecemsimplesmente ter sido congeladas, passivamente incorporadas ao sistema de crenças cotidianas doscientistassociais.Alémdisso,emsuaposiçãoatual,elassãovulneráveisaváriascríticas[3].

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OurbanismodeWirth:características,premissas,pontosfracos

Devemos,portantoexaminarcuidadosamenteeumpoucomaisdepertoaconceituaçãodeWirth,aspremissasque aparentemente a subjazeme as críticasdirigidas a ela, na esperançadeque issopossaclarificaraideiadeurbanismo.

Antesdeprocederporessecaminho,noentanto,podemosnosperguntaroqueéqueera,eatécertopontopodeaindacontinuaraser,atraentecomrelaçãoàformulaçãodeWirth.Elaé,obviamente,umaafirmaçãoclaraecompetentenamaiorpartedesuasalegaçõeseabrangenteobastante,considerandooslimitesdesuasduasdúziasdepáginas,paraocuparsozinhaamaiorpartedonúcleocentralnessetipodepensamento sobre a vidaurbana.Para umantropólogo, emgrandemedida a atraçãodessa formulaçãopodetercomobasesuaênfaseemrelaçõessociaisemodosdepensar.ParecequeUrbanismasaWayofLifefoiatécertopontoumareaçãocontraotipodepensamentoecológicoquetinhapredominadoentreossociólogosdaChicago.Wirthtrouxeaspessoasdevolta.Oparágrafocitadoacima,sobreaformaderelacionamentosfaceafaceearesultantedefiniçãodapessoa,alinha-secomaproblemáticaclássicadaantropologia social.Alémdisso,pelomenosparteda análisedeWirth está emumnívelde abstraçãoacima de instituições particulares e a forma que lhes é dada em uma certa tradição; e, em parte, elaoferece,portanto,algumalíviodatendênciadegrandepartedaciênciasocialaapresentarformulaçõesmaisclaramentevinculadasàcultura.Wirthera irregularcomrelaçãoa isso,noentanto;simplesmenteemvirtudedesuaconcretudesuasconhecidasproposiçõesrelacionadascomareduçãodotamanhodogrupo familiar e a importância das associações voluntárias na vida urbana, por exemplo, estão maisimediatamente vulneráveis à crítica baseada em evidência comparativa. E, como finalmente ocorre,algumasdasafirmaçõesquepodemparecerterumarelevânciamaisamplasão,naverdade,igualmentelimitadasemseuescopocultural.

Voltaremos novamente a essa questão. Com relação a um detalhamento das características dourbanismodeWirth,aprimeiracoisaaobservarpodeserqueháneleumafortetendênciaaveracidadecomoumsistemafechado.Existemafirmaçõesespalhadasportodooensaioqueconstituemexceçõesaessa tendência, mas, de um modo geral, essa pode ser a maior falácia de Wirth. A cidade énecessariamenteumsistemaaberto,ouumsistemaparcial,aocontráriodasociedadeprimitiva.Nessesentido,asduasnãosãocomparáveis.Redfieldpercebeuessepontomaistarde,substituindocidadepor“civilização” em sua versão do contraste[4]. No caso de Wirth, há pouco mais do que uma leveconsideraçãodoimpactoexternodacidade.Orelacionamentoentrecidadeesociedadedáaimpressãodeserumainfluênciaemumasódireção,acidadeatuandosobreoqueestáasuavoltapormeiodeumprocessodedifusãoe,comisso,reformulando-oemsuaprópriaimagem.Obviamenteaideiaaquiparececoma deRedfield, que identifica essa influência comoumelemento importante de desorganizaçãonasociedadeprimitiva.MasWirthquasenãotinhanadaadizersobrecomoummododevidaurbanopodesermantido sob condições não urbanas, partindo-se do princípio que ele só pode se originar sob ascircunstânciasencontradasnaprópriacidade.Deummodogeral,ficaclaroqueomododevidaurbanoéencontradonasuaformamaisreconhecívelnacidade,sobainfluênciadiretadostrêsfatores,tamanho,densidade e heterogeneidade. Esses fatores são considerados em grande parte como variáveisindependentesnateoriadeWirthe“quantomaior,maisdensamentepovoadaemaisheterogêneaforuma

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comunidade,maisacentuadasserãoascaracterísticasassociadascomourbanismo”(WIRTH,1938:9).

Nessestermos,podemostambémobservar,acidadedeWirthéumtipoideal–elaémuitogrande,muito densa, muito heterogênea. Como ocorre com outras formulações semelhantes, o que fazer comcasosverdadeirosquesãoaproximaçõesmenosperfeitasdessetipoidealtendeasetornarumproblemaprático.A ideiadeumcontínuo,afinal, tendeaserconsideradacomoalgoumtanto impossíveldesermanejado.Quaseinevitavelmentenoestudoexistentesobreourbanismo,umlimiardedescontinuidadeéreintroduzidoentreoqueéurbanoeoqueérural,emboracompoucoconsensosobreondeesselimiardevesercolocado.Deacordocomaafirmaçãohápoucocitada,poderíamosesperarqueaurbanidadedeumlugarsejadeterminadapelo tamanho,densidadeeheterogeneidadeabsolutosdesuapopulação.Noentanto, uma vez mais, isso parece questionável se pudermos assim considerar a comunidade urbanaseparadamente de seu contexto mais amplo. As variáveis de tamanho e densidade, aparentementesimples, oferecem evidência suficiente disso, aliando-se para fornecer um conceito de urbanismodemográfico e não estritamente sociológico. A densidade pode ser definida como a razãopopulação/espaço.Masérealmenteadensidadeabsolutaqueusamoscomoumcomponentenadefiniçãodourbanismoouéadensidaderelativaàsáreasaoredor–ouseja,aconcentração?Emgrandeparte,pelomenosoentendimentodenosso sensocomumparece serguiadopela segundaalternativa.Aquiloqueéumnívelurbanodedensidadeemumcontextopodenãoserdefinidoassimemumasociedadeque,comoumtodo,émaisdensamentepovoada.Umadefiniçãodedensidadeurbanadocensoindiano–milhabitantesoumaisporcada1.600quilômetros–comoseconstatouaplica-seaumagrandepartedaárearuraldoJapão(cf.TSURU,1963:44).

Sequeremosargumentar,então,comoWirthparecefazer,queumacertadensidadeabsolutaproduzefeitos sociais específicos, as comunidades que nos interessam podem ser consideradas urbanas emalgunslocais,masnãoemoutros.Istoéumobstáculonocaminhodosestudosurbanoscomparativos.Avariáveltamanhoofereceproblemassemelhantes.Nãoháqualqueracordouniversalsobrequãopopulosaumacomunidadeprecisaserparaadotarumstatusurbano.Leigos,funcionáriosecientistassociaistodostendem a usar as ideias de precisão muito variada que prevalecem em seus cantos do mundo. Parapessoasacostumadasa cidadescommilhõesdehabitantesmuitasvezeséuma surpresaouvir falardecentros urbanos em outras épocas e lugares, que têm uma importância indisputável, mas com cifraspopulacionais que sob outras circunstâncias poderiam fazer com que eles fossem consideradosmerasaldeias.

Outroproblemapodeserobservadocomaideiadepredizerefeitossociaiscombasenosnúmerosqueindicamotamanhoeadensidadedapopulação,algoqueàsuaprópriamaneira,éumresultadodapremissa da cidade como um sistema fechado. Essas cifras, quando se originam, por exemplo, dosregistrosdoscensosoficiais,normalmentemostramondeaspessoasdormem.Namedidaemqueossereshumanos se deslocam nas horas em que estão acordados, introduz-se, aqui, uma fonte de erro. Isso éevidentenadistribuiçãointernadepessoasnacidadeocidentalmoderna,ondeocentrocomercialpareceter uma população esparsa porque poucas pessoas têm sua residência ali. Isso pode, igualmente, serobservadonadistribuiçãodepessoasentrecidadeecampo.Avidaurbanatambémincluiosusuáriosdemeioexpedientedacidade,pessoasquevêmvendernomercado,darumpasseiopelosbares,litigarnotribunal,visitarumamigonohospitalouassistiraumdesfile.Ealgumascomunidadesurbanaspodemter

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umaproporçãomaiordessestiposdevisitantesdoqueoutras.Inversamente,éclaro,osurbanitaspodematravessaroslimitesdacidadeafimdecoletarlenha,comprarovoscaipirasfrescos,vendernovidadesdúbiasaosmaisrústicos,ougozardeumacomunhãocomanatureza.

Talvez não seja preciso dizermais nada sobre as variáveis de tamanho e densidade propriamenteditas a essa altura.No caso da terceira variável, heterogeneidade, um problema semelhante pode serafirmado: Quanta heterogeneidade seria necessária para que uma comunidade fosse definida comourbana?Mas aqui os próprios referentes do termo tambémparecemmenos certos.Realmente, autoresdiscordaramcomrelaçãoaolugarondeWirthcolocaaênfase[5].

Em um sentido, que pode ser observado en passant emUrbanism as a Way of Life, uma certaquantidade de heterogeneidade poderia presumivelmente estar relacionada com o próprio tamanho dapopulaçãourbana– sepudéssemos imaginaralgum tipode“heterogeneidadegeneralizada”distribuídaproporcionalmente entre aspessoas, umacomunidademaior iria abarcarmaisheterogeneidadedoqueuma menor. O que mais provavelmente interessaria ao observador do urbanismo, no entanto, é umaconcentraçãorelativadeheterogeneidadenacidade:umavariedadedeatributossociaisque,dealgumaforma,poderiamsermedidoscomosendomaiordoqueamédiaporunidadedapopulação.Wirthdeudoismotivosprincipaispelosquaisacidadeseriaparticularmenteheterogêneanessesentido.

Oprimeiroéqueacidadetendearecrutarheterogeneidadedefora.(EstefoiumcasoemqueWirthrealmente reconheceu os contatos externos da comunidade urbana.) Ela atrai migrantes de origensdiversas,eassimtorna-se“ocadinhoderaças,povoseculturas”.OoutromotivofoiidentificadocomosendobaseadoemDarwineDurkheim.Quandoháumaumentononúmerodeorganismosquehabitamumaáreadeterminada,adiferenciaçãoeaespecializaçãoocorrem,jáquesódessaformaéqueaáreapodesustentarnúmerosmaiores.

Háalgonesteúltimoargumentoquepodeseraplicadoàvidahumana.Noentanto,aquivemosWirthescorregar de novo para uma visão da cidade como um sistema fechado.A população densa apareceprimeiro;aseguirseestabeleceumadivisãodotrabalhointerna.Emborasejareconhecidoqueumapartedomercadomais amplo do qual depende a especialização é encontrado nas partes externas à cidade,enfatiza-se,aocontráriooacessoàprópriapopulaçãourbana.Aspessoasdacidadeparecemestarseocupandoesesustentandolavandoaroupaumasdasoutras.

ÉpossívelquequeiramosinvestigarseessatendênciaaveracidadecomoseestivesseemumvácuonãoteriasidoumdosresultadosdaexperiênciadeWirthcomChicago.Adivisãodetrabalhointernaemumametrópole como essa émais complexa do que aquela que encontraríamos na grandemaioria dascomunidades urbanas. Muitos de seus habitantes poderiam, provavelmente, vivenciar a cidadesubjetivamenteemsuasvidascotidianascomoumuniversoautossuficiente.Seusvínculosexternos,pormaisimportantesquepossamserparatodososhabitantes,podemestarfortementeconcentradosemumnúmerorelativamentepequenodemãos.UmfatoadicionalsobreaChicagodocomeçodoséculoXXfoique um grande número de sua população tinha vindo de fora, como migrantes do Leste Europeu, daIrlanda,daItália,daEscandináviaedeoutrasregiões.Mastalvezporquetenhamvindoparatãolongedesuasorigensenãodas terras ruraisdavizinha Indianaoude Illinois,paraelesChicagopode ter sidomaiscomoumailhaisoladanomar.

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Dequalquerforma,pormaisvagasquealgumasdasreferênciasdeWirthàheterogeneidadepossamser, ele sugere assim que a cidade intensificou a heterogeneidade trazendo diversidade externa eaumentando a diversidade interna. Às vezes as duas coisas podem estar relacionadas, como, porexemplo,quandoacidade“juntoupessoasdasextremidadesdaterraporqueelassãodiferenteseassimúteisumasàsoutras,enãoporqueelassãohomogêneasetêmideiassemelhantes”(WIRTH,1938:10).Decertasmaneiras,aheterogeneidadepoderiaservistacomoseelaprópriase tornasseumavariáveldependentedotamanhoedadensidade.Aomesmotempo,éclaro,Wirthtinhacomeçadocomaideiadeatribuirefeitossociaisseparadosàsvariáveisindependentesdetamanho,densidadeeheterogeneidade,umadecadavez.Mashámotivosparasermoscéticoscomrelaçãoaesseprocedimento.Seaformadosrelacionamentos sociais se transformasse na direção da impessoalidade, da superficialidade e dasegmentabilidade,porexemplo,comosugeridonacitaçãodadaanteriormente,issonãoocorreriaapenasemvirtudedeumaumentonotamanhodapopulação,mastambémporqueapopulaçãoédensaobastanteparaqueessesmuitosindivíduostenhamacessounsaosoutros.Seháprocessosdesegregaçãonacidade,eles não são resultado apenas da densidade,mas da densidade e da heterogeneidade combinadas.Emoutras palavras, não podemos adicionar os efeitos do tamanho àqueles da densidade e àqueles daheterogeneidade,masascaracterísticasdevidaurbanaquepodemserresultantesdeles(semconsideraroutrosfatores)podemmuitasvezestermaisavercomasmaneiraspelasquaiselesinteragem.

Além disso, tamanho, densidade e heterogeneidade não necessariamente se inter-relacionam damesmamaneiraemtodasascidades;umfatoquecomplicaaideiadocontínuorural-urbanoouprimitivo-urbano. Entre os estudos que exemplificam esse ponto, está o deMarvin Harris (1956) sobreMinasVelhas, no Brasil. Minas Velhas tinha alta diversidade. Tinha começado no século XVIII como umacomunidade de mineração de ouro e mais tarde se tornou um centro administrativo, educacional ereligioso. Havia 69 especialidades ocupacionais e as pessoas que não eram funcionários públicospreferiamterseupróprionegócioemvezdeestaremsubordinadasaoutrapessoa.Oindividualismosemanifestava também na desconsideração pelo santo padroeiro da cidade e na proliferação de santospadroeirospessoais.Conscienteou inconscientemente,abstrataouconcretamente,aspessoasdeMinasVelhasendossavameaprimoravamocaráterurbanodesuacomunidade.Haviaumamorpelobarulho,pelomovimento,pelasmultidões,epelascasasnasruasmovimentadas.Aeducação,umafacilidadenousodaspalavras,processoslegais, ternosegravatas–essaseramasboascoisasdavida.Noentanto,MinasVelhastinhaumapopulaçãodeumas1.500pessoas.ComoHarrisobservou,erapossívelencontrarmuitosexemplosnaantropologiadecomunidadeslatino-americanasqueerammaiores,masaindaassimconsideradoscomoaldeias.

É possível, então que tamanho, densidade e heterogeneidade tenhamde ser considerados como seconstituíssemcontínuosdiferentes;alémdisso,osúltimosenvolvemtantasdimensõesquedescobrirumamaneira de alinhá-los para ter acesso a uma únicamedida é uma tarefa extremamente difícil.AmeraclassificaçãodessasvariáveisprincipaisnomodelodeurbanismodeWirthacaba sendoalgobastantecomplexo.Noentanto,elastinhamsidomaisoumenospresumidascomoalgodado.AênfasedeWirthfoimaisnadelineaçãodo tipodevidaque lhes corresponde. Isso se resume,no final, emumadescriçãomuitogeneralizadaebastantesugestivadasexperiênciasereaçõesdeummoradormédiodacidade,o“homemnarua”.Aqui,comoseriadeseesperar,concentraram-semuitasdascríticasaWirthbaseadasemevidênciasempíricas.

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EntreasmaisfamosasdessascríticasestáadeOscarLewis(1951,1965)queenfrentouosconceitossobre primitivo-urbano de frente, tanto com um reestudo da Tepoztlan de Redfield quanto com umapesquisa na metrópole da Cidade do México. As diferenças entre os dois retratos de Tepoztlan,particularmente com relação àqualidadedas relações interpessoais, fizeramdosdois emconjuntoumcaso clássico na discussão da etnografia interpretativa. Em contraste com o cenário harmoniosoapresentado por Redfield, Lewis encontrou inveja, desconfiança e violência comum. A reação deRedfield à divergência parece característica de seus impulsos humanistas: ele a reconheceu comoevidência do elemento pessoal na antropologia. Ele tinha se perguntado quais eram as coisas que osTepoztecanos desfrutavamna vida, eLewis quais eram seus problemas e sofrimentos.Ainda assim, épossívelacharqueissolançaalgumadúvidaemseuretratodasociedadeprimitiva,namedidaemqueesseretratoerabaseadoemTepoztlan.

NaCidadedoMéxico,Lewisnãopôdecompararseusresultadoscomqualquerumdosestudoslocaisprecedentes,masperguntou,emvezdisso,seosconceitosdeurbanismoemgeraldeWirth,RedfieldeSimmelpoderiamservircomoumadescriçãodavidanosbairrosdeclassemaisbaixaqueeleconheciana cidade. Pelo que ele via, isso não era viável.As pessoas dessasvecindades,migrantes vindos docampo,nãotinhamsofridomuitodequalquercoisaquepudesseserchamadade“desorganização”esuasvidasnãoeramexatamentecaracterizadasporanonimatoeimpessoalidade.Pareceriacomoseoslaçosfamiliarestivessemsefortalecidoeaumentado,emvezdooposto,aindaqueasunidadesdomésticasnãofossemtãograndesquantonaaldeia.OutromotivopeloqualadescriçãoderelacionamentossociaisdeWirthnãoseaplicavaeraqueosconhecidosurbanosdeLewiseramnãotantooshabitantesdacidadeemgeral e, sim, aquelesdebairros específicosque tinhamumcaráter semelhante aodas aldeias.Ali eraonde eles tinham a maior parte de seus contatos, de estabilidade e intimidade consideráveis. Lewis(1956:497)descobriu,assim,que

as variáveis de número, densidade e heterogeneidade como foramusadas porWirth não são as determinantescruciaisdavidasocialoudapersonalidade.Hámuitasvariáveisintervenientes.Avidasocialnãoéumfenômenodemassa.Elaocorrenamaiorpartedasvezesempequenosgrupos,nafamília,dentrodosdomicílios,nosbairros,naigreja,emgruposformaiseinformaiseassimpordiante.Quaisquergeneralizaçõessobreanaturezadavidasocialnacidadedevemserbaseadasemestudoscuidadososdessesuniversosmenoresenãoemafirmaçõesapriorisobreacidadecomoumtodo.

Etampoucoesseshabitantesdavecindadparecemter-se transformadoemsecularizadoscrentesnaciência.Naverdade,“avidareligiosatornou-semaiscatólicaedisciplinada”eascrençaseremédiosdaaldeia persistiram. As noções de uma mentalidade urbana realmente atraíram algumas críticasespecialmente vigorosas por parte de Lewis. Com muita frequência elas foram baseadas em teoriasdefasadaseinadequadasdapersonalidade,commuitafrequênciahaviaumaquasetotalfaltadeevidênciaempírica para sustentá-las. Se os construtos de sociedade primitiva e cidade foram em geral umaconfusãomalcompreendidadefatos,suposiçõese ideologia,suasafirmaçõessobrecomooshabitantesdacidadepensavampertenciammuitomaisaopoloextremodaquiloqueéduvidosoenãocomprovado.

A descrição que Lewis faz da qualidade dos relacionamentos sociais nos bairros da Cidade doMéxicoassinalaumerrogravenoraciocíniodeWirth.Elepareceteremmentealgumaquantidadefixadeenvolvimentossociais,espalhadosespessamenteporalgunsrelacionamentosnasociedadeprimitiva,tenuementepormuitosnacidade,eumtantouniformementeportodososrelacionamentosnosdoiscasos.

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Certamente essa não é a maneira como a sociedade está organizada. Há, além disso, o esforço paraencontrar um conceito excessivamente generalizado do urbanita típico. Apesar da ênfase emheterogeneidade, podemos perceber uma premissa de uniformidade.Mas hámuitos tipos de cidades:cada uma delas temmuitos tipos de habitantes; e cada umdeles, por sua vez, tem tipos diferentes derelacionamentos.Equasesempre,algunsdessesúltimossãoíntimos,pessoaiseduradouros.Opróprioestudo deWirth sobre o gueto deixa isso claro.Realmente, Short (1971: xxix), em suasmemórias dasociologiaurbanadaChicago,observouquepelomenosumdoscolegasdeWirthdivertiu-secomofatodeospróprios relacionamentosdeWirthestarem longedeser“impessoais, superficiais, transitóriosesegmentares”.

Acríticadessaconcepçãoderelacionamentosurbanos tornou-seumgênero importantenapesquisaurbanacomparativaeLewisnãofoioprimeiroacontribuirparaela.Ela incluiStreetCornerSociety(1943)deWhyteealgunsdosescritosquenelesebasearam.Gans,comoobservamos,cunhouotermoqueresumegrandepartedacríticacomTheUrbanVillagers(1962a)escrevendo,comoWhyte,sobreosítalo-americanosdeBoston;eumnúmerodeoutrosautoresescreveramigualmentesobreaintimidadedeváriosbairrosurbanosem todoomundo.Oquepodeserditosobreseuargumentoprincipal,alémdeobservarqueesseargumentoaessaalturajáperdeugrandepartedoencantodanovidade,équeelesearriscaaserexagerado.SeWirthnãoestava100%corretosobreocaráterdasrelaçõessociaisurbanas,eletampoucoestava100%errado.Nãoestariacertosugerirqueosrelacionamentosentreoshabitantesdacidadesãotipicamenteprofundoseamplos,íntimoseduradouros.Éavariabilidadedasrelaçõesnacidadequemerecereconhecimentoetambémmaisatençãoanalítica.

UmaspectoadicionaldadescriçãoqueWirthfazdourbanitageneralizadodeveseridentificado.Aênfasedoensaioé,maisliteralmentedoqueaprincípiopodemosperceber,sobreum“mododevida”.Oque é descrito é um estilo de vida e a descrição mais ou menos tem como seu ponto de partida oindivíduosubmersonaquelemododevida.Poroutrolado,nãonosédadaumavisãogeraldiferenciadada ordem social urbana. Talvez a preocupação com um tipo de “homem na rua” tenha algumrelacionamentocomaexperiênciadepesquisadeWirthedeseuscolegasnaChicago.Comaexceçãodos vislumbres da Gold Coast que nos dá Zorbaugh, como vimos, os chicagoenses “estudavam parabaixo” ou, ocasionalmente, “para o lado”, como os etnógrafos urbanos continuam tipicamente a fazer.Paraobter“ourbanismocomoumaordemsocial”emvezdeourbanismocomoum“mododevida”maisatenção deveria presumivelmente ter sido dada aos níveis mais altos da política e da economia dacidade.Alémdapremissadeumaecologiaurbanalaissez-faire,noentanto,ossociólogosdaChicagodeum modo geral não deram muita atenção analítica à economia mais ampla da comunidade, nem àsquestõesdepodereconflito–algoincrívelparaumacidadecomeventostaiscomooHaymarketAffairemsuahistória[6].

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Etnocentrismo,tradiçõesculturaiseaunidadedourbanismo

Comonosdeparamoscomumagrandevariedadedeevidênciaempíricaque,comoadeLewis,seriaanômala a um ponto de vista wirthiano, a ideia do urbanismo como uma combinação fixa decaracterísticas torna-se cada vez mais como uma miragem, afastando-se progressivamente ou sedissolvendoàmedidaque tentamosnosaproximardela.Háo trabalhodeReiss (1955),por exemplo,que, após investigar ingredientes fundamentais dos contrastes urbano-rurais, concluiu que quase nadapodeserencontradoquediferencieacidadedopaísemtermosuniversaiseabsolutos.UmlugarcomoAarhus, o segundomaior centro urbano daDinamarca, parecemenos heterogêneo do que era a antigafronteira americana. Uma contabilização do tempo mostra que os urbanitas gastam tanto tempo emrelações interpessoais íntimas quanto os moradores do campo. Uma região rural com habitaçõesespalhadaspodeoferecercondiçõestãofavoráveisaoanonimatoquantoumagrandecidade.Osurbanitasnãopodemterqualquermonopóliodetolerânciaparacomocomportamentodissidentecomodemonstramosladrõesdegadonooesteamericano,osíndicesdehomicídiosnaSicíliaruralouosaltosíndicesdegravidez fora do casamento entre camponeses escandinavos. A mobilidade não é, ela própria, umacaracterística urbana e sim uma função das estruturas de oportunidade que podem estar abertas oufechadas tanto na cidade quanto no campo. As associações voluntárias não atraem apenas pessoasurbanas, podemos encontrar um número bastante considerável delas em áreas rurais, incluindo clubesfour-H[*],bemcomooKuKluxKlan.Diz-sequeainventividadeeacriatividadeseconcentramnocentrourbano,masalgumasinovaçõesnaverdadetêmorigemnaárearuraleseespalhamparaascidades.Hápessoasnocampoquenãosededicamàagriculturaepessoasnacidadequeofazem.

PodemosacharqueotipodecomparaçãoqueReissfazéumtantoprovocativo.Suacontraevidênciaé tão radicalmente descontextualizada como qualquer lista de supostas características urbanas. Noentanto parece aconselhável buscar caminhos para sairmos desse impasse na sociologia de contrastesurbano-rurais que críticas como as dele identifica. Um fator que precisa ser abordado aqui é oetnocentrismo,daqueletipoespecialqueafetaospesquisadoresquegeneralizamapartirdesuaprópriaexperiêncianocampoparaumapartemaiordahumanidade.PodehaveralgumacoisaassimnadescriçãoqueRedfieldfazdasociedadeprimitivacomosendoisoladaevoltadaparasimesma,poisosmaiasdeYucatan,que talvez tivessemsidoseumodelomais importante,poderiam terdesenvolvidoalgumasdesuastendênciasàintroversãocomoumareaçãoaoscontatoscomomundoexterno–umdaquelescasosnaetnografiamundialemqueumasociedade implícitaouexplicitamenteconsideradacomoumaformasimples e prematura em algum esquema evolucionário, na verdade, foi formada ou pela invasão dealgumaformamaiscomplexadeorganizaçãosocialoupelasuadestruição.

Estamosmais interessados,noentanto,emWirtheacidade.Épossívelquesejaumpouco injustoacusarWirthdeetnocentrismo,nosentidodequeelepodeestarpresumindocomoumfatoconsumadoqueestavasecomunicandocomcientistassociaisamericanosnocontextodasociedadeamericana.Comoele não foi claro e coerente sobre isso, no entanto, e como tanto seus seguidores quanto seus críticosestavamdispostosaveraquiloqueeleescreveucomoumatentativadeproduzirumaformulaçãomaisgeral,nãoéabsurdoqueconsideremosquetipodecidadeeletinhaàmão.Issonãoexplicatudo,poisaevidênciacontraalgumasdasafirmaçõesmaisexageradasdeWirthestavadisponívelemChicago.Maso

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tipo de lugar que Chicago era e o tipo de comunidades urbanas com que, em geral, Wirth estavafamiliarizado,semdúvidadeixaramsuamarcaemsuavisãodeurbanismo.Aquelaeraumacidadequecrescia febrilmente, atraindo pessoas de muitos países em vários continentes, umametrópole que, jádissemos,poderiaparecerquasecomoummundo,comocomérciocomorei.Nãoeraexatamentecomotodas asoutras cidades.Nãoque fossenecessariamente impossível inferir quaisquer insights gerais apartirdela;apenasépossívelpresumirquedarvalidadeuniversalaesses insightsseriaalgoumtantotraiçoeiro.A aparência de culturas específicas transcendentes na perspectiva deWirth com relação àcidade às vezes era um tanto ilusória. Nas palavras de Francisco Benet (1963b: 2), ela prometeu aChicagoumaposiçãonos estudosurbanosparalela àquelada família burguesavienensenapsicologiafreudiana.

Amisturaétnicaeraumaspectodessasíndromequeeratípicodeumajovemcidadeemumpaísdeimigrantes.Seaheterogeneidadefossetambémcaracterísticadascomunidadesurbanasemoutraspartes,elanãoserianecessariamentedessemesmotipo.“Éparticularmenteimportantechamaraatençãoparaoperigodeconfundirurbanismocomindustrialismoecapitalismomoderno”,Wirthtambémescreveu,masaseparaçãodourbanismodessesoutrosismosimportantesnaverdadenãorecebeumuitomaisatençãoemUrbanismasaWayofLife.NamedidaemqueWirthcontinuouparaanalisarvaloresdetrocadaterracomodeterminantesdaecologiaurbanaeadotaracorporaçãocomercialsemalmacomoexemplodeumaênfaseurbanaemeficiênciaimpessoal,elenãoestavaexatamentediscutindotodasascidadesemtodoomundo. O efeito nivelador da produção em massa a que ele se referiu também era industrial e nãonecessariamenteurbano.

Todo o imaginário do urbanismo na Europa e na América estava, é claro, entrelaçado com oindustrialismo e o capitalismo. Para Engels, os três tinham sido uma trindade indivisível, ainda queprofana. SuaManchester era como aCoketown doHardTimes deDickens, dedicada à produção nasfábricase,aomesmotempoàdestruiçãodocorpoedoespíritohumanosgeradapelamina,pelafábricaepelaferrovia(cf.MUMFORD,1961:446ss.).ComoorelatodeUptonSinclairsobreaindústriadacarnemostrou,Chicagoeramuitoparecida.SimmeltinhaseinteressadoespecificamentepeloefeitodousododinheironamentehumanaenaordemsocialeemTheMetropolisandMentalLifeelechegoubempertodesugerirqueourbanismoeocapitalismoerammaisoumenosamesmacoisa.Eaposturablaséera,emgrandeparte,derivadadessefato:

Essadisposiçãodeespírito éo reflexo subjetivoperfeitodaeconomiadodinheirocompletamente internalizada.Sendo o equivalente de todas as várias coisas de umamaneira única e semelhante, o dinheiro passa a ser oniveladormaisterrível.Poisodinheiroexpressatodasasdiferençasqualitativasdascoisasemtermosde“quantocusta?”Odinheiro,comtodasua indiferençasemcor,passaaserodenominadorcomumde todososvalores;irreparavelmenteeleesvaziaonúcleodascoisas,suaindividualidade,seuvalorespecíficoesuaincompatibilidade(SIMMEL,1950:414).

Umavezmais,Wirthfoiassimpartedeumatradiçãodopensamentourbano,maselenãofezmuitoparaafastar-sedela.EsseestadodecoisasfoicriticadomaisrecentementeporManuelCastells(1976,1977:73ss.)natentativadeaplicaromarxismoàsociologiaurbana,quesugerequeumaanálisedomododevidaurbanodeacordocomWirthémeraideologia,umapistafalsaquandoenganosamenteatribuiaumaformaespacialosfatosdavidasobocapitalismoindustrial.

Neste estágio poderíamos decidir que iríamos desistir da busca por aquela unidade elusiva do

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urbanismo. Começando de novo, poderíamos talvez transformar o etnocentrismo em um ponto forte.AssimcomoWirthconstruiuummodelodourbanismoamericanodoiníciodoséculoXX,assimtambémpoderíamos supor que cada tradição cultural, velha ou nova, deu forma a seu próprio tipo de cidadepeculiar–ouaumasériedecidadesqueseguiamumasàsoutrascorrespondendoaperíodosespecíficosda história. Aqui tenderíamos a dar uma exposição máxima à distinção cultural. Encontramos essesconstrutosnaobradehistoriadoresdacultura,interessadosemmostrarcomoumaconfiguraçãoparticulardeideiasepráticassemanifestanourbanismo,naquela“cidademuçulmana”ounaquela“cidadelatino-americana”. Quando mais não seja elas podem dar atenção adequada ao fato de tradições culturaispoderemcontersuasdefiniçõesêmicasprópriasmaisoumenosexplícitasdaquiloqueéurbanismo.Acidademuçulmanatradicional,jáfoidito,deveterummercado,umamesquitaparaassextas-feiras,eumbanhopúblico(cf.VONGRUNEBAUM,1955:141).

Entreosantropólogos,essepontofoidefendidocomalgumvigorporPocock(1960)nocontextodasociedadeindiana.(Nadasurpreendente,jáqueháumparaleloóbvionodebatesobreaaplicabilidadetranscultural do conceito de casta.) Analisando estudos em sociologia “urbana” e “rural” na Índia,Pocock ficou espantado com aquilo que parecia ser uma dependência inquestionável de ideiasimportadas.AquiestavaWirth,querendoounão,nasmohallasdaantigaDéli.Presumia-sequeareligiãoeoslaçosdeparentescoiriamseenfraquecernacidade;naverdade,issonãoocorreu.Aspossibilidadesdeamizadesevizinhançaseriamdiscutidas,emtermosdofluxofísicodecorposeodesigndeprédios.Se as pessoas envolvidas eram da mesma casta ou religião ou de castas e religiões diferentes foiignorado.UmestudodeestratificaçãosocialusouoYankeeCitydeWarnercomomodelo,semgrandesmodificações, para enquadrá-lo às circunstâncias indianas.Na visão de Pocock, essa dependência dopensamento urbano ocidental podia ter sido mais compreensível, se não totalmente aceitável, se ascidades indianas, como muitas daquelas na África, tivessem sido criações europeias. Mas embora ainfluênciaocidentalestivesselá,aÍndiatinhasuaprópriatradiçãourbana,comumacontinuidadeculturaldiretadavidanaaldeia.Foinacidadequeosistemadecastasalcançouseudesenvolvimentomaispleno.O plano da cidade, como o da aldeia, era uma representação da ordem do universo, e não dasnecessidadesespaciaisedopoderdecompradocomércioedaindústria.NaÍndia,nãohaviaqualquerespaçoparaduassociologiasseparadas,adaaldeiaeadacidade.

Nãohádúvidadequeseriaumaabordagemempobrecidaedeficienteaourbanismoaquelaquedeumaformaumtantosistemáticadesconsiderasseamaneirapelaqualasváriastradiçõesculturaspodemser representadas nela por meio de ideias e instituições. No entanto parece ser discutível se oparoquialismodateoriaepesquisaurbanasdeumaúnicaculturairãotampoucooferecerumasatisfaçãodelongoprazo.Talvezemalgumlugarentreastradiçõesderegiõesculturaisespecíficaseanoçãodecidade,possamosbuscar tiposmaisamplosdeurbanismo.E,afinal,adisposiçãodemuitosescritoresparatraduziravariedadedeconceitosculturalmenteespecíficosdeumamaneiraumtantoimprovisadacomosendo“urbanos”nosfazperguntarsenãoexistealialgumdenominadorcomum.Parainvestigartaispossibilidades,devemosnosvoltarparaoutrosteóricosurbanosquenãoaquelesdaEscoladeChicago.

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Cidadesnasociedade:perspectivashistóricas

DizerqueChicagoéumacidadedocapitalismoindustrialjásugeremeiosdedividirourbanismoemcategorias mais administráveis. Uma dessas distinções é a industrial-pré-industrial. A revoluçãoindustrialfezsurgircentrosurbanosdeumtamanhojamaisconhecidoantes,deuformaanovasmaneirasdeverotrabalhohumanoeaglutinouaspessoasemnovasformasderelacionamentos.ComoManchester,Chicagoeoutras,entreseusprodutos,mostram,elacriouumanovapaisagemurbana.SeessefosseotipodeurbanismoqueWirtheseuscolegasdescreveram,poderíamos,quasequeindiscutivelmente,precisardeumavisãodourbanismopré-industrialcomocomplemento.

ExplicitamenteumarespostaàsformulaçõesnoestilodeWirth,olivroThePreindustrialCity(1960)deGideonSjobergéumatentativadenosdarexatamenteessecomplemento.OconstrutodeSjobergéumtipogeneralizado,quevaiousadamentedoscomeçosdavidaurbanapassandopelaEuropamedievalatéalgumasdascidadesatuaisdaÁsia,donortedaÁfrica,dosuldaEuropaedaAméricaLatina–“cidadespré-industriaispelomundotodoexibemestruturassociaiseecológicassurpreendentementesemelhantes,não necessariamente em termos de conteúdo cultural específico, mas certamente nas formas básicas”(SJOBERG,1960:5).

Sjoberglocalizouacidadepré-industrialnaquiloqueelechamoudesociedadefeudal,umtermoquecomentaristas acharam que ele usou de maneira bastante idiossincrática. A tecnologia era a variávelprincipal.Asociedadefeudal,navisãodeSjoberg,sedistinguiadasociedadeprimitivaemvirtudedeseusmaioresexcedentesagrícolas,particularmentecereais,queeramobtidosgraçasaousodoaradoedaroda,amelhormetalurgiaeasobrasdeirrigaçãodegrandeescala.Noentanto,emcontrastecomasociedadeindustrial,elaeraquasequetotalmentedependentedefontesanimadas(humanaseanimais)deenergia.Essesexcedentesdesempenharamumpapelimportanteparafazersurgirourbanismo,masumacondiçãonecessáriaadicionalfoiacentralizaçãodopodernasmãosdeumaeliteliterataquecontrolavao complexo integrado de funções políticas, religiosas e educacionais.O comércio servia em um graubastantealtoparasatisfazerasnecessidadesedesejosdessaclassedominante.

A cidade era tipicamente rodeada por ummuro, necessário para a defesa, mas também útil paraoutrospropósitosemépocasmaispacíficas,taiscomoocontroledoinfluxodepessoas,mantendoosnãodesejáveisforaquandopossívelecoletandotaxasalfandegárias.Dentrodacidadetambémalgumasáreaserammaisoumenosfechadasfisicamente,taiscomoosbairrosdasminoriasétnicas.Umavezmais,issoeraparcialmenteumsistemadesegurança.Nocentrodacidadeficavamosprédiosmaisimportantes–opalácio,otemplo,afortaleza.Aelitemoravapertodali.Suascasasnãorevelariamnecessariamentetodoseu esplendor externamente, mas voltavam-se para o interior, afastando-se das abundantes massas declassesinferiores.Asúltimastendiamamorarnasáreasperiféricaseissoeraespecialmenteverdadeirodaquelescomocupaçõesimpuras,taiscomoaçougueirosecurtidores.Emborahouvessecomfrequênciaummercadopertodosprédiosprincipais,taiscomootemplo,osartesãoseoscomerciantesmuitasvezescombinavamseu larcomseu localde trabalho.Alémdadiferenciaçãogeralespacialentreasclasses,haviaumadiferenciaçãomaissutildetalformaquefamílias,ocupaçõesegruposétnicosseaglomeravamemruasoubairrosespecíficos.

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O sistema de duas classes era rígido. Enquanto a elite se ocupava com o governo, a religião, aeducação, a classe inferior incluía todos os demais. O contato entre as duas camadas eramínimo namedidaemqueaelitelimitavasuasinteraçõescomcriados,astrólogos,músicos,comercianteseartesãosàquelas totalmente necessárias. Além disso, as pessoas tendiam a mostrar seu status por meio davestimenta, do estilo da fala e de outras maneiras, de tal forma que o entendimento apropriado dedeferênciaerespeitopodiasermantido.Oanonimato,namedidaemqueeraumaquestãodecategoriasocialenãodeidentidadepessoal,nãoeraumacaracterísticadacidadepré-industrial.

Naclasseinferior,éclaro,haviagradaçõesdestatus,masnenhumatãoimportantequantoabrechaentre as classes. Ocasionalmente os comerciantes podiam converter riqueza em influência e até abrircaminhopara si própriosoupara seusdescendentes até a classeprivilegiada.Ummotivopeloqual aelitetentavamantê-losadistânciaelimitarsuainfluência,noentanto,eraqueoscomerciantes,pormeiodeseuscontatoscomtodosostiposdepessoas,inclusiveforasteiros,podiamserumaameaçaàordemexistente.Artistasderua,também,eramconsideradoscomoumelementomaisoumenossubversivo.

Abaixo dos comerciantesmais ricos havia uma variedade de negociantes, e artesãos, assim comotrabalhadoresnãoqualificados–criados,mensageiros,carregadores,cuidadoresdeanimais,coveiros,eoutros. Emisturados a eles, é claro,mendigos, pequenos criminosos, e outras pessoas commeios desustento indeterminado. A forma típica de organização entre essas ocupações das classes inferiores(mesmo ladrões emendigos) era a guilda.Dependendodas exigências daocupação, ela servia váriosobjetivos, tais como controle das oportunidades de negócio, a regulamentação do recrutamento e dasocializaçãoocupacional,ocontroledeconflitointernoeajudamútua.Asprópriasunidadescomerciaisconstituintes erampequenas.A tecnologiaquasenãodavaoportunidadepara economiasde escalanosváriosofícios.

Devidoàscircunstânciasdesuaprofissão,aspessoasdasclassesmaisbaixasnãopodiamfacilmentemantergrandesfamíliaselaçosfamiliaresestreitos.Osmaispobrespodiamaténãoterqualquerconexãofamiliar.Entreaelite,poroutrolado,redesdeparentescoextensaseramdegrandeimportânciaparaamanutenção da coesão dos grupos em geral e para o recrutamento para as funções em particular. Ospostosocupadospelaelitetendiamasefundircomsuaspessoas,ecamposdeautoridadeeramdefinidosvagamente.Haviapoucoconflitodeclasseperceptível–asdivisõesentreosmembrosdaeliteeameaçasexternaseramàsvezesmaissignificativas.Talvezdevaserdito,também,queaclassemaisbaixaeranaverdade ainda mais dividida. Sua organização econômica criava pouca coesão geral, ela podia serdivididapor diversidade étnica e também sectária, e lhe faltava a influência homogeneizante queumaculturaliteratatinhasobreaelite.Ospregoeirospúblicos,oscontadoresdehistórias,cantoresderuaeatores tendiam tambéma formar elos de conhecimento, crenças e valores que ligavamas pessoas dasclassesinferioresàeliteemvezdeumasàsoutras.

ThePreindustrialCity teve umgrandenúmerode leitores, uma influência considerável e algumasresenhasdesfavoráveis[7].Aideiadeafastarotermo“feudalismo”deseusreferentespolíticos,legaisesociais costumeirosnão foi bem recebida; algunsprefeririam sermais cautelosos sobre aquestãodasbasestecnológicasparaourbanismoemseusprimórdios,eaafirmaçãodequeaselitesurbanasemtodasas partes baseavam seu controle na sua capacidade de ler e escrever é duvidosa. HistoriadoresreclamaramtambémdousodasfontesdeSjoberg.Alémdisso,oquefoimaispolêmicofoiaextensãode

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suas generalizações, a justaposiçãode dados de épocas e lugaresmuito distantes uns dos outros.Noscasosemqueodebatesobreessasquestõesacabasendoentresociólogosehistoriadores,extremamenteansiososparaseadequarasuasreputaçõescomogeneralizadoreseparticularizadoresrespectivamente,cadagruposóraramentemostrasimpatiapelopontodevistadooutroousequerumapercepçãojustadeleeoargumentopassaaserinfrutífero.Ignorandooutrasquestões,noentanto,oquecontinuasemrespostaé como organizar nossa compreensão de variações urbanas importantes que não são plenamenteexplicadaspelofatortecnologia.

Comoacidadeocidentalmodernaénormalmentedescritanãosócomoindustrial,mastambémcomocapitalista, parece natural buscar mais esclarecimentos na economia política do urbanismo. Maisexplicitamente, preocupamo-nos, então, com as bases da existência urbana; com a maneira como ascidadessesustentamou,maisconcretamente,comamaneiracomoosmoradoresdacidadesesustentam.

Isso nos leva de volta aos fundamentos absolutos do urbanismo. Quando, apesar de toda nossahesitação em tentar definir o urbanismo de uma forma transcultural, nós realmente usamos o termodescuidadamenteemumavariedadedecontextos,nós,semdúvida,temosemmenteanoçãodosentidocomum sobre pequenas e grandes cidades como assentamentos grandes e densos. Pelo menos desdeWirth,éclaro, foiumproblemasaber seesse fatodademografia,dousodoespaçoouatémesmodaarquitetura poderia ser precisamente compatível com os fatos das relações sociais. Mas na suaperspectivaacidade jáeraum faitaccompli.Ocomeçoda linhade investigaçãopodeserempurradoparatrásumpouquinho–porqueéqueassentamentosgrandesedensosocorrem?Porqueaspessoasnassociedadessejuntamparafazerumusomaisintensivodealgumespaçodoqueoutro?Comorespostasaessa simples pergunta e perguntas complementares tornaram-se cada vezmais complexas, o resultadofinalpodesermaisdoqueapenasumaantropologiadeusodoespaço.Nossas ideiascotidianassobrelocaisurbanos,sendooquesão,noentanto,parecelógicocomeçaraqui[8].

Deumamaneiraumpoucodramáticaemuitogeral,podemosverousodeespaçopelohomemcomouma equação envolvendo seu relacionamento com a terra e com outros seres humanos. Se homens emulheres fossem autossuficientes, Robinson Crusoé sem Sextas-feiras, e se eles vivessem em umapaisagemuniformeequenãotivesseprovisõesmuitoabundantes,épossívelqueelesseespalhassemdeformaa terambientespessoais igualmenteamplosdosquaissesustentar,comumacompetiçãomínimaporseusrecursos.Masnamedidaemquesãodependentesdeváriasmaneirasunsdosoutros,maximizaradistânciafísicaéinconveniente.Seriamelhorsempreestarpróximosunsdosoutros.

As pessoas sempre levam esse último fato em consideração até certo ponto aglomerando-se, porexemplo,emdomicílioseemaldeias.Acidade,noentanto,dessepontodevistaéaadaptaçãomáximaàinterdependênciahumana.Podemosverporque,combasenisso,aagricultura tendeaserconsideradafundamentalmente uma atividade não urbana. Por outro lado a agricultura é normalmente espaço-extensivaeseéconvenienteviverpertodaterraoscultivadoresirãosecongregarmenos.Poroutrolado,seseumeiodevidaostornamaisoumenosautossuficientes,elestêmpoucastransaçõesafazercomosoutros.Issoé,ocultivadornãotemqualquermotivoparaestarnacidadee,aocontrário,eletemmotivosparanãoestarnacidade.

Parenteticamente,podemosobservarqueaspremissasquesubjazemesseraciocíniosão,porcerto,

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bastante limitantes. O agronegócio moderno está tão envolvido em interdependência quanto qualqueroutra áreade trabalho, as exigências espaciais dahorticulturapodemsermodestas e hávárias razõespelasquaisumcultivadorpoderia escolhermorarnacidadequenãoprecisamdemuito conhecimentoetnográfico para descobrir quais são elas. Suas terras podem ser tão espalhadas que quase qualquerresidênciaéigualmenteconvenienteouinconveniente;suapossedequalquerpedaçoespecíficodeterrapodesermuitoinseguraparaqueelepenseemtermosdeumassentamentopermanentenela;elepodeserapenasumcultivadordemeioexpediente;ouelepodepreferirumaresidênciaurbanapormotivosoutrosquenãoaquelesdeseusustentomaterialbásico–porexemplo,ritual,recreativooudesegurança–detalforma que a conveniência do trabalho precisa ser pesada contra esses outros fatores.O cultivador nacidade não é, portanto, uma contradição tão grande de termos, como émostrado, por exemplo, pelasagrocidadesdaregiãomediterrâneaoudosiorubadaÁfricaOcidental.

Noentanto,eletampoucoestánocentrododesenvolvimentourbano.Amaiorpartedosurbanitasestáa um passo oumais de distância da relativa autossuficiênciamantida por alguns de cultivadores quemoram na cidade, satisfazendo –mais oumenos – suas necessidades a partir da terra e pormeio derelacionamentoscomoutraspessoas.

O fato ligeiramente desconcertante, em outras palavras, é que pormais que omodo de existênciaurbano seja baseado na interdependência, não pode haver espaço na cidade para todas as conexõesenvolvidas.Deumamaneiraextremamenteesquemática,podemosdecidirqueháduasformasprincipaisdesolucionaroproblemapormeiodecontatosexternos:dandoalgoemcâmbioouobtendoalgumacoisapor nada.No primeiro caso, as pessoas na terra oferecemparte de seus produtos para as pessoas dacidade, para ganhar, em vez disso, uma parte dos bens e serviços fornecidos pelos últimos. É umrelacionamento em que as pessoas entram mais ou menos voluntariamente; pelo menos em teoria aspessoasnaterrapoderiamdecidirnãoseenvolver.Nooutrocaso,aspessoasdacidadetêmalgumtipodepodersobreaquelasnaterra,e,porisso,podemfazercomqueosoutrosasalimentem.Aformamaisóbvia seria coerção física. Mas a dominância pode também ser alcançada por meio do controle emanipulaçãodesímbolos,aosquaisaspessoasnaterradevemtallealdadequeorelacionamentopodeassumirumaqualidadeconsensual.Opapeldohabitantedacidadenessecasoenvolveoprocessamentodainformação,oprocessodecisório,eaaplicaçãodesanções.Ohomemnaterrapodeounãosentirqueele está recebendo um tratamento justo. É possível que haja uma área cinzenta ali, consequentemente,entrerelacionamentosbaseadosnopoderenointercâmbio,emqueparticipantes,assimcomoanalistasexternos,possamdiferirsobreasdefinições.

Essa simples maneira de representar relacionamentos entre pessoas concentradas e pessoasespalhadas,entrecidadeseasociedadeasuavolta,nospermiteconsideraropapeldacidadecomoumcentro.Pelomenosatérecentemente,essepontodevistacomrelaçãoaourbanismo,contrastando,masnaverdadecomplementandoaquelepontodevistaemqueacidadeéconsideradacomoumconcentradodepopulação dado, teve um impacto maior entre geógrafos e historiadores do que entre sociólogos eantropólogosdavidaurbana.ComoJohnFriedmann(1961:92)disseemumadeclaraçãomuitasvezescitada,uma“meraárea”torna-se“umespaçoefetivo”organizadosocial,políticaeeconomicamentepelaaçãodeinstituiçõesurbanasqueestendemsuainfluênciaparaforaeatamasregiõesvizinhasàcidadecentral.

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Étentadorpensaremcidadesdepoderecidadesdeintercâmbiocomodoistiposbásicosdistintos.Emborapossamosverqueessaideiaàsvezescorrespondeatendênciasreais,elaéumtantosimplistademais.Háobviamentecentrosurbanoscujosrelacionamentosvariadoscomasociedadeasuavoltavãodesde aqueles que em grande parte envolvem poder até aqueles que envolvem intercâmbio livre etangível.Emoutros casos, a ligação típicapode fundir elementosdosdois tipos–um intercâmbiodemaispormenosenãodealgopornada,talvez,regulamentadopelopoderurbano.Asituaçãonãoprecisaserestável,aevidênciapodeserambígua.Grandepartedahistóriaurbana,eumagrandepartedodebatesobreopapeldascidadesnasociedadeenvolveatensãoentreasduasformasdeconexão.

Podemostalvezdignificarnossadiferenciaçãorudimentarrelacionando-acomostiposdeeconomiade Polanyi (1957a: 47-55; 1957b: 250ss.): doméstica, de reciprocidade, de redistribuição e deintercâmbio mercadológico. A imagística de Redfield faz das duas primeiras as formas econômicascaracterísticas da sociedade primitiva. Produzindo aquilo que consumimos e consumindo aquilo queproduzimoséaeconomiadoméstica;reciprocidadeestáenvolvidanaquelesrelacionamentossimétricosem que indivíduos e grupos oferecem uns os outros os símbolos de boa vontade[9]. Como vimos quepodemhaverelementosdasociedadeprimitivanacidade,aeconomiadomésticaeade reciprocidadepodemexistircomoformascomplementaresnosinterstíciosdaestruturasocialurbana.Noentanto,elasporsisónãocriamcidades.Asformaseconômicascríticasparaodesenvolvimentodourbanismo,emvez disso, são a de redistribuição, a apropriação e gerenciamento de bens e serviços por um centropoderoso,eo intercâmbiomercadológico,comsuadeterminaçãodepreçopelasforçasdomercado.Éprovavelmentefácilverqueháalgumaconexão,emboranãonecessariamenteumacongruênciaperfeita,entreessesconceitoseaquiloquedissemossobrepodereintercâmbio.

Nosúltimosanos,a tendência foiveroprimeiro surgimentodeassentamentosamplosedensosnopassadodistante como se tivessemocorridopormeiode economias redistributivas.Os fundadoresdacidadeoriginalforamevidentementeumaelitequebaseousuaexistêncianacoletadeumexcedentedamaioriadapopulação.UmainterpretaçãoassimfoiapresentadamaissucintamenteporPaulWheatleyemThePivotoftheFourQuarters(1971)lidandoparticularmentecomourbanismoemergentenonortedaChina no período Shang, mas também comparando-o com regiões de “geração urbana primária” emoutroslugares–asáreasclássicas,aMesopotâmia,oValedoNiloedoIndo,MesoaméricaeosAndes,mascomoacréscimodascidadesdos ioruba[10].Àmedidaqueessescentrosurbanossurgiramnessasáreas, com a transformação de sociedades relativamente igualitárias organizadas principalmente peloparentescoemestadosestratificados,politicamenteorganizadosecombaseterritorial,umacaracterísticarecorrenteaindaquenãouniversalfoiainterpenetraçãoprematuraentreessesprincípiosdeorganização,muitasvezescomumacrescentedesigualdadeentresegmentosdentrodosistemadeparentesco[11].Essescentroseram,acimadetudo,focosdecerimoniais.Sacerdóciosemonarcasdivinose,sobeles,umcorpodeoficiaiseguardas,controlavamumamploestratodecamponesesnaáreaaseuredor.Duranteasfasesdeflorescimento,aquiloquepoderia tercomeçadocomotemplos tribaismodestosforamaprimorados,transformando-se em complexos de arquitetura monumental: templos, pirâmides, palácios, terraços etribunais,“instrumentosparaacriaçãodeespaçopolítico,social,econômicoesagradoque,aomesmotempo,eramsímbolosdaordemcósmica,socialemoral”(WHEATLEY,1971:225).Ciênciasexatasepreditivas foramdesenvolvidas ali, assimcomoofícios especializados.As cidades ioruba, últimasdo

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tipo que surgiu independentemente e as únicas que ainda existem em funcionamento em uma formaparecidacomaoriginal(eàqualiremosrapidamentevoltarnopróximocapítulo),emborasemexibiracomplexidadede tecnologiaarquitetônicaoudeoutro tipodoscasosclássicos,mostrasemelhançasnaformasocial.

PodehavermuitacoisaaserdebatidaemumainterpretaçãocomoadeWheatley.Ograuprecisodeuniformidade naquele tipo urbano de centros cerimoniais que ele esboça é necessariamente difícil deestabelecernasseteáreasoriginaisouemoutrasáreasemqueelaocorreuemformasderivativas[12].Aevidênciamaterialédesigual.Atéopontoemquedevemosdependerdaarqueologia,nãopodemostercertezadequelugarescomfunçõesdiferentesdeixamatrásdesidepósitosigualmentericos,ouqueasvárias funções de um determinado lugar estão uniformemente representadas nas descobertas. Poderia,portanto, haver uma super-representação dos vestígios da vida cerimonial em comparação a outrasfacetasdourbanismoprematuro.Alémdisso,ocorpoacumuladodeestudosdedicadosaessaevidênciaseguiuparadigmasteóricosemetodológicosvariados.Issotambémfazcomqueascomparaçõessejammaisdifíceis.

Uma pergunta que, provavelmente, é muito importante para nós é o que está por trás do poderapropriador da elite sacerdotal.Wheatley reluta em assinalar qualquer outra coisa além dos própriosrecursossimbólicos.Juntocomoutrosautores,elerejeitaasugestãodequeéapresençadeumexcedentequeproduzumaelitedominante,jáqueháumaquestãodotipogalinhaouovoenvolvidaaqui[13].Talvezseja necessária uma elite para extrair um excedente de uma população que, de outra forma, estariasatisfeitaemproduzirmenos.Porsinal,aspessoastambémpoderiamsedesfazerdaquiloquepodemosdesignar como excedente de outrasmaneirasmenos centralizadoras.Mesmo assim, é possível afirmarquecertascondiçõesmateriaispoderiamserúteisaumgrupoquedesejassemanter seuestilodevidaurbanopormeiodoexercíciodopoder.Umsistemaprodutivodecultivoeafacilidadedecomunicaçãono território não poderiam ser exatamente prejudiciais. E se a população a ser controlada forrelativamenteimóvelemvirtudedeumambienterestrito,rodeadodedesertos,comoéocasodoValedoNilo,outalvezdenômadeshostis,comonocasodaMesopotâmia,issotambémpoderiafazercomqueatarefafossemaissimples[14].

Além disso, a redistribuição no sentido dado por Polanyi não é sempre apenas ummovimento daperiferia para o centro. Na medida em que ela realoca bens ou serviços para os grupos ou áreasperiféricas, ela pode se estabelecer em uma posição-chave na divisão de trabalho reconhecida comosendofontedebenefícioparatodos.TalvezWheatleytenhasubestimadoumpoucoaimportânciadissoemalgumasregiõesdourbanismoprematuro;podehavercomparativamentepoucodissonaplaníciedonortechinês,queéumtantohomogêneaefoiaáreadesuapesquisamaisintensa.NoMéxicoantigoounas montanhas do Peru, por outro lado, parece provável que a diferenciação ecológica poderia teroferecido alguma base para o poder a um grupo que pudesse tomar para si a tarefa de organizar aproduçãoedistribuiçãonaáreacomoumtodo.Umasituaçãosemelhantepoderiatambémsergeradaondea diversidade de ambientes seja menos proeminente, é claro, se uma diferenciação da produção forimpostadequalquerforma,comoparecetersidoocasonoEgito.

A redistribuição nas primeiras cidades, isso é, poderia incluir uma medida de intercâmbio. MasPolanyi e, com ele, Wheatley, enfatizam muito que esse intercâmbio não era a mesma coisa que o

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intercâmbio mercadológico. Só em uma escala muito modesta é que as pessoas comuns podiam sedesfazerdeseusprodutosporcontaprópria,permitindoqueospreçosfosseminfluenciadospormeiodebarganhas pelos fatores de oferta e demanda. O comércio contínuo de grande escala era controladopoliticamentepeloaparatoestatal,eocomerciantetípicoeraumfuncionáriodogoverno,queestabeleciaos termos de acordo com os interesses do estado. O tipo de relacionamento observado acima comoimplicandoumafusãodefatoresdeintercâmbioepoder,assim,éconsideradoaquicomoumapartedaconfiguraçãoredistributiva.

Possivelmente esse conceito de comércio administrado foi levemente exagerado. Adams (1974)chamouaatençãoparaapossibilidadedeadistinçãoentreredistribuiçãoeintercâmbiomercadológiconãotersidotãorígidanomundoantigocomoPolanyisugereedeoburocratacomerciantetambémpoderter tidoumpoucodoempreendedoremseucaráter.Dequalquerforma,nãopodeserassimtãoerradoconsiderar essesprimeiros centros comopredominantemente cidadesdepoder,mais especialmentedotipobaseadono controle do simbolismo.Mas alguns centros eramevidentementemais envolvidos ematividadesmilitares que outros e, talvez emvirtude das crisesmilitares, havia uma tendência a que aliderançadoscentroscerimoniaissetornassesecularizadacomopassardotempo.Aguerratambémeraumfatorprovavelmentesignificativoportrásdasvariaçõesnospadrõesdeassentamento,entrelugareseemmomentosdiferentes.Emalgunscasos,apenasumpequenonúmerodepessoas–membrosdaeliteeseus ajudantes – se estabeleciam na vizinhança imediata do centro cerimonial. Nos termos de umadefiniçãoqueseconcentranotamanhoenadensidadedapopulação,essespoderiamsercasosmarginaisdeurbanismo.Comocentrosorganizadores, suasqualidadesurbanasseriammaisóbvias.Paraeventosimportantes,umnúmeromaiordepessoasviriadaregiãoaoredor,etodaessapopulaçãodispersasobocontrole do centro também seria contada como cidadãos da comunidade. Nenhuma linha divisóriaculturalclaraeraestabelecidaentreaspessoasquehabitavamoterritórioqueessaelitegovernava.Essaeraa“cidadecomlimitesestendidos”muitasvezesnaformadoantigoEstado-cidade,apolis(cf.MILES1958; FINLEY, 1977). O livro deWheatley, podemos observar, é dedicado à memória de Fustel deCoulanges, que tinha descrito o começo da comunidade urbana na Grécia e em Roma em termossemelhantes,maisqueumséculoantes,emTheAncientCity.Emoutroscasos,umaformamaiscompactade assentamento surgia. Atenas, pelo que parece, deu os passos finais em sua mudança de umacomunidade dispersa para uma comunidade compacta com a deflagração da segunda Guerra doPeloponeso.

Opadrãodeurbanismopolítico-cerimonial,portanto,seestendeuatéaantiguidadeeuropeia,emboraemumaformamodificada.Aeliteagoraeradeproprietáriosdaterraeguerreirosemcontroledeumaenormeforçadetrabalhoescravo.Artesãosecomerciantesviviamdeumamaneiraumtantoinconspícua.Em comparação com suas outras realizações, o comércio e a indústria permaneciam um tantosubdesenvolvidosnascidadesdomundogreco-romano;nofundoelaseramcidadesdoconsumo.

Osimpériosantigosesuascidadesiriamentraremdeclínio,noentanto,naIdadeMédia,eumnovourbanismo iria surgir na Europa ocidental, não totalmente independente das formas antigas, mas sobcondições suficientemente diferentes para permitir que outra configuração evolvesse.HenriPirenne, oautordeMedievalCities (1952,publicadopelaprimeiravez em1925) eumnúmerodeoutrasobras,podeserseuintérpretehistóricoprincipal[15].Apolítica,noiníciodessaera,estavasendoconduzidadas

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mansõessenhoriais,eascoisasdointelectotinhamsuasbasesnosmosteiros.Ocomércio,àmedidaquese erguia era, a princípio, móvel, talvez conduzido em grande parte pelos livres e felizes filhos dosservos. Aqui também, como no caso dos centros cerimoniais, concentrações populacionais maiorespodiamserdeumanaturezatemporáriaeperiódica,naformadefeiras.Gradualmenteoscomerciantessetornarammais sedentários, no entanto, juntando-semuitasvezes emalguma fortificação.Nãodevemossubestimar(comoPirennetalveztenhafeitoocasionalmente)atéquepontoaregulamentaçãoeproteçãodosgovernantespolíticossefaziamsentirtambémnessescentroscomerciais,pelomenosemcertasfases.Mas nos locais em que os comerciantes eventualmente se tornaram o elementomais forte, surgiu umurbanismo com base no intercâmbio mercadológico, e no capitalismo. Os homens no poder eram osintermediários e financistas do comércio internacional de longa distância, suas cidades muitas vezeslocalizadasestrategicamenteparacombinarregiõescomerciaisdiferentes.Namedidaemqueoslucroseramreinvestidosnasempresas,aseconomiasurbanasseexpandiramdeumanovamaneira.Ocomeçodeumamanufaturarelativamenteemgrandeescalapodiaservislumbradoemalgunslugares.Noentanto,é claro, as cidades também tinham seus pequenos lojistas, artesãos, diaristas e outros, muitas vezesconectadosdeumamaneiraparoquialaocampoasuavolta.

Centros desse tipo vieram a definir o urbanismo prematuro paramuitos estudiosos cuja visão domundoeramaisoumenosexclusivamentecentradanaexperiênciaocidental.ParaPirenne,umhistoriadorbelga que repensava o passado europeu mais ou menos à época da Primeira Guerra Mundial, asustentaçãoqueelasforneciamparaaideiadedemocraciaburguesatinhaespecialmenteumsignificadopatriótico.Paraalgunshistoriadoressoviéticos,umaênfasenopapeldosartesãosnodesenvolvimentodacidade aparentemente foi preferível àquela em intermediários comerciais[16]. Max Weber, certamentemais interessado na história comparativa das civilizações do que amaioria de seus contemporâneos,obviamente considerava a cidade medieval europeia no contexto de seu permanente interesse pelodesenvolvimento da racionalidade. Seu TheCity (1958, publicado pela primeira vez em 1921) estábastanterelacionadocomTheProtestantEthic.NaopiniãodeWeber,essetipodecidadefoioexpoentedo urbanismo em sua formamais inflexível. Era uma comunidade construída ao redor do intercâmbioregular de bens, em que o mercado tinha se tornado um componente essencial para o sustento doshabitantes. O mercado era, além disso, parte de um complexo de instituições que juntas definiam aintegridade da comunidade urbana. Weber sugeriu que o assentamento urbano, para ser completo,precisava ter não só um mercado, mas também uma fortificação, pelo menos um sistema legalparcialmenteautônomo,umaformadeassociaçãorelacionadacomaspeculiaridadesdavidaurbana(aguildaeraumexemploóbvio)epelomenosautonomiaparcialeautocefalianadireçãodaadministração.Essa formulação tantas vezes citada, por certo, constituía uma definição extremamente restritiva dourbanismo.Aproveitavaaomáximoadistinçãoentrecidadeecampo,massuasexpressõesinstitucionaisnãosobreviveriamnemmesmonascidadesdomundoocidentalemperíodosposteriores.

Nesses termos, Weber também contrastou as cidades ocidentais com as orientais, as últimascomunidades internamente fragmentadas e separadas e, ao mesmo tempo, intimamente integradas àadministraçãodeimpérios,muitasvezesassedesdecortesimperiais[17].Afaltadeautonomiaecoesão,aseuver,faziacomqueelasfossemmenosdoquecidadescompletas.Noentantoelaseram,éclaro,naformaemquesãodescritasporWeber,umamodalidadedenossascidadesdepoder–simbólico,políticoemilitar,emumacombinaçãoououtra.FoioesplendordeseuspaláciosqueimpressionouMarcoPolo

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durante suasviagensno lestedistante, e foi a relaçãoentre suas fortunaseo surgimentoeaquedadedinastias que foi discutido por Ibn Khaldun (1969: 263ss.) como teórico urbano medieval, noMuqaddimah.ÉumadesuasformasqueGeertz(1967)tratacomsua“doutrinadocentroexemplar”eopapeldramatúrgicodacapitalnosestadosdoSudesteAsiático.EobviamenteSjobergastinhaemmente–eemmenorgrauosprimeiroscentroscerimoniais–quandoeleescreveuThePreindustrialCity.Suavisãodoscomerciantesinferioressobofeudalismonãopoderiafazerjustiçaàsimportantesaristocraciaseburocraciasmercantiseburguesas,àsvezesmantendoaautonomiaurbanadiantedeumcomplexodepoder político externo à cidade – as realidades históricas de Flandres, do norte da Itália e da LigaHanseática.

A tendência da distinção entre urbanismo oriental e ocidental, cidades de poder e cidades deintercâmbio, cidadede tribunal e cidade comercial, faz-nos voltar ainda a outro par de conceitos quereivindicamumstatusclássiconoestudodourbanismo.OartigodeRedfieldeSinger(1954),intitulado“TheCulturalRoleofCities”representaumestágioposteriornaevoluçãodosinteressesdeRedfielddoqueamaioriadeseusescritossobreasociedadeprimitiva;aquiofocoestáemcivilizações.Ocontrasteentre cidades “ortogenéticas” e “heterogenéticas” teve como resultado uma visão mais diferenciadadaquiloqueoscentrosurbanos fazemcomas tradiçõesculturaisdoqueaquelaantigaperspectivaquedavaênfaseàdesorganização:

Comoum“distritocentralcomercial”acidadeéobviamenteummercado,umlugarparacomprarevender,“parafazernegócios”–permutar,trocareintercambiarcompessoasquepodemsertotalmenteestranhasederaças,religiõesecredosdiferentes.Acidadeaquifuncionaparadesenvolverrelaçõesemgrandeparteimpessoaisentrediversosgruposculturais.Comoumcentroreligiosoeintelectual,poroutrolado,acidadeéumalanternaparaosfiéis, um centro para o aprendizado e talvez doutrina que transforma as implícitas “pequenas tradições” dasculturaslocaisnãourbanasemuma“grandetradição”explícitaesistemática(REDFIELD&SINGER,1954:55-56).

Ourbanismomudou,noentanto,como“ecumenismouniversal”aRevoluçãoIndustrialeaexpansãoocidental.Antesdessacismahaviacidadesadministrativo-culturaiseascidadesdecomércionativo.Asprimeiraseramcidadesdosliteratosedaburocraciaindígena.Pequim,Lhasa,Uaxactun,QuiotoetalvezAllahabaderamosexemplosdeRedfieldeSinger.Asúltimas,ascidadesdoempreendedor,eramlugarescomoBruges,Marselha,Lübeck,CantãonoseucomeçoeascidadesdemercadonaÁfricaOcidental.Noperíodo tardio havia as grandes cidadesmetropolitanas “na rua principal domundo” como tinha ditoPark, cidades de uma classe mundial de empreendedores e gerentes – Nova York, Londres, Xangai,Yokohama,Bombay,Cingapura,assimcomo,emumaescalamenor,pequenasegrandescidadesmenosimportantes que também exercem seus negócios mundiais. Há também as cidades da administraçãomoderna, os locais de novas burocracias, tais comoWashington,D.C.,NovaDéli eCamberra, assimcomo qualquer número de cidades administrativas menores, sedes de condados e sedes de governoscoloniais.

Dessesquatrotiposdecidadeapenasoprimeiro,odosburocrataseliteratosnativos,eraumaformaclarada“cidadedetransformaçãoortogenética”,ou,emsuma,acidadeortogenética.Asoutrastendiamaser cidades heterogenéticas – a distinção é entre “levando adiante para dimensões sistemáticas erefletivasumaantigacultura”e“acriaçãodemodosdepensamentooriginaisquetêmautoridadesobreantigas culturas e civilizações ou estão em conflito com elas”. Naturalmente as mudanças culturaisortogenéticaseheterogenéticaspodemocorrernomesmolugar,masmuitascidadestendemparaumtipo

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ouparaooutro.Asprimeirascidades–oscentroscerimoniais–eramaparentementeortogenéticasemsuamaioria.Umasociedadeprimitivaeratransformadaemumasociedadedecamponesescomumcentrourbano correlacionado, mas umamatriz cultural comum permanecia para ambas as correntes da vidasocialquesurgiadaherançaprimitivacompartilhada.Umagrandetradiçãopassouaexistirnacidadenamedida em que seus especialistas religiosos, filosóficos e literários refletiram sobre materiaistradicionais, fizeram novas sínteses e criaram formas que as pessoas comuns acharam que eramdesdobramentosautênticosdasantigas.Manifestadaemescriturassagradaseemumageografiadelocaissagrados, a grande tradição também foi comunicada por meio de histórias que os pais ou os avóscontavam às crianças, por meio de canções e provérbios, de recitadores e contadores de históriasprofissionais,epormeiodedançaseapresentaçõesdramáticas.Eladavalegitimidadeàsnovasformasadministrativasemantinhaoutrasinstituições,taiscomoomercado,sobcontroleculturallocal.Senemtodos os locais podiam ser centros significativos de desenvolvimento ortogenético, pelo menos astendênciasheterogenéticaspodiamsercontroladas. (Isso, éclaro, era tambémoargumentodeSjobergquandoobservouqueaosolhosdaelitepré-industrial,oscomercianteseramumelementoculturalmenteimpuro e potencialmente subversivo.) A lealdade relativa à herança primitiva também, na visão deRedfield e Singer, limitava a discórdia urbano-rural. “A cidade perigosa” é uma ideia que maisprovavelmenteocorreráentreaspessoasdointeriordacidadeheterogenética.

Pois,emumacidadeassim,avida intelectual,estética,econômicaepolíticaestá livredasnormasmorais locais. É um lugar de encontro para pessoas de muitas origens. Por um lado, a conduta égovernada pelo egoísmo, pela vantagem e pela conveniência administrativa – coisas que lembramSimmel eWirth aqui – por outro lado, há a reação de tais traços urbanos na forma de humanismo,ecumenismoounativismo.Acidadeheterogenéticaéumcentrodeheterodoxiaedissensão,defaltaderaízesedeanomia.Seusintelectuaisnãosãoliteratos,esim,membros,daintelligentsia;seusparentesmais próximos na cidade ortogenética são os hereges ocasionais. Os típicos habitantes da cidadeheterogenética são homens de negócio, administradores estrangeiros, rebeldes e reformadores,planejadoreseconspiradores.Seusnovosgruposestãoconectadosporpoucos,masfortes interessesesentimentos comuns em vez dos relacionamentos de status complexamente inter-relacionados de umaculturahámuitoestabelecida.Ametrópoleocidentaléobviamenteessetipodecidade,mastambémoéapequenacidadedasociedadecolonialnãoocidental,com(àépocaemqueRedfieldeSingerescreviam)seu chefe de distrito, seus missionários e professores primários. É um tanto duvidoso que possamosencontrarqualquercentrourbanocomumcaráterpredominantementeortogenético.RedfieldeSingerseperguntaramsecidadesnãoocidentais,quandoaindependênciapolíticaeraobtida,seriamcapazesdesevoltarparasimesmasetornar-secentrosortogenéticosdeumaculturanacionalemdesenvolvimento,masacharam que isso era questionável em virtude de sua história e de sua posição no arcabouçointernacional.

ÉpossívelqueomaiorvalordoensaiodeRedfieldeSingersejasuassugestõesrelacionadascomosprocessosculturaisdeurbanismosdiferentes,complementandoavisãoumtantoestáticaeinstitucionaldemuitosoutrosautores.Étambémreconhecidamenteumaparte,noentanto,deumconsensorelativosobreadelineaçãoprincipaldopassadourbanoquepermaneceuumtantoestávelporalgumtempoequepodeserpercebidoapesardasênfasesemtradiçõesvariadasdopensamentohistóricosobretradiçãoregional,periodização,função,tecnologiaeoplanofísicocomoprincípiosordenadoresnoestudodourbanismo.

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Podemosverissoumavezmaisnasduassériesmaisoumenosparalelasdetiposurbanossugeridasnocontexto europeu por Robert Lopez (1963) e Fernand Braudel (1974: 401ss.). Lopez tem a cidadeprotegidaemprimeirolugar;dentrodeseusmuroshaviaapenasumtemplo,umafortalezaeumdepósito,maisespaçovazio.Líderespolíticos,religiososemilitareseramosúnicoshabitantespermanentesetodaapopulaçãodasáreasvizinhasentravanacidadeparaocasiõesfestivasouemtemposdeguerra,fomeoucalamidadesnaturais.Acidadeagrária,noesquemadeLopez,surgiriaàmedidaqueosproprietáriosdaterracomeçaramaconstruirseuslaresnacidadeprotegidaporrazõesdesegurança,confortoeprestígio;elesteriamdependentesquepermaneciamnaterra,cultivando-aparaeles.Artesãosecomerciantesentãotambémviriamparaserviraosmoradoresdacidade.A“cidadeaberta”deBraudel,fundindo-secomsuaárearural,pareceabrangerosdoisprimeirostiposdeLopez,chamandoaatençãoparaamaneiracomoourbanismoprematuroenvolviapessoasque tinhamumpénapraçadacidadeeooutronosolorural–pessoasqueconsideravamocentrourbanocomoum localparaatividadesespecíficasenãocomoumlugarparaviver.

Na cidade-mercado de Lopez, que é “a cidade fechada em si mesma” de Braudel, nos unimos aWeber e a Pirenne. O comerciante tornou-se líder, um desenvolvimento que, Lopez sugere, mudoudrasticamente a disposição de espírito urbano. Com a superioridade do dono da terra eliminada “ascomunas medievais mais bem-sucedidas eram, francamente, governos de homens de negócios, porhomensdenegócioseparahomensdenegócios”.Oscapitãesdocomércioeramincansavelmenteativos,desprezandoapreguiça,desdenhososdosaristocratasquetinhamperdidosuariquezaedosartesãosquetinhampoucachancedeadquiriralguma.ParaBraudel,essacidadeera,emsuaautonomia,“uma terranativaliliputianaexclusiva”comasguildascomoseusdonos.

Embora Lopez nos deixe nesse estágio, Braudel nos leva para um outromais, as cidades súditas,disciplinadas pelos estados-nação emergentes, com uma corte claramente em controle. Mas Braudeltambém insiste em observar que ele não quer impor um esquema derivado da Europa como umasequênciauniversaleinevitávelnomundotodo.NavelhaRússiaelevêumapassagemdealgocomoacidade aberta diretamente para a cidade súdita, sem a cidade fechada e autônoma envolvida em umcomérciofrenéticorealmentechegandoasuaformaplenamentedesenvolvida.NaAméricaespanhola,elevêascidadescoloniaiscomocentrospermanentesdeadministração,cerimôniaerecriaçãoenãocomoascidadesabertasdaAntiguidade.NoOriente,apartirdacivilizaçãoislâmicaatéaChina,ascidadeseramquasesemprepartesdereinosouimpérios“cidadesabertasecidadessúditasaomesmotempo”.Braudelassimusaseustiposcomoinstrumentosumtantoprovisóriosparaadiversidadequeirávir,eeleestáperfeitamentedispostoasugerirmodosalternativosdeclassificação–políticos (cidadescapitais,cidadesfortalezasecidadesadministrativas);sociais(cidadesrentistas,cidadesdeigrejas,cidadesdecortes,cidadesdeartesãos).

Podemhavervariações,então,maselasparecemservariaçõessobreumtemarecorrentenosescritosdahistória urbana.Mais oumenosum século antes,Marx tinha formulado issodeumamaneiramuitosemelhanteemseuGrundrisse[18]:

AhistóriadaAntiguidadeClássicaéahistóriadascidades,masdecidadesquetinhamcomobaseapropriedadedaterraeaagricultura;ahistóriaasiáticaéumaespéciedeunidadeindiferentedecidadeecampo(ascidadesrealmente grandes, aqui, devem ser consideradas meramente como campos reais, como obras de artifício...erguidas sobrea construçãoeconômicapropriamentedita); a IdadeMédia (períodogermânico) começacoma

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terra como a sede da história, cujo desenvolvimento posterior então vai adiante na contradição entre cidade ecampo; a [idade] moderna é a urbanização do campo, e não a ruralização da cidade como na Antiguidade(MARX,1973:479).

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Lugarescentraiselugaresespeciais:perspectivasgeográficas

Quando caminhamos pelas alamedas estreitas da Bruges de Pirenne ou subimos as pirâmides deTeotihuacan,estamosaumalongadistânciadacidadedeWirth.Apesardetaistendênciasàordemcomopodemospercebernavisãohistóricadourbanismo,noentanto,podemosaindaestarbuscandoconceitosúteis adicionais que possam darmaior rigor à análise damaneira como as comunidades urbanas sãoconstruídas.

Na geografia, também desenvolvendo uma perspectiva com relação às cidades no contexto maisamplo, há uma teoria de lugar central, que teve como pioneiro o geógrafo econômico alemãoWalterChristaller(1966,ediçãooriginalem1933)equeincluiuduasvariedadesbásicascomconexõesóbviascomasnoçõesdeurbanismobaseadasnaredistribuiçãoenointercâmbiomercadológico[19].Voltaremosmais tarde àdiferença entre elas.Oque elas têmemcomuméum interessenaqueles relacionamentosassimétricos que criam padrões espaciais de centricidade. Há ummédico, por exemplo, para muitospacientes;assimumamultidãoderelacionamentosconvergeemumponto.Alocalidadeemqueessetipodeinteraçãoocorre,pelapresençadeumapessoaougrupodepessoasquesãointerdependentescomumgrandenúmerodeoutras,torna-seumaespéciedecinosuradentrodaqueleterritórioemqueessasoutrasestãoespalhadas.

Segundo a teoria de lugar central, formulada normalmente na linguagemmais abstrata e um tantodesumanizada de “função” (para a parte no relacionamento mantido por uma pessoa ou por algumaspessoas)e“mercado”(paraonúmerodepessoasqueemummomentoououtroassumemaoutraparte)adistribuiçãodospontosemqueosrelacionamentosconvergempodemserconceituadosnostermos-chavede “limiar” e “alcance”. Um limiar é o mínimo mercado necessário para viabilizar uma funçãodeterminada, o alcance é a distância máxima na qual uma função localizada pode ser efetivamenteoferecida–normalmenteadistânciaqueumconsumidorestádispostoaviajarparaobtê-la.Emoutraspalavras,quandoousodeumafunçãodentrodeseualcanceémenorqueaexigênciadolimiar,afunçãonãopodeexistirnaquelalocalização.Mascomfrequência,naturalmente,oalcancedafunçãoabarcamaisdoqueotamanhodolimiarnomercado.

Algumasfunçõesobviamentetêmlimiaresmaisaltosealcancesmaisamplosqueoutras.Éprecisoum mercado maior para que uma pessoa possa se sustentar vendendo móveis do que vendendocomestíveis.Masaspessoastambémprovavelmenteestarãomaisdispostasaviajarmaisparacomprarseus móveis do que para comprar um pão, já que no primeiro caso, não têm de fazê-lo com tantafrequência.Dentrodaáreaservidaporumalojademóveis,consequentemente,poderáhaverespaçoparamuitasmercearias.Comapremissabásicadequeépráticoterfunçõesdiferentesagrupadasemvezdeespalhadas,éprovávelqueumadessasmerceariasestejalocalizadaaoladodeumalojademóveis.

Trabalhandodessamaneira,chegamosaumahierarquiadelugarescentrais.Nolugardeordemmaisalta,umaoumaisfunçõesserãofornecidascomlimiarestãoaltosqueelasnãopodemexistiremqualquerlugaradicionalnaáreaenvolvida.Noslugaresdesegundaordemestãolocalizadasaquelasfunçõescujoslimiares são os segundosmais altos, no entanto, baixos o suficiente para quemais de uma possa serespremidadentrodaáreaservidapelolugardeordemmaisalta.Eassimpordiante.Alémdessasfunções

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quesãomaisexigentesemtermosdetamanhodomercadoeque,portanto,definemolugardeumcentronahierarquia,elatambémtemtodasasfunçõesdeordemmaisbaixasdetalformaqueoslugarescentraispodemidealmenteserordenadosemumaescalaGuttmanemtermosdesuasordensdefunção.

A teoria do lugar central e seus métodos relacionados, naturalmente, em sua forma convencionaldependem das premissas e ideias típicas de geógrafos. Os últimos estão interessados nos padrõeslocacionaisdelugarescentraiscomoumproblemaemsimesmo,eosmateriaisempíricosqueelesusamsão normalmente dados agregados, e, em virtude de seu modo particular de abstração, um tantodivorciadosdeumaconcepçãodossereshumanosedesuasinteraçõespessoaapessoa.Algunsnovosescritos interdisciplinares podem assim ser necessários para encaixar a teoria do lugar central nopensamentoantropológico.Seohábitodamaioriadosantropólogosesociólogosfoipensarsobreumacomunidadeurbana em isolamento ou em relação a um interior talvez vagamente definido, no entanto,essecorpodeteoriapermiteumasinopsedeumsistemadecentrosorganizandoumaregião.Certamenteessaéumadasrazõespelasquaiselesetornourecentementeumafontedeinspiraçãoparaantropólogosquetentamencontrarmeiodelidaranaliticamentecomregiõescomoessas[20].Poroutrolado,senossapreocupação aqui é ainda com a ordem social da única comunidade urbana, podemos vê-la comoresultado, em parte, da inter-relação com as áreas rurais que a rodeiam, assim como, direta ouindiretamente,comoutroscentros.

Voltandoaostermosdeumadefiniçãowirthianadeurbanismo,poderíamosdizerqueateoriadolugarcentralrefere-seàordenaçãocumulativadaheterogeneidade–seasváriasfunçõessãoconsideradas,emumaperspectivaligeiramentediferente,comomeiosdesustentodistintosparaosmoradoresdacidade.Istoé,elaenvolveespecificamenteheterogeneidadeocupacionalenãoheterogeneidadeemgeral.Elanãoé,emqualquersentidoexato,umateoriadotamanhoedensidadedeassentamentoshumanos,jáqueseufoco está na concentração de funções e não nas pessoas. Nesses termos, a grande diversidadeocupacionaldeumaMinasVelhaspareceriafazerdelamaisdecididamenteumlugarcentral,mesmoqueelasejamarginalmenteurbanaapenasporcritériosdemográficos.Maspodemosacharquenãoéassimtão difícil estabelecer uma ponte sobre essa brecha conceitual de umamaneira geral. Emuma versãoantropológica, as funções são servidas por seres humanos que normalmente esperamos encontrarestabelecidosnaslocalidadesemqueasfunçõessãooferecidas.Semproporumrelacionamentoumaum,algo que inevitavelmente teria de ser qualificado por um número de fatores sócio-organizacionais,podemos pelo menos achar que, provavelmente, quanto mais funções de lugar central foremacrescentadas,maiorseráapopulaçãodalocalidade.

A ideiageral da teoriade lugar central segundoaqualpode serpossível identificaruma sériedetiposcomunitárioscommaisoumenoselaboradasconstelaçõesdemeiosdesustento,comváriosgrausdepoderparaaformaçãodastendênciascentrípetasdesociedadeeespaço,podeserotipodeideiaquepodemosvantajosamenteassimilaremnossopróprioestoquedeideias.Poroutrolado,certamenteseriamelhorevitarqualquernoçãomecanicistadeumacréscimoaltamenteprevisíveldefunçõesnavidareal.Alémdisso,háoutraspremissasnaversãoortodoxadateoriadeChristaller,comasquaisdevemossercautelosos.Ospadrõesgeométricosdaslocalizaçõesdolugarcentralaosquaiselechegoupormeioderaciocínio dedutivo só ocorreriam no “espaço puro” e praticamente nunca de uma maneira exata empaisagens verdadeiras. Eles exigem um terreno uniforme em que o alcance de uma função possa ser

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calculado em linha reta, sem que seja afetado por rios e cumes demontanhas, de umamaneiramuitosemelhanteàqueladoesquemadecírculoconcêntricodaecologiaurbanadeBurgess.Deformaumtantomais interessante, eles também adotam uma população homogênea em vez de uma populaçãosocioculturalmentediferenciadaeumapopulaçãouniformementedistribuídasobreasuperfíciedaterra.

Aúltima,apropósito,éimprovável,parcialmentepelamesmarazãoqueacabamosdeobservar:ondeháumaconcentraçãodefunções,éprováveltambémquehajaumaconcentraçãodepessoas.Essefatonaverdade fortalece outra premissa importante da teoria do lugar central, o agrupamento de diferentesfunções namesma localidade. Se os lugares centrais tivessem apenas funções e nenhum habitante, asprimeirasestariamlocalizadasjuntasapenasparaaconveniênciadaquelapopulaçãoqueestáespalhadapor todo o território servido. Como as funções são personificadas por pessoas, no entanto, há umaconcentraçãoparcialdomercadonoprópriolugarcentral,umnúcleodeapoioparaoqualconsideraçõessobre o alcance são insignificantes. A possibilidade de um efeito adesão ou “multiplicador” está lá:quantasmaisfunçõesforemadicionadasaolugarcentral,tantomaioraprobabilidadedequeolimiardotamanhodomercadoparaoutrasfunçõestambémsejaalcançado.

OfatodeateoriadelugarcentraldeChristaller,emsuaformamaispura,nãolevaremcontaessasconcentraçõesdeconsumidores–contrastandoassimcomaênfasedeWirthemdemandaurbanainterna–podeserumadasrazõespelasquaissuageometriamuitasvezesdemonstraumencaixemaispróximocomsistemasdemercadosperiódicosdotipoencontradocomfrequêncianassociedadescamponesas.Aquiosmercadosnãoprecisamimplicarconcentraçõespermanentesdepopulaçãodomesmograu.Alógicaportrásdeleséquenoscasosemqueademandaéfraca,épossívelfazercomqueapopulaçãodentrodoalcancedeumafunçãoatinjaonívellimiarmodificandoolocaldafunção.

Apremissadapopulaçãoindiferenciadafazsurgiroutrosproblemas:maisemalgunslugaresdoqueemoutros.Aquitalvezfossemelhorobservarmosadiferençaentreasduasvariedadesdateoriadolugarcentralmencionadaanteriormente.Opadrãolocacionalparaoqualforamorientadosamaiorpartedosestudosinspiradospelateoriadolugarcentralequeestáimplícitaemgrandepartedoquefoiditoacima,é aquela governada por um “princípio de mercado”. A ideia é que lugares centrais satisfazem umademandaespalhadadoconsumidoremumespíritocompetitivoeempreendedor.Odesign totalsurgeàmedidaquecadafornecedordeumafunçãofazsuaprópriaescolhaestratégicadelocalização.Todasasoutrascoisasestandoiguais,fazsentidoparaeleescolherumlugartãolongequantopossíveldosoutrosnamesma linha, para garantir que um número suficiente de consumidores próximos irão achar que ésuficientementeconvenientefazercomqueeleultrapasseo limiardesobrevivência.Alocalização,emtermosde“espaçopuro”provavelmenteestaráameiocaminhoentreoscentrosdeordemsuperiormaispróximos, onde existem competidores[21].Mas isso significa que o centro de ordem inferior não estáclaramenteconectadoaqualquerumdeordemsuperior.Seualcanceirásesuperporaoalcancedemaisdeumdessesúltimos.

Contanto que permaneçamos na sociedade ocidentalmoderna, podemos não estar tãomalservidospelosentendimentosquelogicamentegeramumpadrãoassim.Aquiatémesmoamaioriadaspessoasdocampo se afastaramda autossuficiência na direção de uma divisão de trabalho avançada.Essa é umagrandeparteda“urbanizaçãodocampo”aqualMarxeoutrossereferiram.Osconsumidoresestãoemtodas as partes, e os serviços que eles exigem pode, portanto, se espalhar. Durante grande parte da

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históriahumana,noentanto,eemgrandepartedomundoatual, ademanda ruralcriaapenasumabasemínimaparaumsistemadelugarcentraldestetipo.NaspalavrasdeFernandBraudel(1977:19).

O próprio camponês, quando ele vende, regularmente, uma parte de sua colheita e compra ferramentas evestimentas,jáépartedomercado.Masseeleforaomercadodacidadeparavenderalgunsitens–ovosouumagalinha–afimdeobteralgumasmoedascomasquaispagarseusimpostosoucomprarpartedeumarado,eleestámeramenteencostandoseunariznavitrinedomercado.Elepermanecenovastomundodeautossuficiência.

Examinandosistemasdelugarcentralapenasemtermosdo“princípiodemercado”nãoesperaríamosqueeles,sobtaiscondições,chegassemaserbemdesenvolvidos.Sóosmoradoresdacidadepareceriamestar profundamente envolvidos na rede de interdependências que permite que um número maior deespecializações chegue acima do nível limiar, e essas funções, portanto, podem não se tornarestabelecidasemumnúmeromaiordelugaresemqueelasteriamdeestarmaisdependentesdomercadoruralasuavolta[22].

Sistemasdelugarcentralnemsempreseestendemparaserviraspessoas,noentanto,masàsvezesofazemparaqueaspessoasossirvam.Aquestãodepoderretornaaqui,assimtambémcomoo“princípioadministrativo”deChristaller.Quandoocentrourbanodominantemaximizaocontroleeficazsobreumterritóriomaisamplo,seurelacionamentocomoscentrosdeordemmenornãoédecompetiçãoparciale,sim,dedelegaçãonointeressedeumacoberturamaissegura.Aoscentrosdependentesdá-seastarefasdecoletarimpostos,edesatisfazersejaláoqueforquepasseporjustiça,recrutamentodemãodeobraoudisseminaçãodeinformaçãoemsuassubáreas.Consideraçõesdoalcancedeumafunçãopermanecemimportantes (embora possamos hoje normalmente pensá-lo como uma questão de ir do centro até aperiferiaenãoocontrário),enquantoosignificadodeconceitoscomomercadoe limiarpodemmudarsutilmente.Essetipodesistemadelugarcentralnãotoleraqualquerambiguidade.Oslugaresdeordeminferiordevemestardiretamentesobumlugardeordemsuperior,eapenasum,paraqueahierarquiadecomando funcione. Por esse motivo ele pode também organizar a paisagem de uma forma diferentedaquelafeitapeloscentrosdo“princípiodemercado”–oslugaresmenoresnãodevemestarpróximosdequalqueroutrolugarmaioranãoseraquelesoboqualelesseencontram.

No estudo comparativo do urbanismo, é obviamente importante não presumir o “princípio demercado”comodadonossistemasdelugarcentral.Háagora,comohouvenopassado,inúmeroscasosemqueeleeo“princípioadministrativo”poderiamservistoscomosecoexistissemdeumamaneiraoudeoutrae,ocasionalmente,comalgumesforço,dentrodomesmosistema.Masgrandepartedopassadourbano,bemsabemos,envolveugrandedesigualdadeentreacidadeeocampo,ondeopoderdeumtipoou de outro e a apropriação de recursos rurais foi a base da afluência urbana. E hoje, sobretudo noTerceiroMundo, esses relacionamentos continuam ou começam a existir em novas formas.O própriotermo “princípio administrativo” pode então parecer enganoso com frequência, namedida em que osrelacionamentos são muitas vezes de uma natureza evidentemente comercial.Monopólios comerciais,comênfasenaextraçãodeprodutoslocais,sãoexpressospormeiodesistemasdemercadodendríticosem que, uma vez mais, o mercado menor e mais periférico se encontra em uma posição claramentesubordinadacomreferênciaaumcentromaior,partedeumanovaeconomiapolíticaglobal.Essessãoostiposdeestruturascomquelidamosantropólogos,juntocomoutros,nosváriosarcabouçosda“teoriadedependência”, uma fronteira de pesquisa interdisciplinar vigorosa especialmente nos estudos latino-americanos[23].

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Háaindaoutrofatosobreateoriadolugarcentralaserobservada.Eleestá,deumamaneiraumtantoproblemática,relacionadoaumavisãodourbanismoemgeral,nosentidodequeeledeterminamaisedeterminamenos. Se considerarmos como urbanas apenas as comunidades relativamente grandes, eleignoranossopontodecorte.Dependendodaconveniênciaanalítica,osistemadelugarescentraisincluiqualquercoisadesdemetrópolesatépequenosvilarejos.Poroutrolado,a teoriaabarcaapenasaqueleconjuntofuncionaldecomunidadesqueéinfluenciadoatéumgraupoucocomumporcálculosdealcancedentro do mercado potencial. Ele desconsidera funções cujas localizações são determinadas pelascaracterísticas do ambiente natural. Comunidades inteiras podem ser construídas ao redor deles –cidadesmineradoras,resorteseportos.Epodehaveroutrasfunçõesqueporalgummotivoououtroseencontram localizadas longe do padrão de lugar central, mas cuja atratividade não parece ser muitoprejudicada por considerações de custo ou inconveniência da viagem.Algumas cidades universitáriasseriamexemplos,talvezsegregadasdoslugarescentraispropositalmenteporqueoshabitantesdatorredemarfimnãodevemsercorrompidosporaquelesquebuscamopodereariqueza.

Consequentementeprecisamosdistinguirentreascomunidadesurbanascomfunçõesmaisgeraisquese estendem até uma área local em que as comunidades estão fortemente integradas, e aquelas quefornecem serviços especializados para algum sistema mais amplo da sociedade, nem sempre tãoclaramentedefinidonoespaço.MesmoseassugestõesdeBraudelcomrelaçãoaumaclassificaçãomaisvariadadecidadespequenasecidadesgrandesnahistóriamostramquealgumtipodessadiferenciaçãojáexistiahámuitotempo,éóbvioqueoindustrialismo,comsuaseconomiasdeescalaeumatecnologiadetransportemaisavançadaaumentouaspossibilidadesdessaespecialização[24].

Aclassificaçãofuncionaldascidadeséoutrojogoqueosgeógrafosjogamcommaisfrequênciaqueoutros pesquisadores urbanos com objetivos diferentes ou, às vezes, talvez (um crítico ocasionalcomentou) comoum fimem simesmo[25].Umexemplo representativo é a conhecida classificaçãodascomunidadesurbanasemoitotiposdesenvolvidaporChauncyHarris(1943).Osoitotipossão:varejo,atacado,manufatura,mineração,transporte,lugardelazereaposentadoria,universidadeediversificada.Talcategorizaçãopodeparecerserpoucomaisdoquesensocomum,masaindaassimelafezcomquegeógrafosurbanossedeparassemcomproblemasmetodológicoscomplexos.Quãodominanteumaúnicafunção precisa ser para que uma comunidade seja colocada em uma certa classe? Que proporção dapopulaçãodevetercomoseumeiodesustentoaquelafunçãodominante?Éprecisoquesejaamaioria?Pode ser a mesma para todas as especializações? De qualquer forma não há nenhuma cidade demineração em que toda a população trabalhadora seja composta de mineiros, nenhuma cidade deaposentadoria habitada apenas por pessoas mais velhas, nenhuma cidade universitária compostaunicamentedefaculdadeseestudantes.Acidadevarejoconcebivelmenteestariamaisassociadacomo“princípiodomercado”dateoriadolugarcentral.Masemqualquerdosoutroscasostambém,podemosesperarqueapresençadeumapopulaçãoconcentradalhesdariaumavantagemnaaquisiçãodotipodefunçõesqueos lugarescentrais têmcomrelaçãoàsáreasaseuredor, jáqueporelesprópriospodemoferecer pelomenosumaporção considerável deummercado tamanho limiar.Coma exceçãode taisentidadescomoumacidademineradoraemumaáreadeserta,longedequalqueroutrahabitaçãohumana,essascidadespoderiamatémesmoordenarinteirashierarquiasdelugarcentralaoredordelasprópriaseaindaser,emprimeiro lugar, lugaresespecializados,e lugarescentraisemsegundo.Maspodetambémhaver funções que se voltam inteiramente para seu interior, para servir apenas a comunidade urbana.

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Assim estabelece-se uma distinção entre os componentes “básicos” ou “de formação de cidade” daeconomia urbana e os componentes “não básicos” ou “servidores da cidade”[26]. Aqui uma vezmaispoderíamosdizerquefoioprimeirotipoqueWirthnormalmentedesconsiderouaoenfatizaradivisãodetrabalhointernanacidade;osdoissetorespoderiamdeoutraformaserrepresentados,naChicagoquevimos,porJurgisRudkus,oimigrantetrabalhadornaindústriadecarneemTheJungledeUponSinclairepeladançarinadealugueldeCressey.

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Diversidadeeacessibilidade

Cidades pequenas e grandes surgiram e desapareceram, depois apareceram novamente em algumoutro lugar com características ligeiramentemodificadas. Elas foram formadas de várias maneiras, apartir de elementos diferentes.Assim, o urbanismo global exibemuitas variações e exceções, poucosuniversaisouregularidades.Tentativascorajosas,taiscomoadeWirth,paraformularumpadrãourbanocomum,nofinal,conseguiramapenasproduzirmodelosenãoparadigmasduradouros.Noentanto,talvezavariedadedetiposdeurbanismoemodosdepensarsobreelesquenósexemplificamosnestecapítulo,após terdeixadode ladoacidadedeWirth,possanospermitirconcluircomcertas ideiasmaisgeraisrelacionadascomaconceituaçãodavidaurbana,estimulantesemvezdeanaliticamenterigorosas,mascomimplicaçõesparaaantropologiaurbanaqueserãoparcialmenteelaboradasmaistarde.

A heterogeneidade era parte da definição de urbanismo de Wirth. No entanto, a cidade poderiapresumivelmenteexistir semvariabilidadede temperamentos,passatempos,pratos favoritos, sensosdehumor,identidadesétnicas,predileçõessexuais,noçõesdehonra,cultosreligiososoupadrõesdefala.Oúnicotipodeheterogeneidadequeseencontraemumarelaçãoespecialcomotamanhoeadensidadedoassentamento que caracteriza a cidade é a divisão de trabalho (se o termo puder ser ocasionalmenteampliadoparaincluiratéorelacionamentoentreasclassestrabalhadoraseasclassesdolazer)algoquecriouinterdependênciasprimeiramenteentreurbanitaseaspessoasnasáreasrurais,mastambémentreospróprios urbanitas namesma cidade ou em cidades diferentes.Especializações dosmeios de sustentojuntasconstituemnãosódiversidade,masumaorganizaçãodadiversidade,tirandoalgumaspessoasdaterraeconcentrando-asnoassentamentourbano.

Três transformações da sociedade desempenharam papéis importantes no desenvolvimento dessadiversidadeorganizada,epodemosestarinclinadosarelacionarcadaumadelasaumtipodearquétipourbano.Duasdelasenvolvemprincípiosdeordempolítico-econômica.Coma redistribuiçãocomoumprincípio dominante, o poder da cidade, a cidade-corte, surgiu aparentemente a cidade original. Odesenvolvimento do intercâmbio de mercado nos deu a cidade-comércio. A terceira transformação étecnológica. Com o industrialismo, normalmente em combinação com o intercâmbio mercadológico,nasceuacidade-carvão.Podemosacharqueastrêssãoapenasslogans;mas,àsvezesatésloganspodemserúteisemumaordenaçãorudimentar,porémrápidadomapaconceitual.

Àmedidaqueacomplexidadesocialsedesenvolveuesedifundiunahistória,formasdeurbanismovieramassimemumpacotejuntocomitenstaiscomoaorganizaçãodoEstado,adesigualdadesocial,ocrescimentodaalfabetização,eavançosnautilizaçãodaenergia.Comopassardotempo,algumasdessascoisas atraírammais emelhores ideias do que outras por parte dos intérpretes da vida humana e, aotentar identificar uma abordagem diferente para o urbanismo propriamente dito, podemos até mesmochegar a ver esses pontos de vista comopoderosos rivais. Podemos nos distrair olhando para o ladorepetidamente a fim de adequar nossas ideias a algum corpo de teoria que seja mais completamentedesenvolvidoecomplexoemboranãorelacionadoprincipalmentecomatentativadedescobriroqueourbanismo pode ser. Se adotarmos o arcabouço da economia política, podemos ficar envolvidos namanipulaçãodeideiasrelacionadascomasforçaserelaçõesdeproduçãoeadiferenciaçãopodetenderaser redefinidaapenascomodesigualdade.Aclassee,nãoacidade,captaránossaatenção.Senossa

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preocupação é com a tecnologia, podemos decidir enfatizar o impacto da produção em massa, dastelecomunicações,edotransporterápidonavida,particularmentenasociedadecontemporâneaocidental.

Obviamente as situações da tecnologia e da economia política no sistema social mais amplorealmenteimplicamumaorganizaçãodecentralismonaqualaconcentraçãodapopulaçãonacidadepodeparecerserummeroepifenômeno.Ecomoelasfazemissodemaneirasdiferentes,tendemosapassardeumanoçãowirthianadeurbanismosingularparaumanoçãodemuitosurbanismos.Masseráimpossívelidentificaralgumamaneirapelaqualaprópriaformadeassentamentodesempenhaumapartemaisativanadeterminaçãodaformadaexperiênciaurbana?

Voltamosàideiadeumasensaçãodelugar.Hárazõespelasquaisumaantropologiaurbanapoderiafocalizaraideiadequeavidaemumespaçolimitadoespecíficotemcaracterísticasdiferentesdaquelasqueprevalecememoutros lugares, eusar issocomoumamoldura significativaparaaobservaçãoe ainterpretação. Sejam quais forem os termos em que as pessoas estejam afastadas uma das outras ouaglomeradasdeacordocomoutrosprincípiosdeorganização,aquelasqueterminamnacidadetambémesbarramumasnasoutraseseveemderelanceemsuavidacotidiana localizada.E issopodenãoserapenasacessibilidadeadicionadaàdiversidade;podeseracessibilidadenadiversidadeediversidadena acessibilidade.Aspessoas reagemnãosóaestarempróximas,mas tambémaestarempróximasdetipos específicos de outros. Inversamente, quando as pessoas têm características variadas, algo podeocorrer jáqueelas têmumaboaoportunidadedeusarseusolhoseouvidosparase tornarconscientesdisso.Sóadivisãodetrabalhopodetercriadoacidade,então,masnomomentoemqueelafoicriada,elapodemuitobematuarcomoumcatalisadorparanovosprocessos,exatamenteporqueestátudolá,emummesmolugar.Alémdisso,esselugarintensivamenteutilizadonãoéapenasqualquerterrenovazionasuperfície da terra. É um ambiente físico complicado, formado para se adaptar a sua sociedade tantomaterial quanto simbolicamente.Esse ambiente tambémpode irmais aléme influenciar avidade suaprópriamaneira.Emumsentidomaisamplo,éumaobradearte.

Atécertoponto,dequalquermaneira,podemosusaras ideiasdageografiasobreplataformasparatransformar os fatos da divisão de trabalho em conceitos de tipos de molduras locais – híbridas ouvariaçõesdecidade-corte,cidade-comérciooucidade-carvão.Elasesclarecemadistinçãoentrelugarescentraiselugaresespeciais,aquelesqueganhamavidadentrodosistemamaisamploagregandomuitasfunçõeseaquelesque,aocontrário,sãomaisestritamentededicadosaumafunçãoparticular.Ficamostambém cientes, entre os primeiros, das diferentes composições de comunidades nos vários níveis dahierarquia de centros. Usando o vocabulário da teoria de lugar central, no entanto, podemos tambémdiscernir como o limiar para muitos serviços pode ser alcançado na própria população urbana. Issotenderia a fazer com que as cidades dentro de um sistema sociocultural sejam mais parecidas,independentementedeseusrelacionamentosespecíficoscomaquelesistema.

Noentanto,nãonospreocupamoscomquestõescomoateoriadolugarcentraloucomaclassificaçãofuncionaldacidadeafimdetransformaraantropologiaurbanaemgeografiaurbana.Aocontrário,podeserútilpensarsobreasmaneirasemqueaetnografiaurbanaeaanáliseantropológicapodemseconectarcom os resultados ou perspectivas de outras disciplinas urbanas, dadas as diferenças em objetivos,formasdeabstraçãoemetodologia.Aquiaquestãoseriaquaissãoasimplicaçõesparaavidaeaculturacomunitárias das concentrações de funções assim produzidas de umamaneira tão variada dentro dos

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sistemassociaismaisamplos.

Começaremosaabordaressaquestãodesenvolvendoumpoucomaisaconceituaçãodaquelepontodevista relacional que, segundo afirmamos na introdução, é central para a antropologia. Essa será umaafirmaçãodeorientaçãoenãoserádetalhadamaisdoquenecessárioparaaqueleobjetivo.Aomesmotempo, é fundamental; este livro está, emgrande parte, construído ao redor dela. Isso não é dizer, noentanto,queosentendimentosqueassimtornaremosexplícitossejamparticularmenteoriginais.Maselesrealmentesãoumprimeiropasso,nanossaantropologizaçãodourbanismo.

A vida social urbana, como qualquer tipo de vida social, é composta de situações. Indivíduosparticipamdessassituaçõesbuscandorealizarumacertafaixadeobjetivos.Podemos,portanto,dizerquesuaparticipaçãonassituaçõesconsistedeenvolvimentossituacionaispropositais;propositaisnosentidode que se eles se envolveram naquelas situações intencionalmente ou não, sua conduta é guiada pelamesmaideiadaquiloqueelesqueremounãoqueremquelhesocorra.Relacionamentossurgemquandoum indivíduo influencia e/ou é influenciado pelo comportamento de um oumais outros indivíduos nasituação,eocomportamentovisívelé,assim,umadimensãodoenvolvimentosituacional.Mastambémqueremos identificarduasoutrasdimensõesdoúltimo: consciência e recursos.Aconsciência (naqualaqui,quandoforimportante,iríamosincluiraquiloque“estáabaixodoníveldaconsciência”)direcionaocomportamento,masoenvolvimento situacional também implicaexperiênciasque são realimentadasnele.Deumamaneiramaisoumenossignificativa,recursosdeutilidadediretaouindiretaparaosustentodoindivíduotambémpodemseradministradospormeiodoenvolvimentosituacional;algunspodemserganhos,outros,perdidos.

A um envolvimento situacional como esse, que serve a um propósito, com suas várias dimensõesproeminentes,nós iremos–deformaumtantonãoortodoxa–nosreferircomoumpapel.Nosúltimosanos,éverdade,conceitosdepapelnãotemestadomuitodemodanasociologiaounaantropologia,jáqueelestiveramatendênciadenãofazerjustiçatotalàssutilezasdainteraçãohumana.Masprecisamosidentificaralgumtipodeblocosdeconstruçãobásicosemnossatentativadeconstruirumavisãogeraldeatémesmo estruturas sociais bastante complicadas, e para isso teremos de considerar algumas dessassutilezas como se tivessemuma importância um tanto secundária.Assimadotaremos a opiniãodequequandoocomportamentovisíveldeindivíduosdiferentesemumtipodesituaçãoforfundamentalmentecomparável,assumindoalgumaformaaproximadamentepadronizada (independentementedecomoessapadronizaçãoocorre),poderemosdizerqueelesdesempenhamomesmopapel.Acomparabilidadepodesermenoscertacomrelaçãoàconsciênciaeaosrecursos.Istoé,podemosencontrarumasituaçãotendooutrosmotivos,eextrairoutrasexperiênciasdela,doqueoutrapessoaque,diantedela,desempenhaomesmo tipo de papel. E, pelo menos dentro de certos limites, é aquilo que fazemos, e não quantoinvestimos ou quanto lucramos que define nosso papel. No entanto todas as três dimensões estarãoincluídas em nosso conceito abrangente de papel, e devemos admitir imediatamente que poderíamosenfrentardificuldadesamenosquepermaneçamoscontinuamenteconscientesdesuaestruturainternaqueébastantecomplexaemutante.

Apráticanaantropologiaconvencional,éclaro,éusaralgumaversãodeumadistinçãostatus-papele presumir que o comportamento visível é compatível, na consciência, com direitos e obrigaçõesnormativamentedefinidos.

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Mas preferiríamos evitar as conotações estáticas e consensuais dessa linha oficial da análise depapéis.Queremosreconhecerquepormeiodasentidadesquechamamosdepapéis,aspessoaspodemnegociar,barganhar,ameaçarebatalharumascomasoutras,modos interacionaisquenãoseencaixamcomanoçãodedireitosedeveresbem-definidos.Taisconfrontaçõespodemocorrerporqueaspessoasdiferemnas orientações de suas consciências ou porque seus interesses no gerenciamento de recursosestãoemumcursodecolisão.Tambémqueremossertolerantessobrequetipodeconsciênciacomandaocomportamento.Dequemaneira e até quepontoqualquer padronizaçãodo comportamentovisível emenvolvimentossituacionaisébaseadoemnormaséalgoque idealmentegostaríamosde investigar,pormeiodeumentendimento replicadodequeo comportamentodeumcerto formatoprovavelmente serámais eficaz). Emesmoquando as intenções chegam a ser filtradas pelas normas transformando-se emação,asprópriasintençõessurgemcontraumpanodefundomaisamplodeexperiência.Aideiadepapelqueenfatizaatarefa–enãooobjetivo–obscuragrandepartedisso,quantomaisnãosejapelofatodeospapéisàsvezesseremfeitosemvezdeassumidos.

Possivelmente ainda poderíamos trabalhar mais a distinção status-papel para fazer com que elaexpressasse de umamaneiramais completa nossa compreensão um tanto preliminar da conexão entreconsciênciaecomportamento;hámomentosemqueconceitosgêmeospoderiamserúteisnadissecçãomais aprofundada da parte de um indivíduo em uma situação. Evitaremos fazer isso, no entanto,principalmenteporqueéconvenienteterumapeçadebagagemconceitualamenosparacarregarporaí.Alémdisso,há,comapalavrastatusaquelairritanteambiguidadequeresultadofatodeapalavrapodertambémsignificarposição,ouatémesmoumtipoespecíficodeposição.

As pessoas podem ter muitos papéis; aos tipos de envolvimentos situacionais que servem a umpropósito que compõem a ronda da vida de um indivíduo chamamos de seu repertório de papéis. Àtotalidadedetiposdessesenvolvimentosqueocorrementreosmembrosdealgumaunidademaisamplatais como uma comunidade ou uma sociedade, chamamos de seu inventário de papéis. Como umaclassificaçãorudimentardoinventáriodepapéisdacidadeocidentalmoderna,podemostalvezdividi-laem cinco setores, cada um contendo inúmeros papéis: (1) doméstico e de parentesco, (2)aprovisionamento,(3)recreação,(4)vizinhançae(5)tráfico.

Qualquer tipo de categorização assim é necessariamente um tanto arbitrário, e os limites entre ossetorespodemcomfrequênciaserpoucoclaros[27].Noentantooesquemapodesersuficientementeclaroparaquesejaútilparaobjetivosheurísticos.Umfatoqueseráútilobservarimediatamenteéquealgunssetoresenvolvemcontratostantoexternosquantointernos.Umadonadecasalidacomosmembrosdeseudomicílio, mas ela também sai para fazer compras da comida e das vestimentas daquele domicílio.Quando a “gangue” sai para tomar um chope, seusmembros se divertem uns com os outros,mas têmtransações comogarçomdobar também.Epor trásdobalcãonos estabelecimentosque fornecemosbensdeconsumoparaodomicílioeasbebidasparaogrupodeamigos,hátambémrelacionamentosentreoscolegasdetrabalho.Osrótulosdenossossetores,portanto,referem-seprincipalmenteapapéis,enãoa relacionamentos ou situações, que podem parecer diferentes dependendo de nossa perspectiva. Embenefíciodaclareza,noentanto,usaremosotermorelacionamentosdeaprovisionamentoapenasparaosrelacionamentosassimétricosqueregulamentamoacessodaspessoasaosrecursosmateriaisnadivisãodetrabalhopolítico-econômicamaisampla;emoutraspalavras,osrelacionamentosemqueaspessoas

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oferecem bens ou serviços a outros (principalmente não do mesmo domicílio), ou os coagem, oumanipulamsuaconsciência,edessasformasganhamtodoseusustentoouumapartesignificativadele[28].Osrelacionamentosdeaprovisionamento,portanto,incluemosrelacionamentosexternosqueconectamospapéisdeaprovisionamentoporum ladoaospapéisdedomicílioou recreaçãodooutro,mas tambémaquelesrelacionamentosinternosaosetordeaprovisionamentoque,porexemplo,conectamprodutoresaintermediários. A estes relacionamentos no último setor que ocorrem entre pessoas cujas atividadesprodutivas estão coordenadas em um produto final comum, e que, assim, são, de certa maneira,semelhantesàquelesentremembrosdeumdomicíliooudeumgrupodeamigos,nóschamaremos–semmuita surpresa – de relacionamentos de trabalho. Os setores de tráfico e vizinhança, e a parte deafinidadedoparentescoeosetordedomesticidade,nãonoscausamproblemasdessetipo, jáqueelesapenasenvolvemrelacionamentosinternos.

Os cinco setores, reconhecemos, são relativamente diferenciados na vida urbana do Ocidentecontemporâneo;épossívelqueumpapelestejacontidoentreoslimitesdeumdeles.Emcontrasteestãoas sociedades emqueos papéis tipicamente se estendempormuitos setores e, consequentemente, nãoestão tão intimamente identificados com qualquer um deles. A sociedade primitiva de Redfield éobviamentedessetipo.Emparticular,princípiosdeparentescoservemparaorganizartantasatividadesqueessesetortendeaincorporarváriosoutros.

Mas não queremos apenas a polarização de sociedade primitiva e cidade. O argumento é, aocontrário, que as várias formas de cidades não diferenciam os setores até esse ponto. O setor deaprovisionamento emerge gradualmente; seus relacionamentos de aprovisionamento passam a existirparticularmenteàmedidaqueosprincípiosderedistribuiçãoeintercâmbiomercadológicoatamosmeiosdesustentodegrandesnúmerosdepessoaspormeiodecomplementaridadesdeproduçãoeconsumoeodomicílio jánãopodeserconsideradocomomaisoumenosautossuficiente.Combasenaquiloquefoiditoantes,issopareceterocorridosobtodasascondiçõesdeurbanismo,emborasuasformasvariassemmuito.

Generalizações sobre as questões com que estamos lidando aqui correm o risco de ser muitogrosseiras. No entanto pode ser razoável sugerir que os princípios de redistribuição e intercâmbiomercadológico por si próprios realmente não implicam uma diferenciação da outra parte do setor deaprovisionamento,osrelacionamentosdetrabalho,dosetordedomicílioedeparentesco.Aunidadedeproduçãopoderiaainda,pelomenoscomrelativafrequência,serumaunidadedeconsumo,aindaquenãoproduzíssemos mais aquilo que consumíssemos. Como sugere Sjoberg, as pessoas das cidades pré-industriaispodemmuitasvezescombinarolareolocaldetrabalho.Comachegadadoindustrialismo,umaconsequênciaéqueosetordeaprovisionamentoparamuitostorna-semaiscompletamenteautônomo,envolvendo tanto um ambiente separado quanto uma coleção separada de pessoas envolvidas nainteração sobre o trabalho[29]. Outra consequência, obviamente, é que os relacionamentos deaprovisionamentoentreconsumidoresepelomenosalgunsdaquelesenvolvidosnaproduçãotornam-se,commaisfrequência,indiretos,mediados(entreoutros)pelosgerentesedonosdosmeiosdeprodução.

Adiferenciaçãodosetorde recreação (atéconceitualmenteumacoisabastantecomplicada, jáqueessa poderia tender a se transformar emuma categoria residual de relacionamentos) nãopode ser tãofacilmente relacionada às transformações sociais. Mesmo nas cidades ocidentais modernas, é muitas

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vezesmenosdoquetotalmentediferenciada,namedidaemqueamaioriadaspessoaspassampartedoseu“tempo livre”, eoutrasquaseque todoesse “tempo livre”no círculodemembrosdodomicílio eparentes.Outros permanecemna companhia de colegasmesmo após terminarem as horas de trabalho,embora as atividades de trabalho e diversão possam ser distinguidas claramente. Precisamos de umateoriade lazer e talvezuma teoriabastantepluralista, para explicar a separação social relativaque avida de lazer às vezes consegue, e pelos vínculos entre outros setores e a escolha de formas derecreação.Noentanto,nãopodemostratardestetemaaqui[30].

Os dois últimos de nossos cinco setores, compostos de papéis e relacionamentos de vizinhança etráfico,podemservistoscomocobrindovárias faixasao longodeumcontínuode relacionamentosdeproximidade.Osprimeirossãorelacionamentosdeproximidadeestável.Aconsequênciaprováveldessaestabilidade é que os indivíduos envolvidos concedem reconhecimento pessoal uns aos outros.Atividadesmaissubstantivaspodemserextremamentevariáveis,comrelaçãotantoàformaeàextensão.Há lugares emque todas as pessoas quemoramperto umas das outras são parentes, e se consideramassim.Nessecaso,osetordevizinhançapodenãoserdiferenciadocomoenvolvendoumtipoespecíficoderelacionamento.Senãofosseassim,osrelacionamentosdevizinhospareciamserumacaracterísticarecorrente de assentamentos humanos, de uma formaou de outra.Nos casos emque é diferenciada, aintensidade dos relacionamentos de vizinhos pode depender, emprimeiro lugar, do grau de exposiçãomútuadaspessoas,detalformaqueelastambémpareceriamserinfluenciadasporessadiferenciaçãodeambientesnamedida emque essa acompanhaumadiferenciaçãode setores.Àmedidaqueo lugardetrabalhodeumhomemjánãoémaisseular,eletambémpassaasermenosvisívelparaavizinhançadeondeseularestásituado.Comoosrelacionamentosdedomesticidadeetrabalho,poroutrolado,aquelesdevizinhançapodemserestendidosatéosetorderecreação.

Osrelacionamentosde tráfico,porsuaparte,estãoenvolvidosemsituaçõesde interaçãomínimaepodemparecerestarnaregiãolimítrofe,istoé,quasenãoseremsequerrelacionamentos.Osparticipantespodemnemmesmoestarcientesdequeestão“levandounsaosoutrosemconta”;essassão interaçõesdispersas, idealmente não são encontros no sentido de Goffman (1961b: 7-8)[31]. Um participante ouambos – se apenas dois estão envolvidos – não têm interesse de atrair a atenção um do outro.Administramos um relacionamento de tráfico evitando colisões na calçada; seguindo as regras paraficarmos em uma fila, ocupando a última posição dela quando chegamos, sem incomodar o indivíduoimediatamenteanossafrente;nãoofendendooutrapessoapormeiodereivindicaçõesdesnecessáriasdossentidosalheios,comopormeiodecheirooubarulho(sejacomoessesforemdefinidos);nãoencarandoaoutrapessoaexceto,possivelmente,porummomentoafimdedeterminarcomoformasdecontatomaisintensaspodemserevitadas.Tomamoscuidadocomessascoisasoudeinúmerasoutrasformas,istoé,sequisermosdeixarqueorelacionamentosejaapenasumrelacionamentodetráfico.Masemcadainteraçãoparticular,apenasumnúmeromuitolimitadodearranjospodemterdeserfeitosparanosdeixarpassarcomsegurançaporela.Operíododetempoenvolvidopodevariar,masgeralmenteécurto–umafraçãodesegundoparanãosechocarcomalguémemumcruzamentonarua,algumashorascomumestranhonapoltronaaoladoemumconcerto.Enamedidaemqueainteração,sejalácomoelafoi,estáconcluída,osparticipantesnãopartemdapremissadequeseencontrarãoalgumaoutravez.

Entreoscincosetoresdepapéisqueidentificamos,doisparecemespecialmentesignificativospara

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fazerdequalquercidadeoqueelaé–ossetoresdeaprovisionamentoedetráfico.Correspondendoaqualquerfunçãoqueumcentrourbanopossaternosistemasocialmaisamplo,háumamisturamaisoumenos distintiva de relacionamentos de aprovisionamento, que parcialmente formam a cidade,parcialmente a servem. Por meio dos primeiros, em termos gerais, a cidade como uma coletividaderecebe seus recursos e por meio dessa última eles são redistribuídos internamente. O que estáprincipalmente envolvido naquele sentido de “urbanismo como uma ordem social” que achamos quefaltava, emgrande parte, no ensaio deWirth, é uma compreensão da organização dessamistura.Comrelaçãoaosrelacionamentosdetráfico,háocomentárioporMaxWeberemTheCity(1958:65),ecoadaporWirth,quedevemospensarsobreacomunidadeurbanacomo“umalocalidadeeassentamentodensodemoradiasqueformamumacolôniatãoextensaqueoconhecimentorecíprocopessoaldoshabitantesestá faltando”. Não está faltando, é claro, entre todos eles. Mas os relacionamentos de tráficopraticamente não existemonde outros termos estão disponíveis para a definição de copresença física,onde todos são parentes ou um colega de trabalho ou um vizinho ou um parceiro de jogos, ou estápresenteparaoobjetivodealgumainteraçãoreconhecíveldeaprovisionamento.Emsuma,elessãoumaformapuradeencontrosentreestranhos,umresultadodaaglomeraçãodegrandenúmerodepessoasemum espaço limitado. Embora um estranho possa aparecer também em uma aldeia pequena e um tantoisolada(etalvezcausargrandeexcitação),eleéumlugarcomumnacidade[32].

Grande parte da pesquisa sobre cidades nas ciências sociais agora está interessada, como aliásestevenamaiorpartedosperíodosduranteoséculoXIX,no fenômenodosetordeaprovisionamento.Dadooescopotransculturaldaantropologia,umaquestãoóbviaaquiparaseuspraticantesurbanoséquefunçõesestãoenvolvidasnaorganizaçãosocialeespacialdacentricidadeemumasociedadecomumatradição cultural específica, e quais são suas formas sociais.Na sociedade indiana tradicional, comoobservouPocock,eranacidadequeosistemadecastascomsuarefinadadivisãodetrabalhopodiaserobservadoemsuasconstelaçõesmaisdesenvolvidas.Noentantonestecontextoprecisamostambémestarcientesdequeapóso“ecumenismouniversal”nafraseusadaporRedfieldeSinger,ossistemasurbanosempartesdiferentesdomundosetornaramdealgumasmaneiras,maisparecidos.

Umaanálisedo setordeaprovisionamento,noentanto,pode, elaprópria, ser apenasumapartedaantropologia urbana. Por mais que a diferenciação de setores tenha avançado, todas as cidades sãoestruturas sociais de setores múltiplos; nossa posição aqui é que uma antropologia que tente ser dacidadeenãomeramenteestarnacidadedeveria tentar lidardeformasistemáticaexatamentecomessefato.Parafazerjustiçatantoàdiferenciaçãoeàcoerênciadaestruturasocialurbana,emoutraspalavras,devemosinvestigarasformaseosgrausdeinter-relacionamentoentreospapéis,nãosóemcadasetor,mastambém–naverdade,principalmente–entreosváriossetores[33].

Para captarmelhor as implicações dessa declaração programática pode ser útil considerar o quenossavisãogeraldesetoressugerecomrespeitoaotamanhodosinventáriosdepapéisedosrepertóriosdepapéisnacidade.Oprópriofatodamaiordiferenciaçãoentresetorespareceimplicarumaumentonotamanhodos repertórios depapéis – comcadanovo setor que surge, ummínimodeumnovopapel éacrescentado.Masosrepertóriospodemcresceraindamaissehávariedadeinternanossetores,eumapessoapodeserincumbentedeváriospapéisquepertencemaomesmosetor.Osinventáriosdepapéis,naturalmente,aumentamdetamanhodeacordocomisso.Sepessoasdiferentestêmpapéisdiferentesno

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mesmosetor,noentanto,issoexpandeaindamaisoinventáriodepapéisdacomunidade.

Um resumo, setor por setor, clarifica ainda mais o argumento. No setor de aprovisionamento, adivisão de trabalho político-econômica na cidade pode tender a aumentar o inventário de papéissignificativamente,jáqueaspessoasobtêmseusustentodemaneirasdiferentes.Sepresumimosquecadapessoatemapenasumemprego,poroutrolado,acontribuiçãoparaotamanhodorepertóriodepapéispodenãosertãogrande.Variaçõessãoclaramentepossíveisaqui,noentanto.Comunidadescomfunçõesde lugar central podem ter proporcionalmente muitos papéis neste setor, com um número mínimo deincumbentesdecada,enquantocomunidadesdedicadasaservirumafunçãoparticularcomreferênciaàsociedademais ampla podem ter um númeromuito grande de incumbentes em pelomenos alguns dospapéis.Háapossibilidadeadicionaldemultiplicidadeocupacional,encontradacommaisfrequênciaemalgumascidadesdoqueemoutras.

Nosetordomiciliaredeparentesco,nãopareceprovávelqueonúmerodepapéisdesempenhadosnosrelacionamentosinternosaumentariamuitonacidade.SeWirthestácerto(algoque,nestecasoelepode estar algumas vezes, mas nem sempre), os papéis de parentesco fora do domicílio tenderiam areceber menos reconhecimento social. Os papéis domiciliares desempenhados externamente, emrelacionamentosdeaprovisionamento,poroutro lado,provavelmenteaumentamemnúmero, refletindo,atécertoponto,avariedadedosetordeaprovisionamento.Éprovávelquehajaumgraubastantealtoderepetição de repertórios nesse setor, com papéis ocorrendo em um número um tanto menor degrupamentos-padrão. Papéis de recreação podem vir em númerosmuito grandes na vida urbana, masprovavelmente – como já sugerimos antes – mais nas cidades ocidentais e industriais que nas nãoocidentais e pré-industriais.Onde eles têmmaior impacto, podemaumentar os repertórios individuaisconsideravelmente (especialmente no caso de pessoas satisfeitas em ser diletantes), e também avariabilidadederepertórios.Nocasodepapéisdevizinhançaedetráfico,passaaserumaquestãoumtantosutildeconceituaçãosaberquantostipospodehaver.Estaremosdesempenhandopapéisdiferentes,porexemplo,sentadosaoladodeumestranhoemumjogodefutebolenaóperaou,aliás,emumônibus?A contribuição desses setores para o tamanho tanto dos repertórios quanto do inventário de papéisdependedarespostaaessasperguntas.

Em geral, pareceria justo dizer que as cidades provavelmente têm inventários de papéiscomparativamentemaiores;ouparaexpressaramesmacoisadeformadiferente,umnúmeromuitograndedetiposdiferentesdesituaçõesocorremnavidaurbana.Masotamanhodosinventáriosvariaentreostipos das comunidades urbanas. Igualmente significativo, alguns urbanitas têm repertórios de papéismaioresqueoutros–elesseenvolvememsituaçõesmaisdiferentes.Talvezasdiferençasentretamanhosderepertóriossejamumdosfatosdavidaurbanadignosdemenção.Podemosvertambémque,emumrepertório,ospapéispodemterpesosdiferentes,deumaformaoudeoutra.Gastamosmuitomaistempoem alguns deles, ou nos envolvemos neles com mais frequência, ou achamos que eles são maisimportantesdoqueoutrospapéis.Expressando-nosdeoutramaneira,poderíamosdizerqueorepertóriodepapéistemseucentroesuaperiferia.

Nossa sugestão, então, é que devemos nos ocuparmais persistentemente, na análise antropológicaurbana, com as maneiras em que as pessoas da cidade combinam papéis e repertórios. Em um dosextremos, poderíamos imaginar o caso em que os papéis estariam completamente segregados. Formar

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umapessoaapartirdealguminventáriodepapéisamploevariadoseriaumatodeperfeitabricolagem.Essapessoairiapensaresecomportaremumasituaçãodeumamaneiraquenãoterianadaavercomaquiloqueocorreemoutra,eamaneiracomoelairiaacumularrecursosouapelarparaelestampoucoestabeleceria qualquer conexão. No outro extremo encontraríamos a pessoa com um repertório tãoextremamenteintegradoquenenhumpapelpoderiasertrocadoporoutro.

Podemosperceberqueéumpoucomenosprovávelencontrarmosumindivíduocomorepertóriodepapéis perfeitamente aleatório na vida real do que um com o repertório totalmente determinado.Masentre os dois deparamo-nos com muitos cujas vidas são compostas de misturas diferentes dedeterminaçãoevariaçãolivre.Emcongruênciacomoquefoiditoantes,quandotentamoslidarcomessacombinabilidade, não presumiríamos que sejam quais forem os desvios da aleatoriedade queencontrarmosdevamserconceituadosnos termosnormativosdeprescriçãoeproscrição.Essespodemdesempenharumpapel,maspreferimoslevaremcontamaisgeralmenteasconsideraçõesderecursoseas orientações da consciência que podem ordenar combinações mesmo nos casos em que há umaliberdadedeescolhaformal.Oqueédeinteresseaquiéqueemboraaconsciênciadeumapessoapossanãoser totalmenteumae indivisível,elanuncaéassimtãocompletamentecompartimentalizadaquantoumaaleatoriedadeabsolutaimplicaria.Damesmaforma,éóbvioqueoqueumapessoapossagastaremumasituaçãodependedaquiloqueelaganhouemoutra.

Essa é nossa perspectiva geral com relação à diferenciação urbana. Como uma outra aplicaçãoespecífica, poderíamos fazer uma hipótese operacional em que a constituição do setor deaprovisionamentotemumainfluênciaparticularnaformaçãoeseleçãodeoutrospapéis,emrepertórioseno inventário como um todo. Se, como um primeiro passo no mapeamento de formas urbanas, ascomunidades forem categorizadas com base em suas combinações de funções e os relacionamentoscorrespondentesdentroeforadosetordeaprovisionamento,oconhecimentodesseúltimodeveriaassimtambémcontribuirparaoentendimentodaformaedoprocessoemoutrasrelações.Issopoderiaserumaestratégiaparaumaanáliseantropológicadeurbanismosdecimaabaixo,unindoadivisãoconceitualentreabiografiadourbanitaeolugardacidadenasociedade.

Seseguirmosessalinha,haveriaobviamenteumarazãoespecialparacuidardapartedesempenhadapelo gerenciamento de recursos. Pode não haver nenhuma justificativaa priori para presumir que ostemas da consciência construídos em um papel específico irão necessariamente ter uma influênciadominantenaordenaçãodeoutrosenvolvimentos.Esseéumproblemanasociologiadoconhecimento,embora exista muita evidência de que experiências em situações de aprovisionamento podem ser degranderelevância.Pordefinição,noentanto,épormeiodospapéisdeaprovisionamentoqueaspessoasobtêmosrecursosmateriais(pelomenosamaioriadeles)dosquaiselas,aseguir,irãodepender,maisoumenosextensivamente,emoutrospapéistambém.Issodáaospapéisdeaprovisionamentoumaposiçãodominante,emboratalvezsuainfluênciaemoutraspartesdorepertórionãosejamuitoespecífica;outrospapéispodem,àsvezes,exigirpoucosrecursos,erecursostambémpodemserdistribuídosdemaneirasdiferentesentreeles.

Seja qual for a forma de inter-relacionamentos em um repertório de papéis, podemos tambémobservaraquiqueessespodemserumaexplicaçãoparcialdadiversidadedepapéisurbanosmaisgeraisqueencontramostambémforadadivisãodetrabalhonosetordeaprovisionamento.Sehádiferenciação

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emumsetor,eseuspapéiscomponentestêmumainfluênciadeterminantenosrepertórios,pareceriaqueisso arrasta consigo a diferenciação em outros setores também. Papéis de aprovisionamento, porexemplo,podemestarconectadoscomformasespecíficasderecreação.

O que acabamos de dizer sugere uma forma de pensar sobre urbanismos na forma plural e comoconjunto.Teremosumaoportunidadederetornaraessetipodeanálise.Nesteestágio,talvezapenasumanotadeprecauçãodevaseracrescentada.Certamentealgumasáreasde indeterminaçãorelativapodemserencontradasempraticamentequalquerestruturaurbana.Deummodogeral,peloqueparece,comessaindeterminação e inventários de papéis bastante grandes, o urbanismo permitemais variabilidade nasconstelaçõesdepapéisdoqueamaioriadosarranjossociais.Enãopoderíamosexatamenteesperarquequalquerconstrutodetipourbanodefinidocomprecisãosobreapremissadecadeiasdeinter-relaçõesespecíficasapartirdeumaclassificaçãofuncionalàguisadosetordeaprovisionamentoeportodososoutrossetores,pudesseatravessarbemváriasculturaspor razões relacionadas.OportodeCingapura,porexemplo,nãoé,dequalquermaneiradetalhada,semelhanteaoportodeAntuérpia.Nãoháqualquerrelacionamentoumaumentrealgumafunçãourbanaouconjuntodefunçõesurbanas,definidasemtermosgerais, e um conjunto específico de formas sociais na organização do aprovisionamento.Além disso,mesmo que as cidades portuárias fossem um tipo unitário com relação à organização doaprovisionamento, outros setores da vida também podem estar expostos a outras influências. Podemhaver situações em uma cidade em que modos de pensar, de se comportar e de interagir são muitosemelhantes àqueles da sociedade a seu redor, ela própria, de uma maneira relativa, culturalmentehomogênea ou culturalmente heterogênea.A família urbana noAfeganistão pode sermuito afegã,masprecisasermuitourbana.

Até aqui, por enquanto, sobre a necessidade de reconhecer a variedade de urbanismos e suadiferenciação interna.Há tambémaquelaunidadedeurbanismosobreaqual tambéméprecisopensarquetemavercomotamanhoeadensidadedoassentamento.

UmaafirmaçãocomoadeWebersobreafaltadeamigospessoaisentreaspessoasdacidadesugereumamaneiradetraduzirosfatosdademografiaedoespaçoemlinguagemrelacional.Noscasosemqueumapopulaçãoconsiderávelestáconcentrada,umindivíduoteráacesso,eseráacessível,arelativamentemaispessoasqueemumlugarmenorepovoadomaisesparsamente.Se,comoWeber,presumirmosqueháalgum limitemáximoparaaquantidade totaldeenvolvimentodeum indivíduoem relacionamentossociais, no entanto, é incerto até que ponto esses relacionamentos potenciais com pessoas acessíveisserãoconcretizados.Poderíamosolhar issocomoumaespéciedepossibilismodemográfico;cidadeseurbanitas fazemusodiferentedaacessibilidadediretadepessoaapessoapormeiodesuas formasdeorganização social. (E, é claro, essas últimas também intervêm para dar forma a certos elos entreurbanitasepessoasquefisicamentesãoumtantomenosacessíveis,longedacidadeenvolvida.)

Doconjuntodeparceirospotenciaisde interaçãoqueécompostopelapopulaçãourbana inteira,ohabitante da cidade assim extrai um númeromaior oumenor com o qual ele ou ela se envolverá nasatividadesdomiciliaresedeparentesco,aprovisionamento,trabalho,recreaçãoevizinhança.Orestosãoestranhos,parceirosemrelacionamentosdetráficoseéqueeleoueladefatoencontra-secomeles.Nemtodas as formas diferentes de organização urbana, no entanto, podem produzir exatamente a mesmaproporçãodeestranhos,dadaumacertapopulaçãourbana.Elasvariamemsuacapacidadedecobrira

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populaçãopormeiodeoutrostiposderelacionamentos.Umindivíduoentraemmuitosrelacionamentosseeleouelatemumabancanomercado,provavelmenteumnúmeroumtantomenorseeleouelaéumtrabalhadorindustrialemumalinhademontagem.Masambosessesconjuntosderelacionamentospodemser diferentes daqueles centrados em seu lar, e seus vizinhos e amigos podem constituir ainda outroscírculos separados. Com relacionamentos assim espalhados, ainda haverá estranhos, mas os rostosconhecidospodemnãosertãopoucosetãoocasionais.

EstepodeseromomentoemqueabordamosumavezmaisaproposiçãodeWirthdequerelaçõessociaisurbanassãotipicamenteimpessoais,superficiaisesegmentárias(palavrastãosemelhantesemseusignificadoquecolocá-lasemumapilhaumasobreasoutrasequivaleráapoucomaisdoqueexageroretórico). Apesar de todas as críticas válidas que foram feitas contra ele, podemos agora ver maisclaramenteogrãodeverdadeenvolvido.Quantomaisavançadaforadiferenciaçãodesetores,etambémquantomais avançada for a diferenciação de papéis nos setores, tantomaior será a segmentação dosrelacionamentossociais,quasequepordefinição.Essadiferenciação,insistimos,nãofazcomquetodosos relacionamentos sejam definidos de uma maneira restrita. Pelo menos alguns relacionamentos deparentescoedomesticidadesómuitoraramenteosão;eobservamosqueháumatendênciavariadaaquerelacionamentos fundamentalmente definidos em termos de trabalho ou vizinhança adotem um tom desociabilidade,oquequerdizerqueelesavançamnadireçãodosetorderecreaçãoaomesmotempoemqueesteúltimopodetambémconterseusrelacionamentosseparados.(Issosignifica,alémdisso,queoselosentrevizinhos,àmedidaqueadquiremconteúdodeumanaturezarecreativaouatéquasedoméstica,sãoparcialmentecooptadosnossetoresbaseadoseminteresseemoposiçãoàquelesbaseadosemmeraproximidade.)

O fato permanece, no entanto, que é por meio de uma variedade de envolvimentos emrelacionamentos que são relativamente segmentários e concentrados em setores específicos que ourbanitapodeaproveitaraomáximoaacessibilidadedeoutroshabitantesdacidade,emrelacionamentosoutrosquenãoosdetráfico.Aqui,ostiposdeconexõesentresetoresquediscutimosanteriormentepoderetornar ao nosso quadro. É bastante possível que as pessoas espalhem mais amplamente seusenvolvimentos com outros habitantes da cidade quando os relacionamentos entre setores tendam nadireçãodaindeterminação.Paraalgunsurbanitasconexõesmaisdeterminadaspodemnãosóespecificarcombinaçõesdeenvolvimentossituacionais,mastambémimplicarinteraçãocomasmesmaspessoasemdois oumais setores; pessoas que são colegas podem escolher também ser vizinhos e ir aosmesmoseventosdesportivosduranteseusmomentosdelazer.Elasacabamsendoumpoucocomooaldeãourbanotípico, na vecindad mexicana de Oscar Lewis ou em outros lugares, que tendem a recrutar omesmogrupinhodepessoascomoparceirosemumtipodesituaçãodepoisdaoutra.Asfronteirasdossetorespodem se tornar indistintas uma vez mais[34]. Mas pelo menos em um respeito, essas pessoas sãodiferentes de um aldeão verdadeiro. Pois à volta daquele pequeno grupo, como eles verão se sedeslocarempelacidade,existeummardeestranhosederelacionamentosdetráfico.

Portanto, praticamente não existe nenhuma maneira pela qual o habitante da cidade pode evitarquaisquer relacionamentos de um caráter segmentário, impessoal e superficial. Com seus contatosespalhados, alguns de seus outros relacionamentos podem até, em certo grau, vir a se parecer comrelacionamentos de tráfico, como encontros entre estranhos. Isso parece particularmente provável no

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setordeaprovisionamento.Quantomaiorforacentricidadedeumindivíduoemumacertafunção,tantomaisreduzidatenderáaseraquantidadedeseusenvolvimentosentreseusmuitosalters.Comoalgunsdos críticos deWirth assinalaram, a busca dessa centricidade, e a falta de interesse pessoal entre aspartesdeumrelacionamento,podemserexplicadasmaisdiretamente,porexemplo,pelosprincípiosdointercâmbiomercadológicodoquepelotipodeassentamento.Masparalevaraespeculaçãoumpoucomaisadiante,podemosveragrandecidadecomooambienteidealpararelacionamentosquetêmcomofoco o vínculo do dinheiro. As pessoas envolvidas neles podem não se encontrar em qualquer outrocontexto e o fluxo de pessoas desconhecidas nos relacionamentos de tráfico oferece ummodelo parainterações instantâneas em que as personalidades são deixadas de lado. Urbanismo e intercâmbiomercadológicopodemestaremsimbiose,deumamaneirasemelhanteàburocracia,daqualsedizque,comseusideaisdeimparcialidadeedefiniçõesrígidasderelevância,funcionacommenosdistraçõesnoscasosemqueaescaladavidasocialnãoémuitopequena.

De qualquer forma, uma parte da antropologia urbana futura deve se envolver com osrelacionamentos entre estranhos, relativosouabsolutos[35].O anonimato é umanoção importante aqui.Wirthdeuaeleumacertaênfase,masnãomuitaconsideraçãoanalítica.Paramuitosdeseusleitoreselepode ter parecido um termo sobretudo emotivo,mas o papel exato do anonimato nas relações sociaiscontinua a ser problemático.Uma faceta dele é a falta de predicabilidade no encontro anônimo. Semsaber nada sobre a biografia de outro indivíduo, é difícil prever suas ações, seja em termos decapacidadeoudepredisposições.Aincerteza,portanto,pareceserumacaracterísticabastantecomumdainteração social urbana, e podemos nos perguntar quemeios poderá haver para lidar com ela. Outroaspectodoanonimatopodeserqueasinteraçõesdeumindivíduoquepermanecenãoidentificadoemumsentido envolve um grau menor de previsibilidade com relação a ele[36]. Atos anônimos são atosdesassociados de sua apresentação de um self determinado. O conhecimento de suas ações não éacrescentadoparafuturareferênciaaodossiêque,emlinguagemfigurada,outraspessoastêmsobreele.Os usos do anonimato e os passos que a sociedade urbana pode dar para restringi-los podem serproblemasasereminvestigados.Aomesmotempo,devemosestarcientesdequeoanonimatonãoéumfenômeno“tudoounada”.Seumindivíduonãopodeseridentificadopessoalmente,pelaconexãodeumrosto a umnome, o anonimato pode pelomenos ser limitado em algumas de suas consequências peloreconhecimentodealgumaidentidademenosexata,taiscomoetnia,classe,ocupação,idadeougênero–SjobergobservouissoemThePreindustrialCity.Naturalmenteaexpectativaéqueessasqualidadesqueaspessoascaptamparaimprimirumsignificadoaoestranhovariemdeumasociedadeparaoutra.

Aacessibilidadedeoutraspessoasnavidaurbana,noentanto,nãoenvolveapenasomanuseiodecontatoscomestranhoscomoindivíduos.Separaqualquerurbanita,aqualquermomentodado,acidadetemumexcedentedepessoasquenãosãopartedequaisquerdeseusrelacionamentosmaissignificativos,elaspodemaindaassimserrelevantesdeoutrasmaneiras.

Épossível,porexemplo,pensarqueaspessoasnacidadesãocomomanequins,apresentandoumavariedadedesignificadosdetalmaneiraquequalquerumpodeinspecioná-las,aceitá-lasourejeitá-las,semsecomprometerseriamenteaumainteraçãoouaumaidentificaçãocomapartepessoalenvolvida.Osrelacionamentosdetráficopodemimplicarumdesfileassimdeimpressões,emparticularporqueelessãomuitasvezesumenvolvimentodeum ladodepessoasqueestão,aomesmo tempo,envolvidasem

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outras atividades. Caminhando pelas ruas da cidade, podemos ziguezaguear para evitar um jogo defutebol,terarápidavisãodeumartesãodandootoquefinalemseusprodutos,escutarporacasotrechosdemeiadúziadeconversas,darumaolhadaemváriasvitrinesdelojas,epararporummomentoparaavaliar o talento de um músico ambulante. Não podemos exatamente evitar refletir sobre o papeldesempenhadoportaisexperiênciasnoprocessoculturalurbano.

Outro aspecto da acessibilidade, de importância fundamental para a compreensão daspotencialidadesdaestruturasocialurbana,équenoscasosemque,emumdeterminadomomento,nãohavia qualquer relacionamento, novos contatos podem surgir; relacionamentos entre estranhos podemmudardeforma,tornando-semaisíntimosemaispessoaiscomnovoconteúdo.Umexemploesclarecedoréa“visãonarua”emLião,noperíododaRevoluçãoFrancesa,comodescritaporRichardCobb(1975:125-126), umhistoriador da vida cotidiana de tendência etnográfica.Começando comdeclarações degravidezeseduçãofeitasdiantedosmagistradospormulherestrabalhadoras,Cobbpintaumquadrodaspossibilidades de observar o espetáculo na rua, de fazer novos conhecimentos e envolver-se em umencontrofurtivo,queestãoinerentesaumapráticaocupacionalnaturalmenteperipatética.

Abrodeuse,adévideuse,acoupeuse,atailleuse,ablanchisseuse,aappreteuse,amarchandedemodes,atémesmo a empregada doméstica, como seus vários equivalentesmasculinos, estão constantemente caminhandopelacidade,especialmentenacentralpeninsular,ecomopretextoconvenienteevisíveldeirfazeralgumatarefapara alguém – um colete terminado pela metade, um chapéu de três pontas esperando seus acabamentos eplumas,umvestidoqueaindaprecisaserbordado,ochapéudeumamulherqueaindaprecisaserpassadoparatomarforma,umacestaderoupadecamaemesamolhada,umbuquêcomumbilhete,umadúziadegarrafasdevinho,umabandejacontendoumarefeiçãopreparadaporumgargotier,umabandejacontendobolosepastéis,umganchocomfaisões,umacaixadeferramentas,umsacocheioderoupasvelhas–ospassaportesreveladoresparaaliberdadedaruaduranteashorasdetrabalho.

Neste caso específico podemos ver como tipos de relacionamentos de tráfico (corruptíveis paraoutros objetivos) dependiam da organização do setor de aprovisionamento que pode ser consideradocomo em grande parte pré-industrial. O argumento geral é que a acessibilidade possibilita uma certafluidez na estrutura dos relacionamentos.Na comunidade pequena, uma pessoa pode concebivelmentepassaravidatodaconhecendoasmesmaspessoas–apopulaçãointeira–comonascimentoeamortesendo os únicos fatores de mudança. Na cidade pode haver uma mudança muito maior de nossosparceiros em qualquer setor de atividade.O conjunto total de relacionamentos de um indivíduo podeaumentarediminuir;masmesmoqueelepermaneçaestávelemtamanho,rostosnovospodemsejuntaraocírculoenquantooutrossaemdele.Ouemrelacionamentossegmentaresrostosantigospodemsurgiremnovos contextos. Podemos considerar que a observação de Wirth sobre a transitoriedade dosrelacionamentosna cidade se refere aos relacionamentosque terminamapós apenasumúnico contato,tais como aqueles na agitação de locais públicos ou no intercâmbio apressado entre um lojista e umfreguês.Poderiatambémreferir-seaofatodelaçosmuitomaisíntimosentreurbanitastambémpoderemirevircommuitomaisfrequênciadoqueemoutroslugares.Sócombasenademografia–mas,umavezmais,éumaquestãodepossibilismodemográfico–acondiçãourbanacriaoportunidadesexcepcionaispararelacionamentossociaisconseguidosmaisdoqueparaaquelesatribuídos[37].

Umpardecomentáriospodemserinseridosaquisobreamaneiracomoessasoportunidadespodemtender a aumentar a heterogeneidade urbana, mesmo fora da organização da diversidade no setor deaprovisionamento. Uma possibilidade é que em combinação com as tendências dadas à variação na

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população, essas oportunidades possam influenciar a evolução de subculturas. Se a propensão paraalgummododepensamentoouaçãoespalha-se,sóacidadepode terumnúmerosuficientedepessoasinteressadas para lhes dar uma chance maior de se reunirem para interagir sobre aquilo que elascompartilham.Eentretodasaspessoasacessíveisnacidadeelaspodemseescolherumaaoutracomoparceirasabemdessaoportunidade.Essainteraçãopodelevartantoàestabilizaçãodopontodevistaoutipo de comportamento envolvido (já que agora ele desfrutaria de apoio do grupo) e a seu maiordesenvolvimentocumulativo.Aquiloquepodemserinteresseslatentesoumeramentevisíveisdeumoudepoucosindivíduosemumacomunidademenor,emoutraspalavras,podeseramplificadoeelaboradoquandomuitaspessoascomideiasafinsestãopresentes.Anoçãode“contágiosocial”deRobertParkmostraqueeleestavacientedessefato.Énormalmentenacidademaiorqueencontramosnãoapenasoúnicopianista,masumaculturaocupacionaldemúsicos,nãosóumdissidentepolíticosilencioso,masumaseitaoumovimentoorganizadoaoredordeumaideologia,nãoumhomossexualsolitário,massimumaculturagay.

Umaexplicação assimdeheterogeneidadenaverdade envolveumavariantede conceitosde lugarcentral.Comotodosnogrupoque interagesãosimultaneamenteumfornecedordoserviçoenvolvidoepartedomercadoparaele,osmembros juntosseerguemacimado limiarparasuaemergência,dentrodaquelaquantidadedeacessibilidadeconvenientesugeridapeloslimitesurbanos.

Podemostambémconsideraraquiloquepodeseravantagemdaelaboraçãodaformadivergenteemumasituaçãoemqueapossibilidadedeumreembaralhamentodosalinhamentos sociaisesteja semprepresente.Poderíamosver,nabuscapelaindividualidadeconspícuaemumlugarcomoMinasVelhas,umdesejodereivindicaraatençãodosdemais,paraconseguirumaseleçãosatisfatóriaderelacionamentossociais e não ser abandonado quando parceiros mudam[38]. O lançamento de um novo estilo decomportamento,vestimentaououtraformaobservávelpoderialevaraessavantagemcompetitiva(eaquinosaproximamosdaperspectivadarwinianadeWirthcomrelaçãoàdiferenciação);sóseformosmuitobem-sucedidoseanovidadeforadotadapormuitosoobjetivoseperdeealgumaoutracoisaprecisasertentada.Adiversidade da vida urbana, dessa perspectiva, não é estável.ComodisseKroeber em seuAnthropology(1948:283),elaécaracterizadapor“flutuaçõesdamoda,nãoapenasdevestimentas,mastambémdecaprichos,novidades,diversõeseapopularidadefugazdepessoasetambémdecoisas”.

Dessasformas,épossívelqueamaioracessibilidadedaspessoasumasàsoutrasnacidadepossaserimportantepor simesma.Comrelaçãoaambos,modosdecomportamentoe indivíduosespecíficos, acidadepodeserumsistemaderastreamentoeconhecimentoscasuaisepassageiros.Afirmandoisso,énecessáriotambémdeclararalgumasdasqualificações.

Aacessibilidade,comodissemos,nemsempreéconcretizada;eladependeespecialmentedasformasdeorganizaçãosocial.Quandoháconexõesdeterminadasentrerelacionamentoseatividadesemsetoresdiferentes,comoexemplificamosacima,issoirárestringirasescolhasque,senãofosseporisso,seriampossibilitadaspelaacessibilidade.Osinvestimentosmateriaiseodesenvolvimentodacompetênciaemcertos relacionamentos e linhas de ação podem ser tais,mesmo em outras condições, que o custo damudança seriamuito alto.Aquilo queum indivíduopode fazer, e comquemele pode se envolver emváriasatividades,podesertãoregulamentadoculturalmenteemoutrostermostambémqueasalternativasquepodemestardisponíveisnohabitat imediatosãosimplesmenteexcluídaspordefinição.Ébastante

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possívelqueorecrutamentoparacertosrelacionamentossejaatribuívelemalgumapopulaçãomenor(ou,aliás, obtível somente naquela população), mesmo que o recrutamento por meio de uma realizaçãototalmenteabertapossaparecerfazermaisusodasituaçãourbana).Aeficáciaderestriçõescomoessasmereceserlevadaemconsideração,assimcomosejamquaisforemastensõesquepossamserdetectadasentreelaseastentaçõesdeumambientemaisabundante.

Existe também a possibilidade de que as pessoas simplesmente transformem seus relacionamentossociais em rotinas e façam omesmo com seus repertórios intelectuais e comportamentais, não vendoqualquerrazãoparamudarapenasporquealternativasseapresentam.Acidadepodeoferecertalriquezadeimpressõesecontatosqueoindivíduoficaincapazdeadministrarativamentetudoaquiloe,portanto,torne-semenosreceptivoacadanovoimpulso;aatençãodiminui.EssepontofoidiscutidoporMilgram(1970) que, ao trazer o conceito de sobrecarga da teoria de sistemas parece ser a pessoa que seaproximoumaisdeumaatualizaçãodasideiasdeSimmeleWirthsobreotédiourbano.

Apenas porque indivíduos estão convenientemente ao alcance, além disso, não significa que elessempre estão ou querem estar visíveis ou disponíveis para interações. Nos casos em que muitaacessibilidade é um problema, a privacidade passa a ser um valor. Para quais atividades ourelacionamentosbusca-seproteção,noentanto,oucontraquem, tambéméumaquestãodeorganizaçãosocial. O ambiente urbano construído serve como um componente nessa regulamentação de acesso.Sjoberg, lembramos bem, observou como as casas da elite na cidade pré-industrial se voltam paradentro.Aalgunstiposdeatividadeséatribuídoespaçoparaoqualoacessoéfortementelimitado,outrosambientespodemserusadosparaindicarpelomenosumaaberturacondicionalparanovoscontatos.Ourbanitapodetambémestardesconfiadodeabordagensdiretasporestranhos,enquantoosúltimospodemtermaischancedeseremaceitosseocontatoéfeitopormeiodeintermediáriosconhecidos.Umpontoligeiramenteparadoxaléqueessamodificaçãodeacessibilidade,emumasituaçãonaqualumagrandeparte, se não todos, os relacionamentos de uma pessoa podem ser conseguidos em vez de atribuídos,pode ser administrada de tal forma a fazer com que o indivíduo fique inacessível para contatossignificativosàmaiorpartedacomunidade.Issoéútilespecialmenteparaosgruposquedesejamcultivarumavidaprópriasemteroutraspessoasinterferindo.Ofatodemembrosseremcapazesdeganharseusustento lá por meio de relacionamentos impessoais contribui para fazer com que a cidade seja umsantuárioparaeles.

Umaúltimacomplicaçãopareceseramaisséria,paraourbanismopropriamenteditoetambémparaumsentidode lugar comoumamolduraparaopensamento.Aacessibilidadedependenão sódo fatorespacial, mas também da tecnologia de comunicação. Nos lugares em que carros e telefones sãogeralmente disponíveis, a distância temmenos importância do que naqueles casos emque a interaçãoprecisaserfaceafaceeondeaspessoassedeslocamapé.Nocasoextremo,aconcentraçãofísicadepessoas já não teria um objetivo. De algumas formas (tal como para defesa) ela poderia até serdisfuncional.Boulding (1963: 143-144) assinala isso emum ensaio sobre “amorte da cidade” que ofuturopodetrazer:

Podemosatévisualizarumasociedadeemqueapopulaçãoestejaespalhadadeumamaneiramuitouniformepelomundoemdomicíliosquaseautossuficientes,cadaumcirculandoeprocessandoeternamenteseupróprioestoqueda água pormeio de suas próprias algas, cada um obtendo toda a energia de que necessita de suas própriasbateriassolares,cadaumemcomunicaçãocomqualqueroutrocomquemqueirasecomunicarpormeiodesua

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televisãopersonalizada,cadaumcomacessoimediatoatodososrecursosculturaisdomundopormeiodoscanaisdecomunicaçãocombibliotecaseoutrosrepositóriosculturais,cadaumsedeleitandonasegurançadeumestadomundial invisível e cibernéticoemquecadahomem iráviver sob seuvinhedoe suaprópria figueira eninguémfarácomqueeletenhamedo.

Com isso as condições que subjazem a equação do uso do espaço pelo homem teriam mudado.Emborajánãomuitorestringidoporumrelacionamentocomaterra,suainterdependênciacomrelaçãoaoutros seres humanos poderia continuar semmuita atenção a distância.A cidademorreria, aomesmotempoemquepoderiaparecerqueaurbanizaçãodocampoiriacontinuar.Realmente,podemosestarindonessadireção,masnãocomamesmavelocidadeemtodasaspartesdomundo,ouemtodosossegmentosde qualquer uma sociedade.A tecnologia não está distribuída uniformemente.Alémdisso, no entanto,poderemos querer comentar que a tentativa de ter acessibilidade sem densidade, seja por carros,telefonesoutelevisãopersonalizada,nãopodeexatamenterecrearaexperiênciaurbanaemsuaplenitude.Elatendeaserapenasacessibilidadeplanejada;vocêatingeaquelapessoaespecíficaquevocêtinhaemmente.Aacessibilidadeurbanacontemporâneaehistóricapodeserparcialmenteplanejada,mastambém,até certo ponto, não intencional. Deparando-nos com pessoas que não estávamos procurando, outestemunhandocenasparaasquaisnãoestávamospreparados,podenãosernemeficienteenemsempreprazeroso,mas pode ter suas consequências pessoais, sociais e culturais próprias.Com essa reflexãopodemos talvez terminaressa investigaçãopreliminarsobreanaturezadourbanismo:aserendipidade,descobriralgumacoisaporacasoquandoestávamosprocurandooutracoisa,podeestarimbuídanavidaurbanaatéumgraupeculiar.

[1].EntreostrabalhosrelevantesdeRedfieldestãoseuslivrosde1930,1941,1953e1955.Umtextode1947foiabaseparaoresumodeseuconceitodesociedadeprimitivaaquieastentativasrecentementerenovadasdedefinir“agrandedivisão”entreestilosdaépoca.Outrostextosrelacionados,previamentepublicadosounãopublicados,aparecememsuasobrascompletas(1962).

[2].Há semelhanças óbvias, p. ex., entre as dicotomias citadas aqui e as tentativas recentemente renovadas de definir “a grandedivisão”entreestilosdepensamento.PodemosnoslembrardeRedfieldnaênfasedeHorton(1967)sobreafaltadeconsciênciadealternativas,ounadelineaçãodeGellner(1974:158ss.)davisãodenormalidadeedapenetraçãodecláusulasbem-estabelecidasnopensamentotradicional.Noentantoaqui,éclaro,aênfasenãoénocontrasteurbano-ruralpropriamentedito.AobradeGoody(GOODY&WATT,1963;GOODY,1977)contribuiuparadaràconquistadoalfabetismoumlugarmaiscentralnodebate.

[3].Odebatesobreoscontrastesentresociedadeprimitiva-sociedadeurbanaourural-urbanaincluicomentáriosporBenet(1963a),Dewey(1960),Duncan(1957),Fischer(1972),Foster(1953),Gans(1962b),Hauser(1965),Lewis(1951,1965),Lupri(1967),McGee(1964),Miner(1952, 1953),Mintz (1953, 1954),Morris (1968),Pahl (1966, 1967),Paine (1966),Reiss (1955),Sjoberg (1952, 1959, 1964, 1965),Steward(1950),Stewart(1958),Tax(1939,1941)eWheatley(1972).UmtextodeWirth,publicadoapóssuamorte(1964b)tambémérelevante.Oscomentárioscontinuadosaquipodemapenasparcialmentecobrirasquestõessuscitadasnessedebate.

[4].Cf.,p.ex.,otextoCivilizationsasThingsThoughtAbout(REDFIELD,1962:364-375,esp.370).

[5].AindefiniçãodeWirthsobreessepontolevouOscarLewis(1965:496),p.ex.aafirmarque“por‘socialmenteheterogêneo’eletinhaemmente primordialmente grupos étnicos distintos e não diferenças de classe” e Paul Wheatley (1972: 608) a achar que “ele estava maispreocupadocomdiferençasdeclassedoquecomdiversidadeétnica”.

[6].ExatamentecomonanoçãodesociedadeprimitivadeRedfieldessasquestõesnãorecebemmuitaatenção.Quandonaapresentaçãode1947“oschefes,oshomensquedecidemasdisputaseconduzemnaguerra”aparecem,énocontextodeumfestivalsagrado,comênfasenocumprimentodeseudevertradicional.

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[*].Four-Hclubnooriginal–AssociaçãopatrocinadapeloMinistériodaAgriculturanosEstadosUnidosparatreinarjovensemmétodosmaismodernosde cultivo.Os “4hs” são as iniciais dehead (mente)heart (coração)hands (mãos) ehealth (saúde) que seriam aprimoradosatravésdessetreinamento[N.T.].

[7].ParaalgumasdascríticasdoestudodeSjobergcf.Thrupp(1961),Wheatley(1963),Fava(1966),Cox(1969)eBurke(1975).

[8].Paraumtratamentomaiselaboradodourbanismopré-industrialnessesmesmosmoldescf.Trigger(1972).

[9].OparaleloentreabreveformulaçãodeRedfieldeotratamentoclássicodareciprocidadeporMauss(1967)éóbvio.

[10].OcasoespecíficodosiorubaéaindadiscutidoporWheatleyemumartigoseparado(1970).

[11].EssatransformaçãofoidiscutidaemalgumdetalheporAdams(1966:79ss.).

[12]. Devemos talvez ter cuidado ao rotular os primeiros urbanismos como “original” e “derivativo” já que ele pode mudar com novasdescobertas arqueológicas; os assentamentos daMesopotâmia e do Vale do Indo, por exemplo, poderiam ter um antecessor comum (cf.SERVICE,1975:240).

[13].Umaliteraturabastanteextensasobreanoçãodeexcedentesestárelacionadacomesseproblema;cf.,p.ex.,Pearson(1957),Harris(1959),Dalton(1960),Orans(1966),Wheatley(1971:268ss.)eHarvey(1973:216ss.).

[14]. Harvey (1973:206ss.), que desenvolve uma análise marxista estimulante das formas de urbanismo no arcabouço das categorias dePolanyi,tambémcomentasobreessesfatores.Paranovadiscussãodopapeldeambientescircunscritoscf.esp.Carneiro(1970).

[15].Masaliteraturasobreurbanismomedievalé,éclaro,muitoampla.Lopez(1976)eRörig(1971)estãoentreosresumosmaisúteis.

[16].Cf.,p.ex.,Gutnova(1968).

[17].Ocontrasteentreurbanismoocidentaleorientalcontinuoua interessarosacadêmicos.Paradiscussões recentescf.,p.ex.,Murphey(1954),Murvar(1969)eBryanTurner(1974:93ss.).

[18].OcadernoemqueMarxfezessecomentárioestádatadodedez./1857-jan./1858.

[19].Paraasrevisõesporgeógrafosdateoriadolugarcentral,cf.,p.ex.,Berry(1967),BerryeHarris(1968),Johnson(1970)eCarter(1972:69ss.).

[20].OtrabalhopioneiroaquiédeSkinner(1964-1965)sobremercadoseestruturasocialnaChina.Paradesenvolvimentosmaisrecentescf..,p.ex.,CarolA.Smith(1974,1975,1976),Balnton(1976)eOliver-Smith(1977).

[21].Segundoo“modelodemercado”ideal,umcentrodeordeminferiorsecolocariaameiocaminhoentretrêscentrosdeordemsuperiorparaqueoespaçofossecobertocomeficiênciamáxima.Um“modelodetransporte”colocaocentrodeordeminferiorameiocaminhosobreumalinharetaentredoiscentrosdeordemsuperior.Esseéaindaummodeloderelaçõescompetitivas,maseleconectacentrosunsaosoutroscommais facilidadepor estradasou redes ferroviárias.Podemosacrescentar aquique teóricosmais recentesdo lugar central trabalharamcomomodelosmatemáticosmaisflexíveiscomosubstitutosparaageometriadeChristaller.Asrealidadesdeviagemedocomportamentodeconsumidorespodeassimsertratadacommaisfacilidade.

[22].Háoutrocomentáriosobreissoemconexãocomadiscussãodoconceitode“cidadeprimata”nocap.4,nota9.

[23].Paraalgunsescritosrecentesnomesmomoldecf.,p.ex.,CorneliuseTrueblood(1975),Walton(1976a)ePorteseBrowning(1976).Háaqui,éclaro,umareaçãocontraaideiadequecentrosurbanostrazemdesenvolvimentoeconômicoparaseusarredoresrurais.Claramente,àsvezesofazem,àsvezesnão.OartigopioneirodeHoselitz(1955)sobreessaquestãotambémserelacionacomaquiloquefoiditoacimasobremodelos urbanos históricos, parcialmente comparando seus conceitos de cidades “generativas” e “parasíticas” com as cidades“heterogenéticas”e“ortogenéticas”deRedfieldeSinger.

[24].EssavisãoéexpressaporSjoberg(1960:91).

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[25].Pararesenhascríticasdasclassificaçõesdacidadefuncionalporgeógrafos,cf.Smith(1965)eCarter(1972:45ss.).

[26].AsváriasconceituaçõesdessadistinçãosãorevistasporCarter(1972:54ss.).

[27].Southall (1959,1973b) temumaclassificaçãoalternativadesetores–parentescoeétnico;econômicoeocupacional;político;ritualoureligioso;recreativo,detempodelazerouvoluntário.Elacoincideparcialmentecomasugeridaaqui,masparaosobjetivosdeestudourbanopodemosacharqueoesquemadeSouthallobscurecealgumassemelhançasevariaçõesedesconsideratotalmentealgunstiposdeinteração.Alguns papéis políticos e religiosos envolvem aprovisionamento e trabalho: outros podem ser apenas um pouco diferentes dos papéisrecreativos.Asinteraçõesdevizinhançaetráfegotenderamasermaissignificativascomofenômenosrelativamenteautônomosnacidadedoqueemoutroslocais.

[28].Deveserobservadoaquique incluímosnosetordeaprovisionamento tambéminteraçõesdeum tipoanálogoaoconsumodeserviçosmesmoquando aprestaçãopelaqual os recursos sãoobtidos envolve alguma formamaisoumenos clarade controledo “cliente” (p. ex.,juiz/réu,assistentesocial/cliente,policial/pedestre)emvezdeumserviçoestritamentedefinidoequandoos recursosemreconhecimentodaprestaçãosãoatribuídosindiretamente.

[29].É indubitavelmenteprudente trataressecontrasteentrevidasde trabalhoantesedepoisda industrializaçãocomalgumacautelaaindaquesejarazoavelmenteválido;cf.acríticadePleck(1976).

[30].Masháumcorpoextenso,maisoumenosanalítico,detrabalhossobreolazernosquaisnosbasearmosparaatarefa,taiscomoalgumasdascontribuiçõesaovolumeorganizadoporSmigel(1963).

[31].OutrascontribuiçõesdeGoffmanparaoestudodosrelacionamentosdetráfegoserãodiscutidasnocapítulo6.

[32]. A prevalência de estranhos pode mesmo ser considerada como uma característica definidora do urbanismo. Lyn Lofland (1973: 3)chegou perto desse ponto de vista, e Gulick (1963: 447) adota uma abordagem relacionada em sua primeira discussão programática deantropologiaurbana;elepropõequeopontodecorteentrecomunidadesurbanasenãourbanaspoderiasercolocadoondeoshabitantesmaisproeminentesdeumacomunidadeconhecemesãoconhecidospessoalmenteporapenasumaminoriadoshabitantes.

[33]. A perspectiva desenvolvida aqui está inspirada, de uma forma geral, na visão de Barth (1972) sobre a construção de organizaçõessociais.

[34].Noentanto,issonãoprecisaseraconsequência,namedidaemqueaspessoaspodeminteragircomosmesmosoutrosaomesmotempoemquedefinemassituaçõescomodiferentes.

[35].AWorldofStrangers,deLofland(1973),éumacontribuiçãoparaisso.

[36].HáalgunscomentáriossobreesseaspectodavidaurbanaemumtextoporJacobson(1971).

[37].Ébemverdadequeo limiarnoqualo tamanhodapopulaçãoé suficienteparapermitirumacirculaçãoconsideráveldeparceiros emrelacionamentosprecisasermuitoalto,detalformaquenãoháqualquerrelacionamentomuitoprecisoentretalcirculaçãoeurbanismo.Masparece provável que uma população ampla é propícia para isso – parcialmente em virtude das possibilidades crescentes de reduzir comsucessoconexõescomparceirosantigos.

[38].Cf.sobreesseponto tambéma interpretaçãodeRainwater (1966)docultivodeumselfdramáticosobascircunstâncias instáveisdavidasocialentreosafro-americanosdeclassesmaisbaixas.

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4AvistadoCopperbelt

AlémdotrabalhodaprimeiraEscoladeChicago,épossívelquenenhumoutrocomplexolocalizadodeetnografiaurbanapossasecompararaosestudosque,durantealgunsanos,vieramdaÁfricaCentral.Esse grupo de pesquisas foi produto do Instituto Rhodes-Livingstone, estabelecido em 1937 etransformado,emconexãocomaconquistadaindependênciadaZâmbiaem1964,noInstituteforSocialResearchdanovaUniversidadedaZâmbia[1].Emconjunto,elecontinuaaseratéhojeaexcursãomaissignificativa da antropologia social britânica no ambiente urbano. Embora os estudos não ofereçam ariquezadedetalhesdescritivosrelacionadoscomumavariedadedegruposeambientesqueencontramosem seus congêneres da Chicago, eles são importantes também por sua percepção dos problemas demétodo,conceituaçãoeanálise.

Háumavariaçãoconsiderávelnourbanismoafricano,eosantropólogosdoRhodes-Livingstonenãocobriramtodooespectro.Nocapítulo3observamosqueascidadesiorubasdaÁfricaOcidentalforamrecentementeidentificadascomoexpoentesdeumtipourbanoprimordial,ocentrocerimonial.Umpoucoantes,nasdécadasde1950e1960,elasfuncionaramcomocasostesteparaconcepçõesdeurbanismonosmoldesdeWirth[2].Mesmoentão,emIbadan,quesetransformavaemumametrópolecomumapopulaçãodequasemeiomilhãodepessoas(econsideravelmentemaisatualmente),umdecadadoishomensestavaenvolvidocomaagricultura.Eemoutrasgrandescomunidadesiorubas,osnúmerosdocensoindicavamqueentre70%e80%doshomensestavamnessacategoriaocupacional.Seriapossívelchamarumlugarde cidade, mesmo que tenha dezenas de milhares de habitantes, se a maior parte de sua populaçãotrabalhanaterra?Aliás, issotampoucoindicaapresençademuitaheterogeneidadeurbana.Equantoàdiversidadeétnica,quasenãohavianenhumanasagrocidades iorubas.Alémdisso,oparentescoeraoprincípiomais importantesubjacenteàordemsocial,algoque,umavezmais,estáemconflitocomasideiasaceitassobreurbanismo.Ascomunidadestradicionaisconsistiamemgrandepartedecomplexosdegruposde linhagem,cujosmembros,nosassentamentosmaiores,poderiamchegaracentenasouatémesmo milhares de pessoas. As noções dos ioruba sobre os limites da comunidade urbana tambémpareciamestranhas.Elescertamentedistinguiamentrecidadeecampo,erespeitavammuitoaprimeira.Masumcultivadorestabelecidoemumaárea remotaequepassaamaiorpartede suavidaali, ainda“pertence”àcidade (ou,aocontrário, acidadepertenceaele) seeleémembrodeumdosgruposdeparentescocomumcomplexonaquelacidade.Paraobjetivosrituais,políticoseoutroseleétãourbanitaquantoohomemquenãotrabalhanaagricultura,ouquantoaqueleque, todososdias,aovoltardesuafazenda,retornaparadentrodosmurosdacidade.

Dealgumasoutrasmaneiras,ascidadesiorubasseenquadravammaiscomasexpectativasdoteóricourbanoocidental.Havia,afinal,umaquantidadebastanteconsideráveldediferenciaçãosocial.Tinham,

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também,amonarquiasagradaquesimbolizavanãosóaunidadedacomunidadeeexerciaoutrasfunçõespolíticaserituais.Emboraasociedadeiorubatradicionalpraticamentenãotivesseumsistemadeclassesem nenhum sentido estrito, ela tampouco era uma sociedade igualitária e tinha ideias sofisticadas deprecedênciaedeferência.Umnúmerodeespecialidadesartesanaisestavaamão,assimcomoumavidaassociativamuitorica,naformadegruposdeculto,gruposetárioseguildasocupacionais.Emalgumasáreas da vida, poderíamos até encontrar a abordagem instrumental e manipuladora para com outraspessoasquefoiconsideradacaracteristicamenteurbana.Osmercados,localizadosnocentrodamaioriadascomunidadespertodopalácioreal,eramenormes;Bascom(1955)ofereceexemplosdepráticassutisentrecomerciantesegolpistas.ÉpossívelqueWirtheSimmelficassemparticularmentesatisfeitoscomumacaracterísticadosimbolismourbanoioruba:emcadagrandemercado,umtemploseriadedicadoaotrapaceiroEsu,divindadedecruzamentos,comércio,brigase,deummodogeral,daincerteza.

Omodelodocentrocerimonialevitaasanomaliasmaisconspícuasdourbanismoioruba.Oaparatoinstitucional damonarquia sagrada realmente constitui umpontode centricidade social e espacial quenão devemos permitir que seja ocultado pela presença que o rodeia imediatamente de uma camadacompactadapopulaçãocamponesaqueeleorganizou.Eofatodeaspessoaspoderemsercontadascomocidadãosdacomunidadeurbanaindependentementesemoramdentroouforadelafazdacidadeiorubaumaformaintermediáriaentreoassentamentocompactoeacidadedelimitesextensos,ambosostiposrepresentadosentreoscentroscerimoniaisnopassado.

OurbanismoiorubajáexistiaquandoosprimeirosvisitanteseuropeussurgiramnolitoraldaÁfricaOcidentalemuitasdascidadescontinuaramatéopresentecomumformatomaisoumenossemelhante.AÁfrica teve seus centros urbanos tradicionais. Outro deles, Timbuktu, tinha sido o local de um dosprimeirosestudosantropológicosurbanos,quandoHoraceMiner (1953) foi lápara testaras ideiasdeRedfieldsobreocontínuosociedadeprimitiva–sociedadeurbana.Mashaviatambémascidadesmaisfortementeinfluenciadaspelaexpansãoeuropeia.Aclassificaçãomaisconhecidadaspequenasegrandescidades africanas continua sendo a deSouthall (1961: 6ss.), emum simpósiodo InternationalAfricanInstitute que resumiu uma primeira fase dos estudos urbanos nessa parte do mundo. Ele dividiu ascomunidadesemtipoA,cidadeshámuitoestabelecidasedecrescimentolentoetipoB,cidadesnovascomrápidaexpansão[3].Asprimeiraseramdeorigemlocalou,pelomenos, tinhamse integradode talformaàsociedadelocalquehaviaumacontinuidadeconsideráveldeculturaedeestruturasocialentreacidadeeocampo.(EmboraessenãofossepartedovocabuláriodeSouthall,poderíamosdizerqueelaseramos lugarescentraisdesistemas locais.)Algunshabitantespodiamsercultivadores;anãoserporesses,asocupaçõescomerciaiseadministrativaseramdominantes.Umgrupoétnicoafricanopoderiaserdominante,normalmenteaqueleemcujoterritórioacidadeestavalocalizada,comoutrosgruposmenosrepresentados, ou sequer presentes. Provavelmente moradores europeus seriam comparativamentepoucos.A cidade do tipoA era característica daÁfricaOcidental e de partes daÁfricaOriental. OurbanismoiorubaseriaumcasoextremoeTimbuktutambémestarianessacategoria.

AscidadesdotipoBocorriamparticularmentenosulenocentrodaÁfrica.Intimamenteassociadascomopodereuropeu,elaseramtambémosprincipaiscentros industriaisnocontinente.Muitas tinhamcomo base amineração.Havia também uma descontinuidade bastante aguda entre elas e a sociedadeafricanaaseuredor,comascidadesvoltadasparaumsistemaeconômicointernacionalcomrelaçãoas

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suas principais funções.A vida nelas tendia a ser regulamentada um tanto rigorosamente por colonosbrancos dos quais havia números consideráveis. Os habitantes africanos dessas comunidades urbanasmuitasvezesrepresentavamumavariedadedegruposétnicosalgunsdosquaistinhamsuabaseruralbemdistante.

QualquerclassificaçãotãosimplescomoessadecidadesdotipoAedotipoBdeveestarabertaaodebatedealgumaforma.Algumasdasprimeirase todasentreasúltimaseramexemplosdeumpadrãomais ou menos elaborado do urbanismo colonial que se estendia também para fora da África. King(1976:71ss.),emumlivrofascinantesobreacidadecolonialindiana,observaque,dentrodosimpérios,haviaalgumadifusãointercontinentaldeinstituições,formasarquitetônicas,eideiasdeplanejamento[4].É claro, sempre que os europeus e os nativos compartilhavam uma cidade, os fatos da dominaçãoeuropeiatendiamaestarinscritostantonaestruturasocialquantonoambientefísico.Asegregaçãoracialeraquaseuniversal.NaÍndia,oseuropeusestavamnas“civillines”e“acantonamentos”naNigériaem“áreas residenciais do governo”. Certamente esses bairros e suas instituições sempre estavam sob ocontroleestritodogrupodominante,emboranascidadesdotipoAfossepossíveladotarumaatitudemaistranquilacomrelaçãoaoqueocorriana“cidadenativa”naqualessegrupodominanteestavaenxertado.

De outrasmaneiras, os tipos A e B podiam aomesmo tempo sermuito amplos. É provável que,especialmente no caso do tipoA, a variedade classificada comopertencente a essa categoria era pordemaisextensa[5].AlgunsanosapósaformulaçãodeSouthall,acidademodernapequena,administrativaecomercialqueeletinhacolocadonotipoAapenascomoumareflexãoposterior,foidefinidacomoumtipoCseparadoque,maistarde,foidesenvolvidomaiscuidadosamenteporJoanVincent(1974)[6].Essacidadecombinavaumaamplavariedadedeserviçosparaaáreaaseuredor,concentrandoasinstituiçõespormeiodasquaiselaera,políticaeeconomicamente, integradaàsociedademaisamplaemmutação.Embora a discussão de Vincent estivesse baseada no contexto africano oriental, o padrão podia serencontradomaisoumenosdamesmaformatambémemoutraspartesdocontinente[7].

ComoessetipoCfoiumramodotipoA,noentanto,oúltimopassariaaserpoucomaisdoqueumacategoriaresidual, issoé,nãoBenãoC.EissoseriaaindamaisconspícuoàmedidaqueaÁfricaseaproximava da independência.A tipologia tinha, de algumamaneira, sido ultrapassada pelos eventos,quandonovosdesenvolvimentos foramocorrendo emalguns locais antigos e osmecanismos coloniaispara regulamentar o crescimento perderam sua força[8]. Das comunidades do tipo A, algumas seriamagora lugares estagnados comoTimbuktu e algumas das cidades iorubasmenosmovimentadas.Outraseramagoracapitaisdenovasnações,envolvidasemumaexpansãoqueseaceleravacadavezmais,combase no crescimento do comércio, da indústria, da burocracia estatal e especialmente, das grandesesperançasporpartedemigrantes.Esses lugares–Dacar,Abidjan,Lagos– se juntariamaoutrosquetinhamevidentementesidoclassificadosantescomotipoB–Nairobi,LeopoldvillesetransformandoemKinshasa–nosentidodecorresponderemagoraaoutrotiporecorrentedeurbanismoterceiromundista,acidade primaz, que atraía para si uma parte exageradamente grande dos recursos de seus respectivospaísesedeixavaoutroscentrosbemparatrás[9].

Mas não precisamos nos preocupar mais aqui com os problemas da classificação das cidadesafricanas, contanto que possamos colocar os locais da pesquisa urbana dos antropólogos doRhodes-Livingstone no padrão histórico geral. Seu trabalho constituía uma antropologia característica das

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cidades do tipo B, uma espécie de Coketowns coloniais africanas. Embora várias comunidadesestivessemenvolvidas,doiscentrosdemineraçãopassaramaserotemadamaisintensadocumentação:BrokenHill(maistarderenomeadaKabwe)eLuanshya[10].Aprimeira,baseadanamineraçãodozincoedocobre,eramaisantiga,consideradacomoumacomunidademaisestávelemaisdiversificadajáqueera tambémumentroncamento ferroviário importante.Luanshya ficavamaisaonorte,noCopperbelt,etinhasurgidoapenasnadécadade1920.Maselajátinhavivenciadoperíodosdecrescimentosúbitoedequasefalência,assimcomoumsérioconflitoentreogerenciamentodasminaseosmineirosafricanos.

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DestribalizaçãoemBrokenHill

Ainiciativaparaestabeleceruminstitutodepesquisasparaestudossociaiseculturaisnaquiloqueera,nadécadade1930,aÁfricaCentralBritânica,veiodeumgovernadordaRodésiadoNorte,queconseguiu lançar o projeto após vários anos de luta com oEscritórioColonial emLondres. Tanto naInglaterraquantonaRodésiadoNorte,haviaaquelesque,porumlado,consideravamapesquisapuramais ou menos como um luxo e, por outro, suspeitavam que quaisquer sugestões de políticas quepudessemvirdeantropólogos(quecomcertezairiamdesempenharumpapeldominanteemuminstitutodaquele tipo),seriamimpraticáveisouinoportunas.Noentanto,nofinalogovernadorconseguiuimporsuavontade.Oinstitutofoicolocadosobumadiretoriaquetevecomopresidenteoprópriogovernadoreque, além disso, era composta de funcionários públicos coloniais e representantes dos interesses doscolonosbrancos.ComoprimeirodiretorfoinomeadoGodfreyWilson,quevinhadotrabalhodecampo,emumaequipecomsuaesposaMonicaWilson,entreosnyakyusadaÁfricaOriental.

Foi considerado um fato dado por muitos observadores da sociedade rodesiana do norte, econsiderado desejável por outros que, pelo menos em parte, o novo instituto deveria concentrar seuinteresse na vida africana rural mais ou menos tradicional, a fim de fornecer informações úteis aosadministradores. Wilson logo deixou claro, no entanto, que dava grande importância ao estudo dourbanismoedaurbanizaçãoeàsuainfluênciasobreavidarural.Originalmentesuaesperançatinhasidoa fazer seuprimeiroestudodecampourbanonoCopperbelt,mas isso foravetadopelocomissáriodaprovíncia que temia que um antropólogo pudesse fazer comentários contrários aos arranjosadministrativos.Consequentemente,Wilson,emvezdisso,foiparaBrokenHill.AprincipalpublicaçãoresultantefoiAnEssayontheEconomicsofDetribalizationinNorthernRodhesia,publicadoemduaspartes(WILSON,1941,1942).

Naprimeirapartedoestudo,àguisadeintrodução,WilsondelineouasmudançasquetinhamatingidoaÁfricaCentralnasdécadasprecedenteseaspremissasteóricasqueorientavamsuaanálise.Ummododevidaquasequetotalmentecontroladopeloparentescotinhasidotransformadopelaincorporaçãoemumacomunidadeglobal:

uma comunidade em que as relações impessoais são asmais importantes; onde o comércio, a lei e a religiãofazem os homens dependentes de milhões de outros homens que eles nunca conheceram; uma comunidadecompostaderaças,naçõeseclasses;naqualastribos,jánãomaisquasemundosemsimesmas,agoraocupamseu lugar como pequenas unidades administrativas; ummundo da escrita, de conhecimento especializado e dehabilidadestécnicassofisticadas(WILSON,1941:13).

A essa situação Wilson trouxe a noção de equilíbrio que foi fundamental para o funcionalismoantropológico de sua época. O equilíbrio, ele propôs, é o estado natural da sociedade. Seusrelacionamentos, grupos e instituições compõem um sistema equilibrado e coerente. Eles são todosinextricavelmenteconectadosedeterminamunsaosoutros.MasasociedadedaÁfricaCentralaoredorde1940nãoestava,claramente,nessasituação.Mudançastinhamsidointroduzidasempartesdosistema,criando contradições, oposições e um estado de desequilíbrio. Com o passar do tempo, segundo aperspectivadeWilson,o sistema iriaumavezmaisdeslocar-separao equilíbrio e as tensões seriamsolucionadas. Exatamente que tipo de equilíbrio seria alcançado, no entanto, era uma questão emaberto[11].

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Umaforçaimportanteparaodesequilíbriofoiobviamenteaintroduçãodeumaeconomiaindustrialcombaseurbanaemumasociedaderuraldesimplesagriculturaeesseeraofocosubstantivodoensaio.Suaprimeiraparte lidavacomas inter-relaçõesurbano-ruraiscriadasemparticularpela imigraçãodemãodeobra;asegundaparteestavavoltadaparaavidanaprópriacidade.

Àépocadoestudo,BrokenHilltinhaumapopulaçãodecercade17milpessoas,eaproximadamenteum décimo delas era europeu. Como no Copperbelt, o padrão de assentamento estava diretamenterelacionadocomaorganizaçãodaeconomiadominadapeloseuropeuseissoregulamentavaahabitaçãoafricana.Aminaeaferroviatinham,cadaumadelas,acomodaçõesdestinadasaseusempregados.Outroseuropeus–empresasoupessoasfísicas–queempregavamafricanosemumaescalamenorpodiamalugaracomodaçõesnapartedacidadecontroladapelomunicípio,ondeosprópriosafricanospodiamtambémalugarquartos.Aacomodaçãourbanaparaafricanoseralimitada,noentanto,e,portanto,abarrotada.ApremissabásicadapolíticaurbananaÁfricaCentralcolonialeraqueapopulaçãodacidadeafricanaeracompostaapenasde residentes temporários, trabalhadoresdo sexomasculinoemboa forma físicaquedeixavamtodosouamaioriadeseusdependentesnaaldeiaquandopartiamparaoscentrosurbanosondeeles próprios só passariam períodos curtos de suas vidas. Assim a habitação normalmente não eraplanejadaparamaisdoque,quandomuito,ummaridoeumaesposacomumaouduascriançaspequenas,emumúnicoquarto.Ossalários,easraçõesdecomidaqueamaiorpartedascorporaçõesemitiaparaseus trabalhadores tampouco eram suficientes para um domicílio completo. Broken Hill na verdadepermitiaàpartedesuapopulaçãoafricanaumavidadomésticaumpoucomaisnormaldoquefaziamascidadesdoCopperbelt, jáqueumnúmerode lotesde terrenotinhasidodistribuídoparaafricanosquepodiamconstruir suaprópria casanelese complementar suas raçõescomalgumcultivo.Essapolíticatinha evidentemente sido introduzida para competir com as comunidades do Copperbelt em que ossalárioserammaisaltos.

As pessoas não permaneciam nas aldeias exatamente de acordo com a intenção do governo e dasempresas,noentanto.Nosprimeirosanosdaindustrializaçãoopadrãoderesidênciatemporáriaincluídonas vidas rurais pode ter sido dominante; mas já à época do estudo deWilson uma grande parte dapopulaçãourbanapassavaamaiorpartedesuavidanacidadeenãonocampoe,emborapraticamenteametadedapopulação africanadeBrokenHill fosse composta dehomens adultos,muitos deles tinhamfamílias maiores do que aquelas para as quais a acomodação, os salários ou as rações tinham sidoplanejados.Seamãodeobraafricanaaindapareciainstável,issoeraparcialmentedevidoàsmudançasdeempregosnascidadeseaosmovimentosentrecentrosurbanosdiferentes.

Essa situação também tinha efeitos conspícuos na vida do campo. Grandes áreas perdiam grandeparte de sua população, especialmente homens em seus anos melhores, e não podiam manter suaagriculturaemumnívelsatisfatório.AudreyRichards (1939)outropioneironaantropologiadaÁfricaCentral já tinhaassinaladoaprevalênciadefomeentreosbemba,cujosmigrantescompunhamgrandesnúmerosdapopulaçãonasnovascomunidadesurbanas.Comoosmigrantes sóenviavamrelativamentepequenasporçõesde seusganhosurbanospara seus lares rurais – amaiorpartena formadebensdeconsumo – a perda da força de trabalho não era compensada adequadamente. A situação era menosfavorávelparaasáreasmaisdistantesparaasquaisosmigrantestinhammenoroportunidadederetornarcom qualquer regularidade. Essas áreas tampouco se beneficiavam dos mercados para produtos

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oferecidospeloscentrosurbanos.Masdequalquerforma,esseseramdeimportâncialimitada,jáqueasfazendasquepertenciamaoseuropeustinhamquaseomonopóliototaldoabastecimentodealimentosemgrandeescalaparaascidades.

Um equilíbrio de relações urbano-rurais, propôs Wilson, poderia ser alcançado permitindo-se aestabilizaçãodapopulaçãourbanaafricanatantodaforçadetrabalhoquantodeseusdependentes.Issoenvolveria não só fazer com que as condições de vida nas áreas urbanas fossemmais seguras, mas,criando assimumagrandepopulaçãourbana, seria possível esperar que comoconsequência ocorreriaumarevoluçãoagrícolanasáreasruraisparaalimentarascidades.Noentanto,oquesevêéquealacunaentreatecnologiaagrícolaeaindustrialfoiumingredientedegrandeimportânciaparaodesequilíbrionaÁfricaCentral.

Na segunda parte de seu ensaio, dedicado mais estritamente à própria vida na cidade, Wilsonestabeleceu uma distinção entre relacionamentos impessoais, ou de uma maneira um tanto imprecisa,relacionamentos“comerciais”e“oscírculospessoalmenteorganizadosdevidadoméstica,deparentescoe de amizades”.Ele não levoumuito à frente a conceituaçãodoprimeiro em termos interacionais, noentanto,detalformaqueéemgrandepartesóindiretamente,pormeiodeumaexplicaçãodosgastosdosafricanos, que percebemos algumas facetas da ordem socialmais ampla.Uma ênfase importante foi àimportânciadavestimenta–“osafricanosemBrokenHillnãosãopessoasdegado,pessoasdebodes,pessoasdepeixes,nempessoasdecortarárvores,elessãopessoasvestidas”(WILSON,1942:18).Uns60%dosganhosemdinheirodosafricanos,avaliouWilson,sãogastoscomroupa.Eraverdadequeosusosinstrumentaisdetaispossessõesnãodevemserignorados.Quandoaspessoasvãovisitarsuasáreasruraisdeorigem,elaslevamroupascomopresentesparaseusparentesecomissomantêmsuaposiçãonascomunidadesdasquais,emúltimocaso,dependiamparasuasegurança.Roupastambémpodemserusadas em intercâmbios com outros moradores da cidade, para obter necessidades como comida eacomodação se a pessoa ficou desempregada. Alguns tipos de roupa adquiridos pelos urbanitas deBrokenHillnãoeramusadosesimguardados,àsvezesatémesmonalojaondetinhamsidocomprados.Noentanto, opontoprincipal continua a ser que roupasnamoda assinalavamum lugar no sistemadestatus“civilizado”urbano.Wilsonconsiderouamaneiradesevestircomoamaneiramaisóbviapelaqual os africanos na cidade podiam emular um estilo de vida europeu cheio de prestígio. Não haviapossibilidadedeadquirirumacasaeuropeia.Móveiseramdifíceisdedeslocarparaumpovonômade.Umpaletónovoouumvestido,poroutrolado,poderiaserexibidoemumpasseiopelacidade,emumavisita, ou emumclubede dançaque era frequentadoparticularmente por aqueles comuma exposiçãomaiordoqueacomumàsmaneiraseuropeias.Essesclubesmerecerammençãoespecialcomoumaarenaem que os moradores da cidade mediam a sofisticação um do outro. Clubes de cidades diferentescompetiam entre si. Preferivelmente as pessoas teriam visitantes europeus nas danças, para dar umreconhecimento implícito das conquistas dos participantes.Mas os europeus geralmente pareciamnãoligarmuitoparaosafricanosquereivindicavamstatusnosdialetosdaculturaeuropeia.Adescortesiadosbrancosparacomosafricanospareciaaumentarquantomais“civilizado”essesúltimosparecessemser.

Quanto aos outros padrões de consumo emBrokenHill,Wilson uma vezmais observou com querapidezaeconomiadeumdomicílioiriadeteriorarcomaadiçãodeoutrosmembrossemnenhumafonte

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derenda,jáqueossalárioseasraçõesnãoeramcalculadosparacobri-los.Nocasodacomidatambém,haviaalgumatendênciaaatribuirprestígioaitensdeestiloeuropeu,taiscomoopãobranco.Acervejaafricana,poroutrolado,continuavaaserpopular.Eemboraoficialmenteosalãomunicipaldecervejasupostamentedesfrutassedeummonopólio,afabricaçãodecervejadomiciliareramuitogeneralizada,principalmenteparaconsumoprivado.Aspessoasestavamacostumadasabeberemcasa,comamigoseparentesjáqueosalãodecervejaestavalocalizadoemumaáreaquenãoeraconvenienteparamuitosdeleseseuprodutoeraumtantofraco.Alémdisso,asmulheresnacidade,privadasdemuitasdesuastarefasrurais(oulibertadasdelas)tinhamtempobastanteparafabricarcerveja.

Praticamente a maior parte da discussão de relacionamentos pessoais foi dedicada a umaconsideraçãodocasamentoafricanourbano.Paraosafricanosdacidadeaindanãohaviaumaformadecasamento civil “moderno” oficialmente reconhecida; as autoridades coloniais afirmavam que o“costumenativo”tambémregulamentavaocasamentonasáreasurbanas.Wilsonmostrou,noentanto,querelacionamentosconjugaisdostiposruraistradicionaisnãoseencaixavammuitobemnamatrizurbanaderelacionamentos.O processo extenso pelo qual um casamento era estabelecido na aldeia, envolvendolaçoseconômicoscontínuoscomparentes,tendiaasersubstituídoporumauniãoestabelecidadeformamaisrápidaeconsideravelmentemaisautônoma.Osparentespoderiamestaracentenasdequilômetrosdedistância, emesmoqueestivemrepresentadosnaprópriacidade tinham importância limitadacomoparceirosnonegóciodeobterummeiodevida,umavezqueapessoativesseentradonaesferaurbanadecomércioeindústria.

Em parte em virtude da desproporção de números com relação aos gêneros na cidade, Wilsonconcluiuqueo casamento tambémeramenos estáveldoquenas áreas rurais.Havia alguma tendênciapara que relativamente poucasmulheres circulassem entre os homens e assim,muitas das pessoas dacidade estavam em suas segundas ou terceiras uniões.Uma proporção bastante grande dessas últimasuniõeserainterétnicas.Eratambémdeseesperarqueaprostituiçãofosseprosperarnessascondições,emboranemtodaamulherafricanasolteiraemBrokenHillfosseprostituta,comooseuropeusnacidadetendiam a acreditar, e algumas uniões passavam da prostituição pela concubinagem até um casamentoestável.

Wilson teve relativamente pouco a dizer sobre outros vínculos pessoais. Mencionou que váriasfamílias tinhao costumede se reunir para as refeições, normalmentenabasedaproximidade.Nessesgruposquecomiamjuntoseramnormalmenteoshomensquetinhamvínculosmaispróximosunscomosoutros, e suas esposas apenas os acompanhavam. A maior parte das pessoas da mesma tribocompartilhavamrefeiçõesdessamaneira.Aafiliaçãoétnicaedevizinhançamuitasvezescoincidia, jáque algumas casas eram atribuídas com base nessa última e em outros casos as pessoas buscavamacomodações perto de seus compatriotas étnicos. Como outro componente econômico emrelacionamentospessoais,Wilsonmencionouumaformasimplesdearranjonormalmenteencontradoemsociedadesemquefacilidadesmaisformaisdeeconomizarestavamausentes:amigosserevezavamemobter uma porção maior de seus ganhos combinados, de tal forma que, em vez de desperdiçar seudinheiro em compras pequenas, eles teriam uma chance, ocasionalmente, de obter alguma coisamaissubstancial. O que ocorria em Broken Hill era aparentemente em uma escala menor do que as“associações de crédito rotativo” de muitas partes do mundo, descritas com tanta frequência, mas o

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princípioeraomesmo.

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MaxGluckmaneaEscoladeManchester

Em um pequeno livro publicado alguns anos após a pesquisa de Broken Hill, Godfrey eMonicaWilson (1945)desenvolveramaindamaisomododeanálisedemudança social esboçadono trabalhoanterior com base em uma quantidade maior de dados antropológicos da África Central. A ideia doequilíbriocontinuounocentrodesuaatenção;aoexpressargrandepartedesuadiscussãoemtermosdeumconceitodeescalaecontrastandosociedadesempequenaescalacomaquelasemgrandeescala,osWilson sugeriram algumas formulações bastante paralelas à distinção sociedade primitiva-sociedadeurbanadeWirtheRedfield.Masépossívelquenãotenhamosmuitosmotivosparanosaprofundarmosnissoaqui.

OestudodeBrokenHillacabousendooprimeiroeoúltimoestudourbanoqueGodfreyWilsoniriaconduzirsobaégidedoInstitutoRhodes-Livingstone.Oimpérioagoraestavaemguerraelhefoideixadobemclaroquenãoeradesejávelqueele,umobjetordeconsciência,estivesseenvolvidomuitodepertocom os súditos coloniais. Com isso,Wilson pediu demissão do instituto (e morreu alguns anosmaistarde).Opostodediretorfoientãoocupado,aprincípioapenasinterinamente,pelosegundoantropólogodoinstituto,MaxGluckman.

Gluckman, um sul-africano que tinha vindo para a antropologia após alguma formação em direito,tevesuaantropologiadiretamentedeOxford,umaantropologiafundamentalmenteestrutural-funcionalistacomênfasesdurkheimianas.Foitambémumaespéciedeteóricodoequilíbrio[12].Noentanto,tinhamaissimpatia pelos pontos de vista históricos do que alguns de seus contemporâneos e, ao criticar ofuncionalismo antropológico anterior, enfatizou a significância do conflito na vida social. Nisso eleafirmouqueMarxera sua fontede inspiração.Comomuitasvezes lidavacomamaneirapelaqualosalinhamentos situacionais em conflitos diferentes se cruzam e, com isso, restringem a ação em cadaconflitoseparado,épossívelargumentarquesuavisãodeconflitotinhatambémbastanteemcomumcomSimmel.

OamploalcancedavisãodeGodfreyWilsondasociedadedaÁfricaCentraleseulugarnomundofoi,demaneirasimportantes,compartilhadaporGluckman.Emumadesuaspublicaçõesenquantodiretordo Instituto Rhodes-Livingstone, uma resenha crítica da análise institucional um tanto simplista de“contatocultural”feitaporMalinowski,eleinsistiuqueasociedadecolonialafricanatinhadeservistacomo um “único campo social” incluindo tudo, desde a vida da aldeia aparentemente tradicionalpassandopelachefaturaeoficiaisdistritaiseuropeuseascondiçõesdavidanoscentrosdemineraçãodeourodaÁfricadoSul,eelecontinuouainsistirsobreestepontoemoutrosescritos.Gluckmantambémchamou a atenção para similaridades no processo de industrialização emigração damão de obra naEuropadoséculoXIXenaÁfricaCentraledoSuldoséculoXX(GLUCKMAN,1963a:207ss.).

Comoomundoestavasaindodaguerraeeradeseesperarquevoltasseaumestadodenormalidade,Gluckman(1945)propôsumplanodepesquisadeseteanosparaoinstitutobaseadonessaperspectiva.Era,observouele,“oprimeiroplanodesse tiponoImpérioBritânico”;e tambémcitouumcolegaquetinha sugerido que o projeto proposto era “omaior evento na história da antropologia social desde aexpediçãodeTorresStraitsdeRivers”.Aintençãoeracobrirosprincipaisdesenvolvimentossociaisna

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região, apresentar amaior quantidade possível demateriais comparativos sobre a organização socialtanto nativa quanto moderna e lidar com os problemas sociais mais importantes que confrontavam ogovernodoterritório.Issosignificavaainclusãodasociedadeurbanaetambémdasociedaderural;degruposafricanosdeváriasculturastradicionais;deáreasruraisinfluenciadasdeformasdiferentespelamigraçãodamãodeobraepelaexpansãodeváriostiposdeeconomiasfiduciáriaslocais;edecidadesde bases econômicas diferentes. Havia, também na África Central, comunidades urbanas menosenvolvidascomaindústriacomoBrokenHilleascomunidadesdoCopperbelt.Deveríamostentarcobrirfamíliaeparentesco,economia,política,direitoereligiãoe(deumamaneiraumpoucovaga)europeus,indianoseoutrosgruposdeveriamser“considerados”napesquisa.

Esseprogramaextremamente ambiciosonunca foi completado totalmente, enaverdademal estavacomeçando quando Gluckman deixou a diretoria do Instituto Rhodes-Livingstone. Mas enquanto aassociação deGodfreyWilson com o instituto foi comparativamente curta, a deGluckman acabou seestendendoparamaisalémdosanosemqueeleeradiretor.TendovoltadoparaOxfordem1947,unsdois anosmais tarde assumiu umnovo professorado naUniversidade deManchester e dali emdianteexistiu um relacionamento especial entre o instituto e o departamento de antropologia daquelauniversidade.DoisdossucessoresdeGluckmancomodiretoresdoinstituto–ElizabethColsoneClydeMitchell–eumnúmeroconsideráveldaquelesqueduranteváriosperíodosconduzirampesquisassobopatrocíniodoinstitutotambémestiveram,emummomentoououtro,conectadoscomodepartamentonaUniversidade deManchester. Esses incluíram JohnBarnes, IanCunnison,Victor Turner,A.L. Epstein,WilliamWatson,M.G.Marwick, JaapvanVelsen,NormanLongeBruceKapferer, todoscontribuindocommonografiasetambémoutraspublicaçõesparaomapeamentodavidanaÁfricaCentral.Emboraosmembros do grupo certamente tivessem suas ênfases individuais e tivessem ido emumavariedade dedireçõesemsuascarreiras intelectuaisposteriores, seusanosde interação tiveramcomo resultadoumcorpo coerente de método e análises que evoluiu continuamente e que uniu estudos rurais e estudosurbanos.Se,emseualcance,oplanodeseteanosdeGluckmanpodenosremeteraotextodeRobertParkde1915sobreacidade,apresentandoumprogramadepesquisadaChicago,osprefáciosdeGluckmanparaváriasdasmonografiassobreaÁfricaCentral,sublinhandoamaneiracomoelascontribuíramparao trabalho do grupo como um todo, poderiam também ser um paralelo para a função semelhantedesempenhadapelos prefácios dePark paramuitos dos estudos daChicago.Para alguns dos volumesposteriores Clyde Mitchell assumiu uma tarefa semelhante. Saindo da diretoria do instituto para apresidênciadosEstudosAfricanosnaUniversityCollegeofRhodesiaeNyasaland,Mitchellporumcertoperíodo vinculou ainda outro instituto àquela rede, antes de ir, ele próprio, para Manchester. Tantoorganizacionalquanto intelectualmente,ospesquisadoresdaÁfricaCentral formaramonúcleodaquiloqueficouconhecidonacomunidademundialdeantropólogoscomoa“EscoladeManchester”.

IremosemgrandeparteignorarosestudosruraisdoRhodes-Livingstoneaqui,mesmoqueacidadepossaservistanohorizonteemváriosdeles.Comooplanodeseteanosindicou,porexemplo,osefeitosnaseconomiasruraisdamigração,discutidaporWilsonnoestudodeBrokenHill,seriaminvestigadosmais à frente. Pelo que parece, em comunidades com tecnologia agrícola e organização familiardiferentes, as consequências podiam sermenosprejudiciais doque foramno casodos bembaque eletinhadescrito(cf.WATSON,1958;VANVELSEN,1961).Aolidarcomorelatoeaconceituaçãodavidaurbana propriamente dita, também deixaremos de lado tanto quanto possível a preocupação com o

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processomigratório e coma noção de estabilização urbana, emque, especialmenteMitchell, retomoualgunsdosproblemasobservadosporGodfreyWilson[13].

Os estudos rurais do período pós-guerra começaram um pouco antes,mas a partir do começo dadécadade1950,umesforçoconsiderávelfoi,umavezmais,dedicadoaoestudodascidadesmodernasdaRodésiadoNorte,comresultadosquecobriramaproximadamenteoperíododedezanosqueseseguiue que serão analisados aqui. No próximo capítulo, a contribuição um tanto tardia da Escola deManchesterparaodesenvolvimentodaanálisederedeserámencionada.EdevemosestarconscientesdequenovaspublicaçõesbaseadasnapesquisadogruponaÁfricaCentralcontinuamasurgir,emborahojeem um fluxo relativamente lento, à medida que membros individuais continuam a trabalhar com osmateriaiscoletadosemanosanteriores.

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Estudosdecasomaisestendidos,análisesituacionaleadançakalela

WilsonnãofoimuitoclarocomrelaçãoaosmétodosdecoletadedadosnoestudodeBrokenHill.Além de algum trabalho do tipo de levantamento, suas interpretações parecem baseadas em umaobservaçãorelativamenteneutraenãoemumenvolvimentointensonavidadoshabitantesdascidadesafricanas. Seus sucessores na pesquisa urbana do Rhodes-Livingstone tiveram um interesse maisconsciente em questões de método e tanto seu repertório metodológico quanto o alcance de seusinteressessubstantivosforambemamplos.Comoelesrealizaramlevantamentossociaisdegrandeescala,os dados quantitativos quedeles resultarampossibilitaram, por exemplo, ampliar o trabalhodogruposobre o casamento e o divórcio naÁfrica Central no contexto urbano (cf.MITCHELL, 1957, 1961).Aliás, isso lançou alguma dúvida sobre a noção deWilson de que o divórcio eramais frequente nacidade, já que ele era bastante comum nas comunidades rurais matrilineares. Os pesquisadores doinstitutotambémseconectaramcomointeressecrescente,nasociologiacomparativa,pelaclassificaçãosegundooprestígiodeocupaçõesemváriassociedades(MITCHELL&EPSTEIN,1959;MITCHELL,1966a). Mas havia também uma disposição para a análise qualitativa de manifestações culturaisespecíficas. Epstein (1959) descreveu a gíria urbana emergente no Copperbelt de uma maneira quedemonstravaqueumnovomeiodevidaestavanascendo(e,poderíamosdizer,produziuevidênciadosprocessos culturais de um urbanismo heterogenético). Mitchell (1956a) desenvolveu uma ideia daestruturasocialurbanadoCopperbeltatravésdoestudodeumadançapopular,aKalela.

Esse último estudo pode ser considerado no contexto do trabalho geral inovador da Escola deManchesternoformatodeapresentaçãodeanálises[14].Otipopredominantederelatodaestruturasocialna antropologia social britânica tinha por algum tempo sido estático, morfológico, e extremamenteabstraídodavidareal.Gluckmaneaspessoasquecomeletrabalhavamcomeçaramausarmateriaisdecasosmaisextensoscomoparteintegraldesuasanálises,nãoapenascomoilustrações,masparafornecerao leitor uma oportunidade maior de analisar cuidadosamente suas interpretações e talvez sugeriralternativas.Usando“casos”deumaformaoudeoutrapodetersidonaturalparaalgunsdelesporrazõespessoais – Gluckman e Epstein tinham tido uma formação em direito, Mitchell tinha experiência emassistência social[15]. Mas eles também tinham motivos intelectuais e situacionais para seu uso maisexplícito de materiais de casos. Embora tendessem a ser reformistas e não revolucionários em suasideias de como a estrutura social deveria ser analisada, esses autores achavam que dentro de umarcabouçoestruturalduradouro,outrascaracterísticasdavidasocialemergiampormeiodesequênciasmaisoumenoscomplexasde interaçãoemqueos indivíduos, até certoponto,podiamexercer algumaescolha.EmseusestudosdassociedadesumtantomaistradicionaisdaÁfricaCentral,Mitchell(1956b)fez uso extensivamente demateriais de casos em suamonografia sobre os yao, Turner (1957) na suasobre os ndembu e Van Velsen (1964) na sua sobre os Lakeside Tonga. Em estudos lidando maisdiretamente com a situação colonial ou com a vida nas cidades industriais, a dificuldade de dar aimportância devida a sua natureza múltipla e contraditória com os modos de descrição e de análiseconvencionaistendiaaseraindamaisóbvia.

Há,noentanto,duas tendências relativamentedistintasaseremencontradasnousodemateriaisdecasonotrabalhodogrupo.Umadelasenvolveumfocobastanterestritoemumúnicoevento,claramente

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demarcadonotempoenoespaço.OprimeiroexemplodesseusofoiaAnalysisofaSocialSituationinModernZululand(1940)deGluckman,quetevecomobaseotrabalhodecamporealizadonaÁfricadoSul antes de ele entrar para o Instituto Rhodes-Livingstone. Aqui Gluckman começa descrevendo acerimônia da inauguração de uma ponte em Zululand, desempenhada por um funcionário branco deprimeiroescalão.Discutindoaspessoasqueassistiamàcerimôniaeseusvárioselementos,elepôdeusaradescriçãodessasituaçãocomoumpontodepartidaparaumaanálisesocialehistóricamaisampladasociedade da Zululand. A ideia, então, é encontrar um caso que pudesse servir como um dispositivodidático, iluminando de umamaneira peculiarmente eficaz os traços discrepantes que fazem parte daconstrução de uma ordem social complexa e normalmente bastante opaca. A técnica parece bastantesimilaraousofeitoporCliffordGeertzemTheSocialHistoryofanIndonesianTown(1965:154),deuma eleição em uma aldeia como um documento “uma realização única, individual, peculiarmenteeloquente–umepítome”,deumpadrãoabrangentedavidasocial.

Aoutratendênciaétalvezmaisradicalemsuaimplicaçãoteórica,jáqueelaenvolve,maisoumenosclaramente, uma visão processual em vez de uma visãomorfológica das relações sociais. Esse é umestudodecasoestendido,envolvendoalgumassériesdeeventos,estendendo-seporalgumtempoetalveznemtodosocorrendonomesmoespaçofísico.Éoanalistaque,vendoque,juntos,elesconstituemumahistória,osextraicomoumaunidadedofluxoinfinitodavida.Aquipodemosdiscernircomoumconjuntode relações é formado por meio do impacto cumulativo de vários incidentes, à medida que osparticipantes navegam por uma sociedade em que os princípios de conduta podem ser, em parteconflitivoseambíguos.

SeguindoduasdiscussõesdeVanVelsen(1964:xxiii;1967),particularmenteaúltimaformadeusodemateriaisde casos,o “estudodecasoestendido”e a “análise situacional” foram igualmenteusadoscomotermosparaessaforma. Issopareceumpouco infeliz,pois, tendoemvistao títulodoestudodaZululanddeGluckman,seriarazoávelreservarotermo“análisesituacional”paraotipodeinterpretaçãodaqualaqueleestudoéumparadigma–deumúnicoeventodesignificânciasocialresumidaeumtantonaturalmentedemarcado.Seja lá como for, énessemodeloqueTheKalelaDance foi baseado.ComoMitchell(1956a:1)descreveuseupróprioprocedimento,

ComeceicomumadescriçãodadançakalelaedepoisrelacioneiascaracterísticaspredominantesdadançacomosistemaderelacionamentosentreosafricanosdoCopperbelt.Afimdefazer isso tivede levaremconta,atécerto ponto, o sistema geral de relacionamentos entre negros e brancos naRodésia doNorte. Trabalhando dedentro para fora a partir de uma situação social específica noCopperbelt todo o tecido social do território foicaptado.Sóquandoesseprocessofoiseguidoatéumaconclusãoéquepodemosretornarparaadançaeapreciarplenamentesuasignificância.

MitchellviuaKalelaapresentadaváriasvezesporumgrupodopovobisaemLuanshya.Aequipetinha cerca de vinte membros, principalmente homens com vinte e poucos anos, operários outrabalhadoresemoutrasocupaçõesrelativamentenãoqualificadas,eseapresentavaemumlocalpúbliconacidadenastardesdedomingo,diantedeumpúblicoetnicamenteheterogêneo,masnormalmentesódeafricanos.Amaioria doshomensusava camisetas bem-cuidadas, calças cinzabem-passadas e sapatosbem-engraxados.Ummembroestavavestidocomo“médico”comumjalecobrancoquetinhaumacruzvermelhanafrente:suapresençatinhacomoobjetivoencorajarosdançarinos.Uma“enfermeira”,aúnicamulher no grupo e também vestida de branco, carregava um espelho e um lenço que levava até os

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dançarinosparapermitirquesemantivessemlimpos.Alémdostambores,adançaeraacompanhadaporcanções compostas pelo líder da equipe. Algumas das canções chamavam a atenção do público (eparticularmentedasmulheresnele)paraaspersonalidadesatraentesdosdançarinos.Outrastratavamdeváriascaracterísticasdavidanacidade.Amaioria,noentanto,erarelacionadacomadiversidadeétnica,elogiando as virtudes da própria tribo dos dançarinos e a beleza de sua terra natal, mas tambémridicularizandooutrosgruposeseuscostumes.

Na visão de Mitchell, o grupo da Kalela e sua apresentação lançavam luz sobre a natureza do“tribalismo”comoesteocorriasobcircunstânciasurbanas.Aquiestavaumgrupodepessoasrecrutadascombase em sua etnia – à exceçãodeumúnicomembrongoni – e no entanto suadançanãopoderiaexatamenteserchamadade“tribal”,nosentidodeterseoriginadodomododevidaantigodosbisa.Ainclusão de tais funções comomédico e enfermeira caracterizavam a Kalela como um tipo de dançainspiradapelocontatocomoseuropeusgeneralizadonaÁfricaorientaleCentralnaprimeirametadedoséculoXX[16].Emsuapreocupaçãogeralcomumaaparênciaelegante,osparticipantesmostravamsuaadesão às ideias de prestígio de orientação europeia que tinhamos urbanitas daÁfricaCentral e queGodfreyWilsonjátinhaencontradonospadrõesdevestimentasemBrokenHill.Portanto,issopoderiaser um tema na análise de Mitchell; ele poderia tecer aqui a descoberta paralela dos estudos declassificação ocupacional, mostrando que maior prestígio estava relacionado com empregos queenvolviam um grau maior de técnicas de um tipo “europeu”. Os operários na equipe pareciam estarfazendo uma declaração simbólica de identificação com o modo de vida mais “civilizado” dostrabalhadores de colarinho branco.A dança não era usada, observou ele, para expressar antagonismoparacomoseuropeusoupararidicularizá-losimitandoseucomportamento.

A cultura tribal e a estrutura social tradicionais estavam dando lugar aos valores e exigênciasorganizacionaisdacomunidademineira.Masaideiadatribo,outalvezmaisexatamente,dastribosnoplural,aindaestavamuitoenvolvidanadançaKalela.AexperiênciaurbanademigrantesparaascidadesdoCopperbelt envolviamisturar-se com estranhos demuitas origens étnicas e descobrirmaneiras delidarcomeles.Issopodiaserumapercepçãomaisimediatadoqueaqueladosistemadeprestígiourbanoaoqualosrecém-chegadoscomeçavamareagirmaisgradativamente.Acategorizaçãodeestrangeiroseconhecidosportriboeraumamaneiradetornarseucomportamentomaiscompreensíveleprevisívelederegulamentarotipodeinteraçãoqueapessoateriacomeles.Algunsgrupos,éclaro,játinhamestadoemcontato.Noscasosemquepovostinhampreviamenteestadoemconflitounscomosoutros,masagoraestavam obrigados a lidar uns com os outros na vida urbana cotidiana, eles tendiam a desenvolverrelacionamentosinterétnicosdebrincadeira.ÀmedidaqueMitchelldesenvolveuumaescaladedistânciasocialdeacordocomavidaafricana,eledescobriuqueaspessoasestavammaisdispostasapermitirrelacionamentos relativamente íntimos com membros de grupos cujos modos de vida fossemculturalmentesemelhantesaosseuspróprios,ouquepelomenoslheseramrelativamentefamiliares.Nocasodepovosmaisdistanteselespoderiamserincapazesdefazerdiscriminaçõesmaissutisentregrupossemelhantes. Para um chewa do leste, os bisa ou aushi ou outros povos do norte poderiam ser todosbemba.Algunspovostambémmostraramterummaiorgrauabsolutodeaceitabilidadedoqueoutros,ealguns, um graumenor. Os primeiros eram particularmente os grupos que na confusão da história daÁfricaCentral tinhamganhadoa reputaçãodevalentiamilitar,comoosngoni,osndebeleeosbemba.Alguns dos grupos ocidentais, das áreas que se limitam comAngola, tais como os luvale, tinham um

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baixoníveldeaceitabilidade.Omotivoaparenteeraquenasáreasurbanaselestinhamtidoatendênciade se aglomerar emocupações inferiores e desprezadas, tais comoa remoçãonoturnade detritos dosesgotos[17].

Assim,MitchellpôdevoltarparaosdançarinosKalela.Astribosnascidadesnovasnãofuncionavamcomogruposcoesoscomobjetivoscompartilhadoseumaorganização formalabrangente.Equipes taiscomoosjovensbisaquedançavamaKalela,quetinhamparalelosemoutrosgruposeram,naverdade,asexpressões mais organizadas de etnia no Copperbelt. Mas essas danças eram significativas comoafirmaçõessobreoencontrointerétniconascidades,sobreanecessidadedesaber,avaliarelidarcomaspessoas em termosde sua identidade étnica.A ridicularizaçãodeoutras tribosnas cançõesdaKalelapodiaserconsideradacomoumtipodedeclaraçãounilateraldeumrelacionamentodebrincadeiraporparte dos bisa e parecia ser compreendida como tal pelos espectadores. A necessidade urbana decategorizaraspessoas,concluiuMitchell,citandoWirth,eraoque“tribalismo”significavanacidadedoCopperbelt.

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Vinteecincoanosdepolíticaluanshya

OlivroPoliticsinanUrbanAfricanCommunity(1958)deEpsteintambémfoibaseadonosluanshyaeadotoulinhasdeanálisequeMitchelltinhamencionadoemseuestudodaKalela.

Aquiosluanshyacomocomunidadeforamapresentadosmaisdetalhadamente.Naverdade,eramduascidadesemuma–acidadezinhamineira,desenvolvidaaoredordaminadecobreRoanAntelopequeeraa raison d’être da cidade como um todo, e o município menor que tinha crescido a seu lado[18]. Acidadezinha mineira era uma cidade empresarial do tipo mais puro, onde a administração da minaoferecianãosóempregos,mastambémhabitaçãoeinstalaçõesparaasaúde,arecreaçãoeobem-estarde seus empregados. Durante muito tempo, como no caso de Broken Hill, ela tinha também emitidoraçõesparaseusoperáriosafricanos.Osafricanosnessacidademineiraestavam,emtodososaspectosdesuasvidas,sobocontroledogerentedosfuncionáriosafricanosque,éclaro,eraumeuropeu.ComodisseEpstein,acidademineiratinhaumaestruturaunitária.Omunicípio,poroutrolado,eraatomístico,comumavariedade de escritórios e empresas, embora empreendimentos africanos continuassem a sermuito restritos até os primeiros anos da década de 1950. Tanto a cidademineira quanto omunicípiotambémestavamdivididosporumasegmentaçãoracial,comoscomponentesbrancos–dosquaisEpsteinnão tratou – sendo muito menores, mas consideravelmente mais ricos. O aparato administrativo dogovernocolonialdaRodésiadoNorteestavaemcontroledomunicípio,emboraogerenciamentodaminanãoestimulassequalquerenvolvimentodelecomoosnegóciosdacidademineira.

Epstein descreveu o desenvolvimento em geral e a diferenciação da vida africana em Luanshyaconcentrando-senasmudançasemsuaadministraçãoenapolíticaduranteosquasevinteecincoanosdesuaexistênciaquejátinhampassadonaépocaemelefaziaseutrabalhodecampolánosprimeirosanosdadécadade1950.Apolíticadogovernocomrelaçãoàadministraçãodasnovasáreasurbanasnuncaparecia estar baseada em alguma estratégia abrangente ou direcionada para uma meta claramentedefinida;aocontrário,pareciasurgircomoreaçõesassistemáticasàscircunstânciasàmedidaqueessasevolviam.Tampoucoadivisãoincertaderesponsabilidadeentreogovernoeasmineradorascontribuíaparadeixarasituaçãomaisclara.Paracomeço,nosprimeirosanosdaexistênciadeLuanshyacomoumacomunidadedefronteiraumtantorudeeviolenta,aminamantinhaaordemqueporventuraexistiaemseucampodetrabalhadoresmigrantescomaajudadesuaprópriapolíciaafricanadamina.Noentanto,essapolíciaeramuitoimpopular,evidentementeemvirtudedacorrupçãoeoutrosabusosdesuaautoridade.Comissoaadministraçãoinstituiuumsistemadeanciõestribais,eleitoscomorepresentantesdosváriosgrupostribaisentreostrabalhadores,eesseseramusadoscomoelosdecomunicaçãoentreessesúltimose amineradora.Normalmente eles eram homens relativamente sêniores que tinham algumamedida deprestígio no sistema social tradicional, por exemplo, pormeiode laços de parentesco comos chefes.Esses anciões também solucionavam conflitos menores em seus grupos e aconselhavam os recém-chegadosàmina.OsistemaeraconsideradoumsucessoefoiadotadonomunicípioetambémemoutrascomunidadesmineirasdoCopperbelt.

Em1935,noentanto,depoisdeosanciõesteremestadoemseuscargosporalgunsanos,ocorreuumeventoquedeu indícios de comoo sistema era frágil.Mineiros africanos entraramemgreve emduasoutrascidadesdoCopperbelt.OsanciõesemLuanshyagarantiramàadministraçãodaminaquenadairia

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acontecerali.Noentanto,agreveseespalhouparaLuanshya,oescritórioadministrativodosalojamentosdosmineirosfoiinvadidoeosanciõestribaisfugiramapósnãoteremsidocapazesdeexercerqualquerinfluênciasobreosgrevistas.Comoapolíciaaparentementeteveumareaçãoexagerada,seisafricanosforammortosnotumulto[19].

Nenhumaformanovaderepresentaçãodaforçadetrabalhoafricanasurgiucomoresultadodagreve.Aparentementeelaaindanãotinhadesenvolvidoumaorganizaçãoprópriasuficientementecoesa.(HaviasugestõesdequegruposdedançataiscomoaKalelatinhamdesempenhadoalgumpapelnamobilizaçãoparaagreve.)Osanciões tribaisvoltaramacuidardeseusdeveresnormais.Masoqueagreve tinhamostradoéqueemumconflitotrabalhista,elesnãopoderiamserotipodefigurasdeautoridadequeaadministraçãodaminatinhadesejado.NovocabuláriodeEpsteinedeoutrosantropólogosdoRhodes-Livingstone que tinha encontrado fenômenos semelhantes em outros lugares, eles estavam num papelintercalado. Para a administração, representavam os trabalhadores, mas para os trabalhadores,representavam a administração. E para os primeiros, portanto, em uma situação de greve, eles eramtraidoresdacausa.

Havia algumas diferenças de opinião na estrutura europeia de poder na Rodésia do Norte comrespeitoaspossíveisimplicaçõesdessainquietaçãoparaaadministraçãourbana.Algunsachavamqueaautoridade da chefatura tribal deveria ser estendida para as cidades,mas essa ideia não foi posta emprática,pelomenoscomrelaçãoaogoverno local.Poroutro lado foiestabelecidoum tribunalurbanopara administrar a justiça de acordo coma lei costumeira commembrosqueos chefes principais nasáreasruraisenviavamparaacidadepararepresentá-los.Emboraninguémpudesseesperarrealmentequealeitribalcobrissetodasassituaçõesquepoderiamsurgirnacomunidadeurbana,otribunalfuncionavarelativamentebem,parcialmenteporquebaseavaseutrabalhoemprincípiosmoraisqueeramflexíveisobastante para serem aplicados em novas circunstâncias. A tendência era também que osmembros dotribunalfossemgeralmenterespeitadosemvirtudedoapoioquetinhamdoschefes.Umproblemaeraquehaviaalgumasuperposiçãoentreasfunçõesdotribunaleasdosanciõestribaisdetalformaqueessesúltimosàsvezesexpressavamressentimentopelamaiorautoridadedotribunal.

Enquantoisso,novasformasdearticulaçãopolíticacomeçaramaemergirespontaneamente,eessasestavamancoradasemalinhamentosurbanosenãonostribais.“Comitêsdosbossboys[algoassimcomorapazes patrões] compostos pelos chefes das gangues damãode obra africana namina, começaramaocorrer comoumcanalde contato entre trabalhadores e a administraçãoque eraparalelo aos anciõestribais.Nacidadecomoumtodo,umasociedadedebem-estaratraiumembrosvindosdosafricanosmaiscultos–escreventes,professoreseoutros.DesenvolvimentossemelhantesocorreramemoutrascidadesdoCopperbelt.Issotambémlevouaumacertasuperposiçãodefunções.ConselhosConsultivosUrbanostinhamsidointroduzidosnosprimeirosanosdadécadade1940,commembrosafricanosquedeveriamfazercomqueaopiniãoafricanasobreasquestõesenvolvendoacidadechegasseàadministração.Seusmembroseram,nasuamaioria,anciões tribaisdacidademineiraedomunicípio.Masosmembrosdasociedade de bem-estar, normalmentemalrepresentados no Conselho Consultivo Urbano, erammuitasvezesmaiscontundentesnaexpressãodeuminteressenasquestõescivis.Emseusperíodosmaisativosasociedadedebem-estarpareciaassumirumstatusquaseoficial.

Essafoiumafaseintermediária.Aindamaistarde,maisoumenosàépocaemqueEpsteinestavaem

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Luanshya,asmudançastinhamprogredidonadireçãodeumaorganizaçãosocialcombaseurbana.Entãoestímulosexternosdesempenharamumpapel.Ogovernotrabalhistadopós-guerranaGrã-Bretanhatinhaenviado um organizador de sindicatos para a Rodésia do Norte e como resultado, os africanoscomeçaramasesindicalizar,osmineirosumpoucomaistardequeosdemais,embora,quandofinalmentesurgiu,seusindicatotevebastantesucesso.Osmineiroseuropeusjáestavamorganizadosemseuprópriosindicato. O sindicato dos mineiros africanos tendeu, gradativamente, a se tornar a contrapartida daadministração,naestruturaunitáriadacidadeempresarial,tambémemquestõesforadaáreadetrabalho.Duranteseucrescimentoelelogoofuscouosistemadeanciõestribais,e,comopareciaqueosanciõespoderiam funcionar como rivaisdo sindicato, esteúltimo insistiuparaqueo sistemade anciões fosseabolidonaorganizaçãodamina.Aadministraçãodamina,apóster,poralgumtempo,tentadodefinirosanciõestribaisdeumamaneiramenosambíguacomoverdadeirosrepresentantesdosmineiros,finalmenteconcordou.Nocomeço,aliderançadosindicatotinhadependidodeescriturárioseoutrosmembrosmaisinstruídos entre os trabalhadores africanos. À medida que o tempo foi passando, no entanto, ostrabalhadores subterrâneos começaram a se afirmar. Suspeitavamdos escriturários que se associavammuitocomoseuropeusequepoderiamapaziguá-losafimdeobterfavoresparaelespróprios.UmdoseventosqueEpsteindescreveucomalgumdetalhefoiaeleiçãodeumtrabalhadorsubterrâneomilitantepara a presidência da seção de Luanshya do sindicato, substituindo um capataz. Por sua vez, osescrituráriosmais tardeseafastaramdosindicatodosmineiros,ecomeçaramumanovaassociaçãodepessoalassalariado,eacomunidadeafricanaemLuanshyadeuoutropassonadireçãodadiferenciaçãoemtermosdecategoriasindustriais.

Fora da mina, o movimento rumo à sindicalização teve menos sucesso, pois, em outros tipos denegócios em Luanshya, havia menos africanos e esses estavam divididos entre muitos empregadores.Essaestruturaatomísticadorestodacidadetambémeraumproblemaquetevedeserconfrontadopelaprimeira organização política importante dos africanos na Rodésia do Norte. O Congresso NacionalAfricanotevesuasorigensemumaassociaçãodesociedadesdebem-estarlocais.Aassociaçãotinhaseagitado intensivamente, mas sem sucesso contra a imposição de uma Federação Central Africanadominada pelos brancos e depois tinha caído mais ou menos em declínio. Quando uma filial daassociaçãofoiformadaemLuanshya,essaprocurouumaquestãoquepudessecristalizarointeressedopúblico,mas se deparou com vários obstáculos.Defendendo a causa dos vendedores ambulantes quequeriamterpermissãoparavendernacidademineira,aassociaçãonadaconseguiu;aotentarorganizarum boicote de açougues europeus para obter um tratamento melhor para clientes africanos, ela ficoudividida porque o Conselho Consultivo Urbano tinha acabado de levar a cabo uma negociaçãoaparentementebem-sucedidadessaquestãocomosaçougueiros.OConselhoConsultivoUrbanoaessaaltura incluíamuitosmembrosdotipoquecostumavapertenceràantigasociedadedebem-estar,agoramoribunda. Essas sociedades, como acabamos de ver, também tiveram um papel nas origens doCongressoNacionalAfricano.Agora os dois se viram emoposição, para o desconforto de ambos.OConselho ConsultivoUrbano arriscou-se a ficar em uma posição intercalada como os anciões tribaistinham feito umavez sobre amina, ficandopresos entre a administração e a população.OCongressopoderiaentãoassumirumaimportânciamaiorcomoavozdopovoseexatamenteissoacontecesse.Nacidademineira,haviapoucoespaçoparaaatividadedoCongresso,namedidaemqueosindicatodosmineiros tinha,monoliticamente,ocupadooespaçoparaorganização.EosindicatoeoCongressonão

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estavamseentendendopormotivosquetinhammenosavercomosnegócioslocaisdeLuanshya.

Tais eram as condições quando Epstein concluiu sua análise. Uma tendência importante em suasconclusões, para citar um comentarista posterior, era que “os sindicatos transcendem as tribos”(MAYER,1962:581).Istoé,foramoseuropeusquetinhamtentadoimporumaestruturatribaldominantesobreaadministraçãoeapolíticadascidades,mastinham,emgrandeparte,fracassado.Àmedidaqueosafricanoscomeçaramaencontrarseurumonoambienteurbano-industrial,elestinhamcompreendidoque suas divisões tribais internas eram irrelevantes em seu confronto commineiros e administradoreseuropeus,e,comisso,tinhamorganizadocombasenaclasse,comlinhasclaramentedelineadasemvezdeconfundidaspelasambiguidadesdosanciões tribais.Uma inteligênciaafricanadepessoas jovensecultas tomouadianteiranosnegócios comunitários; idosos cujoméritoprincipal poderia ser laçosdesanguecomumchefe ruralnãoo fizeram.Noentanto,avidaurbanaeracompostademuitassituaçõesdiferentes, interdependentes,masnãonecessariamentecomamesmalógica inerente.Emumagreve,asdiferenças tribais podiam ser submersas. Em uma batalha pela liderança sindical, um bemba poderiaapoiar outro bemba contra um lozi ou um nyasalandês.Às vezes, além disso, a estrutura ocupacionalurbanadavaformaaosconflitosétnicos.ComoasmissõescristãstinhamidoantesàNyasalanddoqueamaiorpartedaRodésiadoNorte,umnúmeromaiordenyasalandeseseramescriturários.Portanto,oqueum bemba achava de um nyasalandês poderia concebivelmente depender em parte daquilo que elepensavasobreescriturários.Mastambémhaviacasosemqueasextensõesdatribonacidadeerammaisautênticas.Mesmoumlídersindical,emforteoposiçãoaosanciõestribaisquedesempenhavamumpapelem questões trabalhistas, poderia reconhecer a autoridade de um representante dos chefes no tribunalurbano,jáqueoúltimoestariainteressadoprimordialmentenotipodemoralidadeinterpessoalemqueasabedoriatradicionaldevemerecerreconhecimento.Nomunicípiocomsuaestruturavariada,atémesmoos anciões tribais ainda podiam encontrar nichos de prestígio em que poderiam continuar lentamentesolucionandopequenasbrigas.

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“Umcitadinoafricanoéumcitadino...”

MaxGluckmannãoseenvolveupessoalmenteemtrabalhodecampourbanonaÁfricaCentral,masseinteressou muito pelos estudos realizados por outros pesquisadores do Rhodes-Livingstone e usandocomo base publicações tais como a de Mitchell sobre a Kalela e a de Epstein sobre a política emLuanshya,fezalgumasafirmaçõesteóricasimportantes(GLUCKMAN,1961b).

O interesse predominante do grupo, sugeriu ele, era sobre o “problema de por que o tribalismopersiste”.Talvez isso não fosse realmente verdade no caso deGodfreyWilson que, embora usando anoção de “destribalização” no título de seu estudo sobreBrokenHill não conceituoumuito nem essanoçãonemade“tribalismo”notexto.Paraospesquisadoresposteriores,noentanto,essefoirealmenteofoco principal. No entanto, como Gluckman enfatizou fortemente a análise que esses pesquisadoresfizeramdoassunto,contradiziaosaberconvencionalentreosadministradorescoloniaiseumageraçãoanterior de antropólogos na África. Esses últimos tinham presumido – implícita ou explicitamente,conscienteouinconscientemente–queadestribalizaçãoeraumprocessolentoedemorado,emborafosseconsistentemente na mesma direção. Gradativamente, as relações sociais dos migrantes urbanosmudariame seu compromisso comcostumes tradicionais se atenuariam.Gluckmannão se surpreendeumuitopelo fatodeos administradores, como“homenspráticos”, adotaremessa ideia comodada: elesnaturalmenteviamaspessoasafluindoàscidadescontraopanodefundodavidanaaldeiadaqualelestinhamacabadodesair.Paraumantropólogo,poroutrolado,nãodeveriaseróbvioqueacidadeprecisaserconsideradacomoumsistemasocialporsimesma.Assim,ocomportamentodoscitadinostinhadeserentendidoemtermosdospapéisdourbanoaquieagora,independentementedefatorestaiscomosuasorigensepersonalidades.Emumafrasequeapartirdeentãotornou-seumclássiconaantropologia:“Umcitadinoafricanoéumcitadino,ummineiroafricanoéummineiro”.

Essepontodepartida iriamudar radicalmente a visãodaquilo queocorria realmentenamigraçãoafricana rural-urbana. Em vez de destribalização como um processo de uma só via, longe de estarcompletoquandoomigrantechegavaàcidade,elaeraumfenômenointermitente.(EssafoiumaideiaqueGluckman já tinha sugerido na declaração de seu plano de pesquisa de sete anos.) Omigrante seriaconsideradodestribalizado,emcertosentido,nomomentoemqueeleassumisseumaposiçãonaestruturaurbanaderelaçõessociais,edesurbanizadonomomentoemquesaíssedacidadeeentrassenovamenteno sistema social rural com seu conjunto de regras. Na cidade, o sistema industrial era a realidadedominante,eospontosprincipaisdeorientaçãoparaocitadinoeramascomunidadesde interesseeosistemadeprestígioquevinhacomele.Certamenteosafricanosnãocarregavamumabagagemdeculturatribal para a vida urbana, mas isso agora era analiticamente secundário. Deveria ser claramenteentendidoqueessaculturatribaloperavanaquelepontoemumambienteurbanoeque,portanto,poderiaternovasformaseassumiroutrasignificância.Assim,“tribo”comotantoMitchelleEpsteinmostraram,nocontextourbanosereferiatantoaumaunidadepolíticaoperativaquantoaumamaneiradeclassificaraspessoasqueomoradordacidadeencontravanotrabalho,navizinhançaounacervejaria,edelidarcomelas.Naárearural,poroutrolado,osistemapolíticotribalaindafuncionava,firmementebaseadonosistemadepropriedadedaterraeamaiorpartedoscitadinos,deparando-secomasinsegurançasdotrabalhoassalariado,manteriamumpontodeapoiolátambém.

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Portanto, afirmou Gluckman, com respeito aos estudos urbanos africanos, seu pano de fundocomparativodeve estar nos estudosurbanos, emgeral, e elesdevem ter seupontodepartida emumateoriadesistemassociaisurbanos.Masessessistemas,eletambémobservou,sãocomplexos,compostosdesubsistemassoltos,semi-independenteseatécertopontoatéisolados.Oantropólogourbanonãodevenecessariamente lidar com todos eles. A existência de alguns deles pode ser meramente presumida,enquanto o antropólogo se concentra na contribuição principal que ele poderia dar ao estudo dourbanismo – a interpretação de registros detalhados de situações sociais restritas,mas intricadamenteestruturadasdasquaisadançaKalelaouoboicotedosaçouguespoderiamserexemplos.

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Conceituandorelacionamentosesituações

OtextodeGluckmande1961 foiacompanhado,nametadedadécadade1960,poroutrosemquemembrosdogrupoRhodes-Livingstoneaprofundaramoarcabouçoanalíticoquetinhasidoresultadodesua pesquisa urbana. Nessa fase, seu trabalho de campo nas cidades da África Central estavapraticamente terminado. Eles tinham se espalhado por muitas instituições acadêmicas e alguns delesestavam se voltando para outras regiões etnográficas. Essas afirmações, portanto, podem serconsideradas como marcadores de uma fase em que eles podiam dar alguns passos para trás e,examinando suas experiências uma vezmais, considerá-las como parte de um contexto antropológicoligeiramente mais amplo. Três publicações, juntamente com o texto de Gluckman e com algumasuperposição entre elas, podem ser especialmente úteis para delinear a posição do grupo Rhodes-Livingstonena teoria urbana.Duas delas foramescritas porEpstein (1964, 1967) e umaporMitchell(1966b).

O texto desse último foi um resumo deTheoretical Orientations in AfricanUrban Studies. Umaseção importante foi dedicada à conceituação de formas características de relações sociais urbanas.GodfreyWilson já tinha distinguido entre relacionamentos de “negócios” e relacionamentos pessoais.Vinte e cinco anos mais tarde, havia agora uma divisão tripartida, em relacionamentos estruturais,pessoais e categóricos. Relacionamentos estruturais tinha padrões duradouros de interação, mais oumenos claramente ordenados por expectativas de papéis. Relacionamentos pessoais não tiveram umadefinição clara no artigo, namedida em que a discussão sobre eles se desviou rapidamente para umesboçodosusosda análisede redes.É evidente, no entanto, que a intençãoeraqueo termocobrisserelacionamentosemqueaspartestivessemumafamiliaridaderelativamenteamplaumacomaoutra,eemque as interações não fossem definidas tão estritamente em termos de tarefas específicas. Osrelacionamentoscategóricoseramaquelesemquecontatoseramproformaesuperficiais.Neles,comoasituaçãonãoestavadefinidadeumamaneirarelativamenterígidaemtermosdepapéis,osparticipantesnãotinhamumaideiaclaradaquiloqueeraesperadoumdooutro,e,consequentemente,captavamalgumacaracterística facilmente acessível aos sentidos e se categorizavam mutuamente de acordo com ela.Relacionamentoscategóricoseestruturaisobviamenteestavamdeacordo,cadaumàsuamaneira,comuma noção wirthiana da impersonalidade urbana; no entanto, os antropólogos do grupo Rhodes-Livingstone certamente também reconheciam a presença na vida urbana de laços mais íntimos, queconstituíamotiporestante.

Essadivisãoemtrêstipostambémpermitiaoutroexamedacoberturadosestudosurbanosafricanosaté aqui. O tema óbvio de estudo no campo de relacionamentos estruturais, observouMitchell, era aorganizaçãodotrabalho;masenquantoasociologiaindustrialtinhasefirmadonaEuropaenaAmérica,ela teve um começo lento na África. (Desde então a situação melhorou um pouco.) Associaçõesvoluntárias, por outro lado, tinham sido estudadas um tanto extensivamente em algumas partes docontinente e poderiam ser colocadas sob este rótulo. Um foco frequente na pesquisa sobrerelacionamentos pessoais tinham sido os grupos de amigos e colegas que se uniamno lazer, às vezespessoasdamesmaáreadeorigem.Ocampoderelacionamentoscategóricos,previsivelmente,envolviaparticularmente categorizações étnicas. A interpretação feita pelo grupo Rhodes-Livingstone de

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tribalismourbanoestavaincluídanestecaso.Foinocontextodofluxosocialedadiversidadeconspícuadecomportamento,talcomonosrelacionamentosnotráficoeoutroscontatosentreestranhos,queessasdesignaçõespuderamajudaramapearumatrilhapelavidaurbana.

Mitchell também voltou ao argumento deGluckman sobre a noção de “destribalização” como umprocesso–precisamosdistinguirentreotipodemudançaqueéumasequêncialentaeunidirecionalequeenvolveumatransformaçãodoprópriosistemasocialeotipodemudançaemqueindivíduosadequamrapidamente suas ideiasecomportamentoàmedidaquepassamdeumasituaçãoparaaoutraeviceeversa.Essasmudançaspodemserchamadasde“históricas”ou“processuais”aocontráriodemudança“situacional”, ou, na terminologia usada por Mayer (1962: 579) “mudança de uma via” versus“alternação”. Como Mitchell pôde mostrar, os dois tipos tinham sido confundidos com frequência.Mitchellreafirmouqueeranecessárioverosistemaurbanocomosetivesseumaexistênciaprópria,ladoa lado como sistema rural, de tal forma que o tipo demudança emque as pessoas estão envolvidasquando circulam entre os dois sistemas era primordialmente “situacional” ou “alternado”. Essa ideiaagora foi desenvolvidaumpoucomais, no entanto, já queMitchell deumais ênfasedoqueGluckmantinha dado às mudanças normativas e comportamentais entre contextos diferentes também no própriosistema urbano.O princípio era “seleção situacional” – uma fonte de inspiração aqui foi o estudo deEvans-Pritchard sobre abruxaria entreos azande,onde foimostradocomoaspessoaspodiamaplicarideiasdiferentesemmomentosdiferentessemmuitapreocupaçãocomacoerênciageral.Emumsistemasocial tão complexo quanto o de uma comunidade urbana tal coerência não seria nemumpoucomaisprovável.O estudodeLuanshyadeEpstein realmentemostrou comoa autoridadedos anciões tribais,inspiradanatradição,podiasermuitoútil,porexemplo,parasolucionarbrigasdomésticase,noentanto,foi imobilizada nos conflitos trabalhistas.Algumas situações eram evidentementemenos influenciadasqueoutraspelaestruturageralespecificamenteurbana,eummoradordacidade talvezpudesse–pelomenosàsvezes–escolheralinhadeaçãomaistradicionalnaquelassituações.

Deummodogeral,Mitchell,comoseuscolegas,tinhaatendênciaaenfatizaramudançasituacionalem vez da mudança processional como uma questão de interesse analítico. Mas pelo menosparenteticamentepodemosobservarqueelestampoucodesconsideravamamudançaprocessionaldeumavia, sobretudo quando ela ocorria em um nível individual. Alguns citadinos poderiam assim serentendidos como mais urbanos do que outros em um sentido. O estudo de Epstein (1959) dodesenvolvimentodeumnovovocabuláriourbanomostrasinaisdisso.Haviaumabismoprofundoentreostipos de sabedoria mundana possuídos pelos babuyasulo, o caipira que tinha acabado de chegar(literalmente“chegouontem”)eo“sugarboy”[omeninodeaçúcar]–criadonacidadeoua“townlady”[senhoradacidade].Ocupando-secomessasdiferençasemoutronível,Mitchell(1956c,1969a,1973a)acrescentouummétodoparamediroenvolvimentourbanoaorepertóriometodológicodogrupo,baseadonaproporçãodeseutempoqueumindivíduopassavanacidade,naextensãodesuapermanênciacontínualá,suaatitudecomrelaçãoamorarnacidade,suaocupaçãoearesidênciaurbanaoururaldesuaesposa.(Amedida obviamente se aplicava apenas a homens.) Ométodo podia ser usado, por exemplo, paraconfirmar uma hipótese de que migrantes que podiam facilmente chegar as áreas rurais de origem eassumirumaparteativaegratificanteemsuavidasocialtambémparticipavammaisplenamentedavidaurbana–a ideiapodeparecerparadoxal,masevidentementesobessascircunstânciasomigrante tinhamaiscondiçõesdesetornarmaisintimamenteenvolvidocomacidadetambém[20].

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Determinantesexternoseoslimitesdaingenuidade

AssimcomoMitchelladotouoconceitodeGluckmandemudançasituacional,assimtambémEpstein,em seu texto de 1964, aprofundou outra ideia da declaração deGluckman alguns anos antes, sobre anecessidade de isolar uma unidade de análise manipulável. Esse foi um aspecto do interesse queGluckmantinhadesenvolvidosobreamaneiracomoosantropólogosgeralmentedelimitamseuscamposde estudo e constroem premissas sobre questões relacionadas com suas análises, mas fora de suacompetênciaprofissional.ClosedSystemsandOpenMinds (1964) foiumacoleçãode textosvoltadosparaessasquestõesporantropólogoscomconexõesemManchester,sobaredaçãodeGluckman.EpsteinfezumarevisãodeseuestudosobreLuanshyanestecontexto,eà luzdacríticacrescentedos“estudoscomunitários”dotipoqueemgrandeparteignoraoimpactodefatoresexternosnavidacomunitária.OsantropólogosdoRhodes-Livingstone,apartirdeGodfreyWilson,tinhamconsistentementeafirmadosuaconsciênciadainserçãodeseucampodeestudonaÁfricaCentralemumaeconomiaeestruturasocialglobais.Mascomopoderiamlidarcomumarealidadeassim tãocomplexadeumamaneiraprática?AsoluçãosugeridaporGluckmaneadotadaporEpstein,foiconcentrarsuaanáliseintensivaemumcampolocal de relações sociais acessível à observação. Fatores externos, por exemplo, de uma naturezapolíticaoueconômica,poderiamsertratadoscomodados–istoé,suapresençaesuaformageraltinhamde ser reconhecidas namedida em que eles preparavam o cenário para a vida social local,mas nãohaveriaqualquerinvestigaçãomaisprofundaousofisticadasobreeles.Dentrodessecampolocal,alémdisso,certosfatoscujaderivaçãoestivesseforadacompetênciadoantropólogopoderiamserincluídosemsuaanálisedeumaformasimplificada.Umexemplofoia“polaridadegrosseira”presumidaentreaestrutura unitária econômica e administrativa da cidademineira e a estrutura atomística da cidade dogoverno,quemostrouterimplicaçõestãoimportantesparaaformadevidapolíticaquesedesenvolviaemLuanshya.

Portanto,seriajustificável,sugeriuEpsteindeacordocomoargumentogeraldeClosedSystemsandOpenMinds,queosantropólogosadotassemumavisãodeliberadaemensuravelmenteingênuadefatoresque se encontravampelomenos empartemais alémde seus horizontes de observaçãoou fora de seucampodehabilidadeprofissional.Sódestamaneiraéqueelespoderiamsercapazesdedesenvolveremtoda sua extensão sua própria contribuição para a divisão de trabalho científico, na companhia deeconomistas,cientistaspolíticoseoutros.Ébemverdadequeissofariacomquefossemaisdifícilparaele generalizar sobre a sociedade em geral, como alguns autores de estudos comunitários estiveraminclinadosafazer,nacrençaerrôneadequeosistemalocaleraummicrocosmodotodomaisamplo.Noentanto a análise do antropólogo do sistema local poderia mostrar que o impacto de forças externaspoderiadependerdaformadaestruturacomunitáriainterna.

Umaposiçãogeralsobrecomodelimitarumaáreadeestudoecomolidarcomfatoresexternosqueimpingem sobre ela foi, assim, estabelecida. Outra faceta do problema foi identificar quais eram osfatores que recorrentemente deveriam ser levados em conta. Isso era importante especialmente paraobjetivos de pesquisa comparativa, já que fatores que poderiam ser considerados como constantes noestudodeumaúnicacomunidadedeveriamserreconhecidoscomovariáveisindependentesquandoesseestudo fosse comparado com outros. Várias formulações de “fatores extrínsecos”, “determinantes

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externos”,“imperativosexternos”ou“parâmetroscontextuais”foramassimoferecidos,nemtodospelospesquisadoresdogrupoRhodes-Livingstone.SouthalltinhaumanaafirmaçãoemqueostiposurbanosAeB foramdelineados.Mitchell, emseu textode1996, listouessesdeterminantes sobseis rótulos: (1)densidadedeassentamento,afetandoemparticularaquantidadedecontatosdapopulaçãocitadina;(2)mobilidade,incluindomovimentosintereintraurbanos,assimcomo,migraçãoecirculaçãorural-urbanasque levassem a um grau de impermanência nas relações sociais; (3) heterogeneidade étnica; (4)desproporção demográfica na composição etária e de gênero das populações urbanas, resultante dorecrutamentoseletivodehomensjovensparaaforçadetrabalho;(5)diferenciaçãoeconômica,incluindodiferenciação ocupacional, níveis de vida diferenciais e estratificação social; e (6) limitaçõesadministrativas e políticas, em particular restrições governamentais aos movimentos e atividades dapopulaçãourbana(especialmenteseucomponenteafricano,napartesuldocontinente).Opróprioestudodesses determinantes, propôs Mitchell, poderia ser a tarefa de outras disciplinas. A função doantropólogosocialurbanoeraexaminarocomportamentodeindivíduosdentrodamatrizcriadaporessesfatoresque,umavezestabelecidos,poderiamserconsideradoscomodados.

Epsteinlevantouessaquestãoumavezmaisemseuartigodepesquisade1967sobreestudosurbanosafricanos,maisvoltadoparaquestõesdecomparaçõessubstantivasentre formasurbanasemenoscomproblemas de conceituação. Suas categorias de determinantes eram um tanto diferentes daquelas deMitchell,sobretudoporqueelejuntoualgunsfatores,apresentandoapenastrêscategoriasprincipais–aestruturaindustrial,aestruturacívicaeo“imperativodemográfico”,estaúltimaaparentementecobrindoos quatro primeiros fatores de Mitchell. Sem considerar essas diferenças, as ideias dos doisaparentementecoincidiam.

Emprincípio, fatores tais como esses poderiam concebivelmente sermanipulados como variáveisanalíticasa fimdecriaruma tipologiaabrangentedas formasdeurbanismoafricano.Naverdade issonunca foi feito de qualquermaneira disciplinada e possivelmente os resultados não estariam em umaproporção razoável à quantidade de trabalho que isso iria exigir. Para Epstein, em seu ensaio sobrecomparação,astrêscategoriasdedeterminantesforneciammaisumvocabulárioparaodiscursosobreavariação urbana. Ele podia assinalar que os determinantes não precisam covariar. As cidades daRodésia,porexemplo,tinhamtidoumaestruturacívicasemelhanteàquelasdoCopperbeltcolonial,comregulamentação europeia estrita, mas sua estrutura industrial (i.e., econômica) tinha permitidoligeiramentemaisespaçoparaoempreendedorismoafricano,criandoumaclassemaissignificativadeempresáriosafricanos–umfatoquetalvezpudesseexplicarporqueoprimeiromovimentonacionalistalá tenha sido um tantomais conciliador com relação ao regime branco.Naquilo que costumava ser oCongoBelga,aadministraçãocolonial tinhamantidoumtipodecontrolesobreamigraçãourbananãotão diferente daquele do Copperbelt, mas tinha encorajado uma estabilização da população urbana epermitidomaisliberdadeparapequenosnegóciosenasformasdealojamentos,fazendocomquesurgisseumtipodevidaurbanaquepareciadealgumamaneiraestarameiocaminhoentreaquelescaracterísticosrespectivamente do sul da África e da África Ocidental. Como outra variação daquilo que Epsteindescreviaumtantovagamentecomofatoresdemográficos,haviaalgumascidadesnovastaiscomoEastLondonnaÁfricadoSulquepodiamatrair umaparte imensadapopulaçãodas áreas rurais vizinhas,permitindo uma comunidade africana mais etnicamente homogênea. Tais possibilidades de realizar“experimentosnaturais”comasvariáveis,sugeriuEpstein,poderiamsermaisexploradas.Havianovas

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cidadesmineirasnaÁfricaOcidental,porexemplo,emqueaestruturaindustrialpoderiasersemelhanteà do Copperbelt, enquanto a estrutura cívica seria obviamente diferente. De qualquer forma, essasvariações também deixaram claro que uma simples distinção tais como aquela entre tipos A e B deurbanismoafricano,comcentrosdegravidaderegionaisdiferentesnocontinente,sópoderiamserúteiscomoumaprimeiraabordagem,mesmonopassadocolonial.

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Ovínculoentrecidadeecampo

Esse artigo de Epstein pode ser considerado como a fonte da definição dos limites da visão deurbanismo do grupoRhodes-Livingstone.O esforço para integrar aquilo que foi em grande parte umaexperiênciadoCopperbeltemumarcabouçocomparativoexplícitoparaestudosurbanosacabousendoum fenômeno um tanto isolado, no entanto, de tal forma, que qual parte de sua conceituação um tantomuscularserefereàspeculiaridadesdaÁfricaCentralequalaourbanismoafricanoemgeraltalveznemsempretenhasidobem-compreendida.

Ascontrovérsiasquepodemtersurgidocombasenissonãoprecisamnosinteressarporsimesmas.Veremos, em vez disso, como a perspectiva do grupoRhodes-Livingstone pode estar alinhada com avisãodeurbanismodesenvolvidanocapítulo3eusá-laparairumpoucomaisadiante.Estamosumavezmais interessados, em outras palavras, com a parte que uma comunidade urbana desempenha nasociedadeecomasconexõesentreclassesdiferentesderelacionamentos.

Dois temas do Copperbelt são de particular interesse aqui – a autonomia do sistema urbano e apersistênciadotribalismo.Combasenaquiloquevimosanteriormente,podemosperceberqueaprimeiraéumaquestãodecertaambiguidade;umcentrourbanosempretemumafunçãoacumpriremumsistemamaisamplodasociedade–amenos,comonocasodaantigacidadecomlimitesestendidos,eleassimilesuasredondezas–eemboraosurbanitaspossamterpapéisespecíficosparadesempenhar,estespapéispodem emergir de uma lógica cultural subjacente compartilhada pela sociedade inteira, como Pocockobservoucomrelaçãoaourbanismoindiano.Podemosnosperguntar,então,seascidadesdoCopperbeltestavamemtaisaspectosmaisseparadasdasociedadeaseuredordoqueonormal.

De certa forma, obviamente, isso era verdade.Elas existiam, sobretudo, para desempenhar papéisespeciais em um sistema econômico internacional, conectando-as não com a área rural africana a seuredoresim,comonojogoinfantildepularcarniça,comcentrosfinanceiroseindustriaisnoexterior.Nomesmocontextosocial local,pelomenosnocomeço,elaseramenclavesemvezdepontosnodais.Sepresumirmosqueamaneiranormalpelaqualacidadeeocampoformamumtodocoesoépormeioderelacionamentos de aprovisionamento em que populações urbanas e rurais distintas confrontam-se emcomplementaridade, então essa coesão local era, neste caso, relativamente frágil.Mesmo se um lugarcomoLuanshyapudessecomopassardo tempodesenvolver funçõesde lugarcentraldeum tipomaisgeral,essasfunçõesaindaassimpoderiamdesempenharumpapelumtantomodestonoquadrogeral.

Tambémeraumfatoquepelomenosaquelasatividadesurbanas,nosetordeaprovisionamento,queestavammais imediatamente envolvidas no setor de formação urbana da economia, tinham uma baseculturalmentedistintaàqueladasociedaderural.Atecnologiaeaorganizaçãodotrabalhodamineraçãoeramessencialmente importadas.FoiessefatoquelevouMitchell (1966b:38)aassinalarquecidadesdesse tiponãoeramexatamenteumcampode testesútil para a aplicabilidade transcultural das ideiasocidentaisdeurbanismojáqueelasprópriasestavamsobumaforteinfluênciaeuropeia.

No entanto, se comunidades urbanas tais como as doCopperbelt de alguma formamantinhamumaseparaçãocomrelaçãoàssuasredondezas,obviamentehaviaumaespéciedeintegraçãopelaportadosfundoscomasociedaderuralafricanadeoutramaneira,pormeiodocompartilhamentoparcialdemão

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deobra.Osmigrantesviajavamentreosmeiosdevidaurbanoserurais,comumenvolvimentocompletoquevariavanosváriossetoresdeatividadesdeambos.Talvezessefatofossemenosimportantenaquelessetores urbanos com estruturas própriasmais rigidamente predeterminadas.Omesmo fato poderia sermais significativo nos casos em que as circunstâncias urbanas ainda ofereciam maior espaço paramanobraparaadaptaçõesemergentesbaseadasnafusãodosaberherdadoedenovasexperiências.Asideiasqueosmigrantes traziamparaacidade,eosdesdobramentosdessas ideias,poderiamteralgumefeitosobreaquiloqueelesfaziamlá,ecomquemofaziam.Esseéoproblemadotribalismourbano–ou para usar um termomenos preconceituoso daqui em diante, a etnicidade urbana. Iremos abordá-laaqui,noentanto,deumaformaligeiramenteindireta,jáqueelaéapenasumdeumaclassedeproblemasrelacionadosnaanálisedaestruturasocialurbana.

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Informaçãopessoalenormaspúblicas;repensandorelacionamentos

Paracomeçar,podeserútilampliaroquadrodereferênciapararetornarmosaoesboçodeMitchell(1966b:51ss.)dos três tiposde relacionamentossociaisurbanos, i.e.,estrutural,pessoalecategórico.Elessãodescritoscomo“trêstiposdiferentes”epodemosestarinclinadosateraimpressãodequeelessãomutuamenteexclusivos–cadarelacionamentoexistente,istoé,deveriaseencaixaremumououtrodesses tipos.Mas haveria dificuldades com uma ideia semelhante. Será que um relacionamento entrecolegasde trabalho é apenas estrutural e nemumpoucopessoal?Umaparte importanteda sociologiaindustrialnaverdadetratoudamodificaçãoderelacionamentosestruturaispor laçospessoais.Ouseráqueamigosqueseconhecemmuitobemnãopodemmomentaneamente lidarunscomosoutrosnabasecategóricade etnicidade, comoumdos fatoresqueeles incluementre conhecimento relevante?Váriosestudos pelos antropólogos do Rhodes-Livingstone realmente mostram uma consciência de taiscomplicaçõeseMitchell,maistarde(1969b:9-10),deixouclaroqueinteraçõesemtermosdeestrutura,categoriaeconhecimentopessoaldevemserconsideradascomoaspectosderelacionamentos.

Possivelmente,poderíamosencontraraindaoutramaneirademapearosrelacionamentossociaisquepudessesermaisexplícitasobreasinterconexõeslógicasentreasváriasformasdeinteração(cf.figura2)[21].IssopoderiaservirnossoobjetivogeralquevaimaisalémdeumaanálisedosestudosurbanosdogrupoRhodes-Livingstone.Relacionamentospessoaisecategóricos, então,parecemestarconceituadosao longodamesmadimensão.É importanteparaaconduçãodesses relacionamentosquemérecrutadoparaessasinterconexões,eadiferençaentreelasconsistenaquantidadedeinformaçãopessoalqueegoealter têmum sobreooutro, para estabelecer as basespara suas linhasde ação.Essadimensão, emprincípio, vai desde o anonimato absoluto, em que nenhuma informação socialmente relevante estádisponível,atéaintimidadetotal,emquetudosobreooutroéconhecido.Umrelacionamentocategóricojá se afastou um pouco do polo de anonimato completo, já que pelo menos um item de informaçãoforneceuumabaseparacolocaralter emumacategoriaespecífica (pormais superficialquesejaessaconcepção).Relacionamentos pessoais ocupamum trecho ao longo do contínuo, incluindo aqueles emque a informação é complexa, embora imperfeita, assim como aqueles de maior intimidade.Relacionamentos estruturais implicamoutra dimensão, o grau de controle normativo. Isso se refere àinfluênciademaisoumenosnormaspúblicasmantidascomrelaçãoaorelacionamento–oupelomenosquandosecrêquesãomantidas–porterceirosouatépelasociedadecomoumtodo,equenãoestejamsujeitas a muita renegociação entre participantes particulares. Para serem chamadas de estruturais,relacionamentosteriamdeestaremumnívelbastantealtonessaescala,firmementeregulamentadospornormas. Em tais casos, a informação pessoal tende a ser neutralizada, considerada irrelevante, comrelaçãoaograudeinfluênciaqueelatemsobreaconduçãodorelacionamento.Umestranhoeumapessoaíntimaseriamtratadosdamesmaforma;osalterssãosubstituíveis[22].

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Figura2Informaçãopessoalecontrolenormativoemrelacionamentossociais

Umavezmais,noentanto,ocontrolenormativoea informaçãopessoal sãoapenasdimensõesdosrelacionamentos – de todos os relacionamentos, ainda que, em algum caso específico, uma dimensãopossasermaisconspicuamenteimportantedoqueoutra.Comoobservamosnocapítulo3,oconceitodepapelnaantropologiafoidefinidoconvencionalmenteemtermosnormativos.Seexaminarmosopapelemvezdissocomoumenvolvimentosituacionaldotadodepropósito,poderásermaisfácilaceitarqueospapéis diferem em sua dependência relativa de controle normativo e informação pessoal.O papel deamigoé,nesseponto,obviamentebastantediferentedaqueledotrocadordoônibus.Quemumapessoaé,no entanto, por comparação a quem ela poderia em outras circunstâncias ter sido ou a quem outraspessoas são, pode não apenas influenciar o curso de certos tipos de relacionamentos existentes, até opontoemqueasrestriçõesnormativasopermitam.Ainteraçãoentreasduasdimensõespodeseraindamaissutil.Àmedidaqueaspessoasvêmasaberumaoumaiscoisassobreumindivíduo,elaspodemreagir a essa informação pessoal de uma maneira que é, ela própria, mais ou menos padronizadanormativamente.Essasreações,alémdissopodemestaremváriosníveis:

(1)Acessoaopapel–osoutrospodemounãodeixarqueoindivíduoemquestãosequerinicieumacertaformadeenvolvimentosituacional.

(2) Acesso relacional – alguns, mas nem todos, podem ser considerados como seus altersapropriadosquandoeledesempenhaumcertopapel.

(3)Condutarelacional–seaspessoas iniciamosrelacionamentoscomele,a informaçãopessoalenvolvida pode, como sugerimos acima, influenciar a maneira pela qual o relacionamento éconduzido.

Essessãoobviamenteprincípiosdegrandepodernaorganizaçãodavidasocial.Masquaissãoostiposdeinformaçãonoqualelesestãobaseados?Paranossosobjetivos,parececonvenientedividi-laemdoistipos.Umaéainformaçãosobrequaissãoosoutrosenvolvimentossituacionaispropositaisdeuma

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pessoa;emoutraspalavrasa informaçãomaisoumenoscompletasobreseurepertóriodepapéis.Noscasosemqueesseéo tipodeconhecimentoemjogo, temosumaabordagemdiretaao tópicoanalíticobem-estabelecidodacombinabilidadedopapel.Aoutracategoriadeinformaçãopessoaléresidual.Elasimplesmenteincluiatributosdeumindivíduoalémdeseusenvolvimentossituacionaispropositais,masquenoentantosãorelevantes,deváriasmaneiras,paraessesenvolvimentos.Pormaisdeselegantequeotermopossaser,podemoschamá-losdeatributosdiscriminadoresdepapéis.Essespodemclaramentetervárias formas. Alguns deles, no entanto, são mais poderosos socialmente que outros, e é nestes queestaremosparticularmenteinteressadosaqui.

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Etnicidade,atributosdiscriminadoresdepapéiseavidaurbana

Aetnicidade é um exemplo importante de um atributo discriminador de papéis,mas não devemosexagerarsuapeculiaridade.Dealgumasmaneiras,ogêneroeaidadefuncionamdemaneirasemelhante.Aetnicidade,éclaro,nãoestáigualmentepresenteemtodasasunidadessociaisecategorizaçõesétnicastendemasermaismanipuláveis.Mastodosostrês–ogênero,aidadeeaetnicidade–estãoumtantoabertos às definições culturais de limites de categorias e das qualidades humanas associadas com asváriascategorias.Eemnenhumdosdoiscasosopróprioatributoserásuficientecomoumadefiniçãodenossoenvolvimentointencionalemumasituação(comaexceçãodaatividadesexual,emqueomasculinoeofemininopodem,nessesentido,serconsideradoscomopapéis).Essesatributossão,poroutrolado,importantesnacanalizaçãodeenvolvimentos[23].

Tomandonossaconceituaçãodesetorescomoarcabouço,podemosver,porexemplo,quemulheressó podem ter certos papéis no domicílio e no setor familiar; elas sãomuitas vezes restritas a papéisespecíficosdeaprovisionamentoe recreação; epodemosdizerqueuma instituição tal comoopurdahmuçulmanotambéméextremamenterestritivoemtermosdossetoresvizinhançae tráfego.Asmulherespodem ter alguns papéis,mas só se elas os representam em relação a outrasmulheres e não a outroshomens– issoéoqueocorreemalguns tiposdepráticamédica.E sequalquerumdosgênerospodedesempenhar um certo papel com relação a qualquer outra pessoa, o relacionamento pode tomar umaformaumtantodiferentesequemestáneleéumamulherenãoumhomem.Existemrestriçõesparalelas,masnãoexatamenteiguaisnaaquisiçãoedesempenhodopapelmasculino,ecomrelaçãoàidade,aosmuitojovenseaosmuitovelhosmuitospapéisestãoproibidos,maselesmonopolizamalgunsoutros.

Mas voltemos à etnicidade e suas expressões na África urbana. Na cidade do Copperbelt ondeestavam os pesquisadores do grupo Rhodes-Livingstone, houve exemplos de etnicidade funcionandocomoumatributodiscriminatóriodepapéisemtodosostrêsníveisobservadosacima.Talveznãofossepossívelencontrarcasosóbviosdepapéisdosquaisumgrupoétnicoafricanofosseexcluídoaomesmotempo em que estivesse aberto para outros (embora em alguns casos algo semelhante a uma situaçãodessetipopodeterocorrido).UmpoucoforadocampodeestudonormaldosantropólogosdoRhodes-Livingstone,noentanto,haviaumexemploclarodetalexclusão.A“tribobrancadaÁfrica”,oscolonoseuropeus realmente reservavam um número de papéis para eles próprios durante todo o tempo que ocolonialismo permaneceu em pleno vigor. Claramente os europeus e também os membros de gruposafricanos diferentes tinham pessoas da mesma etnia como parceiros preferidos em váriosrelacionamentos. Os africanos eram frequentemente impedidos de atuar com base nesse impulso emrelacionamentos de trabalho, já que eles não decidiam quem estaria empregado a seu lado, ou emrelacionamentosdevizinhança emcasos emque eles tivessempouco controle sobre a distribuiçãodemoradia.Maso impulsopoderiadirecionar suaescolhadealters particularmente em relacionamentosdomésticos e de recreação. Com relação às modificações de conduta que ocorriam com base naetnicidade, um caso óbvio seriam os relacionamentos de brincadeiras, por exemplo, entre colegas detrabalhodeorigemétnicadiferente[24].

O poder da etnicidade na vida urbana da África Central naturalmente está relacionado com aconsciênciadosmigrantesdequeeles tinham trazidoumabagagemculturaldiferenteparaacidade.É

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possível ver a preferência por pessoas da mesma etnia em situações em que havia uma escolha, emgrande parte como uma questão de confiança.Nos casos em que a origem cultural era semelhante ouidêntica,aspessoaspodiampresumir,comoBarth(1969:15)colocouemsuaanálisedeetnicidade,queeles estavam jogando jogos interacionais de acordo com asmesmas regras. Isso poderia importar emrelacionamentosqueestavamparcialoutotalmentesobumcontrolenormativorelativamentefirme,comnormasorigináriasdaculturatradicional.Algumasobrigaçõesconjugaispoderiamserexemplosdessescasos.Essaorigemsemelhante tambémpoderia ser importante emelosque fossem relativamentemaisordenados por informação pessoal, já que tal informação deve necessariamente incluir uma ideia daatitudementalgeraldaspessoasenvolvidas.Naatividaderecreativa,porexemplo,umaamplavariedadedeentendimentoscompartilhadospoderiadesempenharumpapel[25].Paraescolherosparceiroscorretos,então, havia a necessidade de categorização étnica para a qual Mitchell, particularmente entre osantropólogosdoRhodes-Livingstone,chamouaatenção.Poderiaserumasimplesdicotomia“dentrooufora”;ouapessoaeradamesmaetniaounãoera.Maspoderiatambémserumaquestãodegrau,comofoimostradopelotrabalhodeMitchellsobreescalasdedistânciasocial.

Se,noCopperbelt,eraparticularmentenosrelacionamentosdomésticos,familiareserecreativosqueo acesso relacional era ordenado pela etnicidade, essa última podia desempenhar uma parte maisproeminenteemoutrossetorestambémemcomunidadesurbanasafricanasdeoutroslocais.Quandoumgrupo étnico controlava algum setor da economia, ele poderiamonopolizar certos papéis no setor deaprovisionamentocomooseuropeusfizeramnaÁfricaCentral.Aquiogrupoétnicopodiaserumgrupodeinteresse.OexemplomaisfamosopodeserocomérciodegadoenozdecolacontroladopeloshausaemIbadã,comodescritoporAbnerCohen(1969).Emoutroslugares,pessoasdamesmaetniapoderiamtentarrecrutarumasàsoutraspreferencialmenteemrelacionamentosdeaprovisionamentoedetrabalhofavoráveis, semnecessariamenteseremcapazesdeobterhegemoniaétnica[26].Essaé a situaçãoaquenormalmenteapalavra“tribalismo”serefere,comoumepítetopejorativo,nalinguagemdaÁfricaurbanaatual.AlgocomoissopoderiatambémservistonoCopperbelt,porexemplo,nofavoritismoétniconaseleiçõessindicaisaoqualEpsteinsereferiuemsuamonografia.Aindaoutrotipodeacessorelacionalétnico, descrito com mais frequência com relação à África Ocidental do que em outras partes docontinente,éaassociaçãovoluntárianaqualosmigrantesvindosdamesmaáreaseunem[27].Essassãoorganizaçõescomobjetivosmúltiplos: emboraengastadasprincipalmenteematividades recreativasháumaespéciederelacionamentodeaprovisionamentosuplementar.Aorigemcompartilhadadosmembrosoferece uma sensação não só de confiança, mas também de solidariedade. Até certo ponto elescompartilhamumahonracoletivaeumaresponsabilidademoralpelobem-estarmútuo.Assim,membrosem necessidade podem contar com o apoio dos outros por meio de uma redistribuição interna derecursos.

OmotivopeloqualessasassociaçõesparecemestardistribuídasdeumaformadesigualnaÁfricaurbanafoitemadealgumadiscussão.Epstein(1967:281-282)emsuaanálisedocampo,sugeriuqueelaspodem ser frágeis nos casos em que existem equivalentes funcionais. Nas cidades do Copperbelt, ainstituição de anciões tribais pode ter servido objetivos semelhantes durante algum tempo, sem umaforma associacionista. Talvez o paternalismo das companhias mineradoras pudesse também até certoponto,removeranecessidadedearranjosdesegurançabaseadosnaetnia,pelomenosparaumapartedas

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populaçõesurbanasnaquelaregião.

Nãoénecessárioanalisarofuncionamentodaetnicidadeurbanaafricanaaqui,apenasobservarseuimpacto amplo e variável na organização dos relacionamentos sociais. Em um nível analítico maisabstrato, podemos nos perguntar quais são as implicações desses atributos discriminatórios de papéisparaaperspectivaantropológicaurbanaesboçadanapartefinaldocapítulo3.Conexõesentreatividadeserelacionamentosemsetoresdiferentesforamconsideradasalicomoconexõesmaisoumenosimediatasentreváriosenvolvimentossituacionaisintencionais.Vimo-lastambémcomoumapossívelestratégianaconceituação da ordem social da cidade para delinear as conexões que a partir do setor deaprovisionamentosãoestabelecidascomoutrossetores.

HámuitacoisanaperspectivaRhodes-Livingstoneparanoslembrardisso.OsesboçosdeEpsteinedeMitchellsobredeterminantesexternos,osfatoresque,emsuaopinião,umantropólogourbanodeveriatratar comodados, obviamente sugere umarcabouçopara análise emque se presumeuma informaçãoanteriormaisvariada;nostermosdeEpstein,fatossobreaestruturademográficaecívica,bemcomoaestruturaindustrial.Voltaremosparaestetemanocapítulofinal.AtendênciadadeclaraçãodeGluckman“um citadino africano é um citadino, ummineiro africano é ummineiro”, no entanto, é identificar osistemaurbanoespecialmentecomosetordeaprovisionamento.Considera-sequeesseúltimocontémasrealidades principais da vida urbana, influenciando também os envolvimentos em outros setores.Gluckman provavelmente estava mais correto do que errado nisso. Se ele enfatizou demais seuargumento, foi obviamente porque a visão contrária tinha sido aceita como verdadeira com tantafrequência.Éclaro,suasideiasdeveriamtambémserespecialmentecongruentescomosfatosdavidaemumacidademineiradoCopperbelt,umaempresa transformadaemumacomunidade, emqueerade seesperarqueaestruturadosetordeaprovisionamentotivesseumainfluênciageneralizada.

Noentanto,deveserpercebidoqueatéaquiospapéisnosváriossetoresurbanosnãoestavamtodosconstituídosdamesmamaneira.Nosetordeaprovisionamento,certamente,haviapapéissobumcontrolenormativo relativamente estrito e de proveniência claramente urbana. Em outros setores, os novosurbanitasestavamnasuamaiorparteentreguesasuaprópriasorte,elaborandoumsistemasocialurbanonoqualelespudessemmudarseusestilosdevidaàmedidaqueotempofossepassando,masque,pelomenosinicialmente,continuaria,culturalmente,asociedadedeondeelestinhamvindo.

Os atributos discriminadores de papéis desempenhavam, caracteristicamente, seu papel naorganizaçãodavidaurbanacomoelementosdessacontinuidadecultural.Éapenascontraopanodefundodeumatradiçãoculturalparticular,oudacombinaçãodetradiçõesculturais,quepodemosterumaboaideiadamaneirapelaqualumaordemsocialurbanapodeserinfluenciadaporconceitosdegênero,idadeeetnicidade;pelasnoçõesdaquiloquehomensoumulheresoupessoasidosaspodemenãopodemfazer,ou pela forma como os membros de um grupo étnico, com objetivos diferentes, estendem suasolidariedadeunsaosoutroserecusamaconfiançaemoutros.Talvezpossamosdizer,semnostornarmosculpados de umamistificação analítica exagerada, que os atributos discriminadores de papéis podem,assim, ser umadistração àmedidaque as atividadesdosurbanitas se esforçamparaobter umpadrãogeralpróprio,deacordocomaquiloquepode,emoutrascircunstâncias,parecerseranaturezainerenteaumtipoespecíficodecidade.Elescriamconfusõesnomodelo.Papéiserelacionamentospodem,atravésdeles, estar indiretamente conectados e não simplesmente desvinculados ou diretamente relacionados.

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Um indivíduo pode interagir com osmesmos parceiros no trabalho e na recreação, por exemplo, nãoporque isso sejadealgumamaneiradeterminadopela situaçãodo trabalhoe, sim,porqueeles sãodamesmaetnia.Mesmonacidadeempresarialafricana,ossindicatosnãotranscendemastribosdetodasasmaneiras, se pudermos usar a expressão em um sentido metafórico. Na administração da justiça, naescolhadeumcônjuge,enorecrutamentoparaumaequipededança,oespectrodotribalismocontinuaaassombrar a cidade. E tanto quanto o “ciclo de relações raciais” deRobert Park e dos chicagoensesexpressavaumacrençadequeotribalismodascidadesamericanasnãoiriapersistir,omodelodeumaviadadestribalizaçãotampoucotevemuitosucesso.

Emboraosatributosdiscriminadoresdepapéispossam injetar inclinaçõesnovasediscrepantesnaorganização da vida urbana, no entanto, eles não a dirigem inteiramente a sua maneira. No final, oresultado pode ser alguma forma de acordo, estável ou instável. A essa altura, discussões sobre aetnicidade urbana africana tiveram como resultado uma compreensão de que aquilo que a etnicidaderepresentanacidadetambémdependeparcialmentedotipodecidadeemqueelaestá.Omesmopodeserditosobreoutrosatributosdiscriminadoresdepapéis.SerjovempodenãosignificaramesmacoisaemDetroiteemSãoFrancisco,sermulherpodenãoseramesmacoisaemSãoPauloenoRiodeJaneiro.

Comoseconstatoumaistarde,osantropólogosdogrupoRhodes-Livingstonecertamentededicaramgrandepartedesuaatençãoaessasinter-relaçõesentreurbanismoetribalismo.Podeatéserdiscutívelse,apesardasafirmaçõesenfáticasdeGluckman,elesnãonegligenciaramumpoucocertosfenômenosnosistema urbano propriamente dito. A etnografia está lá com frequência; o que parece faltarocasionalmenteéuminteresseanalíticomaisintenso,porexemplo,sobreasmaneirascomoaspessoaspodem perceber seus cocitadinos em termos que não sejam étnicos. Pode não ter sido totalmentenecessárioterapenasesseúltimofoconodesenvolvimentodoconceitoderelacionamentoscategóricos–otextodeEpstein(1959)sobreinovaçãolinguísticamostroudescritivamentequeosfatosemergentesdavida em Luanshya também oferecia categorizações, de sugar boys, bakapenta (jovens mulheresmaquiadas, que eram encontradas perto das cervejarias) e outros. E embora Epstein, Mitchell eGluckmancorretamentereconheceramqueosmineirosafricanosseuniamignorandooslimitesétnicos,sobreabasealternativadeposiçõescomunsnosetordeaprovisionamentoedeseuscontatosnotrabalho,elespodemterdemoradoareconhecerocrescimentodasdivisõesentreafricanossegundoomesmotipodelinhas.ÀépocaemquePeterHarries-Jones(1975:154ss.),oúltimodospesquisadoresdecampodogrupoRhodes-Livingstone esteve emLuanshya, de 1963 a 1965, a discórdia entre as várias camadasafricanaseraóbviaehaviadesenvolvimentosclaroscomrelaçãoatérminoderelacionamentossociaispor razões de classe.Os citadinos agora eramosabapamulu “aqueles no alto” ouabapanshi “os debaixo”.Harries-Jones achouque seus predecessores, apesar dos primeiros sinais de conflito que, porexemplo,Epstein já tinhaobservado, tinhamse inclinadoexageradamenteparaumavisãodaprotoelitecomoumelementointegraledominanteemumblocodeinteresseunitárioafricano.

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OsantropólogosdogrupoRhodes-Livingstoneeasituaçãocolonial

Foinaturalconcentrar-nosaquinosantropólogosdoInstitutoRhodes-Livingstonecomoetnógrafoseteóricosdourbanismo.Àguisadeconclusão,talvezpossamosacrescentaralgumaspalavras,noentanto,sobreoutraperspectivacomrelaçãoaotrabalhodessespesquisadores(emqueumcomponentefoioutrascríticas,expressasdeumamaneiramaishostil,deseuinteressenotribalismonacidade).Nosanosdaindependência africana, àmedida que os papéis desempenhados por intelectuais e acadêmicos sob ocolonialismo passaram a ser examinados cada vez mais cuidadosamente, um instituto que tinhafuncionadopordécadas sobumnome tãoobviamente imperialistanãopoderiaexatamentepermaneceracimadequalquersuspeita.

UmainterpretaçãodopapelmutantedoantropólogonocontextodofimdosimpériosfoiapresentadaporJamesR.Hooker(1963),umhistoriadornorte-americano.Emboraformuladaemtermosmaisgerais,dizia-se baseada em experiências nas Rodésias. O Instituto Rhodes-Livingstone foi mencionado sóbrevemente por nome, mas obviamente a declaração deve ter aludido em grande parte a seuspesquisadores.

NaopiniãodeHooker,tinhahavidoquatrofasesnaexploraçãoantropológicadaÁfrica.Naprimeira,que começara após a Primeira Guerra Mundial, os antropólogos tinham sido os felizes criados docolonialismo,naesperançadecontribuirparaumaadministraçãoeuropeiaeficienteeparaumamudançaeconômica.Nasegundafase,eleslutarampormaisautonomia,talvezfuncionando–pelomenosemseuspróprios olhos – como mediadores entre interesses africanos e interesses colonialistas. À época daterceirafase,àmedidaquecomeçavaalutanacionalista,oantropólogotinhacomeçadoaseversenãocomoumaliadoativodessaluta,pelomenoscomoumsimpatizantedoladoafricano.Eleagoratinhasealienadodamaiorpartedacomunidadeeuropeiaetinhaumavisãomuitoadversadela.Noentanto,elenão poderia escapar facilmente da situação colonial ou do uniforme de uma pele branca. O InstitutoRhodes-Livingstone, sugere Hooker, durante esse período lembrava uma sociedade utópicadesconfortavelmente rodeada por forças hostis, ou um coquetel determinadamentemultirracial.Mas otempodoantropólogotinhaacabado.Nafasequatro,àmedidaqueosafricanosseaproximavamdesuametadeindependência,elestinhampoucousoparaantropólogoscomoparceirosdeumdiálogo.TalvezfossemelhorparaelessetransformarememsociólogosouemhistoriadorescomoopróprioHooker.

Um ataque mais maciço à antropologia do Rhodes-Livingstone se seguiu alguns anos mais tarde.BernardMagubane, um antropólogo sul-africano no exílio, envolveu-se em uma série de reexames dapesquisa social europeia nas sociedades africanas colonizadas, repetidamente provocando debatesacalorados(cf.MAGUBANE,1969,1973;VANDENBERGHE,1970).Emumprimeiroartigo(1968)ele lidou parcialmente com o texto de Gluckman “um citadino africano é um citadino”. Mais tardededicou uma crítica ao trabalho de Epstein e Mitchell, mas na realidade apenas a algumas de suaspublicações(MAGUBANE,1971).

Antropólogoscoloniais,escreveuMagubane(1968:23)produzirammonografiasqueeram“próximasobastantedarealidadeparaseremcríveis,masnãopróximasosuficientedelaparaseremarriscadas”.Geralmente eles tinham evitado prestar seriamente atenção à anatomia do colonialismo. No caso dos

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antropólogos doRhodes-Livingstone, eles deveriam ter-se concentrado na regulamentação colonial davidaurbanaeruralafricanaedoprocessomigratórioenãonaquestãodetribalismo.Magubanetambémcondenouoqueaseuvereraumatendêncianosestudosdeprestígioocupacional,emTheKalelaDanceeemalgunsoutros trabalhos,a lidarcomaaceitaçãoporpartedosafricanosdasnoçõeseuropeiasdestatus e sua preocupação com a vestimenta e outros símbolos externos do status e da modernidadeeuropeia.Esse focoemdescriçãoeanálise,achavaMagubane (1971:420), implicavaumacrençaporparte dos antropólogos “não só na inevitabilidade, mas também na justiça da conquista branca doafricano”. Sob a inspiração de Frantz Fanon, ele achou que deveríamos buscar uma compreensão doprocessodecolonizaçãosobreapersonalidadeafricana,doqual,aaparenteaspiraçãoa“ummododevidaeuropeu”eraapenasum resultado lógico.Eemoposiçãoa isso, sugeriuele,os africanos tinhamtambémmostrado uma disposição e uma capacidade para se organizarem em resistência à dominaçãoeuropeiaqueospesquisadorestinhamseriamentesubestimado.Paralidarcomcoisastriviaistãofugidiastais comodanças emodas era aomesmo tempo ignorar processos históricosmais abrangentes emaissignificativos.

ComoeracostumenaCurrentAnthropologyondeotextode1971foipublicado,comentaristaseramconvidados e vários deles (inclusive Epstein e Mitchell) foram extremamente críticos da forma deanálise deMagubane.Oquadro da antropologia doRhodes-Livingstone que ele tinha apresentado eramuitoseletivo.Elecitaraafirmaçõesquepareciampioresforadecontextoealgunstrabalhosemvezdeoutros em que argumentos complementares tinham sido feitos, argumentos que ele próprio fazia emseguida.Osautoressubmetidosaessetratamentotinhamalgumdireitodeexpressaremconsternação.

Provavelmente era particularmente difícil sair do impasse no debate intelectual em virtude dosmatizesdoargumentoadhominem.Nos termosqueHooker tinhausado,Magubane tendiaa retratarosantropólogos do Rhodes-Livingstone como antropólogos coloniais da primeira fase, o que não eraexatamente um estereótipo com que muitos deles iriam concordar em 1971. E realmente, não parecetotalmentecertoqueelesnaverdadetinhamestadonaquelafase.EmboraGluckmannoseuplanodeseteanos referia-seàsváriaspossibilidadesdecooperaçãocomasagênciasgovernamentais (que, emumaocasiãoassim,talvezfossemquasequeritualmenteaceitas)haviatambémsinaisdepreocupaçãocomaautonomiadoinstituto.GodfreyWilsontinhaentãocolocadonoprefáciodaprimeirapartedeseuestudosobre Broken Hill uma declaração de que ele tinha meramente tentado dar os fatos e suas conexõesinevitáveis,enãoofereceropiniõespolíticasprópriasoufazer“propagandaveladaparaalgumacausa,ou raça ou partido”. No entanto, quando ele esboçava as formas alternativas de uma situação deequilíbrio que, presumia ele, tinha de vir, não poderíamos exatamente deixar de perceber que suaspróprias simpatias estavamcoma formaque estavamais de acordo comos interesses africanos. Issopareciaumtantocomaantropologiacolonialdasegundafase.Maistarde,asinclinaçõespolíticasdospesquisadores doRhodes-Livingstone podemnão ter sido totalmente homogêneas,masHooker deixouclaroquepelomenosalgunsdelescontinuaramenfaticamenteepassaramparaumaterceirafase.AdamKuper(1973:148),aoescreverahistóriadaantropologiabritânica,observa,damesmaformaquecompoucasexceções,“oscolegasdoRhodes-Livingstoneestavampoliticamenteàesquerda,enãorelutavamem mostrá-lo”. O próprio Gluckman (1974), respondendo a outra discussão sobre antropologia ecolonialismoemumacartaparaoNewYorkReviewofBookspoucoantesdesuamorte,assinalouqueemvirtudedesuareputaçãopolíticaeletinhasidoproibidodeentrarnaRodésiadoNortenosúltimosanos

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doperíodocolonial.Quantoainfluenciarapolíticacolonialpormeiodesuapesquisa,eletinhacertezadequepoucosfuncionáriosdogovernoestavamfamiliarizadoscomqualquerpartedela.

A conexão Manchester, como um elo com o mundo acadêmico metropolitano, provavelmentecontribuiu paramanter alguma distância intelectual entre os antropólogos doRhodes-Livingstone e asideiasvigentessobreseuambientelocal.Nostermosqueumdeles(WATSON,1960,1964)cunhouemoutrocontexto,eleseram“espiralistas”enão“representantesdogoverno” (burgesses)[28].No entanto,elesnãopodiamexatamentedeixardeserinfluenciadosdealgumamaneirapelasituaçãocolonial.ComoobservouHooker,nãopodiamsairdesuapelebranca.Wilson(1941:28-29)mencionouantropólogosefuncionários do governo como pessoas que, embora menos preconceituosos que outros europeuscoloniais,aindaseencontravam“obrigadosnofinalaobservarasconvençõesdadistânciasocial”entreasraças.Épossívelquecomopassardotempoofizessemmenos.Masporoutrasrazõestambém,comtensões correndo soltas entre africanos e europeus de ummodo geral, um envolvimento intensivo porpartedeumantropólogobranconasatividadesafricanaseradifícil.Assistentesdepesquisacontratadoslocalmente podiam operar de uma maneira menos intrusiva como observadores participantes edesempenhavam um papel significativo na acumulação da etnografia urbana da África Central.Possivelmente havia outras maneiras pelas quais uma situação de campo problemática podia ser umestímuloparaaengenhosidademetodológica.

Parte do problema, naturalmente, era com outros europeus, que poderiam aplicar sanções contraantropólogos que a seu ver se comportassem como renegados e criadores de caso. A Epstein (1958:xviii), por exemplo, foi negado acesso à cidade mineira em Luanshya durante a maior parte de suapermanência na cidade, aparentemente em virtude de seus vínculos com o sindicato dosmineiros[29].Geralmenteorelacionamentoentreoantropólogoeocolonoeramuitasvezesumrelacionamentotensodeantagonismoerejeição[30].Powdermaker (1966:250)aodescrever suaprópriapesquisadecamposobreoimpactodosmeiosdecomunicaçãoemLuanshya,encontrououtrosantropólogosquetrabalhavamnaRodésiadoNortenocomeçodadécadade1950queestavamobviamentedoladodosafricanos;umdelesmencionouter tidoumabrigaemumbarcomoutroeuropeuporqueesseúltimotinhaexpressadouma calúnia racista. Marginal ao círculo de pesquisadores locais, Powdermaker se sentia um tantosozinhaao tentarmanterbons relacionamentos comoseuropeusnacidademineira, tantopara “não searriscar”eporqueelaachavaqueelesdeveriamserincluídosemsuapesquisa.Sobtaiscircunstânciaspode não ter sido tão surpreendente que, segundo Hooker (1963: 457), “as generalizações maisextravagantes sobre os costumes, ética e motivações dos colonos brancos eram lançadas pelosantropólogosqueteriamficadoenfurecidossecoisasassimfossemditassobreosafricanos”.

E talvezcom issopossamoscomeçarumresumodequais foramasconquistaseas limitaçõesdospesquisadores do Rhodes-Livingstone, tanto como antropólogos coloniais quanto como antropólogosurbanos.AquiloqueelesrealmentefizerampodenãotersidoassimtãodiferentedaquiloqueumcríticocomoMagubaneexigiaoucomoopróprioMagubaneafirmavaser.Tampouco,poroutro lado,poderiaserditoqueelestinhamfeitotudoqueeledemandava.Namaiorpartedoscasos,fossemquaisfossemsuas posições individuais com relação ao colonialismo, em seu trabalho profissional eles nãoquestionavam uma premissa que hoje, umas duas décadasmais tarde, é geralmente considerada comopartedaherançacolonialdadisciplina;antropólogosestudam“outrasculturas”.Portanto,ironicamente,

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apesar da ênfase sobre os citadinos africanos como citadinos e sobre o mineiro africano como ummineiro,continuavaaserfundamentalmenteimportanteofatodeoafricanoserumafricano.AsugestãonoplanodeseteanosdeGluckmandequeoseuropeustambémdeveriamser“considerados”recebeu,nofinal,umainterpretaçãominimalista.Nãoháqualqueretnografiasobremineiroseuropeus,oueuropeusnaÁfricaCentraldeummodogeral,nosestudosdoRhodes-Livingstoneeaestruturadepoderdominadapeloseuropeuspassouaserum“determinanteexterno”enãoumfocodeinvestigação[31].Oestilodosescritos, também,pareciademonstrar queumpúbliconão africano erapresumidogeralmente–muitasvezes um círculo internacional de pares acadêmicos, às vezes europeus na África Central. À época,nenhumaalternativapode ter sidopercebida.Atualmente,poroutro lado, esseestilopodedarum tomestranhoaumafraseocasional.

Aescolhade“tribalismo”comotemaprincipalpodeprovavelmentesercompreendido–masnãodeum modo geral – no contexto desse relacionamento antropólogo-público. Era para os colegas eadministradores que era mais importante explicar qual era o significado urbano da afiliação étnica.Pareceprovável,noentanto,quefraquezasrelativasemoutrasáreaspoderiamtambémestarrelacionadascomotipodeantropologiaqueospesquisadoresdoRhodes-LivingstonelevaramcomelesparaaÁfricaCentral. Essa antropologia era forte na análise de relações sociais propriamente ditas, embora elestivessem de trabalhá-la para torná-lamais flexível e dinâmica. Ela não davamuita atenção às basesmateriais da vida social. Os estudos mais tardios principais dedicados à vida urbana na verdadeofereciammenossobreessasquestõesdoqueoestudodeWilsonsobreBrokenHill.Eelatambémnãotentava investigarmuito profundamente aquilo que acontecia namente das pessoas. Gluckman (1971)poderiaargumentarbastanteconvincentementeque,emboraobviamentehouvesseconflitonasociedadeurbana doCopperbelt, a rebelião aberta contra a dominação europeia tendia a ser obscurecida pelosinteresses convergentes na economia mineira; assim havia muito pouco ou nada sobre a sabotagemindustrialdosluditas.Maseletambémrepetidamenteafirmavaqueaantropologiaerauma“ciênciadocostume” e isso talvez não fosse omelhor ponto de partida para uma análise das complexidades dasideiaseemoçõesquesurgiamemumasituaçãofluida.ParaumacompreensãomaiordavisãoafricanadasituaçãocolonialdeummodogeralenavidaurbanadoCopperbelt especificamente,poderia ter sidopossívelaprofundar-semaisnasconvicçõesouambivalênciasportrásdasmanifestaçõessuperficiaisdeumnovoestilodevida.

De sua própria maneira, no entanto, e de uma maneira que foi, é claro, influenciada pelo tipoespecíficodesituaçãourbanaemqueelestrabalhavam,osantropólogosdoRhodes-Livingstonelidaram,nascidadesdoCopperbelt, comváriasdasquestõesconceituais importantesdaantropologiaurbana–com as conexões e desconexões entre vários setores de atividade, com continuidades e contrastesculturais rurais-urbanos e como relacionamento entre aordemsocialmais ampla eummododevidaparticular.Noúltimocaso,talvezacumulatividadedeseuempreendimentoemconjuntofossetalqueocontextogeralfoicadavezmaisconsideradocomocerto.ComoGodfreyWilsoneparticularmenteMaxGluckmanemseusprimeirosescritoscolocaramaÁfricaCentralesuaindustrializaçãoeurbanizaçãonocenáriodahistóriamundial,escritoresposteriorespuderamsepreocuparcomoqueosbembaachavamdos luvaleoucomabusca cotidianaporquestõesnapolíticadas cidades.Asdiretrizes sugeridas emClosedSystemsandOpenMindseanoçãodedeterminantesexternospoderiasercompreendidacomoumparadigmadentrodoqualuma“ciêncianormal”dapesquisaurbanadaÁfricaCentralpoderiacontinuare

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gradativamente completar o quadro[32]. Foi essa crescente atenção aos processos sociais em pequenaescalaeaosproblemasmetodológicoseanalíticosaeles relacionados,quemais tarde levaramalgunsdosantropólogosdoRhodes-Livingstoneateruminteressenaanálisederedes,otemadenossopróximocapítulo.

[1]. Não há qualquer conjunto considerável de comentários sobre o Instituto Rhodes-Livingstone ou sobre a Escola de Manchester naantropologia social, comoexiste sobre aEscoladeChicago.Anão serpelos escritos aquenos referimos emoutraspartesdeste capítulo,devemoschamaraatençãoparaacoleçãoumtantoambíguadememóriasdeantigosdiretoresdoinstitutoinclusiveRichards(1977),Wilson(1977), Colson 1977a, b),Mitchell (1977), Fosbrooke (1977) eWhite (1977) em um número de aniversário da publicaçãoAfrican SocialResearch,paraoestudodeBrown(1973)dosprimeirosanosdoinstituto,paraobrevetextoretrospectivodeFrankenberg(1968)eparaacrítica do trabalho da “Escola deManchester” na África Central e em Israel por Van Teeffelen (1978). Beneficiei-me também de umapalestraseminalsobreoassuntoporClydeMitchellnoDepartamentodeAntropologiaSocialdaUniversidadedeEstocolmoem1971.EstougratoaJohnComaroffpormeconvidaradiscutirosestudosurbanosdaEscoladeManchesteremduassessõesdeseucursosobreaÁfricaCentralquandoeuerapesquisadornaUniversidadedeManchesterem1976,jáqueissomeajudouaformularminhavisãogeraldessecorpodetrabalho.

[2]. Além da interpretação deWheatley (1970) da cidade ioruba como um centro cerimonial a que nos referimos antes, escritos sobre ourbanismoiorubaincluemBascom(1955,19581959,1962),Krapf-Askari(1969),Lloyd(1973),Mabogunje(1962)eSchwab(1965).

[3].AclassificaçãoincluiuapenasascomunidadesurbanasdaÁfricaedosuldoSaara.

[4].Paraoutroscomentáriossobreourbanismocolonialemgeralcf.,p.ex.,Horwath(1969)eMcGee(1971:50ss.).

[5].Rayfield(1974),aolimitarseucampodeestudoaourbanismonaÁfricaOcidentaleaofazerapenasumareferênciabreveàclassificaçãodeSouthall,delineiatrêstiposnessaárea,emgrandemedidaemtermoshistóricos–ascidadesdoSudãoOcidental,fundadasemumperíodotãoantigoquantooséculoIX,oscentrosdocomérciotransaarianotaiscomoGaoeTimbuktu;ascidadesdolitoraldaGuiné,quecomeçarammais oumenos em1600 e se envolveramno comércio transatlântico de escravos (e algumoutro tipo de comércio) e as cidades coloniaismodernas,quedatamdofimdoséculoXIXecomeçodoséculoXX.Algumascidadesdosdoisprimeiros tiposganharamnovavidanaeracolonial,masRayfieldvêoutrasemumciclodesurgimento,florescênciaedeclínio.Esseconjuntodetipos(podemoschamá-losdeA1,A2,A3?)atrai a atençãoparaodesenvolvimentoconsideráveldapesquisahistóricaeantropológica relacionada,porexemplo, comascidades-estadosdoDeltadoNígernosúltimosanos,comunidadesquefloresceramduranteosanosemqueaexpansãoeuropeiaeraprincipalmentecomercial,mas que, nametade do séculoXX eram poucomais do que cidades fantasmas (cf.DIKE, 1956; JONES, 1963;NAIR, 1972;PLOTNICOV,1964eoutros).NoentantoatipologiadeRayfieldpodenãoserexaustiva;nãohánenhumlugaróbvionelaparaourbanismoioruba.

[6].AsugestãodequeumtipoCdeveserdistinguidoparecetersidofeitapelaprimeiravezporMiddleton(1966:33).

[7]. Em minha própria pesquisa em Kafanchan, uma cidade nigeriana relativamente nova, pude identificar muitas das característicasmencionadasporVincent.

[8].OcrescimentorecentedeassentamentosdeinvasoresemLusaka,acapitaldaZâmbia,foi,porexemplo,descritorecentementeporVanVelsen(1975).

[9].ParaumavisãogeralrecentedessesdesenvolvimentosnaÁfricaOcidental,cf.GuglereFlanagan(1977).Oconceitode“cidadeprimaz”foi cunhadoem1939porMark Jefferson, umgeógrafo, quedeclarou como“a lei da cidadeprimaz”que “a cidadeprincipal deumpaís ésempre desproporcionalmente grande e excepcionalmente expressiva da capacidade e do sentimento nacional”. Jefferson rapidamentecontinuouparamencionarexceçõesparaessalei,eseuartigocontinhaoutrasproposiçõesduvidosas.Portanto,oquesobreviveudissofoioconceitodacidadeprimazenãoarespectivateoria.Noentantoofatoconspícuodeemmuitasáreasumacidadecrescermuitomaisedeserde outrasmaneirasmais importantes do que outras requer uma explicação, e tem consequências que por sua vezmerecem interpretação.Linsky(1965)emumatentativadeexplicá-las,descobrequenãohánenhummodeloúnicodeemergênciadecidadesprimazesquenãosejaambíguo.Quandoemumpaísumcentrourbanotemumapopulaçãomuitomaiordoquequalqueroutra,noentanto,énamaiorpartedasvezesemumpaíspequeno,oupelomenosemqueaáreadensamentepovoadaépequena.Alémdisso,éparticularmenteprovávelqueascidades

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primazesocorramempaísescomumpassadocolonial,umarendapercapitabaixa,umaeconomiaagrícolaorientadaparaaexportaçãoeumcrescimento rápidodapopulação.A interpretaçãodeLinskydesses relacionamentos éque apenasquandoa área a ser servida ébastantepequenaéqueumúnicocentropodefornecertodososserviçosdecidadegrande.Umapopulaçãomaispobreirágerarmenosdemandaparatais serviços do que uma população mais rica, de tal forma que haverá pouca necessidade para muitos centros de funções paralelas. Aeconomiaorientadaparaaexportaçãotenderiaaconcentraressapopulaçãonacidade,minimizandooproblemadadistribuiçãodeserviços.Países com essas características tendem a ser ou foram coloniais; mas o colonialismo contribui para o modelo de primazia por suacentralizaçãode funçõespolíticas e administrativas.Ummodelomaismulticêntricopoderia surgir sehouvermaior industrialização, enessecaso centros menores podem surgir próximos às fontes de matérias-primas (como exemplificado, é claro, pelas cidades do Copperbeltdiscutidas neste capítulo); se a economia é agrícola isso émenos provável.O rápido crescimento populacional, finalmente pode ter comoresultadoumamigraçãourbanaemgrandeescalavindadeumaárearuralquenãopodesustentarsuapopulação–ounãoestámaisdispostaafazê-lo, nos casosdemudançasque se afastamdas formas intensivasdemãodeobrada agricultura.Podemosobservar que as ideiasdeLinskyrelacionadascomasfunçõesdeserviçodacidadeprimazpoderiamserfacilmenteformuladasnaterminologiade“limiar”e“alcance”dateoriadelugarcentral,emboraapremissadehomogeneidadepopulacionalnosmodelosoriginaisdeChristallerobviamentenãoseaplicamaqui; há uma forte concentração do tipo de pessoas que consomem serviços específicos na própria cidade primaz. Quanto à formulaçãooriginaldacidadeprimazfeitaporJefferson,aprevalênciadetaiscidadesnoTerceiroMundoclaramentefalsificaanoçãoqueelepareciateremsua“lei”dequecidadesprimazessãoortogenéticasenãoheterogenéticasemsuascaracterísticasculturais.Masesseerrotalveztenhaficadoóbvio jáporumdeseusprópriosexemplos–NovaYork.Elapode teratraídoalgumasdaspessoasmelhoresemais inteligentesdetodos osEstadosUnidos que achamque ultrapassaram suas circunstâncias locais.É, ou pelomenos foi, a “BigApple”.Mas será que osamericanosachamqueéumconcentradodocaráteramericano?Claroquenão.

[10].ApósoestudodeBrokenHilldeWilson(1941,1942),acidadefoimaistardeolocaldosestudosdeKapferer(1966,1969,1972,1976)emantropologiaurbanaeindustrial.AspublicaçõessobreLuanshyaincluemtrêsmonografiasantropológicascompletas–deEpstein(1958),Powdermaker(1962)eHarries-Jones(1975)–assimcomooestudodadançaKaleladeMitchell,umartigodeHarries-Jones(1977)eumrelatoanteriorporumadministradordasminas(SPEARPOINT,1937).

[11].Nasegundaparte,Wilson(1942:81)citoua reaçãodofuncionáriodistritalaessapremissa:“‘Gosteideseu texto(Parte I)’disseele,‘porqueeratãoincrivelmenteotimista;tudooquetemosdefazeresentareesperarpeloequilíbrio!’”

[12].Paraumaapresentaçãodesuasideiasdesenvolvidassobreoassunto,cf.Gluckman(1968a).

[13].Cf.,p.ex.,Mitchell(1956c,1969a).

[14].AbibliografiarelevanteaquiincluiGluckman(1940,1961a),Mitchell(1956a,1964:xi),VanVelsen(1964,1967,Garbett(1970)eJohnsen(1970).

[15].AcontribuiçãodogrupodoRhodes-Livingstoneparaodesenvolvimentodaantropologia jurídica, incluindoaobradeGluckman (1955,1965)sobrealeibarotseeadeEpstein(1953)sobretribunaisurbanos,precisasermencionadaaquiapenasenpassant,masobviamentefoirelacionadacomessecontextopessoal.

[16].O estudomais recente dessas danças e sua parte na vida social colonial africanaporRanger (1975)merece ser lido junto comTheKalelaDance.

[17].MitchelldesenvolveusuaanálisedasideiasdedistânciasocialesuasbasesnoCopperbeltemumapublicaçãoposterior(1974a).

[18].Harries-Jones(1975:231-232)expressaalgumdesacordoaqui.Apesardafendaadministrativacomsuasimplicaçõesparaavidapolítica,dizele,ostownshipsdeLuanshyafuncionavamcomoumacomunidadenamaiorpartedascoisas.

[19].ParadoisestudosmaisrecentesdosprimeiroscasosdeconflitoindustrialnoCopperbelt,cf.Henderson(1975)ePerrings(1977).

[20].MitchelldescreveahipótesecomotendoseoriginadonoestudodePhilipMayer(1962,1964)dosxhosaurbanosnaÁfricadoSul.Gulick(1969:150)parecemostrarumrelacionamentosemelhanteentreenvolvimentosurbanoseruraisnoLíbano,masseuspoucosdadosmostramalgumaambiguidade.

[21].AgradeçoaJohnL.Comaroffpormedirecionarparaessareformulação.OsleitorespodemdetectaralgumasemelhançacomasideiassociolinguísticasdeBernstein(1971)edeformaumpoucomaisdistantecomoesquemade“grupo”e“rede”deMaryDouglas(1970,1978)cominspiraçãodeBernstein.

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[22].Deve ser observado que a distinção entre as dimensões de controle normativo e informação pessoal sugeridas aqui é uma distinçãorudimentarquepodeserprogressivamentecomplicada.Umproblemaéodolocusdocontrolenormativo.Àsvezesoconsensosobrenormaspodeserdetodaasociedade,masnemsempre.Nãoéumavisãogeralqueumladrãotemdireitosedeveres;maspodehaverhonraentreladrões,enorelacionamentoentreumladrãoeumvendedordeprodutosroubados,ambospodemtalvezestarbemcientesdasexpectativasconvencionaisemseuscírculos.Outroconjuntodeproblemasanalíticosmaioresenvolveasváriasmaneiraspelasquaisainformaçãopessoalpodeestarfacilmentedisponívelemumrelacionamento.Voltaremosaissonocapítulo6.

[23].Ao definir gênero como um atributo discriminador de papéis, não aceitamos a noção pouco precisa de “papéis de gênero” para usoanalítico.AquidiferimosdeBanton (1965:33ss.;1973:50ss.),quedescreve“papéisdegênero”como“papéisbásicos”emboraelemostreestarcientedavisãoadotadaaqui.Southall(1973b:76-77),poroutrolado,parececompartilharnossaopinião.Poderiaserargumentadoque“classe”éumatributocomumanaturezaquasetãodifusaquantoetnicidadeparaaordenaçãodeenvolvimentosequeeledeveriasertratadocomoumatributodiscriminadordepapéis.Ébemverdadequeesseéumcasolimítrofe.Aqui,noentanto,preferimosvê-locomoseestivesseancoradoempapéisespecíficosnosetordeaprovisionamento:quandoapessoaestáemumpapelassim,ouindiretamenteconectadaaelepormeio de outromembro de seu domicílio, isso pode exercer uma influência determinante sobre o recrutamento para outros papéis também.“Classe” assim passa a ser um termo sumário para um aglomerado de papéis, com papéis de aprovisionamento em seu núcleo.Hámaisdiscussãosobreissonocontextodeculturasdeclassenocapítulo7.

[24].Paraumadiscussãomaisextensa,cf.HandelmaneKapferer(1972:497ss.)

[25].Tampouco,éclaro,devemosignoraraimportânciadeumaprimeiralínguacompartilhadanessesrelacionamentos.

[26]. Discuti tais variações nas combinações étnicas com relação aos recursos em outro lugar, com base em materiais americanos(HANNERZ,1974b).

[27].EmumlivroqueEpstein(1978)publicoutardedemaisparasertotalmenteconsideradoaqui,háalgumainformaçãosobreasassociaçõesétnicaseregionaisnoCopperbelt,assimcomosobreoutros temasdaetnicidadenaquele local.ComrespeitoàÁfricaOcidental,cf.,p.ex.,Little(1965).

[28].Ou“cosmopolitas”emvezde“locais”nostermosumpoucomaisconhecidos,masmaisoumenosparalelosdeMerton(1957:387ss.).Brown(1973:196-197) tambémenfatizaasignificânciadessaconexãoexternaerelataque,quandoogovernocolonialemumdeterminadomomentoexpressouumdesejoporinformaçãodeumtipomaispráticodoInstitutoRhodes-Livingstone,foiaconselhadoasaireencontrarseupróprioantropólogogovernamental.

[29].Cf.Powdermaker(1966:250-251).“Conselhosobrecomofazercontatoinicialcomosafricanosdiferiam.NaInglaterra,umantropólogomedissequeaúnicamaneiraerapormeiodosindicatoafricanodemineiros.MasemLusakaeutinhaouvidorumoressuficientesparadeixarclaroqueagerênciasuspeitavadeantropólogosquetrabalhassemmuitopróximosaosindicatoeeusabiaqueagerênciaenãoosindicatoéquetinhaaautoridadefinalparadecidirquempoderiafazerpesquisaemsuapropriedadeprivada.”

[30]. Para um exemplo de uma visão da antropologia do tipo “estabelecimento branco” cf. o editorial doCentral Africa Post de 1935reimpresso como um apêndice deMitchell (1977).NoNorthernRhodesiaJournal um autor anônimo publicou um “Hino de batalha dosespecialistas em pesquisa” que pode merecer ser citado em toda sua extensão (Anônimo 1956-1959: 472). Agradeço a Elinor Kelly porlocalizaresseitemparamim.(ParasercantadocomamúsicadeBritishGrenadiers,acompanhadoportubodepalhetadaMelanésia.)Combrioamericano,prejudissimo,Unescissimo //Alguns falamde relações raciais, outrosdepolítica /De trabalhoemigrações,dehistória,piolhos e carrapatos / Investimentos, tendências de amizade / E padrões de comportamento. / Não deixemos que ninguém nos trate comfrivolidade/Poisestamosdispostosasalvá-los.//Quandosentadosemnossascadeirasdebiblioteca/Ficamoscheiosdepensamentosjustos/Carregamosemnossosombroscuidadoscontinentais/Dizemosaoscolonosoqueelesdevemfazer/Transformamosemjargãoeanalisamos/Frustraçõesefixações/Neuroses,angústiaeestereótipos/Emintegraçãoestruturada.//Estranhasculturassurgemdenotasegráficos/PormeiodapercepçãodeFreudedeJung./ApesardosrisossinistrosdeseusEgos/Mudaremosvocêsatéaperfeição.LemosBukharin,Kant eMarxE até as histórias deToynbee / E nossas faíscas dialéticas /Vão explodir os conservadores. //Os rodesianos ouvemnossoconselhosábio/Sobretransculturação/Sobrelaçosdeparentescointer-raciais./Eaelongaçãopopular/SobreumanovamolduraconceitualfuncionaaltoAssaremosseusbolosdecostume/Ecomumsuspirosocializante/Continuaremospararebaixá-los.//Asferramentasdenossapesquisasãoafiadasebrilham/Comestatísticasverificadas. /Nossaequipedecombateintelectual/Praticousuasheurísticas/Eestamoslivresdejuízosdevalor./Sótrabalhamoscientificamente/Paraaliberdadeglobaltotal/EopontifíciodosPhDs.

[31].Voltando-nosparaoutrasfontes,noentanto,podemosvislumbraroqueogrupoRhodes-Livingstonenãocobriu.Sobremineirosbrancos,cf.HollemaneBiesheuvel(1973);sobreaindústriamineiranosuldaÁfricacomoumsistemasupranacional,cf.Wolfe(1963).

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[32].Nãoháqualquer referênciaaosconceitosdeKuhn(1962)deparadigmascientíficoseciêncianormalemClosedSystemsandOpenMinds,masideiassemelhantesestãosugeridasespecialmentenocapítulodeconclusãoporDevonseGluckman(1964:259-260):“Duranteaintroduçãoeaconclusãoenfatizamosanecessidadedesimplificar,decircunscrever,deseringênuo,eassimpordiantenaanálisenasciênciassociais.Argumentamosqueessesprocedimentossãonecessários,masquedessanecessidadevemalimitaçãoaosproblemaseàsquestõesque podem ser respondidas. Isso implica cautela emodéstia na pesquisa... Para o grande inovador revolucionário nas ciências sociais nãoexistemquaisquerregras...Masaquiloqueescrevemoséparamortaiscomuns,nãoparagêniosrevolucionários”.

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5Pensandocomredes

Provavelmentetodosnósestamosfamiliarizadoscomaschamadascartas-corrente.Recebemosumacartadealguémquenossolicitaenviaralgumacoisa–dinheiro,umcartãopostalousejaláoquefor–paraapessoacujonomeestánotopodeumalistadada,easeguirremoveraquelenomeeacrescentarnossopróprionomenofimdalista;efinalmentepassaranovalistacomasmesmasinstruçõesparaumnúmerodepessoasquenósmesmosescolhermos.Setudofuncionardeacordocomoplano,ascorrentesrapidamente se espalhariamde tal formaque, graças ao trabalhoque tivemos, receberemos, no tempodevido, um número considerável de respostas de outras pessoas, talvez pessoas que desconhecemospessoalmente.Mas com frequência,mesmo se decidirmos obedecer às instruções, é possível que nãoganhemosnada,porqueemalgumlugardocaminhohaviapessoasquenãoqueriamparticipar.Poroutrolado,podeocorrerderecebermosamesmacarta-correntemaisdeumavez,porexemplo,seapessoaquenosenviouacartaenviaamesmacartaparaalguémque,umavezmais,nosescolhe.

Osproblemascomquelidamosantropólogossoborótulodeanálisederedesenvolveosmesmostipos de princípios e realidades que influenciam o envio de cartas-corrente. De que maneiras osrelacionamentossociaisestãoconectadosunscomosoutros?Comoéqueasituaçãoemqueduaspessoasem contato direto conhecem osmesmos outros se compara com aquela em que elas conhecem outrosdiferentes?Quantaspessoasvocê conhece eque tiposdepessoas?Essas, formuladasdeumamaneiramuitogeral,sãoalgumasdasperguntasfeitas.

Odesenvolvimentodaanálisederedesapartirdametadedadécadade1950jáfoitemadeváriosexamesextensos–porexemplo,porBarnes(1972),WhitteneWolfe(1973),Mitchell(1974b)eWolfe(1978)–enãohánecessidadedeassumiressatarefacompletaaquinovamente;tampoucoiremosfazerumacríticadaquelesexames[1].Paranossosobjetivos,serásuficientelembrar-nosanósmesmosdeumpunhadodeestudosmaisconhecidos,paraverquetiposdeconceitosemergiramdeles,efazeralgumasconsideraçõesbrevessobreseususosnopensamentoantropológicosobreurbanismo.

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ComeçoemBremnes

A análise de redes não é apenas uma ferramenta da pesquisa urbana, embora, como veremos, atendência tenha sido de seu crescimento em importância em virtude do interesse antropológico emsociedadescomplexas.AprimeirapessoaausarotermoemumsentidomaisespecíficofoiJohnBarnes(1954)emseuestudodeBremnes,umapequenacomunidadenorueguesadepescadoresecultivadores.ApreocupaçãodeBarnes era descrever o sistema social deBremnes.A seu ver, seria útil considerar acomunidade como sendo composta de três campos sociais analiticamente separados. (Aqui nãoprecisamosnospreocuparcomograuexatodeseparaçãoanalíticadessestrêscampos.)Umdeleseraosistematerritorial.Bremnespodiaserconsideradacomoumahierarquiadeunidadesemquecadanívelmaisaltoincorporavaníveismaisbaixos,indodoníveldomiciliar,passandopelodistritoepelovilarejoatéonívelparoquial,sendoqueaprópriaparóquiadeBremneseraumapartedeunidadesaindamaisamplas.Essecampotinhaumaestruturabastanteestável.Aspessoasnaverdadenãosemudavammuitoea vizinhança podia se tornar um quadro de referência para a organização de relacionamentos queduravamporlongosperíodosdetempo.Elaerausadaparaassociaçõesadministrativasetambémparaassociaçõesvoluntárias.Osegundocampotinhacomobaseaindústriapesqueira.Suasunidadeseramasembarcações pesqueiras e sua tripulação, cooperativas demarketing, fábricas de óleo de arenque eassim por diante, organizados em interdependência e não hierarquicamente.A estrutura interna dessasunidadestendiaaserumtantofixa,emboraosfuncionárioseàsvezesasprópriasunidades,pudessemmudar. O terceiro campo era, para nossos objetivos, aquele de maior interesse. Era composto deparentes, amigos e conhecidos, com elos quemudavam continuamente e sem grupos estáveis ou umacoordenação geral. Cada pessoa tinha contato com um número de outras pessoas, algumas das quaisestavamdiretamenteemcontatoumascomasoutraseoutrasemqueissonãoocorria.EssefoiotipodecampoqueBarnessugeriuchamardeumarede:

A imagemque tenho é de um conjunto de pontos alguns dos quais estão conectados por linhas.Os pontos daimagem são pessoas, ou às vezes grupos, e as linhas indicam que pessoas interagem umas com as outras.Podemos, é claro, achar que a vida social inteira gera uma rede desse tipo. Para nossos objetivos atuais, noentanto, eu gostaria de considerar, a grosso modo, aquela parte da rede total que fica para trás quandoremovemos os agrupamentos e cadeias de interação que pertencem estritamente aos sistemas territorial eindustrial(BARNES,1954:43).

DesenvolvendoessaideiaBarnescontinuousugerindoqueentreasociedadetradicionalempequenaescalaeasociedademodernahaveriaumadiferençanatramadarede.Adistânciaaoredordoburaconaredemoderna seriamaior, namedida emque aspessoasnelanão têm tantos amigos e conhecidos emcomum como na sociedade em pequena escala. Se elas fossem traçar qualquer conexão umas com osoutrasquenão fosse seu relacionamentodireto talvezessaconexão tivessede serpormeiodemuitosoutros–oqueprovavelmentesignificariaqueelasnãoestariamconscientesdessapossibilidade.

Barnesusouoconceitoderedeemseutrabalhode1954primordialmenteparaanalisarosconceitosdeclassedeBremnes.Namaiorpartedasvezes,observouele,aspessoasnacomunidadeinteragiamcomparentes iguais – a diferenciação social era um tanto limitada. Fossem quais fossem as diferenças destatus que pudessem existir entre duas pessoas em contato direto essas tenderiam a ser atenuadas noidiomaigualitárioquegovernavaainteração.Mascomoaspessoasestariamconectadasemumacadeia

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derelacionamentos,essasdiferençassutispodiamseracrescentadasumasàsoutrascumulativamente,detalformaqueadiferençatotalentreduaspessoasrelacionadasapenasindiretamenteaolongodevárioselospodiasermaisvisível.Assim,aspessoasdeBremnespodiamviveremumaredeinterconectada,namaioria das vezes com uma concepção de três classes (aqueles acima, aqueles abaixo, e aqueles nomesmonível)eaindaassiminteragirdeumamaneirageralmenteigualitária.

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Bottsobreredeematrimônio

OtextosobreBremnesrealmentenãotrabalhoumuitooconceitoderedeeaafirmaçãodeideiasqueiriammaistardeacabartendoumagrandeinfluência,foipoucomaisdoqueumaparte.Umdosleitoresqueasconsiderouinspiradoras,noentanto,fezdelasofocodeumlivroquefoipublicadopoucosanosmais tarde.Foi o livrodeElizabethBott,Family and SocialNetwork (1957) e com ele a análise deredesveioparaacidade.OtrabalhodeBottfoipartedeumestudointerdisciplinarde“famíliascomuns”emLondres;maisexatamente,eraumestudoderelacionamentosmaritais,jáqueascriançassóestavamenvolvidas perifericamente.Vinte famílias tomaram parte.Os dados foram coletados primordialmentepor meio de entrevistas intensivas com os cônjuges, já que as oportunidades para observação eramlimitadas.

A“hipóteseBott”resultantedoestudofoique“ograudesegregaçãonorelacionamentodepapéisdemarido e mulher varia diretamente com a conectividade da rede social da família”. Talvez sejanecessária alguma explicação de seus termos. Bott distinguiu três tipos de organização de atividadesfamiliares–organizaçãocomplementar,emqueasatividadesdoscônjugessãodiferenteseseparadas,mas se encaixamemum todo; a organização independente emque omarido e a esposa realizam suasatividadesemgrandepartedeumamaneiraindependenteumdooutro;eorganizaçãoconjuntaemqueoscônjugesseenvolvemematividadesjuntos,ouemqueasatividadessãointercambiáveisentreeles.Asduas primeiras dessas formas de organização predominam em relacionamentos conjugais segregados,enquantoqueaterceiraécaracterísticadorelacionamentoconjugalcomum.AvariáveldeconectividadedeBottfoiinspiradanaquiloqueBarnesteveadizersobre“trama”.Quantomaiorfosseocontatoqueosaliados do casal tivessem entre si, mais conectada seria a rede do casal. Sem medidas precisas deconectividade,noentanto,Bottformulouseuargumento,sobretudo,nostermosrelativosderedescoesasepoucocoesas.Segundoaperspectivadesseestudo,cadacasaltinhaumaredeprópria,queconsistiadaspessoascomquemoscônjugesinteragiamdiretamente.Nenhumaconexãoindiretafoiconsideradaexcetonamedidaemquepossamosdizerqueoscontatosentreosaliadossão indiretosdopontodevistadocasal.

Apenasumadasvintefamíliasrealmentetinhaumaredecoesa,masessaeratambémaquelacomospapéis maritais mais segregados. Havia redes mais intermediárias e pouco coesas, com algumasaparentemente em uma fase de transição, e ao centro delas havia um grau crescente de conjunção norelacionamentoconjugal.Qual é abasedessacorrelaçãoaparente?A interpretaçãodeBott foiqueasredescoesassedesenvolvemnoscasosemqueaspartesnocasamentocresceramnamesmaárealocalecontinuam a morar lá, com seus vizinhos, amigos e parentes como membros estáveis da rede. Cadacônjuge então continua em seus relacionamentos anteriores, e como esses aliados externos estão emcontatounscomosoutros,elespodemseuniremumapressãonormativapermanentesobreocônjugenaquestão de conformação com as regras já estabelecida para seus relacionamentos respectivos. Nessasituação,oscônjugestêmmenosoportunidadedesetornaremtãocompletamenteenvolvidosumcomooutro como ocorreria em um relacionamento conjugal conjunto. Expressando a mesma coisa maispositivamente,elesnãoprecisamsetornartãototalmentedependentesumdooutrocomoficariamselhesfaltassemconexõesexternasestáveis.

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A rede pouco coesa típica, por outro lado, emerge porque os cônjuges são, emum sentido ou emoutro, móveis, fazendo novos contatos que não conhecem seus parceiros da rede antiga. Aqui asexigênciasexternascontínuassãomaisfrágeis,eoscônjugesprecisamdependermaisumdooutroparaajuda,segurançaeoutrassatisfações.Masamobilidadenãoéaúnicainfluênciasobreaconectividadeda rede.A natureza de vizinhanças, as formas de recrutamento para as oportunidades de trabalho, ascaracterísticasdapersonalidadeeumavariedadedeoutrosfatorestambémestáenvolvida.Geralmente,noentanto,avisãodeBottéqueumaltograudeconectividadenaredeéparticularmenteprováveldeserencontradoentrepessoasdaclassetrabalhadora.Aquicommaiorfrequênciaencontraremosavizinhançaestabelecida,comfamíliasquepermanecemnomesmo localporgerações,emquevizinhoseparentesmuitasvezes trabalham juntos emuma indústria predominante ali por perto e se ajudammutuamente aobterempregosecasas.Talvezdevêssemosinseriraqui,queageneralizaçãoémaisaplicávelàclassetrabalhadoraurbanainglesaemummomentoparticulardahistória;essascondiçõesdevidaobviamentepodemounãoseaplicaràclassetrabalhadoraemoutroslocais.Ocomplexodecircunstânciascontrário,em que uma rede pouco coesa gera um relacionamento de papel conjugal conjunto, pode envolverpessoas social e geograficamentemóveis, bastante provavelmente de classemédia, que têmumgrupomaisvariadodevizinhosequecommenorfrequênciausamcontatosdaredeparaencontrarempregos.

OestudodeBottatraiumuitoscomentárioseinspirouumagrandequantidadedenovaspesquisas[2].Elaestabeleceufirmementeaideiadeumrelacionamentoentreaestruturainternadafamíliaeopadrãodeseuscontatosexternoseparecehaverbastanteacordoquantoaofatoderedespoucocoesasestaremassociadasarelacionamentosmaritaissegregados.Aevidênciaéumtantoinconclusivasobrearelaçãoentreredespoucocoesaselaçosconjugaisconjuntos,noentanto,equantoàconceituaçãoeinterpretação,comentaristas posteriores assinalaram um número de pendências na apresentação de Bott. Um pontoimportanteéqueseriamelhorconsideraroscônjugescomoduasunidadesdistintasnaanálisederede,em vez de fundi-los em uma única unidade como nesse estudo – poderiamuito bem ser uma questãocrucial saber se as partes em um relacionamento conjugal têm redes separadas ou uma redecompartilhadaouatéquepontoháumasuperposiçãoparcialentreasduasredes.Dentrodessasredes,tambémpoderíamosdarmais atençãoàdiferenciação interna.Aconectividadegeral seráumamedidasuficiente, ou deveríamos também dar atenção ao agrupamento que cria setores diferentes deconectividade variável e talvez com intervalos perceptíveis entre eles? As diferentes categorias decontatos estão mais ou menos coesas? Por exemplo, os parentes todos se conhecem uns aos outrosenquanto que os amigos não? E até que ponto são os parentes e amigos respectivamente parte dasuperposiçãoentreasredesdoscônjuges,oudaspartesdasredesquenãosãocompartilhadas?Sobquecondições uma rede coesa realmente desenvolve o consenso normativo que Bott parece meramentepresumir,esobquecondiçõessãooslaçosexistentesrealmenteutilizadosparafazercumprirasnormas?Essessãoexemplosdeperguntasquemostramamaiorintensidadededescriçãoeanálisedasredesquesedesenvolveuapóso estudodeBott.Umamaiordiferenciação semelhantepoderia serobservadanaconceituação do próprio relacionamento conjugal. Será suficiente falar de conjunção e segregação norelacionamentocomoumtodo,ouseránecessárioconsiderarcomoalgunscasaissejuntamemalgumasatividadeseseseparamemoutras?Aconjunçãoousegregaçãoemalgumasatividadesédemaiorvalordiagnósticoqueoutraspara caracterizaro relacionamento comoum todo?Nãoprecisamos exatamenteexaminaressasquestõesaqui;bastaconcluirqueFamilyandSocialNetworkfoiumestudodeinfluência

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poucocomum.

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Redeschool

Nadécadaqueseseguiuao livrodeBott,vários tiposdeconceituaçõesdas redespassaramasercadavezmaisfrequentesnaantropologia.Comisso,escolheroutropardeexemplosdaprimeirageraçãodeescritossobreredestorna-seumpoucomaisdifícil.DoisestudosporPhilipMayereAdrianMayerestãoentreosmaisconhecidos,noentanto,etambémassinalammaneirasimportantesdeexaminaravidasocialemtermosderedes.

ApesquisadePhilipMayer(1961,1962,1964)comoadogrupodoRhodes-Livingstone,baseia-senaquilo que reconhecemos como uma comunidade urbana africana do tipo B, uma cidade nova sobcontroleeuropeu,mascomumagrandepopulaçãoafricana.Dealgumamaneira,noentanto,acidadedeEastLondonnaÁfricadoSuleraumtantodiferentedaquelasnoCopperbelt.Aregulamentaçãodavidadosnegrospelosbrancosera, e continuoua ser,muitomais estrita.Por exemplo, sindicatosnãoerampermitidos.EastLondontambémeramenosvariadaetnicamentedoqueascidadesdaÁfricaCentral.Aesmagadoramaioriadesuapopulaçãoafricanaeracompostadexhosa,emcujanaçãoficavaEastLondoneédessepovoqueoestudodeMayertrata[3].

Poderíamos dizer que, à época da pesquisa, os xhosa urbanos estavam divididos em váriosagrupamentos principais[4]. Por um lado, poderíamos distinguir entre os citadinos, nascidos em EastLondonecomtodosseuslaçossociaisnaquelacidadeeosmigrantesdasáreasrurais.Poroutrolado,entreosmigranteshaviaumclarocontrasteentreduasorientaçõesculturaischamadasderedeschool.Este contraste já estava visível na vida rural. Os xhosa red [vermelhos] eram os tradicionalistasconscientes, que tinham essa designação por que pintavam seus rostos e corpos e os cobertores queusavamcomocre.Rejeitavamamaiorpartedas ideias epráticas trazidaspelos europeus, inclusiveareligiãocristãeaeducaçãomissionáriaqueaacompanhava.Osxhosaschool tinhamseconvertidoaocristianismoejáhámuitasgeraçõestinhamadotadomuitosdosvalores,conceitosesímbolosexternosquesedifundiamapartirdaculturadoscolonizadoresbrancos.Asproporçõesderedeschoolvariavamnas várias partes da terra dos xhosa,mas nas áreasmaiores os dois estilos de vida coexistiam, comcontatosumtantocontidosentreelesecomapenasumfluxomínimodenovosrecrutasdeumgrupoparaooutrocomopassardosanos.

No campo, tanto os red quanto os school eram camponeses e tampouco havia qualquer diferençaconsiderávelemtermosdeocupaçãoentreaquelesquemigravamparaEastLondon.Seoafricanourbanotípico do Copperbelt era um mineiro, o xhosa comum na cidade era um operário de fábrica.Particularmenteno setorde recreação,noentanto, asvidasurbanasdosxhosared e dosxhosa schoolacabaramsendobastantediferentes.Osprimeirosfaziampoucousodaquiloqueacidadepropriamentedita tinha a oferecer. Eles tentavam ficar o mais próximo possível dos arranjos a que estavamacostumados no campo. Assim, bebiam cerveja, envolviam-se nas danças tradicionais e no culto dosantepassadosesejuntavamparalembrardavidaruraledaspessoasdocampoouparabisbilhotarsobreelas.Osmigrantes que se envolviam nessas interações eram também aqueles que já se conheciam nocampo,emrelaçõesmaisoumenosconectadascomparentesco,companheirosdamesmafaixaetáriaouvizinhos.Emtermosde rede, issosignificavaquea redemigrantecaracterísticadosxhosared era umconjunto unitário de relacionamentos, vindos tanto do campo quanto da cidade e, de ummodo geral,

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coeso.Omigrante school, enquanto isso, estava preparadopor sua orientação cultural a participar deumavariedademaiordeatividadesurbanasemseulazer–educação,esportes,diversõeseopoucoquehouvessedeatividadepolítica.Emalgumasdessasatividades,seusparceirospoderiamsercitadinoshámuito enraizados na cidade e emmuitas outras, outrosmigrantes school.Mas não era necessário queesses parceiros fossem pessoas de sua própria área rural natal. Os xhosa school podiam assim naverdade ter duas redes, ligadas uma à outra pormeio deles próprios; uma no campo, tendendo a serextremamenteengastadananaturezadasociedaderural;outranacidadequepoderiaserpoucocoesanosentidodequeomigrantepodiaseassociarcompessoasdiferentesematividadesdiferentes.

O estudo de East London, observou Mayer, teve uma influência nas conceituações do grupo doRhodes-Livingstone. O que estava envolvido na “alternação” entre sistemas rurais e urbanos eraobviamente diferente para os xhosa red e para os xhosa school, e os dois sistemas pareciam maisdistinguíveis, pelo menos em algumas áreas da vida, para os últimos do que para os primeiros. Omigranteschoolcomoumindivíduotinhatambémmaisprobabilidadedeestarenvolvidoemumprocessodemudançadeumaviaenãodealternação.Emseuambienteurbanohaviamenospressõespessoaisqueo faziam se voltar para sua área rural de origem. Em contraste, omigrante red incorporava, em seuambienteurbano,ocompromissopermanentequetinhacomseupedaçodeterranocampo.

Mayerpôdebasear-seno raciocíniodeBottcomrelaçãoàconexãoentre formade redeepressãonormativa.Oxhosarednacidadeemcertosentidoescolhiamanterumaredecoesaporqueseusvaloreseramtaisqueodirecionavamparaumconjuntodeparceirosqueseconheciamunsaosoutrosequeeramhomogêneosemseumododevida.Nomomentoemqueeleestavanessarede,noentanto,asavaliaçõesorquestradasefetivamentelimitavamsuasoportunidadesdemudançafutura.Osxhosaschool,conscienteou inconscientemente, optavam por umamaior liberdade de ação permanente (dentro dos limites queexistiamparaqualquermigrante africanoemEastLondon)envolvendo-se compessoascuja influênciasobreeleeramenosgeneralizada.

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Conquistandoovoto

OestudodeAdrianMayer(1966)deumacampanhaeleitoralnacidadedeDewas,noestadoindianodeMadhyaPradeshempurrouaanálisederedeparafrenteemoutradireção.MayerestavainteressadonasmaneiraspelasquaisoscandidatosparaumacadeiradepartamentalnoConselhoMunicipalusavamseusrelacionamentossociaisparaconquistarovoto.Osdoiscandidatosprincipaisnessaeleiçãoeramaqueles do Congress Party e do Jan Sangh.Mayer se concentrou no candidato do Congress Party. Odepartamento era heterogêneo em termos de castas e ocupações e nenhum candidato poderia ganharapelando apenas para um grupo específico; ele teria de atrair um conjunto mais diversificado deseguidores.Nenhumdosdoiscandidatosestavaocupandooposto,emboraocandidatodoJanSanghjátivessesidocandidatoanteriormente,massemconseguirganhar.Eletinhatambémpassadoumperíodomaiordeexposiçãoaoeleitoradoeconstruídoumaamplavariedadedecontatoscomele.OcandidatodoCongressParty,poroutrolado,começouamobilizarseusseguidoresumtantotardiamente.Suacampanhaadotou a forma de criar aquilo queMayer chama de um conjunto de ações de uma forma particular.Poderíamosconsideraroconjuntodeaçõescomoumaespéciederede,emboraissonãoestejadeacordocomousofeitopelopróprioMayer.Eleconsistedeumconjuntodecadeiasfinitasderelacionamentossociaisquesepropagamapartirdeumegoequeforamcriadasporalgumpropósitoespecíficodesseego, embora cada um dos relacionamentos específicos incluídos possam ter sua própria existênciaseparadadessepropósito.Nesseúltimoaspecto,elespodemserdeumcaráterbastantevariado.Algunspodemestarbaseadosnoparentesco,outrospodemserde caráter comercial, outros ainda construídossobreabasedaparticipaçãocompartilhadacomomembrosdeumaassociação,eassimpordiante.Esseconjuntodeaçõesnãotemqualquerunidadeexcetonamedidaemquesomosintroduzidospormeiodeumrelacionamentodiretoouindiretocomoego.

OcandidatodoCongressPartynessedepartamentousouumconjuntodeaçõesdecadeiasbastantelongasparabuscaralcançarváriosgrupos.Issosignificouqueainfluênciaexercidaemcadaelopoderiaser de uma natureza muito diferente, muitas vezes mais intrínseca a ele do que relacionada com ainfluência ou programa do próprio candidato. Alguém interessado em luta livre, por exemplo, podiaaceitar a opinião de um colega no ginásio, que tinha, ele próprio, talvez sido influenciado por umfuncionário do partido ou pelo dono da loja que frequentava. Mas fosse qual fosse a natureza dorelacionamentocomotal,seelespudessemsermanipuladoscomsucesso,oresultadoseriaumfluxodeapoiopolíticoparaego,ocandidato.

Issoparecemuitosemelhanteàtécnicadacarta-corrente.Nomelhordoscasos,umefeitodeboladeneve,se todosqueforemrecrutadospuderemelesprópriosrecrutarváriosoutros;maismodestamente,talveznabasede“cadaumensinaum”mesmoassimseriaumainfluênciabastanteextensa.Mayersugereque as longas cadeias de relacionamentos sãomais úteis emuma campanha rápida “soft” destinada aatingiroaugenoprópriomomentodaeleição.Éumesforçomaciçoderecrutamentoemqueasolidezdoapoioémenosimportante.OcandidatodoJanSangh,aocontrário,tinharealizadoumacampanha“hard”.Elepróprioestavaemcontatodiretocommuitosseguidores,comoobservamos,maspodeterfeitomenosusodesuasconexõesdiretaseindiretascomoutraspessoas.ComopassardotemposeuapoiopodetersidomaissegurodoqueaqueledadopelosseguidoresdoCongressPartyparaseucandidato.Masnodia

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daeleição,issonãofoisuficiente;ocandidatodoCongressPartyganhou.

Mayer tambémassinalaoutradiferençaentrerelacionamentosdiretose indiretos.Issoenvolveumadiferençaentrepatrocinadoresecorretores.Emumrelacionamento transacional,umpatrocinadorpodeobteroquequiserdealgumaoutrapessoaapenasusandoseusprópriosrecursos,ehálimitesparaesses.Umcorretorpodelidarcompromessasdeusarsuainfluênciacomumpatrocinador,masgeralmenteficasubentendidoqueelenemsemprevaiconseguirisso.Emumsentido,então,seusrecursossãoilimitados,já que é menos provável que ele seja considerado responsável por promessas não cumpridas. Issopoderia fazer comque umpatrocinador inserisse corretores entre ele próprio e outros no conjunto deações,e,consequentemente,fizessecomqueascadeiasnosconjuntosdeaçõesdaquelescompatrocíniodisponívelfossemmaislongasqueaquelesemquenenhumpatrocíniosignificativoestavaenvolvido.NaÍndia, à época em que AdrianMayer escrevia, esse tipo de patrocínio estava com frequência sob ocontroledoCongressParty.

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Análisederede,estruturascomplexasenovasperspectivas

Porquerazãoosantropólogossevoltaramparaaanálisederede?Arespostanãopodesersimples,mas se olharmos para trás, poderemos ver que um motivo importante foi a preocupação em fazer aanáliserelacionalmaisadaptávelnoestudodeumconjuntocadavezmaisvariadodeestruturassociais.E omaior interesse na vida urbana e nas sociedades complexas de ummodo geral foi especialmenteimportanteaqui.Tornou-senecessárioterumamentemaisabertacomrelaçãoàdelimitaçãodasunidadesdeestudo,jáquecomfrequêncianãopodíamosdependerdoslimitessociais“naturais”.Deumlado,atéa comunidade local podia ser uma unidade complexa e muito grande para ser analisada, e nãonecessariamente relevantedeummodogeralparao tipodeanáliseque tínhamosemmente.Poroutrolado,nãopodíamosdeixardeconsiderarasconexõesqueestavamforadela,comaregião,comanação,comorestodomundo.Comissovoltamo-nosparaconceitostaiscomocamposocial,querepresentavaaideiadeextrairdeumateiapraticamenteinfinitaderelacionamentosaqueleâmbitoparticularemqueosfatoresquedavamformaaalgumaatividadeespecífica,ouasuasconsequências,podiamserdelineados.Um campo desse tipo, já vimos, poderia abranger tantos os relacionamentos rurais e urbanos demigrantes,assimseestendendoalémdasfronteirasdaquiloquepoderiaalternadamenteservistocomosistemassociaisseparados;oupoderiaserumaunidadecircunscritaemumsistemaassim,taiscomoosamigos,vizinhoseparentesque influenciama formadeum relacionamentomarital.Conceitosde redeforam um passo adicional na direção de um entendimento dessas unidades, na medida em que elespossibilitamumaespecificaçãomaisexatadanaturezadeconexõesnaquelecampo[5].

A ideia de redes na antropologia significa abstrair de algum sistema mais amplo, para objetivosanalíticos,conjuntosderelacionamentosmaisoumenoselaborados.Talvezissodevaserqualificado:àsvezesassinalamosque,emprincípio,qualquersistemaassim,atéomundo,podeserconsideradocomouma“redetotal”.Umaideiadestetipotemsuasutilidades.Mas,naverdade,oquenormalmentefazemosétraçarlimitesaoredordealgumaunidadequeconsideramosserpráticaparaumexamemaisdetalhado.Omotivopeloqualessasunidadespodemsertãovariáveisespecialmentenoestudodeestruturassociaismais complexas e o motivo pelo qual a análise de rede transforma-se assim, em um exercício emflexibilidade,podemos talvezentenderbaseando-nosemalgumadenossasconceituaçõesanterioresdaordem social urbana. Em uma estrutura assim diferenciada, o indivíduo tem muitos tipos deenvolvimentos situacionais, isto é,papéis, e asoportunidadespara fazermoscombinaçõesvariadasdepapéis em nosso repertório pode ser considerável. Mas a cada papel corresponde um ou maisrelacionamentocomoutraspessoas,ecomissoasredessãomontadascomumavariabilidadeque,grossomodo,écomparávelàqueladasconstelaçõesdepapéis.Seelesvãoounão serdeposterior interesseanalítico irádepender,naturalmente,deatéquepontopapéis também,dealgumamaneira,colidemunscomosoutros,detalformaquepossamosdiscernirrelacionamentosentreosrelacionamentos.

Aestaaltura, talveznossejapossívelverporqueaanálisederede tendeaserconsideradacomoparte de um complexo de inovações que foram introduzidas na visão antropológica da sociedade nosúltimos anos. Segundo o funcionalismo estrutural de estilo antigo, a sociedade pode ser consideradacomosefossecompostadegruposeinstituiçõesduradouros;ocorpodefuncionáriosquefluiporelesdesempenhaseuspapéisdeacordocomaprescriçãodetalformaqueumadelineaçãodenormaspode

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ser um relato adequado para a conduta social. Nós nos tornamos bastante insatisfeitos com essaperspectiva.Começamosa trazerparanossasanálisesocomportamentonãoinstitucional,estratégicoeadaptativo,dostiposquepodemocorrernoarcabouçoinstitucionalouparaleloaeleouquepodemgerarmudanças nele. Firth (1954: 10) foi um crítico prematuro e delicado do saber estabelecido com suadistinçãoentreestruturasocialeorganizaçãosocial,aúltimaimplicando“osprocessosdeordenaçãodaação e das relações em referência a fins sociais determinados, em termos de ajustes que resultam doexercíciodasescolhaspormembrosdasociedade”.Maistarde,vimosaemergênciadeumvocabulárioantropológicode teoriasdeaçãoe intercâmbio,modelosgenerativos,processosdecisórios, transação,maximizaçãoemanipulação.

Emparteosnovospontosdevistasedesenvolveramàmedidaqueosantropólogossedeslocaramparaáreasdavidasocialqueestavammenoscertamentesobocontrolenormativodasociedade.Vimosque o grupo do Rhodes-Livingstone começou a distinguir relacionamentos estruturais dosrelacionamentospessoaisecategóricosemseusestudosdourbanismoafricano.Ointeressecrescentenassociedadesmediterrâneaselatino-americanas,comsuascaracterísticasespeciais,tambémosafastaramde uma preocupação com estruturas grupais duradouras.Alguns relacionamentos foram cada vezmaisconsiderados fundamentalmente como negócios privados de intercâmbio cumulativo e informaçãopessoal–por exemplo, os relacionamentosde amizade, e entrepatronoe cliente.Houve tambémumanova consciência, no entanto, da latitude para escolha e variação, assim como tensões, dentro dasestruturaspersistentes.Essaconsciênciasecomparavaàatençãoàorganizaçãoinformalnasociologiadaindústriaedaburocracia.

Asnovasperspectivasanalíticasnãoselimitaramaoestudodasestruturassociaismaiscomplexas,mas pareceria haver uma conexão entre as duas. Quando repertórios de papéis e consequentementetambém as redes são variadas, combinações mais ou menos originais de experiências e recursosoferecem escopo para adaptações e estratégias inovadoras. Ao mesmo tempo, uma sociedade semqualquerarcabouçofirmemente integrativonãogarantequehajaumencaixeentreosváriospapéisnosquais um indivíduo se envolve, e, portanto, há riscos envolvidos aqui também.Umdos problemas naorganizaçãosocial,comoFirth(1955:2)disse,é“resolverconflitosentreprincípiosestruturais”.Essetipodeinsightsobreaprevalênciadecontradições,lembramo-nosbem,tambémlevouosantropólogosdo Rhodes-Livingstone a juntar seus dados de novas maneiras. Geralmente, pareceria que onde asconstelaçõesdepapéissãovariadas,os indivíduostambémtêmmaisprobabilidadedeenfrentarnovastensõeseconflitossempreparaçãoprévia,enquantonoscasosemqueasconstelaçõessãorecorrentes,podemhavermaisprovavelmentesoluçõesinstitucionalizadasparaessesproblemas.

Omotivopeloqualhámuitasmaneirasdeabstrair redesé, então,queexistemmuitasmaneirasdecombinarpapéisecriaralgointeressanteapartirdascombinações.Examinandoasredesdestamaneira,as entendemos parcialmente para transcender os grupos e instituições duradouros e parcialmente paracobriroutrasáreasdapaisagemsocial.Nasúltimashálaçosquesãomenosregulamentados,restringidosapenas pelas diretrizes privadas com as quais os participantes concordaram explicitamente ouimplicitamente admitem como certo, relacionamentos talvez criados em reação à despersonalização einsensibilidadedasinstituiçõesdasociedade.Naprimeira,acondutadoindivíduopodeatécertopontoserformadapelocontrolenormativo,masdentrodesseslimiteselepodetambémsercapazdefazeruso

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deexperiênciaseinteressesqueemergemdatotalidadeintegradadeseusrelacionamentos.Ecomissoasestruturaspersistentespodemservistasemumaluzdiferente,àmedidaqueosparticipantes tornam-senãoapenasumconjuntoumtantoanônimodefuncionários,masindivíduoscompletospormeiodosquaisas influências externas podem penetrar na vida grupal ou institucional. Não tendomuito respeito porlimitesconvencionais,aanálisede redepodecontribuirparadarumavisãocoerentedeumaestruturasocialdiferenciada.

OestudoqueMayerfezdoprocessoeleitoral indianopodenosservircomoumexemploaqui.Emmuitosdosrelacionamentosquecompunhamoselosnacadeiadocandidato,haviaumabaseinstitucionalquenadatinhaavercomapolítica.Masnarepresentaçãodessesrelacionamentos–entreumlutadoreumoutro,porexemplo–,umparticipantepoderiatambémtransmitirumamensagempolíticaqueelemaisprovavelmenteaprendeuemumcontextomuitodiferente.Nessecasoalongacadeiadecontatosindiretosentrecandidatoeseguidorespotenciais realmente foiconstruídasobapremissadequeaspessoasemsociedades complexas têm constelações de papéis diferentes, já que, com cada elo na cadeia novoscontextos passam a ser acessíveis à campanha. É um pouco irônico usar um exemplo indiano aqui, éclaro, já que a sociedade indiana em sua forma tradicional pode ser tomada como exemplo deconstelaçõesdepapéisbastantepadronizadas,emvirtudedosistemadecastas.

Deveríamos talvez observar neste estágio que a visão de redes como transcendendo grupos einstituiçõesqueadotamosaquinãoéuniversalnaanálisederede.Barnes,jávimos,foilevadoaadotarum conceito de rede em seu estudo sobre Bremnes para cobrir um resíduo de relacionamentos quepermaneciamdepoisdeumarcabouçoestruturalmaisconvencional tersidoaplicado.Essatendênciaafazer apenas conjuntos de relacionamentos sociais mais pessoais e menos persistentes o domínio daanálisederedeébastantegeneralizada,eéaquiqueanecessidadedelaémaior,considerandoafaltadealternativas analíticas. Em um estágio anterior, as conceituações do Rhodes-Livingstone sobre ourbanismo da África Central da mesma maneira conectavam ideias de rede especialmente arelacionamentospessoais.Maistarde,noentanto,Mitchell(1973b)expressouopontodevistaadotadoaqui: a análise de rede envolve um tipo específico de abstração e não um tipo específico derelacionamento.

Osusosdestaabstração,então,podemvariar.Comomuitosobservaram,nãoháqualquer“teoriaderede”nosentidodeumconjuntodeproposições testáveis logicamente inter-relacionadas–umformatoquepareceraramenteatrairospensadoresantropológicosdequalquerforma.Paranós,afimderesumirosúltimosparágrafos, asnoçõesde redeparecemparticularmenteúteisquandonospreocupamoscomindivíduosusandopapéis enãocompapéisusando indivíduos, e coma transcendênciaemanipulaçãodoslimitesinstitucionaisemvezdesuaaceitação.Ésobessaluzquevemosaconexãodaanálisederedetantocomoaquiloquepodeserchamadodeteoriadaaçãoantropológicaecomoestudodesociedadesurbanasoudeoutrassociedadescomplexas.

Parenteticamente, podemos especular que essa conexão também envolveu uma mudança norelacionamentoentreoantropólogoeasociedadequeele/elaestuda.Asociedadeurbana–ouaqueécomplexaporoutrosmotivos–emqueelefazpesquisa,écommaisfrequênciaculturalmentesemelhanteà sociedade de onde ele vem (se, na verdade, não for a mesma sociedade) do que uma sociedadetradicional, de pequena escala tende a ser. O arcabouço institucional pode parecer menos

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intelectualmenteproblemático:aconteçaoqueacontecer, talvezelesejaaté“aceitocomoverdadeiro”,considerado como um dado em sua análise. Com essa ampla afinidade cultural, por outro lado, osmembrosindividuaisdasociedadetalveztornem-semaisacessíveisàempatia.Sualutaparafazercomqueosistemafuncioneaseufavorpodesermaisfacilmenteacompanhadaecompreendidaemtodassuassutilezas pessoais, sociais e culturais, e com cada vez maior frequência, os antropólogos podem seencontrar incorporados como parte da solução, ou parte do problema, nas estratégiasmais oumenossofisticadasdealguns indivíduos[6].Dessamaneira,oantropólogocomo instrumentodepesquisapodetersetornadomaissensívelaalgunsfenômenosnonovoambiente.

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Variáveisnaanálisederede

Síntesesdeestudosderedemuitasvezesfazemquestãodecontrastarosusosmetafóricoseanalíticosdaideiaderede.Namaiorpartedesuasprimeirasocorrências,particularmentenaeraantesdosestudosde Barnes e de Bott, o uso era distintivamente metafórico: o termo se referia meramente ao fato derelacionamentossociaisestaremconectadosunsaosoutros.Comodesenvolvimentodeumaanálisederedemaisintensiva,aquelesautoresqueestãosimplesmenteembuscadeumametáforadessetipopodemterpreferidocommais frequência sevoltaremparaalternativascomo“teia”ou“tecido”a fimdenãosugerirperspectivasmuitoespecíficas.Poroutrolado,“rede”passouaserumtermodemoda,aplicadocombastantegenerosidadeemcontextosemquepodenãoserrealmentenecessário.“Pareceinteligenteporalgunsanos,mascomomuitosoutrostermosnamodasignificatodasascoisasparatodososhomensedeixarádeserusadoquandoamodamudar”,escreveBarnes(1972:1)emsuaresenha.Mastalvezessaavaliaçãosejaumpoucoinjusta.Mesmoreferênciasmais incidentaisa“redes”algumasvezes indicamuma consciência das possibilidades de uma análisemais profunda, embora possa não ser plenamenterealizada.

Oquenos interessaaqui,noentanto,sãoosestudosemqueconceitosderedeforamlevadosmaisalém da metáfora, em um desenvolvimento do pensamento antropológico que não irá exatamentedesapareceroutravezsemdeixarvestígios.AsanálisesdeBarnes,BotteosdoisMayers jáoferecemalgumaevidênciadeumaparatoconceitualmaisdesenvolvidoepodemosproveitosamentedaralgumaconsideraçãoaseuscomponentesprincipais.Infelizmente,esseéumcampoemqueacomplexidadeeaconfusãoterminológicaforamfrequentementeconfirmadas.Asdificuldadescomeçaramasedesenvolvercedo.Cadaautorcriouseusprópriosconceitosparaseadequara seusprópriosobjetivosparticularesenquantoprogredia,eatéofinaldadécadade1960nãohavianenhumaredeextensaentreosprópriospesquisadores sobre rede que pudesse ter evitado alguma proliferação desnecessária da terminologiaparamaisoumenosideiassemelhantes.Masascoisasnãomelhoraramnadaquandoelescomeçaramaentrar em contato com as ideias dos outros apenas para distorcê-las ou renomeá-las. Rede, campo,conjunto e retículo; densidade, malha e conectividade; cluster, setor, segmento, e compartimento;conjuntodeações,quasegrupoecoalizão;todossãogruposdeconceitoscomsignificadossemelhantesou superpostos. A sugestão de Firth (1951: 29) de que “qualquer ciência deve ter um orçamento determos de aplicação geral, definidos não muito estritamente” é, de uma maneira peculiar, bastanteapropriadaaqui–novocabulárioderedes,jánãoháquasenenhumtermosobrando,jáquequasetodosos termos concebíveis foram cooptados em ummomento ou outro para um uso técnico específico. Etentativas de colocá-los novamente em um uso convenientemente vago, embora algumas vezespraticamenteinevitável,podeentãocausaroutrasdificuldades.

Emboraumasériaatençãoaconceitosobviamenterelacionadoseaosintercâmbiosentreelesentreosestudiososenvolvidos,podeàsvezesrevelardistinçõesanalíticassignificativas,aquinãoéexatamenteolugar para oferecer um dicionário de terminologia sobre rede. Tentaremos, em vez disso, ver em quetiposdeatributosgeraisdasredeséqueasdiscussõesseconcentraram.OtratamentosistemáticomaisimportantedessecampoéprovavelmenteaintroduçãodeMitchell(1969b)àSocialNetworksinUrbanSituations, o volume de um simpósio principalmente sobre os estudos centro-africanos da Escola de

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ManchesterduranteaeradoRhodes-Livingstoneoupoucodepoisdela[7].AEscoladeManchesterestavaintimamente conectada com o desenvolvimento da análise de rede desde o começo. Barnes, após terestado com o Instituto Rhodes-Livingstone fez seu trabalho de campo na Noruega como um membropesquisadordaUniversidadedeManchester,eBott(1971:316)reconheceuainfluênciadosemináriodeMax Gluckman sobre seu próprio pensamento. Em outra de suas primeiras formulações sobre redes,Epstein (1961) tinha usado um diário dos movimentos e contatos de um assistente para retratar acomplexidadedavidaurbananaÁfricaCentral.ParaosacadêmicosdeManchester,aanálisederedeeraevidentementeumdesenvolvimentonaturaldentrodaquela tradiçãodeuma leituraatentadosmateriaisrelacionados comcasos específicos que já tinha resultado emestudosde casoprolongados e análisessituacionais;umdesenvolvimentoquelhespermitiuaindamaiorrigordescritivo.

Mitchell, em sua introdução, estabelece uma distinção, também adotada por outros, entre atributosinteracionais, que se referem a elos específicos (tais como intensidade, durabilidade, frequência, ouconteúdo)eatributosmorfológicos,referindo-seàsmaneiraspelasquaisoselosseencaixam.Emboraoprimeirocertamentenãopossasernegligenciadoemqualqueranáliseparticular,nosconcentraremosaquinosatributosmorfológicos,jáqueoesclarecimentodesseséacontribuiçãomaisespecíficadaanálisederede.

Umaprimeiraáreadevariação,comonossosexemplosjánosmostraram,envolveosprincípiosparaabstrair a rede de uma unidade social mais ampla. Isso, já dissemos antes, não é uma questão dedescreverosatributosintrínsecosdospadrõesderedeesimumaquestãodedecidiroqueéapropriadopara os nossos objetivos analíticos. As alternativas parecem ser de dois tipos principais, com umacombinaçãodelescomoumaterceirapossibilidade.Podemosdefinirumaredeancorando-aemumpontoparticularnaestruturadosrelacionamentossociais,talcomoemumindivíduoouemambasaspartesdeumadíadeespecífica,esedeslocarparaforaapartirdaliatéopontoemqueissopareçanecessárioouútil. Issoéoqueéchamadoumaredepessoalouegocentrada (“egocêntrica”);o termofoiusadoparacobrir tanto a ancoragem individualquantoadupla, emborapareçamais exato restringi-la àprimeira.Outraalternativaéconstruiraredeaoredordealgumtipoparticulardeconteúdonosrelacionamentoseassim,porexemplo,abstrairaredepolíticadaredetotal–esseprincípiodeabstraçãolevaàquiloqueénormalmentechamadodeumaredeparcial.Terceiro,podemosdelimitarumaredeparcialdopontodepartidadealgumegoparticular.Esseúltimoémaisobviamenteoqueestáenvolvidonarededopolíticoem campanha de Adrian Mayer. Um tanto menos claramente, essa é também a natureza das redesconjugaisdeBott,àmedidaqueelalevaemconsideraçãoapenaseloscomrelativos,amigosevizinhos.Éclaro,Bottaomesmotemponosdáumexemploderedesconsideradascomobaseando-seemdíades,comoproblemaanalíticoespecíficoquetalancoragemexige.

Seumaredeédefinidadopontodevistadeumcentrocomoesse,apróximaquestãopodeserondeseus limites externos devem ser desenhados. No caso da campanha política, estamos obviamenteinteressados em descobrir até que ponto a cadeia de relacionamentos pode ser usada paramobilizarapoio político.Emmuitos estudos, por outro lado, os limites da rede são pragmaticamente colocadosmuitomaispertodocentro.NocasodeBott,aredeincluiapenasapessoacomquemocasalestáemcontato direto. Embora os elos laterais entre essas pessoas supostamente devessem estar incluídos,podemosobservarquepoderiam terhavidooutrosmaisalémdaquelesqueBottconhecia.Ela tevede

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descobrir sobreelesapenaspelasentrevistascomocasalnocentro,cujopróprioconhecimentosobreissopodenãotersidoperfeito.Sesupusermosqueumaredecontémapenasoselosdiretosdeegoparaoutraspessoas,temosaquiloqueéchamadodeumaestreladeprimeiraordem(cf.BARNES,1969).Seincluirmos os relacionamentos laterais entre esses outros também, o conjunto de relacionamentos échamadodeumazonadeprimeiraordem.Quandoédadomaisumpassoparaforaapartirdessesoutros,temosuma estrela de segundaordem; se relacionamentos laterais são, umavezmais, incluídos, temosumazonadesegundaordem;eassimpordiante(cf.figura3).MasoexemplodoestudodeBottmostraque essas unidades de rede tendem logo a se tornarem ingovernáveis. Examinando a rede a partir docentro,podemos simplesmentenão ser capazesdevermuito longe.Voltando-nosumavezmaispara acarta-corrente,depoisdeelapassaralémdenossaestreladeprimeiraordem,éprovávelqueapercamosdevista.

Figura3Redesderelacionamentos:(a)estreladeprimeiraordem;(b)zonadeprimeiraordem(c)estreladesegundaordem.

Dentro da rede, por mais delimitada que seja, a característica morfológica que atraiu maiscomentárioséaquiloqueBottchamoudeconectividade,masqueéhojecommaisfrequênciachamadadedensidade. Ela é normalmente definida como a proporção dos relacionamentos que realmente existemcomrelaçãoaonúmeroque iriaexistir entreumnúmerodeterminadodepessoas seelas fossem todasdiretamente conectadas umas às outras (cf. figura 4). Já observamos queBott, e PhilipMayer em seuestudodosxhosa,conectamdensidadeacontrolesocial.Umapessoaemumarededensaprovavelmenteseráexpostaàinfluênciadequalqueroutroparticipantepormeiodeelosdiretosetambémindiretos.Masemborahaja,maisprovavelmente,umamedidadeverdadenisso,comovárioscomentaristasobservaram,hánecessidadedeumamaiorespecificaçãodascondições.Todososrelacionamentospodemtalvezserusadospara canalizar influências, por exemplo, se a comunicaçãodentrodeles flui principalmente emumadireçãoedentrodaredeaspessoaspodemestarcolocadasdeumamaneiramuitodiferente, tantopara exercer influência quanto para estar na extremidade receptiva. Conceitos de centralidade ou dealcançabilidade pertencentes a posições particulares na rede podem ser usados para iluminar essaquestão.Esforçosrelacionadosforamfeitosparamostrarqueadensidadepodenãoserdeformaalgumauniforme dentro das redes. Em algumas áreas de uma rede as pessoas podem estar conectadas maisintimamente,commaisoumenostodososmembrosdiretamenteconectadoscomtodososoutros.Entreumtipodeclustercomoesseeoutraspartesdarede,poderiahaverpoucasconexões.Éprovávelqueuma situação assim tenha mais possibilidade de ser identificada em variedades egocentradas deabstrações de rede, já que em outras circunstâncias o aluno pode estarmenos inclinado a considerar

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essesclusterscomosesequerpertencessemàmesmarede.Nessecaso,noentanto,aaglomeraçãopodeseraltamentesignificativa.Umindivíduoenvolvidoemdoisclustersdistintos,eexpostoaofogocruzadodeinfluênciasdiferentesentreeles,estáemumaposiçãointeiramentediferentedapessoaemumaredededensidademaisuniforme.

Figura4Redesdedensidadevariável:(a)10conexõesverdadeirasem28conexõespossíveisentre8pessoas–densidade0,36;(b)13conexõesverdadeirasem28–densidade0,46;(c)17conexõesverdadeirasem28–densidade0,61

Emmuitas redes,éclaro,háapenasumcluster degrandedensidadeemaior escassezno restodarede,ouumdeclíniogradativoemdensidadedeumsetorparaosoutros.Parcialmentecombasenessecritério, alguns autores dividiram redes egocentradas em partes diferentes, tais como redes íntimas,efetivaseestendidas–onúmerodepartesdiferenciadasvaria.Comoindicamosrótulos,noentanto,aformadaredenãoéoúnicocritérioparaessasdistinções;critériosinteracionaistaiscomoaintensidadeeoconteúdotambémcontamenãohánenhumrelacionamentoumaumcertoentreesseseadensidade.

Uma característica morfológica final das redes egocentradas que podemos observar é a deabrangência (“range”).Às vezes, e às vezes não, essa característica é idêntica à amplitude (“span”).Essaéumamedidadonúmerodepessoasqueumapessoapodealcançarpormeiodesuarede.Podeserlimitadaàspessoasqueestãoemcontatodiretocomego,emborapossamostambémdefini-laparaincluirrelacionamentos de segunda e de terceira ordem e assim por diante. Expressa dessa maneira, aabrangênciaéumconceitoclaramentequantitativo.Tambémépossível,noentanto,acrescentarmaisumcritério,odeheterogeneidade.Sobreumapessoacujoscontatosincluampessoasdostiposmaisdiversos–emtermosdeidade,classe,etnicidadeeoutrascoisasmais–poderíamosdizerqueelatemumarededemaiorabrangênciadoqueaquelaque temomesmonúmerodecontatos,mascomumconjuntomaishomogêneodepessoas.

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Usoselimitações

Falamos novamente, de uma maneira bastante simples, sobre algumas variáveis importantes dasredes. Por que motivo, então, elas são importantes? Uma resposta geral é que elas – as variáveismorfológicas e interacionais juntas – provavelmente constituem o arcabouço mais extenso e maisamplamenteaplicávelquetemosparaoestudodasrelaçõessociais.Elasnosdãoumaideiadaquiloqueépotencialmenteconhecíveleaquiloqueserianecessárioparaquealgoseaproximassedacompleiçãona descrição de relacionamentos. O arcabouço pode até permitir algumas medidas quantitativas derelacionamentos e as formas que eles assumem juntos. Sob a inspiração de corpos de ideiasrelacionados, tais comoa sociometria e a teoriamatemáticagráfica,ospraticantesdaanálisede redeforam capazes de criar fórmulas de densidade, de alcançabilidade, de centralidade, de aglomeração(clustering)eoutrasvariáveis.Repetindo,então,podehaverumrigor sobreasconceituaçõesde redeque podemos achar admirável. É um rigor, no entanto, que é acompanhado por limitações práticas. Éextremamentedifíciledemoradoperceberessepotencialdeexatidãoanãosernocasodeunidadesderedebastantepequenas.Doisestudosfamosospodemexemplificarisso.

OprimeirodeleséaexploraçãodeduasredespessoaisfeitaporJeremyBoissevain(1974:97-146)[8].Essaexploraçãofoiconcebidacomoumestudopilotodorelacionamentoentrecertasvariáveiscujanaturezanãoprecisanospreocuparaqui.Oquepodemosobservar,emvezdisso,éoprocedimentoeaabundânciadedadosenvolvidos.AsredeseramasdedoisprofessoresprimáriosemMalta,umnaáreaurbana,outronaárearuraleacoberturafoiprimordialmenteadesuaszonasdeprimeiraordem.Paraoprofessor rural isso incluía 1.751 pessoas, para o professor urbano 638 – a diferença pareceparcialmente relacionadacomadiferençadeseusambientes[9].Essaserampessoascomquemosdoistinhamoumantinhamcontato.Foramincluídasalgumaspessoasqueosprofessoresnãotinhamconhecidopessoalmente, mas que sentiam como se conhecessem, tais como cônjuges de parentes próximos queviviamnoexterior. (Existe esse tipodemigraçãodeMalta.)Poroutro lado, foramexcluídas criançascommenosde14anosdeidade.Certamente,comonãohaviameiodechegaraessesnúmerosanãoserobtendo identificações dos dois informantes, suas redes verdadeiras provavelmente eram um tantomaiores,jáqueelesnãopodiamexatamenteselembrardetodasaspessoasquepassaramporsuasvidas.Paracadapessoa–1.751mais638–foipreenchidaumafolhadeinformaçõesqueforneciadadossobrea origem social da pessoa, o número de papéis relacionais compartilhados com o informante, afrequênciadecontato,oúltimocontato,conteúdodorelacionamento,econhecidosqueessapessoaeoinformante principal tinham em comum. Essas folhas foram também categorizadas de acordo com aimportânciaemocionaldosvárioscontatosparao informante.Osdois informantes tambémderamumainformação biográfica extensa, inclusive material de casos sobre várias situações que envolviamsegmentosdiferentesdesuasredes.OriginalmenteBoissevaintinhatidoaintençãodedesenvolverumaamostra maior de informantes desse tipo. Mas, de maneira nada surpreendente, quando decidiuconsideraroexperimentocomocompleto,elesótinhaconseguidocoletarosdadosparaessesdois.

Sentimo-nosmenos do que generosos ao expressar umapalavra de crítica a um esforço assim tãogrande.Deacordocomoquefoiditoacima,noentanto,podemosobservarqueparadoxalmente,atarefaaindafoi,deumasduasformas,umtantolimitada.ComoBottemsuasentrevistas,Boissevainobtevea

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históriadecadaelodarededeumladoapenas.Ainformaçãosobrecontatoslateraisentreosoutrosnaredepoderia serpoucoconfiável seopróprio informantenãoestivessebem-informado.Parachecarainformaçãocomosoutrostambém,noentanto,seriamnecessáriasoutras2.389entrevistas,algumasdelascompessoas espalhadaspelomundo.Essa íntegrabuscadedefeitos é algoquepodemosnospermitirquandonãotemosdefazerotrabalhonósmesmos.Damesmaforma,podermosobservarqueasredesqueBoissevainabstraiusãopoucoprofundas,namedidaemquesórelacionamentosdeprimeiraordemforamincluídos.Masmesmoseabuscadeelosmaisdistantespudessemfrequentementelevardevoltaamuitasdas pessoas já incluídas, já que as pessoas em uma sociedade relativamente pequena como Maltaprovavelmentetêmbastantesuperposiçãoentresuasredes,umaextensãoparaincluirzonasdesegundaeterceiraordensiriaclaramenteproduzirumaquantidadededadosaindamenosmanejável.

Boissevainfezatentativacorajosadeincluirtodasaspessoasemumazonadeprimeiraordem,emvezdeselecionaralgumgrupomenoremtermosdeimportânciageralourelevânciaparaalgumproblemaespecífico. Ele até considerou a rede como cumulativa, no sentido de que relacionamentos em quenenhumainteraçãoestavanaquelemomentoocorrendoforamevidentementeconsideradoscomoseaindacontinuassem,emboradeformalatente.Comtaisambiçõesdeextensão,épraticamenteimpossívelobterdadosdeumaqualidadeideal.Ooutroestudoqueexaminaremossedeslocouemumadireçãodiferente.Trata-se da análise feita por Burce Kapferer (1969) de uma disputa em uma pequena rede detrabalhadoresindustriaisemKabwe–acidadedaÁfricaCentralanteriormentechamadadeBrokenHill,olocaldapesquisadeGodfreyWilsonalgumasdécadasantes.

OcenáriodoestudodeKapfererfoiorecintodecélulasemumestabelecimentomineradoremqueoúltimoestágionapreparaçãodozincoocorre.Havia três seçõesno recinto,eoestudoestavavoltadoparaaspessoasemumdeles.Quinzeoperáriospassavamtodoseutempodetrabalhoali,enquantooutrosoitodividiamseu tempoentreas seções.Amaiorpartedelesestavaempregadapor tarefa realizadaesuasfunçõesnormalmenteeraminterdependentes.Oprocessodetrabalhonormalmentecaminhavaemumritmo estável, embora de vez em quando um dos operários pudesse se sentir tentado a acelerar.Normalmenteeramosoperáriosmaisjovensquesesentiamcapazesdetrabalharcommaisrapidez;issoeraameaçadorparaosmaisvelhosquetemiamperderseusempregossenãopudessemmanteroritmo.Nessecasoadisputacomeçouquandoumoperáriomaisvelho,Abraham,acusouumrapazmaisjovem,Donald, de reduzir o preço por peça. Donald, por sua vez, respondeu com uma acusação velada debruxaria. Presume-se que os homensmais velhos sabemmais sobre bruxaria e é um recurso que umapessoa poderia usar se sentisse que sua posição estava ameaçada. Seria de se esperar que esseintercâmbiofariacomqueosoutroshomensseposicionassememcadaumdosladosdeacordocomsuaidade,mas isso não ocorreu. Emvez disso os outros operários pareceram concentrar sua atenção emváriasquestõescolateraise,nofinal,Abrahamseviucomumforteapoio tantodos jovensquantodosmais velhos, enquantoDonald ficou um tanto isolado.A pergunta, então é a seguinte: Por que algunshomens tomaram partido de uma maneira que parecia oposta a seus reais interesses nas questõesnormativasdevelocidadenotrabalhoebruxaria?

Kapfererargumentouqueoprincípiomaisimportantesubjacenteàcondutadosparticipantesnesteeemmuitosoutrostiposdesituação,erasealinhardeumaformaqueprejudicasseomenospossívelseusinvestimentosnoconjuntototalderelacionamentosenvolvidos.Paracomeçar,issoiriaafetaroshomens

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que estivessem conectados com apenas um dos disputantes, ou que tivessem investido mais em seurelacionamento com um deles e não com o outro. Kapferer assim comparou as qualidades dosrelacionamentosdiretosconectandovárioshomensaAbrahameaDonald,emtermosdastrêsvariáveisinteracionaisdeintercâmbio,conteúdo,multiplexidade,efluidezdirecional.Oconteúdodointercâmbiopoderia ser de cinco tipos: conversação, brincadeiras, ajuda no trabalho, ajuda financeira, e serviçopessoal.Amultiplexidadeserefereaonúmerodeconteúdosdointercâmbioemumrelacionamento.Semais de um tipo, o relacionamento era considerado comomultiplex.A variável de fluidez direcionalreferia-seaofatodequealémdaconversa,osconteúdosdointercâmbiopoderiamfluiremqualquerdasduasdireçõesouemambas.

Emboranãosejaestritamenteumaparteintegraldaconceituaçãoderede,anoçãodemultiplexidadepodemerecerumaspoucaspalavrasadicionaisaqui,jáquecontinuaremosanosbasearnela.OusodeKapfererfoiumtantoespecializado;quandoGluckman(1955:19ss.,1962:26ss.)introduziuoconceito,eledefiniuorelacionamentomultiplexapenascomoumrelacionamentoqueserviaamuitosobjetivos.Nasociedadetribalcomaqualeleestavalidando,seriapossíveldizerqueagrandediversidadeinternadeconteúdoemumrelacionamentoassimaindaestavaenvolvidaneleapenaspormeiodeumúnicopapel.Relacionamentoscomoessesocorremtambémnavidaurbana,éclaro,porexemplo,nosetordoméstico.Masespecialmentenaestruturasocialmaisdiferenciada,amultiplexidade tambémsurgequandoegoealtercomeçamainteragirumcomooutropormeiodedois(oumais)conjuntosdepapéismaisoumenosdistintos. Iremos tratar dissomais tarde.OusodeKapferer, enquanto isso, parece estar entre os doistiposdemultiplexidade.

Quandoelemapeouoconteúdodointercâmbio,amultiplexidadeeofluxodirecionalnasconexõesentreoshomens,Kapfererdescobriuquecertamentehaviaumatendênciaasealinharcomodisputantecomquemapessoatinhalaçosmaisfortes.Masissonãoexplicavamuitacoisa,poisvárioshomensquetinham se alinhado a Abraham tinham omesmo tipo de relacionamento com ele e comDonald e umhomem,ochefeda tripulação,queparecia terumlaçomuitofortecomDonald,mesmoassimficoudoladodeAbraham.Épor issoqueKapferer,comoumpróximopassoemsuaanálise,decidiuexaminartodaarededehomensapartirdaperspectivadecadahomemsucessivamente.Éaquiqueasvariáveismorfológicas (estruturais no vocabulário de Kapferer) entram na análise. Ele empregou quatro delas,todasmensuráveisquantitativamente.Duasdelasserelacionavamcomaproporçãoderelacionamentosmultiplex,entreosrelacionamentosdiretosdeumhomemcomoutroshomenseentreasconexõeslateraisentre esses respectivamente. A terceiramedida foi a densidade dos relacionamentos laterais entre oshomensaquemegoestavadiretamenteconectado.Amedidafinalfoiumadeamplitude(span)nestecasodefinidacomoaproporçãode todososrelacionamentosexistentesentreoshomensqueécompostadeconexões diretas entre ego e outros juntos com as conexões laterais entre esses outros. Para cadavariável,asmedidaseramdicotomizadas,detalformaquemetadedoshomenssãoclassificadoscomo“altos”eaoutrametadecomo“baixos”.Asquatroclassificaçõesparacadahomemforamconsideradascomo umamedida das diferenças de grau da conexão que o prendia à rede total de relacionamentos.Quandonesteestágioos relacionamentosdiretoseos indiretosentreosparticipantesnadisputa forammapeados,chegou-seàconclusãoqueAbrahampodiacaptaroapoiodemuitosque,pelanaturezadeseusrelacionamentos diretos com os disputantes pareceriam não estar comprometidos, em virtude de seusfortesrelacionamentoscomterceirosinfluentes.

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UmaexplicaçãosumáriacomoessanãopoderiaexatamentefazerjustiçaàricaetnografiaeanálisedeKapferer. Tampouco foi possível resumir sua discussão dos relacionamentos entre os critériosmorfológicos.PoderíamosobservaraesserespeitoqueBarnes(1972:13),emborafavorávelaoestudocomoumtodo,estáumtantohesitantequantoàformulaçãodasmedidas.Oquenosinteressamaisaqui,no entanto, são as exigências para o trabalho de campo para uma análise de rede assim tão precisa.Kapfererrealizouobservaçõesnorecintodecélulasporváriosmeses.Comseucampocontidoemumespaçoincomumentepequeno,eenvolvendoumnúmeromuitolimitadodepessoas,elepôdeobterdadosobservacionaissobretodososrelacionamentos.Tendonadamaisdoqueumaouduasdúziasdepessoascom quem lidar, foi-lhe possível examinar a rede a partir da posição de cada indivíduo, e sentir-sesegurodeque todosos relacionamentosdentrodesseuniverso lheeramconhecidosemalgumdetalhe.Situaçõesdecampocomoessassãoraras:esejamquais foremsuasvantagensmetodológicasépoucoprovávelquetodososantropólogosgostassemdechegaratéelas.

Aquestão,entãoéondeabuscaporrigorlevaaanálisederedeecomoosantropólogosirãoreagiraisso.UmareaçãohumanistapodeserexemplificadaporSimonOttenberg(1971:948)emsuaresenhadeSocialNetworksinUrbanSituations:

Pareceprovávelqueavisãoderedesirásedeslocarmaisemaisnadireçãodateoriagráficaedamanipulaçãoestatísticadeconexõesderede.Namedidaemqueissoocorrer,elairálevaraumaprecisãocientíficamaior,mastambém na direção de uma ciência fria. Uma abordagem que começou em parte como uma tentativa decompreender como os indivíduos operam no meio social urbano, e como eles chegam a decisões e invocamconexõessociais,provavelmentesetornaráumsistemaextremamenteformaldeanálisenoqualoindivíduocomoserhumanodesaparecenoscálculosderede.

Há também o comentário de Anthony Leeds, de uma posição geralmente crítica de microestudosantropológicosurbanos,queéhoradenosafastarmosdas“trivialidadesdametodologiaderede,estudosnasesquinasdasruas,analisandoasregrasparaumalutajustaetc.”,emaisespecificamenteque“amaiorparte da literatura africana sobre rede parece completamente atolada emmetodologia porque ela nãoconseguiuatacarquestõesimportantesdeteoriasubstantivamaisampla”.

A hesitação humanista é uma questão de preferência pessoal. Há vários estilos de se fazerantropologia.AcríticadeLeedspareceapontarparadificuldadespráticasmaissériascomadisciplinanodesenvolvimentodeestudosderede.Pormaisadmirávelqueaintensidadedesuaanálisepossaser,todo o aparato de variáveis e medidas interacionais e morfológicas não é fácil de ser deslocado naestrutura social[10]. Pode haver um risco de que à medida que continuemos a lutar para obter umaprecisãomáxima,aanálisederedefiquecadavezmenosadaptadaàvidahumana–elapassaaserumcasodeinvolução–enãoevolução–teóricaemetodológica.

Nãopareceexatamentenecessário,noentanto,continuarcomestudosderedeapenasnessadireção.Tanta coisa foi atribuída à análise de rede durante seus anos comouma indústria de desenvolvimentoantropológico(etambémumdesenvolvimentointerdisciplinarhojecomumapublicaçãoeumasociedadeinternacional próprias) que o conceito de rede compara-se aos de “papel” e de “classe” na luta paraentender a sociedade em geral, e ela é, para a antropologia da sociedade complexa, aquilo que agenealogia foi para o estudo da sociedade tradicional com base no parentesco. Talvez haja algo deverdadenessasafirmações.Maspossivelmenteelaspodemserconfirmadascommaissucessoporumanormalizaçãodopensamentosobrerede,enestecasooconjuntodeconceitosenvolvidospassariaafazer

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parte do vocabulário geral de todos os antropólogos, para serem usados com exatamente aquelaintensidadeecompleiçãoqueaocasiãoexige,comoosoutrosconceitos importantesqueacabamosdemencionar. Para nossos objetivos, preferimos assim enfatizar a flexibilidade em vez do rigor e daprofundidade.Àmedidaquetentamosdescobrirmaissobrecomoasideiassobreredepodemnosajudaraclarificaravidaurbana,asexigênciasmetodológicaspodem,pelomenostemporariamente,adotarumperfil mais discreto. Podemos contar conexões até o ponto em que acharmos que isso seja útil einteressante;asvariáveismorfológicas (queparecemseracontribuiçãomais importantedaanálisederedeparaaconceituaçãoantropológica) seráaplicadadeumamaneira fragmentadanamedidaemqueacharmos que elas sejam iluminadoras para lidar como problema emmãos, e não comoumconjuntoindivisível.Esseéotipodepensamentosobreredesquepodemmereceralgunsexemplosmais.

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Acomunicaçãobocaaboca:fofocaseredes

Emboravários autores antropológicos tenham tidoalgoadizer sobrea fofocacomopartedavidacomunitária, eles o fizeram namaior parte das vezes en passant até 1963, quando o ensaio deMaxGluckmansobrefofocaeescândalosestimulouumasériedeestudoscomuminteresseconcentradomaisfortementenesse tópico.ApesardaposiçãodeGluckmanemmeioaoambientedeManchesterondeaanálise de rede florescia, esse ensaio não fez uso de conceitos de rede e geralmente permaneceu noarcabouçodofuncionalismoestrutural.Afofoca,nessavisão,serveprimordialmenteparamanterauniãodosgrupos,especialmenteaquelesrelativamenteexclusivosemuitoligadoscomoaselites,asprofissõesou as minorias. Em um sentido óbvio, é claro, a fofoca é falar sobre pessoas, mas maisfundamentalmente, segundoGluckman, é ummeio de expressar e afirmar normas. Pormeio da fofocapodemoscausardanoaosinimigosesançõescontraosdissidentesnogrupo.Podemostambémmanterosintrusosforadogrupo,namedidaemqueelesnãotêmoconhecimentoacumuladosobreaspessoasesuacondutapassadaqueéabasedafofocacomoumaartenobre.

Basicamente a mesma mensagem é reafirmada em termos de rede em um texto curto escrito porEpstein(1969)noestilodeestudosdecasodeManchester.LidandocomumaredeumtantodensaqueincluíaprincipalmentetrabalhadoresdecolarinhobrancoemNdola,outradascidadesdoCopperbelt,eleobteveahistóriadocasoentreCharleseMonicadeváriasfontes.Amboserammembrosdeumcírculoum tanto sofisticado e prestigioso; omarido deMonica,Kaswende, não.Epstein ficou impressionadopelo fato de as notícias sobre o caso e a reação violenta deKaswende a ele terem se espalhado demaneiratãoeficientepormeiodaredeetambémofatodenãohaverpraticamentequalquercomentárionegativosobreoadultérioenvolvido.Amaioriadoscomentaristaspareciam,aocontrário,estarafavordeMonicaeCharles,naopiniãodeque,dequalquerforma,MonicaeraumamoçamuitoatraenteparaestarcomKaswende.Emconclusão,Epsteinsugerequearedefechadadesofisticadosusouessafofocaparadefinirsuasprópriasnormasesuaseparaçãodamassadeurbanitassemqualificaçõeseincultos.SeosnovoscentrosurbanosdaÁfricaaindanãoformaramclassesqueagemcorporativamentecomogruposestáveis,ofluxodafofocapormeioderedesdensaspelomenospermitequeseusmembroscomecemadefinirumaidentidadeseparada.(Esse,então,foiumcasoemqueaestruturadeclasseemergentetornou-seumfocodeatençãoemumestudodoCopperbelt.)

Epsteinaindafazrelativamentepoucousodeconceitosderedeemsuainterpretação.Eleobservaqueteria sido interessantebuscar a trilhada fofocaapartirdadensaaglomeraçãonocentro (i.e., a “redeefetiva”)nadireçãodaperiferia,paravercomoelamudadecarátereeventualmentedefinha,masseusdados não eram suficientes para isso. Ele tampouco discute explicitamente o relacionamento entre aintensidadedafofocaeaformadarede.TaisquestõeseramumpoucopreocupantesnamedidaemqueeupróprioexploreiaspossibilidadesdeumaanálisederededafofocacombasenasexperiênciasdecampoemumbairronegroemWashingtonD.C.(HANNERZ,1967).Aquestãoseafofocaserveparamantercoesãofoinessecasovistacomoumaquestãodecontrolesocial–seráqueaspessoas,aomanteremumfluxoconstantedeinformaçãosobreterceiros,garantemsuaconformidadecomasnormas?

Nessecaso,arespostafoiparcialmentenegativa.Quandomaisnãofosse,nascondiçõesconfusasdogueto,poucaspessoasestavamdispostasaseentregarafofocas.Aspessoaspreferiamnãoseenvolver

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muito com as outras, particularmente porque elas poderiam ressentir as intromissões em suas vidaspessoais.Isso,éclaro,tempoucoavercomaformaderede.Alémdisso,noentanto,essastentativasdefazer cumprir normas como resultado de fofocas poderia fracassar se o setor de rede envolvido nãopudesseestarabsolutamenteseguroda lealdadedeseusmembros.Acomunidadedoguetopoderiaserconsideradacomoumaredeinterconectadadedensidadevariada.Emumaexistênciacheiadeproblemas,as pessoas viveriam de acordo com normas operacionais um tanto variáveis (ao contrário de normasideais) eos indivíduos estariam inclinados a estar rodeadosdepessoas comalinhamentosnormativossemelhantes.Noentanto,muitasredespessoaisiriamrevelaralgumadiversidadeinternanesseaspecto,eparaoutrosindivíduosumavezmaisexistiriaapossibilidadedereconstruiraredeparaencontrarapoiopara outras normas. Nessa situação, a fofoca algumas vezes levaria ao cumprimento de normas; maspoderiatambémserumcatalisadorpararomperouatenuarosrelacionamentoscompessoasqueinsistiama respeitodenormasàsquais tinha se tornado indesejável, inconvenienteou simplesmente impossívelobedecer.

Masasfofocasnoguetonegro,tambémobservei,nãoeramsempredotipoinformativo(enamaiorpartedasvezesodioso)sobreoqualGluckmanbaseouseuargumento.Grandepartedaquiloquepassavapelacomunicaçãobocaabocadoguetoerasimplesmentedanaturezadenotícias,eumavezmaisissopoderia ser visto contra o pano de fundo da forma de rede. Muitos dos moradores do gueto,particularmentejovensadultos,acumulavamredesbastanteamplas.Essasnãosãonecessariamentemuitodensase issopoderia tendera limitara fofoca,namedidaemqueaspessoasprovavelmentepreferemfofocarsobreconhecidosmútuos.Oqueémaisimportanteaqui,noentanto,équehámuitasvezesapenasumabaixafrequênciade interaçãoemconexõesmesmoemsetoresderedebastantedensos.Emoutraspalavras,muitosrelacionamentospodemserconsideradoslatentes.Assimlongosperíodospodempassarsemquedoisconhecidos(ouatémesmo“amigos”)seencontrem.Maspormeiodafofoca,elespodemsemanter informados um sobre o outro pelomenos comumpoucomais de regularidade, sabendo talvezsobre mudanças de emprego, de endereço, de estado civil, ou de estilo de vida em geral. Juízosnormativos,quepodemounãoserpartedetalinformação,podementãonãosermuitoimportantes.Oqueésignificativoéqueaspessoasobtêmummapadeseuambientesocialmutantequeasajudaadirecionarseucurso.Aqui,então,afofocaéprimordialmentesobreaspessoas,esósecundariamente–oudeformaalguma–sobrenormas.

A essa altura, minha interpretação aproximou-se da segunda corrente principal em análises defofocas,quefoiprimeiramentepropostaemtermosmaisgeraisporRobertPaine(1967).Painedescrevesua visão como uma alternativa a de Gluckman, embora possa ser mais exato considerar as duasperspectivascomocomplementares[11].Essaéavisão transacionalistadafofoca,queenfatizacomoosindivíduosmanipulamafofocaparapromoverseusprópriosinteresses.Aadministraçãodainformaçãopassaaseroconceito-chave.Osparticipantesnafofocaqueremobterinformação;tambémpodemquererfazer com que a informação com a qual contribuem flua em direções específicas e de uma formaespecífica.SeemseuprimeiroartigosobreessetemaPainemencionaredesapenasenpassant,emumtextoposterior(1970)baseia-semaisdiretamentenessaideia,aomesmotempoemquecolocaafofocaemumcontextomaisamplodeanálisedecomunicaçãoinformal.Comessetextovoltamosàsociedadelitorâneanorueguesa;noentanto,dessaveznãoéaBremnesdeBarnese,sim,aumaaldeiamaisparaonorte,chamadaNordbotn.Éumapequenacomunidade,comumaredegeralmentedensa,ondeaspessoas

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deummodogeral têmumaboavisãodos relacionamentosdeuns comosoutros.Nessa situação, sãoparticularmenteosempreendedoresdaaldeiaque têminteresseemmanipular informação,emboraelesnãosejamigualmentehábeisnessejogo.Painediscuteasvantagensedesvantagensdemensagensdiretaseemcadeiaemtermosdecertezaevelocidade(oquepodenosfazerlembrardadistinçãoqueMayerfezentre campanhas eleitorais “hard” e “soft”), as vantagens ocasionais de mensagens “não assinadas”(rumores) sobre mensagens “assinadas” (fofoca) e as dificuldades em uma pequena comunidade detransmitirumamensagem“nãoassinada”mantendosuaorigemdesconhecida.Oaltoníveldeconsciênciadarede,naturalmente,muitasvezesfazcomquesejapossíveldescobrirapartirdeondeumainformaçãocomeçouseupercurso.Noentanto, seexistemproblemasenvolvidospara fazercomquea informaçãoseja transmitida, podem haver também dificuldades se tentarmos não passá-la adiante. Se fazemosconfidências a uma outra pessoa, outros podem ter percebido o suficiente da interação para seperguntaremoqueestáocorrendo.Ese fazemosconfidênciasamaisdeumapessoa,édifícil emumarede densa saber como descobrir quem abusou de nossa confiança. Tais são os problemas degerenciamentodeinformação.

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Mau-mauingandFlakCatching[*]

Beneficiando-sedaanálisederedeounão,afofocapassouaserumtópicobastanterespeitáveldepesquisa entre os antropólogos nos últimos tempos. Nosso próximo exemplo dos usos possíveis dopensamentoderede,poroutrolado,nãosebaseianotrabalhoantropológicoesimemumensaioporTomWolfe,umimportanteexpoentedoJornalismoNovo.Sendoacopladoemformadelivrocomoconhecido“Radical Chic”, o ensaio em que estamos interessados aqui, “Mau-Mauing the Flak Catchers” talveztenha sido um pouco negligenciado. Como um estudo em organização social, no entanto, é bastanteesclarecedor,sejaounãodescrito,exageradamente,comoetnografia.

O livro é uma sátira do programa para eliminar a pobreza emSãoFrancisco na década de 1960.Esperava-sequeaburocraciaapoiasseaorganizaçãodacomunidade,masnãoconheciaacomunidade(e,podemossupor,nãotinhapensadomuitoemquesentidosequerexistiaumacomunidade).Supostamente,eladeveriatrabalharcomaliderançadasbasescomunitárias,masnãosabiaondeencontrá-la.Portanto,nainterpretaçãodeWolfehaviaumenormecampoparaoempreendedorismo.

Going downtown to mau-mau the bureaucrats got to be the routine practice in San Francisco. The povertyprogram encouraged you to go in for mau-mauing. They wouldn’t have known what to do without it. ThebureaucratsatCityHalland in theOfficeofEconomicOpportunity talked“ghetto”all the time,but theydidn’tknow any more about what was going on in the Western Addition, Hunters Point, Potrero Hill, the Mission,ChinatownorsouthofMarketStreetthantheydidaboutZanzibar.Theydidn’tknowwheretolook.Theydidn’tevenknowwhotoask.Sowhatcouldtheydo?Well…theyusedtheEthnicCateringService…right…Theysatbackandwaitedforyoutocomerollinginwithyourcertifiedangrymilitants,yourguaranteedfrustratedghettoyouth,lookinglikeabunchofwildmen.Thenyouhadyourtestconfrontation.Ifyouwereoutrageousenough,ifyou could shake up the bureaucrats so bad that their eyes froze into iceballs and theirmouths twisted up intosmilesofsheerphysicalpanic,intoshit-eatinggrins,sotospeak,thentheyknewyouweretherealgoods.Theyknew you were the right studs to give the poverty grants and community organizing jobs to. Otherwise they

wouldn’tknow(WOLFE,1970:97-98)[**].

Mau-mauing, então, é uma arte de manipulação de rede. Quando pessoas em um aglomerado derelacionamentosdesejamcontatarpessoasemoutroaglomerado,masnãotêmconexõesestabelecidasetestadas pelo tempo que atravessem o abismo, eles terão de aceitar as exigências de um corretor. (Ocorretor,éclaro,éumapessoacomumtipoespecíficodeamplitudederede,incluindopelomenosdoistiposbastantediferentesdepessoasemsuaredeemaisoumenosmonopolizandooscontatosentreeles–contatos diretos que o eliminem são insignificantes ou não existentes.) Masmau-mauing é um tipoespecíficodecorretagem,pois é realmenteapenasumacorretagemalegada.Naausênciadequaisquermeiosdeverificaraeficáciadecanais,pelomenosnocurtoprazo,apartebuscandocontatoésuscetívelaessasalegações.

Até aqui a interpretação deWolfe da partemau-mauing da equação, reafirmada em termos maisgeraisderede(quecertamentesãomenosinteressantes,masprovavelmentemaisúteisparaobjetivosdeanálise e comparação). Há algumamanipulação de rede partindo do lado dos burocratas também, noentanto,poisosburocratasqueprecisamtomardecisõesnãoqueremsefazermuitoacessíveisaomau-mauing.Portanto,aquientraoflakcatcher.Afunçãodoflakcatchernaburocraciaéreceberaspessoasque fazemasexigências, sofrerhostilidadeehumilhaçãoenão secomprometer–aocontrário,deixarbemclaroaosvisitantes,queelenãoestáemumaposiçãoquepossacomprometerseussuperioresoua

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burocracia como um todo com qualquer linha de ação. Em outras palavras para diminuir aalcançabilidade.

Oflakcatcher, também,éumtipodecorretor, jáqueeleseencontranopontodeconexãoentreopúblico e os verdadeiros donos do poder e canaliza os contatos entre eles. Há provavelmente umatendência, no entanto, a considerar um corretor como alguém que facilita contatos entre as pessoas,gruposouinstituiçõesque,semele,nãoestariamfacilmenteacessíveisumasàsoutras.Oflakcatcher,sepudermosfalardeumaformagrosseira,éumanticorretor;seuobjetivonavidaélimitarcontatos.Talvezametáforadeum“porteiro”tenhaasconotaçõesmaisapropriadas,emboratampoucosejamuitoprecisa.

Encontramos algo assim antes, na análise de Adrian Mayer da diferença entre clientelismo ecorretagem.Comoumpatronodispensaseuspróprios recursos limitadosenquantoocorretor lidacompromessasumtantoincertas,oúltimopode,decertaforma,sermaisgenerosoemsuastransaçõesdoqueoprimeiro.Consequentemente,Mayerobserva,umpatronopodeacharútilinserirumcorretorcomoumparachoqueentreelepróprioeseusclientes,algoquepermitiriaumarededeamplitudemaiorealgumaproteçãodasrepercussõesdetransaçõesfracassadas.

Oflakcatcher,quepodeapanharbastanteantesdeabriroportãototalmente,eocorretorbondosoqueestá sempreprontoparaestabelecercontatosauma tarifa tãobaixaquepraticamentequalquerumpode contratá-lo, são, é claro, apenas dois polos de um contínuo (ou talvez algum artifício heurísticomaiscomplexo).Parachegaraumacompreensãomaiscompletadecomoaseparaçãoévencidaemumarede, ou obtida nos casos em que não é automaticamente produzida em processos sociais, podemosconstruirumconjuntosofisticadode formasdecorretagem.As lealdadesdocorretor,acapacidadedeentregaropedido, e osobjetivosqueoverdadeirodonodos recursos tempara liberá-los, podemseralgumasdasvariáveisincluídasnessasconceituações.

Aestruturademau-mauinge flak catching, enquanto isso, nos oferece um exemplo de comoumainterpretação de rede pode envolver tanto os setores institucionais quanto os não institucionais – osúltimosservindo,primordialmente,comoocontextoparaomau-mauing,oprimeirosendoohabitatdoflak catcher. Poderia ser utilizado para mostrar, também, a interação entre controle normativo einformação pessoal em relacionamentos já que a atuação do papel mais suave do flak catcher podeimplicarumaexibiçãomaissutildeconflitoentresimpatiaspessoaiseexigênciasinstitucionais.

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Alcançabilidade,pequenosmundoseconsciênciadasredes

Hácasosemquepodemosnosapresentarcomoumestranhoaumoutroqueescolhemoseexigirumaatençãoespecial.Essa,porexemplo,éaabordagemdoespecialistamau-mau,emboraseusucessopossasermodificadopormeioda inserçãodeum flakcatcher.Mas com frequência, isso não é exatamentepossível.A acessibilidade física, como observamos rapidamente no capítulo 3, por si só não garanteacessibilidadesocial.Ainformaçãosobreondeencontrarotipodepessoaqueestamosprocurandopodesimplesmente estar faltando. Ou precisamos saber se a outra pessoa é confiável ou, por outrascaracterísticasumparceiroadequadoantesdenosenvolvermos.Ou(comoumcasoespecialdaúltimasituação) queremos ter certeza pormeio de uma conexão com uma outra pessoa de que aquela outrapessoaestarádispostaadesconsiderarnormaspúblicasdealgumamaneiraantesdeentrarmosemcontatodiretocomela.

Acidadeocidentalcontemporâneatemumnúmerodeinstituiçõesqueseespecializamemadministrarafaltadeinformação,masque,anãoserporisso,raramenteformamrelacionamentossignificativosentreaquelesaquemelaspõememcontato–instituiçõescomoapublicidadecomletramiúda,corretoresdeimóveis, ou agências de emprego. Sob outras circunstâncias, no entanto, o estabelecimento de contatopodesermaispersonalizadoemaisdifundidopor todaasociedade.Deummodobastantegeral,podenão haver qualquer norma universalista que garanta audiência a um estranho – ou se isso existe emprincípio,podesertransgredidonaprática.Portanto,torna-senecessáriooperarpormeiodeconexões;serenviado,juntocomrecomendaçõespessoais,entrepessoasquejáseconhecem,atéquealcancemosnossodestino.Emcertassociedades,háumacordogeneralizadoquemuitopoucopodeserrealizadosenãohouveressasconexõesparticularistas.Umaexpressãográficalatino-americanaéquevocêprecisadeumapalanca,umaalavancaparadeslocaralguém.Emoutrassociedadesapráticapodeexistirsemquesejareconhecidatãoabertamente.

Boissevain(1974:150-152)descreveuumcasodetalnavegaçãoporredeoriundodesuapesquisanaSicília.UmestudantedeSiracusa,Salvatore,precisavaobterpermissãodeumprofessornaUniversidadedePalermoparaapresentarumateseemboraoperíododeregistro já tivessepassadohámuito tempo.Ele,portanto,foideSiracusaparaLeone,umacidadeemquetinhatrabalhadoanteriormenteeondetinhacontatos úteis – um deles era o secretário local do partido político predominante. Este secretáriorecomendouSalvatoreparaseuprimoqueerasecretáriopessoaldeumaltofuncionárioemPalermo.Oprimoporsuavezoapresentouaumirmãoquetinhaamigosnauniversidade,eoirmãonofinaltambémconheciaoassistentedoprofessor-titular.OassistenteentãopôsSalvatoreemcontatocomoprofessor.Comoseconstatoumaistarde,oprofessoreracandidatoparaeleiçãoemumdistritoqueincluíaLeone,queeleacreditouseracidadenataldeSalvatore.Comissoeleteveumaopiniãogenerosacomrelaçãoao problema da tese desse último, na expectativa de ter adquirido um seguidor político precioso emtroca.AssimSalvatore pôde voltar para Siracusa emais tarde apresentou sua tese para preencher asexigênciaseobterseudoutorado.Oprofessor,poroutrolado,nãoconseguiusereleito.

Umahistória semelhante de funcionamento de redes para obter umdiploma foi contada porSatishSaberwal(1972:178-179)deumacidadeindustrialpunjab.Seth,umbancáriodepadrãomédio,tinhaumfilhoqueestavaapontodeprestarseusexamesfinaisnocursosuperior.Osexaminadoreseramtodosde

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colégiosdeoutras cidades.QuandoSethdescobriuquemeles eramedeonde, começoua estabelecercontatoscomeles.UmfoialcançadopormeiodeumparentedeSethqueeracontadoremumbancopertodauniversidadedoexaminador;outroporoutroparentequeeravizinhodosobrinhodeSeth;umterceiropormeio de umvendedor que visitava o circuito universitário embusca de encomendas, e assimpordiante.Então,poucoantesdoexameocorrer, todososexaminadores forammudados. Incansavelmente,Sethrecomeçouseutrabalhoeconseguiucontatartodoonovogrupodeexaminadores.Nãoficoumuitoclaro que parte esses contatos finalmente desempenharam. Mas o filho de Seth conseguiu passar noexame.

Podemosterquestõeséticassobreousodetaiscontatos;paranossosobjetivosespecíficosaqui,noentanto, as questões práticas são mais importantes. Salvatore passou por quatro intermediários paraatingiroprofessor.OselosdacadeiadeSetherammaiscurtos,mashaviaumnúmeromaiordeles.Seusesforçospodem tambémnos fazer lembraro estudodeNancyHowellLee sobremulheres americanasprocurando abortos (à época, normalmente ilegais). Cada uma dessas mulheres fez entre um e novetentativas pedindo outras pessoas para ajudá-la a localizar ummédico que realizasse abortos e fosseaceitável.O comprimento da cadeia bem-sucedida variou entre um elo – quando asmulheres fizeramcontato diretamente com um médico – e sete elos. Como, em casos como esses, decidimos em quedireção atacar a fim de alcançar a pessoa alvo, pessoalmente conhecida ou desconhecida? Qual é aprobabilidadedequeoindivíduoenvolvidopossasequerseralcançadodessamaneira?

Essas questões estão relacionadas com uma série de experimentos fascinantes realizados pelopsicólogo social Stanley Milgram e seus colegas (ex.: MILGRAM, 1969; TRAVERS &MILGRAM,1969). Seu tema é o “o problema do mundo pequeno” assim chamado em virtude da experiênciaamplamente compartilhada de pessoas que se encontram como estranhos, mas descobrem que têminesperados conhecidos em comum. Milgram foi mais além dessa conexão específica de apenas umintermediário,paraseperguntarquantoselosseriamnecessáriosparaconectarquaisquerdoisindivíduosescolhidosaleatoriamente.Éclaro,égeralmentereconhecidoquesejagrandeoupequeno,omundoéumsó: se investigássemos cadeias suficientemente longas, descobriríamos que cada indivíduo se conectacomcadaoutroindivíduo.Masoqueseriasuficientementelongaemumarcabouçode,porexemplo,asociedadeamericana?

Poderíamos examinar isso em termos de probabilidade, com base em alguma rede calculada detamanhopadrãoedeconexõesdeprimeiraordemeumacoberturaqueaumentassegeometricamentecomcadaordemdeconexõesadicionalincluída.Issonãoseriaexatamenteumaaproximaçãomuitopertodarealidade, no entanto, pois fatores sociais, geográficos e de outros tipos irão criar clusters derelacionamentos que estão longe de serem aleatórios. Milgram em vez disso estudou a questãoempiricamente.Eleselecionoupessoas-alvonaáreadeBoston(ondeelepróprioseencontrava)edepoispediuapessoasparticipantesdapesquisaemoutraspartesdopaísparatentaremestabelecercontatocomuma pessoa alvo específica, usando apenas uma cadeia de pessoas na qual cada dois indivíduosdiretamente conectados se conheceriam pessoalmente. As pessoas iniciantes recebiam o nome e oendereço da pessoa alvo e alguma informação limitada sobre ela e recebiam também instruções paratransmitir–pessoalmenteouporcorreio–umdocumentodiretamenteparaapessoaalvoseelesprópriosa conheciam,ou senãoa conhecessemparaumconhecidoquemaisprovavelmente conheceria aquela

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pessoaalvo.Asinstruçõestambémdiziamquecadaintermediáriodeveriaseguiromesmoprocedimentoaté que a pessoa alvo fosse alcançada. O documento incluía uma lista de pessoas que já o tinhamtransmitido (cada participante acrescentava seu próprio nome), para evitar labirintos que levassem odocumentodevoltaparaparticipantesanteriores.Cadaparticipantetambéminformavaopesquisadorqueacadeiaotinhaalcançado,paraqueMilgrampudesseacompanharoprogresso(oualternativamente,ainterrupção)decadacadeia.

Esse foi realmente um estudo em cartas-corrente, embora as cadeias tivessem uma direção e nãofossemcrescendocomoumaboladenevecomoascartas-correntesupostamentedevemfazer.OprimeirogrupodecadeiascomeçouapartirdeKansas,comaesposadeumestudantedeteologiaemCambridge,Massachusettscomopessoaalvo.Apessoainiciante,umfazendeiroquecultivavatrigo,tinhaenviadoodocumentoparaumpastoremsuacidadenatal,queotinhaenviadoparaoutropastorqueensinavaemCambridge,queoentregouàpessoaalvo–umtotaldetrêselosoudoisintermediários.Certamenteessafoiumacadeiaexcepcionalmentecurta,masonúmeromedianodeintermediáriosemcadeiascompletasfoi apenas 5,5, e na maior parte das vezes as cadeias variavam entre três e dez intermediários.Resultadossemelhantesforamalcançadosemumsegundoestudo,compessoasiniciantesemNebraskaeum corretor como pessoa alvo. É preciso observar que um número considerável de cadeias não foicompletado, provavelmente porque aqueles que receberam o documento não tiveram interesse emcooperar.

Sendo capaz de acompanhar cada elo nas cadeias,Milgram pôde fazer uma série de observaçõessobresuaespecificação.Eledescobriuquehaviaumafortetendênciaparaquehomensusassemconexõescom outros homens emulheres com outrasmulheres.Cerca de cinco sextos dos elos nas cadeias quecomeçaramemKansasforamentreamigoseconhecidos,apenasumsextoentreparentes.Possivelmente,experimentos transculturais desse tipo poderiam revelar variações em pontos como esses. Outroresultado interessante no estudo com o corretor como pessoa alvo foi que das 62 cadeias que oalcançaram, dezesseis tinham um comerciante que vendia roupa em sua pequena cidade natal nasimediações de Boston como último intermediário. Obviamente esse comerciante tinha uma rede deamplitude um tanto ampla. Esse estudo na verdade tinha três grupos de pessoas iniciantes: um grupoescolhido aleatoriamente emNebraska, um grupo de corretores deNebraska que poderiam ter canaisespecíficos para alcançar o corretor e um grupo de pessoas de Boston escolhidas aleatoriamente. Oúltimogrupoatingiu apessoaalvocomumnúmeromédiode4,4 intermediários, ogrupoaleatóriodeNebraskacomumnúmeromédiode5,7eoscorretoresdeNebraskacom5,4.Adiferençaentreosdoisgrupos de Nebraska não foi estatisticamente significativa. Evidentemente a distância geográfica nãoparece aumentar as cadeiasmuito – no começo da cadeia haviamuitas vezes uma tendência a fecharintervalosrapidamentepormeiodeumaouduasconexõesdelongadistância.

Sejam quais forem as questões interessantes que possamos levantar sobre os padrões e variaçõesinternas,talvezadescobertamaisdignadenotasejaofatodeascadeiasseremfrequentementebastantecurtas.Poderíamosobjetardizendoqueessassãoascadeiasbem-sucedidas;ascadeiasnãocompletadasprovavelmenteacabariamsendomaislongas.TraverseMilgramcitamumafórmulapelaqualoproblemadeinterrupçãopodeserlevadoemconsideração,noentanto,eelaindicaqueocomprimentomedianodecadeias se todas tivessem sido completadas iria aumentar de cerca de cinco a sete apenas. E o que

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tambémdeveriaserobservadoéquecadeiasrealmentebem-sucedidasteoricamentepoderiamsermaiscurtas, poisnenhumparticipante, especialmentenasprimeiras conexões, temaprobabilidadede saberqualérealmentearotamaiscurtaentreelepróprioeapessoaalvo.Elespodemapenassuporcombasena informação limitada que lhes é repassada sobre a última. Se todos os atalhos fossem realmenteencontrados, talvezascadeiasumavezmais fossemmenores,comumpardeconexõesamenos.Mas,uma vez mais, não devemos subestimar o número potencial de pessoas envolvidas nessas cadeiasextraordinariamente curtas. Em cada conexão, várias centenas de pessoas podem ser rastreadas comopossíveispróximoscontatos.ComodizMilgram,adistânciaentreapessoainicianteeapessoaalvonãodeveserconsideradaapenascomocincoouseispessoasesimcomocincoouseismundospequenos.

Qualéosignificadodisso?Talvezquasenenhum.Bempoderiaserumadessascoisassemexistênciarealforadasaladejogosdosacadêmicos.Sepudermos“virarW.I.Thomasdecabeçaparabaixo”comseuconhecidoteorema:seaspessoasnãoconseguemdefinirumasituaçãocomoverdadeira,elanãotemquaisquerconsequênciasverdadeiras.(Issocertamentenãoseriasempreverdade.)Seexistempessoas,poroutrolado,quetêmalgoassimcomoessegraudeconsciênciaderedes,quetentamexaminarvárioselos em suas correntes em suas redes e fazem uso daquilo que veem, suas estratégias e conquistaspoderiamsermuitointeressantes.

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Redesdepoder

Comoumúltimoexemplodeumcampodeestudoemqueasideiasderedesdevemserúteis,parecerazoávelmencionarocampodeestruturasdepoder–emboramuitopoucacoisanaáreadeanálisederedeemqualquer sentidoestritoparece realmente ter sido realizada sobre temasdesse tipo.Um livrocomooclássicoCommunityPowerStructure (1953)deFloydHunterpresta-seemalgunsaspectosaonovopensamentosobrerede,noentanto,comoofazemtambém,porexemplo,astentativasmaisrecentesde Domhoff para conceituar a coesão da classe dominante nacional norte-americana. No entanto,Domhoffestáprimordialmenteinteressadonasinstituiçõesdaclasseenãonasconexõespessoaisentreseusmembros.

Durantemuitotempo,odebatemaisimportantesobreasestruturasdepodernaAméricafoientreospluralistas,queveemopodercomoorganizadodeumamaneirarelativamentefragmentadaedifusasemnenhumgrupodominante em termosde influência epoderdecisório, eos elitistas (um termoum tantomal-escolhido,jáqueamaiorpartedelesnãogostadoqueencontram)queveemumaúnica,muitobem-integrada“elitedepoder”ou“classedominante”dedefiniçãoligeiramentediversa[12].Nãoparecemuitoaconselháveltentarlançaraluzsobreoscantosrecônditosdessedebateaqui.Poderíamosobservar,noentanto,queasduasalternativaspodemserparcialmenteformuladasemtermosderedes.Avisãodaeliteparece implicar uma pequena rede de alta densidade – todos conhecem todos os demais – eprovavelmente relacionamentosmultiplex, construídos namedida emqueosmembros frequentaramasmesmasescolas,participaramdasmesmasdiretorias,pertenceramaosmesmosclubesepassaramsuasférias nos mesmos resorts. Podemos presumir que esses relacionamentos também são bastanteduradouros.Naperspectivapluralistahánecessariamenteuma redemais ampla, namedida emque aspessoassãoparticipantesocasionaisdeprocessosdepoder.Adensidadegeralémaisbaixapoispessoascom interesses diferentes podem estar envolvidas em situações diferentes e, com isso, não entram emcontato.Emoutraspalavras,podehaverumasuperposiçãomaisparcialdepessoasentresituações. Jáqueaspessoassãodeorigembastantevariada,hámaisprobabilidadedequeosrelacionamentossejamdeumaúnicacadeia.Issonãoénegar,éclaro,quenessaredemaisamplapodemhavergrupamentosdemaiordensidade,comousemmaisconexõesmultiplex.

Oconflitoentreessasperspectivasé,dealgumasmaneiras,maisaparentedoque real, jáqueelaspodem se aplicar a situações diferentes. Na medida em que o tema é as estruturas de poder dacomunidadelocal,jásugerimos,maisrealisticamenteaquestãotalvezsejaquaissãomonolíticas,quaispluralistas,equaissãoasrazõesparataisdiferençasentreascomunidades.Emnívelnacional–quemgovernaaAmérica?–háumaescolhamaisevidenteentreasperspectivas,emborapossivelmentepossahaverumaresoluçãoemumateoriamaiscomplexa.Umadasdificuldadesemchegaraconclusõescombasessólidas,noentanto,éobviamenteadedescobriralgosobreasmanobrasreaisdopoder.Umacoisaésaberquepessoasfrequentaramasmesmasescolas,pertencemaosmesmosclubesouatérealmenteseconhecem–outra coisa é saberoque realmenteocorre em suas interações.Os cientistas sociais commuitafrequêncianãotêmmuitosucessoquandotentamseaproximardaaçãodessamaneira.Nosúltimosanos, as representaçõesmais vívidas das redes de poder commais frequência tiveram como fonte ojornalismo investigativo.Ascoalizõesdecandidatos, financistas,advogados,agentessecretoseoutros

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provavelmente irão interessar à imaginação de um analista de redes, que poderia considerar, porexemplo, asmaneiras pelas quais as conexões sãomanipuladasde tal formaque elas nãopossam serinvestigadas de fora, ou de tal forma que afirmações de ignorância relativamente críveis possam serfeitassobreaquiloqueocorreemumaouduasconexõesmaisafastadasnarede.

Deslocando-nosparaaetnografiadopoderemoutraregião,encontramosumaafirmaçãoemtermosmaisexplícitosderedeemumainterpretaçãodaestruturasocialmediterrâneaporSchneider,SchneidereHansen (1972). Na opinião desses autores, “grupos não corporativos” surgirão como importantesdetentoresdepodernoscasosemquesuadistribuiçãonãofoi transformadaemrotinaeregulamentadapor instituições corporativas mais estáveis. Na sociedade americana, isso pode estar nos níveissuperiores do sistema – e segundo uma pequena nota de rodapé, no seu nível mais baixo,presumivelmentedentrodoslimitesreais(emboranãonecessariamenteformais)impostosdecima.Nosníveis médios, por outro lado, acredita-se que o poder esteja estruturado mais plenamente,principalmentepormeiodeburocracias.

Naáreamediterrâneaeuropeia,observamosSchneiderseHansen,háregiõesemqueasestruturasdepoder nacionais não penetraram eficientemente – sobretudo por razões históricas. Nessas regiões,sociedadesinteirascontinuamextraordinariamenteabertasaousoestratégicodegruposnãocorporativostaiscomofacçõesecoalizõesmaisoumenostemporáriasparaobjetivoscomerciais,políticosouambos.Na coalizão, cada participante permanece em controle de seus próprios recursos e pode se retirar aqualquer momento, com a mesma facilidade com que um novo membro pode ser adicionado. Issocontribui para a adaptabilidade,mas tambémpara a instabilidade. Para tornar os relacionamentos umpoucomaissólidos,participantespodemdependerdeexpressõestaiscomofestaseparentescosfictícios.Apesardisso,elesestãosempreabertosparanovasoportunidadeseansiosamentebuscandoinformaçãosobreeles.Aimagemqueobtemosédeumaredecomgrupamentosqueseaglomeramemummomentoparasedestroçaremummomentopróximo,comoselementossereordenandoemnovospadrões.

Em outro artigo, Hansen (1974) analisou a vida nos bares em uma cidade espanhola – maisprecisamente,catalã–comopartedeprocessosderedecomoesses.Nopassado,seusambientestípicoseram os salões de várias associações voluntárias, mas durante a era de Franco esses salões erampoliticamente suspeitos como refúgios para o radicalismoou o nacionalismo catalão, e os baresmaisneutros ocuparam seu lugar. Aqui há uma sociabilidade intensa e aberta. As pessoas vêm e vãoincessantemente, todas procurando outras pessoas.Obarman é considerado uma fonte de informaçãosobrea localizaçãodeseusfregueses.Quandoencontrarmossejaquemforqueestávamosprocurando,haverábebidaseconversas–números sãomencionados,pessoaseatividades sãodiscutidaseplanossãofeitoserefeitos.Certamente,nemtodososintercâmbiosverbaissãosobrenegócios,mastemasassimsãopartedeumfluxomaisgeraldenotíciaseopiniõessobrefilmes,otempo,ousejaláoqueforqueestáocupandoamentedaspessoas.

Obar,portanto,servecomoumcatalisadorparaaformaçãoetransformaçãoderedes.Elepermitequeaspessoas examinemcontinuamentequenovas conexõespodemser feitasouqueantigos contatospodemser renovadosou intensificados a fimde fazer comquenovos recursos sejamacessíveis.Umaliçãomaisgeralquepodemosextrairéqueexistemalgumasinstituiçõescujafunçãoprincipalpareceserfacilitaraadministraçãoindividualderedes.Taisinstituiçõestalvezdevamserprocuradassemprequea

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concretizaçãoeamanutençãodeconexõesdesejáveissejamproblemáticas.Claramenteinstituiçõesqueservemoutrosobjetivossãomuitasvezesutilizadastambémparaaformaçãoderedes–nocapítulo2,observamosumasenhoraemergenteque fezdoaçõesparauma instituiçãodecaridadeparaanimaisdeuma senhora da sociedade, a fim de ser aceita nos melhores círculos. Mas a classe alta americanatambém temsuaspróprias instituiçõesqueparecemservirprimordialmenteàsnecessidadesdas redes.RefúgioscomooBohemianGroveaonortedeSãoFrancisco,porexemplo,temadeumdosestudosdeWilliam Domhoff, por meio de sua sociabilidade organizada, oferece a seus membros um acervo deparceiros potenciais de rede aos quais acesso direto pode estar mais oumenos garantido. Se é umacaracterísticadostatusdaelitedopoderqueseusmembrosquasenuncaprecisamusarumcorretorououtrasconexõesindiretasparacontataralguémnopoder,taisinstituiçõesfazemsuaparteparamaximizaradensidadeeaalcançabilidadedentrodaprópriaelite.

Ambasasvisõeselitistaepluralistadasestruturasdepodertendemapresumirumasituaçãode“tudocontinuacomodecostume”.Noentanto,maisoumenosnaúltimadécada issonão foiexatamenteumadescriçãomuitoapropriadadavidapolíticanomundoocidental,oupelomenosnãodealgumasdesuasmanifestaçõesmaisvisíveis.Houveumapolíticademovimentos–pacifista,ecologia,opodernegro,alibertação das mulheres – que transformou emmilitantes pessoas em categorias cuja participação napolítica,emoutrascircunstâncias,temsidomuitasvezespassiva.Háummotivoespecialparamencionaressa corrente demobilização aqui porque um estudo antropológico, porGerlach eHine (GERLACH,1970;GERLACH&HINE,1970a,1970b),tentouinterpretá-laparcialmenteemtermosderedes.Nãoéexatamente uma questão de uma análise de rede particularmente sofisticada, e não se conecta muitoexplicitamentecomosestudosantropológicosderededeummodogeral.Senosfamiliarizarmoscomaslinhasdepensamentonessesestudos,noentanto,nãoédifícilidentificarparalelosnessainterpretaçãodemovimentos.

GerlacheHineenfatizamanaturezadescentralizadaeinstáveldosnovosmovimentos.Elestendemaser constituídos por grupamentos relativamente pequenos, interconectados, mas bastante autônomos –“células” ou seja lá como for que possamos decidir chamá-los.As pessoas que os observamde forapodemformarumaimpressãonegativadaeficiênciadessemodelodeorganizaçãoqueàsvezespareceassoladopordiscórdiasinternas.GerlacheHineargumentam(talvezdeumamaneiraumtantoparcial)que,pelocontrário,elepodeestarexcepcionalmentebem-adaptadopara seusobjetivos.Nãodevemosnosesquecerdequeesses sãomovimentos – eles supostamentedeverãocrescer, captar a lealdadedemaisemaispessoasdeorigensextremamentevariadas.ComoacampanhapolíticaindianadescritaporAdrianMayer,elesusamtodasasvariedadesconcebíveisderelacionamentospreexistentespararecrutarnovos seguidores. O resultado, se esses esforços conseguem ter algum sucesso, é uma multidão depessoasquepodem terpoucoemcomumentreelas,quepoderiamnãoseencaixarmuitobememumaorganização mais rigidamente coordenada, e que abordam seus ambientes respectivos de maneirasdiferentes–emboratalvezcadaumadelasbem-sucedidaàsuamaneira.Omelhorusoqueessamultidãopode fazer de si mesma, então, em termos de seu único objetivo compartilhado, seria deixar que aspessoasserelacionementreelascomodesejarem,edeixarqueosgrupamentosresultantestrabalhememuniãoenquantoissodure–edepoispermitirmaissegmentaçãocombaseemsejamquaisforemosnovosalinhamentosquesurjamcomopassardotempo.Aimagemé,umavezmais,comoaqueladascoalizõesdepodermediterrâneas,degrupamentosseformando,rompendo-seesereformando.Adiferençaéque,

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dessa feita, eleso fazemdentrodoarcabouçode compromissos contínuos compartilhados (quemuitasvezespermitemquealgumasinterconexõesúteiscontinuemexistindo)edentrodeumarededemovimentoquepassaporumdesenvolvimentogeral.

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Acidadegrande:redederedes

Desdeafofocaeosencontrosburocráticospassandopelabuscadeummédicoquefaçaabortosepormovimentosdeprotesto–opensamentoderedeparece terumavariedadedeutilidades.Seupotencialparamostrarcomo,emumagrandepopulação,aspessoaspodemsecombinareserecombinaremumamultiplicidadedemaneirasparaobjetivosdiferentesecomconsequênciastambémdiferentespodebemser particularmente vantajoso na antropologia urbana. Como é um desenvolvimento bastante recentevemospoucodessetipodepensamentonasafirmaçõesclássicassobreanaturezadavidaurbana,maseleestá longe de parecer distante do pensamento relacional, por exemplo, de Simmel eWirth.Quando oúltimo propõe que os urbanitas são “dependentes de mais pessoas para as satisfações de suasnecessidadesvitaisdoqueaspessoasdocampo”podemosinterpretarissocomoumaformadedizerquerelacionamentosmultiplexsedissolveramemredesdeconexõesdeobjetivosúnicos.

Reconhecendo que a análise de rede pode ter algumas possibilidades especiais na antropologiaurbana,noentanto,devemostalveztercuidadoparanãochegaraalgumaconclusãoprecipitadasobreaformadasredesurbanas.PodeserlembradoqueBarnes,emseuestudodeBremnes,sugeriuqueasredesda sociedademoderna teriam “tramamaior” – ou, na terminologia atualizada, uma densidademenor.Frankenberg(1966:290)tambémincluiuessanoçãoemumadasúltimasversõesdeumcontínuorural-urbano.Podehaveralgonissoe,emumcertosentido,definitivamenteháalgonisso,masémelhorparanósestarmosconscientesdaspremissas.Vamos,então,observá-laspreliminarmente.

BarneseFrankenberg,comoamaioriadosanalistasderede,tendemavercomoconexõesapenasosrelacionamentos relativamente duradouros entre indivíduos que “se conhecem”. Assim, elesdesconsideram os quase não relacionamentos tais como relacionamentos de tráfego e provavelmentetambém os relacionamentos de curto prazo, mais estreitamente definidos que são encontrados, porexemplo,nosetordeaprovisionamento.E,portanto,sepensarmossobreacidadegrandecomouma“redetotal”,elesestãoapenasdizendoemumvocabulárionovoaquiloque,entreoutros,MaxWebertambémdisse:apopulaçãourbanaégrandedemaisparaquetodosconheçamatodososdemais.

No entanto, pode haver algum risco de partirmos disso para ummau entendimento.Não podemosexatamente presumir qualquer coisa com relação à densidade, ou a qualquer outra característica, dealgumaredemenorqueabstraímosdessatotalidadeurbana.Se,digamos,cadaurbanitatirasseaspessoasemsua redepessoalaleatoriamente,umaporuma,dapopulação todadacidade,entãoéprovávelquepoucasentreelasestariamemcontatoumascomasoutras,eumaredeesparsaseriaoresultado.Masasredesnãosãorealmenteconstruídasdessaforma.Poderiahaveralgunsgrupamentosnaredeurbanatotalem que praticamente todos estão em contato direto com todos os demais. A aldeia urbana a que nosreferimos repetidamente é um exemplo; os red xhosa parecem também se aproximar desse padrão,embora suas densas redes incluam também suas comunidades rurais natais.Outras pessoas da cidadegrandepodem ter alguns grupamentos densos,mas emgrandemedida separados em suas redes, assimcomocertosrelacionamentosqueparecemestarsozinhos.Voltaremosaessasvariantesemnossocapítulofinal. A essa altura, é possível que seja o próprio fato da diversidade que deva sobretudo sercompreendido.Emborapossamospensar sobre a cidadegrande comouma rede total (esquecendo-nosporummomentodesuasconexõesexternas),muitasvezespodesermaispráticopensar sobreelanos

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termos sugeridos porCraven eWellman (1974: 80) comouma rede de redes.Umadelas, ou algumasdelas, podem constituir um meio de vida urbano. Juntas, elas constituem a cidade como uma ordemsocial.

[1]. Outras obras essenciais na literatura sobre redes até aqui incluemMitchell (1969b), Aronson (1970), Boissevain eMitchell (1973) eBoissevain(1974).

[2].BottrevisougrandepartedessapesquisaelaprópriaemumnovocapítuloadicionadoàsegundaediçãodeFamilyandSocialNetwork(1971)quetambémincluiumabibliografiaextensa.Alémdisso,podemosapontarostextosporCubitt(1973)eKapferer(1973).

[3]. Bernard Magubana, cujas críticas da antropologia do Rhodes-Livingstone foram mencionadas no capítulo anterior, também deu umtratamentopolêmicoàpesquisasobreosxhosadeMayer(MAGUBANE,1973).

[4].Ignoramosaquiassubdivisõesétnicastradicionais.ApartirdoestudodeMayer,podemostambémobservar,apolíticadoapartheid naÁfrica do Sul alterou a posição dos africanos nas cidades, tentando tanto quanto possível negar que há uma população com fortes raízesurbanas.

[5].Nosúltimosanos,pareceriaqueesseconceitoespecíficodecampovinhadesempenhandoumpapelmenornosescritosantropológicos.Aterminologiaderedeparecetê-lotornadosupérfluo.

[6]. Isso certamente não é dizer que osmembros de outros tipos de sociedades não tentaram tirar vantagem de sua associação com umantropólogo,mastalvezporqueemumasociedadecomplexaeleécommaisfrequênciaconsideradocomoum“contato”útil,umcanalparaempregos,educaçãoeoutrosrecursossocialmentemediados,elecadavezmaisecommaisfrequênciatemdeseconsiderarumcomponentemanipulável em um sistema social. Provavelmente um grande número de pesquisadores de campo tem experiências desse tipo. Entre osexemplosquechegaramaserimpressos,estãoadiscussãodeWhitten(1970)sobreasváriasmaneirasemqueelefoiincorporadoemredesem duas situações de campo, o relato de Goldkind (1970) do acúmulo de poder por um homem de Chan Kom que era o contato localpredominanteparaacadêmicosvisitantesdeRedfieldemdiante,easnotasdeGutkind(1969)sobreoencontrocomnigerianosdesempregadosdoladodeforadeumsindicatotrabalhistaemLagos.

[7].EmboraeudependaprincipalmentedeMitchell(1969b)paraorelatodeconceitosderedequeseseguem,épossível tambémobservarqueháumavisãogeralsemelhanteemBoissevain(1974).

[8].UmaversãomaiscurtadoestudofoipublicadaanteriormenteemBoissevaineMitchell(1973).

[9].AinterpretaçãodeBoissevainéqueoaldeão,queseencontracomasmesmaspessoascontinuamenteeestácientedisso,usesimplescopresenças para se familiarizar com um número maior de pessoas do que o urbanita, que não se depara com as mesmas pessoasrepetidamente,ou,seo faz,nãoopercebe.Osanalistasde redes,comoobservaremosumavezmaisaseguir,praticamentenunca incluemestranhos em redes.Os relacionamentosde tráfego, portanto, são excluídos, comoo são, por exemplo,muitos tiposde relacionamentosdeaprovisionamento.

[10]. Em sua posterior contribuição importante para a antropologia industrial africana, Strategy and Transaction in an African Factory(1972),Kapferer nos oferece dados contextuais bastante extensos sobre as pessoas envolvidas nos eventos que ocorremno chãode umapequenafábricadevestimentasesobreocontextodasociedademaisamplaparaesseseventos.Noentanto,aanálisederedequeformaumapartedesseestudotambéméumavezmaislimitadaàfábrica,detalformaqueasituaçãodecampoparececomaqueladorecintodecélulas.

[11].Paramaisesclarecimentodorelacionamentoentreeles,cf.Gluckman(1968b)ePaine(1968).

[*].No originalRadical chic andMau-mauing and flak catching – título de dois ensaios por TomWolfe, conhecido representante doJornalismoNovo[N.T.].

[**].IrparaocentroparaameaçarosburocrataspassouaserapráticarotineiraemSãoFrancisco.Oprogramadapobrezaencorajavaapessoa a ir ameaçar. Eles não saberiam o que fazer sem isso.Os burocratas na prefeitura e noEscritório deOportunidadesEconômicas

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falavam sobre “o gueto” o tempo todo, mas não sabiam o que se passava emWestern Addition, Hunters Point, Potrero Hill, aMission,ChinatownouosuldaMarketStreetmaisdoquesabiamoquesepassavaemZanzibar.Nãosabiamondeprocurar.Nãosabiamsequeraquemperguntar.Portanto,oqueéquepodiamfazer?Bem...elesusaramoServiçoÉtnicodeCatering...muitobem...Sentaram-senovamenteeesperaramatéquevocêviessecomseusmilitanteszangadosoficiais,seujovemdoguetocomfrustraçãogarantida,parecendoumbandodehomens selvagens. Então dava-se a confrontação de seu teste. Se você fosse suficientemente ultrajante, se você pudesse sacudir osburocratascomtantaforçaqueseusolhossecongelassemembolasdegeloesuasbocasseretorcessememsorrisosdepuropânicofísico,umsorrisodequemestácomendomerda,porassimdizer–entãovocêeraamercadoriadesejada.Elessabiamquevocêseramosmachõesaquemdarasbolsasfamíliaeosempregosparaorganizaracomunidade.Senãofosseporisso,elesnãosaberiam.

[12]. Praticamente nem é necessário assinalar que o que está envolvido aqui é o conceito de pluralismo da ciência política, e não o daantropologia.Paraumcomentáriosobreasdiferençascf.Kuper(1969).

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6Acidadecomoumteatro

OscontosdeGoffman

Aobradeumindivíduoocupaocentrodopalconestecapítulo.Antesdechegarasnossasconclusõesfinais, no próximo capítulo, também voltamos aqui à influência chicagoense na antropologia urbana.Como seus predecessores na antiga Escola deChicago, ErvingGoffman foi normalmente identificadocomosociólogoeduranteamaiorpartedesuacarreirasuafiliaçãoacadêmicafoicomasociologia.Masintelectualmente, isso pode não fazer muita diferença. Seu estilo de trabalho poderia igualmente serdescrito como o de um etnógrafo-antropólogo (por mais idiossincrático que isso pareça) e ele teveconexõesbastantecontínuascomadisciplinadaantropologia[1].Maisquetudo,noentanto,Goffmanfoielemesmo.

Tãoespecial foi suaposiçãodesdeque seus escritos começarama surgirnadécadade1950que,como um comentador assinalou, “hoje temos a tendência a pensar sobre um espaço sociológicoespecíficocomosendoterritórioGoffman”(DAWE,1973:246).Novosadjetivosforamcunhadospararotular perspectivas da vida social semelhantes as suas: goffmaniano, goffmânico, goffmanesco. Umaabundância de artigos interpretativos, e pelo menos um livro (em dinamarquês) foram dedicados àanálise de suas realizações, assim como de suas deficiências[2]. Quando comentaristas buscam poralguémquepossamcomparar aGoffman, poderão igualmentebuscar nomundodasbelles lettres, porKafkaouProust,oumencionarumnomedasciências sociais[3].E seuspares acadêmicosparecem termuitomaisinteresseemsuasvisõesecostumespessoaisdoquetiveramnaquelesde,digamos,TalcottParsons[4].

A preocupação principal de Erving Goffman sempre foi a análise da interação face a face e ocomportamentopúblico–oquesignifica,pelomenosporimplicação,queeletambémlançaluzsobreasnoçõesdeprivacidade.Emboraemsuasobraspublicadaselenãotenhafeitograndesesforçosparatentaridentificar explicitamente sua localização específica em ummapa da teoria social, podemos perceberváriasconexõescomosclássicosquepodem,pelomenosemparte,estarrelacionadascomsuaprópriacarreira. Nascido no Canadá, Goffman formou-se e fez um doutorado na Universidade de Chicago;passou um período na Universidade de Edimburgo e outro no Instituto Nacional de Saúde Mental,Bethesda, Maryland, ambos em conexão com seu trabalho de campo; e desde então esteve naUniversidadedaCalifórnia,BerkeleyenaUniversidadedaPensilvânia.O legadodeChicago incluiu,desdeosdiasdeRobertParkeseusalunos,umcompromissocomaobservaçãonaturalista,atéumasériaatençãoàs“pessoascomunsfazendocoisascomuns”.Emumnívelmaisabstrato,houveointeracionismosimbólicocomsuapreocupaçãocomasconcepçõesdoselfeaconstruçãodosentidonavidasocial,uma

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correntenativaamericanadopensamentosocialque,sobreesteououtrosnomes,tinhatidoumabaseemChicago desde os tempos de George Herbert Mead. Mas os membros da faculdade de Chicago queGoffman conheceu também incluem LloydWarner, meio sociólogo, meio antropólogo, que tinha sidoinfluenciadoespecialmentedurantesuapesquisanasociedadeaborígeneaustralianapelasociologiadeDurkheim[5].TalvezpossamosatribuiràmediaçãooriginaldeWarneralgunsdostoquesdurkheimianosnavisãodasociedadedeGoffman,sobretudosuapreocupaçãocomalgocomoasantidadenasrelaçõesentresereshumanos.Concepçõessemelhantes,éclaro,tiverammuitaimportâncianaantropologiasocialbritânica a qual Goffman foi exposto em Edimburgo e pela qual ele parece ter tido um respeitopermanente[6].Finalmente,emboracanaisdiretosdeinfluênciapossamnãosertãoóbvios,nãopodemosdeixardeperceberaafinidadeentreaobradeGoffmaneadeSimmel,umestudantedaintimidade,dasociabilidade,dadiscrição,dareservaedoestranho[7].

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Aperspectivadramatúrgica

Goffmanrealizoutrabalhodecampotrêsvezesnaquiloquepodemosconsiderarcomoumamaneiraantropológica relativamente normal, por um período particular em algum lugar particular: em umapequenacomunidadeagrícolanasIlhasShetland,eemumhospitalparadoentesmentaisemWashington,D.C. (e, em conexão com isso, também nas repartições laboratoriais do centro clínico do InstitutoNacional deSaúdeMental) e nos cassinosdeLasVegas.Poderia parecer que apenas a últimadessaspesquisas se qualifica como antropologia urbana, e ela até hoje foi a menos visível em sua obrapublicada.Os cultivadores de subsistência das Ilhas Shetland talvez sejam aquilo que existe demaisdistantedavidadacidadegrandenaEuropacontemporâneaeoestudodoHospitalSt.Elizabethlevouaoconceitoda“instituiçãototal”,ummundofechadocomcaracterísticasquasequediametricamenteopostasàquiloquepodemosconsiderarcomoaspossibilidadespeculiaresdavidaurbana.Masarelevânciadeatémesmoessesdoisestudosparaacompreensãodavidaurbananãodevesernegadapormotivostãosuperficiaise,deoutramaneira,Goffmanpareceestarsemprefazendotrabalhodecampo,observandoossereshumanosondequerqueosencontre,earquivandoseusfatoseinterpretaçõesparausofuturo.Eletambém lê extensamente e nem sempre das prateleiras normalmente visitadas por seus colegasacadêmicos.

Talvezparcialmenteporessesmotivos,amaiorpartedeseusescritosnãolidacomalgumambientesocial específico e, portanto, corre o risco de ser considerada como se estivesse se referindo à vidasocial em geral. A conexão um tanto vaga com estruturas sociais diferentes e duradouras pode serpercebidaapartirda introduçãoaumacoleçãodeseusensaios,emqueele resumesuaconcepçãodoestudodainteraçãofaceaface:

Alémdisso, as fronteiras analíticasdocampocontinuam imprecisas.Dealguma forma,mas apenasde algumaforma,estãoenvolvidosumbreveperíododetempo,umaextensãolimitadanoespaço,eoseventossãorestritosàqueles que devem ser completados depois de iniciados. Há um emaranhado complexo com as propriedadesrituaisdaspessoasecomasformasegocêntricasdaterritorialidade.Entretanto,podemosidentificaroassuntoemquestão.Ele é a classedeeventosqueocorredurante a copresençaepor causadacopresença.Osmateriaiscomportamentais definitivos são as olhadelas, gestos, posicionamentos e enunciados verbais que as pessoascontinuamente inserem na situação, intencionalmente ou não. Eles são os sinais externos de orientação eenvolvimento – estadosmentais e corporais que não costumam ser examinados em relação à sua organizaçãosocial (GOFFMAN, E. Ritual de Interação. Petrópolis: Vozes, 2011 [Coleção Sociologia] [Trad. de FábioRodriguesRibeirodaSilva].

Goffmanéassimquasesempremuitomicrossociológico,interessadoemocasiõeseaquiloquenelasocorre entre indivíduos[8]. (Caracteristicamente, em seus escritosmais recentes ele vaimais além daherançaetnográficaparareconheceraetologiaanimalcomoumafontedeinspiraçãoparaaobservaçãodetalhadadacondutacomunicativahumana.)Comoaspequenassequênciasdeinteraçãoemqueeleestáinteressadoparecemvirtualmenteonipresentes,noentanto,oscontosdeGoffmanlevamseus leitoresaaventurasemquepasseiamlivremente,masnuncasemobjetivos,napercepçãodasociedade.Edessasaventurasalgunsdelestalveznuncarealmenteretornam.

Aquilo que é entendido como o ponto de vista típico de Goffman é provavelmente melhorexemplificadoporseuprimeirolivro,ThePresentationofSelfinEverydayLife,1959[Arepresentaçãodoeunavidacotidiana.Petrópolis:Vozes,2002].Elecomeçaaquiapartirdaquelametáforabastante

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desgastadadasociedadecomoumpalco;maselea levaadiantesistematicamenteatéumaperspectivadramatúrgicadavida social.O livropassaa serum tratadodamaneiracomoo indivíduodirecionaecontrola as ideias que outros formamdele. “Gerenciamento de impressão” é o termo-chave para essaatividade.

Quando as pessoas se põem na presença uma da outra, elas podem já ter algumas ideiasmais oumenos justificadas de quemooutro é e comoele é.Emoutros casos, elas podem ter de depender desejamquaisforemosfluxosdecomunicaçãonasituaçãoemqueseencontram.Deumaformaumtantobaseadanosensocomum,podemosdividirainformaçãoqueumindivíduodisponibilizasobresimesmoeminformaçãointencionaleinformaçãonãointencional–nostermosdeGoffman,aexpressãoqueeleouela“dá”eaexpressãoqueeleouela“deixaescapar”.Masessadistinçãoésimplesdemais,poisumapessoapodeintencionalmenteoferecerinformaçãodeumamaneiraqueafaçaparecernãointencional.Avantagem de fazer as coisas dessa maneira resulta do fato de as pessoas muitas vezes terem maisconfiança em informação que aparentemente não está plenamente controlada pelo outro. Para ogerenciamentoda impressão,elaé,portanto,muitasvezesumrecursomaisestratégico.O interessedeGoffmanestáemdetalharasmaneiraspelasquaisaspessoas,estejamounãoplenamentecientesdisso,lutamparaapresentarumquadrodesimesmasque lhesévantajosoeaomesmo tempocrívelparaosoutrosque,presumivelmente,sentemqueelesforamcapazesdeformarsuaprópriaopiniãodaevidência.

Asatividadestotaisdeumindivíduoduranteumperíododepresençacontínuadiantedealgumgrupodeoutrosecomalgumtipodeefeitosobreelessãodescritascomouma“performance”eoequipamentopadrão expressivo que ele usa nelas constituem sua “fachada”. Essa última incluí tanto “o ambiente”quanto“afachadapessoal”.Oambienteémaisoumenosimutável.Masaoaparecercontraumpanodefundo,porexemplo,deumquartocheiodemóveisespecíficos,oindivíduopodeestardandoindicaçõessobre suas próprias qualidades. Fotografias pessoais em uma parede podem contar histórias sobre agenealogia ou redes, uma estante de livros sobre a posição intelectual.Maso ambientemais útil nemsempreéolar.Goffmanusaoexemplodeumclubebritânico,umarranjoemqueoambienteéalugado,peloqualumapessoapodeobterumaparticipaçãoemacessóriosdocenárioqueelenormalmentenãoteriadinheirosuficienteparacompraremumabaseexclusivamenteindividual.

Afachadapessoal,poroutrolado,podeserfacilmentelevadaconosco–àsvezeséalgoquesomosobrigadosalevaraondequerqueformos.Elaincluicaracterísticasrelativamentepermanentestaiscomogênero,tamanhoeaparência,assimcomoveículosmaisefêmerosdesignificadotaiscomovestimentaeadornos, gestos ou expressões faciais. Tanto a fachada pessoal quanto o ambiente podem, dentro decertoslimites,sermanipuladoscomoobjetivodegerenciamentodeimpressão.Osobjetosemumasaladeestarqueparecemmostrarumricopatrimôniofamiliarpodemtersidoobtidosemleilõeselojasdeantiguidades. Podemos tentar trazer umaperformance para o ambiente em que possamos aparecer emumasituaçãoquesejamaisvantajosaparanósmesmos,epodemosselecionarcuidadosamenteitensdafachada pessoal para a ocasião. Há coisas, é claro, que poderíamos preferir não apresentar aosobservadorese,noentanto,arespeitodealgumasdelasnãohánadaquepossamosfazer,comoéocaso,por exemplo, dos defeitos de aparência pessoal. Goffman dedicou outro livro Stigma (1963a)especificamenteparalidarcomosaspectosindesejáveisdoeu.Amelhorcoisaqueumindivíduopodeser capaz de fazer emmuitas situações é atenuá-los, ou não comunicá-losmuito bem.Outros itens da

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fachada a pessoa pode tentar dramatizar, para garantir que são percebidos mesmo quando há umaglomerado de detalhes competindo pela atenção do observador. O garçom (esse exemplo GoffmanobtémdeSartre)nãosótrazacomidaparasuamesa,masenquantoofaz,podetransformarcadaumdeseusmovimentosemumgestoqueexibesuatécnicaeconscienciosidade.Ojuiznojogodebeisebolnãosógarantequeojogoéjogadodeacordocomasregras,mas,aonuncasepermitirsequerumafraçãodesegundodehesitaçãoóbviasobrecomoouquandoasregrasdevemseraplicadas, tambémgarantequetodososoutrossintamqueeleestáemplenocontrole.

O comportamento do garçompode termudado, no entanto, nomesmomomento emque ele abre aporta vai e vemda cozinha e entra em seu campo de visão. Imediatamente antes, ele pode ter estadoconfortavelmenterelaxadoeumpoucoinsegurosobreaquiloquedeveriasercolocadoemseuprato.Ohabitat físico da conduta humana, observa Goffman, tende a ser dividido entre as regiões frontais etraseiras ou entre a frente do palco e os bastidores. Na região frontal, a verdadeira performance érepresentada.Nosbastidores,aosquaisopúbliconãotemacesso,oexecutorpoderelaxareseenvolveremaçõesquepoderiamdestruir seugerenciamentode impressãooupelomenos fazer comque ele sedistraísse.Láelepodeguardarosacessóriosparaseusváriosatosedesenvolversuaperformance,fazerexperimentoscomela,ecometererrossemconstrangimento.Oqueébastidoresepartefrontaldopalcodepende, naturalmente no tipo de apresentação envolvida. Mas no lar de uma pessoa é uma práticageneralizada usar a sala de estar como uma região frontal, mantida em ordem para não transmitirinformaçãodiscrepante.Quartosearmários,poroutro lado,geralmente sãobastidores.O telefone (oupelomenosumtelefone)émantido,sepraticável,nolocalondenossaschamadasnãoprecisamsetornarpartedoespetáculo.Acozinhacertamentefoiumapartedaregiãotraseira,masissoestámudando.Elapode ser usada, certamente, para um efeito dramático. Ao transformar uma área convencionalmentedefinidacomotraseiraemumafrentedepalco,mostramosquenãotemosnadaaesconder.

Emparte,ogerenciamentodaimpressãoéumaquestãoindividual.Àsvezes,noentanto,equipesdepessoascooperamemumaperformancequetemoutroscomoobjetivo.Aperformancedeequipebem-sucedida envolve parceiros que tendem a ter acesso compartilhado a uma quantidade maior deinformaçãounssobreosoutrosouumacombinaçãodeseuseus,masentramemacordosobreaquiloquedeve serdissimuladooupoucoenfatizado;ouenvolvequem,emqualquercaso, tenhaumacordopelomenostácitosobrequalinformaçãodeveserativamenteapresentada.Muitasvezesainformaçãoocultadapode pertencer a relacionamentos dentro da própria equipe. Goffman usa o exemplo de um hotel deturistas nas Ilhas Shetland em que as jovens funcionárias estavam um grau acima do casal a quempertencia o estabelecimento em termos da estrutura social local, mas colaboravam para projetar umrelacionamentoconvencionaldeempregadoreempregadodiantedoshóspedes.Outroexemploéaqueletipodeconselhopolíticoobservadotambémporantropólogos(ex.:BAILEY,1965)que,apóslutarparachegaraumadecisão,insisteemapresentaroresultadoparaosoutroscomoumprodutodeumconsensotranquilo.

Há obviamente um relacionamento geral, embora não necessariamente preciso, entre a distinçãofrente do palco e bastidores, e a distinção equipe deperformance e público.Osmembros da equipetendemacompartilharumaregiãotraseiraondeelespodemplanejaraperformance,discutirsobreela,eanalisaraqualidadedopúblico.

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Noscasoscomoodeumcasalrecebendoconvidados,umempregadoreseusfuncionáriosatendendoseusclientes,oupolíticospropagandoalinhadopartido,nãoémuitodifícilparaosmembrosdopúblicoperceberem que pessoas compõem a equipe. São mais as coisas específicas sobre as quais elascooperamquepodempermanecermisteriosasparaosnãomembros.Deváriasmaneiras,noentanto,osrelacionamentos entre o executor e seupúbliconão são sempreoqueparecem ser.Goffmandescreveváriosexemplosdaquiloqueelechamade“papéisdiscrepantes”.Oinformantefingeparaosexecutoresqueeleéummembrodesuaequipe.Assimeleobtémacessoaosbastidoreseadquireinformaçãoquelevaparaopúblico,comissosolapandoacredibilidadedoato.Ochamarizestásecretamentealiadoaosexecutores,emboraeleseapresentecomomembrodopúblicoqueele influenciaparaquemanifesteotipo de reação que a equipe daperformance deseja.Há também um tipo demembro do público quedesempenhapapelsemelhante,ouatémaior.Noscasosemqueoutrosmembrosdopúblicotendemaseramadores, ele é um profissional, disponível de uma maneira muitas vezes discreta para verificar opadrão da performance. Críticos de teatro ou de restaurantes podem servir como exemplo. Umintermediáriooumediadorestáemduasequipesquesãomutuamenteopúblicoumadaoutra.Pormeiodeumatodemalabarismoemqueeleadquireinformaçãodosbastidoresdeambas,elepodesercapazdeaproximá-las.Umúltimoexemplodeum“papeldiscrepante”éaqueledeumanãopessoa.Emalgumassituaçõesumanãopessoapodesetornarumexecutorativoemumaequipe,talcomoumcriadopessoalqueajudaaorganizaracasaàmedidaqueelesedeslocaentreasregiõestraseirasefrontais.Noentanto,àsvezesparaosquerealmentecontamaqui,suapresençaparecesimplesmenteserignorada.Elenãoéconsideradonemcomopartedaequipedaperformancenemcomopúblico.Omotoristadetáxiéumtipode pessoa que está frequentemente nessa posição: um estranho total que pode se transformar em umatestemunhadocomportamentodebastidoresdospersonagensmaisbem-definidos.

Veravidasocialemtermosdeimpressões“dadas”e“deixadasescapar”,performances,ambientes,fachadaspessoais,bastidoresefrentedopalcoeequipesepúblicos,étambémterumaideiaespecíficadaquiloqueexplicao sucesso.Quaseno finaldeThePresentationof Self inEverydayLife Goffmanmenciona três tipos principais de atributos e práticas necessárias para garantir um gerenciamento deimpressãosatisfatório.Éprecisohaverlealdadedramatúrgica:osmembrosdaequipenãodevemtrairalinha estabelecida pela ação conjunta, durante ou entre performances. Aqueles a quem não podemosconfiarplenamenteumsegredo,comocriancinhasinocentesemumaequipefamiliar,devemsertratadoscom precaução. Tampouco a equipe pode termembros que, durante a performance, decidam dar seupróprio espetáculo em detrimento da produção conjunta. Aindamais importante, é preciso evitar quemembrosdesenvolvamumasimpatiatãograndepelopúblicoquerevelemossegredosdoato.

Alémdisso,éprecisoquehajadisciplinadramatúrgica.Umexecutordevesabersuaparteemanter-senela.Semprequepossíveleledeveevitarinterrupções,masquandoelasocorrem,devesercapazdevoltar para a performance planejada o mais rapidamente possível. E tampouco deve se permitir umenvolvimento tãograndecomoatoqueestáapresentandoapontodeesquecerqueéumato.Umavezmais,ogarçomnãosódeveserumbomgarçom,mastambémprecisatercertezadequeéconsideradobom.

Terceiro,hánecessidadedecircunspecçãodramatúrgica.Oexecutordevesaberquandooespetáculoestá sendo apresentado e quando ele pode relaxar. Ele deve exercer seu julgamento sobre que

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performanceapresentar–elairácumprirseusobjetivosseforbem-sucedidaetemumachancerazoávelde dar certo?Ele tem a equipe certa e o público correto? Para estar razoavelmente seguro, pode sermelhorqueaapresentaçãonãosejademasiadocomplicadaedifícildecontrolar.

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Sociologiasdasinceridadeedoengano

Reaçõesaoprimeiro livrodeGoffmaneàquelesque se seguiram forammuitasevariadas.Houveadmiração por seu estilo literário e por sua maneira de coletar etnografia; e pela precisão em suasminiaturas,porexemplo,decomoaspessoasconseguemfazerumusoinventivodeseuambientematerialpara servir uma linha de ação dramatúrgica específica. Mas comentaristas reclamaram que suashabilidadessãodeumtipoquenãopodemserensinadas,ealguémquejánãoastenhanaturalmentenãopode aprendê-las. O resultado, em vez disso, já tivemos oportunidade de concluir, pode ser umgoffmanismo vulgar, uma visãomais grosseira e trivializada do gerenciamento da impressão na arenasocial[9]. Goffman é também um criador de conceitos, embora ele prefira palavras antigas usadas demaneiras novas ou em novas combinações interessantes do que neologismos toscos[10]. Parte dovocabulárioanalíticoassimcriadojáfazpartedousocomumentresociólogosantropólogos.Noentanto,ocasionalmente, um novo termo parece superpor consideravelmente outro proposto em algumaspublicações anteriores e outros podem parecer simplesmente desnecessários. Ametodologia, tambémpareceserpeculiarmenteprópriadeGoffmanenãototalmente incontestável.Deumamaneiraumtantosurpreendente,GlasereStrauss(1967:136-139)emsuaanálisedecomoateoriaécriadanasociologia,sugerem que Goffman usa dados em grande medida para ilustrar a teoria que parece se desenvolverprincipalmenteporumaespéciedelógicainterna.Juntocomumaparatoacadêmico,talcomoumsistemacomplexodenotasderodapé,osdadosservemcomoespéciesdeartifíciospersuasivosdandoapoioaideiasquepoderiamviverumavidaprópriadequalquerforma.Elesnuncachegamaestaremumgraudeconflitounscomosoutrosqueexijamais trabalhoteóricoparasolucionaranomalias.GlasereStraussnãoestãosegurosseopróprioGoffmansabeexatamentecomosuametodologiafunciona[11].

Maisquetudo,noentanto,ointeresseseconcentrouemquetipodevisãodomundoestáexpressanosescritos de Goffman. Para alguns, eles parecem ser uma celebração do fingimento e do engano, umareceitaparamantersegredoseespalharmentiras.UmcertotipodeleituradeThePresentationofSelfinEveryday Life pode realmente dar apoio a essa interpretação, e, em um estudo posterior, StrategicInteraction (1969),Goffman torna-semais claramente envolvidonos jogosde informações incorretas,extraindomuitosdeseusexemplosdomundodeespionagemecontraespionagem.

Masascoisasnãosãoassimtãosimples.ThePresentationofSelfestásalpicadocomqualificaçõesvariadascomrelaçãoaessavisãodedramaturgianavidacotidiana.Hácoisasnavida,Goffmanafirmano prefácio, que são reais e não bem-ensaiadas. Emesmo que o indivíduo esteja consciente de estarfazendoumaapresentação,épossívelqueaestejafazendocomtodaasinceridade.Istoé,nemtodasasapresentaçõessãodeturpações.Alémdisso,paraobemouparaomal,as interaçõesmuitasvezesnãosãoentreumexecutorativoeumpúblicopassivoe inocente,esimentreexecutores individuaisouemequipequemantêmumrelacionamentodandoapoioabertamenteaosatosunsdosoutros–mesmoque,veladamente, eles estejam cientes, ou pelo menos suspeitem, de suas fraquezas. Essa cooperação,presumiríamos,podesermenosprontamentedisponívelseas interaçõesforemnadamaisquejogosdesomazero.

UmapartemuitograndedaobradeGoffman temcomobaseaquelapassagememThe ElementaryFormsoftheReligiousLifeemqueDurkheim(1961:297ss.)discuteaideiadaalma.Aalmadeumser

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humanoespecíficoémanaindividualizada,umaporçãodasantidadedogrupo.Comotal,elamereceumcertotemorrespeitoso,aserexpressoematençãoritual.Eseemummundosecularizadooconceitodealmatornou-seumconceitodoeu(self)essainterpretaçãoparticulardasantidadecontinuou.Aspessoassecultuamumasàsoutrascomopequenosdeuses,de inúmerasmaneirasquase imperceptíveis;elassósão percebidas em sua ausência, quando os rituais adequados não são desempenhados e quando otratamentodadoemvezdissoéconsideradocomoviolênciasimbólica.Aexpressãodeaceitaçãodoseusapresentados,pelomenosdentrodecertoslimites,assimpassaaserpartedeumaliturgia.Alémdisso,os outros são obrigados a ajudar o ser sagrado no ritual, mesmo quando ele ameaça sua própriaprofanação.

Avisãodavidasocial,declaradadeformasalternativas,jáéaparenteemdoisdosprimeirostextosdeGoffman,OnFace-Work(1955)eTheNatureofDeferenceandDemeanor(1956a)[12].Noprimeiro,“face”édefinidacomoovalor socialpositivo reivindicadoporumapessoapormeiodaposiçãoqueoutrosaveemadotarduranteumcontato.(Ousoaqui,éclaro,éinspiradonaideiachinesadeface.)Terface(tohaveface),ouestaremface(tobeinface),oumanterface(tomaintainface),significaqueasreivindicaçõesnãosãoproblemáticasnainteração,massenãoconseguimosmantê-lasdeumamaneiracrível,ouseasreivindicaçõessãodisputadasporoutros,épossívelqueconsideremqueestamosnafaceerrada(inwrongface).Oupodemosestarforadeface(outofface),nãotendoqualquerlinhaconsistentecomo alvo. “Trabalho da face” (face-work), portanto, é aquilo que precisa ser desempenhado parapermanecermos em face ou retornarmos para face. Podemos realizar uma política de face um tantoagressiva,reivindicandotantoquantoesperamosqueooutroestejapreparadoparaoferecer.Masmuitasvezes os intercâmbios são mais relaxados. Intencionalmente demandamos pouco, presumindoconfiantementequenossamodéstiaserábem-recompensada jáqueosoutrosoferecemavaliaçõesmaislisonjeiras de nosso valor. Se estivermos a ponto de reivindicar demais, o outro pode delicadamenteinsinuarsobreoperigoantesdenos tornamosirrevogavelmentecomprometidoscomumafacequenãopossamosdefender.Esenãointencionalmentechegamosaescorregarpara“foradaface”outrospodemfingirnãopercebê-loatéquetenhamostempodereorganizarnossalinha[13].

TheNatureofDeferenceandDemeanor [Anaturezadadeferênciaedocomportamento]temcomobaseotrabalhodecampodeGoffmannoInstitutoNacionaldeSaúdeMental.Aideiadedeferênciaaquié um tantomais ampla do que aquela normalmente coberta por aquela palavra; ela inclui a atividadesimbólicapelaqualaapreciaçãoétransmitidaaumapessoa,sejaorelacionamentodesigualounão[14].Ocomportamento,deformacomplementar,éacondutasimbólicapelaqualumindivíduoexpressaparaoutros em sua presença quais são suas qualidades pessoais. Há dois tipos de ritual envolvidos emdeferência, rituais de evitação e rituais de apresentação[15]. Os primeiros são uma questão de não seintrometer na reserva particular de outro indivíduo, tal como não o tocando, não usando termos detratamentodesrespeitosos,nãoentrandoemseuquartoamenosquesejaconvidadoafazê-lo.Nosrituaisdeapresentação,osmodosdecomportamentosãoprescritosenãoproscritos.Aspessoasdevemprestaratençãoumasàsoutras,expressarseureconhecimento,cumprimentarumasàsoutras,efazercomentáriosdeformaelogiosasobremudançasnaaparência,nostatusounaavaliaçãoalheia.Nohospitalmental,Goffmanobserva,pacientesdecompetênciasociallimitadanormalmentenãoerammuitobonsnosrituaisdeevitação.Poroutro lado,comoveremos,eles tampoucorecebiamnecessariamentemuitadeferência

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dessetipo.Damesmaforma,suacondutacomfrequêncianãoeraotipodecondutaqueseriaaceitávelnavidasocialcomum.Elespodiamsearranhardemaneiraviolenta,masturbar-seempúblico,oudeixarqueseunarizescorressesemlimpá-lo.

Adistinçãoentredeferênciaecondutaémuitasvezesapenasanalítica.Omesmoatoqueexpressaasprópriasqualidadesdeumapessoapode,aomesmotempo,assinalarsuaconsideraçãoporoutrapessoa.Mas o relacionamento não é simples. Às vezes, um ato de deferência que seria, de alguma forma,apropriado,poderiaserinaceitávelparaumapessoacomopartedesuaconduta.Háideiasdoeuquesópodemsetornarumapartedeumainteraçãopormeiodacondutaeoutrasquedevemserapresentadaspormeiodadeferência.Efinalmente,masnãomenosimportante,háumatendênciaparaqueacondutaexpresseasqualidadesdeumindivíduocomotal,enquantoocomportamentodedeferênciamuitasvezestemcomoobjetivosuaposiçãosocial.

Pormeiodesuavisãodeinteraçãocomotrabalhoritual,Goffmanfoiumdosprimeiroscontribuintesparaocrescentemovimentoteóricoquebuscaproblematizaraproduçãodavidasocialedarealidadesocial; um movimento fragmentado sob muitos nomes, etnometodologia, sociologia existencial oufenomenológica,eassimpordiante;algumasdelasclaramenteinclinadasparaafilosofiadeumamaneiramais explícita e com maior precisão metodológica que a de Goffman. Relações entre pessoas edefiniçõesdaquiloqueocorrenelassãoconsideradascomocoisasfrágeis,nãodadaspelanatureza.Noentanto,pelomenosnaversãodeGoffman,issonãosignificaqueaspessoaspodemfazerqualquercoisaimaginávelemseuscontatossociais:

[…]whilehissocialfacecanbehismostpersonalpossessionandthecenterofhissecurityandpleasure,itisonlyon loan to him from society; it will be withdrawn unless he conducts himself in a way that is worthy of it.Approved attributes and their relation to face make of every man his own jailer: this is a fundamental social

constrainteventhougheachmanmaylikehiscell(GOFFMAN1955:215)[*].

Duas sociologias substantivas parecem com efeito resultar da perspectiva de Goffman, umasociologia da sinceridade e uma sociologia do engano. A sociologia da sinceridade implica umvocabuláriodeequilíbrio, tato,savoir faire, delicadeza, cortesia, orgulho, honra e respeito; e para assituaçõesquenãodãocerto,deconstrangimentoevergonha[16].Asociologiadoenganoéasociologiadetrapaças.MasGoffmantambémindicaquealinhadivisóriaanalíticaentreasduasnãodevesertraçadamuitoestritamente.Seaspessoasseconduzempensandonointeresseumasdasoutras,elasserelacionammontando um artefato social, deixando de lado uma grande proporção dos fatos – diferentes emuitasvezescontraditórios–desuasvidasecomissocriandoumaordemadministrávelapartirdeumcaosrelativo.

Nessa atividade cada homem pode realmente ser seu próprio carcereiro. Ao mesmo tempo, noentanto, aspessoas tendemaemprisionarumasàsoutras,poisdiretaou indiretamentepormeiodoeureivindicado,tambémsinalizamosalgosobreaquiloqueooutrodeveser.Nasociologiadoengano,issoédeextremaimportância.Pormeiodemanipulaçõesconscientes,masinconspícuascomnossapróprialinha de ação, tentamos coagir o outro a assumir uma parte complementar: uma reação que pode serapenas superficialmente voluntária quando a alternativa é criar “uma cena”. O gerenciamento daimpressãocomoesboçadoemThePresentationofSelfpode teressas implicaçõesparaopúblico.HáoutroexemploemumdosprimeirosensaiosdeGoffmanOnCoolingtheMarkOut(1952).Oarquétipo

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doalvoéumadaspartesemumjogodeconfiança,avítimaqueéatraídaparaumjogode riscoque,segundo o que o fazem acreditar, está marcado a seu favor por seus amigos, os operadores. Tendoganhadoumaouduasvezes,ele investemaisdinheironojogo–edepoisperde.Osoperadoresfogemcomseudinheiro.Masumperdedorzangadoedesapontadopoderiaserperigosoparaeles,portanto,umdelesficaparatrásparacoolthemarkout,ouseja,acalmaravítima.Essacertamentenãoreceberáseudinheirodevolta.Masoqueocooleriráfazerétentarfazercomqueoalvoaceiteasituaçãocomoelaé.Ecomoavítimaperdeunãosódinheiro,mastambémprestígio,ocoolerpodetersucessoseelepuderajudá-loaredefinirasituaçãoeseupróprioeudetalformaqueaperdaritualsejaminimizada.Eledeveevitar que a vítima vá à polícia ou persiga os próprios trapaceiros, ou de alguma outramaneira criealgumproblema.

“Acalmar a vítima”, observa Goffman, é um processo social que ocorre o tempo todo, nos maisvariadoscontextosemtodaasociedade.Semprequeumindivíduoinvestiuumaparteimportantedeseueuemalgumpapelourelaçãoedepoisaperde,aspessoasqueestiveramenvolvidasemprovocaressefracassoouemfazerumjuízodasituaçãoqueresulteemsuaretiradapodempreferiraplacá-loparaqueele saia da maneira mais suave possível. Portanto, mecanismos institucionalizados são criados. Umgerenteineficienteé“chutadoparacima”;umpadreajudaopacientemoribundoareconstruirseueuemumaalmaparaavidadepoisdesta.

ÉsignificativoqueumatrapaçasirvacomomodelodeGoffmanparaoritualdaretiradagerenciada.Suasociologiadasinceridadeparecetersuasedenaturalentreaantigaburguesiaquepodepelomenosàs vezes ter maneiras refinadas sem motivos ulteriores; um mundo governado, como parece, pelosmanuaisdeetiqueta,comonolivrodeZorbaugh:TheGoldCoastandtheSlum.Asociologiadoengano,poroutro lado, teve a tendênciade atrair tantoGoffmanquantooutros estudantespara a etnografiadosubmundo. Não tanto, provavelmente, porque ela não seja praticada também em outros lugares, masporquepodesernosubmundoqueencontramosalgunsdosexemplosmaispurosdasestratégiasbaseadasem nenhum outro recurso que não seja uma habilidade para gerenciar impressões. É lá, em outraspalavras,queaspessoasmuitasvezescomeçamnomundodenegócioscommãosvaziaseumsorrisocativante[17].

Noentanto,tambémháaanalogiaentreotrapaceiroeopadreparanoslembrarqueadiferençaentreassociologiasdesinceridadeedeenganonãodeveserexagerada.Essaúltimapareceinvadiraprimeira;quando tentamosestabeleceradistinçãoentreelas, issopodeseraquiloquenosparececensurávelnaperspectivadeGoffman.Práticasrituaisdetrapaçaparecemestaremtodasaspartesnasinterações.Épossívelconsiderarissocomoumavisãomuitocínicadasociedade,comThePresentationofSelfcomomanual de instruções[18].Mas é umavisão que pode ser virada de cabeça para baixo.O cínico entãopassaaserummoralistaescandalizadoavisando-nosqueosmeiosrituaisquetemosparacuidarunsdosoutros aomesmo tempo emquemantemos as rodasda sociedadegirando também seprestama seremusadosparaomal;ummauusodosrecursospúblicosdesimbolismopessoal.Omesmolivroentãopassaaserumguiaparadesmascararosvilões[19].Asduasinterpretaçõestêmseusdefensores–eéassimqueelasdevempermanecer,poisGoffmanparecenãoseimportaremdeixarseusleitoressesentiremmuitoconfortáveis.

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Instituiçõestotais

Em grande parte da obra de Goffman, o intercâmbio de mensagens sobre o eu e o outro pareceocorreremumaespéciedeisolamento.Comoeleseocupacomasregrasbásicasdaordemritualnavidacotidiana,épossívelqueseuslivrosnãonosfalemmuitosobreaquiloqueaspessoasesperamobterpormeiodesuasinteraçõesanãoserpeladeferência,ousobrequemganhaseoconsensodoritualserompe.Pode ser em sua abstraçãode situaçõesde estruturas e sua separaçãode atividades comunicativasdavidamaterialqueGoffmanaproxima-seespecialmenteda“sociologiaformal”deSimmel[20].Nãopodehaver muita dúvida de que isso produziu novos insights em características recorrentes da interaçãosocial.Mesmoumcomentaristaemgrandemedida favorável (COLLINS,1973:142),noentanto,podeexpressar sua preocupação sobre uma concentração nas micropropriedades do comportamento face aface, fazendocomqueo“territóriodeGoffman”sejamenordoquepoderia tersido–“deumteóricorevolucionáriodatradiçãograndiosa,elesetornouobarãodeumaprovínciapróspera,masremota”.

Paraalgunspropósitos,podemosclaramentedesejarsaberquaissãoas influênciasmútuasentreasposiçõesespecíficasdaspessoaseosmovimentosnaestruturasocialesuaparticipaçãonaordemritual.ÉemumadasprimeirasobraspublicadasdeGoffmanqueumaanálisedessetipofoimaisevidenteatéomomento, no sentido de que a distribuição de poder em um ambiente institucional específico aparecemuitoobviamentenela[21].AobraéAsylums(1961a)umacoleçãodeensaiosbaseadaemsuapesquisanoStElizabeth’sHospital.Ohospitalmental,Goffmanpropõe,pertenceaumaclassemaisamplaquepodeserchamadadeinstituições totais.Outrosexemplossãopresídios, internatos,quartéismilitaresemosteiros. (Mais recentemente, foi comentado que a plantação com escravos é umoutro exemplo[22].)Obviamente, essas instituições não são parecidas em tudo, mas como um tipo a instituição total écaracterizadaemparticularpelassuasbarreirasaoscontatosentreseusmoradoreseomundoexterno.Elacontrastacomatendênciapredominantenasociedadeurbanamodernaemqueoindivíduodorme,sedivertee trabalhaemambientesdiferentes,compessoasdiferentes, sobnenhumplanogeralóbvio.Nainstituiçãototalosmembrosfazemtodasessascoisasmaisoumenosjuntos,deumamaneiraregimentalestritaemque,deummodogeral,elessãotratadosdamesmamaneira.Masaquelesaquemacabamosdechamar demembros, e poderíamos damesmamaneira chamar de reclusos, são apenas uma das duascategoriasprincipaisenvolvidas.Háumadicotomiabásicaentreosreclusoseosfuncionários.Paraosúltimos,ocontroledavidadosreclusoséapenastrabalho,oitohoraspordia.Dormiresedivertirparaeles pertence à sociedade externa. O relacionamento entre funcionários e reclusos é de extremadesigualdade e grande distância social. Há uma estereotipagem recíproca e um regime de vigilânciaburocráticadeumsólado.ComoGoffman(1961a:9)diz,“doismundossociaiseculturaisdiferentessedesenvolvemquecorremumaoladodooutrocompontosdecontatooficial,masmuitopoucapenetraçãomútua”.

Instituiçõestotais,elecontinua,sãoexperimentosnaturaissobreaquiloquepodeserfeitocomoself.Oreclusopodechegarcomumaideiadequemeleéque,atéaqueleponto,tinhasuasbasesrelativamenteestáveisemsuarondacotidianadeatividades.Nocasodospacientesdohospitalmental,essasensaçãodo self pode já ter se tornado problemática, de tal forma que às vezes eles próprios procuraramhospitalização.Subculturasnasociedadeamericanaaparentementediferemnaquantidadede imagense

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encorajamento que elas oferecempara essa autoanálise.Goffmanobserva que isso parece ser umdosduvidososprivilégiosculturaisdasclassessuperiores.Dequalquerforma,comaentradadoreclusonainstituiçãototal,algumasmudançasradicaiscomeçamaocorreremsua“carreiramoral”:asequênciademudanças em suas crenças relacionadas com ele próprio e com os outros significativos. Não só ocontextodesuavidaantigaseperdeparaele,maseleestásobopoderquasetotaldosfuncionáriosquetendem a ignorar quaisquer diferenças entre ele e os outros reclusos, particularmente aquelas que sãoresultado de sua existência prévia no mundo externo, agora definidas como irrelevantes. Há umprocedimentodeadmissão,queincluiregistrarumahistóriadevida,fotografar,pesar, tirarimpressõesdigitais, atribuir números, fazer uma busca, listar os pertences pessoais para que sejam armazenados,despir-se, banhar-se, ser desinfetado, ter o cabelo cortado, receber o uniforme da instituição, serinstruídocomrelaçãoàsregras,eserenviadoparaalojamentos;tudoissoparecesertantoumadeusparaumaidentidadeantigaeumtratamentodechoquequandocomparadocomainteraçãoritualnormal.NalinguagemdeThePresentationofSelforeclusoparecejánãoterdireitoasuaprópriafachadapessoal,aum ambiente ou a bastidores. No interesse da eficiência do procedimento administrativo, os reclusosdevem ser tratados como unidades modulares idênticas. Eles devem deferência aos funcionários; emprincípioos funcionáriosnão lhesdevemdeferência.Nohospitalmental,observamosantes,háalgunspacientes que são incapazes de manter a civilidade normal interpessoal. Outros perdem essascapacidades enquanto estão lá e porque estão lá.Mas ofensas contra as regras normais do ritual dainteraçãosãocometidasrotineiramenteeemgrandeescalapelosfuncionáriosquepodemsair impunesdissoemvirtudedadistribuiçãototalmentedesigualdepoderdeaplicarsanções.

Emgeral,enquantonainstituiçãototal,oreclusotempoucocontrolesobresuasprópriasatividades.Háumafaltadeprivacidadecontínua.Podemlheatribuirtarefasqueparecemabsolutamentesemsentido,ecomissoelepercebequeseutempoeseusesforços,econsequentementeelepróprio,nãotêmqualquervalor.Relaçõesentrereclusossãoignoradasoudesencorajadaspelosfuncionáriosjáqueelaspoderiaminterferircomoprocesso.Àmedidaqueoreclusoseadaptaaosistema,eleaprendequesesecomportarbem,deacordocomas regrasdo regime,poderáser recompensadocomcertosprivilégioseatécertopontosercapazdemontarnovamenteumselfdistintoqueestáemlinhacomessasregras.Ofensascontraasregras,poroutrolado,receberãopunições.

Mesmo reclusos de instituições totais às vezes conseguem escapar, no entanto, mesmo dentro dainstituição,mas fora do controle dos funcionários.Goffman chama isso de “a subvida” que não é umfenômeno peculiar à instituição total, mas um fenômeno mais geral de pessoas em uma organizaçãocontornandosuas regrasepremissas.Caracteristicamente, sãoosmembrosdemaisbaixacategoriadaorganização que se envolvemmais na subvida, já que eles obtêmmenos recompensas por cumprir asregras oficiais. Isso é obviamente verdadeiro com relação aos reclusos de instituições totais, emboraalguns funcionários também estejam envolvidos em atividades de subvida próprias. Há uma grandevariedade de pequenasmaneiras com as quais vencer o sistema;maneiras de obter porções extras decomida desejável, maneiras de alterar o uniforme institucional para que se torne um pouquinhomaisestiloso,maneirasdeconseguirumsoninhoextra.Asubvidatambémtemsuamicrogeografiadelugaresemqueépossíveldesconsiderarasregrasdoregime,ousozinhooucomoutrosreclusos,ouatémesmocomfuncionáriosquenessesambientespodempermitircertasliberdades.Hálugaresdearmazenamento(que Goffman chama de “estoques” [stashes]) onde reclusos guardam pertences que não podem

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reivindicaroficialmente.Sistemasinformaisdecomunicaçãosãoinventados,paralevarmensagensdosreclusosparaomundoláforaoudeláparaeles.Umaeconomiadasubvidatambémfunciona,pormaismodestaqueseja,ao longodas linhas institucionaisdeaprovisionamento.Eos reclusosse relacionamunscomosoutrospessoalmentedeoutrasmaneiras também.Talvezdevamos ter cuidadoparanão terumavisãomuitoromânticadessesrelacionamentos,poisalgunsdelessãosimplesmentecoercivos.Masemoutros,aspessoasconseguemavançarumpoucoparacriaralgumequilíbrionaprofanaçãodeseuseusnosrelacionamentosinstitucionaisintercambiandosinaissimbólicosdeestimaedeautorrespeito.

Tratandodasdiferençasdepoderdainstituiçãototal,Goffmanadotaaperspectivadopobre-coitadodamesmamaneiraqueofaz,semsentimentalismos,aolidarcomasidentidadesdeterioradasemStigma.Seuinteressenasubvidadainstituiçãoéaomesmotempoumapartedesuavisãogeralmentecéticadavidasocial.Ascoisasnãosãonecessariamenteaquiloqueparecemser,ouoquedeveriamserdeacordocom as regras proclamadas. Em toda a sociedade, organizações estão tentando determinar o que aspessoasdevemfazereoquedeveriamserafimdeservirseusobjetivos,eemquasetodaasociedadeaspessoasreagememparte,coletivaouindividualmente,criandoumasubvida.Issoéparaaorganização,sugereGoffman,oqueosubmundoéparaumacidade.Portanto,retornamos,comovemos,paraolocaldasociologiadeengano.

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Misturando:normalidadeealarme

Reiterando,noentanto,amaiorpartedaobradeGoffmannãoseconcentraemrelacionamentosemqueumadaspartesestásobocontroledelongoprazomaisoumenosestritodaoutra.Sobretudoelalidacom as maneiras pelas quais pessoas que são estranhas ou, quando muito, conhecidas, tratam dasquestõesdeintegridadepessoalduranteacopresençapelointercâmbiodesinaisumascomasoutras.Namaiorpartedoscasos,trata-sedeumaquestãodeintegridadesimbólica.Àsvezes,aintegridadefísicatambémestáenvolvida,eGoffmanestáintensamenteconscientedaconexãoentreasduas.

Issoéparticularmenteevidenteemumdeseuslivrosmaisrecentes,RelationsinPublic(1971),ondeeleelaboraalgumaspreocupaçõesanterioresaomesmotempoemquecaminhaemcertasdireçõesnovas.Podemos talvez achar que seu campo analítico da “vida pública” continua a ser demarcado de umamaneira pouco clara,mas a capacidade do indivíduo para interpretar seu ambiente é obviamente umapreocupaçãoimportante.Háaquiumadiscussãoprolongadasobreasmaneiraspelasquaisnosépossíveldizerquemestácomquem.Pormeiode“sinaisdeconexão”aspessoasreivindicamaancoragemumasnas outras e intencional ou involuntariamente informam os demais sobre isso. Alguns dos sinais sãosimpleseconspícuos, comodar-seasmãos.Outros talveznão sejam tãoóbvios.Pessoas fazendo filapodemestaraglomeradosdeumamaneiracompactaestejamounãonacompanhiaumadaoutra,masseumapessoadesocupa suasmãos temporariamentepassandoumpacoteparaoutra, quaseou totalmentesemcomentários,osespectadorespodempresumirqueessasduaspessoasestãojuntas.Àsvezesumlaçopodeserreconhecidosemqueaspessoasenvolvidaspareçamsequerestarjuntas.Emumadesuasnotasde rodapé características,Goffman oferece o exemplo de pessoas que saem da piscina emmomentosdiferentes para usar o mesmo frasco de loção para a pele. Da mesma forma que as pessoas podemdesejarproclamarsuasconexõesoupossamfazê-lomaisoumenosacidentalmente,elaspodemtambémdesejarocultarrelacionamentosexistentes–umavezmaisainteraçãoenganosa,comespiõessendoumbomexemplo.Emoutravariação,elaspodemfingirumaconexãoquandonãoexistenenhuma,comoascriançasàsvezesfazemnoslocaisemquepodementrarapenasnacompanhiadeumadultoeoadulto,naverdade,nãoestáconscientedeseressacompanhia.

Sinaisdeconexãosãomuitasvezesdemaiorinteresseparaoutraspessoasquandoosindivíduosqueparecem estar conectados não lhes são totalmente estranhos. Podemos dar atenção a dicas defamiliaridadeouatédeintimidadeentreumamigonossoealgumaoutrapessoaquenuncavimosantes,ouentre duas pessoas que conhecemos bem individualmente embora não estejamos seguros dorelacionamentoentreelas.Masmesmonapresençadepessoasque sãoapenasestranhospode serútilsaber se duas ou mais delas juntas constituem um “com”. Pois, em contatos com “cons”, regrasespecíficaspodemseaplicar.Um“com”podeterdireitoaumespaçocontínuo,detalformaquealguémquenãoémembrodaquele“com”nãoseposicionaentreseusmembrosanãoserqueexistamprovisõesespeciaisparaisso.Ousedesejarmoscomeçarumaconversacomumestranho,oumeramentefazerumapergunta, pode ser mais aceitável fazê-lo com uma pessoa única do que com um “com”, já que osmembrosdesse “com” têmumdireito prioritário à atençãounsdosoutros.Por outro lado, é possívelconsiderarqueumainteraçãocomum“com”émaisseguradoquecomumúnicoindivíduo.Pelomenosos membros aceitam estar na companhia uns dos outros, portanto, é provável que eles não sejam

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totalmenteimprevisíveis.

Aqui,comoocorreocasionalmenteemoutraspartesdesuaobra,Goffmancomeçaaseinteressarporaquiloquechamamosanteriormentederelacionamentosdetráfego,emqueoenvolvimentopropositalnamaiorpartedoscasosimplicadarumaformaaceitávelàproximidadefísica.GrandepartedeRelationsinPublicestádedicadaaessetema.Notráfegofísico,observaGoffman,as“unidadesveiculares”sãoàsvezesconchassólidas,controladasdeseuinterior,comonocasodecarros,e,outrasvezessãoconchasumtantomaismacias,constituídaspelosprópriossereshumanos.Noprimeirocaso,háumriscodedanoconsiderávelseocorrerumacolisão,eparcialmenteporrazõesdevelocidade,ocontrolequeaspessoastêmsobreseusveículospodesermenosdoquetotal.Seelescolidem,elasnãopodemsercapazesdesedesenredar uma das outrasmuito facilmente, e podem atrapalhar outros passantes também.Aomesmotempo,hápoucanecessidadedesutileza.Esse tipoderelacionamentode tráfego,sóraramenteprecisaser transformado, sem nem um minuto de aviso prévio, em alguma outra coisa. Na verdade, para ocontroledesse tipode tráfegoémelhorqueexistam leis formais.Noscasosemqueos sereshumanossejamseusprópriosveículos,poroutrolado,elespodemsesentirconfiantesdesuacapacidadedelidaratémesmocomasmanobrascorporaismaismicroscópicasemesmose,àsvezes,elesinvoluntariamenteerram,asconsequênciasde,digamos,darumencontrãoemumaoutrapessoageralmentenãosãosérias.Há, no entanto, uma chance de que possamos desejar transformar a copresença em algomais do quesimplesmente isso.Relacionamentosde tráfegocomqualidadesassimexigemumaamplitudemaiordetécnicasinformais.

Noentanto,muitasvezesaspessoasnãoestãomuitoconscientesdeusá-las.Estudarrelacionamentosde tráfego é muitas vezes estudar como as pessoas lidam umas com as outras quando estão fazendoalgumaoutracoisa–olhandoasvitrinesdaslojas,conversandocomalguémquefazpartedeseu“com”,ousimplesmentepensando.Sobamaioriadascondições,nãoesperamosque tudoqueaconteçaestejadentrodenossocampodevisão,sejamcoisasououtraspessoas,ouqueestejacoordenadocomnossosprópriosnegóciosou até relevantepara eles.Portanto, contantoque eles pareçamestar emumestadonormal–algoquepodecobrirumgrandenúmerodevariações–nósemgrandemedidaosignoramos.Indivíduosdesconhecidosdentrodessecampodevisão,comquemnãonosenvolvamosemumainteraçãofocalizada,praticamentepassamasernãopessoas.Équandooindivíduoobservaalgoforadocomumemseuambientequeeleconscientementeprestaatenção.Osestranhosaonossoredornãodevemrompercertas regras.Percebemosquandoumapessoa se intromete emnosso espaçopessoal, aproximando-semais do que a situação permite. O ambiente físico pode conter “baias”, espaços bem limitados queocupamos em uma base de todos ou nenhum, tais como cabines telefônicas ou cadeiras em salas deespera;aquiesperamosquereivindicaçõesassinaladasparaseuusodevemserrespeitadas,mesmoemalguns casos em que não estejamos continuamente presentes na “baia”.Há expectativa de “espaço deuso” como, por exemplo, quando um visitante a uma galeria de arte se irrita quando outra pessoa seinsere entre ele e umquadro.Eháoutras infraçõesdas regras para semisturar quepodemdamesmamaneiracausaralgumapreocupação:pessoasquenãoqueremesperarsuavez,pessoasquenosencaramsemqualquerinibiçãooupessoasqueinesperadamentecomeçamafalarconosco.

Portanto,afinalinhaentreumestadodenormalidadeeumestadodealarmepodeseratravessada.Umaespéciedepreparaçãoparaessatravessia,noentanto,podeestarsempreconosco.Sabemosquenão

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pessoasquevemosounãovemospodemsubitamentesetornarpessoas,e,comotais,interferiremnossosnegócioseemnossasvidas.Elassãoumapossívelameaça,eportantonossomonitoramentodoambiente,seja ele consciente ou inconsciente, é um componente importante na nossa administração do perigo.Estamosmaisprofundamenteenvolvidosnestemonitoramentoemalgumassituaçõesdoqueemoutras,ehá algumas pessoas que habitualmente estão mais envolvidas do que outras. Uma situação de estarsozinhoemumaruaescuraenãocomumgrupoemplenaluzdodia,porexemplo,noprimeirocaso;noúltimocaso, aspessoasque têmbonsmotivospara acreditarqueoutrospodemseopor às coisasqueestãofazendoseessasforemdescobertas,taiscomobatedoresdecarteiraroubandoemumamultidão.Serealizamos nossos negócios em um grupo, a divisão de trabalho pode até incluir uma pessoa que seespecializeemficardeolhoparagarantiranormalidade,comoporexemplo,umsegurança.Eatécertoponto, podemos estruturar nossa percepção do ambiente em termos de possíveis fontes de alarme.Goffman chama a nossa atenção para “pontos de acesso” como portas, janelas ou variedades maisextravagantestaiscomotúneisocultos,dosquaispessoasnovaspodemmaisoumenossubitamenteentraremnossocampodevisãoe“linhasdeemboscada”emqueosperigospodemestarseocultandoportrásdeumarbustooudeumaesquina.

Podemostentar,então,estarpreparados.Masseoutros,jáemnossocampodevisãoouesperandoapoucadistânciadele,têmaintençãodeentraremnossasvidassubitamenteesemconvite,elescertamenteirão preferir que estejamos tão despreparados quanto possível. Eles permanecem escondidos até quechegueomomentodaverdade,ouque,porsuaparte,elesapelemparanossosentidodenormalidade.Assim o ladrão parece uma pessoa normal comportando-se como qualquer outra pessoa, o assaltanteinvestigando perspectivas futuras finge ser um entregador. “Personagens armazenadas” os tipos depessoasque,aoserviremumambienteparticulartemumdireitoparticulardeumapresençanormalali,sãomuitas vezes utilizadas como identidades falsas por pessoas que em outras circunstâncias seriammotivo para alarme. Eletricistas, bombeiros, mata-mosquitos, e leitores de medidores têm acesso aterritóriosdosquaisestranhosnãoidentificadosestãonormalmenteexcluídos.

Aquestãodepreparação,então,como tantacoisanaobradeGoffman,passaaserumabatalhadeinteligências–masapenascomoumestágioinicial.Poisnessetratamentodealarmenosrelacionamentosde tráfego, há também o terrível elemento do terror físico. A violência é o estágio dois, quando seconstataqueooutrodesconhecidoéumagressor,umestuprador,ouumfranco-atirador.Podemosnãosóperderprestígio,masatéperderavida.EmRelationsinPublic,comoconcluíramoscríticos,Goffmanpercorreuumlongocaminho,partindodasdelicadezasdadeferênciaedacondutaemsalasdevisitaparaadramaturgiado“crimenasruas”.

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Goffman,urbanismoeoself

PodemosreagiràperspectivadeGoffmanemváriosníveis.Emtermosmaisgerais,elapoderiaservistacomoumaontologiadaexistênciahumana.Oupodemospreferirconsiderá-laprincipalmentecomoapenas uma análise detalhada das trivialidades da interação. Mas não precisamos nos envolver emargumentoscomoessesaqui.Mesmoquenossainclinaçãosejavê-locomoumteóricodesignificânciamaisampla,aquestãoaquiéondeGoffmanseencaixanaantropologiaurbana.Poisseexistequalquerconexãoespecialentresuaperspectivaeourbanismo,elanãoéexatamenteexplicitadaemseusescritos.HáumabrevediscussãosobrequetipodesociedadeelepresumeemRelationsinPublic (GOFFMAN,1971:xiv-xv).Deummodogeral,eletememmentesuaprópriasociedade–masqualéela?Aclassemédianorte-americana, omundode língua inglesa, os paísesprotestantes, oOcidente?Goffmandeixaclaroqueeleestáconscientedesseproblema,masnãotemnenhumasoluçãosimplesparaoferecer.Umaunidadereferencialcomo“sociedadeamericana”,observaele,é“algocomoumescândaloconceitual”.Eas coisas não se tornam mais simples se quisermos assinalar unidades menores dentro desse todoimprecisamente demarcado como os carregadores demodos de conduta específicos.Classes, regiões,faixas etárias e grupos étnicos podem já ser bastante complicados,mas entidades como “épocas” nosdeixamaindamaisdesconfiados.Alémdisso,aindaqueGoffmanrealmentedependaprincipalmentedaculturaeuro-americanaparaseusmateriais,hátambémumusoocasionalenãosistemáticodeetnografiamais exótica para sugerir que seus conceitos de cerimônias cotidianas de pequena escala podem seaplicarmaisamplamente.

Se o próprioGoffman parece relutante para assumir qualquer posiçãomuito definida,modesta ouimodesta, nas fronteiras do território goffmaniano temos de construir um argumento que seja de nossaprópriacriação.Masestamosmenosinteressadosemquestõesderegiãogeográficadoquenosarranjosrelacionais, ainda que as primeiras mereçam também ser discutidas. Tentaremos assinalar algunsmotivos,emoutraspalavras,pelosquaisumaperspectivadessetipopodeterumarelevânciaespecíficaquandotentamosentenderavidaurbanaeaexperiênciaurbana,emboraelanãopreciseestarlimitadaaessesinteresses.Nossoraciocíniotemduaspartesprincipais,maselassãomaiscomoosladosdeumamesmamoeda.

Há,paracomeçar,asensaçãodoself comoumconstrutodaconsciênciahumana–oconstrutoqueGoffmancomumadisposiçãodurkheimianatransformaemumapequenadivindade.Sobquecondiçõesémaisprovávelqueaspessoassepreocupemcomtaisentidades–elassãovariáveis,ousãoconstantes?Uma afirmação por uma das figuras ancestrais deGoffman,GeorgeHerbertMead (1967: 140) talvezpossa nos servir de guia aqui: “O self, como aquilo que pode ser um objeto para si próprio éessencialmente uma estrutura social e surge na experiência social”. Este é o dogma central dointeracionismo simbólico, e embora a visão da formação do self de Goffman talvez seja um poucoelusiva, estamos confiantes de que é suficientemente parecido para que se enquadre bem em nossoargumento.Aconcepçãoqueumindivíduotemdequemeleéoudecomoeleé,emboranãoexatamentedeterminadadeumaformatotalporseuscontatoscomoutrosnasce,assim,eminteraçõesecontinuaasenutrir delas.Até certo grau, é bastante concebível, uma consciência do self está sempre lá,mas comfrequênciaelaexiste tranquilamente, semcausarquaisquerproblemas.Suacriaçãoemanutençãopode

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serumprocessorotineiro.Então,sobcircunstânciasparticulares,essaconsciênciapodeseraumentada,oselfpedindomaisatençãoconscienteereflexão.

Parecequepodemostentaridentificaressascircunstânciasemtermosdeum“modelodecontraste”ede um “modelo de privação”. Ambos são relevantes para nosso pensamento sobre o urbanismo. Omodelodecontrasteestá relacionadocomaexperiênciadadiversidadenavidaurbana.Osmoradoresdascidadespodemseraglomeradosdemaneirasmuitodiferentesapartirdeumamultidãodeatividades,alinhamentoseperspectivasqueservemcomomateriaisdeconstrução.Elesmoldamsuasconcepçõesdoselfapartirdessascoisas;masemseusencontroscomoutroscompostosdeumamaneiradiferente,suaautoconsciência pode ser intensificada pela observação da diferença entre self e o outro. Não que avariedadetotaldediferençassejanecessariamenteexibida–muitasvezeshá,aocontrário,umatendênciaaatenuá-las–mas,intencionalouinvoluntariamente,algumasdelassãopornecessidadereveladas.Háooutrofatodequeosenvolvimentossociaisdoindivíduonaestruturaurbanaaltamentediferenciadapodevariardeumaformaumtanto imprevisívelcomopassardo tempo,de tal formaqueelepode tambémmaisprovavelmenteconsideraradiferençaentreoselfpassadoeoselfpresente.Omodelodecontraste,isto é, podeoperar tanto internaquanto externamente, resultando emuma sensaçãode individualidademuito semelhante àquela que Simmel (1955) descreveu quando escreveu sobre cada indivíduoposicionadoemsuaprópriaeúnica“interseçãodecírculossociais”(emTheWebofGroup-Affiliations).

Oargumentocomoumtodoéumtantoespeculativo.Sequeremoscolocaromodelodecontrasteemumabasecomparativa,noentanto,encontraremosfragmentosepeçasdeevidênciaparaissonosrelatosdosantropólogossobreseusencontroscomsociedadesdeumaestruturamenoscomplexa.Barth(1975:255), escrevendo sobreos povosbaktamandaNovaGuiné, pequenos, isolados e organizadosdeumamaneirasimples(talvezomaispróximoquepossamoschegardeumasociedadeprimitivaredfieldiana)sugereque jáquehápoucoscontatosexternoseassimnenhumaalternativasistemáticaconhecidaparaseuprópriomododevida, elesnão têmqualquernecessidadedequestionar seuspróprios costumesepremissas e têm uma autoimagem coletiva incompleta e desfocada como povo. Além disso,envolvimentossituacionaisnasociedadebaktamannãosãomuitodiferentes.Aspessoasparticipamcomo“pessoas totais” na maior parte das interações, e não há muitas maneiras de ser uma pessoa total.Portanto, em uma base individual, o caminho análogo para um sentido fortemente delineado do selftampoucoémuitoaceitável.

Na comunidade constituída de umamaneira um tantomais complexa dos índios Fox descrita porGearing (1970:133ss.), aspessoaspodem realmentediferenciar situações e tendemapensar sobre simesmoseunssobreosoutrosemalgumacoisasemelhanteatermosdepapéis.Masessespapéisnãosãojuntados de forma a compor qualquer grande variedade de indivíduos e àmedida que suas vidas vãopassando,aspessoassedeslocamdeumpapelparaoutromaisoumenosdamesmamaneira.Portanto,osFox,segundoGearing,nãotendemàintrospecçãocomrelaçãoasuashistóriasdevida.Elespresumemqueumavidaéigualaoutraequeasexperiênciassãocompartilhadas.IssotambéméenfatizadoporPaulRiesman(1977:148ss.)emsuaetnografiapessoaldosfulani,pastoreseagricultoresdasavanadaÁfricaOcidental.OsfulanipodiamentenderunsaosoutrosplenamenteequasenofinaldesuaestadiatambémentendiamRiesmanatéopontoqueeles compartilhavamexposiçãoàsmesmascondições.Nocomeçodaquela estadia, por outro lado, eles pareciam achar que por definição ele era incompreensível e

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imprevisível,umestranhototaldecujasexperiênciaselesnãotinhamamenorideia.

Noscasosemqueoselfeooutronãoestãohabitualmenteemumcontrasteclaro,pareceriaqueaempatiasurgenaturalmente.Noscasosemquerepetidamenteelessãovistoscomodiferentes,noentanto,outro tipo de empatia pode resultar, uma preparação não apenas para ver o que é único sobre nossaprópriasituação,mastambémassumiraexperiênciadeumapessoadiferenteindiretamenteetalvezsobalgumascondiçõesatéestarativamentecuriososobreela.Comoselfcontrastante,emoutraspalavras,existeumaconsciênciadooutrocontrastante.Isso,evidentemente,éa“sensibilidademóvel”comaqualLerner estava preocupado em sua conhecida versão da teoria de modernização em The Passing ofTraditionalSociety(1958).Sesuasignificânciaparaaprópria“modernização”étãograndequantoelesugeriuéumaoutraquestão.

Odesenvolvimentodeumsentidodefinidodoself,porsuaparte,foiregistradoemváriosambientesmaiscomplexos.Algunsoobservaramcomoumaconquistadasclássicascidade-estados,outrosachamqueeleécaracterísticodoRenascimento.OhistoriadorColinMorris(1973)oencontraflorescendonaEuropa Medieval e, de acordo com nosso modelo de contraste, sugere que uma consciência dealternativas estava entre suas bases crucialmente importantes; ele se desenvolveu especialmente noscentrosurbanosemergentes,ascidadesàsquaisPirenneeWeberdedicaramsuaatenção.Masaformaeuropeiadeorganizaçãosocialcaracterística,baseadaemconexõespessoaiselealdades,podetambémterdesempenhadoumpapelna“descobertadoindivíduo”doséculoXII.Sejalácomofor,osentidodeself nesse período encontrou suas próprias formas sociais e culturais associadas – na confissão, naautobiografia,noretratopintado,noamorromânticoenasátira.

Osvocabuláriosdeescritorestaiscomoaquelescitadoshápoucosediferenciam,masanoçãodequeoselfémenospreocupantenoscasosemqueeleésemelhanteaodeoutraspessoaseaindamaisquandoeleimplicasuaprópriahistóriadiferente,pareceserrecorrente.Denossopontodevista,énaturalpensaracidadecomoumaespéciedelugaremquetaldiversidadedeselvespodeocorrer;ébemverdadequemaisprovavelmenteemalgumascidadesenãooutraseébastanteprovávelquecomvariaçõesordenadassocialmente na consciência individual do self em uma cidade também[23]. Talvez algo sobre a culturaeuropeia possa realmente ter desempenhado um papel quando conceitos do self evolveramsucessivamente naAntiguidade, na IdadeMédia e no Renascimento. No entanto, expressões um tantosemelhantes àquelas identificadas por ColinMorris para a EuropaMedieval também surgem na vidacontemporânea não ocidental, parcialmente por meio da difusão, parcialmente sendo inventadas pelaprimeira vez, e é muito provável que satisfaçam objetivos semelhantes, à medida que as pessoas,moldadas em novas estruturas complexas, encontram-se com selves novos e originais. Álbuns defotografia personalizados, solicitações por correspondentes, apelidos vindos dos filmes e umamentalidade Horatio Alger de autoajuda parecem ingredientes familiares da vida urbana no TerceiroMundonoséculoXX.

Se uma interpretação como a de Morris sugere que o modelo de contraste de autoconsciênciafuncionapelomenosapartirdeCommercetownetalvezapartirdascidades-tribunaisdopassadoantigotambém,omodelodeprivaçãoparecemaisintimamenteconectadocomourbanismoCoketown.Talvezsejaomodelomaisamplamentecitado,aquelequepropõeemessênciaquealgunstiposdeatividadeserelacionamentos, embora seupropósito primordial possabem ser bastante diferente, são tambémmais

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intrinsecamentesatisfatóriosparaosentidodoself,quepodeassimpermanecerirrefletidamenteempaz.Équandoaspessoasseencontramenvolvidasporgrandepartedeseutempoematividades“semalma”econtatosquenãodãoqualquerconfortoaoselfqueumsentimentodeprivaçãoseestabeleceeaspessoascomeçamalutarmaisintensamenteparaqueoutrasexperiênciascompensemaperda.

Issoéobviamenteumaespéciedaperspectivadealienaçãoqueretornarepetidamentenasdiscussõesdourbanismomodernoedasociedadedemassa.Amonotoniado trabalho industrialeburocráticoeaimpessoalidade e substitutabilidade nas relações sociais, são referentes conspícuos. Simmel aludiu aessa interpretação tambémemseuscomentáriossobrea faltadereconhecimentoda individualidadenametrópole. Quando Robert Park discutiu a fragilidade da ordem moral sob o urbanismo ele tambémestava levantando essas questões. Na antropologia, Sapir (1924) afirmou esse ponto de vista em seuensaio sobre culturas genuínas e espúrias. Uma variedade mais recente e a de Peter Berger(LUCKMANN & BERGER 1964; BERGER, 1965, 1970, 1973; BERGER; BERGER & KELLNER,1973). Há um toque do modelo de contraste na visão de Berger, especialmente em sua análise damobilidadesocial,massobretudoeleestápreocupadocomaquiloqueo industrialismoeaburocraciafazemcomoself.Sobsistemassociaismaistradicionais,Bergersugere,poderiahaverumacongruênciasatisfatória entre papéis, definidos por meio do controle normativo público, e o self subjetivamentevivenciado.Oindivíduopoderiaseidentificarprimordialmentepormeiodospapéisqueocolocaramnaordemsocial.Papéisburocráticos e industriais, noentanto, sãomuitasvezes limitadosdemais emsuaabrangênciaparaconteroself,econsequentementeháumadisjunçãoentreselfepapel(oupelomenosalgunspapéis).Emoutraspalavrasumavezmais,háumasensaçãodeumadivisãoentreoselfpúblicoeoselfprivado,emqueoúltimoéoúnico“verdadeiro”self.

Para constituir e validar esse “verdadeiro” self, o indivíduo na sociedade moderna precisa seenvolveremumavariedadedeatividadesnasquaisaautodefiniçãopassaaserumobjetivoprimordial.A vida familiar certamente desempenha um papel importante aqui. Mas uma nova indústria tambémsurgiu, apoiada pelamídia demassa, para fornecer os acessórios para “a busca pela identidade” nasatividades recreativas.Uma instituição como a psicanálise também se encaixa peculiarmente bem nasnecessidadesdeindivíduoscujosselvessofremoriscodeseremsubdefinidos[24].

Deummodogeral,háumanovaideologiadoself.Bergerargumentaqueoantigoconceitodehonra,por meio do qual o indivíduo reivindicava respeito em termos de seus papéis e do seu desempenhonessespapéis,tornou-seobsoleto.Seusubstitutoéumanoçãodedignidadehumana,ovalorpessoaldequalquer indivíduo independentemente do papel em que se encontra e como o desempenha[25].Paralelamenteaissoháodeclíniodaquiloquepodeserconsideradocomoasinceridadedopassado,eacelebraçãodeumnovo entendimentode autenticidade[26].A sinceridade, uma vezmais, é amarca doindivíduoqueseidentificacomseuspapéis.Aautenticidadeécaracterizadapelarecusaasercoagido.Ela está presente no culto da informalidade e do comportamento desinibido. O pleno envolvimentoirrestritodaspessoasumascomasoutrascomopersonalidadetotaiséidealizado.

Bergeridentificaasociedadeamericanacomoaquelaemqueasnovastendênciasprogredirammais,emboraeleestejainteressadoemumtipodesociedadeenãoemumatradiçãoculturalespecífica.

MesmonaAmérica,noentanto,oprocessoaindanãosecompletou.Podemosverhonraedignidade,

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sinceridadeeautenticidadepresentessimultaneamente,àsvezesemarenasdiferentes,ocasionalmenteemumconflitoquenãoestánecessariamentedefinidodeumaformanítida.

Nãoéprecisoqueexistaqualquerconflitoentreomodelodecontrasteeomodelodeprivação.Osconjuntos de circunstâncias que eles identificam como mais importantes, para uma autoconsciênciaelevadapodemestarpresentes simultaneamenteeemparteeles se superpõem.Masdevemosobservarqueaideiadoselfautêntico,semsermediadopordefiniçõesdepapéis,queBergereoutrosveemsurgirapartirdasensaçãodeprivação,estáemumrelacionamentoumtantodesconfortávelcomaperspectivade Goffman com relação ao ritual de interação. Sua aplicação específica em Asylums, mostrando asupressãodoselfreclusoesuanovaemergêncianasubvidadainstituição,pareceumaaplicaçãoquaseperfeita do modelo de privação. No entanto há problemas em outros locais. Já usamos o termo“sociologiadasinceridade”paraumapartedessaperspectiva.Oenquadramentocomesseconceitodesinceridadequecontrastacomautenticidadepodenãoserperfeito,masaafinidadeestálá.Ohomemqueévoluntariamenteseuprópriocarcereironãoestáembuscadoselfautêntico.Provavelmenteéporessemotivo que muitos dos exemplos de interação como ritual bem-intencionado de Goffman, emborareveladores,parecemumpoucosuperados.Suaburguesiaviveemummundosocialemqueosbastidorese a parte da frente do palco estão claramente demarcados, em que as hierarquias sociais estãorigorosamentecombinadascompadrõesdedeferênciadiferenciados,eemqueaspessoaspodemfazerumesforçoimensoparasecomportarcerimoniosamentedemaneiraquetemmuitopoucoavercomaspraticidadesmateriaisdavida.NorbertElias(1978)umescritorque,comoGoffman,estáinteressadonasignificância socialdaetiqueta, cujos textos sãoanterioresaosdele, embora só tenha sidodescobertopela maior parte domundo acadêmico de língua inglesa mais recentemente, e que tem preocupaçõeshistóricasmaisdefinidas– sugerequea codificaçãodasmaneirasburguesas foiparteda transiçãodaépoca medieval para o Renascimento, indo na direção de uma sociedade caracterizada por maiorabertura,masnãoporigualdade[27].Emnossosdias,umgraumaisaltodeigualitarismodevepelomenossimplificaradeferência,edopontodevistadeumaideologiadeautenticidade,qualquerestilizaçãodasrelações interpessoais, aindaquebaseadasnosmotivosmaisnobres, está fundamentalmente enganada.NãoédifícildiscernirqueissoéatualmenteumafonteimportantedeinfelicidadecomaperspectivadeGoffmancomrelaçãoàsociedade.

Nãohádúvidadequeháumriscodepassarmosanosparabenizarmuitocomrelaçãoaoavançodaautenticidade.Algumasdasmudançasqueocorrematualmentepodemsimplesmenteenvolveralteraçõesnoslimitesdasinceridade.Aetiquetadeontempodeagoratersidoafetada.Sehojeexistemnovasregras–mas ainda assim, regras – para ser apropriadamente informal, elas podem talvez nos enganarmaisfacilmente. Apenas quando confrontados por alguns dos reclusos mais aberrantes do asilo, em suasrelações muito imprevisíveis entre eles próprios e com os funcionários, é que nós talvez possamosperceberaimportânciaqueadeferênciaeocomportamentoaindatêmparaavidacomum.

Sea“críticadaautenticidade”temcomoobjetivosoltarosprisioneirosdaestruturasocial,podemosperceberqueumacontracríticaépossível.Aideiadequeemqualquerinteraçãodeveríamospermitirolivre-exercício de nossos sentimentos e ser generosos ao exibir nossa própria biografia pode ser boapsicologia,mas uma sociologia terrível. Nenhuma sociedade razoavelmente complexa pode conseguirfazer seu trabalho se todas as interações entre seusmembros envolvessem esse tipo de quase infinita

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complexidadeindividual.Seumaparteéassimautoindulgente,elapoderiacolocarumpesointolerávelsobreaoutra.Mashojeexistemoutrosautores–taiscomoRichardSennettemTheFallofPublicMan(1977) que sugerem que a vida social contemporânea está sofrendo na medida em que as pessoasesqueceramasformasdetratarumasàsoutrascivilmentesemintimidade.

O acordo apropriado entre cerimônia e autorrevelação autêntica, servindo bem os objetivos tantoindividuaisquantocoletivos,podenãoserconseguidofacilmente.Noentanto,devemosestarcientesdequenãoéprecisoqueascoisassejamexatamenteiguaisparatodososrelacionamentos.Voltamosaquiàmaneira de mapear as relações sociais ao longo das dimensões de informação pessoal e controlenormativoquefoidelineadanocapítulo4.

OhabitatdeGoffman tendeaestarmaisoumenosnomeiodocontínuode informaçãopessoal,oupelomenosnão em seuspontos extremos.Muitos dos relacionamentosdeque ele trata podem ser umtantoextremosemtermosdecontrolenormativo,emborahajaespaçosuficienteparaospequenosrituaisdedeferênciaecomportamentoquelubrificamamaquinariadasociedadedetalformaqueoindivíduopossaterseuvaloreseudireitodeparticipaçãoreconhecidos.Ousodeinformaçãopessoalaquinãofazmuitacoisaparamudarosrelacionamentos;pelocontrárioeleosmantêmemumaformadada.Háoutrosrelacionamentos em que as revelações do self são usadas parcial e taticamente – e sincera ouenganosamente–paraatrairnovasreaçõesporpartedooutroecomissodeslocarainteraçãoparanovoscaminhos.MaspelomenosatéomomentoemqueGoffmanmantémuminteresseemrelacionamentos,asimpressõessãoadministradasenãoabandonadas.

Omodelodeprivação,porsuaparte,postulaquerelacionamentosimportantesnaordemsocialestãotão altos em termos de controle normativo e tão baixos em aberturas para informação pessoal que aspessoassentemumadordeaniquilaçãopessoal,queosempurraparaoutrosrelacionamentosondeelespossamcompensarexpressandoseuseusmaisplenamente. Idealmente,nocontínuode relacionamentosformadopelainformaçãopessoalessesestãonopolodaintimidade;espécimes,parece-nos,daaberturatotaldeEueVocênacommunitasdelineadaporVictorTurner(1969).

Oque,então,érealizadopelaconcepçãodoselfnessesrelacionamentosdiferentes?Paracomeçararesponder essa pergunta, temos de abordar mais diretamente o problema da construção do self (emoposiçãoàapresentaçãodoself)pormeiodainteração.Goffmantendeanãosepreocuparmuitocomaquestãodeondeoindivíduoadquiresuaprópriaideiadesimesmo,comoeleéoucomodesejaser.Essaideia está simplesmente lá, e ele deseja que ela seja reconhecida pelos demais. E na sociologia doenganodeGoffman, issonãopodeserexatamenteumameta. Isso iriapressuporumamedidadignadenotadeautoenganoparapresumirqueaaceitaçãoporpartedasoutraspessoasdeumselfapresentadodemaneirafalsapossacontribuirdiretamenteparaopróprioconceitodeselfdoindivíduo;nomáximo,elepodeseorgulhardeserummentirosohábil.Fundamentalmente,noentanto,asociologiadoenganolidacomumsistemadetransaçõesmaisaberto,emqueaspretensõesdeserumcertoselfsãoconvertidasemrecursosdetiposbastantediferentes,taiscomoserviçosmaistangíveisoubensmateriais.

Mas bem podemos nos perguntar se até mesmo a sociologia da sinceridade de Goffman cobrerealmenteaconstruçãodoself,aproximadamentenosentidosugeridoporGeorgeHerbertMead.Nãohádúvidadequeaconstruçãoeamanutençãodoselfpodemseratécertopontoajudadaspelosrituaisde

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interaçãorotineiros.Noentanto,essesenvolvemoutrosaquemoindivíduonãodámuitaimportância,eosrelacionamentosenvolvidossãofrequentementesegmentaisemumsentidowirthiano.Háumafrentedepalcorelativamentepequena,ebastidoresconsideráveis.Seaconstruçãodoselfdoindivíduo–baseadanainteração–podesermeramenteasomadeselvessegmentais,nãoprecisahavermaisproblemas.Sesuaintegraçãoestátambémancoradanainteração,poroutrolado,essaconstruçãodoselfpareceestarrealizadadeumaformamais importantepormeiodaaberturados relacionamentosmaisparecidacomcommunitas.

Um número de autores contribuiu para a delineação de tais relacionamentos nos últimos anos[28].Denzin (1970a: 262-263) toca na questão com seu conceito de “acomodação do self” (self-lodging)explicitamente oposta à “apresentação do self” de Goffman. A concepção do self do indivíduo éconsideradacomoseestivesseacomodadamaisseguramenteemcertosrelacionamentos,eretornarcomalgumafrequênciaaessesrelacionamentosseriaassimumdosmotivosquesubjazemacondutahumana.Em um ensaio com Kellner, Peter Berger analisou o papel do casamento na construção social darealidade.Pormeiodalongaconversaquecompõegrandepartedeseurelacionamento,oscônjugesvãoconstruindo uma visão compartilhada domundo a seu redor que se estabiliza precisamente porque écompartilhada e externalizada. É uma atividade de construção do mundo que se baseia no ciclo deexperiências também fora dos relacionamentos, em outras palavras, importando elementos a seremretrabalhados e moldados em uma cultura comum e relativamente coerente. Esses elementos podemremontaràsexperiênciasdainfância,etambémincluireventosdaqueledianoescritório.Aatividadedeconstrução do mundo também em um sentido exporta seus produtos, na medida em que os cônjugesprovavelmente levarão suas perspectivas para atividades externas também. Em termos gerais umrelacionamento assim envolve um importante “processo costumeiro” que contrasta com a possívelanomianavisãodomundodoindivíduoisolado.Nostermosmaisparticularesimediatamenterelevantesparanossadiscussão,noentanto,esseprocessotambémdáaosparticipantesumsentidomaisforteemaisintegradodequemelessãodoqueaquelequeestádisponívelnamaiorpartedosoutrosrelacionamentos.“Ocasamentoemnossasociedadeéumatodramáticoemquedoisestranhossejuntameseredefinem”(BERGER&KELLNER,1964:5).

BergereKellner,obviamente,nãoestãodescrevendosimplesmentequalquertipodecasamento.Éocasamentodecompanheirismodoocidentecontemporâneo,emesmoassim,talvezumtantoidealizado.Oencontrodasmentesparecefuncionarmelhordoqueocorrenormalmente,eotrabalhodeconstruçãodarealidadequeocorrenorelacionamentoaparentementetemmuitopoucacompetiçãoexterna.Nostermosdo estudo de Elizabeth Bott sobre casais e redes, esse é um relacionamento conjugal conjunto entrepessoascujasconexõesexternassãoumtantofrágeis–classemédiaamericanaenãoclassetrabalhadorainglesa. No entanto, o ponto importante não é tanto se o casamento tem essa parte específica naconstruçãodoselfoudarealidadeemgeral.É,aocontrário,quealgunsrelacionamentos,emalgumlugar,podem estar um tanto especializados em desempenhar um serviço assim, embora eles não sejamnecessariamenteosmesmosparatodososindivíduosequasequecertamentenãoosmesmosparatodasasestruturassociais[29].PodemosverparalelosaquitambémcomaanálisedeRobertPainedaamizadeentrepessoasdaclassemédianasociedademoderna.Anoçãodeamizade,observaPaine,nãoéamesmaem todas as sociedades, e assim, os antropólogos, deslocando-se entre níveis de estudo êmico ecomparativo,tiveramproblemasaolidarcomela.Nasociedadedeclassemédiamoderna,noentanto,o

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significadoeovalorbásicosdaamizadesãoumasensaçãodemerecimento;especialmente,“oamigoéalguémquenoscompreendeequepodenosexplicarparanósmesmos”(PAINE,1969:507).Eéuma“explicação” que passa a ser razoavelmente crível porque está subentendido que o amigo temconhecimentodoassunto,poisamigostambémsecomunicamabertamentesobresipróprios[30].Umavezmais,éumrelacionamentoforteeminformaçãopessoalefrágilemcontrolenormativo.

Possivelmentepodemosconcluiressapartedenossadiscussãoconcordandoqueoselfpodebemsetornarumfocomaisimportantedeconsciêncianotipodecomplexidadesocialmaisoumenosfortementeassociadacomourbanismo.Emoutraspalavras,oindivíduopodeestarcientedeser“alguémespecial”,emumsentidodescritivoaindaquenemsempreavaliador.Podehaverumaconsciênciadoselfnaformade um reconhecimento de distinção quando se vê que menos pessoas levam vidas semelhantes, e aconsciênciatantodepapéisedoselfcomoentidadesdistintaspodeaumentarseexistemregrassobfortecontrolenormativoquede alguma forma são consideradas como intrinsecamente insatisfatóriasparaoincumbente.Nãoprecisa ser exatamenteumasurpresa seo indivíduopassaa serumapreocupaçãodeatividadesimbólicasobtaiscondições,ouseumaoposiçãoentreoself“real”eaestruturasocialpassaa serummotivo importantena retóricada individualidade.Sobreessaúltima ideia,noentanto, talvezpossamos ser um pouco céticos. É difícil imaginar um self que esteja totalmente separado de seusenvolvimentos sociais.Emborao indivíduonãoprecise serapenasa somadeseuspapéis, eleé,pelomenos em grande parte, umamaneira específica de uni-los e desempenhá-los, com prazer em algunscasosetalvezdesprazeremoutros.

Vimostambémquealgunsrelacionamentosparecemdesempenharumapartemaiornaproduçãodesseartefato imaginativo mais elaborado de um self, e outros uma parte maior na exibição do produtoterminado,emboramuitosrelacionamentosestejamclaramenteenvolvidosemambos.AperspectivadeGoffmansobreaapresentaçãodoselfdeve ter comosuacontrapartidaumpontodevista sobreoselfsendo submetido à construção social. Isso implica que a dimensão de informação pessoal nosrelacionamentos sociais que observamos anteriormente é um tantomais complexa do que a princípiopensávamos.Nãoéapenasumaquestãodeumaparteoferecendo informaçãosobreelaprópriaparaaoutra parte, para uso na condução do relacionamento. Pode também ocorrer que um indivíduo estejainfluenciadopelasindicaçõessobreelefeitaspelooutro.Podemostambémreconhecer,nesteestágio,queháoutraspossíveisvariações.Odesenvolvimentoconceitualda ideiadecontextosdeconsciênciaporGlaser e Strauss (1964) mostra algumas alternativas. Uma parte pode fazer um número maior derevelações,ou revelaçõesmaisverdadeiras,ou simplesmente tiposdiferentesde revelações sobreelamesmadoquefazaoutraparte,ouelapodeusarinformaçãopessoalrelacionadacomaoutraquepodetersidocoletadaemoutrosrelacionamentosequeaoutranemmesmosabequeelatem.Paraampliaroarcabouçoumpoucomaisefalarfigurativamente,damaneiradointeracionismosimbólico,umindivíduoem um relacionamento pode revelar coisas sobre si próprio apenas para ele próprio – saindo de umrelacionamentoe entrandoemoutro,por exemplo–aomesmo tempoemqueescondeessas coisasdaoutraparte.E,éclaro,semaisdeduaspessoasestãoenvolvidas,comonosdesempenhosdeequipedeThe Presentation of Self, padrões ainda mais complicados podem ser vistos na distribuição deinformaçãopessoalemumadeterminadasituação.

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Segmentabilidadeeautoapresentação

Aqui parece que chegamos à segunda parte de nosso argumento com relação à utilidade daperspectivadeGoffmanparaacompreensãodavidaurbana.NossointeresseagoraéumaquestãomaiscentralparaGoffman,ouseja,comooselfévistopelooutroenãocomoeleseestabelecenaprópriaconsciência do ego. Da maneira como as relações sociais são formadas na cidade grande, oestabelecimento de nossa imagem diante dos outros lá pode ser uma questão bastante diferente secomparadoaoutrostiposdeformaçõessociais.

OcomentáriodeRobertParksobre“patinandosobresuperfíciesfinas”eo“estudoescrupulosodeestiloemaneiras”nasrelaçõesurbanasseencaixaaqui.MasnóspodemostambémcomeçarapartirdeoutraafirmaçãoporMaxGluckman(1962:35-36),emsuaanálisedaprevalênciadoritualemgeraledosritesdepassageemparticular,nasociedadetribal:

[...] nas próprias condiçõesdeuma cidadegrande, examinadas emcontraste coma sociedade tribal, os váriospapéis da maioria dos indivíduos estão segregados uns dos outros já que eles são desempenhados em palcosdiferentes.Assim,àmedidaqueumacriançaamadureceelasedeslocadecasaparaojardimdeinfância,paraaescolaprimária,paraaescolasecundária,eemcadaumadessasfaseseleouelasedeslocadeumaclasseparaoutra.Cada ano de seu crescimento é caracterizado por esse progresso, e cada vez que ele avançamais umpasso, ele se desloca, dentro de um prédio educacional específico, de uma sala para outra. Depois, em umacorrente,eleprogridepelasinstituiçõesdeeducaçãosuperior,instaladasemseusprópriosprédios,paratrabalharcomoassalariado;ouemoutracorrente,elepassaporumperíododeaprendizadooucomoestagiário,atéocuparseupapelcomoassalariado.Otrabalhoocorreemescritóriosefábricas,emprédiosbastantediferentesdaquelesemqueamaioriadaspessoasmoram,participamdeseucultoreligiosoebuscamsuadiversãoouparticipamdavida política. Cultos religiosos ocorrem em prédios permanentemente santificados. E essas várias atividadesassociam os indivíduos com colegas bastante diferentes; na escola, gêmeos serão provavelmente os únicosmembrosdeumafamílianamesmaclasse;asfábricasreúnempessoasorigináriasdeáreasamplas;eomesmoocorrenamaiorpartedascongregaçõesreligiosas.Amaneiracomoumacriançasecomportanaescola,ouumhomemcomooperárioemsuafábrica,nãoafetaasrelaçõesfamiliaresimediataediretamente,emboraissopossaocorrernolongoprazo;háumasegregaçãodepapéisesegregaçãodejuízosmorais.

Essaéumavariedadedocontrastesociedadeprimitivaecentrourbanoeoutraformadeexpressaraideia da segmentabilidade nos relacionamentos urbanos. Aquilo que mais obviamente relaciona adeclaraçãoaGoffmanéousodametáforadramatúrgica.Sobcondiçõesurbanas, segundoGluckmanavida temlugaremumamultiplicidadedeestágiosseparados;umpoucomaiscautelosamente,podemosadmitirqueessaépelomenosatendênciageral.Eospúblicossãodiferentesacadavez.Podemosdizerquesobessascircunstâncias,adiferençaentreaquiloquesedeixaconhecersobreoselfemumasituaçãoespecíficaeaquiloquepoderiaserconhecidoenvolveospapéisqueoindivíduodesempenhaemtodasasoutras situações.Essespapéis são, emumsentido,osbastidores; com respeitoaqualquerumadassituaçõespareceria,então,queacidadetemumaaltaproporçãobastidores/frentedopalco.Seporumlado pudermos imaginar uma sociedade que seja apenas um único palco – um tipo mais extremo desociedadeprimitivaou,parareclusos,umainstituiçãototalsemumasubvida–adiferençaentreoselfapresentadoeoselfquepoderiaserconhecidoteriadetercomocentroumself“interior”,nãoreveladonormalmente no comportamento aberto.Essa é uma noção bastante problemática. Parece claro que nomododegerenciamentodaimpressãoqueenvolveonúmeromaiordeestágiosseparados,hámaisespaçoparamanobraemaiorespossibilidadestambémparaumaanálisedramatúrgicaquetenhacomobasefatosobserváveis. O contraste é rudimentar,mas sugere que oHomo goffmani é mais um urbanita do que

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membrodeumatribo.

Acidadegrande,emoutraspalavras,éumambienteemquehámuitoseváriosmeiosdenosfazermosconhecidosaosoutros,eemqueumagrandequantidadedemanipulaçãodeinformaçãodebastidoresépossível. As oportunidades estão lá, na estrutura social. O que as pessoas fazem com elas, e quãoconscientemente elas se aproveitam delas, pode variar consideravelmente.No restante deste capítulo,iremosassinalaralgumasdessaspossibilidades.

Umadascoisasqueumurbanitapodefazerédesconectarasperformances.OshoboesdeChicagodeNelsAnderson,comopodemoslembrar,nãocontavamnadasobresuasorigensunsaosoutros,emborapresumivelmente aquilo que era mantido em segredo pertencia em grande medida a seu passado. Épossíveltambémmudarparafrenteeparatrás,deumaperformanceàoutra,eumcasoextremodissoéavidadeRonnieKray,parcialmentedosubmundolondrino,comofoiresumidaporRaban(1947:67).

OcomportamentodeRonnieeragloriosamenteinconsistente.Eleeraumgângster,umempresáriorespeitável,umfilantropo,ummembrodaaltasociedade,umfilhinhodamamãe,umpatriota,umhomemfortecomumcoraçãodemanteiga,umatirador,umamigodeanimais,umgay,nofinalumcavalheirodocampovestidodetweedcomsuaprópriafazendaemSuffolk.Apanhadoemqualquermomento,suaidentidadetinhaumaperfeiçãodramáticaperversa.Umnúmeroespantosodepessoasnuncaduvidouqueeleeraoqueparecia.Paracadapúblicoeletinhaumavoz e um rosto diferente, e as pessoas queo viamatuar umdospapéis não suspeitavada existência dosoutros.Seurepertórioseriaainvejademuitosatoresprofissionaisversáteiseelepodiasemesforçopassardeumpapel para outro no decorrer de um único dia.O segredo eramanter seus públicos separados; só quando eleestavanobancodosréuséqueelestodossejuntaram,eentãofoiparadestruí-lo.

Outravarianteéintroduziremumaperformance informaçãodevalidadeduvidosarelacionadacomoutraperformance.Issoéaparentementeoqueocorreuno“mau-mauingoftheflakcatchers”segundoainterpretaçãodeTomWolfecitadanocapítuloanterior.Osburocratasnãotinhammeiosdedizerseoshomensselvagensquesurgiramemseusescritórioseramlíderesverdadeirosdeguetosounão.Elessópoderiamsermaisoumenosenganadoscomasreivindicaçõesqueeramfeitas.

A cidade grande pode assim oferecer excelentes oportunidades para apresentações do self quepareceriam, mais ou menos conscientemente, deceptivas. De um ângulo ligeiramente diferente, elatambémfornecechancesdeescapar,emalgunsrelacionamentos,deumselfquenãopodeserevitadoemoutros.PodemospensaraquisobreasugestãodeBerremandequeacidadenãoéumambienteidealparao sistema indiano de castas, já que ela pode permitir que as pessoas, pelo menos em determinadassituações, escapem daquele lugar na hierarquia que, em princípio, deveria definir toda sua existênciasocial[31]. Mas aproveitar essas oportunidades aparentes poderia envolver riscos. Se estivermosconscientesdaquiloqueaspessoas sãoemnossosváriospúblicos,poderíamospresumivelmente terocuidadosuficienteparanãofazerapresentaçõescontraditóriasnoscasosemquesabemosqueospúblicossesuperpõem.Éprovávelquenãotenhamosconsciênciasuficientederede,noentanto,paraperceberquepúblicosseparadospodemestaremcontatoemsuasregiõestraseiras.Nãosóaseparaçãodepalcos,mastambém redes esparsas são um pré-requisito para o tipo de manobras apresentacionais que estamosexaminandoaqui.Noscasosemqueasfofocasestãoemjogo,ogerenciamentodaimpressãopodeterdesair.Umexemploexcelentedaquiloquepoderesultardeumaincapacidadedemanterospúblicosbemseparados é a chantagem, uma espécie de crime que claramente se nutre de uma estrutura derelacionamentosdiferenciadacomoaqueladacidadegrande[32].

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Há outros meios mais específicos em que as variações na apresentação de self de um indivíduopodemser influenciadas,epodem,elaspróprias, influenciaramaneiracomoasredessãoformadas,eexistem assim vantagens na integração da perspectiva dramatúrgica na análise de redes.Umgrupo deexemplospodeserencontradonaquelesrelacionamentosdeaprovisionamentoemqueoserviçoprestadoporumaparteconsisteemreceber informaçãopessoal transmitidapelaoutrapartesobreelaprópriaeatuar com base nessa informação. Por exemplo o relacionamento entre médico e paciente ou entreadvogado e cliente. Esse tipo de informação podemuitas vezes ser prejudicial à última parte se forpermitidoqueelaseespalhe,eeleraramenteausariaemoutraapresentação.Introduz-se,portanto,umcódigoprofissionalque,presume-se,irárestringirousodesseconhecimento.Aquestãoé,atéquepontoocliente,pacienteoualgumaoutrapessoaemumpapelequivalente,depositaconfiançanessasrestriçõespuramentenormativas?Épossívelqueeleprefirafazerumnovocontatoparaesserelacionamentoemvezde procurar alguém que já conhece em outra capacidade (e com isso tornando o relacionamentomultiplex).Esseúltimocasoimplicariaumamudançadeumaapresentaçãodoselfparaoutranafrentedamesma pessoa, algo que provavelmente não seria muito confortável. Além disso, o indivíduo podepreferirqueanovaconexãofiqueisoladadorestodesuaredepessoal,enãoprofundamenteenraizadanela. Isso seriaumseguroduplo,por seacasoas restriçõesnormativas sobre revelaçõesexternasporpartedeseuoutronãosejamsuficientes.E,éclaro,umamedidadeprecauçãodessetipopodepareceraindamaisrazoávelnoestabelecimentoimplícitoouexplícitoderelacionamentosdeprocessamentodeinformação em que nenhum código profissional de discrição existe. Até mesmo hábitos de consumopodemserconsideradoscomosecontivessemrevelaçõessensíveissobrenossavidapessoal.Umcaixaanônimodeumsupermercadopodenãopensarduasvezessobrenossascompras,enquantooSr.Browndalojadaesquinaqueconversalongamentecomtodosnossosvizinhostalveznuncaasesqueça.

Aessaaltura,devemosprovavelmenteconsideraroutravezohábitodeanalistasderededepensarque apenas os relacionamentos pessoais mais duradouros são componentes significativos de redes.Particularmentequandosetratadoprocessamentodainformação,essapráticapodetersuaslimitações.Os estranhos que o morador da cidade encontra nos relacionamentos de tráfego, e em algunsrelacionamentos de aprovisionamento tais como aquele do caixa do supermercado, são, como jádissemos,pelomenosquasenãopessoasnosentidodeGoffman.Àsvezesissopodesignificarquenãosomos particularmente cuidadosos com que tipo de self projetamos nas interações envolvidas. Comotambém observamos no capítulo 3, presume-se que elas não serão fatais. De certa forma, podemospresumirquehásegurançaentreestranhos.Masháumproblemadecircunspecçãodramatúrgicaaqui.Seo show não está acontecendo, talvez devesse estar, pois embora você possa não reconhecer a outrapessoa,elapodereconhecê-lo.Intencionalmenteouporacaso,acopresençaaparentementeinocentepoderealmente ser um caso de vigilância em que informação pessoal significativa flui unicamente em umadireção.E embora nossa consciência de rede com relação a estranhos seja, por definição, quase nula(nóspodemos, é claro, perceber seus cons emumacopresença) eles podemestar, e podem saber queestão, a apenas dois ou três elos de nós por meio de relacionamentos mais tangíveis. Como outrapossibilidade,umaconexãoindiretadessetipopoderiaserdescobertasómaistardeporambasaspartesdepoisqueumaouambasaspartestiveremsurgidoforadelinhacomsuasapresentaçõesdoselfdentrodaquelaconexão.Deumaformaoudeoutra,umabrechadecredibilidadepoderesultardisso.

Não precisamos levar nossa busca pelas conexões entre dramaturgia e redes mais adiante por

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enquanto. Certamente há grandes oportunidades para gerenciamentos de impressão ousados na cidadegrande,assimcomoparaocasiõesdesastrosasemqueascontradiçõessãodescobertas.Éimportante,noentanto, que não pensemos sobre a conexão entre a estrutura social urbana e o gerenciamento deimpressõesapenascomoumaquestãodechancesqueaspessoasdacidade têmdeocultar seja láquecoisas estranhas elas possam ter feito. Por um lado, as manipulações de apresentações não sãotipicamentedamagnitudedaquelasdeRonnieKray(quemaistardefoiconsideradoesquizofrênicopelospsiquiatras do presídio). O que as pessoas tentam restringir a regiões posteriores são com menosfrequênciaaquelessegredosrealmentetenebrososdoquesegredosquesãocinza-clarooucinzamédio;nenhum desvio espetacular, e sim pequenas fontes de constrangimento. Ou pode ser simplesmenteinformaçãoconsideradairrelevanteparaaperformanceemprogresso.

Poroutrolado,aspessoaspodemestartãointeressadasemrevelarquantoemocultar,eseháalgointeressantesobreaatividadeumtanto insípidaqueogerenciamentode impressãoacabamuitasvezessendo, esse algo talvez seja a complexidade e incertezaquepode fazerparteda interação entre essasduastendênciasnaapresentaçãodeatémesmoumselfurbanobastantecomum.Aquivoltamosdeaindaoutro ângulo para nosso interesse contínuo sobre as implicações organizacionais e culturais dadiversidadedepapéisurbanos,edadiversidadederedesqueaacompanha.Umavezmaispresumimos,pelosmenosabemdoargumento,queadiversidadedepapéiséconsiderávelepermitegrandeliberdadede combinação. Podemos também adotar a premissa comum de que quando um indivíduo estáminimamenteinteressadonaquiloquesuaimagemirásetornaremumcertorelacionamento,eletempelomenosuma ideiavagadecomoelequerounãoquer servistoedeque informaçãopode levaraumadessasduasopiniões.Hámomentosemqueaapresentaçãopodeserconstituídasemqualquerproblematotalmente por essas atividades que são, por assim dizer, intrínsecas ao relacionamento; pelaconformidade ou não comnormas relevantes, e pela atenção ao estilo pessoal.Ocasionalmente algumesforço pessoal é acrescentado nessa apresentação também, como no caso do garçom sartreano deGoffman.Talvezemalgunscasosissopodetambémestarrelacionadocomadiversidadedavidaurbana.No caso em que muitas situações sociais alternativas são possíveis, é provável que um desempenhohabilidososejanecessárioparadefinirqualsituaçãoépretendida.

Em outros casos, no entanto, o indivíduo se define pelo menos parcialmente permitindo que ainformação(oudesinformação)deseusoutrosenvolvimentossefiltrepeloslimitessituacionais.Eassimsurge a questão de com que grau de elaboração e fidelidade aos fatos que podem ser resultado dorepertóriodeenvolvimentossociaisdaqueleindivíduoaqueleselftotaléapresentado.

Oproblemapodeserquetipodeconsistênciaesperamosdeumindivíduoecomoachamosqueessaconsistência deve ser refletida na ronda de sua vida. Os antropólogos hoje já estão conscientes daimportância da seleção situacional na ordenação do comportamento, e pelo menos de uma maneiraimplícitaeimperfeita,oprincípioésemdúvidatambémentendidoporleigos.Poucospodemrealmenteesperarconsistênciaabsoluta,porexemplo,entreocomportamentodeumapessoaemcasaenotrabalho.E, no entanto, por certo existe alguma sensação da propriedade das várias combinações deenvolvimentos, na mente tanto do ego quanto do alter. É em virtude dessa sensação daquilo queacompanhaoqueadiversidadedosenvolvimentosdeumurbanitapodeàsvezescausardificuldades.

Emprincípio,podemosteraprendidoaesperarqueumaseleçãodepapéisporpartedeumindivíduo

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expresseumselfunitário.Comoquestãodeummínimoencaixenecessárioentreessespapéis,elesnãodevem, consequentemente, implicar valores e crenças pessoais muito contraditórias. Para ser tantomembrodeumaseitareligiosaestritaeumjogadorviciadoé,provavelmentenosolhosdamaioriadaspessoas, uma forma de ultrapassar os limites da inconsistência aceitável.Omodo de vida deRonnieKrayera,nessesentido,maisdoqueumacombinaçãodepapéis.Elesugeriaselvesmúltiplos.Edissopodemserfeitossegredostenebrosos.Masquandoadiversidadeseráinterpretadacomocontradiçãoeoquepodemosfazersobreaquelainformaçãosobrenossosatosqueparecesoarcomoumanotafalsa?

Nacidadecomsuaestruturarelativamenteopaca,mesmoosentidocompartilhadoeprecisodaquiloque acompanha o que pode não estar tão fortemente desenvolvido. Tantos tipos diferentes deenvolvimentossociaispodemocorrerqueninguémtemummapaclarodetodoseles,eumindivíduonãoleva seu repertório total de papéis no rosto, como faz com atributos conspícuos discriminadores depapéiscomoaraçaeogênero.Assim,nãosetrataapenasdeasociedadenãopoderfacilmentegarantirquetodosirãoestarconformescomsejamquaisforemospadrõesdecombinabilidadequepossamserdados.Atéadecisãodequaisdevemseressespadrõesémenossimplesnamedidaemqueaoegoeaseus outros falta uma visãomútua dos estágios uns dos outros. Há ainda a outra complicação de umindivíduopoderseratraídoparapapéisque,devidoàscircunstâncias,estãoalémdoseucontroleenãosão resultados de sua volição pessoal. Se isso fica sempre claro para os outros que estão tentandoenvolverseuself,noentanto,éumaquestãototalmentediferente.

Com relação às redes a situação é semelhante. Podemos ser julgados por outros não apenas pornossas atividades, mas também segundo as companhias que temos. Assim, para um outro, ascaracterísticasdosdemaisoutrosdoegoemoutrosestágiospodeserumaquestãodealgum interesse.Aquiumavezmaispodemospensarprimeiramentenaretençãodeinformaçãosobreconexõescomvilõese tolos conhecidos.Mas seja qual for a reticência que tenhamos em revelar as qualidades de nossoscolegas,émaisprovávelqueelaestejarelacionadacommenoscombinaçõesmalsucedidascomaquiloqueéemqualquermomentodeterminadonossocomportamentofrontal.Aspessoasemumaconexãoousegmento de rede podem parecer muito maçantes, muito pouco sérias, muito conservadoras, muitoradicais,muitopiedosas,muito ingênuas,muitoanárquicas,muito levianas,oumuitodeumnúmerodeoutras coisas para parecerem até mesmo indiretamente apresentáveis às pessoas em outras partes denossarede.Umavezmais,noentanto,oslimitesdetolerânciapodemestarconfusos.

Asmuitasformasdegerenciamentodeimpressãonavidaurbanacotidianapodemestarrelacionadascomfrequênciacomfatoresdepapéisederedestaiscomoaquelesqueacabamosdemencionar.Podemhaverocasiõesemquepreferiríamosnosmanterbem-insuladosunsdosoutrosemvirtudedasexigênciascontraditórias que essas ocasiões fazem ao self, mas que têm influênciamútua de tal forma que pelomenosalgunsdeseusacessóriosdevemserfeitosparacombinarcomtodaselas.Nopiordoscasos,aexperiênciapodesercomoadeumcamaleãosobreumacolchaderetalhosmulticolorida.AsituaçãodeBarbaraLamont(1975:5),umarepórternova-iorquinaderádioetelevisão,nocomeçodeumdiaéumexemploesclarecedor:“EstounuadiantedoespelhomeperguntandooquepossousarparaumenterroquetambémpossausarparaumainvestigaçãosecretadeumprojetohabitacionalquepossatambémusarparairaminhaanalistaquetambémpossausardiantedogerentedaminhaestaçãoderádioquepossatambémusarparajantarnaMesquitadaRuaCentoeDezesseis?”

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Podemostambémidentificartáticasdiferentesderevelaçãovoluntária,pormeiodaqualoegotentarefinaroretratoqueumoutrotemdeledealgumamaneiradesejável.Informaçãofactualrelacionadacomoutrosenvolvimentospodeserintroduzida;ou,ocasionalmente,especialmenteseooutrojárecebeutalinformaçãopormeiodeoutrocanal(comorumores)aênfasepodeestaremfornecerumainterpretaçãoquedealgumaformaoudeoutraesclareçasuarelaçãocomoself.

AindaoutrodosensaiosdeGoffman,aquelesobredistânciadepapéis(1961b:85ss.)nosdáinsightssobreumamaneiradefazer issocompapéis.Nãoésimplesmenteumaquestãodeseos temosounão.Podemos nos comunicar com outros, explicitamente ou de maneiras menos óbvias, se um papel é“realmentevocê”oualgoperiférico, talvezacidentalouforçado,eofazemosmostrandonossaligaçãocomeleounossadistânciadele.OexemplodeGoffmanéacriançanocarrosselquefazsinaisparaosexpectadoressugerindoqueestáficandoadultademaisparaseimportarcomcarrossel.Maisoumenossemelhante,háaquiloqueScotteLyman(1968)chamaramde“relatos”,artifíciosverbaisusadosparacriarumpontoentreaçõeseexpectativas.Háduascategoriasprincipaisdessesartifícios:desculpasejustificativas.Asprimeiraspodemserusadas,nassituaçõesderevelaçãoqueestamosdiscutindoagora,parasugerirqueumcerto tipodeenvolvimentopodeserdesconsideradocomoumapartedoself.Egoreconhecequeeleé inconsistentecomavisãodeseucaráterqueelequerqueooutroaceite,maselenega responsabilidadedeumamaneiraoudeoutra.Nas justificativas a responsabilidadeé aceita, e éfeita uma tentativa para mostrar como o envolvimento realmente se encaixa ao self que está sendopromovido.

Neméprecisodizer,hámuitasrevelaçõesquepodemserfeitasdeformarotineiraesemproblemas,nos casos em que se considera que nenhuma inconsistência está envolvida. Segmentos diferentes dasociedadeurbana,noentanto,podemterexigênciasdiferentesaesserespeito.Hácírculosemqueumaconsciênciadascontradiçõesnavidaurbanaprovocaumgraudetolerânciadetalformaqueasdesculpasraramenteparecemserexigidas.Podeatémesmoserumaformadesofisticaçãourbanadefinirumselfdesejável em termos de sua habilidade de administrar os envolvimentos que pareceriam estar emoposição um ao outro, ou até sentir prazer com eles. Aqui aquilo que poderia parecer ser materiaisprováveisparasegredostenebrosospodem,emvezdisso,seralegrementeexibidosnaapresentaçãodoself,etodasasinconsistênciaspassamasersuaprópriajustificativa.

Damesma forma é possível que o tipo de relatos aceitos emumaparte da sociedade urbana serárejeitadoemoutra.Eleseoutrasmaneirasdeorientarasrevelaçõessobreaquiloqueocorreemnossosoutrosestágios,poderiamtalvezserconsiderados,então,comoformasculturaiscomalgumadistribuiçãomaisoumenosespecífica.Comoasconstelaçõesdepapéiseasredesurbanaspodemsertãovariadas,noentanto,comfrequênciahaveráalgoexperimentale inovador sobreamaneiracomoas revelações sãofeitas.Nemsemprepodemostercertezaseelasirãoseraprovadasoucensuradaseépossívelquesejanecessário alguma ideia nova para montar um ato. Como observamos brevemente ao discutir asdiferençasdasredesnocapítuloanterior,podehaverumcontrasteaquicomotipodearranjosocialemqueasconstelaçõesdepapéissãopequenasepadronizadaseemqueasdiscrepânciastambémocorremdeformarecorrente.Noscasosemqueourbanitapodeterdeexperimentarumaapresentaçãooriginaldoself, a sociedade tradicional de pequena escala pode ter instituído um relacionamento de evitação,ancoradorotineiramentenaconsciênciacoletiva[33].

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Porque,então,revelações?Poucasquestõespodemsermaisimportantesparaoentendimentodavidaurbanaeissonostrazdevoltaàsquestõesabordadasquasenofinaldocapítulo3.Seadotarmosavisãowirthiana de urbanismo muito literalmente, podemos ficar presos a uma descrição excessivamenteestáticaderelacionamentosentreestranhos.UmadasideiasúteisdainterpretaçãoqueMaxGluckmanfazdoritual,comomencionadoacima,équepormeiodo trabalhocomunicativoaspessoaspodemmudaraquelasdefiniçõesdepessoasqueparecemestarinerentesaumtipodeestruturasocial.Noseucaso,orite de passage é utilizado para fazer um adulto, e assim uma nova pessoa, a partir de uma criança.Embora os relacionamentos entre os mesmos indivíduos do mesmo sangue vão continuar tanto antesquantoapósainiciaçãonomesmoestágio,umlimiardedescontinuidadeemsuaformajáfoiobservado.Da mesma maneira, na sociedade tribal, as pessoas podem interagir com os mesmos outros emrelacionamentosmultiplex sobre umavariedade ampla de atividades;mas pormeio do ritual, pessoasinteiraspodematécertopontoser fragmentadasempapéis,de tal formaqueaquiloqueocorreemumtipo de envolvimento não afeta necessariamente todas as outras facetas de um relacionamento. Comrevelaçõesnaapresentaçãodoselfnavidaurbana,oopostoacontece.Aspessoasquediretamentesãoobserváveisapenassegmentalmentepodemsetransformarempessoasmaisoumenosinteiras.

Isto é, na cidade, alguns dos relacionamentos mais importantes das pessoas talvez precisem serconstruídos. Urbanitas não se encontram indiscriminadamente em uma situação de familiaridade comtodas as pessoas que gostariam de ter em suas redes mais duradouras, da maneira que alguémconcebivelmentepoderiafazercomoumresultadocolateraldecresceremumapequenacomunidade.Emvez disso, alguns relacionamentos íntimos podem ter de ser construídos do princípio, começando emcontextosquenãonecessariamentedemonstramoferecergrandespossibilidadesparaarealizaçãodesseobjetivo,emqueaspessoaspoderiamigualmentecontinuarbemdistantesumasdasoutras.Parateralgumsucesso em nos estabelecermos como uma pessoa sob condições assim, precisamos “ser bastanteenérgicos”.

Antropólogosrealmentealgumasvezesfizeramcomentáriossobreasmaneirasespeciaispelasquaisapopulaçãourbanabuscao reconhecimentounsdosoutros.Basta lembrar a ênfasedeHarris sobreabuscaporindividualidadeemMinasVelhas.Rivière(1967:577-578)sucintamentesugereumavarianterelacionadaemuma reanálisedeTheChildrenofSanchez deOscarLewis, em termosde honra e devergonha.Comonacidadenossaorigempodenãoserconhecidadosoutros,abuscaindividualporumahonra demonstrável torna-se mais intensa. No México, conclui Rivière, sua forma conspícua é omachismo.Talvezmaisdiretamente relacionadocomnosso argumento,Lewis (1965:498) eleprópriocomentou,sobreo temadoscontrastesclássicosentreasociedadeprimitivaeacidade,emtermosderelacionamentossociais,que“nascidadesocidentaismodernas,épossívelquehajamais‘dálá,tomacá’sobre nossa vida privada e íntima em um único coquetel ‘sofisticado’ do que haveria em uma aldeiacamponesaduranteanos”.

Algunsdessesintercâmbiospodemsimplesmenteoferecerdiversãoparaumencontrobreve,ealémdasrevelaçõestrazidasdaregiãoposterior,outrascoisaspodemtercomoobjetivocaptaraatençãodooutro.Mascertamenteopreenchimentodaslacunasdeumadescriçãodenósmesmosaorevelarmosalgosobre nossos outros envolvimentos é um meio importante de personalizar um relacionamento. É noprocessodefazerumamigodeumvizinhoquelhefalamossobrenossotrabalhoenossafamília.Eéuma

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partedadefiniçãodeproximidadeemrelacionamentoscorrentes,porexemplo,emumamesmafamília,que as revelações sobre envolvimentos externos são feitas continuamente. O procedimento normal naconstruçãodeumrelacionamentoassim,éclaro,nãoéexatamentenosvirarmosdoladodoavessoemumaúnicaconversa.Ébempossívelquehajapontoscríticosnoprocesso,conectadoscomdecisõesderevelarinformaçãoàqual,poralgumarazão,foidadaumaimportânciasimbólicapoucocomum.Masdeummodogeral,esseprovavelmenteéumprocessogradual,emqueoego,antesdeirmaisàfrente,podeesperar pela reação do outro às revelações e reagir de acordo com ela. O processo pode serinterrompidoseorelacionamentoemsuaformanovaeampliadaacabarsendoumdesaponto.Poroutrolado,àmedidaqueeletemprosseguimento,asdemandasdooutroparaqueegocontinuesuasrevelaçõespodemficarmaisfortes,detalformaqueemumdeterminadomomentoegocomeçaaperderocontroledesuaprópriaapresentação.Finalmente,umconhecimentoindiretodorepertóriomaisamplodepapéiseda rededo ego, disponibilizadoprincipalmentepormeiode suas revelaçõesverbais, pode já não sersuficiente, e o outro começa a aparecer empessoa nos outros estágios também.A essa altura, antigasdivisõesentreopalcofrontaleosbastidoresseromperam;eseoegoficoucientedapossibilidade,issopresumivelmentejárestringiuporalgumtempoquaisquertendênciasdefantasiasemsuasapresentações.

Aqui,também,àmedidaquepodemosvislumbrarofimdogerenciamentodeimpressão,épossívelquetenhamosabandonadoavariedadederelacionamentosqueconstituemointeresseprincipaldeErvingGoffman.Podemosver,noentanto,queépormeiodeumaououtratáticanaapresentaçãodoselfqueosmoradores da cidade muitas vezes fogem do anonimato e da segmentalidade nas relações sociais.Revelações pessoais, construídasmais oumenos engenhosamente, são um elemento dinâmico na vidaurbana.Goffmanexpandiunossaconsciênciadesuasformaseprocessoseessaéumarazãopelaqualnóspodemosconsiderá-loespecialmentecomoumcontribuinteimportanteparaopensamentoantropológicourbano.Alémdisso,elenosmostrouumamaneiradepensarsobreosriscosetambémasoportunidadesque uma distribuição desigual de informação pessoal pode provocar. Há também em sua obra umapenetraçãodosrituaismodestospormeiodosquaisosselves sãocultuadosquepodeminspirarnovasanálisesdaatividadesimbólicaemumavidaurbanaemqueopanteãoemquestãopodeserextremamentediversificado.Umaconsciênciadoselfeogerenciamentodainformaçãopessoal,éclaro(comoGoffmancertamenteconcordaria),nãoétudoqueavidacontémsejanacidadeouemqualqueroutrolugar.Mastalveznãoestejamosconsistentementeconscientesdelesporqueelesestão,deumamaneiraoudeoutra,quase sempre conosco. Se isso é verdade, Goffman demonstrou ser um mestre da “exoticização dofamiliar”que,anteriormente,assinalamoscomoumdosprodutosvaliososdaimaginaçãoantropológica.Eletemacapacidade,comoBennettBerger(1973:361)observou,de“tornarestranhaseproblemáticasas próprias premissas e rotinas que fazem a vida social comum possível e compensadora”. Nossoscomentáriosnaúltimapartedestecapítulopodemtercontribuídoparaesclareceralgumasdasconexõesdessaperspectivacomideiasquepodemosconsiderarcentraisnaantropologiaurbana.

[1].NaUniversidadedeEdimburgo,nocomeçodadécadade1950,eleestavanoDepartamentodeAntropologiaSocialeProfessorBenjaminFranklindeAntropologiaeSociologianaUniversidadedaPensilvânia.

[2].O livro é uma coleção de ensaios organizados porGregersen (1975).Uma lista de outros textos sobre aspectos da obra deGoffmanincluiriam, por exemplo, Messinger et al. (1962), Taylor (1968), Gouldner (1970: 378ss.) Lofland (1970a), Young (1971), Berman (1972),

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Blumer(1972),Aronoff(1973),BennettBerger(1973),Boltanski(1973),Collins(1973,1975:161ss.),Dawe(1973),Lyman(1973),Manning(1973,1976),Perinbanayagam(1974),Davis(1975),Gamson(1975),Jameson(1976),Bogart(1977),Hall(1977)eGonos(1977).

[3].Cf.,parataiscomparações,Berman(1972),BirenbaumeSagarin(1973:3-4)eHall(1977.

[4].UmexemploconspícuoéobrilhanteFanLetteronErvingGoffman!(1973),deBennettBerger.

[5].Collins(1973:139)sugereque“Goffmanéoprincipalherdeirodatradiçãodurkheimianaemsuapuraforma”eenfatizaamediaçãodeWarner,comooutrostambémofizeram.Possivelmenteoutrochicagoense,EdwardShils, tambémdeveserconsideradocomoumafontedeideiasrelacionadasaproximadamentenamesmaépoca;cf.umdosvolumesdeseusensaioscompletos(SHILS,1975).

[6].Relations in Public é de uma maneira um tanto interessante, “dedicado à memória de A.R. Radcliffe-Brown que, em sua visita àUniversidadedeEdimburgoem1950,quaseconheci”.AopiniãodeManning(1973:137)équeGoffman“surgedeumatradiçãobritânicadeantropologiasocialcomsuapreocupaçãoorigináriadaÁfricacomritual,símbolosedeferência”.

[7].Mas como sabemos, a influência de Simmel foi trazida paraChicago porRobert Park.Na época deGoffman, ela foi aparentementepropagadaláporEverettHughes.

[8].SeuargumentoparaoestudodesituaçõespropriamenteditasétambémafirmadosucintamenteemGoffman(1964).

[9].Cf.ocomentáriosobreissoporBennettBerger(1973:359-60).

[10].Lofland (1970b:38) sugeriuqueGoffman tornou-se “oprincipal inventordominiconceito” em reação àpaisagemconceitual áridadasociologiainteracionistacomoeleaencontrouemChicago.Eletambémcitaocomentárioirônicoque“Goffmantemmaisconceitosdoqueonúmerodereferentesexistentes”.

[11]. Isso pode ou não ser assim: de qualquer forma, talvez a posição metodológica fundamental de Goffman parece bem expressa nocomentáriointrodutórioemBehaviourinPublicPlacesquediz“umaabordagemespeculativaimprecisaaumaáreadecondutafundamentalémelhordoqueumacegueirarigorosaaela”(GOFFMAN1963b:4).

[12].AmbosforamreimpressosemInteractionRitual(1967).

[13].Goffmanvoltaaessetemaaodiscutir“intercâmbiosremediais”emRelationsinPublic(1971:95ss.).

[14].Paraserexato,devemosobservarqueGoffmanassinalaqueorecipientedadeferêncianãoprecisaserumapessoa.Umexemploéoencontrodedoisnavios,saudandoumaooutrocomseusapitos.Essaqualificaçãonãoprecisanospreocuparaqui.

[15].Adistinçãoédurkheimiana.GoffmanvoltaaelainRelationsinPublic(1971:62ss.).

[*].[...]emborasuafacesocialpossasersuapropriedademaispessoaleocentrodesuasegurançaeprazer,elaéapenasumempréstimoque lhe é feitopela sociedade; e será retirada se elenão se comportar deumamaneiraqueo façamerecê-la.Atributos aprovados e seurelacionamentocomafacefazdetodososhomensseuspróprioscarcereiros;issoéumarestriçãosocialfundamentalemboracadahomempossagostardesuacela.

[16].Háumtratamentoespecialdoconstrangimentoemoutrotexto(Goffman1956b).

[17].Areferêncianocapítulo3,n.39,tambémérelevanteaqui.

[18].EssaéaproximadamenteavisãoadotadaporGouldner(1970:378ss.).

[19].Young(1971)prefereessainterpretação,emboraBennettBerger(1973:355)nosavisequeGoffmansimplesmentenãoseprestaaumarotulaçãopolíticafácil.

[20].ObservemaquiainterpretaçãodeTenbruck(1965:93)sobreSimmel:“Asformasdeassociaçãotêmsuaprópriaautonomiaedevemserestudadasemseuprópriodireito; elas têm forçae significado independentes emsimesmasede simesmas, embora seuefeitoobservávelpossaserobscurecidoporlimitaçõesinerentesnocarátercompostodasociedade”.

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[21]. Cf. Bogart (1977: 520): “Em nenhum lugar no corpo de toda a obra deGoffman, por exemplo, é possível encontrar uma discussãosustentáveldopodercomoumfenômenodeumaestruturasocial,comoumresultadodocontrolederecursoseconômicosvitais,oucomooresultado de processos socioculturais que conferem autoridade àqueles que são percebidos como estando simbolicamente envolvidos naordenaçãooucontroledocosmossocial.”

[22]. As primeiras inspirações para essa visão vêm da comparação controversa de Elkins (1959) da plantação com um campo deconcentraçãomoderno. Para comentários posteriores cf., p. ex., Raymond Smith (1967: 229ss.), Bryce-Laporte (1971) eBeckford (1972:61ss.).

[23].UmensaiofascinantedeWright(1971)tambémérelevanteaqui.

[24].Aquipodemosargumentarquenãoéentreascategoriascomasvidasde trabalhomaismonótonasqueospsicanalistasencontramamaior parte de seus pacientes.O comentário deGoffman emAsylums sobre a análise do self como um privilégio cultural da classe altaparece,umavezmais,relevante.Paraumaoutrainterpretaçãocontemporâneadapreocupaçãocomoself,cf.oensaiodeTomWolfe(1976):TheMeDecadeandtheThirdGreatAwakening.

[25]. Esse conceito de dignidade parece nos lembrar a ideologia igualitária dos trabalhadores das plantações guianenses analisada porJayawardena(1968),assimcomocertosaspectosdoconceitode“alma”dosnegrosamericanos(cf.Hannerz1968;156ss.).Nosdoiscasos,obviamente,colocaçõesdepapéisformaistenderamanãoserperfeitas.

[26].Cf.sobreessepontoSincerityandAuthenticitydeLionelTrilling(1972:10ss.),assimcomoHall(1977).

[27]. Para outros comentários sobre a significância do relacionamento deGoffman com a ordemmutante do ritual interpessoal cf.Collins(1973:141;1975:163ss.)eManning(1976).

[28].Alémdaqueles jádiscutidosaqui,cf. tb.WatsonePotter (1962)comsuadistinçãoentre“apresentando”e“compartilhando”bastantesemelhanteàquiloquetemosemmente.

[29].Emoutrosescritosargumenteiqueosgruposdeparesmasculinosestãoemumaposiçãoassimnacomunidadedoguetodeamericanosnegros(HANNERZ,1969:105ss.;1971).

[30].Cf.tb.aanálisedaamizadeporSuttles(1970).

[31].Podemosacharqueháalgumparadoxonisso;nocapítulo3observamosquefoitambémnacidadetradicionalindianaqueosistemadecastasalcançouseudesenvolvimentopleno.

[32].GoffmantemalgunsbrevescomentáriossobreachantagememStigma(1963a:75ss.).HáumtratamentomaiselaboradoporHepworth(1975)emboraessenãoestejamuitorelacionadocomnossoarcabouço.

[33].AanálisedeBarth(1971)dorelacionamentopaiefilhoemduassociedadesdoOrienteMédio,comsuainspiraçãoemGoffman,éumexemploesclarecedoraqui.

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ConclusãoAconstruçãodascidadesedasvidasurbanas

Vamos, por um momento, reconstituir nossos passos. As ideias analíticas e as interpretações dourbanismoqueexemplificamossãobastantediversas.Atéopontoemqueestejamosmeramentesugerindoqueháalgumascoisasqueumantropólogourbanodevesaber,podenãohavernadadeerradonisso,jáque uma educação liberal não é necessariamente distinguida pela precisão de sua lógica.No entanto,preferiríamos extrair delas também um conjunto de percepções razoavelmente organizadas,comensuráveiscomaênfasenaetnografiaeumpontodevistarelacionaldeclaradoàguisadeintroduçãoqueserviriacomoumabaseparaumdesenvolvimentosistemáticodeumaantropologiaurbana.

ComeçamosemChicago,comRobertParkeseusalunos.Parkpodiaaomesmotempopensarsobreourbanismo em uma ampla escala e observá-lo em detalhe. Park estava ciente de que, pelomenos nacidadegrande,algunsrelacionamentostinhamqualidadesumtantopeculiares;percebeuaspossibilidadesdo processo cultural no ambiente urbano; e chamou a atenção para a variedade de “mundos sociais”contidosnele.Alémdisso,eleobservouaimportânciaprofundadadivisãodetrabalhonamoldagemdeestilosdevidaedaestruturacomunitáriae,pormeiodesuasideiassobreecologia,ancorousuaanálisedavariaçãourbanaemumcertosentidodelugar.Outroschicagoensescontribuíramcomalgumaspeçaspara o plano de Park, em uma série de etnografias pioneiras sobre gangues de jovens,moradores deguetos,hoboeseoutros.Seelesnãoconseguiramnadasemelhanteaumacoberturatotaldesuacidade,pelomenosmostraram quanta coisa ainda precisa ser aprendida sobre as maneiras como as pessoasvivememumlugarcomoChicago.Edemonstraram–alguns,ébemverdade,deumaformaumpoucomaispersuasivadoqueoutros–aimportânciadotrabalhodecamponoprocessodeaprendizado.

Podemos discernir alguma falta de precisão analítica em sua obra etnográfica, no entanto, e ummotivoimportanteparaissopodeserofatodeateoriasocialdeChicago,àmedidaquesedesenvolvia,terprestadomenosatençãoàsrelaçõesentrepessoasdoqueàsrelaçõesentreessaseoespaço.QuandochegamosaoUrbanismasaWayofLife,deWirth,pudemosverque,emparte,elereafirmouasideiasdeParke,emparte,ficoupresoàsquestõesdeorganizaçãosocial.MasWirthfoimenosdoquecuidadosoem suas generalizações sobre a natureza dos relacionamentos urbanos. A cidade parecia ser uma eindivisível,etalvezumpoucomaiscomoChicagodoquequalqueroutrolugar.Alémdisso,Wirthestavamaispreocupadocomaquiloqueacidadefaziacomaspessoaseseuscontatosdoquecomarazãopelaqualaspessoassequerconstruíamcidades,ecomissosuacidadeaparececomoumfatodadoemaisoumenoscomoumsistemafechado.

Sem rejeitar tudo queWirth tinha a dizer, fomos buscar remédios para o etnocentrismo e outrasfraquezaspormeiodeumtourpelasperspectivashistóricasegeográficassobreourbanismo.Vimosque

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ascidadespoderiamserconsideradascentrosdesociedadesemvezdecoisasisoladasequesistemasdiferentesdepodereintercâmbiocriavamsuasprópriasvariedadedecentrosdessetipo.Adotandoumavisãoextrema,poderíamosassimdizerquemesmoseascidadesemtodasaspartesdomundopossamserdefinidascomoumassentamentodensoedetamanhoconsiderável,abaseparasuaexistênciaetambémpara sua forma só pode ser compreendida com referência às tendências centrípetas do sistema socialespecíficoemqueelaéencontradaeàssuasformasculturais.Noentanto,umrelativismotãoextremoporessas linhas temum apoio um tanto limitado e os estudantes do urbanismo tenderam, emvez disso, apensar comparativamente em termosum tanto amplos de economiapolítica e tecnologia.ACourttown[cidadedacorte],aCommercetown[acidadecomercial]eaCoketown[acidadedocarvão]foramasdesignações que decidimos usar para três tipos importantes na história do urbanismo. Por trás desserótulo,noentanto,qualquercomunidadepodeesconderumaestruturadeatividadesbastantecomplexa.Observamosateoriadolugarcentraldosgeógrafoscomoumamaneiradepensarsobrecomoascidadese os sistemas de cidades podem assim ser combinados,mas percebemos também que seus interesseslocacionaisnemsempresãoigualmenterelevantes.Hálugarescentrais,taiscomoascidadesmercado,ehálugaresespeciais,taiscomocidadesmineradoras,balneáriosoucidadesuniversitárias.

Essetourdepontosdevista,então,nosdeixoucomduaspercepçõesprincipais.Ascidadestêmemcomumofatodetornaremaspessoasmaisfisicamenteacessíveisumasàsoutras,emumespaçolimitadomais ou menos compartilhado. Elas diferem, primeiramente, em seus meios de sustento, quedesempenharamopapelmais importante para transformá-las nos assentamentos que são.Mashámaiscoisasavercomomododevidaurbanodoquemeramenteganharnossosustento.Ograudediferençaentreostiposdepapéisemqueaspessoasseenvolvemvariamdeacordocomostiposdecidades,masparece ser de alguma utilidade prática dividi-los entre algum número limitado de setores. Aquiescolhemoscincoquechamamosdedomicílioeparentesco,aprovisionamento,recreação,vizinhançaetráfego.Sealgumtipodediferenciaçãocomoessaéumfatorecorrentedavidanascidadesdetalformaqueaspessoastêmcontatossociaisseparadosmaisoumenosemcadaumdossetores, issoéumfatorimportanteportrásdalimitaçãoderelaçõesquetantoParkquantoWirthobservaram.Distinguindoentreos setores, no entanto, também vemos que as generalizações precisam ser controladas. Osrelacionamentos“tipicamenteurbanos”podemserprevalecentesemconexãocompapéisnossetoresdetráfego e aprovisionamento, e podem ser bastante atípicos nos relacionamentos nos setores dedomesticidadeerecreação.

No entanto, as distinções de setores não são apenas uma ferramenta para uma conceituaçãomaisadequada.Elastambémnosajudamavera tarefaanalíticadedescobrircomquegraudeordemoudevariaçãoosváriosenvolvimentosseencaixam.Atéquepontoospapéisdossetoresdistintosafetamunsaos outros? Como as cidades tendem a ser tipificadas com base naquilo que ocorre no setor deaprovisionamento, será que esse setor comanda significativamente o conteúdo dos outros setorestambém?Nósapenaslevantamosessasquestões.

Dossetores,éodepapéiserelacionamentosdetráfegoqueserelacionamaisdiretamentecomapuraacessibilidadefísicacomoumaqualidadedavidaurbana.Essessãocontatos(pormenoresquesejam)entreestranhos,elidarcomeles,tantonavidarealquantoanaliticamente,éumproblemaporsisó.Poroutrolado,ofatodeacidade,dopontodevistadequalquerumdeseushabitantes,conterumexcedente

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depessoasqueaquelehabitantenãoconheceenãotemnadaemparticularavercomelas,nãosignificanecessariamentequeaquelehabitanteeaquelaspessoascontinuarãosendoestranhosparasempre.Elespodem, em vez disso, constituir um pool de outros potenciais acessíveis para serem atraídos pararelacionamentos em algum momento posterior. Isso, dissemos, poderia ter implicações interessantestambémparaaorganizaçãosocialurbana.

AseguirexaminamososestudosfeitospelosantropólogosdoRhodes-LivingstonesobreascidadesmineradorasdaÁfricaCentral,umavariedadedeurbanismoafricanoecolonial.Aquiumavezmaisnósconfrontamos a questão do relacionamento entre urbanismo e tradição cultural, definida em termos de“tribalismo”e“destribalização”.ComunidadesurbanastaiscomoLuanshyaeKabwenãoestavam,pelomenoscomrelaçãoassuasfunçõesprincipais,bem-integradasnasociedadecentralafricanaasuavolta,e seus setores de aprovisionamento tinham suas próprias dinâmicas. Em outros setores, podíamosobservar como tendências peculiarmente urbanas se tornavam mais obviamente entrelaçadas com atradição cultural africana.Essaúltima tinhamais impacto sobre aorganização social geral porqueumnúmero de grupos étnicos estava envolvido, criando alinhamentos que poderiam ser um poucodivergentesdaqueles intrínsecosaosistemaurbano(emboraàsvezeselespodiamcoincidircomessesúltimos). Issopoderia ser identificado comoaproblemáticaprincipal no estudoda etnicidadeurbana;aqui ela nos levou a formular umanoção de “atributos discriminadores de papéis” que, semque elesprópriosfossemdefinidos(comopapéis)emtermosdeenvolvimentossituacionaisespecíficos,poderiamdesempenhar um papel semelhante na ordenação da participação de um indivíduo na vida social. Aetnicidadeéumatributodessetipo,gêneroeidadesãooutros.Dependendodecomoessesatributossãodefinidos culturalmente, elespodemdeterminarquepapéis um indivíduopode assumir, com relação aquem ele pode desempenhá-los e de que maneira eles serão desempenhados. Como estudos sobre acombinabilidadedepapéisnosmostraram,algunspapéispodemteruma influênciasemelhantesobreaorganização de repertórios de papéis, ao mesmo tempo em que, enquanto eles próprios podem serespecificadossituacionalmente,omesmonãoocorrecomosatributosdiscriminadoresdepapéis.

A essa altura podemos talvez dizer algo sobre nosso tratamento do próprio conceito de papel, epodemosfazê-loemconexãocomopontodevistadoInstitutoRhodes-Livingstonearespeitodocaráterdas relações sociais urbanas. Os antropólogos do urbanismo centro-africano, como os sociólogos daescoladeChicago,observaramquealgunsdoscontatossignificativosnascidadeseramentreestranhos.Mas em vez de generalizar sobre como seriam todas as relações urbanas, eles cuidadosamente asdividiram entre três formas principais: estrutural, pessoal e categórica. Quando examinamos essaconceituação, sugerimos que o aspecto da consciência que organiza relacionamentos sociais tem doiscomponentesprincipais:umgraudeinformaçãopessoaleumgraudecontrolenormativo.Presumir,comoantropólogos tiveram a tendência de fazer em seu uso do conceito de papel, que os envolvimentossituacionaispodemtodosserdefinidosemtermosnormativos,consistentementeecomigualprecisão,épresumir algo que pode muito bem ser um tema de estudo. Definir papel simplesmente como umenvolvimentosituacional intencionalcomdimensõesdeconsciênciaegerenciamentoderecursos,podeserumtantoincomumenemsemprepreciso,maspodenosdeixarcommentesmaisabertas.

Os antropólogos do Rhodes-Livingstone também levantaram o problema da competênciaantropológica,umproblemaimportanteespecialmentenoestudodesistemascomplexoscomoascidades

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são, elas próprias, ou dos quais constituem uma parte. Sua conclusão, como vimos, foi que osantropólogos não devem interferir em campos fora de sua especialização e, sim, basear-se nasconclusões de outros especialistas como limites e pontos de partida para a análise especificamenteantropológica. Com relação aos estudos urbanos, a consequência prática desse argumento foi aidentificaçãodosparâmetroscontextuaisdaquiloqueera,paraobjetivosantropológicos,osistemasocialdacidade.

Nocapítuloqueseseguiu,consideramososusosdaanálisederede.Encontramosumarcabouçoumtantosofisticadoparadescrevereatécertopontomedir,ospadrõesdeconexãoentrevínculossociais.As possibilidades de rigor no procedimento de pesquisa puderam assim, por si mesmas, pareceratraentes. Como esse rigor podia às vezes parecer vir a um custo muito algo, no entanto, era maisimportante para nossos objetivos dar ênfase à flexibilidade do pensamento de rede. Com ideias dedensidade,alcançabilidade,consciênciaderede,eassimpordiante,essepensamentopodenosajudaratranscenderalgumaslimitaçõesdaanálisedegrupo,institucionalelocaldeumamaneiraquepoderiaserespecialmenteútilnoestudodesociedadesformadaspormuitostiposdeunidades.

Finalmente,discutimosacomunicaçãodosselveseamicrossociologiadaordempública,segundoainterpretaçãodeErvingGoffmanetentamosespecificarseurelacionamentocomavidaurbana.Goffman,pudemos facilmente perceber, desconsidera bastante os arcabouços abrangentes da estrutura social.Dentrodeles,noentanto,elefazaetnografiaeaanálisedetalhadasdaquiloqueaspessoasdizemsereoque,segundoseuentendimento,osoutrossão;eeleofazcomumaatençãoprecisaàsformassimbólicaseaosusosdemicroambientes.Seainformaçãopessoaléumproblemanavidaurbana,comonosdisseramdesde os tempos dos clássicos sociológicos, Goffman parece ser nosso guia principal na observaçãonaturalistadecomoelaétratada.

Comaajudadasideiasqueassimabordamos,então,esperamosobterumaideiamaisclaradaquiloque seria uma antropologia urbana que faça justiça tanto à antropologia quanto ao urbanismo. Nestecapítulofinal,elasserãotrabalhadasemumasériedecomentáriossobretópicosquepareceriamserdeimportância conceitual fundamental quando os antropólogos lutam com as complexidades da vida nacidade:asformasqueasvidasurbanascomoumtodopodemadotar,emtermosdepapéisederede:aincorporaçãodaetnografiade setor; a fluidezdavidaeosusosdaanálisedecarreiras; as condiçõesparaainovaçãodepapéis;asimplicaçõesdaorganizaçãosocialurbanaparaaanálisecultural;oestudode cidades inteiras; e, sucintamente, algumas possíveis consequências de nossa perspectiva para ométodoantropológicourbano.Antesdecomeçarmosporessecaminho,poderíamosolhar rapidamente,como pano de fundo, para aquilo que parece ter sido uma prática dominante nas etnografias da vidaurbananosúltimostempos.

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Antropologiasdesetores,acidadesoft,emodosdeexistênciaurbana

De uma maneira bastante previsível, o maior número de estudos etnograficamente orientadosrealizadosemcontextosurbanospodemsermaisoumenosfacilmenteidentificadoscomumououtrodossetoresdepapéisquedelineamos.Nosetordeparentescoedomesticidade,aobradeElizabethBottfoiseguidanaInglaterrapeloestudodeColinBellsobrefamíliasdeclassemédiaemSwanseaeoestudoemLondresporFirth,HuberteForge(1969).EstudosnoTerceiroMundosobreomesmosetorincluemKinshipandUrbanizationdeVatuk(1972)sobreMeerut,na ÍndiaeTheSecondGenerationdePauw(1963)sobreEastLondonnaÁfricadoSul,umaobraqueservedecompanhiaparaoestudodePhilipMayer sobre os Red e os School na trilogia “Xhosa in Town”. Representando o setor deaprovisionamentoháumnúmerodeetnografiasocupacionais–adePilcher(1972)sobreosestivadoresde Portland, a de Rubinstein (1973) sobre a polícia da Filadélfia, a de Klockars sobre a gradeprofissional,eTheCocktailWaitressdeSpradleyeMann(1975)comênfaseemumaocupação,emboraenvolvaumcomplexodepapéismaisamploumpoucosemelhanteaotextodeCresseysobreosantigossalõesdedançarinasdealuguelemChicago.Estudossobreorganizaçõestrabalhistasdeumaescalaumpoucomaiorincluem,daÁfricaurbana,odeKapferer(1972)sobreumafábricaderoupasnaZâmbiaeodeGrillo(1973)sobreferroviáriosemKampala.Hátambémointeressecrescenteno“setorinformal”daempresadepequenaescala.OtextodeGould(1965)sobreoscondutoresderiquixádeLucknowéumrepresentante um pouco pioneiro. Podemos considerar um número de estudos da vida juvenil comopertencentesprimordialmenteàetnografiadosetorderecreação–sobreoshippies,taiscomoavisãodeSão Francisco de Cavan (1972), ou sobre gangues, muitos deles pelos sucessores americanos deThrasher e alguns por autores de outros países, comoAGlasgowGangObserved (1973) de Patrick.Tambémrelatadossãoalguns tiposdediversãoadultaforadocomum,porexemplo,deBartell (1971)sobreofenômenodoswinging[trocadecasais],emboratalvezsejasurpreendentequepoucosdelesseconcentrem em passatempos mais convencionais. A série de vinhetas de Jackson (1968) do norteindustrial inglês, com seus clubes de trabalhadores, bandas demúsica e campos de boliche, seria umexemplo.EstudosnãoocidentaisnessesetorpoderiamserrepresentadosporMeillassoux(1968)sobrevidaemassociaçõesemBamako,MalieoestudodePlathTheAfterHours (1964)sobre“abuscadediversão” entre urbanitas japoneses. Não há falta de estudos tratando, de forma mais ou menosconcentrada, de relacionamentos entre vizinhos. Itens tão diversos quanto os muitos estudos sobresubúrbios,oscentrosurbanoscomoodeSuttlesobreTheSocialOrderoftheSlum(1968)eumnúmerode estudos sobre Skid Row e Idle Haven, de Johnson (1971) um relato sobre a vida em umestacionamentodetrailers.AliteraturasobreosassentamentosdeinvasoresdeterrasnoTerceiroMundotambémpoderiaatécertopontoserincluídaaqui,umcomponentebastantesubstancial.Comrelaçãoaosrelacionamentos de tráfego, com Goffman sendo seu teórico mestre, é principalmente um gênero daetnografia urbana americana, embora Lyn Lofland tenha feito algumas tentativas para desenvolver umpontodevistacomparativoemAWorldofStrangers(1973).

A tendência pode ser considerar o tema como algo um tanto luxuriante e escolher em vez disso,problemas mais tangíveis em sociedades nas quais os pesquisadores são até o momento menosabundantes.Provavelmentetambéméverdadequealgumasdassutilezasdosrelacionamentosdetráfego,

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permanecendoemumnívelbaixodeconsciênciaeraramenteverbalizadaspelosparticipantes,iráeludirumetnógrafoqueéapenasum imigrante temporárioemumasociedadeestrangeiraecujacompetênciaculturalémenosdoqueperfeita.Comoumexemplodepesquisanessaárea,noentanto,háorelatodeBerreman (1972) sobre a categorizaçãode forasteiros emambientes públicos emuma cidade indiana.Talvez porque relacionamentos de tráfego sejam coisas efêmeras, os escritos sobre eles sãoprincipalmentetextoscurtosenãomonografiaslongas.Empublicaçõesdoprimeirotipo,começamosaverrecentementerelatosdavidanascalçadas,nosmetrôseemviadutosdaAméricaurbana.

Em princípio, não há nada obviamente errado com as etnografias de setor dos tipos queexemplificamos aqui. A etnografia precisa começar em algum lugar e terminar em algum lugar, e asinstituições,gruposouredes,masinformalmenteconstituídosqueestãodentrodoslimitesdossetoressãocommuitafrequênciafocosnaturais.Voltamosaqui,noentanto,àquestãodeseelessãoantropologiadacidade ou só na cidade. O estudo dos relacionamentos de tráfego não podem talvez deixar de serincluídosnaprimeiracategoria,atéopontoemqueestamosdispostosaconsiderá-losfenômenosurbanosquasequeintrinsecamente.Quantoaosdemais,podemosacharqueelessãoantropologiaurbanaapenasnosentidoestritoquandodãoumamedidarazoáveldeatençãoaofatodelidaremcomentidadesquesãode alguma forma partes integradas de um sistema social urbano diferenciado; e quando eles não são“cegos à superposição e conexão” – como possivelmente lembraremos que um crítico dos primeirosestudosdeChicagoseexpressou–,mascontribuemparaumacompreensãodasmaneiraspelasquaisessesistematantosegmentaquantoune.

Nossoobjetivoaqui foi reuniro tipodeconceituaçõesgeraise flexíveisquepodemserúteisparaesclarecer uma visão integrada da construção de cidades e vidas urbanas. A cidade, para nossosobjetivos, é (como outras comunidades humanas) uma coleção de indivíduos que existem como seressociais primordialmente por meio de seus papéis, estabelecendo relações uns com os outros atravésdesses papéis.Asvidas urbanas, então, sãomoldadas àmedidaque as pessoas juntamumnúmerodepapéis em um repertório de papéis e provavelmente, até certo ponto, os adaptam uns aos outros. Aestrutura social da cidade consiste dos relacionamentos pelos quais as pessoas estão conectadas pormeiodevárioscomponentesdeseusrepertóriosdepapéis.

Podemosdecidircomeçaraanálisepelacidadecomoumtodo,oucomourbanitaindividual;ambasasperspectivastêmseususos.Vamosprimeiramenteadotaraquiloque,comoantropólogos,chamamosdeperspectivaegocentrada.EmseuenvolventelivroSoftCityoensaístabritânicoJonathanRaban(1974:1-2)temalgumaslinhasquetalvezpossamdefinirumespíritoinvestigativo:

[...]acidadesesuaviza;elaesperaaimpressãodeumaidentidade.Paraobemouparaomal,elaoconvidaarefazê-la,aconsolidá-laemumaformanaqualvocêpossaviver.Vocêtambém.Decidaquemvocêéeacidadeiráoutravezassumirumaformafixaaseuredor.Decidaoqueelaé,esuaprópriaidentidadeseráreveladacomouma posição em um mapa fixado por triangulação. Cidades grandes, ao contrário de aldeias e de cidadespequenas,sãoplásticaspornatureza.Nósasmoldamosemnossas imagens;elas,porsuaveznosmoldampelaresistênciaqueoferecemquandotentamosimpor-lhesnossaprópriaformapessoal.

Suavidade,comoconceituamosascoisasaquiéindeterminação;ourbanitadecidindoquemeleéfazsuaescolhadepapéislivremente.Pense,porummomento,sobrepapéiscomoentidadesemsimesmas.Portanto,todooinventáriodepapéisdacidadeestálá,emexposiçãocomoemumsupermercado,paraqueocompradorjunteseurepertório.Asprateleirasestãocheiasdemercadoriasdemuitostipos,evocê

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temumcarrinhodecomprasbemgrande.Asvariaçõesnascoisasquepodemsercolocadasneleparecemquaseinfinitas.

Não é bem assim, podemos na verdade descobrir todas as combinações que são teoricamentepossíveis.(Seriaumaespéciedetarefaquehojeemdiaéfeitaquasesemesforço,jáquesimplesmentepedimosaumcomputadorqueofaçaparanós.)Quandoinspecionamososresultados,noentanto,vemosquealgumasdascombinaçõesnãoirãoocorrernaprática,enquantoteríamosperguntasafazersobreaviabilidadedeoutras.Acidade,afinaldecontas,oferecealgumaresistência.

Àmedidaqueosestudiososdasvidasurbanascomeçamaperguntarquaiscombinaçõespodemounãopodemser feitas, e comoas combinações são administradas, umamplo campode análise sutil seabre.Apenasalgumasvariaçõesnoraciocíniopodemsersugeridasaqui,dandomaisalgumaideiadasmaneirasemquenossasconceituaçõescentraispodemserpostasemoperação.

Àsvezes,comovimos,asfontesdarestriçãosobreacombinabilidadedepapéisencontram-seforadaquiloqueé,estritamentefalando,opróprioinventáriodepapéis.Entramosnosupermercadocomumoudois atributos discriminadores de papéis e, portanto, temos permissão para procurar apenas certositens.Sevocêéumjovemdescendentedeimigrantesitalianos,nolimiardamaturidade,naChicagodadécadade1920,seupapelmaisimportanteprovavelmenteseráestarnafamília,aomesmotempoemquevocênãoteráqualquerpapelpróprionosetordeaprovisionamento.Talvezsuarecreaçãoforadafamíliatambémsejaseriamenterestringida.Vocêpode,possivelmente,terbastanteinteraçãocomvizinhosnoseubairrodeLittleSicily,masvocênãodeveestarsedeslocandopararuasdistantes,pelomenosnãodepoisde escurecer ou, como Goffman diria, sem um “com”. Se sua família, em vez disso, fosse do LesteEuropeu,seusenvolvimentospoderiamtersidomaisespalhados.Éumpoucomaisprovávelquenósairíamos encontrar entre as operárias da fábrica ou entre as dançarinas de aluguel, mas não entre asdebutantesdaCostaDourada.Sevocêéumhomemanglo-saxãodemeia-idadeemvezdisso,vocêpodeserumgerentedeescritórionoLoopoubempossivelmenteumhobonaPraçaBughouse.Seoprimeirocasoforválido,vocêpodepassarumapartebastanterazoáveldeseutemponospapéisfamiliaresedeparentesco,eummínimodetempoempapéisdetráfego.Massevocêforumhobo,seriaexatamenteocontrário.SevocêforumhomemxhosaemEastLondon,ÁfricadoSul,podeestarfazendoumtrabalhoindustrialsemqualificaçõessevocêforSchoolouRed,masseuspapéisrecreativosseriamclaramentediferentes.

Aoexaminarosefeitosorganizacionaisdosatributosdiscriminadoresdepapéis,vemosclaramentequeacidadeémaissuaveparaalgumaspessoasdoqueparaoutras.Elasextraemseus repertóriosdeproporções variáveis do inventário de papéis. Como também podemos ver, no entanto, os atributosdiscriminadoresdepapéisimplicamparaalgumaspessoasapenasumaprimeiraclassificaçãorudimentardepapéis.Umoualgunscomponentesdeumrepertóriopodemseratribuídosdessamaneira,oulimitesmaisoumenosrigorosospodemserestabelecidosparaaescolha.Paraosdemais,orepertóriodepapéisseordenasozinho.OhobopassagrandepartedeseutemponascalçadasdeChicagonãoporqueelesejaum anglo-saxão branco, mas porque ele é um trabalhador informal migrante. Podemos apenassucintamentenoslembrardaquiloqueentranessaordenaçãodepapéis.Umindivíduoextraioestadodesuaconsciência–conhecimento,crenças,valores, interesses–desuaexperiênciaempapéis,enessespapéis (particularmente no setor de aprovisionamento, e até certo ponto talvez em outros) ele pode

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tambémacumularrecursos.Oqueeleganhouassimoiráguiarnasdecisõessobrequeoutrospapéiselepodeprocurar.Algunspapéispodemparecermaisatraentesealgunsmaisacessíveisdoqueoutros.

Masnãodevemosfazercomqueacriaçãoderepertóriosdepapéispareçaumaatividadetotalmentesolitária.Elanãopodeser,poisháumaoutracomplicação:ofatodeumpapel,comonósnormalmenteovemos,implicarumrelacionamento.Nãopodemostê-loamenosqueencontremosumoutro,ouàsvezesmuitosoutros,paradesempenharumpapelcompatível–umoutrocujadisposiçãoparafazerissopodedepender de que informação pessoal ele tem sobre ego, especialmente sobre aquilo que ele podediscernir de seus papéis e atributos discriminadores de papéis. A essa altura uma exigência de umconsensomínimo pode ser necessária para definir o que é uma combinação adequada de papéis. Seninguémestápreparadoparaseroparceirodeegoemumrelacionamentoemqueeleiriadesempenharum certo papel (nos termos sugeridos no capítulo 4) isso significa que ele não tem sequer acesso aqualquerpapel.Sósealgumacategoriadepessoas,tambémdefinidasemtermosdeumpapeloudeumatributo discriminador de papéis se oferecerem como parceiros potenciais é que ele terá aquilo quechamamosdeacessorelacional.Maspodehavertambémalgumamargemparamanobraaqui,naformadegerenciamento de impressão. Os outros podem insistir em ter informação pessoal relevante antes departicipar de um certo relacionamento, ou eles podem participar de um relacionamento que teriamrecusado se tivessem mais bem-informados. Pode ser responsabilidade de o ego apresentar seurepertóriodepapéismaisoumenosdeformacompletaecorreta,oudaralgumainterpretaçãoparticularaele.

Presumindoqueumrepertóriodepapéisfoimontadoassim,aindamaisorganizaçãoseránecessáriaparatransformá-loemumtodo.Dealgumaformaoudeoutra,temosdedistribuirnossosrecursosfinitos,tempoeinteresse,entreospapéis.Suasexigênciasàsvezesentramemconflito,maisoumenosdeformaconspícua.Horasextrasnotrabalho,porexemplo,sãofeitasemdetrimentodasatividadesfamiliaresourecreativas.Masospapéistambémpodemapoiarunsaosoutros.Acanalizaçãoderecursosapartirdopapeldeaprovisionamentoparaosoutrospapéiséumexemplo,ousodetécnicasqueaprendemosnasatividadesfamiliaresourecreativasemnossotrabalhoéoutro.

Essesconsertosinternosnorepertóriodepapéissãotambémemgrandepartefenômenosrelacionais,jáquepodeserumaquestãodealguminteresseparaooutrosabercomooegosedistribui.Organizaçãodotempo,investimentoderecursoseoutrosaspectosdaperformancedepapéispodemassimsersujeitosànegociação.Éumaquestãodeinteresseóbvio,noentanto,quaissãooslimitesdenegociabilidadeparaváriospapéis.Sucintamente,podemossugerirpelomenosdoistiposdesituaçõesemqueospapéisterãoatendênciadesetornaremfixos.Umadelaséquandoelessãopartedeumaestruturanormalmenteamplae fortemente integrada e emque a negociação de um relacionamento iria provocar reações em cadeiaindesejáveismaisoumenosportodaaestrutura.Aoutraenvolveotipodepapelpormeiodoqualegoirá lidarcomalgumasucessão relativamente rápidadeoutros,emcontatosemqueseriaextremamenteimpraticável mudar os termos da interação a cada vez. Podemos perceber que a primeira situaçãoprovavelmente irá ocorrer com frequência, por exemplo, no funcionamento interno de burocracias ouorganizaçõesindustriaiseaúltimaemrelacionamentosdeaprovisionamentoqueenvolvemalgumserviçodeconsiderávelcentralidade.

Nesses casos, então, os relacionamentos são comandadosmais por controle normativodoquepor

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informaçãopessoaleháumagrandealternânciadeparticipantes.Esses relacionamentos sãodos tiposqueocorremfrequentementenascidadesgrandes.A“teoriadeprivação”daautoconsciênciaaquenosreferimos no capítulo anterior se relaciona com essas situações, já que elas podem provocar umadisjunçãodosconceitosdepapeledoself.

Também há papéis, por outro lado, que com mais frequência reduzem a pressão para ajustes derepertóriosouque,emoutraspalavras,poderiamserdescritoscomomaispermeáveis.Algunsdelessãosimplesmente partes de relacionamentos que exigem relativamente pouca coordenação entre o ego e ooutro e, portanto, pouca negociação. Contatos entre vizinhos são muitas vezes deste tipo. Emconsequência com aquilo que dissemos, iríamos além disso esperar que esses papéis com maisfrequênciairãoimplicarrelacionamentosemdíadesoupequenosgrupos,nãotãodifíceisderearranjarerelacionamentosemquenãoháqualquerfluxoconstantedeoutros.Osrelacionamentosdomésticosedeamizadespodemserincluídosaqui.Deveríamosproporargumentostaiscomoessessomentecomalgumaprecaução,noentanto.Aquiloqueénegociáveleaquiloquenãoépodeserdecididonãoapenaspelalógicaorganizacionalsocial,mastambémpelasprioridadespessoais.

Aquipodehaverespaçoparaumareflexãosobreoquepossaserumadiferençanapadronizaçãodepapéisentredoistiposdeestruturasdepapéis.Nocasoemqueosrepertóriosdepapéissão,atéumgraumaisalto,reproduzidos,osajustesaseremfeitosentreospapéistampoucopodemsertãovariados.Ospapéissãoimpregnadosdemaneiraspadronizadasporinfluênciasdeoutraspartesdorepertório.Quandoosrepertóriossãovariados,apadronizaçãoéobtida,aocontrário,tornandoospapéisimpenetráveis.Ocontrasteéobviamenterudimentareprecisariaserqualificado.

Sobre uma questão ligeiramente diferente: quando ego e o outro se encontram, as exigênciasenvolvidasemmantercoesoumrepertóriodepapéispodemuitobemafetarosdesempenhosdeunscomrelaçãoaosoutros;issoelespodemounãoassinalar.Háoutrasmaneirastambém,noentanto,emqueaconstelação mais ampla de papéis pode ser feita relevante em um relacionamento já existente. Adiscussãoderevelaçõesnocapítuloanteriorpodeseraprofundadaumpoucomaisaqui.

Quando um relacionamento envolve interações de alguma duração relativamente frequentes, éprovável que alguma personalização adicional vá ocorrer, na forma de revelações relacionadas comoutras partes dos repertórios dos participantes.Nesse caso, podemos imaginá-las como se estivessemocorrendoladoaladodaatividadenaqualorelacionamentoestábaseado,enãocomoumaparteintegraldele.Isso,pelomenos,pareceserumaconcepçãoclaraosuficiente,porexemplo,quandocolegasdizemuns aos outros o que fizeram no fim de semana. (Podemos simplesmente lembrar que algunsrelacionamentos podem ser tão maldefinidos em termos de seu conteúdo intrínseco que elescontinuamente são forçados a apagar revelações de envolvimentos externos. Alguns relacionamentosentreparentessãoassim–somosnormativamenteencorajadosanão tratarparentescomoestranhosounãopessoas,mas temosdeprocurarosmateriaiscomosquaisexpressar reconhecimento, jáquenadamaispodeserprescrito.)

Pode ser argumentado que atos de revelação por si só podem constituir um estabelecimento demultiplexidade em um relacionamento; seja o que for que esse último fosse antes, eles implicam umasociabilidadeque, pormenor oumais fugidia que seja, o leva tambémpara o setor de recreação.No

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entanto, amaior significância de revelações pessoais para o crescimento damultiplexidade pareceriaestar em sua capacidade de sugerir novos contextos distintos de interação entre ego e o outro. Elasoferecemummapadecompatibilidaderealoupotencial,quepermiteàspartesourejeitaremumaàoutratacitamente ou explicitamente como parceiras além da mínima interação em sua única atividadecompartilhadaouaoredordela(àsvezesatémesmonela)ouaexpandirseurelacionamentoparanovasáreas.

Podemosentreter,comojáfizemosantes,anoçãodealeatoriedadenasrelaçõessociaisurbanas.Seumapessoacomumcertorepertóriodepapéisextraísseparacadapapelonúmeronecessáriodeoutrosaleatoriamentedoconjuntode indivíduoscomopapelcompatível, seria relativamente improvávelqueela acabaria tendo os mesmos outros emmuitos relacionamentos, de tal forma que o resultado fosseconexões multiplex. (Pelo menos seria improvável se nenhum dos papéis envolvesse grandecentricidade.) Na realidade, essas conexões podem ser um tanto mais comuns na medida em que asescolhasfeitasemumpapelrestringemescolhasemoutro–seduaspessoasdecidemtrabalharnamesmafábrica, por exemplo, seu desejo de morar perto uma da outra pode também fazer com que sejamvizinhas.Mesmosemconsideraressesmecanismos,pareceriaqueamultiplexidadeintencionalbaseadaemrevelaçõeséotipomaisimportantedemultiplexidadeemumaestruturasocialurbana,cujasunidadesmínimassãopapéisdefinidosmaisrestritamenteeasrelaçõesaelesconectadas.

Éumtipodemultiplexidadequeàsvezessurgemeramentecomoumaquestãodeconveniência.Egotem um nicho vazio para um outro com quem ele pode se envolver em um tipo específico derelacionamento,eemoutrorelacionamentoeleencontraalguémquepodeassimprestarumserviçoduplo.Podemosdizerqueosdoisparesdepapéiscompatíveis,deumacertamaneira,jáexistem,masháumpardepapéisembuscadeumrelacionamento.Alternativamenteépossívelqueego tenhaumapreferênciapor outro como um indivíduo – uma preferência que pode ser unilateral ou recíproca. Aqui ogerenciamentodamultiplexidadepodeadotarnovasformas.Egopodemaximizarofatodeestarjuntoporsuasvantagens intrínsecas, inventandonovas coisas sobre asquais interagir – isso é, podehaver umabuscaativadorepertóriodepapéisdooutroparadescobriroportunidadesadicionaisparainteração,eegopodeatéexpandir seupróprio repertóriodepapéispara incluiralgoquesejacompatívelcomumpapel na constelação do outro. Para um relacionamento assim preferencial (às vezes chamado de“amizade”ou“amor”oetnógrafomarcianopoderabiscaremseucaderninho)algunscontextossãomaisadequados que outros, permitindo uma expressão mais completa das qualidades individuais e dossentimentos interpessoais envolvidos. A expansão para a multiplexidade sob tais condiçõesprovavelmenteiráocorreremáreassobumcontrolenormativolimitado.Mudamosdeumrelacionamentodeumúnicoelementonocontextodo trabalhona fábricaparaum relacionamentomultiplexque incluitambémrecreaçãocompartilhada,porexemplo,masprovavelmentenãocomtantafrequêncianadireçãooposta.

Algumas limitaçõesnamultiplexidade intencionalpodemser reconhecidas.Mesmoquandoegoeooutrosãocapazesdeidentificaroutrospapéiscompatíveis,essespodemimplicarnúmeroslimitadosderelacionamentos.Seessesjáestãoligadoscomoutrosparceiros,egoouooutro,ouambos,podemnãoestar dispostos ou não serem capazes de interrompê-los. Outra complicação surge pelo fato de, noscontextosquenãosejamdíadesisoladas,egonãopoderestarsozinhonadeterminaçãodequeoutrodeve

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ser recrutado.Expansões paramultiplexidade podem assimocorrer commais frequência pormeio depapéis que impliquem um número flexível de relacionamentos, ou nos casos em que há algumarotatividadedeoutros,de tal formaquevagas sejamcriadas,epormeiodepapéisemqueego temocontroletotaldorecrutamentodeoutros.

Efeitos adicionais de revelações pessoais podem ser descritos em termos de redes. Sem taisrevelaçõesporpartedeseusoutros,aconsciênciaderededeegopodeseremgrandemedidalimitadaasuaestreladeprimeiraordem,maisaquelasconexõeslateraisentreseusoutrosqueelepossaobservardiretamente. Sua percepção da densidade de sua rede envolve apenas os aglomerados visivelmenteapertadosderelacionamentosdepapéisdosquaiselepróprioéparticipanteeoalcancedesuaredepormeiodeconexõessuperioresàsligaçõesdeprimeiraordemcontinuaasermaisoumenosdesconhecidoparaele.Nãohádúvidadequeavidaurbanaémuitasvezesassim,especialmenteporqueasrevelaçõesrelacionadas com suaprópria redequeo outro faz ao ego são frequentementemuito parciais.Quandorevelações ocorrem sobre quem são os outros do outro, no entanto, a nova informação pode assumirsignificância de váriasmaneiras. Ego pode descobrir que há apenas um único intermediário entre elepróprioeumoutroalguémqueelenãoconhecepessoalmente,quepodeserabordadomaisfacilmentepormeiodeumaligaçãopreexistente,masaquemelegostariadeinfluenciardeumaformaoudeoutra.Elepodeentãopediraesseseuoutrointermediárioqueintervenhaemseunome.Revelaçõestambémpodemmostrarquearedepessoaldoegoémaisdensadoqueeleimaginava, jáqueoutrostalvezemsetoresdiferentesdesuavidaacabamestandodiretamenteconectadosentreeles.

Revelaçõespodemlevarnãosóàidentificaçãodeligaçõesexistentes,noentanto,maspodemtambémserabasedaformaçãodenovasligações.Aodescobrirqueseuoutroestáligadoaumaterceirapessoaútil,egopodepediraooutroumaapresentação;issoaumentaaamplitudedarededeegoeadensidadedarededeoutro.Poroutrolado,elepodeacharqueatémesmoumaconexãoindiretacomumacertaterceirapessoaéindesejávele,portanto,interromperseuprópriocontatocomooutrointermediário.Atraindoooutroparaumrelacionamentomultiplex,egotambémmuitasvezescondensasuaprópriarede,atéopontoemqueissoimplicaaformaçãodeconexõesdiretasentresegmentosdaredeanteriormenteseparados.

A variedade de maneiras pelas quais as vidas urbanas podem se conectar pode parecerdesconcertante.Semoradoresdasgrandescidadespodemjuntarpapéisemseusrepertóriosdemaneirasdiferentes,podemselecionarentreoutrospapéisalternativos,podemounãofazerrevelações,podemounãoexpandirligaçõestornando-asmultiplex,podemcolocaremcontatoseusváriosparceirosderedeoumantê-losdistantesunsdosoutros,seráquealgoesclarecedorpodeserditosobrecicloscompletosdevidaamenosqueestejamospreparadosparatratarcadaumdelescomoumacriaçãototalmenteúnica?

Talvez exista alguma necessidade de tentar.Na antropologia social, perspectivas baseadas no egoforamusadasprincipalmenteparalançarluzsobresituaçõesespecíficasemqueindivíduosfazemusodealgunssegmentosparticularesdesuasredesoudeseusrepertóriosdepapéis,analiticamenteextirpadosdototal.Aconstruçãodevidasinteiraspodeparecerserbiografiaenãoetnografia.

Ainda assim, pode ser interessante ter alguma ideia de resultados alternativos como totalidades –comoalgoàguisadeumarespostaàpergunta“comoéserumurbanita”,quesejaumapoucodiferentedoretrato(oudacaricatura)esboçadaporWirth.Aspossibilidadesdevariaçãosendoasquesão,podemos

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captar apenas uns poucos tiposmais amplos comoum começo na direção dessa conceituação. Iremosidentificaressesmodosdeexistênciaurbanaexperimentalmentecomoencapsulamento,segregatividade,integratividadeeisolamento.Vidasreais,éclaro,podemsercruzamentosentreeles.

Encapsulamentoatéomomentopareceseroqueridinhodosantropólogosurbanos–aldeõesurbanos,redxhosaeopovodavecindaddeOscarLewisnaCidadedoMéxicopertencemaessacategoria.Acaracterísticadefinidoradoencapsulamentoéqueoegotemumsetordensoderede,conectadocomumoumaisdeseuspapéis,noqualeleinvesteumaproporçãomuitoaltadeseutempoeinteresse.Nopontoextremo,sóumapequenapartedesuaredeficadefora.Emumaformapuradeencapsulamento,tambémtodososoutrostêmumenvolvimentoigualmenteintensonaredequeelescompõemjuntos.Ograumaisaltodeencapsulamentopodeobviamenteseralcançadoserelacionamentosdomaiornúmeropossíveldesetoressãocombinadosemrelacionamentosmultiplex,ouseomenornúmeroderelacionamentosdeumoumaissetoresestãocontidosnomaiornúmerodeoutrosetor.Jáquenãopodemosexatamenteesperarque relacionamentos de tráfego e aprovisionamento estejam contidos dentro desses limites (osrelacionamentosdetráfegonãopodiammuitobemestarlá)oencapsulamentomáximoenvolvepessoasquemoram, trabalhamesedivertemjuntaseque tambémencontramseusparentesentresi.Como issopode ser realizadomais facilmentepormeiodeumapadronização relativade repertóriosdepapéiseacessorelacionalapapéis,nãoémuitosurpreendenteque,comfrequência,oencapsulamentotenhaumabaseétnica.Masemboraissotenhasidoobservadopelosantropólogoscommenorfrequência, tambémpodeserummododevidadaclassealta.Aanálise“elitista”dasestruturascomunitáriasdepoderaquenos referimos no capítulo 5 enfatiza que membros de uma camada privilegiada podem provocarfechamentoaoescolheremunsaosoutroscomocônjuges,vizinhoseparceirosnarecreação.

Emoutrosgrupos,se talmultiplexidadeéquererdemais,podemospelomenosencontrarumafortetendêncianadireçãodaatenuaçãodeligaçõesforada“cápsula”eaelaboraçãodeligaçõesdentrodela.Agrupamentosétnicospodemobviamenteestarenvolvidosaquitambém(cf.,p.ex.,adescriçãodavidado gueto judeu feita por Wirth e citada no capítulo 2), mas o centro poderia bem ser um papelcompartilhadoenãoumatributodiscriminadordepapéis.Otrabalhoem“comunidadesocupacionais”talcomo o de Becker (1963: 95ss.) sobre músicos de jazz e aquele de Salaman (1971, 1974) sobrearquitetos e ferroviários, oferecem exemplos de vários graus de encapsulamento. Como osrelacionamentosrecreativossãoaquelesmaiscertamentesobocontroleindividual,nãoéprovávelqueencontremosqualquercoisaquepoderiaserchamadadeencapsulamentoquenãoincluaumagrandeparteda vida de lazer do ego, mas quais outras coisas estão envolvidas é menos claro. As revelaçõesprovavelmenteserãofeitasnosrelacionamentosencapsuladosdoegosobresuasexperiênciasexternasenão o oposto, mas podem haver algumas variações nisso – alguns conjuntos de relacionamentosencapsuladospodemsermuitoautossuficientesemconteúdo.

O urbanita encapsulado pode parecer fazer um uso muito limitado das oportunidades da cidadegrande. Ele não captou um conjunto de outros unicamente seus, e se seu repertório de papéis não ébastantepadronizadoeleaproveitamuitopoucodaquiloqueéoriginalacercadele.As influênciasqueemanamforadesuadensaredenãooalcançamfacilmentee,emcontraste,suacapacidadedetentarsecomunicar com outros desconhecidos pormeio de sua rede quando isso poderia ser vantajoso não émuito grande, já que seus outros tendem a ser pouco úteis como intermediários – são pessoasmuito

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parecidascomele[1].(Issoobviamenteseaplicamenosnocasodeumaelite.)Dealgumasmaneiras,noentanto, pode haver algo caracteristicamente urbano sobre o encapsulamento, como Robert Parkcompreendeuquandodescreveuacidadegrandecomo“ummosaicodepequenosmundosquesetocam,masnãoseinterpenetram”.Mencionamosissonocapítulo3;umapessoapodeseencapsularapenascomoutrasdeseutipoondeháumnúmerodeoutrosassim,eumacomunidademaiorprovavelmenteterámaispessoasdemaistipos.Alémdisso,atéopontoemqueoencapsulamentodependedemanterasligaçõesexternasfrágeisederevelarpoucodaquiloqueocorre internamente,amanutençãode limitesdevesersimplificadapelo fatodeosoutrosdoegonos relacionamentosexternos teremoutros relacionamentosnosquaispodemseimergir,enãoprecisamsermuitocuriosossobreego.

Podemosacrescentarumanotaaquisobreaexistênciadeumtipodeencapsulamentounilateral,deindivíduoscujociclodevidaéemaltograuocupadoporrelacionamentoscomumnúmeropequenodeoutros interconectados que não são igualmente encapsulados. O relacionamento entre reclusos efuncionários nas instituições totais de Goffman serviriam aceitavelmente bem como exemplo. Cosertambém mencionou isso em seu Greedy Institutions (1974) em que ele está interessado em vários“modelosde compromisso indiviso”.Ummodelo assimpermiteque ego tenhacontatosbemvariados,masapenascomoumaextensãocompletamentelealdealgummestrepessoalouinstitucional;eunucoseamantes reais de ascendênciamodesta são exemplos históricos[2]. Outro modelo é exemplificado porcertas seitas religiosas e grupos revolucionáriospolíticos; esses sãomais oumenos comoa formadeencapsulamento já discutida acima[3]. O terceiromodelo de compromisso indiviso e aquele que é deinteresse aqui,Coser encontra comas donas de casa e criados domésticos tais comoempregadas quemoramnacasa.Seissoéconsideradocomomarginalmentesemelhanteaoencapsulamento,pelomenosemalgunscasos,oquefoiditoanteriormentesobreoacessolimitadoquepessoasencapsuladas têmaoutraspormeiode intermediáriosprovavelmentenão se aplicará.Tantodiretamente e atravésdeumaparticipaçãoindiretapormeioderevelações,umadonadecasapodebemestarintensamenteenvolvidanosrelacionamentosexternosdeseusoutros,emboraelatenhamenosligaçõesexternaspróprias.

Asegregatividadeeaintegratividadesãotalvezdoisneologismosumtantoinfelizes.Sobadescrição“vidadupla”aprimeiraéummododeexistênciaquecausaprofundaimpressãoemnossa imaginação.Januscomsuasduasfaces,Dr.JekylleMr.Hyde,ClarkKenteoSuper-homem,eocomentáriodeParksobreomosaicourbanoque“encorajaoexperimentofascinante,masperigosodeviveraomesmotempoem mundos contíguos, mas de outras maneiras separados” são expressões do tema. Ronnie Kray, ogângster londrino cuja vida foi descrita em uma citação no capítulo anterior, é um exemplo. E assimtambém,obviamente,asdançarinasdealuguelemChicago.Usamosonovotermoemvezde“vidadupla”porque os envolvimentos separados podem ser mais de dois, e porque é a contrapartida daintegratividade,paraaqualnenhumtermofamiliarpareceestardisponível.

Oindivíduoenvolvidonasegregatividade,então,emprincípio temdoisoumaissegmentosemsuaredequesãomantidosbemseparados.Tipicamente,podemospresumirqueissoéintencional.Deformaideal,oegoéoúnicoindivíduoenvolvidoemambosossegmentos(ouemsejaqualforonúmerodeles).Seelenãoestásozinhoemumenvolvimentoassimmúltiplo,éprovávelqueexistaumpactoimplícitoouexplícitoentreaquelesqueocompartilhamcomoresultadoqueasrevelaçõesaoutrosnãosãofeitasousãofeitasdeformarestrita.Alinhaentreencapsulamentoesegregatividadepodeàsvezessertênue,na

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medidaemqueumindivíduoquasetotalmenteencapsuladoaindapodeterligaçõesexternasqueelelutapormanter segregadas da arena central de sua vida. Podemos dizer que a segregatividade “real” fazinvestimentos pesados mais equitativos em segmentos diferentes da rede. Não parece necessáriopressuporalgumacoisasobreograudedensidadeemquaisquerdossegmentos.Aúnicacoisaimportanteéquepelomenosdoisdelessãomantidosdetalmaneiraquenãosemisturamdeformaalguma,jáqueissoiriarevelarinconsistêncianaapresentaçãodoselfpeloego.Umcasomarginalseriaoenvolvimentointensodoegoemalgumaatividadesolitáriaque,emborasemgerarquaisquerrelacionamentospróprios,aindaassimconstituiumaespéciedepapelquenãoéreveladoasuarede.(FantasiasàlaWalterMittypodem também pertencer aqui.) É possível para um segmento segregado de rede consistir emrelacionamentostemporários–váriasexpressõessexuaisminoritáriasnosfornecemexemplosdisso,comumrelatoetnográficoemTeaRoomTradedeHumphrey(1970).Emseusentidofundamental,noentanto,a segregatividade talvez devesse ser considerada como consistindo de conjuntos mais duráveis derelacionamentos,entendendo-sequecadaumdelesmostraoegocomoelerealmenteé.Asegregatividadeé, mais do que qualquer outro, o modo de existência urbana de alguém que vive com um “segredomisterioso”.

A integratividade é provavelmente o modo de vida mais comum na cidade grande, e pode serprecisamente por esse motivo que não podemos encontrar qualquer rótulo razoavelmente informativopara ela no uso comum. Na integratividade a rede de um indivíduo é espalhada entre setores, semtendênciasmuito fortes à concentração em nenhum deles.Os segmentos da rede relacionados com ospapéispodemvariaremtamanhoedensidadedependendodanaturezadasatividadesrelacionadas,massenãofossepelomododegerenciamentode todaarededoego,as ligaçõesentreelesprovavelmenteseriampoucasounãoexistentes.Nessecaso,noentanto,oegonãotemqualquerpolíticadesegregaçãode rede.Mesmoseelenão insisteem juntar todoscom todososdemais, epragmaticamente sentequealgunsde seusoutrospodembemseremdeixados separados, a tendênciageral é criar encontrosentreoutrosqueanteriormentenãoseconheciamdeumamaneiraumtantoimprovisadaedamesmaformafazerrevelaçõesemumrelacionamentosobreoutrospapéiserelacionamentos.Naintegratividade,oegonãoexcluiapossibilidadedequerelaçõesbastantevariadaspossamservircomobaseparaexpansõesparaamultiplexidade. De um modo geral, então, sua rede pessoal se desenvolve na direção de maiorintensidadecomopassardotempo,comtendênciasmenospronunciadasaseaglomerarem,mesmoqueasligaçõesentreosaglomerados(clusters)antigosmuitasvezespermaneçamcomparativamentefrágeis.Maséclaro,oalcancedesuaredepodevariar.Algumaspessoasnaintegratividadetêmumcírculoumtanto rotineiro de relacionamentos e não se esforçam para desenvolver novas ligações a partir deencontros ocasionais. Outros podem procurar novas pessoas incessantemente, sobretudo pararelacionamentos um tanto informais de lazer, enquanto provavelmente aomesmo tempo deixam outrosrelacionamentossetornaremlatentesouesquecidos.Deacordocomessasvariaçõesdealcance,oegonaintegratividadepodetambémservircomoumintermediário,aocontráriodoindivíduonoencapsulamentoquenãopodefazê-loouaquelenasegregatividadequenãodesejafazê-lo.Comrelaçãoàsegregatividadeeàintegratividadeépossíveldizerqueelasfazemumusorealdotamanhoedadiversidadedacidadegrande. No entanto, enquanto a segregatividade depende de manter distâncias como elas são entrepessoas e atividades diferentes, a integratividade poderia (talvez de forma perversa) ser consideradacomo uma influência corruptora para o urbanismo como um meio de vida – criando ligações onde

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nenhumaexistiaefazendocomquefacesdesconhecidastornem-seconhecidas.

Voltando-nosparaoisolamento,podemospensaremsolidãocomoumtermoalternativoconveniente.Mas isolamento é uma condição social e a solidão uma condição psicológica e os dois nãonecessariamenteestãojuntos.Nenhumurbanita,porcerto,provavelmenteficaráseminteraçõesepoucossem algum relacionamento durável e, portanto, o isolamento é relativo. Concebivelmente, o urbanitasolitário pode ser aquele com um pequeno repertório de papéis, pelo menos nos setores em querelacionamentosduradourossãoformadosnormalmente;éprovávelquesuaredesejapequenaoupelomenosquepoucosoutrosestejamconvenientementedisponíveis;masoquetalvezsejamaisimportanteéquepoucas revelações pessoais são feitas em seus relacionamentos e esses não tendema se expandirpara o setor recreativo, que, em termos relacionais émais oumenos um espaço vazio. Isolamento nacidadegrandepodeparecerparadoxal,masnãoestamoscomoutraspessoasapenasporqueestamosentreeles.Ofatosubjacente,naturalmente,équeosrelacionamentosurbanosemgrandepartepodemterdeserativamente conquistados e ativamente mantidos. Normalmente é provável que o isolamento seja umasituaçãotemporária,antesdenovosrelacionamentosseremformados(porrecém-chegadosàcidade,taiscomoalgunshabitantesdo“mundodequartosmobiliados”deZorbaugh),ouapósadissoluçãodeumaredeantiga.Masparaalguns,elese tornaumasituaçãode longoprazoqueelesnãodesejavam,seháfaltadebenssociaisao redordosquaisos relacionamentossãocriados–umemprego,um localparachamardelar,umapersonalidadeextrovertida.Éaquiqueencontramoscommaisfrequênciatentativasdefazerebuscarrevelaçõesemrelacionamentosqueemoutrasituaçãoseriamimprováveis:adisposiçãoparaenvolverestranhoseminteração,aansiedadeparaterintimidadecomosvendedoresnaslojasemquefazemosnossascompras[4].Taistentativas,noentanto,podemmuitobemfracassar.ParacitarRaban(1974: 140) uma vezmais “você anseia por reconhecimento, tudo que você recebe é tratamento”.Noentanto,outrospodemter isolamentosemsolidão, talvezencontrandosatisfaçãoematividadesquenãoimplicamrelacionamentosecuidadosamentecultivandooportunidadesparaessesúltimos.

Em resumo, o isolamento é um modo de existência em grande medida sem relacionamentossignificativos;oencapsulamentoummododeexistênciacomumúnicoconjuntodessesrelacionamentos;a segregatividade um modo de existência com mais conjuntos de relacionamentos, mas mantidosseparados; e a integratividade ainda com mais conjuntos de relacionamentos agrupados. Podemosimaginar várias maneiras de organizá-los em modelos. Com o tempo, a vida de um indivíduo podeabarcar todos eles. A infância é normalmente um tipo de encapsulamento, parcialmente mútuo,parcialmenteunilateral.Naadolescência,astendênciasparaasegregatividadesãocomfrequênciamaisfortes.Amaturidadeparamuitospodeserumafasedeintegratividade.Oisolamentopodesurgircomavelhice.Masclaramentenãohánenhummodeloassimsimplesaoqualtodosseadequam.

Pessoas de modos diferentes de existência podem relacionar-se umas com as outras com grausvariados de facilidade. Alguém saindo do isolamento, e desejando abandoná-lo, pode ser bastanteadaptávelnosentidodesercapazdecomprometermuitodesimesmoemumrelacionamento,deacordocom as exigências de seu outro; ele pode, por exemplo, ir diretamente para o encapsulamento. Umproblemapoderiapossivelmentesurgir seeleestáprontoparacomprometermaisdoqueaquiloqueooutro pode administrar. Qualquer pessoa com envolvimentos mais variados, por outro lado,integratividade ou segregatividade, pode achar que as exigências de umgrupode pessoas que tendem

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paraencapsulamentoscompartilhadossãoexageradaseissopodeprovocarfricção.Asegregatividadeeaintegratividadepodemirbastantebemjuntas,jáquenenhumadasduasvêqualquercoisaincomumnofatodeooutrodividirseutempoentreegoeváriosoutros.Aquelesquebuscamaintegratividadecomoummododevidapodemdemoraraperceberareticênciadosegregadorepresumir,aocontrário,queelefazpartedogrupo.

Podemos,agora,voltarasnossasantropologiasdesetores.Éverdade,comoOscarLewisassinalouem sua crítica do pensamento wirthiano, que a vida urbana em grande medida ocorre em universosmenores–família,vizinhança,firma,seita,gangue,ousejaláoquefor–equeprecisamosdeestudoscuidadososdessesuniversos.Masdevemossempreestarconscientesdesuasaberturasparaoutrasáreasda vida urbana pelo menos até que nos tenhamos convencido de que elas, de alguma maneira, sefecharam.Devehaverplenoreconhecimentodofatodeaarenaqueestámomentaneamenteemfocoser,namaior parte dos casos, apenasumadasmuitas paraos indivíduos envolvidos, umenvolvimentodemeioexpediente.Dosquatromodosdeexistênciaurbanaqueacabamosdedelinear,sóoencapsulamentofazsurgirgruposbemunidosemqueaspessoassãomembrosmaisoumenoscomopessoasinteirasenãoem virtude da incumbência de papéis específicos. Mesmo assim, o grupo está, em certos sentidos,engastadonosistemaurbanomaisamplo,masatençãoaoutrosmodosdeexistênciatambémnosdáoutrasoportunidades de ver como as atividades dentro da unidade menor são influenciadas pelas maneirascomoosindivíduosparticipanteslidamcomseuspapéisecomsuasredes.

Todaumaextensãodeperguntaspodesersuscitadacomesseobjetivo.Qualéoconteúdointrínsecodeatividadedaunidadesobanálise?Háqualquertendênciaparaumrecrutamentopadronizadodepapéisdetalformaquetodososparticipantesoumuitosdelestambémtenhamoutrospapéisououtrosatributosdiscriminadoresdepapéisemcomum?Comoéqueessaunidadeéinfluenciadapelogerenciamentodorepertório interno dos participantes – seus papéis sãomais oumenos permeáveis? Até que ponto osindivíduosqueestãodiretamenteconectadosaquiestão também indiretamenteconectadospormeioderelacionamentosemumoutroouváriosoutrossetores(oupormeiodeoutrasunidadesdentrodomesmosetor)?Asrevelaçõesfeitasnessaunidadeestãorelacionadascomasvidasexternasdosparticipantesede que maneiras essas revelações podem controlar o conteúdo de sua atividade e relacionamentosinternos?A unidade serve como uma arena em que relacionamentos previamente existentes tornam-semultiplex,ouelaéumaáreapararecrutamentoemoutrosrelacionamentos?

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Umexemplo:aetnografiadevizinhança

Estudos como o de Elizabeth Bott sobre a maneira como relacionamentos no casamento sãoinfluenciadospelas redesmaisamplas,oudeAdrianMayersobrecomoumacampanhaeleitoralpodeintroduzir a política em vários tipos de relacionamentos, nos deram exemplos da maneira comoetnografias parciais podem ser realizadas com o objetivo de contribuir para uma compreensão dacoerência dentro da diferenciação urbana, e, portanto, ser informada por ela. Pode ainda ser útildemonstrar a perspectiva um pouco mais plenamente em um setor. Vamos fazê-lo baseando-nos emmateriaisdealgunsestudosrelacionadoscomvizinhança.

Primeiramente,oconteúdointrínseco:Oqueéumvizinho,eoqueévizinhançapropriamentedita?Àsvezes,eparaalgunsobjetivos,arespostaparaambasasperguntaspodeserbastanteinequívoca.Ocasomais claro pode ser quando um órgão governamental usa divisões territoriais dentro de cidadespequenasegrandescomoarcabouçosorganizacionaisdentrodosquaisoshabitantessãoestimuladosafazerváriasatividadesjuntos.Oshabitantessãoassiminstruídossobreoquefazerecomquemfazê-lo;avizinhançaestáfortementeentrelaçadacomaestruturageraldeaprovisionamento.OsistemadistritaldoJapãourbano,quecresceuediminuiucomopassardosanoséumexemplo (cf.DORE,1958:267ss.;NAKAMURA, 1968). “Comitês de bairro” e órgãos semelhantes dos regimes de mobilização atuaistendemadarumaformapadrãoparaalgumasrelaçõesdevizinhança.OestudodeDouglasButterworth(1974)sobreosComitêsparaaDefesadaRevoluçãoemHavanaestárelacionadocomessesfenômenos,masalémdessetrabalhohámuitacoisasobreelesnosescritosantropológicos.

Nasgrandescidadesocidentaiscontemporâneas,poroutrolado,eemumgrandenúmerodeoutras,hánormalmentepoucoenvolvimentodocimodasociedadeemtalorganizaçãoterritorialdepequenaescalaecontatosentrevizinhossãomaisindiretamenteinfluenciadosporumnúmerodeoutrascircunstâncias.Fizemosalgunsbrevescomentáriossobreissonocapítulo3.Vizinhos,paraaprofundaroassuntoagora,sãopessoascujoslocaisderesidência(oudetrabalho,comoiremosassinalar)estãopróximosunsdosoutros: issoéomínimoóbvio.Alémdisso,normalmente,elespassamaestarconscientesdapresençarecorrente uns dos outros no espaço a sua volta que émais oumenos público e consequentemente dorelacionamento especial que eles têm com ele. Provavelmente também mostram essa consciênciaestendendo o reconhecimento uns aos outros quando se encontram, algo que faz com que esserelacionamentosejamaisdoqueummerorelacionamentoentreestranhos.

A definição do senso comum implica algumas das possibilidades para variação na vizinhança. Anaturezadoambientefísicoéumadasfontes.Noslocaisemqueaspessoasestãomaisexpostasumasàsoutras, elas reconhecerãoumasàsoutras commais rapidez.Sepuderemsever entrandoou saindodesuascasasrespectivas,oupassandotempoemespaçosprivadosousemiprivados,masvisíveisaoredordas casas, issoobviamente ajuda.Sehá algum fococomumou sensaçãode limitespara evitarqueasdefinições de vizinhança se tornem totalmente egocêntricas e assim só parcialmente superpostas, asrelações entre vizinhos podem também progrediremmais facilmente. Colinas ou rios podem forneceressasfronteiras,maselaspodemtambémserfeitaspelohomem,taiscomoparques,trilhosferroviáriosou estradas. Nos casos em que menos forasteiros passam pela área e distraem as percepções, osresidentespodemterumsentidomaissegurodequemrealmentepertenceali.

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Vislumbresdetaisinfluênciassãoocasionalmenteoferecidosemetnografias,maselestêmrecebidouma atençãomais extensa e sistemática no contexto das cidades ocidentais do que em qualquer outrolugar.EmumcasocomonaanálisefeitaporWhyte(1965:365ss.)davizinhançanossubúrbiosemTheOrganizationMan,reivindicaçõesdebastantelongoalcanceforamfeitasemseunome[5].Estudosmaiscomparáveis nas comunidades urbanas não ocidentais seriam de interesse na medida em que suadisposiçãoearquiteturasão,commuitafrequência,bastantediferentes.

Aoportunidadeparaaprenderareconhecervizinhoseseenvolvercomeles,noentanto,muitasvezesestá inversamenterelacionadacoma intensidadedenossoenvolvimentoempapéisdesempenhadosemoutrasarenas.Nocasoemqueosmaridossãoosprovedoresdodomicílioetêmseuslocaisdetrabalhoem outra área, eles muitas vezes obtêm grande parte de seu conhecimento sobre a vizinhança, e oscontatosquetêmlá,pormeiosdasrevelaçõesemediaçãodesuasesposasefilhos.Pessoasmaisvelhase aposentadas podem igualmente ter um envolvimentomais intenso com a vizinhança. IdleHaven, deJohnson,nosdáalgumaindicaçãodissoeoestudofeitoporReina(1973:91)noParaná,naArgentina,menciona os homens idosos que “policiam” a vecindad e conversam com quem quer que estejadisponívelaomesmotempoemquecuidamdeseusnetos.Emáreasondepoucosmembrosdodomicíliopermanecememcasaduranteodia,eemqueosresidentessãodeumtipoquepassamgrandepartedeseutempolivreematividadesdispersas,oresultadoéqueaformaçãodeumavizinhançapodesermuitolimitada – “as crianças são os verdadeiros vizinhos, e é ummundo semcrianças” se nos lembrarmosdaquiloqueZorbaughescreveusobreazonadequartosdealuguéisemChicago.

Avidadeumbairropodeassimestarcentradaempessoasqueestãointensamenteenvolvidaslá,masque participammenos em outros setores da vida urbana.Uma parte de protagonista, no entanto, podetambémcaberaoindivíduoquedesempenhaumpapeldeaprovisionamentonaquiloqueéumaarenadevizinhançaparaoutros,umpapelpormeiodoqualeleadministraoespaçodobairroouabasteceseushabitantesdealgumaoutramaneira.Bittner(1967)temumestudoreveladoraquisobreopolicialcomoummantenedordapazemSkidRow.Oconcierge francêséoutroexemploóbvio,comooé tambémodonode lojacujoestabelecimentopodeserumdotipodepontosnodaisquefazemqueaspercepçõesdos limites do bairro sejam menos egocêntricos. Embora envolvimentos entre vizinhos possam serdesiguaise lhes falteumacoordenaçãogeral, emoutraspalavras, algumaorganizaçãopodesurgirpormeiodecópiasderelacionamentosdeaprovisionamento.

Podemostambémreconheceraquiumpardeoutrasvariaçõesnaconexãoentretrabalho-vizinhança.Devemosobservarquealguémqueestápresentedeumaformaduradouraemumbairroemvirtudedeseutrabalhoestáemumsentidotambémemumpapeldevizinho,jáquenemtodososencontrosentreeleeosoutros precisam necessariamente envolver uma tarefa de trabalho por parte dele.A premissa habitual(aceitamesmonestaspáginasemvárioscontextos)dequeavizinhançaestáexclusivamenteconectadacom residência pode, na verdade, ser considerada dubitável tão logo seja explicitada. É claro, aseparaçãodaresidênciaedolocaldetrabalhoéelaprópriaumatendênciaquefoimaisaprofundadanasgrandescidadesindustriaisocidentaisdoqueemmuitosoutroslugares,enoscasosemqueelanãoétãopronunciada a vizinhança provavelmente adotará outras formas.Mas nos casos emque ela ocorreu, avizinhança pode bem ser considerada como se ocorresse pelo menos potencialmente em ambos oscontextos, embora talvez com graus diferentes de elaboração. Assim, encontramos bairros com

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recrutamentomistoem termosde trabalhoe residência, comoexemplificadoacima; aquipodemosnosperguntar se os relacionamentos conectando residência/vizinhos com trabalho/vizinhos (em conexõesconceitualmenteseparadasdosrelacionamentosdeaprovisionamentoquepodemocorrerparalelamenteatodosouaalgunsdeles)diferememsuasdefiniçõesdepapeldosrelacionamentosdevizinhançaemcadaumadessascategorias.Tambémencontramosbairrosmaisoumenosinteiramenterecrutadoscombasenotrabalho,taiscomoruasdecomprasemqueosdonosdaslojaseseusempregadossãovizinhosduranteodia.Dessetipodevizinhançaquasenãoháqualqueretnografia.

Não precisamos dizermais nada sobre quem é umvizinho, ou sobre o fato de alguns seremmaisvizinhos do que outros. O conteúdo da vizinhança pode implicar apenas tais rituais de deferência ecomportamentocomoaquelescontidosnointercâmbiodecumprimentos,enaexpressãodeconsideraçãotambémpormeiodeumatentativademinimizarosaborrecimentosnoespaçocompartilhado–evitandobarulho, cheiros, obstáculos colocados nas ruas ou calçadas ou em pátios, corredores e escadas demoradiascomváriosdomicílios.Oúltimocomponentemostraqueavizinhançaé,deumamaneira,muitoparecida com um relacionamento de tráfego, no sentido de que o princípio é que vizinhos só deveminterferirunscomosoutrosomínimopossível:ouseja,“cercasfortesfazembonsvizinhos”.

O relacionamento, no entanto, pode se desenvolver para ser algomais que isso.Emum tommaispositivo, pode haver um certo intercâmbio de bens e serviços, tais como a distribuição de pequenasquantidadesdeartigosdeconsumododomicílioquandorequisitadosemumaespéciedereciprocidadegeneralizada, o empréstimo de ferramentas, o cuidado das crianças ou da casa dos vizinhos se elesprecisamsair.Oprincípioéclaramentequeaquiloqueéummodestofavordeumvizinhoiriaimplicarumainconveniênciaconsideravelmentemaiorseamesmaajudativessedeserprocuradadeoutrafonte,talvezsocialmentemaispróxima,masfisicamentemaisdistante.Omelhorvizinho,portanto,estritamentefalando,éovizinhodaportaaolado.

Oconteúdoeaextensãodessareciprocidadepodemvariar.Seameraquantidadedetempoquetemospara atuar como vizinhos é uma coisa que depende de como é nosso repertório de papéis, nossanecessidadedeintercâmbioscomvizinhoséoutramuitodiferente.Senoséfácilteracessoaparentesouamigos, é possível que não tenhamos tanto uso para os serviços ocasionais de vizinhos imediatos.AintensainteraçãoentrevizinhosdosmoradoresdossubúrbiosemParkForest,Illinois,descritaporWhyteemTheOrganizationMan, ao contrário, poderia ser característica de uma comunidade demigrantesinterurbanos com poucas outras ligações úteis localmente. A fim de chegar a acordos mutuamentesatisfatórios,noentanto,vizinhosprecisamentãoternecessidadescongruentes.OestudodeBell(1968:135) em Swanseamostra isso. O conjunto habitacional que ele estudou continha tanto famílias comoaquelas deParkForest, ascendentes emespiral que se deslocamde uma cidade pequenapara outra eresidenteslocaisqueestãoláhámuitotempo.Osascendentesemespiralprecisavamdenovasligaçõescomobjetivosmúltiplos,enquantoosantigoshabitantestinhamredesmaisvariadasenãotinhamumlugarnelas para essas novas ligações tão carentes.As duas categorias, portanto, tendiam a se aglutinar emaglomeradosseparadosderelacionamentosdevizinhança.

Como sugerimos anteriormente, é muito provável no caso de repertórios de papéis um tantopadronizados que as pessoas cheguem a tipos específicos de relacionamentos com posições denegociaçãosemelhantes,echeguema resultadosemqueoacordoótimo tomariaa formadepapéisde

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definiçãorecorrente.Quantoàvizinhança, issoseria tambémnoscasosemqueaproximidaderelativateria o maior efeito sobre a real formação de relacionamentos. Nos casos em quem os vizinhos sãorealmentesubstituíveisunspelosoutros,nosenvolvemoscomaquelesqueestãomaisconvenientementeacessíveis.

AslembrançaspessoaisdeJeremySeabrook(1967:50ss.)deumbairrodeclassetrabalhadora,ondeeleenfatizaahomogeneidadesubjacente,pareceseenquadrarbemnesseargumento.Seabrookobservaqueosrelacionamentosentrevizinhoseram“baseadosnaobservânciadeumsistemarígidoecomplexoderegraseconvenções”,eque“asligaçõesmaisforteseramgeralmenteestabelecidascomosvizinhosimediatos” e que “aqueles que estavam a algumas portas de distância eram tratados com umacordialidadequediminuíaprogressivamenteàmedidaqueseulocaldemoradiasetornavamaisdistante,até que aqueles no fim da rua tinham de se contentar com um aceno apressado e uma olhadela dereconhecimento rapidíssima”. Bryan Roberts (1973: 187), observando a grande heterogeneidade dasvidasentreoshabitantesdebaixarendadedoisbairrosdacidadedeGuatemala,pareceproporaformaopostadesserelacionamentoentrediversidadederepertórioepadronizaçãodepapéisjáqueeleobservaque“háumtemarecorrentenadescriçãodosváriosrelacionamentospessoaisencontradosnosbairros:amaiorpartedosrelacionamentossãoessencialmentediádicos,eaquiloqueéintercambiadoéespecíficodaquelepardepessoasqueinteragem”.

Continuamosparanosperguntardequemaneirasavizinhançapodeserinfluenciadapelacanalizaçãodeinformaçãopessoalentreelaeoutrospapéiserelacionamentos.Háumproblemaespecialnessaárea:o de controlar o fluxo de informação entre os setores domésticos e de vizinhança. Já que eles sãofisicamentetãopróximos,nemsempreéfácilmanteroprimeiroasalvoemumaposiçãodebastidorespara o último. As revelações podem começar a correr soltas através dos limites marcados um tantoineficazmente, e tão logo uma pessoa esteja fisicamente presente no espaço doméstico, os vizinhospoderiam,nopiordoscasos,terumacessopraticamenteincontrolávelaela.

Issoéobviamenteconsideradocomoumproblemadeumamaneirabastantegeneralizada,etentamossolucioná-lopormeiodealgumgraudereserva.Reina(1973:86)observaissonoestudodeParaná:

Cadadomicíliomantémumfortesentidodeintimidadefamiliar–háumavidanãoreveladaentrenossasprópriasparedes.Emcontrastecomasconstantesreuniõespúblicasnazonacentral,nobairroaregradeetiquetaéque“cada umdeve estar em sua própria casa”. Tolerância e evitação calculada protegem cada estilo familiar.Osvizinhosraramentediscutemdiferençasdeformaaberta,masasadvinham.Diferençassãoencobertascontantoquecadaum“vivanoseucanto”.

AanálisedeGoffmandamanutençãoconsensualdeselvespúblicosnainteraçãoritualparecemuitopertinenteaqui.Damesmaforma,LaFontaine(1970:130)descobriuemseuestudodeKinshasa,Zaíra,(então ainda chamada deLeopoldville) que vizinhosmuitas vezes pareciam concordar tacitamente emmanter uma ignorância fictícia das vidas uns dos outros, já que mostrar muito conhecimento seriaconsiderado insolente. Para pessoas de fora os vizinhos afirmavam não saber a origem étnica de umhomemouatéquantascriançasestavamvivendocomele;eissoapesardesuasacomodações,comocomtantafrequênciaocorrenascidadesdoTerceiroMundo,torná-losextremamentevisíveisunsaosoutros.

Outros microestudos de tais ambientes poderiam ser realizados. Que divisão em espaço privado,semiprivado,epúblicoparaatividadesdomésticaseentrevizinhossurgenoscasosemqueasfamíliasde

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um conjunto habitacional compartilham a cozinha, a lavanderia e banheiros em um pátio aberto ouadjacenteeusamesseúltimoparaoutrospropósitosemsuavidadiáriatambém?Oqueéqueelesdevemsaberounãosaberumdooutro?Eaque,finalmente,seresumemavizinhançaeadomesticidade,afrentedopalcoeosbastidoresquandoumafamíliadeCalcutáarmasuacasanacalçada,comonoesboçodeLelyveld?(1970).

Masháoutrostiposderevelaçõescomconsequênciassociaiscomquedevemosnospreocupar–doistiposbasicamente,nessecasorevelaçõesfeitasemcontextosdeoutrossetoresquelevamàvizinhança,erevelações entre vizinhos que mudam o relacionamento que um tem com o outro. De uma maneira,atençãoconsiderável foidedicadaaoprimeiro tipo:oprocessochamadomigraçãoemcadeia,noqualindivíduosquejá têmalgumoutrorelacionamentogradativamenterecrutamunsaosoutrosde talformaque venham a habitar o mesmo território. Bairros étnicos tais como aqueles formados nas cidadesamericanasnoaugedaimigraçãosãoexemplosóbviosdemigraçãoemcadeia,eoconceitonaverdadetemsidousadodeformalimitadaforadoscamposdeetnicidadeemigraçãodelongadistância.Nessescasosamigraçãoemcadeiapodesurgircomooprimeiroestágiotípiconaqueleprocessodeevoluçãodeum bairro no qual o estágio posterior é um encapsulamento de “aldeia urbana” em relacionamentosmultiplex que duram desde o berço até o túmulo. Quando a etnicidade é o critério aparente derecrutamento para um bairro, no entanto, é ainda provável que papéis e relacionamentos específicos,restritos por esse atributo discriminador de papéis sejam os fatores efetivos em cada recrutamentoparticular,detalformaqueoaspectoétnicopassaaserconspícuoapenasglobalmente,etalvezcombasena percepção de categorias de um nãomembro (cf.MacDONALD&MacDONALD, 1962, 1964). Enaturalmenteessesoutrosfatorespodemestardamesmaformaemfuncionamentoondenãoháqualqueretnicidadeparachamaranossaatenção.Issotambémsignificaquebairrosbastantediversospodemserformados pelo mesmo processo. Cada ligação preexistente poderia presumivelmente ser de um tipodiferente–parentesco,amizade,contatosnotrabalho,atérelacionamentosdeaprovisionamento–detalforma que uma variedade de multiplexidades existem no bairro, sem qualquer homogeneidade geral.Obviamente,tambémhábairrossóparcialmentepovoadoporcadeias(longasoucurtas)eparcialmenteporoutrostiposderecrutamento.

Com relação às revelações pessoais entre as pessoas que já se tornaramvizinhas, há umexemploesclarecedoremTheLevittownersporHerbertGans(1967:46-47),descrevendoasapresentaçõescomoelasocorreramlogodepoisdeaspessoasteremseestabelecidononovodesenvolvimento:

Elasdescreveramdeondetinhamvindoesuasocupações–ouadeseusmaridos–econtinuaramfalandosobremétodosdecriaçãodefilhoseplanosparaconsertaracasa(asmulheres),agramadojardim,carroseotrabalho(os homens). Cada tema servia para aproximar mais as pessoas ou afastá-las indicando onde existiam asdiferenças e quais tópicos eram tabu. Por exemplo, um dosmeus vizinhos era piloto do Exército e em nossoprimeiroencontro–produzidoporumdesmoronamentoqueocorreunogramadoemfrentedenossascasas–nósintercambiamosocupações.Quandoeumencioneiqueeraprofessor,ele fezumapiadasobreoutrovizinho,umoperário,paraindicarque,emboraelesereferisseasiprópriocomo“umcaminhoneirodealtogabarito”eleera,apesardisso,umtrabalhadordecolarinhobrancocomoeu.Elecontinuoufalandosobreumparentequeestavaestudandoparaumdoutorado,mas,conscientedequeamaiorpartedosprofessoressãoliberaiseagnósticos,eletambémme confessouque compartilhava as atitudes sobre raça dos sulistas e era umbatista fundamentalista.Discordâncias certamente iriam surgir sobre raça e religião e para que nós fôssemos bons vizinhos, essesassuntosnãodeveriamserdiscutidos.

Revelaçõesdevizinhos,podemosver,nemsempreestabelecemcompatibilidade.Issonãosignifica

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queelassejaminsignificantes.Apuravizinhança,podemosachar,éumdaquelestiposderelacionamentoque tem pouco conteúdo próprio; eles se beneficiam importando algum conteúdo de fora.Mesmo seuaspectoritualdemostrarumaconsideraçãopessoalapropriadaparacomumoutrocomquemegonãotemmuito em comum pode ser aprimorado pela referência ocasional a seu trabalho ou a seus interessesrecreativos. O exemplo de Gans também sugere que a informação sobre papéis externos podemdesempenharumapartenoestabelecimentodaordemdeprestígiodeumavizinhança.

Mastambémpodehaverresultadosmaistangíveis.Alguémpodeafinalterhabilidadesespecíficasouconexõesde redequeo tornamumvizinhoespecialpara todosoualgunsdaquelesa seu redor.Ouaspessoaspodemdescobrirquepodemvantajosamentesetornarparceirasumasdasoutrasemoutrostiposdeligaçãotambém.Àsvezesépossívelrecrutarumsócioparanossaempresadessamaneira.Commaisfrequênciaorecrutamentoserádealguémcomquemcompartilharatividadesdelazer.

Nos casos em que encontramos uma vizinhança envolvida de maneira intensa e razoavelmenteharmoniosaemseusprópriosrelacionamentosinternosissonormalmentepareceserdevidoasuaquímicaparticulardospapéisinternoseexternosdosvizinhos.Pelomenosalgumasdesuaspessoastêmtempopara estimular contatos com vizinhos; as pessoas sabem o bastante umas sobre as outras paracompreenderocomportamentomútuobastantebemsemmuitodesaprovação;eháalgumpotencialparacomplementaridade e relacionamentos multiplex. Aqui também, podemos talvez mais prontamentealcançarumaorganizaçãodevizinhosmaisabrangente,parecidacomaquelaqueumgovernopode,emalguns lugares, introduzir de cima.Muitas vezes é uma organização para conflito externo. O governopassaaseroadversário,emumprotestocontraplanejamentolocal,ouestranhospassamasersuspeitoseosvizinhosvigilantesquandoaordemdosrelacionamentosdetráfegoameaçaseromper.

Mas as vizinhanças urbanas nem sempre são assim. Vários autores – Dennis (1958) em um textocurto, mas bem conhecido, Roberts em seu estudo da Cidade da Guatemala – comentaram sobre osproblemas da organização da vizinhança quando as pessoas têm em sua maioria relacionamentos decadeiaúnica,poucoconhecimentounsdosoutrosepoucaconfiança,nenhumpassadocompartilhadonemumfuturoemcomum.

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Afluidezdavidaurbana

Essaúltimaconsideraçãonostrazparaumafacetadaorganizaçãoderepertóriosdepapéisederedesque não transmitimos o bastante até aqui, embora em outra forma ela tenha recebido alguma atençãoquaseno fimdocapítulo3.Permanecendoemumaestruturadeanálise sincrônica,poderíamospensarqueanoçãodecontatos“transitórios”deWirthsereferemapenasàtemporariedadedosrelacionamentosdetráfego,ouencontrosbrevesdeaprovisionamento.Monitorandointervalosumtantomais longos,noentanto, ficamoscadavezmaisconscientesdequeadescrição tambémpodeseaplicara ligaçõesqueacreditamos serem duráveis, mas que podem sê-lo apenas até certos limites. Novos movimentos ereuniõesnaestruturasocialresultamdamanobradepapéiserelações.Observeorepertórioearededeummoradordacidadeemummomentono tempoe retorneaelealgunsanosmais tarde.Elepode termudado de emprego, semudado para outro lugar e começado um novo hobby. Nemmesmo no setorfamiliaredeparentescoascoisassãoexatamenteasmesmas,poiselesedivorciouecasououtravez.(Issopodeserondeamudançaderelacionamentossejarealmentemenoscaracteristicamenteurbana,jáquehásociedadesruraistradicionaiscomaltasfrequênciasdedivórcio;especialmenteosantropólogosdoInstitutoRhodes-Livingstonenosdisseramisso.)Opotencialparamudançapessoalnacidadegrande,então,quasenãopodeserrivalizadoemoutrasformascomunitárias.Podemoschamarissodefluidezdavidaurbana.

Esforçossistemáticoseassociadosporpartedeantropólogosparaestudaradimensãotemporaldasrelaçõessociaisforamprincipalmentededicadosaociclodedesenvolvimentodomésticoeàsreflexõessociaisdamaturação.Emumasociedadeempequenaescala,issopodecobrirgrandepartedaquiloqueestá envolvido. Se examinarmos a sociedade urbana em termos de papéis, por outro lado, podemosconsiderar a possibilidade teórica de que a variabilidade que pode ser observada entre repertóriosindividuaisemumdeterminadomomentopodemocorreremumúnicorepertóriocomopassardotempo.Aqui as mudanças nos papéis da família podem ser os mais previsíveis, como nos ciclos dedesenvolvimento que são analiticamente bastante bem-conceituados. A passagem por papéis deaprovisionamento também foi um foco de pesquisa embora a maior parte na sociologia ou emorganizaçõesmaisoumenosburocráticas.Sobreamudançaeaestabilidadeempapéisrecreativosedevizinhança parece que sabemos um pouco menos, e o mesmo ocorre com relação às maneiras comopapéisdesetoresdiferentesestãoconectadosnamudança.

A fluidez não é apenas mudança entre papéis, no entanto. Novos outros podem surgir em papéisantigos, outros são abandonados.Alguns permanecem ou retornam.Àmedida que relacionamentos deumaúnicacadeiasetornammultiplexeviceeversaumcolegadetrabalhopassaasertantocolegadetrabalhoquantoamigoquedepoismudadeemprego,mascontinua–àsvezes–sendoumamigo.Emumafasedesuavida,oegotemumaquantidadedecontatosvariadoscomoutrosquenãoseconhecemunsaosoutros.Emoutrafase,adensidadedesuaredepodetersetornadomuitomaior,massuaextensãopodeounãotermudadoaomesmotempo.

Nãodevemosexageraressasvariaçõescomopassardotempo.Ofluxototalpodeserraro,paramaispessoas ele é parcial, e para algunsmoradores da cidade grande pouca coisa parece ter mudado nodecorrerdeumavida,oupelomenosdesdequesetornaramadultos.Masaplenadiversidadedasvidas

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urbanasnãoéexatamentecompreendidadeformatotalamenosquenóstambémtenhamosumaideiadasváriasmaneirasemqueelasmudamcomopassardotempo.Oconceito-chaveemnossaperspectivacomrelaçãoàfluideznavidasocialécarreira;nãonosentidocotidianodeumamudançaocupacionalmaisoumenosrápidaemaisoumenoslinearparacima,queéapenasumtipo,esim,paratentarumadefiniçãogeral,aorganizaçãosequencialdassituaçõesvitais[6].Comomostramosexemplos,poderíamoslimitaraanálise de carreira aos papéis de um único setor. Como a definição implica, podemos também tentarpensarholisticamentesobreamaneiracomotodosossetoressãofeitosparaseencaixarememummododevidaatravésdotempo.

Certamente não esperamos que as carreiras sejam totalmente imprevisíveis. A determinação naconstruçãoderepertóriosdepapéisnaverdadetendeaimplicarsequencialidade.Emnenhummomento,pareceria,oindivíduoécapazdecomeçardenovoconstruindoumrepertóriototalmentenovo,maselesempre será restrito pelos papéis que já tem e pelos relacionamentos conectados a eles. O grau deprevisibilidade,noentanto,equantidadedecontrolepessoalexercido,sãovariáveis.Podemosdescrevercomo“carreirista”umindivíduoqueestápreocupadocomaadministraçãodacarreira,comadireçãoeomomentodasmudançasdefaseemseufuturo.Seeleforbem-sucedido,cadafaseseriaalcançadaportersidoescolhidaparasubstituiraqueaprecedeu,sejaqualforosetorqueestejaenvolvido.(Mas,éclaro,o carreirista sem sucesso ainda é um carreirista, embora nem todos com carreiras bem-sucedidasprecisamnecessariamente ser carreiristas de forma significativa.)Umacarreira assimpoderiaocorreremversõesdiferentes.Examinemosunsdoiscasosdosetordeaprovisionamento.UmdelespoderiaserconsideradoumaprogressãoordenadapelasfasesABCDE.Essaseriaasequêncianormal,detalformaqueparairdeAaE,teríamospelomenosprovavelmentedepassarporB,CeD.QuandoocarreiristaestácientedissoseumotivoprincipalparaentraremBouCpodeserque,pormaisinsatisfatóriasqueessaspossamserelaspróprias–talvezpioresqueA–éprecisopassarporelasnocaminhoparaasmaisdesejáveisDeE.(Maspoderíamosnosarriscaraficarpresosnelas.)

O planejamento de muitas fases futuras como esse pode ser possível quando há um mapaorganizacional aceitavelmente confiável e disponível para inspeção, como em uma burocracia. Essacarreira talvez tambémpudesse serplanejada sóno setordeaprovisionamento,de tal formaquecadafase consistissemaisoumenosdeumpapel, eodesempenhodele fosseo critérioparaumamudançaposteriordefase.Nossasegundaformadeadministraçãodecarreiraéumpoucomaiscomplexa.EmumdosmaisconhecidosestudosantropológicossobrecarreirasAnthonyLeeds(1964)retrataosmovimentosde indivíduos pelas estruturas de oportunidade em expansão do Brasil urbano. Sob forte influênciainternacional,novospapéissurgemantesqueexistaumaofertaorganizadadepessoasparapreenchê-los.Para ser capaz de fazer o melhor uso possível dessa situação, devemos estar bem-informados, bem-conectados e preparados para adquirir as técnicas relevantes pelo caminho.Muitas vezes o resultadoserá um malabarismo com um número de papéis de aprovisionamento ao mesmo tempo. Quandocomeçamos uma carreira, necessitamos de um trampolim. Isso poderia ter várias formas: fazer ocasamentocerto,atividadepolíticapequena,maspreferivelmenteexibicionista,envolvimentoconspícuoemjornalismoouesportes.Aparte importanteécomeçaraestabelecerumareputação,emcírculososmais amplos possíveis. O carreirista passa muito de seu tempo buscando informação e espalhandoinformação sobre ele próprio. Amídia de notícias e conexões de parentes são importantes aqui. Eletambémgastatemposimplesmenteandandoporai,passeandocomseusouvidosbematentos,encontrando

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pessoas “por coincidência” em cafés ou livrarias. Dessa maneira ele abre seu caminho para váriospapéis,mascontinuaprocurandomesmoassim,tambémusandoessespapéiscomopontosdevantagem.Emalgumafaseelecomeçaasejuntaragruposcompostosdepessoascompapéiscomplementaresquepodem ajudar a cuidar de interessesmútuos. Para o carreirista com sucesso há grupos diferentes empontosprogressivamentemaisaltosdaescada,finalmentetalvezdealcancenacional.

Essenãoéummodelosimples,ABCDE.Cadafaseaparentementeenvolvenutrirsimultaneamenteumnúmerodechancesparaomovimentodecontinuidadeesomentenapróximafase,escolasticamente,podeserreveladoemquedireçãoacarreirapodeirdaliemdiante[7].Há,alémdisso,umgerenciamentoativodepapéis e relaçõesde ida e volta entre setores, familiar, recreativo ede aprovisionamento.Emboraparaaanálisedacarreirasejaprecisoumconceitodefase,tentardemarcarumafasenessaconfusãodeímpetos,arrancosefalsoscomeçosassimpodenãosernadasimples.

Saltar de trampolim e passear com os ouvidos atentos, no entanto, são tanto o trabalho de umcarreiristaquantoabuscaporméritodeumlugar-tenentequetemaintençãodesetornarcapitão,coronelegeneral.Outrascarreirassemoldamsemmuitoplanejamento,easmudançasdefasespodemnãoirdepiorparamelhor.Aspessoaspodemserempurradaspara foradepapéisquandoabasede recursosedesfaz,ouquandooutrosjánãoseoferecemparamantercertostiposderelacionamentosemoperação(oque às vezes é amesma coisa).Carreiras podemaleatoriamente tomar formas alternativas –ACEDB,AEBDC,CEBDA.Essessãoosdestinosqueseabremparapessoasquenãoestãoemcontrole,comooshoboes de Nels Anderson. Para Jurgis Rudkus em The Jungle, uma vez mais, funcionário de ummatadouro–reclusonacadeia–metalúrgico–mendigo–ladrão–políticocorrupto.ParaasdançarinasdealugueldeCressey,ganhosdecurtoprazoentremeadoscomdeclíniodelongoprazoàmedidaqueajovemmudadecategoriasdeclientes,deestabelecimentosedepapéis.EnquantoocarreiristalutaporABCDE,adançarinadealuguelconsegueEDCBA.

Aanálisedecarreiraspodeofereceralgunsdosinsightsmaispungentessobreasváriasmaneirasemqueasvidasurbanaspodemsermoldadas.Elapodemostrarcomclarezaparticularoqueocorrequandoumamudança de fase em um setor se reflete em outros; como segmentos diferentes do repertório depapéis e da rede de uma pessoa podem estar “defasados” em relação uns aos outros, por exemplo, efazemexigênciascontraditóriasquesópodemsersolucionadascomreajustesmaisoumenosradicais.Ocaso-modeloéaqueledosucessoocupacionaldestruindoconexõesantigas familiaresedeamizade.Ofocosobreajustesdessetipoocorrendoquandoaspessoasfazemseucaminhoporumasociedadefluidatambém mostra, no entanto, que a análise de carreiras não precisa ser uma perspectiva totalmenteegocêntrica. Às vezes, a unidade em foco pode ser um relacionamento específico, analisado pelainteraçãocomumaredemaisamplaqueorodeia.Aquiloquedescrevemosantescomoencapsulamentounilateralofereceumexemplo–algoquepoderíamoschamardeuma“carreiradependente”poderesultarseavidadeumapessoaestá,emumgraumuitoalto,sobainfluênciacontínuadaquiloqueocorrecomuma certa outra pessoa.Um cônjuge, crianças durante algum tempo e talvez uma secretária particularpodemseencontrarnessaposiçãoepodemsetransformaremcarreiristasindiretoscomoconsequência.Cherchezlafemmepassouaserumatramapadrãoparacarreirasnasociedadeocidental.

Devemos também perguntar de nossas unidadesmaiores convencionais na antropologia de setoresespecíficoscomoéqueelessãoafetadospelosfatosdecarreiras.Navizinhança,afluidezvariabastante.

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Háaldeiasurbanas,zonasdeascendênciaespiralcomoaParkForestdeWhyteeoconjuntohabitacionaldeBellemSwanseae“omundodequartosmobiliados”deZorbaughemChicago,todoscaracterizadosporseusíndicesespecíficosdemobilidade.Mudançasderesidênciapodemsergeradaspormudançasdefaseemoutrosetor,comonocasodaascendênciaemespiral,ouomotivopodeserencontradonaprópriavizinhança.Janowitz(1952)cunhouoconceitode“comunidadesderesponsabilidadelimitada”–quandonãogostamosdelaspodemosafastar-nosdelas.Essefoiumestudodossubúrbiosamericanoseépossívelquestionar seelas são tãoprevalentesnavidaurbanaemoutros lugares.Provavelmentenão,mas,poroutro lado, pode haver algum risco de subestimarmos a fluidez das cidades pré-industriais ou nãoocidentais. Um trabalho por Robert Smith (1973) sobre dados históricos de distritos em duascomunidadesurbanasjaponesasmostraumainstabilidaderesidencialextraordinárianosséculosXVIIIeXIX,eLaFontaine(1970:133)tambéminsistenissoemseuestudodaKinshasacontemporânea.Quandoexplodemconflitosentrevizinhos,afirmaela, eles sãomuitasvezes solucionadospelapartidadeumadas partes de uma unidade habitacional. Por essemotivo, provavelmente, as hostilidades e suspeitasnessaarenararamenteadotamaformadeacusaçõesdefeitiçariaoudebruxaria.Umapesquisamostrouquepoucaspessoastinhammoradonomesmolugardurantetodasuaestadianacidade,efossemquaisfossemosmotivosparaessesmovimentos,muitaspessoasdeKinshasaachavamqueissoeraumaspectoatraentedaliberdadeurbana.

Concepçõesdecarreirapodemserlevadasaindamaislonge,paramostraremtermosmaisgeraisoque a fluidez pode fazer com a vida urbana. Isso toca uma vez mais naquela diferença entre duasperspectivas antropológicas as quais nos referimos no capítulo 5, interpretando o crescimento dointeresse na análise de rede – a diferença entre ver as pessoas como pessoal anônimo e conformistadevidamentedesempenhandoumpapelacadamomento,evê-lascomoindivíduoscommentespróprias,tentandomudaraorganizaçãosocialparaqueessaseadequeasuasprópriascircunstânciaseobjetivos.Nesse contexto específico, o último ponto de vista sugere que realmente importa para a ordem socialquemsãoosincumbentesdospapéis,ondeelesestavamantes,eondepoderãoestaremalgumperíodofuturo,porqueelessãopessoascommemóriaseplanos.

Umexemploumtantoabstratodissoéoefeitodelongoprazoqueaorganizaçãodecarreiradasvidaspodetersobreamorfologiadarede.Seegosedeslocapormuitospapéis,eleiráapanharmuitosoutroscom o passar do tempo. Se as conexões não esmorecem completamente (e isso é claramente umacondição importante), a rede egocêntrica na sociedade fluida será cumulativa; ela aumentará suaamplitudecomopassardotempo.Aamizadedesenvolvidaapartirdealgumoutrorelacionamento,comoobservadoemumdeterminadomomentoantes,podepermanecerdepoisdeaquelaoutraconexãoter-serompido. Sob um arranjo social em que todas as pessoas permanecem em todas as cadeias de seusrelacionamentosmultiplexcontinuamente,haveriaumamultiplexidadegeralmaior.Nasociedadefluida,laços de uma só cadeia e multiplex se alternam com o passar do tempo. Por certo, antigosrelacionamentospodemsermantidosdeumamaneiraapenasmínima.Elespodemencolherese tornarconhecimentosemgrandemedidalatentes,oumeroreconhecimento.Masenquantonãohouverqualquerretornoàignorânciamútua,poderíamosdizerquealigaçãoexistedealgumaformacomoumfatosocial.Comessaamplitudecrescentedaredepessoal,deveir,teoricamente,umamaiordensidadenaredetotaldasociedade.Nasociedadefluidaporcomparaçãoaumasociedadeigualmentecomplexaemque“todosficamemseuslugares”,emoutraspalavras,nósencontraríamosemqualquermomentodeterminado,uma

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multiplexidaderelativamentebaixacombinadacommaiordensidade,emboratalvezcommuitasligaçõeslatentes[8].

As consequências sociais dessa situação poderiam incluir um tipo especial de particularismo nasociedadefluida,àmedidaqueaspessoasatuamcomalgumaatençãoaosrelacionamentosformadosemfasespréviasdesuasvidas,ouresíduosdetaisligações.Seduaspessoas,identicamentelocalizadasnaestrutura de papéis como sincronicamente percebida, competem pelo favor de uma terceira pessoa,aquela que já teve outro tipo de contato com essa terceira pessoa emuma fase anterior pode recebertratamentopreferencial(ouooposto).Ocritérioparticularistadasociedadefluidaé“Seráqueeunãoviessapessoaemalgumlugarantes?”

Taisconsequênciasparaarededamudançaderepertóriosdepapéisnãoocorreriam,éverdade,seaspessoas marchassem perfeitamente juntas por suas carreiras interconectadas, de tal forma que osrelacionamentosreaispudessemcontinuar,sejalácomofossemredefinidos.Masissopareceriaserumasituaçãohipotética.Umaqualificaçãobastantemaisrazoávelàproposiçãodequeamudançadecarreiraslevaaredesdemaioramplitudeseriaqueaspessoaspoderiamdesenvolvermenosligaçõeseligaçõesmaisestreitasondeelasnãoficassemmuitotempo(eondenãoesperamficarmuitotempo),detalforma,queonúmerodeligaçõesqueresultamdecadafasenacarreirapassaasermenor.Issonoslevaaoutrofato da vida em uma sociedade fluida. A revelação pessoal por parte do ego, e um interesse nessarevelação por parte do outro pode levar tempo e um sentido de compromisso que pode estar ausentequandoumrelacionamentoépartedeumacarreira.Umexemplodecomoissopoderiaafetarasociedadepode ser encontrado naqueles relacionamentos de aprovisionamento que, segundo afirmam, funcionammelhor quando são estendidos além do relacionamento temporário – envolvendo assistência médica,assistênciasocial,educação,aplicaçãodalei,porexemplo–,masque,naverdade,sãocomfrequêncialimitadosaumouaalgunsencontrosporqueo indivíduonopapeldeaprovisionamentodaliemdiantepassa para uma outra fase da carreira. Menos obviamente, podemos esperar que haja muitos outroscontextos também, de uma natureza mais ou menos institucional, em que o grau de envolvimento doindivíduo está relacionado com noções tácitas da duração da fase e em que isso influencia ofuncionamentogeral.

Emboraseuenvolvimentoemumafaseatualdacarreirapossaserumtantolimitado,oindivíduoemumasociedadefluidapodeemumdadomomentoteralgumapreocupaçãocomapossibilidadedemudarsuasituaçãoeassim,continuamenteexaminaseuambienteembuscadenovasoportunidadesempapéiserelacionamentos.Normalmenteelepode fazer issoemumnívelbaixodeconsciência,comoumapartenãoplanejadanemreconhecidadavidaexistente,masesseexametambémpodeteralgumasformasmaisoumenospróprias.Emcontextosdiferentesmencionamosalgumasdelas–obarnacidadedaCatalunhadescrito por Hansen, os passeios nas cidades brasileiras descritos por Leeds, anúncios com letraspequenas (empregos, alojamento, pessoais). Poderíamos acrescentar à lista os bares para solteiros naAméricaurbana.Essas,então,sãoinstituiçõesdasociedadefluida.Elapodetambémtersuasexpressõesidiomáticaspeculiares,utilizadasquandoumamudançaestáapontodeocorrer,oupelomenosquandovai ser testada. Há momentos quando é apropriado ligar nossas antenas ao mesmo tempo em quepreservamos o anonimato; alguns anúncios são assim. Há circunstâncias em que queremos rejeitarconvitesparaparticipardeumrelacionamento,masnãodeumamaneiramuitobrusca,quepossamagoar

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alguémquejásejauminteresseexistente.Háocasiõesemquealguémprecisasermudadodelicadamentedeumpapelparaoutro,emumamudançadefaseàqualelepodeseopor,comonocooling themarkout[*]deGoffman.Emgeralessasmudançasdefase reaisoupotenciaispodemsermomentoscríticos,situações em que muita coisa pode depender de uma apresentação bem-sucedida do self ou deintercâmbios rituaisque seapoiammutuamente.Maselaspodem tambémserconfirmadaspor ritosdepassagemmaisrelaxados,comofestasdedespedidaparaemergentesquepartem.

Afluidezpodeassimtersuasprópriasformassociaiseculturais,lubrificaçãoparaamaquinariadecarreiras.Pode ter seus estadosde sentimento– anostalgiapode ser típica tantodamudançapessoalquantodasocial.Outroaspectodafluidezéqueasideiasorigináriasdapercepçãodecarreiraspodemsetornarpartedacultura,disponíveisparaumusomaisgeral.Umexemploóbvioéamaneiracomoelaspodem ser interpretadas como indicadores do caráter e da competência individual. Carreirasocupacionaissãoespecialmenteimportantecomocarreirasnessesentido.Alguémquesobrerapidamenteé inteligente, alguém que sobre lentamente pode ser tolo, mas ainda assim confiável. Aquele que sedeslocarapidamenteparaoladoéinstáveledesceréumsinaldeinadequaçãopessoal.Taisavaliaçõespodem ser corretas ou incorretas. Elas podem ser feitas sem considerar as condições que possamdificultar qualquer controle das carreiras.O fato interessante é que elas podem ser importadas de umsetor para outro, em que tais indicadores podem não existir embora a informação seja consideradarelevante.

Umpontoadicionalpodesermencionadocomrelaçãoaotempoeàorganizaçãosocial.Contantoquenãoestejamoslidandocommudançasocialpropriamentedita,tendemosrotineiramenteapresumirque,ao redor dos indivíduos trabalhando na direção de suas próprias metas, há ainda um arcabouçoinstitucional relativamente estável. Essa ideia pode ser bastante útil, mas há momentos quando asprópriasorganizações sãoestabelecidas emumabase temporária, tanto empequenaquanto emgrandeescala. A cidade ocidental contemporânea é um habitat proeminente para tais organizações. Toffler(1970:112ss.)cunhouoconceitodeadhocraciapara tendênciasdesse tiponasburocraciasmodernas.McIntosh (1975: 42ss.) observa a importância de organização de projetos no crime profissionalcontemporâneoepodemoslembrardogangingprocessnaChicagodeThrasher. Issonosdámaisumarazãoparanosinteressarmospelafluidezdavidaurbana.

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Criandopapéis

Atéaquinósestivemosmaisoumenospresosàideiadequepapéispodemserconsideradoscomocoisasmaisoumenosprontasporsimesmas;disponíveis,porassimdizer,paraainspeçãoeaquisiçãono grande supermercado da sociedade.Quando assumimos umdeles, podemos ser capazes, talvez, demodificá-lo ligeiramente, e a partir de uma formapadrão oumédia transformá-lo a fimde que ele seencaixeconfortavelmentenorestodenossorepertório;mas,emessência,elepermaneceomesmopapelquevemosrecorrentementemodeladonavidaanossavolta.

O ponto de vista parece bastante útil paramuitos propósitos.Há atémesmo ocasiões em que umpapel pode existir como uma ideia na sociedade antes de alguém assumir a responsabilidade dedesempenhá-lo.NocasodascarreirasbrasileirasdeLeeds,emumasociedadequesebaseiafortementeemmodelosexternos,poderiasermeramenteosonhodeumefusivocapitãoda indústria,comércioouburocracia,umpapelprocurandoumincumbente.

Não devemos desconsiderar o fato, no entanto, de que omorador da cidade às vezes não tira umpapel de uma prateleira e sim o produz em sua própria oficina; e essa oportunidade de inovar noinventáriodepapéispode,deuma formaoudeoutra, estar relacionadacomanaturezadourbanismo.Parecepossíveldistinguirpelomenostrêsfatoresquesubjazemessacriaçãodepapéis.

Arigidezrelativadadefiniçãoporpartedealgunsoutrospapéis,aliadaàpremissadapossibilidadedesubstituiçãodeincumbenteséumdeles.Essespapéispodemsertãodesconfortáveisparaaspessoasrecrutadasparaelesqueéprecisoequilibrá-loscomoutrospapéisquepossamoferecerumasensaçãomaiordesatisfação.Eseospapéisdesseúltimotipojánãoexistem,elessãocriados.Esseéoargumentodomodelo de privação da autoconsciência discutido brevemente no capítulo 6, e sugerido como umaexplicação particularmente para o desenvolvimento de novos papéis recreativos na sociedade urbanaindustrial-burocráticacontemporânea.Maspapéisdoprimeirotipotambémpodemàsvezesdeumacertamaneira“perdercontatocomarealidade”.Elespodemparecerexcelentesemumgráficosemnaverdaderealizar a tarefa que supostamente deveriam realizar e, portanto, não podem ficar sozinhos no longoprazo.Porissopapéisadicionaiscrescemaseuredorcomoumaestruturadeapoio.

Quando falamos de “estruturas informais”muitas vezes temos emmente papéis desses tipos e osrelacionamentos que se formam entre eles. “O antropólogo tem uma licença profissional para estudaressasestruturasintersticiais,suplementareseparalelasnasociedadecomplexaeexibirsuarelaçãocomas principais instituições estratégicas e abrangentes” propôs Eric Wolf (1966: 2). Realmente nosdeparamoscomelas repetidamente.A interpretaçãoqueThrasherdáàemergênciadegangues juvenis,citada no capítulo 2, é semelhante à caracterização deWolf até na escolha de palavras.O casomaisóbvio em outros autores é a “subvida” nas instituições totais deGoffman. Podemos considerar essasestruturascomosendoartifíciosbasicamentedefensivospelosquaisaspessoas tentamevitarosdanosque poderiam lhes ser infligidos por uma estrutura social que elas não podem controlar. ComoWolfassinala,essaestruturaélógica,aindaquenãotemporalmente,anterioraeles.E,éclaro,possívelqueospapéisquesurgemdessamaneirairãoelesprópriosseestabilizaretornar-separtedeuminventáriodepapéisdisponível.Maspareceque,emgrandeparte,elessãogeradosumavezmais,repetidamente.

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Sealgumacriaçãodepapéis édefensiva,nem todas elasprecisamsê-lo.O segundo fatordoqualpodemos vantajosamente estar conscientes é que a variabilidade dos repertórios de papéis pode, elamesma,seramãedainvenção.Quantomaisdessavariabilidaderelativamentelivrehouver, tantomaisprovávelpareceráserqueumindivíduopodecombinarsuasváriasexperiênciaserecursosdemaneirasúnicasecolocá-losemnovoscontextos,assimassumindoumpapelprincipalnacriaçãodesituaçõesquenãoocorreramantes.Aimagemdoempreendedorismopareceseraquestãoaqui.Imaginecadasituação,comoaliásocorremaisnormalmente,comoumaesferaprópria,comumfluxoumtanto já rotineiroderecursos e experiências. A pessoa que pode combinar situações e romper as barreiras entre seusenvolvimentos respectivos nelas de umamaneira nova pode encontrar umnovo papel se formando naconfluência.

Taiscombinaçõesoriginaistambémpodemserfeitasapartirdeelementosqueforamatraídosunsaosoutroscomopassardotempoemumacarreiraemziguezague.OrelatodeBryanRoberts(1976)sobremudança econômica na cidade provinciana de Huancayo, no Peru, pode ser interpretado paraexemplificarprocessosdessetipo.Diantedacrescentedominânciametropolitana,aindústriadetêxteisdeHuancayo, relativamentedegrandeescala, entrouemdecadênciae finalmente fechou.Deummodogeral,osetordeaprovisionamento tornou-semaisfragmentado.Noentanto,acidadenãopareciaestarem uma situação pior do que a anterior. Novos pequenos negócios proliferaram, estabelecidos comfrequênciaporpessoasquetinhamoriginalmentevindodocampoparatrabalharemminasefábricas.Emalguns negócios, observa Roberts, “toda uma carreira de migração está refletida nas atividadescontemporâneas”.Umaoficinaderoupaspodeaproveitaramaquinariadeumafábricafalidanaqualodono tinhaestadoempregadoe,aomesmo tempo,usaroscontatosdaaldeiaparadivulgaro trabalho,recrutaroutrostrabalhadoresparaacidadeedistribuirprodutos.

Temos a tendência de encontrar uma grande quantidade dessa inovação combinada no “setorinformal”dascomunidadesurbanasdoTerceiroMundo.Talvezcomoumexemplomaisforadocomumdetransformarantigasexperiênciasemumnovopapel,podemosnoslembrardanotóriagangueMansondaCalifórniado finaldadécadade1960.CharlesMansoneramaisumdaqueles indivíduoscomumacarreira que não seguia nenhum modelo discernível, a menos que possamos ver um modeloretrospectivamente na forma desastrosa de liderança de grupo que ele desenvolveu. Segundo Sanders(1972),umdoscronistasdagangue,Mansontinhaentradoesaídodeinstituiçõesdecorreçãodesdeosprimeiros anos da adolescência. Mais ou menos uma década mais tarde, ele tinha adquirido umaeducaçãoprisionalquasecompleta.Nofinaldosanosde1950,podemosacompanhá-lopulandodeummeiodesustentoparaoutro,ajudantedegarçom,barman,vendedordefreezers,frentista,produtordeTVecafetão.“Conversadecafetão”,omeioutilizadoparacontrolarprostitutas, tinharealmentesidoumagrandepartedaquiloqueelepôdeabsorvernaprisãoondetinhaestadorecentemente.Agoraeleaestavapondo emprática, comuma versão bastante comum.O que podemos argumentar é quemais tarde, nomundo de novas amalgamações contraculturais no sul da Califórnia na década de 1960, o antigodelinquente juvenil, ladrão e aproveitador das fraquezas humanas, teve alguns de seus sucessostemporários fazendo amigos e influenciando pessoas, e sobrevivendo da terra ao dar uma formasimbólicaoriginalaalgumasdesuasantigashabilidades;entrepessoas,pode,alémdisso,serobservado,quemuitasvezesnãotinhamumaexperiênciacomparávele,portanto,nãopodiamcompetircomele.

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Ainovaçãodepapéisnacidadegrandepareceserfavorecida,emterceirolugar,pelapossibilidadedeempurraradivisãodetrabalhoinfinitamenteparaadiante.Há,éclaro,aideiaqueWirthadquiriudeDarwineDurkheimqueaconcentraçãodepessoas,comoadeoutrosorganismos,aumentaacompetiçãoeencorajaaespecializaçãocomoumaformadeescapardela.Mastalvez,deumamaneiraumtantomaissimples,entreograndenúmerodepessoasconvenientementeacessíveis,podemostambémencontrarumnúmero suficiente delas que podem ser convencidas a desejar o serviçomais esotérico e minúsculo,assimerguendo-oacimadolimiardaviabilidade.

UmvisitanteaumacidadedoTerceiroMundopodeumavezmaissemaravilharcomotipodecoisasque podem ser transformadas em uma empresa no “setor informal”. Em uma cervejaria na Nigéria,cortadoresdeunhafree-lancepairamaoredordasmãosepésdeseusclientes.Naparteexternadeumparque de diversões colombiano, um adolescente com uma balança de banheiro oferece pesar ostranseuntes. Em uma rua indiana, um bahuruipiya, “homem de muitos disfarces” usa a própriaheterogeneidade da cidade como um recurso dramático, imitando um tipo urbano atrás do outro, efinalmentepedindosuarecompensadeumpúblicodivertidoesurpreso(cf.BERREMAN,1972:577).Se, poroutro lado, ummoradorde faveladaÁfricaoudaÁsia for aLondresou aNovaYork, outroconjunto de especializações que ele nunca tinha sequer imaginado lhe parecerão igualmenteextraordinárias–modaparaanimaisdomésticos,consultoresparaadecoraçãodeinteriores.

Exatamentequandoumpapelénovoouapenasumavariaçãodeumpapelantigopodenaturalmenteser algo um tanto ambíguo, embora talvez não seja necessário discutir essas questões de práticaconceitualaqui.Oqueparecemaissignificativoéqueurbanitaspodemcontinuaraintroduzirnovositensem um inventário de papéis onde, em princípio, outros podem então se basear para seus própriosrepertórios.Umavezqueoprotótipofoiconstruído,aproduçãoemmassapodecomeçar.Eoprocessopode se autoperpetuar.Quandoumnovopapel é instituído, uma estrutura informal pode crescer a suavolta.Quandoumacombinaçãooriginaltemsucessoeatraimaispessoasparaela,alguémvêumafatiadiferenteparacortardelaeseseparacomaindaoutraespecialização.Algumascidades,éclaro,podemterumpotencialmaiorparaessedesenvolvimentocontínuodoqueoutras.“Araposasabemuitascoisas,masoouriçosabeumagrandecoisa”,opoetagregoArquílocobemsabia;háurbanismosquesãomaiscomoraposaseoutrosquesãomaiscomoouriços[145].Asprimeirasapoderam-sedavariedade,brincamcomelaeassimcriammaisdela.Osúltimosinvestemfortementeemumaúnicalinhaevãoadiantecomela.O livrodeJaneJacobs,TheEconomyofCities (1969), éumargumentoa favordourbanismoderaposas,compequenasempresasqueconstantementesecombinamesesegmentam[146].OcontrasteentreBirminghameManchesteréumdeseuscasosilustrativos–aprimeiracomestabelecimentospequenosquemudammuito, a última com estabelecimentos grandes que têmdificuldade em se adaptar a novascircunstânciaseque,portanto,decaem.Acidadecompanhia,nessesentido,torna-seomaismodernodosouriçosurbanos,planejadadesdeocomeçocomumaestruturadepapéisdedicadaaumobjetivoedaliem diante recusando-se a ser distraída por outras. Talvez a cidade ortogenética deRedfield e Singerfossetambémmaisparecidaaumouriço,eacidadeheterogenéticaaumaraposa.

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Aorganizaçãosocialdosignificado

Até aqui, como previmos na introdução, estivemos principalmente interessados na ordenação dasrelaçõessociaisnavidaurbana.Acombinaçãoerecombinaçãodepapéiseoajusteereajustederedessãoosprimeirosdetodosostemasemumatraduçãorelacionaldacidade.Masaantropologiatambémestáfundamentalmentepreocupadacomacultura.Nofinal,devemospensarumpoucosobrequetipodeanálise cultural a antropologia urbana necessita[147]. É hoje bastante generalizada – também fora doscírculosantropológicosesociológicos–amodadedescreveravidaemumasociedadecomplexacomosendocompostadeumavariedadedeculturas.Elassãogeracionais, taiscomoaculturajovem;étnica,taiscomoaculturanegra;ocupacional, taiscomoaculturademúsicosdedança; institucional,comoacultura da burocracia ou até “a cultura da Casa Branca” durante um governo específico; culturas declasse como a cultura da pobreza; culturas dissidentes, como a dos travestis ou dos mendigos; oucontraculturas, como no caso dos hippies. E ao redor dessas ilhas do culturalmente diferente estãoentidadescomdesignaçõestaiscomoculturademassa,culturapopularouculturaoficial.Grandepartedaetnografiaseoriginoudessapreocupaçãocomadiversidade.Umnúmeroumtantomenordeautorestentaram lidar sistematicamente com a complexidade cultural como um problema analítico. Algunsdaqueles que parecem contribuir significativamente para essa análise, além disso, não definem seutrabalhonessestermos,eescrevemcompoucaounenhumareferênciaunsaosoutros.

Aqui estamos interessados no significado; algo que pode ser surpreendentemente sutil, nãoexatamentetangível,quasequeimperceptivelmentemutante,talveznuncafácildetrataremumargumentoanalítico. Para tentar captar os problemas envolvidos, podemos começar com a antiga concepçãoantropológicadossereshumanostantocomopensadores,ocupadoscomquestõesmoraiseintelectuais,quanto como fazedores, solucionando problemas práticos. No último aspecto, eles estão atuandofundamentalmentesobreossignificadosparalidardeumamaneiraadaptativacomseumeioambiente.Noprimeiro aspecto, tentam compreender e avaliar, e aqui estão preocupados com as opiniões de seuscolegas.Commaiorfrequência,dequalquerforma,elespreferemaprovaçãoàcensura,eestãoumtantoansiososdequesuasideiasnãosejamtotalmentequixotescas.Comissoelessebaseiamnacomunicaçãosocialparaestabelecersignificado.Osdoisaspectosdavidahumanaseinter-relacionamcontinuamente,éclaro.Maselesinter-relacionamdeformasmaisproblemáticasemalgunscontextossociaisdoqueemoutros.

Uma última visita, a esta altura, ao tipo-ideal da sociedade primitiva. O significado tende a serincomumentetransparentenela.Avariedadedesituaçõescomasquaisaspessoastêmdelidarépequenaeasmesmaspessoascomopassardotemposeenvolvemnamaiorpartedelas.Emoutraspalavras,oinventário de papéis é bastante limitado. No máximo, ele pode ser diferenciado apenas por idade egênero,epapéisatribuídosahomensoumulherescombasenaidadeserãoentãoassumidosportodosdogênero apropriado à medida que o ciclo da vida vai continuando. Como as pessoas se deparam emgrande parte com as mesmas situações, elas poderiam até independentemente chegar a conclusõessemelhantes.Mas, além disso, elas veem e ouvemumas às outras lidando com elas. Isso tem umusoprático para as pessoas como fazedoras, já que elas podem então captar soluções prontas para osproblemas.Aomesmo tempo, elas têmprovasdequeosoutros consideramessas soluções realistas e

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moralmenteaceitáveis,jáqueessesoutrosestão,elespróprios,realmentebaseando-senelas.

Enquantoisso,nacidadecomoavimos,ascoisaspodemficarmuitomaiscomplicadas.Nosistemasocial extremamente diferenciado e ainda assim coerente, pareceria que os significados extraídos daprópriaexperiênciasituacionaldo indivíduoeossignificadosadotadosdeoutrosnacomunicação têmmaiorchancedeseapartarem.

Confrontados com o problema de como o indivíduo extrai significado domundo complexo que orodeia, podemos tentar chegar a uma resposta por contraponto. Por outro lado, há o tema favorito dasociologia do conhecimento – a concepção da realidade de uma pessoa depende de seu lugar nasociedade[148]. Versões familiares enfatizam tipos específicos de colocação, tais como classe ouocupação.Masessassãonormalmenteavaliaçõesgeraisquepodemserqualificadasdeváriasmaneiras.Aquipresumimosqueoindivíduoextraiexperiênciadetodasassituaçõesemqueestáenvolvido;háuminfluxo,grandeoupequeno,parasuaconsciênciapormeiodecadaumdeseuspapéis.Paralevaressetemada“sociologiadoconhecimento”aseuslimiteslógicos,noentanto,talveztenhamosdeconsideraroindivíduo como se estivesse tendo as experiências características de seu envolvimento situacional erefletindosobresuainterpretação,emisolamentointelectual.Sóassimpareceriapossívelgarantirapuraformadessadeterminaçãoposicionaldaperspectivacomrelaçãoàvida.

Umasociedadepoderiapossivelmenteexistircombasenessesignificadoapenas.Emsuapolêmicacontraumapremissamuitosuperficialdeumcompartilhamentototaldemotivaçõesecogniçõesemumsistema social,Wallace (1961: 29ss.) argumentou que interações ordenadas podem realmente ocorrersemessaréplicadeuniformidade.Elaspodemacabarsendoumpoucocomoocomérciosilencioso,quefuncionaatéopontoemqueegoachaqueocomportamentodooutroésuficientementeprevisível–semse importar com o motivo pelo qual o outro age como age. Wallace continua, propondo que umasociedadecomplexanuncapoderia funcionarcomumgraumuitoaltodeuniformidadenossistemasdesignificadosindividuais.Devehaverumadivisãodoconhecimentoafimdeoperá-la.

Podeserqueissosejacerto.Mashámomentosemquerealmentetentamos,eacreditamosteralgumsucesso,emcompararnossasexperiênciaseinterpretaçõesunscomosoutros.Poroutrolado,istoé,háotemamais essencialmente cultural de um tráfego em significados. Comunicando-se uns com os outrosdessamaneira, as pessoas podem ter experiências de segundamão, e padronizar a maneira como asexperiênciasserãoimplantadasemsuasmentes.Ossignificadosquesurgemmaisimediatamenteapartirdasqualidadesdosenvolvimentossituacionaisdo indivíduopodem,com isso,estar“corrompidos”.Oque resulta é aquilo que chamamos de cultura: um sistema coletivo de significados. E quando odescrevemoscomocoletivo, issonãoéapenasdizerqueossistemasindividuaisdaspessoasAeB(etalvezC,D,E...) na verdademostramumgrau de superposição.Oponto é que tal replicação é tantopromovidapormeiodacomunicaçãoquantopresumidacomoumabasedeumrelacionamento.ApresumequeB,pelomenos emparte, temomesmosistemade significados; e ele tambémpresumequeBestácientedequeAtambémtemessemesmosistemaeviceeversa[149].Dessamaneiraelepodepressentirqueosistemacoletivodesignificados temumaexistênciaprópria, independentedelemesmo,algoqueseusistemapuramenteindividualdesignificadosnãopoderiater.NafrasetornadapopularporBergereLuckmann(1966),háuma“construçãosocialdarealidade”.

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Estamos interessados na interação entre esses dois temas, então; entre a diferenciação deperspectivas através da estrutura social e os efeitos homogeneizantes da cultura. No processo deexaminá-la,podemosestar testandoos limitesdopensamentoantropológico tradicional sobreaquiloaque se refere o conceito de cultura. John Fischer (1975) sugeriu que fenômenos podem ter graus deculturalidade, ao longo de dimensões diferentes. Talvez a dimensão da extensão seja aquela maisfrequentemente reconhecida. Os fenômenos de um alto grau de culturalidade são compartilhadosamplamente, os de um baixo grau menos amplamente. Aqui a antiga premissa “uma sociedade/umacultura”aparece,aomesmotempoemqueoconceitodesubculturafoipopularizadocomoumrótuloparasistemasdesignificadoscompartilhadosmenosextensivamente.Outradimensãoéadotempo–tendemosa pensar sobre a cultura como significado de longa duração. Outras dimensões presumivelmentepoderiam ser acrescentadas.Ograude comprometimentoque as pessoas têmcomuma ideia seria umexemplo.

Oproblemadaprimeiradimensão–qualéaextensãodocompartilhamentodeumcertosistemadesignificadosportodaasociedade?–pareceumbompontodepartidaparanovasdiscussões,noentanto.Segundo nossa definição como um sistema coletivo de significados, uma cultura não pode envolvermenosdeduaspessoas.Poderíamosadotarumaposiçãodiferente.Podemhaveráreasdaconsciênciadeumindivíduoqueemsuaopiniãosãomaisplenamentecompartilhadascomoutraspessoascomquemeleinterage e outras áreas que podem não ser tão compartilhadas. Como é improvável que elas existamestritamente compartimentalizadas na mente do indivíduo, poderíamos ter preferido não dar ênfase àdistinção,e sim, talvez,descrever todoomodelo inclusivodos sistemasde significados individuais–chamando-osdemazeways[trilhasdelabirinto]comoWallaceofez,oupropriospectscomGoodenough(1971) – dos membros de uma sociedade como constituindo sua cultura. Por certo seria difícildestrinchar totalmenteoqueécoletivoeoqueémeramente individual.Oencontroperfeitodementes(nãomenosqueumafusãodementes)podenuncaocorrer.Noentanto,apenasporumbrevemomentonaprimeira infância a consciência do indivíduo é significativamente autônoma, antes de a comunicaçãosimbólica comoutros seres humanos se estabelecer.Depois disso, até o ponto emque seu sistemadesignificados é realmente sistemático, isso resulta em grande medida de sua cumulatividade. E aconsciência cresce com o tempo não simplesmente por meio de adição, mas à medida que ossignificados, pelo menos algumas vezes, agem uns sobre os outros. A situação mais comum éprovavelmenteaquelaemqueoindivíduoseletivamentevolta-separacertosfenômenoseosinterpretaem termos de significados anteriormente aceitos, talvez com um efeito de retroalimentação sobre oúltimo. A consciência existente assim continuamente estrutura novas experiências que então sesedimentam como uma parte do sistema. (A situação oposta, em que o sistema de significadosestabelecido é revisto com base na nova experiência, parece mais raro. Em uma forma radical, eleconstituiumaconversão.)Consequentemente,depoisdeumindivíduotercomeçadoasecomunicarcomoutros,elepodenuncamaisvivenciarqualquercoisatotalmenteisolada,namedidaemqueeleapercebecontraopanodefundodacomunicaçãoanterior.

Nosso foco para a análise cultural, no entanto, é sobre a maneira como várias constelações depessoas trabalham para desenvolver ou manter perspectivas comuns, que envolvem significadoscompartilhadosmais imediatamente.Segundoessavisão,adíadepassaaseraunidademínimaparaoestudodoprocessocultural.Seosentendimentosnão sãocompartilhadosmais amplamente, isso seria

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realmenteumaminicultura.Masvamosaguardarporummomentooutras ligaçõeseverque insights aunidade menor oferece: se não literalmente uma díade, pelo menos uma combinação de pessoas nãosignificativamentediferentes.

Sistemas coletivos de significados são criados quando os indivíduos revelam seus entendimentosindividuais uns dos outros. É por meio da entrada na perspectiva compartilhada da experiênciaindividualqueaculturacomoumsistemaabertoexploraarealidade.Osistemacoletivodesignificadostambém é cumulativo, como a consciência individual. Ele expande à medida que os indivíduosconfrontamnovasexperiênciasjuntos,informamunsaosoutrossobreaspercepçõesindividuaiscontraopanodefundodaquiloqueelesjátêmemcomum,oudescobremfacetasadicionaisdeseussistemasdesignificadosindividuaisparasercompartilhados.Otipodedebatequeantropólogosvêmrealizandocomrelação ao que deve ser consideradoo locus da cultura – dentro da cabeça das pessoas ou “lá fora”inscrito nas coisas e eventos observáveis – desse ponto de vista parece ser melhor solucionadoreconhecendoqueeleestánosdoislugares.Ninguém(antropólogoououtracoisa)podecaptarasideiasdeoutro indivíduoatéqueeleouela lhes tenhadadoalgumaformaexterna;namaiorpartedasvezes,conversa, conversa, conversa. Mas tampouco podemos evitar o fato de se tentarmos interpretar asrealidadesexternascomoum“conjuntodetextos”,comodisseGeertz,(1972:26),algumasdelaspodemser interpretadas de maneira diferente por pessoas diferentes, e algumas serão compreensíveis paraalgumas pessoas,mas emgrandemedida, não farão sentido para outras.Umdedo esticado para cimapodesignificar“apenasum”oupodeserumgestoobsceno.Umapiscadelapodeserumapiscadelacommuitosentidoparavocê,mastalvezapenasumacontraçãoinvoluntáriaparamim.

De maneira mais básica, podemos talvez distinguir dois tipos de relacionamentos nos quais ossistemascoletivosdesignificadossãoestabelecidos.Noprimeiroemaissimplesdeles,aspessoasestãoenvolvidas namesma situaçãodamesmamaneira, isso é, pormeiodomesmopapel, e se comunicamumascomasoutrassobreesseenvolvimento.Aqui,possivelmenteosignificadodemensagenspodeserquase o mesmo em cada direção, de força igual, e coincidindo com aquilo que o recipiente obtémdiretamente de sua experiência situacional. A consciência é confirmada e amplificada ao se tornarcoletivapormeiodaconstruçãosocialdarealidade.

EsseéotipodeprocessoculturalqueAlbertCohen(1955:60-61)usoucomotemadeumaanálisebem conhecida, que tem como foco as culturas de delinquentes juvenis. A condição crucial para odesenvolvimento de novas formas culturais, sugere Cohen, é a interação efetiva de um número deindivíduosqueseconfrontamcomanecessidadedeseadaptaracircunstânciassemelhantes.Nocasodosjovens delinquentes, o problema é encontrar aceitaçãomútua para novas linhas de ação. Cada passo,portanto,torna-seum“gestoexploratório”:

[...]cadareaçãodooutroàquiloqueoatordizefazéumapistaparaasdireçõesnasquaisamudançapodeiradiantedeumamaneiraquesejaaceitávelaooutroaàdireçãonaqualàmudançairáfaltarapoiosocial.Eseogesto experimental é motivado por tensões comuns a outros participantes é provável que seja iniciado umprocessode exploraçãomútua e elaboraçãoconjunta de uma nova solução.Meu gesto exploratório funcionacomo uma pista para você; seu gesto exploratório como uma pista para mim. Por meio de um comentáriosemissério,casual,evasivooutangencialeupossomearriscarumpouquinho,maseurapidamentevoltareiatrásamenosquevocê,pormeiodealgumsinaldeafirmação,tambémsearrisque.

O segundo tipo de situação é aquele em que as pessoas criam algum tipo de consciência

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compartilhadaapartirdasperspectivasdeenvolvimentosimprováveis;elajáémaiscomplicada,jáquetentativas para desenvolver um sistema coletivo de significados podem entrar em conflito com osentendimentosespecíficosdeumpapel.Os resultadosdesseprocessoculturalpodemconcebivelmentevariar.Umaconsciênciacoletivaconsensualpodeser trabalhada, suficientemente semelhanteàsváriasperspectivasdospapéisparasercrível;issopareceriamaissimplesseasperspectivasnãofossemmuitodivergentes desde o começo. Participantes podem informar uns aos outros sobre suas compreensõesindividuais,detalforma,queessestodospassamasermutuamenteconhecidoseassim,emumsentido,coletivos,emboraaspessoascontinuemmaisconvencidasdesuasprópriasideias–“elesabequeeuseique ele (erroneamente) acredita...” ou algo mais ou menos parecido com uma das perspectivasespecíficaspassaaserosistemadominantedesignificadosnasituação,enquantooutrasperspectivassãosubmersas totalmente nele ou retidas em umou outro grau como reservas privadas.Nessas situações,então,podehaverumaconstruçãosocialdarealidade,mashátambémumadestruiçãosocialdarealidadenamedidaemqueavalidadedeumsistema individualdesignificadosé tacitamenteouabsolutamentenegada.

Após o tommuito microssociológico da análise de Cohen da simetria no processo cultural, umainterpretaçãoextremamentemacrossociológicapodeexemplificaroquepodeocorrercomaconsciênciacoletivaquandoelaemergesobassimetria,comadominânciadeumapartesobreasoutras;ouseja,adeclaração de Marx de que “as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideiasdominantes”. Em outras palavras, o poder tende a ser importante na determinação de que definiçõesdevemsermantidas.Paraumpobre-coitado,podesermuitodifíciltersuaprópriaversãodarealidadeinstitucionalizadaemumasituação.Àsvezes,seeleinsistir,pode,emvezdisso,encontrar-seelepróprioinstitucionalizado.

A declaração de Marx, poderíamos dizer, faz da sociedade como um todo – uma sociedade dedesigualdade – um ambiente para nosso segundo tipo de processo cultural em escala maior. De umaforma semelhante, a sociedade primitiva seria um pouco como o primeiro tipo. Como estamosinteressados na variação cultural em uma estrutura social, no entanto, iríamos querer um retratomaisdetalhadodasmaneirascomoosprocessosculturaisemrelacionamentosdiferentesseencaixam.Se,naredesocialtotaldacidade,cadarelacionamentoestivessetotalmenteabertoparaaimportaçãoeeficientetransmissão de entendimentos originários dos outros envolvimentos dos participantes, os mesmossignificadospoderiampossivelmentenofinalfluiremtodoseles.Aculturaseriahomogêneaeotemadasociologia do conhecimento mal seria audível. Isso, entretanto, não ocorre. E, tampouco, cadarelacionamento desenvolve cultura nele próprio, para ele próprio, e por si próprio. Algunsrelacionamentosfazemmaistrabalhoculturaldoqueoutrosesignificadossetransferemmaisfacilmenteentrealgunsdoqueentreoutros.

É da natureza de muitas conexões segmentais e transitórias que pouca construção ativa designificados compartilhados ocorre nelas. A interação, na verdade, passa a ser um pouco como ocomércio silencioso, ou depende de premissas de certos entendimentos mínimos originalmenteconstruídosemoutrassituações,cadaparticipantecomoutros.Umtantoraramente,taisrelacionamentostambémsubitamente se transformampara a construção energéticade cultura; aquiloqueos sociólogosdescrevem como “comportamento coletivo” tais como fenômenos de multidão, poderiam bem ser

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consideradoscomoa formaçãodeculturas instantâneaseefêmeras. (Embora issonãoenvolvaumaltograu de culturalidade nos termos da segunda dimensão mencionada anteriormente.) Mas outrosrelacionamentos têmmaiorprobabilidadede seremaestufadoprocessocultural.Vimosnocapítulo6queBergereKellnerusaramumcertotipodecasamentoparaumestudodecasodaconstruçãosocialnãosó do self, mas da realidade mais geralmente, e que a amizade poderia ser outro exemplo desserelacionamento.As experiênciaspodemser trazidasdos envolvimentosde todososparticipantesparaserem examinadas cuidadosamente. O entendimento assim validado pode, então, por sua vez, serexportadoparainfluenciaraparticipaçãoemoutrassituações.

Uma parte da análise cultural antropológica urbana busca mapear o lugar, nas várias estruturassociais das cidades, emque essa geração intensa de significados compartilhados ocorre. (Imagine umdiagramadaredeurbanatotal;coloraosrelacionamentosmaisculturalmenteativosemtonsdevermelho,osmaispassivosemtonsdeazul.)Emumdeterminadomomento,umaformainstitucionalcaracterísticaparaodesenvolvimentodeumgêneroparticulardeideiaspodetersidoosalon;emoutromomentoeemoutra cidade, o café (cf. COSER, 1970: 11-25). A gangue, o grupo religioso, ou o departamentouniversitáriopodeservirobjetivossemelhantes.Umoutroproblemaparaanáliseéamaneiracomoossignificadosfluempelaredeeàsvezestalvezsechoquem.Játratamosanteriormentedocasoespecíficodaintroduçãodeinformaçãopessoalemumrelacionamentopormeiodasrevelaçõesdeenvolvimentosexternos.Agoraaquestãoéaquelageralemquepodemosveroindivíduocomoseestivesseparadonainterseçãodeváriassituações,administrandomaisoumenoshabilidosamenteossinaisdetrânsitopelosquaisosmovimentosdeideiasentreelassãodirecionados.Comoéquesignificadostransbordamdeumcontexto para outro, e quais são as consequências se relacionamentos mais ou menos adjacentesconstroemrealidadescontraditórias?

Emumaafirmaçãomaisoumenosnamesma linhadaqueladeAlbertCohen,citadaacima,EverettHughes (1961:28) sucintamente resumiualgumascondiçõesdodesenvolvimentoculturalna sociedadecomplexa:“Emqualquerlugarquealgumgrupodepessoastenhaumpoucodevidaemcomumcomumapequena dose de isolamento de outras pessoas, um canto comum na sociedade, problemas comuns etalvezumpardeinimigoscomuns,aliaculturasedesenvolve”.

A antropologia há muito tem um conceito de “movimento cultural” referindo-se a esse processoculturaldivergente,emboraeleparecenãoterfiguradoemestudosurbanos;ostextossobreeletambémdãoalgumaênfaseaoisolamento(cf.HERSKOVITS,1951:500ss.;BERREMAN,1960:787ss.).Masoisolamento,sobascircunstânciasdavidaurbanaéumanoçãoproblemática.Comonãopodeexatamenteserumaquestãodeisolamentofísico,devemoscompreendê-locomoumaformadeisolamentointelectualeligaçõessociaistênues.Quandoosignificadopassaporumasériederelacionamentos,evidentemente,o movimento cultural pode proceder em uma direção dada com a menor distração se as pessoasinteragindo mais intensamente umas com as outras para estabelecer uma consciência coletiva têmrepertóriosdepapéisrelativamentepadronizados,erelacionamentosexternosquesãomaisfrágeisenãoimplicam entendimentos que estejam em conflito com aqueles das ligações internas. Dessa forma oprocesso cultural microevolutivo pode adaptar os significados compartilhados à experiência de umnúmero finito de tipos de envolvimento situacional. As pessoas têm uma chance maior de sereconhecerem nas experiências de situações umas das outras. Pode-se compreender certos papéis e

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relacionamentos, então, como se eles formassem agrupamentos culturais coerentes e mais ou menoshomogêneosdentrodetodoodiferenciadosistemasocial.

Emparteissoéumaquestãodeosistemacoletivodesignificadosemumrelacionamentoconectar-secomodeoutroeatéumgrauconsiderável, replicá-lo.Podemosvê-loscomovasosintercomunicantes,contendo mais ou menos a mesma cultura. No entanto, significados que são compartilhados em umrelacionamentotambémpodemseinterconectarpormeiodorepertóriodepapéisdeumparticipantecomaquelesquecompõemaperspectivadeseupapelemumrelacionamentomaisdefinitivamenteassimétricoemalgumoutrolugar.Aspessoaspodem,naverdade,terumanecessidadeespecialdeafundar-seemumprocesso cultural sobre aquelas experiências congruentes de envolvimentos externos nos quais suasperspectivasindividuaisnãoestãosatisfatoriamenteincorporadasemumsistemacoletivodesignificados–ondenenhumsistemacomoessedignodesermencionadosequerexiste,ouemqueaperspectivadealgum outro participante é dominante. Em outras palavras, os relacionamentos em que esse tipo deconstruçãodaculturaocorrepodemmediareservircomoumaválvuladesegurançanacontradiçãoentrecultura e experiência posicional. A construção da realidade comum pode ser da forma descrita porCohen,mas,decertaforma,aalgumadistância.

Taisrelacionamentospodemsurgirporacaso,ouelespodemserestabelecidosintencionalmenteparatrabalhocultural.Háumjorrarespontâneodeconversasobretrabalhoquandoduaspessoasdescobremuma oportunidade de se comunicar sobre percepções mais esotéricas e raramente discutidas de seunegócio e há o grupo organizado para “conscientizar”, fortalecer perspectivas que tendem a serreprimidasemoutroslugares.

Quantomais encapsuladas as pessoas forem emum agrupamento de papéis e relacionamentos taiscomoosqueacabamosdedescrever, tãomenosprovávelpareceria serumadiscrepânciaproeminenteentreaexperiênciaindividualeaculturacomunicada.Agrupamentos,noentanto,podemviremtamanhoseconstelaçõesdiferentes.Elespodemenvolverpequenosgrupos,queseisolamdeseusarredorestantoquantopodem.Oargumentojáfoipropostoanteriormentesobreaimportânciadosnúmerosurbanos:pormaisdiferenciadoqueosistemasocialurbanopossaser,acidadenormalmentepermitequeaspessoasencontrempelomenosalgunsoutrosdeumaposiçãosemelhante,eissopossibilitaodesenvolvimentodeuma cultura adaptada a essa posição[150].Agrupamentos culturais podem também ser conceituados emumaescalamaior,poroutrolado.Aideiadeculturasdeclasseéumexemploesclarecedor.Aspessoasseconectamdamesmaformacomosistemasocialmaisamplopormeiodepapéisdeaprovisionamentoe têm experiências semelhantes e se relacionam no trabalho e por meio de uma variedade um tantorestritadeprováveisenvolvimentosnosetorderecreação,parentescoevizinhança.Pormeiodessaredemaisdoquealeatoriamentedensa, entendimentoscompartilhadospodemser capazesde seacumular ecircularsemmuitadificuldade.

Dentro desses agrupamentos de uma extensão assimmaior, por certo, podemos encontrar unidadesmenores embutidas, compostas de indivíduos que interagem de uma maneira particularmente intensasobre experiências mais restritas. Mas eles podem fazer isso, então, contra o pano de fundo designificados compartilhados no agrupamento mais amplo. Estudantes das culturas britânicascontemporâneasassinalaramquerecentesculturasdejovens–comoasdosmods,rockerseskinheads–não foram as culturas de qualquer tipo de jovens, mas sim tinham ligações bastante nítidas com as

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culturas de classe (cf. CLARKE et al., 1975; MUNGHAM & PEARSON, 1976). Segundo Keniston(1971:395-96)algosemelhantefoiobservávelnascontraculturasamericanas:filhosdepaisqueestavamnomundo damídia demassa, publicidade e coisas semelhantes tendiam a participar das facções docomplexo contracultural preocupado com uma rebelião do estilo expressivo; filhos de pessoas nasprofissõesmaisantigasseinclinavamparapreocupaçõescomideologiaeaçãopolíticas.

Aclasse,noentanto,nemsempreencapsulaaspessoas.Umcorpode textoscomumarelaçãocomaquiloquedissemos,sobrevariedadesdeconsciênciadeclasse,tambémsedesenvolveuespecialmentenasociologiabritânicaapartirdoensaiodeLockwood(1966;cf.BULMER,1975)sobreoimpactodediferentessituaçõesdetrabalho.Umatradiçãoculturalproletáriapareceseexpandirespecialmentenasindústrias como mineração, ancoragem e construção de navios, em que trabalhadores têm fortesrelacionamentos uns com os outros e os estendem para a vida de lazer[151]. Ao mesmo tempo, suasinterações com superiores e forasteiros são um tanto distantes e infrequentes. O desenvolvimento daconsciência compartilhada pode se basear, sem muita interferência, na própria experiência dotrabalhador.A imagemda sociedadeopõe “nós” e “eles”.Demodo contrário, uma tradição deferentetorna-sedominante entre trabalhadoresque se relacionampoucounscomosoutros,masemumabasemaispessoalefrequentecomseussuperiores,umpouconamaneiradecliente-patrão.Elesconsideramaquelesdeumstatussuperiorcomoseus“melhores”eatribuemmaiorlegitimidadeaosvaloresmantidospor esses outros sem lutar para colocá-los em prática em seu próprio benefício. Os trabalhadoresrespeitososnacidadepodemestarnosetordeserviçosouempequenasempresas,detalformaqueparesemumasituaçãosemelhantenãoestãofacilmenteacessíveis.Masseuprotótiponasociedadebritânicaéevidentementeotrabalhadorrural.

Podemos deixar que os trabalhadores deferentes da Grã-Bretanha ilustrem uma forma culturalcaracterísticadepessoasaquemfaltamautonomiaecoesãosuficientesparadesenvolveremumsistemadesignificadoscompartilhadosemlinhacomsuapróprialocalizaçãonaestruturasociale,emvezdisso,passama serparceirosum tantopassivosnamanutençãodeoutrocomplexocultural[152]. Se eles e osportadores da tradição proletária estão aproximadamente em uma situação de oposição, podemosidentificarcasosemquegruposnãoestãoisoladosobastanteparaconstruirumaforteculturaprópria,e,no entanto, não tão fragmentados para que estejam totalmente expostos a sistemas de significadosdesenvolvidosporoutraspessoassoboutrascircunstâncias.ProcessosculturaiscomoosdescritosporCoheneMarxestãoambospresentes,esedesestabilizammutuamente[153].

As realidades que estiveram sob análise e debate com o rótulo de “cultura da pobreza” e outrossemelhantesseencaixamaqui[154].A listadecaracterísticascopiladasporOscarLewis (1966:xliv)eoutrosprimordialmenterevelapessoaspoucoprivilegiadascomofazedores,queseadaptamdamelhormaneira possível às situações difíceis; e de acordo com a natureza das coisas, nem sempreparticularmentebem.Masospobrescomofazedoreseospobrescomopensadoresdecertamaneiratêmproblemasunscomosoutros.Seu“conjuntodetextos”,osfatosdavida,podeserparcialmenteconfusoecontraditório.Elespodemverpessoasà suavolta secomportandodemaneiraqueparecempráticasobastante sob as circunstâncias e podem aprender algo das minúcias de como sobreviver dessasobservações.Podemtambémpresumirqueseelessetornaremfazedoresdamesmamaneira,essesoutrosnão poderiam exatamente condená-los. Ocasionalmente, eles até ouvem afirmações sobre a correção

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dessas adaptações.Mas ao mesmo tempo outras definições e valores também são irradiados em suadireção e de uma forma tão poderosa que sua credibilidade não pode ser descartada ainda que suarelevânciaimediataparaoproblemaàfrentesejarealmenteumtantoquestionável.NosEstadosUnidos–e a maior parte do debate sobre a cultura da pobreza está relacionada com privação na sociedadeamericana–nãopodemosexatamenteevitarossignificadosdaquiloqueé,emgrandemedida,culturadeclassemédia,mesmonasprofundezasdogueto.Aconsequência,paralevarametáforatextualumpoucomaisadiante,pareceserqueospobresadquiremhábitosdeleituraumtantodiferentes.Algunsprestammaisatençãoaumconjuntodesignificados,outrosaoutro;emuitos,afinal,mantêmosdois.

Oproblemadacoexistênciaurbanadesistemasdesignificados,commaioroumenorfacilidade,veioà tonacomas tentativasdeentenderosmodosdevidaconseguidosatravésdeesforços,pelospobres,maselenãoépeculiaraessecontexto.AantigaEscoladeChicagolidoucomele,nãoparticularmentecommuito sucesso, como “desorganização”. Os antropólogos do Rhodes-Livingstone trataram de umaspectodelecomo“seleçãosituacional”.UmcríticomaisrecentedelespoderiadiscernirnascidadesdoCopperbeltumatensãoumtantoparecidacomaquelaqueconfrontaospobresamericanos,entrevalorescoloniaisdederivaçãoexterna e compreensõesnativasdaparte inferiordapilha.Adivisão frentedopalco/bastidores de Goffman às vezes acaba sendo ainda outra maneira de examinar o conflito emsignificadoentresituações.Masgeralmenteoproblemaéabordadoapenasdeumamaneirafragmentada.É necessário algum trabalho para juntar as peças e conceituar mais plenamente a organização socialurbanadosignificado.Podeserútilpensarqueaconsciênciadoindivíduoécomposta,emparte,porumrepertório de culturas, relacionadas (embora não necessariamente de uma forma muito simples) compapéis diferentes no repertório de papéis. Como as combinações de papéis variam, os repertóriosculturaistambémpodemserdiferentes.

Vimos que os moradores da cidade podem às vezes se encapsular quase que totalmente emrelacionamentos em que um sistema de significados reina, com variações internas limitadas. Apesardisso, como comentamos antes a propósito dos grupos encapsulados, seus membros na comunidadeurbana podem ainda estar expostos, marginalmente, a forasteiros, simplesmente em virtude daacessibilidade física; e isso poderia implicar uma exposição também periférica a outras culturas.Algumas possíveis consequências das oportunidades para tal conhecimento rápido forammencionadasquasenofinaldocapítulo3.EmseuUnderstandingMediaMarshallMcLuhan(1965:5)propôsqueaera eletrônica fez surgiruma“implosão”cultural, àmedidaqueestilosdevidaquepreviamenteeramdistantes se pressionam uns contra os outros por meio da tela da televisão e de outras maneirassemelhantes.Podemosconsiderarourbanismocomoumaformaimplosivaanterior,possivelmentemenoseficiente,talvezmaisverdadeira,que,damesmamaneira,trouxeaspessoasparaumamaiorconsciênciadequeexistemalternativasedando-lhesapenasalgumaideialimitadadaquiloqueessasalternativassão.

Um urbanita, no entanto, pode estar mais intensamente envolvido que isso em situações sob osauspíciosdesistemasdiferentesdesignificados.Nenhumproblema,talvez,seessesforem–nostermosmeio esquecidos de Ralph Linton (1936: 272-273) de análise cultural – “especialidades” em vez de“alternativas” peculiares a uma certa situação. Mas quando os significados que emergem dasexperiências situacionais reivindicam mais expansivamente sua validade moral e intelectual, surgemquestões.“Aqueleexperimentoperigosodeviveraomesmotempoemmundosdiferentes”,comodisse

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Park – como é que isso afeta o sistema individual de significados e o que parecem aos demais aslealdadescontraditórias?

Pode ser que não devêssemos tentar irmuito longe com a noção de seleção situacional, pormaisclaramenteválidaqueelasejaatécertoponto.Asensaçãodecontradiçãopodeàsvezesseraumentada.Nãohádúvidadequeisso,porsisó,podereduziravelocidadeefazerpararoprocessodemovimentocultural.O“significado imanente”deumaexperiênciasituacional,porassimdizer,éneutralizadapelavariedade de outras ideias que se acumulam na consciência[155]. Em outros casos, no entanto, umindivíduo com um repertório variado pode se envolver em um conflito de comprometimentos parasepararsistemasdesignificadosqueémenosfácilderesolver.Aambivalênciaculturalpodesetornarumaafecçãocomumdaspessoascomrepertóriosvariados.

Quanto à exposição pública da inconsistência, lidamos com as considerações relevantesparticularmentenocapítulo6.Umapessoaque se envolveemsegregatividadecomoummeiodevidapodeevitaroproblema,mudandodeculturassemumproblemade imagem.Alguémquecondensasuarede de relacionamentos, na integratividade, pode ter de recorrer àquilo que descrevemos como“explicações” e artifícios semelhantes.Para as pessoaspreocupadas com inconsistências semelhantes,essesconstrutospodematéevoluir,chegandoaserculturaspequenasquepreenchemaslacunasporsisó,sintetizando entendimentos de ambas as arenas e amenizando as dificuldades. “Homens marginais”podem tratar alguns de seus problemas dessa maneira; por exemplo, os jovens, com um pé entre aspessoasmaisvelhasdeumapopulaçãodeimigrantesencapsuladaeoutronasredesmaisabertasquearodeiam.

Um repertório cultural variado, podemos acrescentar, não precisa envolver apenas problemas. Acriaçãodepapéis,taiscomoadeCharlesManson,aparentementecaptandoumsistemadesignificadoscomaajudadeoutro,sugereumafontedeinovaçõesvantajosas.Podemosverumjogodepalavrassobreapalavra“conversão”aqui,dependendodeseussignificadostantoemcrençasquantonaeconomia.Noprimeirosentido,conversãonacarreiraculturaldeumindivíduoéumaquestãodedescartarumsistemadesignificadosporoutro;noúltimosentido,podemosindagarseosativosdaconsciênciaemumaesferapodemservantajosamentecambiadosporoutros.

As possíveis permutações no ponto de vista com relação à complexidade cultural sugeridas aquiparecem praticamente infindas. É possível objetar que isso é levar as coisas longe demais. Ossignificadoscompartilhadosdeumadíadesãodeumgraudeculturalidadequemalmereceuaatençãodeestudiososqueestavamacostumadosasepreocuparcommatériasimportantestaiscomoasculturasdesociedade inteiras. Há uma quantidade suficientemente maior de compartilhamento cultural na cidadeparanãoterqueserincomodadosportaisminiaturase,alémdisso,aculturaérealmentebastanteestável.Todanossapreocupaçãocomconstruçãoculturalcomoumprocessoé,dessaperspectiva,muitaconfusãosobrerelativamentepouco.

Certamentepodemosnemsempreestarinteressadosemtrabalharnesseníveldeintensidadeanalítica.Masmesmoqueestenãosejaocaso,podeserútilestarcientedequecomplicaçõesdedesenvolvimentoetransmissãoestãosumarizadaseminimizadasemafirmaçõesmaisgerais.Comrespeitoàamplitudedocompartilhamentodesignificadoscomoumcritériodeculturalidade,começamostalvezcomapremissa

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oposta daquela convencionalmente feita pelos antropólogos. A noção “uma sociedade/uma cultura”implica que indivíduos em uma sociedade começam de uma base cultural comum, uma estrutura designificados que tem praticamente a mesma forma dentro de cada cabeça, sem se importar como elachegou lá. A diferenciação cultural então tende a ser considerada como ummodelo dissidente a serproblematizado.Possivelmenteasensaçãoéqueelafoirealizada,esticando,comprimindoouretorcendoessa estrutura original de acordo com a localização dos indivíduos na estrutura das relações sociais.Emboraessasimagenspossamseresclarecedorasdealgumasmaneiras,aquinãopresumimosessabasecomum. O cérebro humano pode impor certas formas, ou permitir variações apenas dentro de certoslimites,nossistemascognitivos.Oquevemnospreocupandoaqui,noentanto, sãoosprocessospelosquaisseusmateriaisde trabalhosãoentregues.Considerandoavariedadedeexperiênciasquepessoasdiferentestêmeasincertezasdecomunicaçãoquetêmavercommal-entendidoseairregularidadedecontatos,podemosmuitobemacharqueéquaseummilagrequeossignificadoscheguemaserentendidosdeumamaneiracomumtãoamplamente.

Comissoemmente,evitamosatirarcasualmente,decáparalá,conceitoscomo“culturaoficial”,ou“culturadominante”quesãotãoconvenientes(eàsvezesatéinevitáveis)nadiscussãodediferenciaçãocultural. As entidades a que eles se referem não estão simplesmente lá, para serem meramentepresumidas. Mesmo os entendimentos mais generalizados devem ser construídos a partir de algo eativamente propagados, commaior oumenor sucesso. Tendemos a usar esses termos de formamenoshesitante quando estamos falando sobre o que eles excluem: os pobres, os jovens, os dissidentes, osimigrantes. Uma vez que começamos a arranhar a superfície daquilo que supostamente é a culturadominante,muitas vezes temosde voltar para comunicar que ela se dissolveudiante de nossos olhos,transformando-seumavezmaisemumnúmerodeunidadesmenoresesutilmenteinterconectadas.

Devemosassimnosperguntarquaissãoascondiçõesquepoderiamcriarqualquercoisaassimcomouma cultura oficial. No quadro que desenhamos até agora de processos culturais um tantodescentralizados, principalmente no contexto da interação face a face, a resposta teria de ser que elasurgeempartequandoumagrandeproporçãodapopulaçãoestáemumarederelativamenteaberta,emoposição a estar encapsulada em muitas redes pequenas, e é razoavelmente generosa com relação aespalharasmesmasideiaspelamaioriadeseusrelacionamentos.

Então, no entanto, deixamos de lado uma coleção de relacionamentos de significância variada emestruturas sociais diferentes. Esses são os relacionamentos que estabelecem centricidade no sistemasocial e que são às vezes extremamente ativos culturalmente. Na cidade ortogenética de Redfield eSinger, erao complexo sagradoque era interpretadoparaopúblicopelos sacerdotes e contadoresdehistórias, em grande medida em comunicação unilateral. Na cidade ocidental moderna, esse aparatoculturalcentralizado temalgunscomponentesóbvioscomoamídiademassaeasescolas; instituiçõescomo tribunais e serviços sociais também desempenham um papel nisso, e não devemos esquecer adistribuição de significados padronizados por meio de artefatos em uma economia orientada para oconsumo de massa. Essa é a cultura que nós não necessariamente pegamos das pessoas em nossavizinhançaimediata,maspodemosestarbemcertosdequeaaprendemoscomelas.

Não podemos presumir que o impacto culturalmente homogeneizante de relacionamentos decentricidadetemamesmaformaeintensidadeemtodosostiposdeurbanismo.Alémdisso,aconexão

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entreossignificadosdistribuídospormeiodetaiscanaiseaquelesdoscontatoscomunsfaceafacedaspessoas, não é óbvia.Osparticipantes nodebate da cultura demassa que foi tão intensonosEstadosUnidosnadécadade1950edepoisdesvaneceu,tinhaideiasinteressantesnessaárea,masessasideiasraramenteforamtestadaspormeiodaetnografia.Nãohádúvidadequeossignificadosseoriginammaisdealgumasculturasfaceafacedoquedeoutras;issopodeounãocriaraantiga“culturaoficial”.Quemlevaessessignificadosprincipalmenteasério,introduzindo-osemoutrassituações,éoutroproblema.Àsvezes eles talvez simplesmente mantenham, de uma maneira circular, a cultura daquele segmento dasociedadeemqueeles seoriginaram.Outras, elespodemestarentreas influências interferindocomaculturaquefoiconstruídamaisdiretamenteapartirdaexperiênciapessoal,paramelhorouparapior.

Se estivemos um pouco cautelosos com os conceitos de supercultura, também evitamos o termosubcultura.Emparteporqueosdoisvãojuntos,jáqueparaamaiorpartedaspessoasoúltimoimplicaoprimeiro.Maspodemostambémnosdarbemusando-oapenasapóstercompreendidoplenamentequãoinexato é esse termo.Se uma cultura de classe é um subcultura, por exemplo, há também subculturas,como a cultura jovem, dentro dela e certamente subsubsubculturas também. Outros sistemas designificadospodemsesuperporouuniressasunidades,ouaquiloaquenosreferimoscomosubculturaeaculturaoficial.Seprecisamosdeumvocabulárioparadistinguirentretiposdeunidadesnaanálisedaorganizaçãosocialdesignificados(nãoapenasparajogosclassificatórios,masparapensar)épossívelquenecessitemosmaisdedoistermos.

Algomaispodeserditosobretempoeculturalidadetambém;issoserelacionacomnossaideiadefluideznavidaurbana.Relacionamentossociaispodemrealmenteserativosdeumamaneiravariadanaconstrução cultural em fases diferentes. Para começar, quando os primeiros entendimentos sãocoletivizados,podeserprecisohaverumaltograudeclarezasobreaquiloqueeuqueroquevocêsaibaqueeusei.NostermosdasociolinguísticadeBasilBernstein(1971),acomunicaçãotemdeestaremumcódigoelaboradoenãoemumcódigorestrito.IssoéverdadeirotantoquandoumrelacionamentoimplicaamutualidadedomodelodeprocessoculturaldeAlbertCohenouaentradadeumaparteemumsistemadesignificadosquejáéumapreocupaçãoexistente,sobadominânciadaquelesqueestiverampresenteshá mais tempo. No último caso, é claro, vemo-nos sendo socializados em uma cultura existente,diretamente no relacionamento que depende dele ou de umamaneira antecipada para movimentos decarreira esperados. De qualquer forma, mais tarde, quando as coisas se estabelecem, podemos sercapazes de nos comunicarmos em taquigrafia, em um código restrito. Como no caso da piscadela, asmensagens explícitas que são intercambiadas são apenas a ponta do iceberg e erguer suas partesescondidasatéasuperfíciepodeserumatarefafrustrante.AsanálisesetnometodológicasdeGarfinkel(1967:38ss.)dafalacotidianasãoesclarecedorasaqui.Háoregistrodeumaconversanaturalentreumhomeme sua esposa, tão familiarizados comos hábitos e circunstâncias umdo outro que umagrandeproporçãodaquiloqueprecisasercomunicadoérepassadosemquesejadito,enquantooqueéditopodeparecerincompreensívelparaqualqueroutrapessoa.Hátambémosintercâmbiosemqueumaparte,emuma base experimental, tenta forçar a outra a fazer com que todas as declarações e premissas sejamexplícitas e cristalinas e que, portanto, rapidamente se transforma em situações de desconforto econfronto,eventosdesabotagemcultural.

Claramentetambémhámuitacoisadessarotinaculturalnaestruturamaisfluidadosrelacionamentos

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sociais.Podevalerapenadedicarumpensamentoocasionalàsbasesdessarotina.Mesmoquandoumsistemadesignificadosseestabiliza,elenãoficaali,solidamente,semmaisajudahumana.Eleprecisasermantido,podemosatédizerquecontinuamenterecriado,apenasparaficarondeestá.Masalémdisso,a prevalência da fluidez na vida urbana significa que processos culturais mais ativos são lançadosrepetidamente.Algunsseespalhamamplamenteportodaasociedade.Exatamentecomoocomportamentodamultidãopodeteralgoculturalnele,nãodevemosnosesquecerdossignificadoscompartilhadosdecurtaduraçãoquesetornammaniasoumodaedepoissãorenegados.Outrosprocessosculturaissãodeumalcancemaislimitado,ocorrendoemalgumlugaremumaredepessoalquandoaspessoasmudamdelugar, com possíveis repercussões em outros relacionamentos. Eles podem envolver meramente achegada de um indivíduo a uma outra construção cultural existente, e nenhumamudança para ninguémmaisanãoserelepróprio;comoorecém-chegadotrazexperiênciaspróprias,noentanto,ocomeçodeseu envolvimento pode tambémprecipitar uma reconstrução.Essas coisas ocorrem frequentemente emescritórios,vizinhanças,associaçõeseemoutroslocais.

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Cidadescomoumtodo

Deformaumtantorápidaenadaexaustivatratamosdealgumasdaquelasquepoderiamserquestõesdetalhadas na teoria antropológica urbana. Na sua maioria, o tipo de análise da formação e uso derepertóriosdepapéis,redeseculturasquefoiesboçadopodeparecertersidocolocadoemconjuntosumtantolimitadosderelacionamentossociais–bairros,gangues,locaispúblicos,redescentradasnoegoeassimpor diante.Nissonãodiferimosmuito damaior parte da pesquisa antropológica nas cidades: adiferençaéquetentamosencontrarumamaneiraunificadadelidarcomelas.

Nodebatesobreoqueaantropologiaurbanaéedeveser,noentanto,algunsautoresargumentaramque o estudo dessas pequenas unidades não é suficiente. E com isso nós finalmente voltamos para aquestãodeunidadesdeestudonaantropologiaurbana.

A crítica do interesse existente em unidades menores na cidade é que ela é extremamentemicrossociológica e transforma a antropologia urbana em uma “antropologia de rua” do tipo maiscorriqueiro.Emumpardepublicações,porexemplo,RichardFox(1972,1977)argumentouafavordeumaperspectivaalternativa.Nacidade, sugereele,osantropólogosseencontramemumasituaçãoemquesuadisciplinadecertamaneiradesmorona.Amaioriadelesatéomomentooptouporpermanecerfiela uma parte da herança: observação participante, a abordagem romântica ao culturalmente diferente.Assim obtemos retratos dos estilos de vida dos pobres, dos dissidentes e de migrantes recentes. Aprópria cidade, no entanto, perde-se no panode fundo.Aoutra posição é levar a sério as aspiraçõesholísticasdaantropologiamesmoquandolidamoscomaformadesociedademaiscomplexaeemgrandeescala.Seessafornossaescolha,acidadecomoumtodoéaunidadeemfoco,parasercompreendidacomoumaformasocialemsuainteraçãocomasociedadeasuavolta.Essaseriaumabasesuperiorparauma antropologia urbana verdadeiramente comparativa, já que ela daria uma atenção concentrada àmaneira como sociedades diferentes fazem cidades diferentes. Essa perspectiva também incluiria ahistória, para alcançar uma total consciência da variação urbana e mostrar como as cidades tambémpassamporcarreiras.Comumaprofundidade temporal assim, a antropologiadeurbanismoemgrandeescalasedivorciariaaindamaisdatradiçãodaantropologiadetrabalhodecampo,comseupreconceitoinerenteàsincronia.Deummodogeralessapareceriaseradiferençaentreumaantropologiaurbanadecimaeumaantropologiaurbanadedentro.

FizemosumarápidarevisãodourbanismoemlinhasumtantoparecidascomaquelasdefendidasporFox no capítulo 3: autores comoWeber, Pirenne, Sjoberg e Redfied e Singer também inspiraram suaantropologia de cidades. Algumas questões de natureza relacionada envolvendo as ligações entre acomunidade urbana e a sociedademaior foram levantadas no capítulo 4.Na ocasião, no entanto, nóstambémvimossugestõesdequeumestudodourbanismointeressadonapartedesempenhadapelacidadenocontextomaisamploprovavelmentetampoucosetransformariaemumaantropologiaurbanacompleta.Elatemumaformadeseconcentrarnalutaporsustentoepoder,dacidadeemseucontexto,bemcomointernamente entre os urbanitas. As pessoas no setor da economia urbana que formam a cidade sãocolocadas nos papéis principais: na Courttown sacerdotes e guerreiros, na Commercetown oscomerciantes,naCoketownosindustrialistaseostrabalhadores.

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Essanãoéumamáescolhaparaumestudodeumsegmentodavidaurbana,mas indiscutivelmenteaindaésóumsegmento.Pararealmenteestudaracidadecomoumtodo,teríamosdelevaremcontatodassuaspessoas– fundadoresda cidade, aldeõesurbanos, ascendentes emespiral, pessoasda rua, sejamquais foremos tipos que possamos reconhecer.E teríamos de acompanhá-los por todos os setores deatividades,nãosócomoelessesustentam,mastambémcomoadministramseusdomicílios, lidamcomvizinhos, esbarramuns nos outros na praça da cidade, ou simplesmente relaxam.Alémdisso, iríamosexigirdeumestudoassimnãosóqueaetnografiaestivessetodalá,mastambémapossibilidadedeobteruma ideia razoavelmente clarade como tudo isso seune.Algumasdas tentativas corajosasque foramfeitasparajuntaraantropologiadecidadesinteirasinfelizmentepareceramumpoucocomcatálogosdeantropologiasdescritivadesetores,semmuitaanálisedarelaçãoentreeles.

Obviamente, tudo isso é mais fácil de falar do que de fazer. Em um determinado momento, seránecessárioumcompromissoentrecoberturaextensaecoberturaintensa.Talvezaindapossaserdealguminteresseesboçarosprincípiosdeumaantropologiadacidadecomoum todo,em linhacomas ideiaspropostas nas páginas precedentes. Onde deveríamos começar ao tentar construir um retratoaceitavelmentesistemáticodecomotudoseencaixa?

Os antropólogos do Rhodes-Livingstone enfatizaram que um antropólogo urbano poderiapreferivelmente tratar alguns tipos de fatos como dados – “determinantes externos” ou “parâmetroscontextuais”. A lista mais elaborada de Mitchell de tais categorias de fatos incluía densidade,mobilidade, composição étnica e demográfica, diferenciação econômica, e restrições políticas eadministrativas.AversãocompactadeEpsteincobriumaisoumenosomesmoterritóriosobosrótulosdeestruturasindustriais,cívicasedemográficas.

ObviamenteoarcabouçodoRhodes-Livingstonebaseia-seemmuitaexperiênciadepesquisa.Emseudetalhe relativamente amplo ele pode oferecer a oportunidade de um progresso bastante rápido nadireção de precisão analítica. Contra essa vantagem, no entanto, pode ser colocado o valor daparcimônianoaparatoanalítico.Poderíamospreferir introduzirnovasvariáveismaisgradativamenteetentarobterdelastantaquilometragemanalíticaquantopossívelantesdeacrescentaroutras.Presumirqueumcertofenômenodeveserconsideradocomoumdeterminanteexternopareceequivalenteadizerquenoarcabouçodeoutrosfatosdisponíveis,elecontinuasendoumimponderável.Masaquestãosobrequefatoresdevemserconsideradosemalgumamedidaanaliticamenteindependentesnãopodeexatamenteserrespondidacombaseemprimeirosprincípios.Ébemverdade,épossívelqueseaestruturacívicafossediferente entre as cidades mineradoras naquilo que costumavam ser os territórios britânicos e osterritóriosbelgasnaÁfrica,arazãodeveserencontrada,comosugereEpstein,nasdiferentespolíticascoloniais que o antropólogo só pode tomar pelo que são. Se a política e a administração de um tipomenos formal devem também ser consideradas como uma parte da estrutura cívica, no entanto, logoobservaremos que elas próprias podem ser consideradas emergentes, saindo da própria estrutura dasrelaçõessociaisqueelasentãoirãoaseguir influenciarsozinhas.Parairumpoucomaisàfrente,seésabidoqueumacidadeobtémseusustentoemgrandemedidadamineração,equeoinfluxodemigrantesestá controladoparaque se tenhaomenornúmerodepessoaspossívelquenão sejam recrutaspara aforçadetrabalho,éumtantoprevisívelqueumadesproporçãodemográficaemtermosdeidadeegêneroiráresultar,comaindaoutroimpactosobreanaturezadavidaurbana.Ocasionalmente,então,podemos

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ficar tentados a perguntar se os antropólogos urbanos devem sempre ser tãomodestos ao desistir daambição de descobrir certas coisas por conta própria como uma lista mais longa de determinantesexternospodesupor.

Nossa estratégia analítica aqui, sugerida tentativamente no capítulo 3, é fazer com que o setor deaprovisionamentosejanossopontodepartidanoestudoda totalidadeurbana,everatéondepodemoschegarcalculandoasimplicaçõesmaisamplasdesuacomposição.Nofinal,issomaisoumenossignificaselecionaravariávelqueMitchellchamadediferenciaçãoeconômicaeEpsteindeestruturaindustrial,paracentroprimordialdenossaatenção.Algunsbrevescomentáriospodempelomenosdaruma ideiadaquiloqueseriaoprocedimentogeral.

Emprimeiro lugar,háaqueles relacionamentosexternospelosquaisacomunidadeurbana–comapossívelexceçãodeumaocasionalcidade-estadoantigacombaseagrícola–reúneumabasecoletivaderecursos;asligaçõesexternas, istoé,dosetordaeconomiaformadordacidade,comocampotambémcomopartedeumsistemadecidades.Qualquersetorformadordacidadetemsuaprópriadisposiçãodepapéisdeaprovisionamento.Elesdiferem,primeiramente,emsuasconexõesunscomosoutrosecomasociedade que rodeia a cidade. Em um extremo encontramos lugares em que uma grande proporçãodessespapéis implica relacionamentosdeaprovisionamentoexternosdiretos, semmediação.Podemosimaginá-los de acordo com a teoria de lugar central como coleções de pequenas centricidades naestruturasocial,queestãoombroaombro,oudecostasumasparaasoutras,masdefrenteparafora;elaspodemsermaisoumenosbem-sucedidas,masseudestinodependemaisdesuasnegociaçõesexternasdoquedetransaçõesdentrodacomunidade.Àsvezeselaspodemestaremumrelacionamentoindiretopormeio da competição, tentando chamar a atenção dos mesmos outros externos. Por outro lado, seuenvolvimentocomomundoexternopodeseremgrandemedidacomplementar,ecadaumadelaspodeserum apoio para as outras àmedida que, juntas, elas constroem a centricidade relativa da comunidadecomoumtodo.

Ooposto de tal setormulticêntrico formador da cidade seria um setor emqueos relacionamentosexternos imediatos estão em relativamente poucas mãos. Uma cidade pequena ou grande dedicadaprincipalmente a servir uma função particular dentro de uma economia mais ampla teria maisfrequentemente esse tipo de conexão externa. Em uma cidade do Copperbelt como Luanshya, porexemplo,oaprovisionamentodemilharesdemineirosseria todocanalizadopormeiodasmãosdeumnúmerorelativamentepequenodepessoasdosníveissuperioresdagerência;issoéumaspectodaquiloqueEpsteinchamoude“estruturaunitária”damina.Aqui,então,adistribuiçãoderecursospormeioderelacionamentosinternosaosetorformadordacidadeadquireumaimportânciamaior.

Entre esses tiposmulticêntricos e oligocêntricos ou até unicêntricos do setor formador de cidadeestãoqualquernúmerode formas intermediárias.Dosetorqueserveàcidade,porsuaparte,podeserdito ocasionalmente que ele se superpõe consideravelmente ao setor formador da cidade.No tipo demulticentricidadequeacabamosdesugerir,osurbanitaspodemdependeremgrandepartedosmesmosserviços de que dependem as pessoas fora da população urbana. Nos casos em que elas têm umaexistência mais reconhecivelmente separada, no entanto, com outro número de papéis deaprovisionamento,osrecursosdevemumavezmaisfluirpelosrelacionamentosdeaprovisionamentonaprópriacidade,apartirdosincumbentesdepapéisnosetorformadordacidadeparaaquelescompapéis

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no setor servidor da cidade. A estrutura desse último parece com mais frequência ser relativamentemulticêntrica, com uma variedade de serviços organizados separadamente oferecidos lado a lado. Oexemplo de Luanshya parece esclarecedor aqui também, ainda que um tanto extremo. Embora aminafosseformadoradecidadee“unitária”amunicipalidadeeraemgrandeparteservidordacidadee,naopiniãodeEpstein“atomística”.Háoutrofluxoderecursos,éclaro,entreaspessoasnosetorservidordacidade.

Grande parte do drama da vida urbana certamente está relacionado com a manobra de papéis erelacionamentos no setor de aprovisionamento. Pessoas no mesmo papel, como acabamos de dizer,podemcompetirporoutrosescassoseosrecursosquepossamvirdeles;alternativamenteouaomesmotempoelaspodemcolaborarumascomasoutrasemumaposiçãodebarganhaunificadafrenteaessesoutros para obter o índicemais favorável de intercâmbio por seus serviços; elas podem, além disso,tentarrestringiroacessodeoutrosaomesmopapeldetalformaqueelasprópriaspossamserumtipoescassoe,portanto,comvantagemnasnegociações.Comorecursosfinitosestãoenvolvidos,oconflito,seja ele abertoouemsurdina, tendeaparecerpróximonos relacionamentosde aprovisionamento.Noentanto,aomesmotempo,issosugerebasesparaalianças.

Sócomumconhecimentoíntimodamisturaespecíficadepapéisdeaprovisionamentoemumacidadeedadistribuiçãodapopulaçãoporessespapéis,éprovávelquepossamosalcançarumentendimentodosalinhamentosnocasodoconflitourbanoeapuraquantidadedele.Mencionamosanteriormenteoestudodasestruturasdepoderdacomunidade,emqueinteressesseparadospodemserseguidosnãoapenasdeumamaneiradifusaemcontextosvariadosemaisisolados,mastambémpormeiodeumamaquinariaemque decisões são tomadas que são obrigatórias para toda a comunidade. De algumas maneiras, essamaquinariapodetersuaprópriaforma,nãoacriaçãodacidadepropriamenteditacomoeranourbanismoweberianoesimumaconstruçãoimpostasobreelaporagênciasdasociedademaisampla,comonocasodasformascoloniaisdeurbanismoaquesereferiramosantropólogosdoRhodes-Livingstone.Masdeoutras maneiras, aquelas que foram demaior interesse para os sociólogos políticos, as estruturas depodercomunitário,sãofenômenosemergentes.Poderiaserverdade,comodizemoscéticos,quealgumasdas variações encontradas entre tais estruturas são simplesmente artefatos das diferenças entre asmetodologiasusadaspara investigá-las,masporcertoexistem tambémdiferençasmais reais[156]. Paramencionar apenas umadasmais óbvias, se uma comunidade urbana temum setor formador de cidadeunicêntricoouoligocêntrico,éprovávelqueapolíticacomunitáriarepetidamentevenhaaseconcentrarnocontroledosrelacionamentosdeaprovisionamentopormeiodosquaisocentrodistribuiosrecursosdosquaisacomunidade inteiradepende.Os incumbentesdepapéisnocentropodemusarseucontroledos recursos para tentarmaximizar seu poder sobre a vida comunitária em geral e podem, às vezes,serememgrandemedidaincontestados.Emoutroscasos,areaçãopodeseracriaçãodeumalongalinhade batalha entre os papéis do centro e grande parte do resto da comunidade, recorrentemente semvencedores em grandemedida damesmamaneira. Nos casos em que tanto os setores formadores dacidadequantoosservidoresdacidadesãomaisfragmentados,outromodelopodesurgir,eestepodesermenos estável. Como nenhuma única pessoa ou grupo de interesse está no comando seguro deespecificamentegrandesrecursos,umobservadorpodeatéchegaraseperguntarsealguémexercepodercomunitário. Sua estrutura parece estar mudando sempre à medida que pessoas diferentes promovemquestõesdiferentes, tentamformarcoalizõesestratégicascomoutroseavaliamas implicaçõesdecada

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resultado em seu ambiente para sua própria posição– uma “ecologia de jogos” no sentido deNortonLong(1958).

Apartirdaanálisedosetordeaprovisionamento,nossoestudodeumacidadepassariaparaoutrossetores.Aoabarcaravidaurbanadessaforma,emprimeirolugar,podemosteralgumasensaçãodeatéque ponto a organização da diversidade em aprovisionamento gera mais diversidade em outrosenvolvimentossituacionais.Quantoaos recursos,anaturezaespecíficadaparticipaçãodaspessoasnoprimeirosetorpodeestabeleceroarcabouçomaisoumenosrestritoparaseusatosemoutroscontextostambém (e para aquelas entre as pessoas dependentes materialmente delas em seus domicílios).Maspapéisdeaprovisionamento tambémpodemteroutras influênciassobreamaneiracomoospapéissãocombinados e ajustados uns aos outros nos repertórios de papéis. Experiências podem moldar asorientaçõesgerais,outrospapéispodemterdeseragendadosdeacordocomosdoaprovisionamento,enossa contribuição para papéis e relações em outras partes pode depender de uma retroalimentaçãocalculadano setorde aprovisionamento.No setordedomicílio e relacionamentosdeparentesco,paratomaralgunsexemplosprincipalmentedasociedadeurbanaocidentalcontemporânea,anaturezadavidadomésticapodedependerdeseosetordeaprovisionamentoofereceempregoparaosdoissexosemumaampla variedade de faixas etárias. A prevalência de fortes laços de parentesco extensos pode estarconectada com o papel na economia de know-how e propriedade transmitidos por eles. No setor derecreação,umtrabalhadormanualmuitoprovavelmentenãoterárecursossuficientesparacriarcavalosde corrida como passatempo; pessoas com sua origem ou experiência do mundo muitas vezessimplesmentepreferemjogosdefutebolaleiturasdepoesia.Seeletrabalhaemturnos,elepodepassargrande parte de seu tempo de lazer em atividades um tanto solitárias tais como jardinagem, porquepoucas outras pessoas podem estar desocupadas para interagir com ele quando ele está livre[157].Esperandodeumamaneiraoudeoutramudaraestruturadosetordeaprovisionamentocomoumtodo,oupelomenos suaprópriaposiçãonele, elepodedependerdo tempodisponível para recreação tambémparapromoverseusobjetivos,envolvendo-senapolíticademovimentosoufazendocursosdeextensãoparaadultos.Emquetipodevizinhançaumapessoairáseencontrardependesignificativamentedaquelesrelacionamentosespecíficosdeaprovisionamentopormeiodosquaisoespaçourbanoédistribuído.Otipoderelacionamentosqueessapessoapodetercomvizinhospodevariar,comovimos,comotempoqueelatemasuadisposiçãoparaestarporaliecomaquelanecessidadeparareciprocidadesmenoresque pode ser tanto um resultado direto ou indireto de seu envolvimento para conseguir seu sustento.Papéisdetráfegosão,emgrandeparte,umaquestãodetempo,dedistânciaentreacasaeotrabalho(seosdoisestãoem locais separados)edeescolhadeveículo.Elespodem implicarumacaminhadaporruasescuras,estarpenduradosegurandoumaalçaemumtremsuperlotado,ouumaviagemnapartedetrásdeumalimusineemummomentoquenoséconveniente.

Mas,repetindo,acidadepodeempartesersoft.Tendotentadodiscernirtantoquantopossíveldequemaneiras e até que ponto as atividades, ideias e relacionamentos das pessoas em toda sua vida sãoinfluenciadas pela forma como sua cidade e elas próprias se sustentam, nos voltaríamos para aquelasáreasdesuasvidasqueestãoemumrelacionamentomaisindeterminadocomaquiloqueocorrenosetordeaprovisionamento.Aquiestãooslaçosquenãosealinhamcomosdeaprovisionamentoetrabalhoequepodematé implicarumaalternaçãodelealdades.Aquidetectamosossistemasdesignificadosquesurgemeseespalhampormeiodeoutrassituaçõesequepodemsimplesmentecoexistircomaquelesno

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setordeaprovisionamentoouentraremconflitocomeles.Paraserumpouquinhomaisespecífico,aqui,por exemplo, estão os jogos de lazer que buscamos na companhia de pessoas que não conhecemosatravés do trabalho, que podem na verdade estar “do outro lado” embora para o momento, isso nãoimporta.Aquinósencontramosaquelasvizinhançascujoshabitantespodemseramigosoudistantes,masemqueaspessoasquesaempara trabalhardemanhã todasvãoemdireçõesdiferentes.Aquiestãoosinteressesabsorventesqueficamdeslizandonamentedeumapessoatalvezatémesmoenquantoelaestádesempenhandoumtrabalhomonótono–interessesaosquaiselapodeatétentaradaptaràsobrigaçõesdeseutrabalho.

Nospontossuavesdaestruturasocial,provavelmenteencontraremoscombinaçõesmaisoriginais,ascarreiras mais imprevisíveis, as confluências de significado menos rotineiras. Nos casos em que adeterminação mais estrita dos repertórios de papéis e relacionamentos por parte dos papéis deaprovisionamento tendem a criar grandes brechas na rede urbana total, entre aglomerados um tantodensos,asáreasmenosestruturadasdavidaconstroempontes,emboraemparteinserindoaglomeradosde outras tendências. Entretanto, precisamente porque elas permitem experimentação e inovação nasconstelaçõesdeenvolvimentosdaspessoas,elaspodempermitirodesenvolvimentodenovasmaneirasde conectar essas constelações domodomais eficiente possível com os papéis de aprovisionamento.Dessaforma,devemoscompreenderqueaquiloqueémacioeoqueérígidonavidaurbananãosósematizamunscomosoutros,maspodemestarinter-relacionadosdeumaformadinâmica.

Assim, talvez possamos gradativamente construir um retrato de toda a ordem social urbana, suarigidezesuaflexibilidade,suasfontesdecoesãoedefragmentação.Para trazeresseretratoumpassomais próximo de sua compleição, devemos observar que seus habitantes podem ter conexõesatravessandooslimitesdacidadenãoapenasnosetordeaprovisionamento.AscidadesmineradorasdoCopperbelt foram nossos exemplos mais proeminentes aqui de lugares em que um grande número demigrantes combinam envolvimentos tanto urbanos quanto rurais em seus repertórios de papéis. Aspessoas chamadas de ascendentes em espiral podem, damesmamaneira, pormeio de suas carreiras,acumular relacionamentos entre cidades. E encontramos pessoas que, devido a seus interessesprofissionais ou recreativos de tipos um tanto especializados, mantêm uma variedade de conexõesexternas por meio de viagens ou correspondência; participando daquilo que Melvin Webber (1964:108ss.), com um termo possivelmente não muito atraente, descreveu como “domínios urbanosnonplace”[158]. Esses contatos externos variados continuam a fazer da rede total da cidade uma redeaberta.Emprimeirolugar,apassagemdesignificadosqueocorredentrodelesevitaqueacidadecomoum todo se envolvadeumamaneira eficientedemais emumprocessodemovimento cultural próprio,mantendo,emvezdisso,aunidadeculturalquepossaexistirentreacidadeeasociedade.

Seráqueaetnografiaurbanatotal,naslinhasesboçadasaqui,podeserfeitaalgumdia?Talveznão,pelomenosnãodeumamaneiraparticularmenteexaustiva.Issoexigiriaumtrabalhoenorme,edemorariamuito.Paracobrirtodaavariedadedemaneiraspelasquaisasvidasurbanaspodemserconstruídas,aetnografiapoderiasetransformarliteralmenteeminformaçãopessoal,umamonografiaqueéumWho’sWhoemformaderede.

Uma possibilidade é usar a compreensão da tarefa que alcançamos como um instrumento deorientaçãoparaesforçosmaislimitados.Algumafamiliaridadecomumacomunidadeurbanadeterminada

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podefazercomquenossejapossívelelaboraremnossasmentespelomenosumesboçorudimentardaetnografiatotal.Saberíamosbastantebemoqueéosetordeformaçãodacidadedesuaeconomiaecomoéo setor de aprovisionamento de ummodogeral.Teríamos alguma ideia da variedade de papéis nosváriosoutrossetoresedosprincipaisaglomeradosculturais.Certasconexõesentreospapéispoderiamparecer óbvias: outras teriam que ser calculadas. Poderíamos descobrir bastante cedo quais são asconsequênciasondeaestruturaçãodavidaérígida.Oqueocorrenoslugaresemqueelaémaciapodenuncadeixardenossurpreender.

Umaimagemgeraldacidadeassimpodeserútilnosestudosdemenoressegmentosdavidaurbana,epoderia, com vantagem, ser incorporada a elesmais conscientemente. Algumas vezes foi levantada aquestãodequaléamelhormaneiraparaosantropólogoslidaremcom“acidadecomocontexto”quandoseu foco real é entidades tais como uma ocupação, um bairro, ou um grupo étnico nessa cidade (cf.ROLLWAGEN,1972,1975).SeumgrupoXestárepresentadonascidadesAeB,existirãodiferençasentre seusmodosdevidanelas e comoéque explicamos isso?Nossa interpretação seriaque, quantomaiscaracterísticoosetordeformaçãodecidadedeAouBfor,tantomaisdiretamenteosurbanitasdeque trata um estudo estão envolvidos nesse setor, e quantomais forte for a conexão entre papéis deaprovisionamento e qualquer outra atividade, tanto mais útil é considerar essa atividade como umfenômenorelacionadoaocaráterespecíficodacidadecomoumtodo.

Seumaideiadacidadeinteirapodeserútilcomoumaimagemdepanodefundodessamaneira,noentanto,podemosainda relutar emdesistirdanoçãodeumretratourbanomais inclusivo; “retrato”nosentidodeumaformadearteenãodeumasemelhançaabsolutaeexaustiva.Paradesenvolverummodoantropológicomaisintelectualeesteticamentesatisfatóriodelidarcomcomunidadesurbanasinteirasnóssemdúvidateremosdenosenvolveremalgumaexperimentação,tantocomrelaçãoàpesquisaquantoàprestaçãode contas.Historiadoresocasionalmente chegarampertodessas apresentações sintetizadorasdascidadescomoasquedesejamosobter,gradativamentedependendodeumavariedademaisampladetópicosemateriais,masnormalmentesemquaisquercritériosexplícitosparasuaseleçãoeorganização.Nasociologiaeantropologiadesociedadescomplexas,temos,nosestudoscomunitários,umgêneroquetambém tentou a etnografia de lugares inteiros com algum sucesso, embora uma vez mais sem muitapreocupação com a codificação do procedimento. Sem sacrificar totalmente os elementos humanistasdesses tipos de estudos, o arcabouço para a antropologia de uma cidade sugerido anteriormente podepromoverumpensamentoumpoucomaissistemáticosobreoqueserincluídonessaetnografia;algoquepoderia serútil especialmenteao lidar com formasurbanasum tantomaiores emais complicadasqueaquelascomque lidamosmaisfrequentementenosestudoscomunitários.Combaseemumarevisãodetodaaestruturasocialurbanaselecionaríamosparaumacoberturamais intensazonasnelaque, juntas,dariam um sentido mais adequado da coisa total. As unidades de etnografia a serem trazidas para asíntese deveriam ser ilustrativas da diferenciação, enquanto ao mesmo tempo se superpondo ou seconectando de alguma forma ou de outra para representar a coerência também. A fórmula “rede dasredes” pode nos colocar no caminho certo: gostaríamos de incluir aglomerados significativos derelacionamentos,etambémasligaçõesqueosconectam.Asunidadesseriamdetiposdiferentes:reuniõesde conselho, chãos de fábrica, interiores de família, vida na rua, eventos importantes, carreirasindividuais.Como,presumivelmente,pelomenosparaprestarcontasdenossosobjetivos,gostaríamosdequealgunsdelescobrissemmuitoterritórioesugerissemmuitaspistas,análisessituacionaistaiscomoa

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da dançaKalela emLuanshya seriam incluídas como artifícios úteis; nesse caso, o foco seria em umpassatempoespecíficoque é tambémumcomentário sobre relacionamentos tantode aprovisionamentoquanto de tráfego. Idealmente, o retrato urbano poderia incluir ambos insights sobre a fluidezcaracterística na organização social e exemplos de processo cultural. E poderia nos familiarizar comalgumasdaspessoasqueusamosmateriaisdacidadetantoparaaconstruçãoquantoparaaapresentaçãodoself.

Nessequadrodavidaemumacidadeousodoespaçonaculturaurbanaeaorganizaçãosocialpodemtambémserreveladasdeumamaneiravívida.Acidadeéumpedaçodeterritórioemquemuitainteraçãohumanaécomprimida.Deumamaneiraoudeoutra,sejaoqueforquepermaneçadaquiloqueelafoiemummomentodadocomopaisagemnaturalpodeserusadoparaorganizá-lacomoumacomunidadehumana– o Left Bank, a Capitol Hill –,mas em grandemedida, é à paisagem da cidade que temos que daratenção, um ambiente que urbanitas criaram para si mesmo e uns para os outros. Esse é também umconjuntodetextos.AinterpretaçãoqueBurgesseoutrosderamaChicagofoiumtantoassimétrica(muitaatençãoaocifrãododólar,especialmente)paraservircomoummodeloparaaexegesedosambientesurbanosdeummodogeral.Precisaríamossermuitomaisliberaissobrequeconsideraçõesinfluenciamamaneiracomoaterraédistribuída,equemaneirassãousadasparaapropriar-sedela,deumaformaqueleve em consideração State Street, assim como a cosmografia dos centros cerimoniais, imobiliárias etambéminvasõesdeprédios.Mas,alémdisso,devemostentarobterumasensaçãodecomoapaisagemurbana explicita a sociedade em geral e sua própria comunidade em particular para as pessoas quehabitam nela e como ela facilita alguns contatos e dificulta outros[159]. O que os muros e torresimponentes doKremlin significampara osmoscovitas e PiccadillyCircus para os londrinos, o que ocentrocomercialeaáreachamadadecivillines[160]significamparaumacidadeindianacomumpassadocolonial,easaltaschaminésdefábricas,semfumaça,paraumacidadeindustrialemdeclínio.Comoummercado movimentado, um templo, ou um parque sombreado e fresco podem produzir encontrosinesperados; como lugares públicos tais como bares ou bibliotecas às vezes são realmente só isso eoutrasforamocupadoscomoterritóriosprivadosporgruposqueseselecionameressentemintromissões.Amaneiracomograusetiposdiferentesdeencapsulamentonaestruturasocialcorrespondemaodesenhofísicoa“dooutroladodostrilhos”,guetoseterritóriosprivados.Oquesão,paraobjetivosdiferentes,osbastidoreseopalco frontaldavidaurbana,eosacessóriossignificativosda frentedopalco.Comoamudançaeaestabilidadena facepúblicadacidade–monumentos,prédios,padrãodas ruas–afetamaquiloque existe em termosdeuma consciência dopassado entre suapopulação.Tudo isso, umavezmais,trazosentidodelugarparaaantropologiaurbana.

São atributos como esses que nós normalmente pinçamos quando, como leigos, tentamos captar aessênciadeumacidade.Seelessignificamomesmoparaonativoquantoparaoobservadorquevemdefora é apenas umproblema tão antigo quanto a própria antropologia e que deve ser solucionado pelaantropologia. Mas nós também temos outros meios de resumir a singularidade de uma comunidade,noçõesemqueocenáriopodeserimportante,masemqueaatençãoestárealmentevoltadaparaoestilodosatores.Finalmente,podemosquererintroduziressestambémnaantropologiadascidades.Podemoschamarissodeumaabordagemconfiguracional;comoosantropólogosforamatraídosparaelaemoutroscontextos,elescomeçaramasimpatizarcomtermostaiscomoetos,personalidade,temperamento,gênio.Elaasvezesérecebidacomceticismo,pornãosermuitoanalítica.Noentanto,noexperimentodetentar

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mostrar como é uma cidade, sua capacidade integrativa pode talvez complementar, demaneira útil, opontodevistaumtantoparticularizantecomrelaçãoapapéiserelaçõesqueadotamosaquinormalmente.

Ocaráterdacidadeémuitasvezesconsideradocomoindivisível,recorrentequasedamesmaformaondequerqueavidaurbanasejaencontrada,umaqualidadeumtantoamorfaquepermeiamuitasdesuasatividades, se não todas elas. Essa foi uma parte da mensagem de Wirth e Simmel. Apesar disso,examinados de perto e,de qualquer forma, apenas em parte, aqueles temas conspícuos que parecematravessar grande parte da cultura e da estrutura social da cidade e lhe dão a qualidade peculiar deurbanidade,podemacabarsendodefinidosdeumamaneiradistintaecontraditóriaemlugaresdiferentes,dependendo do como as cidades e a centricidade nas estruturas sociais são produzidas. Emboracomunidades urbanas de uma natureza diferente possam ocorrer dentro da matriz de uma sociedade,muitasvezesumpadrãoétãodominantequeelepassaaseraúnicafontedeimagináriourbanoemumatradiçãocultural.

Se tentarmos nos tornar mais comparativos e mais precisos sobre aquilo que faz parte de umaconfiguração urbana, outro estudo brasileiro porAnthonyLeeds (1968: 37-38), um esboço cuidadososobre a diferença estilística entreRiode Janeiro eSãoPaulo, nos dá umexemplo.A elite dominanteprivilegiada e patrimonial do Rio, Leeds sugere, ocupa posições que devem continuamente ter umavalidaçãosimbólicaparaqueelapossamanterpodereprestígio.Suasensualidadeéumaexibiçãotantodesuadisponibilidadeparanovasaliançasquantoaexclusividadedestatus.Mas todosos setoresdacomunidadecariocaestãopermeadospelaatmosferaderesort,docarnavaledaspraias.MembrosdaelitedeterminamoritmodavidadoRiotambémparapessoasdeoutrascamadassociais,queoscopiamem seu comprometimento com festividade. Em contraste, São Paulo é um nexo das elites privadascomerciaiseindustriais,decujasatividadesamaioriatambémestáaprimoradapelaprivacidadeemvezdaexibição.OetosdoRioéaqueledaCourttown,odeSãoPauloodaCoketown.

Ocontodasduascidades,peloqueparece,começaumavezmaisnosetordeaprovisionamento,nosetorformadordacidade.Daqui,noentanto,oestiloespecialdoRio(queéaquelequedespertamaiorinteresse, já queo estilodeSãoPaulopareceum tanto antiestilo) se estendeparticularmenteno setorrecreativo; aqui, estando tão visível em suas formas de interação ritual, ele simplesmente se espalhacontinuamente.Eletemseuspontosaltos,masqualquerpessoapodeviraoRioaqualquermomentoeveresse estilo a sua volta. Meros relacionamentos de tráfego, em outras palavras, são suficientes paraexposição. Alguns dos miniambientes que são mais geralmente considerados como símbolos do Riocomoumtodosãoapenascenáriosdedesempenhoestilísticoparpreference.

Seumacidadepode ser resumida comqualquer justiça, então (oquepodeounão ser o caso) emtermoscomodeumetosdominante,podemosrazoavelmentebuscarasraízesdesseetosnasfunçõesquecompõem a cidade. Direta ou indiretamente dessas raízes devem brotar, ao mesmo tempo, formasextremamente observáveis de comportamento repetido frequentemente, na frente do palco para seremvistas por quase qualquer pessoa grande parte do tempo, muitas vezes também conectadas a formasconstruídascaracterísticas.NacidadedeMontecastello,nocentrodaItália,descritaemThreeBellsofCivilization (1975) de Silverman, a ideologia urbana de civilità parece estar conectada com osinteresses de uma elite proprietária da terra, mas que mora na cidade – cortesia, generosidade ecomportamentorefinado,umaetiquetaderesponsabilidadeebenevolênciaqueparcialmenteservepara

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suavizarpontosásperosnos relacionamentoscomaspessoasnascamadas inferioreseparaocultar asfacetasmais exageradamente exploradoras, euma reivindicaçãode acesso a lugaresmais altos, assimcomoorgulhocívico,expressandorelacionamentos tantohierárquicosquanto lateralmentecompetitivosemumsistemamais amplode lugaresurbanos. Issoparece sermaisumetosdeCourttowndoquedeCommercetown,aindaqueMontecastellosejaapenasumacidadedepoderemminiatura.CompareissocomoespíritodeGopherPrairie,apequenacidadeamericanatípicadosromancesdeSinclairLewis,dominada pelos pequenos comerciantes atropelando-se ao longo da rua principal, pulsando com acompetitividadeinternaeexternadeumlugarcentralcomercialdeumnívelrelativamentebaixo.

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Reflexõesposteriores:nocampodacidade

Fizemosumatentativadeformularsobreoqueéumaantropologiaurbana.Durantetodoestevolume,aênfasefoiemdestilardasváriasobrasmaisoumenosimportantes,umsentimentoparaaquelesquesão,mesmo que não unicamente, pelo menos um tanto caracteristicamente, fenômenos urbanos, e paraconceituá-los de uma maneira razoavelmente econômica que deve também estar em linha com opensamentoantropológicoemgeral,emboraàsvezespossivelmentedando-lhealgumapequenaextensão.Especificamente quandomencionamosmaneiras de retratar as cidades como totalidades, no entanto, equando estressamos a vantagem de formatos inovadores de etnografia, pode ser um bom lugar paraacrescentaralgumasreflexõesposterioressobreaquiloquenossaconceituaçãodavidaurbana implicatermosmetodológicos.Certamentenãoháapenasumaúnicareceitaparafazerantropologiaurbana,masoquefoiditoaquipodetalvezlançaralgumanovaluzsobrepráticasantigas.

Nenhummotivo realmente sérioparece ter surgidopara expulsar aobservaçãoparticipantede suaposiçãocentralnametodologiaantropológica.Podehaverdiferençasdeopiniõesnesseponto.Aquelesquehámuitoachamqueasvantagensdotrabalhodecampoantropológicosãoobtidasaumpreçomuitoalto, podem realmente considerar seu custo no labirinto de coisas proibitivas na sociedade urbana.Devemos estar conscientes das dificuldades de acesso, do limite das situações em que a observaçãoparticipanteépossível,edosproblemasconsequentesderepresentatividadeerelevânciamacroscópica.Apossibilidadederéplicaedeverificaçãoeaconfiabilidadesãoitensdeumvocabuláriodevalorescientíficospormeiodosquaisasobjeçõesforamcolocadasaométodoantropológicotradicional.

Não há dúvida de que os antropólogos têmmotivos para serem cuidadosos sobre generalizaçõesbaseadasemdadosdeumcamposocialrestritoemquenormalmenteumtrabalhointensoocorre.Seosantropólogosno final não reagemàs propostas demetodologias alternativas, no entanto, não é porqueeles neguem que sua abordagem tem suas dificuldades, mas porque acham que ela pode ainda assimservirseusobjetivosespecíficosmelhordoquequalqueroutracoisadisponível.Naverdade,podehaveralgumas vantagens especiais à coleção de dados discreta e observacional na vida urbana comoretratamos aqui.A necessidade de exploração ainda está presente. Entre a diversidade de culturas nacidadealgumaspodemserconspícuas,outrasmalpodemsernotadaspelosdeforaenormalmentenãosão identificadas. Qualquer instrumento que não envolva o maior grau possível de imersão nessasculturaspodeserinsensíveldemais.Seriaimprovávelcaptarasnuançassutisquecompõemgrandepartedavariaçãocultural,porexemplo,nascidadeseuropeiasouamericanascontemporâneas.Alémdisso,hátambémofatodecomaimplosãoculturaldacidade,aspessoasqueprefeririamnãoterumaculturasuaabertaaosolharesdequalqueroutrapessoaseremsofisticadasobastanteparaescolheroutraculturadeseus repertórios para interação com estranhos; em termos convencionais, algo “oficial” em vez de“dissidente”.Asmaiores chances de ultrapassar uma fachada assimde gerenciamento de impressão éuma parte da vantagem da observação participante urbana. Claramente, em alguns desses casos, aobservação participante suscita problemasmorais importantes. Sem nos aprofundar neles, concluímosqueaobservaçãoparticipanteémuitasvezesumamaneiraeficientededescobrirfatos.

Háoutrasvantagens,talvezmaisfamiliaresemtrabalhodecampoemoutroslugares.Podemosobterinsightspormeiodaobservaçãoparticipantesobreocomportamentosobreoqualaspessoasnãoestão

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dispostasaverbalizar,enossosdadospodemseconcentrarmaisnasrelaçõeseseuscontextos,emvezdeem indivíduos abstraídos desses contextos. Os críticos do método antropológico, assim, com muitafrequênciaparecemsimplesmentenãoestarcientesdequeelessepropõemajogarobebêforajuntocoma água do banho. Se critérios para uma avaliação mais sistemática da qualidade dos dados foremnecessários,essesprecisamsersensíveisànaturezaeàutilizaçãodosdados.Comoumaquestãobásica,nossapreocupaçãoprincipalcomapráticadeobservaçãoparticipantenaantropologiaurbanatalveznãoseja a possibilidade de ela ser inadequada,mas sim que ela pode, às vezes, ser considerada de umamaneiramuitosuperficial.Ocasionalmente,suspeitamosquealgumapesquisaurbanaenvolvemeramenteum contato tênue com um “campo” no outro lado da cidade, a ser mantido em uma base de tempodisponível em competição com a família, amigos, e um emprego de horário integral. Isso poderia sermelhor do que nada, mas está longe da intensidade de envolvimento que antropólogos normalmenteesperamno trabalhode campo.Podemos temer que uma etnografia demáqualidade será, às vezes, oresultadoeesperarqueessanãoseráapráticadominantenaantropologiaurbana.Umcompromissocomo trabalho de campo que ocupe todas as horas do dia pode às vezes ser impraticável em um estudourbano, jáquealgumasunidadesdeestudosão,elaspróprias, fenômenosdemeioexpediente.Masemprincípio,éohoráriodessasunidades,enãoaconveniênciadosantropólogosquedevedeterminarsuashorasdetrabalho.

Noentanto,apesarde tudoquepossaserditoa favordaobservaçãoparticipante,nãoháqualquerrazão para advogar um purismo de método antropológico como questão de princípio. Na verdade,embora a observação participante seja considerada geralmente como central à elas, as abordagensantropológicasaotrabalhodecamposempreforamcaracterizadasporumaquantidadebastantegrandedeecletismo. A senha aqui é “triangulação”; em linhas gerais, a estratégia de juntar dados captados deváriasmaneiras, àsvezesencontrandovárioscaminhosparaomesmo fato[161].Umbomconhecimentofuncional dametodologia existente para produção de dados nas ciências humanas é obviamentemuitovantajosoparanossadisposiçãodelidarcomaspeculiaridadesquesurgememumasituaçãodetrabalhodecampo.Masoquetambémmereceênfaseenemsemprearecebemesmoquandoosantropólogosestãose tornandomaisautoconscientes sobre suasmaneirasde fazer trabalhodecampo,éanecessidadedeinventividade. Não há apenas um conjunto finito de métodos autorizados de chegar à realidade. Ametodologiadocampodeveserconsideradacomoalgomultiforme,sempremudandodeforma,àmedidaqueprocedimentosestabelecidossãomodificadosparaseenquadrarcomoutrocontextoequandonovasferramentas são construídas sob a inspiração de uma situação no campo sem precedentes óbvios.Podemosdescobrirqueoálbumdefotografiasdeumconhecidoéumafontereveladoradeinformaçãoderedeecomeçarumapesquisasistemáticadessadocumentação;podemosdescobrirquecominformantesquemal sabem ler e escrever, as categorias de ocupações sãomais facilmente obtidas com algo quepareceumjogodecartasdoquecomumformulárioburocráticoaserpreenchido[162].

“Estejapreparado”,noentanto,éolemaparaotrabalhodecampoantropológicosejaondefor,comoéparaosescoteiros.Talvezavidaurbana,porsuapróprianatureza,impliqueumaexigênciaporumgrauaindamaiordessaflexibilidademetodológicageralporpartedopesquisador.Mastambémpodehavermotivos para procurar as consequências de nossa concepção da cidade ao longo de algumas poucasdimensõesmetodológicas específicas. Uma dessas envolve tempo.Ao discutir fluidez na organizaçãosocial, sugerimos quemesmo desconsiderando a mudança cumulativa no sistema social, o urbanismo

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pode permitir transformações extraordinárias nas situações vitais das pessoas à medida que, com opassardosanos,elasseencaixamdeformadiferenteemredesenoinventáriodepapéis.Historiadoresurbanos,especialistasdotempoentreosestudiososdacidade,muitasvezescriticaramanegligência,oua má compreensão, de tal mudança nas outras disciplinas (cf. THERNSTROM, 1965, 1973: 23ss.;CHUDACOFF, 1972: 5ss.). Com um período convencional no campo de um ano ou talvez dois, oantropólogopodecertamenteestarno localcertoparaobservaralgumasdessasmudançasquandoelasocorrem.Masémenosprovável,considerandocomootrabalhodecampoénormalmentepraticado,queelepossaterumaconcepçãooriginaldascarreiraseascombinaçõesentreelasduranteumlongoperíododetempo.

Algunsdosautoresaquenosreferimostentaramconstruirdiacroniaemsuaetnografiaeanálise.Oschicagoenses estavam interessados no processo de várias maneiras; o grupo do Rhodes-Livingstonedesenvolveu a ideia de estudos de caso prolongados. Mas a construção de uma antropologia urbanasistemática pareceria necessitar que aindamais atenção fosse dedicada àsmaneiras de prestar contassobreafluidez.

Umapossibilidadeécertamenteprolongarotempodotrabalhodecampo–nãonecessariamentepormeiodeumapresençacontínua,quemuitasvezesnãoéviável,maspormeiodeperíodosrecorrentesnomesmocampo.Comosempre,podemosprecisarumperíodomaislongocomoumaprimeirafase,paraseaprofundarnocampo,enquantoestadiasposteriorespodemtalvezsermaiscurtaseaindaassimúteis,jáquepodemosretomarosfiosdameadaemumpontonãomuitodistantedaquelequedeixamosnaúltimaestadia. Além desse cronograma do próprio trabalho de campo, o desenvolvimento do métodoantropológicourbanopareceria incluirmaisatençãoaos instrumentosdoestudoretrospectivo(e talveztambémprospectivo).Algumahabilidadeparalidarcomdocumentosedadosdearquivoécadavezmaisreconhecida como uma parte da competência profissional na antropologia de ummodo geral. Em seuramourbano,elapareceriapelomenostãoútilquantoemqualqueroutrolocal.Odesenvolvimentonosúltimosanosdeumahistóriaurbanacentradanasvidasdepessoascomunsdemonstroucomoumagrandequantidadedeconhecimentopodeàsvezesserresgatadasódessasfontes.Noentanto,essaécertamentetambémumaáreaemqueosantropólogosurbanospodemtentar triangular.Ahistóriaoralpodemuitasvezesviràtonadeumamaneiraquecomplementaaevidênciaderegistrosearquivos.Jáqueaofalardefluideztemosaorganizaçãodemudançapessoalenãodemudançasocialemprimeirolugaremmente,históriasdevidaseriamparticularmentesignificativas.Atéomomento,apublicaçãodehistóriasdevidaprovavelmente foinormalmente consideradacomoumaparte levedoempreendimentoantropológico–elasforamdeixadasnopapeldeumamaneiramuitosemelhanteàquelaquefoioferecidapeloinformante,semmuitatentativasériadeanálise.Sistematizandooestudodecarreiras,tenderíamosatrabalharcomhistóriasdevidamuitoativamenteeadesenvolvercritériosparaumaabrangêncianacoletaaqualmuitopouca atenção foi dada até hoje. Iríamos também nos preocupar com vieses e lacunas que relatosretrospectivos de vidas quase que inevitavelmente contêm, e ver se podemos lidar com eles (porexemplo,encontrandoinformaçãocolateraldeumaoutrafonte).

A outra dimensão metodológica sobre a qual alguns breves comentários devem ser feitos estárelacionada com o tamanho e com a complexidade da cidade.As fronteiras incertas ou indistintas demuitasunidadesdeestudonãosãoapenasumproblemaconceitualcaracterísticodaantropologiaurbana,

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maspodemtambémserumafontededificuldadespráticasnavidacotidianadotrabalhadordecampo.Cadeiasderedesfluemsemumfimvisível,novasfacesficamaparecendoenquantooutrasdesaparecemimprevisivelmentedevista.Umamaneirade lidarcomesseproblema,comojávimos,éevitá-lo tantoquanto possível. Concentrando-se nos grupos encapsulados da cidade, antropólogos urbanos tentarameliminaressebarulhodossistemasdeinformaçãoqueestãoconstruindo.Issotambémsignificouqueospróprios antropólogos, como observadores participantes, tenderam para o encapsulamento como ummododeexistêncianocampo.(Possivelmentetendoumaoutraexistênciaforadocampo,emumaespéciedevidadupla.)

No final, no entanto, oproblemadeve ser enfrentadoparaquepossamosvir a ter um retratomaiscompletodavidaurbana.Nomomentoemquecomeçarmosanosinteressarpelasváriasmaneirasdeserumurbanita,oupeloestudodetotalidadesurbanas,podemostambémnosenvolvercomotrabalhadoresde campo com as redes da cidade de outras maneiras. Às vezes, podemos nos transformar emintegradoresderedes;provavelmentehaveráoutrosmomentosemquepreferiremosdeixaras redesdenossosváriosoutroscomoelassão,emgrandemedidadesconectadasumasdasoutras,detalformaqueotrabalhode campo impliqueuma segregatividadenaqual nósnosdividimos entre vários contextos decampo distintos. O únicomodo de existência urbana que pareceria se encaixarmal com asmetas dopesquisadordecampoéodoisolamento.

Mas mesmo quando ele assume a tarefa de lidar com unidades cuja administração é menosconfortável,umantropólogonãopodeestaremtodasaspartesdacidadeaomesmotempo,enãopodeconhecertodosseushabitantes.Épossívelqueeleaindaqueiradescobriroqueocorreforadoalcancedeseucampoindividualdeobservaçãodiretaeintensa.

Umapartedasoluçãoparaessetipodeproblemapodeestaremumamisturaqualitativo-quantitativa;talvez,aformamaisóbviadetriangulação.Parasempreumtemadedebatenaantropologiaurbana,elatemsuasvantagensdetipoesuasincertezasdetipo.Emboraformassutisdepensareatuarpossamelasprópriassermuitopoucoacessíveisaosmodosextensosdeformaçãodedados,podemosesperarobteralgumsentidodesuadistribuiçãoobliquamentepelasperguntasdapesquisasobrequestõesrelacionadas.Damesmaforma,podemosdesejarobteralgumacompreensãodosefeitosagregadosdecertosmodosdeaçãoquepudemosobservardeperto.Epodemosrealmenteachar,apósteradquiridoalgumamedidadecompetência cultural, que é possível formular perguntas inteligentes sobre certas questões e obterrespostasválidasparaelas,mesmodepessoastotalmenteestranhas.Masestamosconscientesaomesmotempodasdificuldadesquepodemsurgir.Podemhaverlacunasnoraciocínioquetentaconectarosdadosdetiposdiferentes,opesquisadordecampoquetentaseraomesmotempoumobservadorparticipanterazoavelmentediscretoeumcoletordedadosdapesquisapodeterproblemascomsuaapresentaçãodoself, ou simplesmente pode ser difícil encontrar tempopara coletar dados que tenham tanto amplitudequantoprofundidade.

Como essas dificuldades variam com as situações do campo e as definições dos problemas,generalizaçõesmuitasvezesnãosãomuitoesclarecedoras.Deixandootemadeladocomessespoucoscomentários,podemosabordaraquestãodecoberturaextensadeoutroângulo,odaorganizaçãosocialde pesquisa. A mistura qualitativo-quantitativa por definição implica uma cobertura desigual. Aosimplesmenteenvolvermaispessoasnasatividadesdapesquisa,umacoberturamais intensadealgum

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tipopodeserdadaaumaporçãomaiordavidaurbana.Mascomofazê-lotalvezsejaumaquestãoaqualosantropólogosurbanospoderiamvantajosamentedarumaatençãomaissistemática.

Por um lado, existem os relacionamentos mais intensos do antropólogo urbano com habitantesespecíficosdocampo,e,poroutro,háacolaboraçãoentrepesquisadoresprofissionais.Comrelaçãoaosprimeiros, para começar, haverá algumas considerações especiais envolvidas no trabalho cominformantesnosestudosurbanos?

Possivelmente,emumacomunidademaishomogênea,essesindivíduostendemaserescolhidoscombasenascaracterísticasdesuaspersonalidades:elesdevemserbonsobservadores,umtantoinclinadospara a introspecção e ao mesmo tempo bastante verbais, e devem ter bastante afinidade com otrabalhadorde campo.Emumaestrutura complexa tal comoada cidade, podemos tambémnos tornarmais seriamente preocupados com a necessidade de escolhê-los estrategicamente para fornecerperspectivascomplementarescomrelaçãoavidasocial,aolongodeseusvárioseixosdediferenciação.Talvez,afimdeampliaracobertura,osantropólogosurbanosalémdissotendemausarinformantesnolugardaobservaçãoemvezdeparalelamenteàobservação.Atéomomento,noentanto,houvepoucasdiscussõesnaantropologiaurbanasobreasmaneirascomoessespainéisdeinformantessãorecrutados(cf.HANNERZ,1976:81ss.).Poderíamosdesejar tambémmais análisedodesenvolvimentoposteriordosrelacionamentosentreinformanteseantropólogos,emseusaspectospessoaisetambémprofissionais.Em primeiro lugar, até que ponto as perspectivas de informantes regulares ficam antropologizadas, àmedidaqueelesestabelecemumsistemacoletivodesignificadoscomotrabalhadordecampo?

Deinformantesregularespodeserapenasumpequenopassoparaassistentesdepesquisarecrutadoslocalmente.Àprimeiravista,adiferençapoderiaparecerqueosúltimossãopagosedãomaisdoseutempodoqueosprimeiros:quanto aocaráterdas atividadesdepesquisa, pode ser importantequeosassistentes de pesquisa façam um grande esforço para encontrar coisas que, de outra forma, elespoderiam não conhecer muito, em ambientes nos quais eles podem não se encontrar normalmente.Podemosnosperguntarsobreaadequaçãoentreoassistentedepesquisaeessassituações,emtermosdetodo seu repertório de papéis e seus atributos discriminadores de papéis. Quais são os efeitos, alémdisso,dainterposiçãodeassistentesentreoantropólogoepartesdocampoque,emúltimainstância,eleconsidera como suas? O estabelecimento de pesquisa antropológica urbana pode acabar tendo seuspróprioscorretoreseflakcatchers.Asocializaçãodoassistentedepesquisacomoumparaprofissionaldeveriatambémrecebermaisatençãonadiscussãodametodologiadecampo.

Os estudos do Copperbelt do Instituto Rhodes-Livingstone oferecem alguns exemplos, mas poucadiscussão,dousodeassistentesdepesquisalocais.Aomesmotempo,seugrupodeantropólogos,comoos chicagoenses anteriormente, nos dão alguma ideia daquilo que pode ser realizado em termos daetnografia urbana em grande escala quando há alguma coordenação dos esforços de um número depesquisadores profissionais. Sem dúvida, continuaremos a ter o antropólogo como lobo solitário nacidade também, com nada mais do que um ou dois assistentes para ajudá-lo em seu projeto. Algunsproblemasdapesquisapodemsertãocircunscritosquechegamaserfacilmenteadministráveisparaumúnicoinvestigador,eébastanteconcebívelqueumtipodeantropólogopossa,sozinho,atéquererassumiralgumaformadeantropologiadetodaumacidade,talvezcomoumtrabalhosentimentaldelongoprazo.Simplesmente por motivos organizacionais e financeiros, aliás, nenhuma maneira alternativa de fazer

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pesquisa está disponível para muitas das pessoas que querem fazer antropologia urbana. Mas élastimávelque,anãoserporaquelesdeChicagoedoCopperbelt,atéomomentoquasenãoháexemplosdeumaetnografiadegrandeescalacomumaequipeprofissionalemcomunidadesurbanas,emboraelajátenhasidosugeridacomoumaformaapropriadaparaotrabalhoantropológicourbano(cf.PRICE,1973).Porúltimo,essapareceriaserabasemaispromissoraparaassumiroestudodecidadesinteirasparecidocomaquelequeesboçamosanteriormente.

Hámaisumavariedadedeorganizaçãodepesquisapara estudosurbanosquedevemos registrar àguisadeconclusão:apesquisainterdisciplinar.Ocasionalmenteaformapodeseradequadasimplesmenteparaomesmoobjetivoqueosoutrostiposorganizacionaisqueacabamosdemencionar,paraampliaracoberturadeumaestruturasocialgrandeecomplexa.Emoutrasocasiões,oobjetivopodesercombinarmetodologiase tambémumaintegraçãoconceitualativa.Hánaturalmente,vantagensnessacooperação.Se seguirmososargumentosdeGluckmane seuscolegas relacionadoscomos limitesda ingenuidade,nemosantropólogosnemseusparesemoutrasdisciplinasdeveriamseenvolvermuitoemquestõesquepodemser tratadasporoutrosdeumamaneiramaiscompetente.Eacolaboraçãointerdisciplinarativapareceriaaformamaiselevadadeumadivisãodetrabalhocientífica.

Ainda assim, podemos querer qualificar nosso entusiasmo.Combastante frequência, parece que otrabalho interdisciplinarpioneiroé feitoporalgumindivíduocorajosoque ignorouasdemarcaçõesdaciêncianormalejuntouascoisasdemaneirasnovaspormeiodeconversaçõesinternasemsuaprópriamente.Naantropologia,épossívelquetenhahavidomaisdessetipodeaberturanosúltimosanosdoqueera costume existir. Pode parecer que Gluckman escreveu no contexto de uma disciplina maisconsolidada e fortemente delimitada do que aquela que temos hoje. Mas o verdadeiro trabalho emconjunto entre especialistas atravessando os limites das disciplinas, por outro lado, não é fácil. Otrabalhodeequipesinterdisciplinaresàsvezesparecesercomemoradocomoumapanaceiaparatodososproblemasdecomplexidadeintelectual:muitasvezesprescrito,maisraramenteusadonapráticaemumacurabem-sucedida.

Seja lácomofor.Osproblemasdasconexões interdisciplinaresnãosão realmenteosnossosaqui,conceitual ou metodologicamente. A menos que tenhamos uma compreensão do urbanismo que sejareconhecidamenteantropológica,noentanto,nossoinsumoparaessacooperaçãonessecampopodesermínimo.Tentamosnasúltimaspáginasdaralgunspassosnadireçãodetalcompreensão.Parecequeasconclusõesaquechegamostambémtêmalgumasimplicaçõesparaamaneiracomooantropólogourbanopodeemtermospráticosmanejaroseucampo,demaneirasdiferentesdotrabalhodecampotradicional.Muitomais poderia ser dito sobre isso,mas uma vezmais as continuidades são provavelmentemaissignificativas.Oantropólogonacidadepodesetornarmembrodeumaequipeconscientedotempo(àsvezes),maseleaindaéumparticipanteeumobservador,adotandoumavisãoinstrumentaleecléticadosmeioscomplementaresdedescobrirfatos.Nométodocomonosconceitos,ébempossívelquehajaalgodistintamenteantropológicosobreaantropologiaurbana.

[1].Cf.sobreessepontooconhecidotextodeGranovetter(1973)sobre“aforçadelaçosfrágeis”.

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[2]. Tais papéis podem ser considerados no contexto de uma quantidade de papéis de corretagem, como sugerido na discussão de flakcatchersnocapítulo5.

[3].Maisevidênciasobrea tendênciaaoencapsulamentoporpartedegruposradicaiséfornecidaporKornhauser(1962)eBittner(1963).Pode ser prudente, no entanto, não considerar isso como uma característica permanente dada. Em outro período pode ser a estratégiaexpansivaderede,descritaporGerlacheHineediscutidanocapítulo5quecaracterizaoradicalismo.

[4].Cf.operfildo“consumidorpersonalizante”deStone(1954).

[5].Paraoutrasdiscussõessobreoimpactodoambienteconstruídopelohomemsobreosrelacionamentossociais,cf.,p.ex.,oestudoclássicodeFestinger,SchachtereBack(1950)partesdeTheDeathandLifeofGreatAmericanCities(1961,deJacobseTheSocialOrderoftheSlum(1968:13ss.)deSuttles.

[6]. EmboraHughes (1958) de sua posição fundamental na sociologia ocupacional tenha feitomuito para estimular a análise de carreiras,Becker(1963)comseusestudosdecarreirasnadissidência,podeterdesempenhadoopapelmaisimportanteaotrazê-losparaforadoestudodeocupaçõeselevá-losparaaanálisedaorganizaçãosocialcomoumtodo.ObservetambémocomentáriodeBarth(1972:208)sobreafaltade atenção a carreiras no estudo antropológico. Os comentários sobre o assunto aqui foram extraídos de um seminário sobre análise decarreirasnoDepartamentodeAntropologiaSocial,UniversidadedeEstocolmo,realizadoduranteostrimestresdaprimaveraedooutonode1973.Estougratoaosparticipantesdesseseminárioporseuscomentáriossobreváriasdasquestõesquemencionamosnestaseção.

[7].Paraumrelatoigualmenteinteressantedecarreirasquesedesdobramgradativamenteàmedidaquenovasoportunidadessãocanalizadaspormeioderelacionamentosantigos,cf.oensaiodeLemannSurvivalNetworks:StayinginWashington(1978).

[8].Presumindoquetodoscontinuamnamesmamatrizderelacionamentos.

[*].Atraduçãoseriamaisoumenos“acalmaravítimadeumcontodovigário”[N.T.].

[9].ÉbemverdadequeeunãoteriaficadocientedeArquílocosenãotivessesidopeloensaionoqualIsaiahBerlindiscuteraposaseouriçosliteráriosnaRússia;reimpressoemBerlin(1978).

[10]. Jacobs, é claro, lida particularmente com inovação no setor de aprovisionamento, mas processos semelhantes podem ser vistos emfuncionamentotambémemoutroslocais.

[11].Umadiscussãoanteriorsobreotema–primeiramenteapresentadaem1973–podeserencontradaemHannerz(1978).

[12].EntreosantecessoresestãoMarxeEngels,começandocomTheGermanIdeology (1970:47):“EmcontrastediretocomaFilosofiaalemãquedescendedocéuparaa terra,aquinósascendemosda terraparaocéu.Istoé,nãocomeçamosapartirdaquiloqueoshomensdizem,imaginam,concebem,nemapartirdehomenscomosãodescritos,pensados,imaginados,concebidosafimdechegaraoshomensemcarne e osso. Começamos a partir de homens verdadeiros, ativos, e com base em seus processos de vida reais nós demonstramos odesenvolvimento dos reflexos ideológicos e ecos desse processo vital. Os fantasmas formados no cérebro humano também são,necessariamente,sublimadosdeseuprocessodevidamaterialqueéempiricamenteverificáveleligadoapremissasmateriais...Avidanãoédeterminadapelaconsciênciaesimaconsciênciapelavida.”OtrabalhopioneiromaisconhecidonasociologiadoconhecimentopodeaindaserIdeologyandUtopia(1936)deMannheim;paraumestudonasociologiadoconhecimentoqueenfatizaasperspectivasocupacionaisemvez das de classe e é de considerável interesse para a antropologia urbana, cf. Bensman e Lilienfeld (1973). Nossa hipótese de “solidãointelectual”comoumabaseparaadeterminaçãoposicionaldaconsciêncianãoestánecessariamenteemlinhacomosclássicosdaárea,masparecequelheéexigidagarantirocontrasteàdifusãoculturaldeideias.

[13].EssaconcepçãodeumsistemacoletivodesignificadosfoiinspiradaporScheff(1967).

[14].Paraumaelaboraçãoteóricadessepontocf.tb.ClaudeFischer(1975).

[15].Deve ser observado aqui que essa “tradição cultural proletária”nãoprecisa estar emoposição aumaculturadominante emnenhumsentido muito nítido. Frank Parkin (1972: 79ss.), em uma declaração sucinta, sugeriu que ela é fundamentalmente um sistema de valorsubordinado acomodativo. Sua visão, que deve ser colocada no arcabouço do debate sobre o papel de intelectuais e partidos políticos nodesenvolvimentodaconsciênciadeclasse,équetalsistemaoposicionaldesignificadostendeavirdefora.Talvezpossamosconsideraressesistemacomomaisestritamentecontracultural,desenvolvidopor indivíduoscomumaexperiênciamais imediatadosistemadominantee, ao

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mesmotempo,comoumatentativadedesenvolver indiretamenteaperspectivadasociologiadoconhecimentocomrelaçãoaomundocomoeledeve ser apartirdo lugarnaestrutura socialondeos trabalhadores se encontram.AetnografiadePilcher (1972) sobreos estivadoresamericanos,podemosacrescentar,nãoseconectaexplicitamentecomosescritosanalíticosbritânicossobreatradiçãoculturalproletária,maspareceoferecerevidênciaadicionalafavor.

[16].Existeumaconexãoaquicomosconceitosde“categoria”e“moldura”usadosporNakane(1970)paraanalisarasociedadejaponesa.A“tradição proletária” é desenvolvida e mantida entre os trabalhadores que se conectam com outros da mesma categoria; para os“tradicionalistasdeferenciais”háumamolduraaoredorderelacionamentosqueosconectacompessoaisdeoutracategoria.

[17].UmparágrafodePrisonNotebooks (1971:326-327)deGramsciparecepertinenteaqui:“[...]acoexistênciadeduasconcepçõesdomundo,umaafirmadaempalavraseaoutraexibidaemaçãoefetiva,nãoésimplesmenteumprodutodeautoilusão.Aautoilusãopodeserumaexplicação adequada para alguns indivíduos tomados separadamente, ou até para grupos de um certo tamanho, mas ela não é adequadaquandoocontrasteocorrenavidadegrandesmassas.Nessescasosocontrasteentrepensamentoeaçãonãopodesernadamaisdoqueaexpressãodecontrastesmaisprofundosdeumaordemhistóricasocial.Issosignificaqueogruposocialemquestãopoderealmentetersuaprópriaconcepçãodomundo,aindaqueapenasembrionária;umaconcepçãoquesemanifestaemação,masocasionalmenteemrelâmpagos– quando, isso é, o grupo está atuando como uma totalidade orgânica.Mas essemesmo grupo, por razões de submissão e subordinaçãointelectual,adotouumaconcepçãoquenãoéprópriaesimfoiemprestadadeoutrogrupo;eeleafirmaessaconcepçãoverbalmenteeacreditaque ele próprio a está seguindo, porque essa é a concepção que ele segue em ‘tempos normais’ – isto é, quando sua conduta não éindependenteeautônomaesimsubmissaesubordinada”.

[18].Referênciasaessedebatesãodadasnocapítulo1;opontodevistapropostoaquiébasicamenteaquelequefoimaisdesenvolvidoporHannerz(1971).Cf.tb.adiscussãoesclarecedoraporSuttles(1976).

[19].Paraalgunsbrevescomentáriossobreessaquestãocf.BennettBerger(1966:151ss.)eArnold(1970a,1970b).

[20].Paraoutrasdiscussõesdevariaçõesnaestruturadepodercomunitárioquesãorelevantesaquicf.,p.ex.,Rossi(1960),Fisher(1962)eWalton(1976b).

[21].OexemploédoestudodeSalaman(1971:398-99)deferroviários.

[*]. Em um ensaio e livro com omesmo título,Non-Places: Introduction to an Anthropology of Supermodernity (1995),Marc Augécunhoua frase“non-place” referindo-sea locaisprovisóriosquenão temsignificância suficientepara seremconsideradoscomo“lugares”.Exemplosdeumnonplaceseriaumaestrada,umquartodehotel,umaeroportoouumsupermercado[N.T.].

[22]. Gulick (1963: 455) em um texto pioneiro sobre a contribuição da antropologia para os estudos urbanos enfatiza a “inclinação doantropólogoparavisualizareretratar”,masparaotipodeinterpretaçãoquetemosemmenteaqui,hácertamentetambéminspiraçãoquepodevirdeoutrascoisas.Cf.,p.ex.,Lynch(1960)eStrauss(1961).Paraumabrevediscussãodosimbolismoespacialemumambienteurbanoespecíficocf.oestudodeGerholm(1977:160ss.)deumacidadeiemenita.

[*].CivilLines (originalmenteWhiteTown) éum termousadoparaosbairros residenciaisdesenvolvidosdurante a época colonial paraosoficiaismaisgraduadosdoExércitoBritânico[N.T.].

[23].Paraumadiscussãoesclarecedorasobretriangulação,cf.Denzin(1970b:297ss.).

[24].OexemplodoálbumdefotografiascomoevidênciaderedeédePlotnicov(1967:24);podemosacrescentarqueopontodevistacomrelação ao trabalho de campo urbano proposto aqui está também fortemente relacionado com o de Plotnicov (1973). O exemplo decategorizaçãoocupacionalpormeiodeumjogodecartasédeHannerz(1976),masinspiradoinicialmenteporSilverman(1966).

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ApêndiceConceitosanalíticosemExplorandoacidade

Umleitordomanuscritodestelivrosugeriuqueoutraspessoaspoderiamacharútilteremalgumlugaruma declaração sumária do aparato analítico básico utilizado nele, preferivelmente de formadiagramática, já que os conceitos foram introduzidos em uma espécie de fluxo contínuo por muitoscapítulos. O que se segue, então, é uma tentativa de visualizar, de uma maneira razoavelmentedescomplicada, a compreensão de como a sociedade urbana é construída, em termos de papéis erelações,quefoiafirmadodeumamaneiramaisindiretanaparteprincipaldolivro.

Avidasocialconsiste, talvezmaisconcretamente,desituações.Aspessoasseenvolvemnelaspormeiodemodosrelativamentepadronizadosdecomportamento intencional (e tambémcompartedesuaconsciência e recursos materiais) que nós chamamos de papéis. O conjunto total desses modos decomportamentoconhecidoemalgumaunidadesocialimportante,talcomoumacomunidadeurbana,podeserdescritocomoseuinventáriodepapéis.Asérieespecíficademodosdecomportamentoemqueumindivíduoestáenvolvidoéumrepertóriodepapéis.Parecepráticoconsiderarqueambosessestiposdecoleções de papéis estão divididos em setores (domicílio e parentesco; aprovisionamento; recreação;vizinhança; tráfego) contendonúmerosmaioresoumenoresdepapéis. (Esses conceitos sãodiscutidosnaspáginas111-117).

Aspessoassãorecrutadasparasituaçõeseparapapéisespecíficosnelas,emgrandepartecombasenaquilo que nós chamamos de atributos discriminadores de papéis, características de indivíduosdefinidasculturalmentequeexistemseparadamentedassituaçõesespecíficas.Essesatributosimportantessãogênero,idadee(nasunidadessociaisquesãoheterogêneascomrelaçãoaisso)etnicidadeouraça.(Anoçãodeatributosdiscriminadoresdepapéisfoidiscutidanasp.164-171.)Podemosdizerqueelesestãoentreosfatoresquedeterminamacessoaopapel(cf.p.165).

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Figura5Aconstruçãodeumrepertóriodepapéisnasociedadeurbana

Nafigura5podemosver,portanto,deumamaneiraextremamentesimplificada,comoumrepertóriodepapéisémontadonessestermos,emumacomunidadeetnicamenteheterogêneacomumadiferenciaçãode setores mais ou menos completa. Um indivíduo que é uma mulher adulta marrom, em oposição,digamos,aumhomemidosoazul(ostermosdecoraquirepresentamqualquertipodedesignaçãoétnica),podeserconsideradaemumacomunidadecomoadequadaparacertospapéisno inventáriodepapéis,masnãooutros.(É,éclaro,muitasvezesumacombinaçãodeatributosdiscriminadoresdepapéis,enãoapenasumdeles,queinfluenciatalacesso.)Dentreospapéisaindaacessíveis,umrepertóriodepapéiséformado,comoindicadopelassetasentreascolunasdoinventárioedorepertório.Masoutrosproblemasde acesso a papéis podem entrar aqui. A inclusão de papéis específicos no repertório pode ter umainfluênciadeterminantesobrequeoutrospapéisoindivíduopodeounãoassumir,simultaneamenteouemummomentoposterior.Nessafigurasugere-sequeopapeldedomicílio/parentescoH2foiimportantenorecrutamento desse indivíduo para o papel de aprovisionamento P7. Estar nesse papel, por sua vez,permitiu-lheentrarnopapeldedomicílio/parentescoH17nospapéisrecreativosR4eR9enopapeldevizinhoN2, que lhe seriam restritos em outras circunstâncias. Com relação a seus outros papéis, porexemploH6,R8eT2,parecequeseusatributosdiscriminadoresdepapéiseorestantedeseurepertóriodepapéis,namedidaemquesãoconhecidosaosoutros,pelomenosnãoadesqualificaramparaeles.Umpapelemseurepertório,Pn+1,éumtantomisteriosamenteincluídolá,masnãonoinventáriodepapéis.Isso poderia possivelmente ser uma maneira de denotar algum modo de comportamento basicamentenovo, nesse caso no setor de aprovisionamento – um exemplo da “criação de papéis” discutido naspáginas 295-299. Mas, é claro, tão logo ele aparece pela primeira vez em um repertório de papéisindividual,podemosvê-losendointroduzidonoinventáriomaisgeral.

Deveríamos talvez acrescentar que o número de papéis enumerados no repertório de papéis nesse

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diagrama é seriamente limitado em nome da conveniência, embora possivelmente as proporçõesaproximadasdorepertórioindicadascomocategorizadasnosváriossetorespossamnãosertãoforadarealidade;sobreissovejaadiscussãonaspáginas118-196.

Nafigura6,demosopassoadicionaldemostrarcomoumapartedaredepessoaléconstituídaparaapessoa(ego)comorepertóriodepapéismostradonafigura5.Seusrelacionamentoscom13outrossãomostrados; com 3 deles (11, 12 e 13) ela está conectada apenas minimamente por meio derelacionamentosde tráfego,ecomoasanálisesde redenormalmentenão incluemessasconexõesaquielas estão marcadas com linhas tracejadas. Mas observe que desses relacionamentos o n. 11 estáconectadopormeiodeumrelacionamentomaistangívelcomon.10,detalformaqueorelacionamentode tráfego de ego com ela deve ser de maior significância – veja a discussão dessas conexões naspáginas251-253.

Figura6Umapartedaredepessoal

Quanto aos relacionamentos do ego com 1-10, esse esboço deles pode estar relacionado com osconceitosderedediscutidosnocapítulo5ecomparadoscomostiposdediagramasderedemaiscomunscomo exemplificados nas figuras 3-4, p. 194s. Nesses diagramas, é claro, os repertórios de papéisinteirossãocontraídosempontosúnicos.Sequisermosmostrarcomoasredespessoaissãomontadasàmedidaquecadapapelimplicaseusprópriosrelacionamentos,algumamaneiraassimderetratá-locomonafigura6parecenecessária.Elapodeteravantagemdemostrar,pelomenos,comquerapidezasredespodemseramificar.Nosegmentoderedecompostodeegoeoutros1-3(quepodeserfeitodemaneiraaconsistir no ego, seumarido e seus dois filhos) relacionamentos laterais também sãomostrados. Emoutraspalavras,essesegmentotemaqualidadedeuma“zonadeprimeiraordem”(cf.p.193).Norestododiagrama,nenhumrelacionamentoentreosoutros(excetoaquelequeacabamosdemencionarentre10e11)foiincluído,nementreoutroseoutraspessoas:essapartedodiagrama,issoé,éuma“estrelade

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primeiraordem”(cf.p.193).Maspormeiodecadapapelmostradoemseusrepertórios,essesoutrosterão pelomenos um relacionamento, e com frequênciamuitosmais, de tal forma que já poderíamosesperar que a “estrela de segunda ordem” será muito grande. Nós mostramos apenas por meio dasconexõesdoegocom6e7queumindivíduopoderiaseconectarpormeiodeumpapelamaisdoqueumindivíduoetambémamaisdoqueumoutropapel(papelP7aP8eR26).Entreegoe7tambémfazemosquestão de observar um não relacionamento, aquele entre um R4 e outro R4. Isso é um exemplo daausênciadeacessorelacional(cf.p.165);emboraegopossaassumiropapelR4,poralgumarazãoelaestá restrita de desempenhá-lo vis a vis alguém como 7. Podemos suspeitar que é consideradoinapropriadoparaumamulhermarromeumhomemazulterumrelacionamentodepapelrecreativodessetipo.É,poroutrolado,bastantecorretoparaegoterumrelacionamentoassimcomumamulhervermelha(n.8).Eemtodososoutrosrelacionamentosmostrados,éclaro,umapessoacomascaracterísticasdeegoobviamentetemacessorelacionalpormeiodospapéisrelacionadoscompessoascomoessesoutros.Comon.10,oegotemrelacionamentospormeiodedoisparesdepapéisdistintos,umrecreativoeoutrodevizinhança.Esseéumrelacionamentomultiplex–vejaasdiscussõesnaspáginas198-200e271-273.

Nafigura7,finalmente,nosconcentramosemumdosrelacionamentosincluídosnafigura6,aquelaentreegoeooutrono.8,doqualambosparticiparampormeiodeseusrespectivospapéisR4.Oquenosinteressaaquiéoquegovernaacondutadesserelacionamento.Algunsrelacionamentos,argumentamos,estão sobcontrolesnormativosmais fortes do que outros, de tal forma que sejam quem forem ego eoutro, a não ser pelos papéis em que estejam por enquanto, é em grande medida irrelevante – asprescrições para comportamento são relativamente precisas (cf. p. 164s., 269-271). Há outrosrelacionamentos em que ego e o outro podem prestar mais atenção em seus contatos à informaçãopessoal sobre outros atributos e envolvimentos.Dessa forma, esses podem influenciar não somente oacessoaopapeleoacessorelacional,comodiscutidoacima,mastambémacondutarelacional (cf.p.165). Na figura 7, vemos que o relacionamento R4–R4, um relacionamento recreativo, é quase quefortementeinfluenciadopelainformaçãopessoal–asflechasemlinhastracejadasapartirdosatributosdiscriminadores de papéis, assim como outros papéis, mostram que a conduta do relacionamento éparcialmentemoldadapelasconsideraçõesqueosenvolvem.Épossívelobservaraquiquenemtodososatributos e papéis afetam qualquer relacionamento específico, mesmo que ele seja permeável ainfluênciasexternascomoesse.Quantoaoego,umpardeseuspapéisdedomicílio/parentesco,umoutropapelrecreativoedospapéisdetráfegonãosão“trazidosparadentro”desserelacionamento.Podemostambémassinalarquenemsempreéprecisohaversimetrianaquiloqueaspartesemumrelacionamentointroduzemnelecomrelaçãoaoutrosenvolvimentos.Egopodefazerrevelaçõessobreseupapelvizinho(N2),masesseoutronãofazcomqueseupapelN9sejarelevanteparaorelacionamento.

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Figura7RelacionamentoentreEgoeOutrono.8

Essa, então, é umamaneira de tentar conceituar, verbal e diagramaticamente, como uma estruturasocial complexa se une à medida que os papéis são combinados por indivíduos e os indivíduos secombinamemrelacionamentos.Nãohádúvidadequeissopodesermaiselaboradafacilmente;etambémnãohádúvidadequeaatualsimplicidaderelativadoarcabouçoconceitualpodefazercomquealgumaambiguidadesejainevitável.Maselapodenosdaralgumsentidodecomolidarsistematicamentecomavidaurbanatantoemalgumasdesuascoisasessenciaisquantoemsuagrandevariabilidade.

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Textosdecapa

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Contracapa

Para fazer jus à sua pretensão de ser “a ciência da humanidade”, a Antropologia deve serreconstruídaparaincluirumaconsciênciadevidaurbana.Elanãopodetirarsuasconclusõesbaseando-se apenas em pesquisas em comunidades pequenas, sem complicações, principalmente nas partes nãoocidentais do mundo. A contribuição especial da parte urbana ao todo antropológico consiste nacompreensão de uma série de fenômenos sociais e culturais, pouco ou nunca encontrados em outroslocais,quesejamexaminadostendocomofundoavariaçãohumanaemgeral.

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Orelhas

Emumperíodo de tempo relativamente curto aAntropologiaUrbana surgiu como umdos camposmaisvitaisdaAntropologia.Duranteseuperíodoformativo,noentanto,faltou-lhecoerênciaintelectual.Explorando a cidade é uma primeira tentativa ousada de fornecer exatamente essa coerência e umacompreensão teórica unificada do urbanismo. Baseando-se não só na Antropologia, mas também nasperspectivasurbanasdeoutrasdisciplinas,taiscomoHistória,SociologiaeGeografia,UlfHannerztrazunidadeintelectualàHistóriaeaodesenvolvimentodaAntropologiaUrbana.

Oautor

UlfHannerz é chefedoDepartamentodeAntropologiaSocialnaUniversidadedeEstocolmo.SeulivroSoulside: Inquiries intoGhettoCultureandCommunity (CUP,1969) imediatamenteestabeleceusuareputaçãocomoumdosobservadoresmaisperceptivoseponderadosdavidaurbana.

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AntropologiaHerzfeld,Michael9788532648693488páginas

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Estaobraenfatizaaimportânciadadisciplinadaantropologiaedosmétodosantropológicosparaacompreensãodadinâmicasocietárianummundocadavezmaisglobalizado.Trazumavisãoglobaldaantropologiasocialecultural,umadisciplinadentrodasciênciassociaisque,deummodogeral,abrangearelaçãoentreasociedadeeacultura.Olivroéumconviteareflexãonamedidaemquequestionapressupostosglobaisquedominamcadavezmaisastomadasdedecisãopolíticaseeconômicas.

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MovimentossociaiseredesdemobilizaçõescivisnoBrasilcontemporâneodaGohn,MariaGlória9788532647474192páginas

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Estelivrocondensaestudossobreosmovimentossociais,especialmentenoBrasil,aolongodetrêsdécadas.Apresentaummapadosmovimentossociaiseredescivisquetematizameredefinemaesferapública,construindonovosmodelosorganizativosnaatualidade.Destaca-sequeelesatuamnumcenáriocontraditório,ondepolíticas,programaseprojetossociaislevam,muitasvezes,aumengessamentodestasassociações,solapadosuaautonomiaepossívelcapacidadedeinovação,produçãodesaberesemudançasocial.

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Vygotsky:umaperspectivahistórico-culturaldaeducaçãoRego,TeresaCristina9788532645005100páginas

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Apresentaumaintroduçãoaoestudodasprincipaiscontribuiçõesdopsicólogorussoparaocampodaeducação.Abordatemascomoahistóriapessoaleopercursointelectualdoautor,odesenvolvimentohumanocomoprocessosócio-histórico,arelaçãopensamentoelinguagem,aquestãodaaprendizagem,ospressupostosfilosóficoseepistemológicosdateoriaeasimplicaçõesparaapráticapedagógica.

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ATranscendênciadoEgoSartre,Jean-Paul978853264679872páginas

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ATranscendênciadoEgoéconsideradaaprimeiraobrapropriamentefilosóficadeJean-PaulSartre.Foiescritaem1934epublicadaem1936,algunsanosantes,portanto,deseumagistralOSereoNada,queoconsagrariaentreosgrandesnomesdafilosofiacontemporâneae,particularmente,doExistencialismo.AquiSartredáinícioaoseuprojetofilosófico,combatendoastesesdapresençaformalematerialdoEunaconsciência,defendidasporKanteHusserl,respectivamente.

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TrabalhandovaloresemsaladeaulaPizzimenti,Cris9788532645388128páginas

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"TrabalhandoValoresemSaladeAula:HistóriasparaRodasdeConversa"éumaferramentaparatodososprofissionaisdaeducação,especialmenteaquelesquetrabalhamdentrodassalasdeaula,daeducaçãoinfantilaoensinomédio.Atravésdehistóriassimples,pensadasapartirdaexperiênciadaautora,alémdefábulaseexemplosdegrandessereshumanos,pretendecontagiareentusiasmaroleitor,paraquetambémelesinta-sedispostoarealizarumtrabalhodereavaliaçãodosvaloreshumanoseaplicaçãodosmesmospelosalunos.

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