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VII Congreso de Historia Ferroviaria Asociación Ibérica de Historia Ferroviaria Associação Ibérica de História Ferroviária 1 AS FERROVIAS E A CENTRALIDADE NO NORDESTE BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DA CENTRALIDADE INTRAURBANA E REGIONAL DE CAMPINA GRANDE-PB (BRASIL) Doralice Sátyro Maia 1 y Elizângela Justino de Oliveira 2 As ferrovias, assim como a ideia de progresso e o Movimento da Modernidade, marcaram a ruptura da vida lenta, ao conferirem novos ritmos nas (e entre) as cidades que receberam os trilhos e por conseguinte estabeleceram uma nova relação espaço-tempo. As transformações no espaço urbano, ocorriam, sobretudo, no entorno das estações ferroviárias, devido aos novos equipamentos urbanos e às construções de apoio aos trabalhadores da ferrovia, como os técnicos ferroviários e engenheiros, além do fluxo de passageiros e de mercadorias, os quais demandavam oferta de serviços, armazéns, entre outros. Todo este aparato técnico estabelece uma nova dinâmica no entorno das estações ferroviárias. Além das transformações na morfologia urbana das cidades, a ferrovia, ao interligar cidades, as zonas produtoras e estas aos portos, reestrutura a rede urbana regional ao promover a fluidez do transporte dos produtos agrícolas e de matérias-primas até os portos, e destes para as praças comerciais brasileiras e para exportação. O artigo apresentado está estruturado em dois momentos: no primeiro trataremos da ferrovia e seu papel na rede urbana ou como elemento impulsionador para a centralidade regional da cidade de Campina Grande localizada no estado da Paraíba, na Região Nordeste do Brasil. No segundo momento adentraremos esta cidade para analisarmos as alterações na morfologia e na conformação da área central da referida cidade. 1 Profa. Dra. Universidade Federal da Paraíba – Brasil. 2 Doutoranda em Geografia – Universidade Federal da Paraíba – Brasil Bolsista Capes – Estágio doutorado no exterior – Universidad del País Vasco

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AS FERROVIAS E A CENTRALIDADE NO NORDESTE BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DA CENTRALIDADE INTRAURBANA E REGIONAL

DE CAMPINA GRANDE-PB (BRASIL) Doralice Sátyro Maia1 y Elizângela Justino de Oliveira2

As ferrovias, assim como a ideia de progresso e o Movimento da Modernidade, marcaram a ruptura da vida lenta, ao conferirem novos ritmos nas (e entre) as cidades que receberam os trilhos e por conseguinte estabeleceram uma nova relação espaço-tempo. As transformações no espaço urbano, ocorriam, sobretudo, no entorno das estações ferroviárias, devido aos novos equipamentos urbanos e às construções de apoio aos trabalhadores da ferrovia, como os técnicos ferroviários e engenheiros, além do fluxo de passageiros e de mercadorias, os quais demandavam oferta de serviços, armazéns, entre outros. Todo este aparato técnico estabelece uma nova dinâmica no entorno das estações ferroviárias. Além das transformações na morfologia urbana das cidades, a ferrovia, ao interligar cidades, as zonas produtoras e estas aos portos, reestrutura a rede urbana regional ao promover a fluidez do transporte dos produtos agrícolas e de matérias-primas até os portos, e destes para as praças comerciais brasileiras e para exportação. O artigo apresentado está estruturado em dois momentos: no primeiro trataremos da ferrovia e seu papel na rede urbana ou como elemento impulsionador para a centralidade regional da cidade de Campina Grande localizada no estado da Paraíba, na Região Nordeste do Brasil. No segundo momento adentraremos esta cidade para analisarmos as alterações na morfologia e na conformação da área central da referida cidade.

1 Profa. Dra. Universidade Federal da Paraíba – Brasil. 2 Doutoranda em Geografia – Universidade Federal da Paraíba – Brasil Bolsista Capes – Estágio doutorado no exterior – Universidad del País Vasco

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1. A Ferrovia e o impulso à centralidade regional da cidade de Campina Grande- PB, Brasil.

A ferrovia enquanto elemento que marca a história das cidades é algo consensual quando se trata da Europa do século XIX. No Brasil, é no final do Oitocentos que se concretiza um sistema ferroviário de transportes3, portanto, é a partir deste momento que se pode associar a ferrovia à história das cidades.

No Brasil, o anseio pela ferrovia anunciada desde 1835 revela tanto a necessidade de se escoar a produção agrícola com maior rapidez para o mercado externo, já que esta era a forma de maior inserção da economia brasileira na economia mundial (Hobsbawm, 2011), como também uma aspiração pelo moderno. Aspiração esta manifesta principalmente por parte da elite, que busca atender aos preceitos da cultura ocidental, ou da “ocidentalização” (Hobsbawm, 2011). De fato, a ferrovia representava o novo, o moderno ou ainda o progresso, uma vez que com “a ferrovia e a navegação a vapor, o mercado mundial ganhava ao mesmo tempo concretude, o que vale dizer, nesse caso, que a forma-fetiche das mercadorias estava definitivamente liberada para encantar toda a humanidade” (Hardman, 1991, p. 123).

Assim, na Era do Império, como bem definiu Hobsbawm (2011), propagam-se as ideias, os elementos técnicos, o capital industrial, mas também a cultura ocidental cuja aspiração maior é a modernidade vislumbrada pelo progresso. Tais elementos e aspirações atingem grande parte dos territórios, mas não esquecendo que de forma desigual, já que, como escreve Berman (1987), o mundo “não chega a ser moderno por inteiro.” (Berman, 1987, p. 16). Desta forma, se após a segunda metade do século XIX a ferrovia passa a ser um equipamento que vai se instalando no Brasil, conforme mencionado anteriormente, no final do século, este elemento técnico avança sobre o território brasileiro, interiorizando-se e atingindo as denominadas cidades bocas de sertão. Entretanto, nesse processo, que se caracteriza pela descontinuidade, há evidencias do anseio pelas elites locais por representar a efetivação do progresso, que muitas vezes se realiza sem, contudo, provocar as transformações tão aspiradas e que, portanto, podem se configurar enquanto fantasmagorias. Pois, como bem nos esclarece Milton Santos (2002), a inserção da técnica no espaço, não se dá de forma inerte, já que a técnica revela a “produção histórica da realidade”. Sendo assim, a técnica não se implementa desassociada da cultura e tampouco das relações sociais. Ela é produto social, um elemento que ao ser fixado provoca alterações no processo de produção do espaço e particularmente no espaço urbano.

No Brasil, do conjunto de concessões e implementações desde o final do Império (1889) às primeiras décadas da República, prevaleciam as ferrovias que interligavam áreas de produção agrícola aos portos. É a partir deste propósito que as ferrovias são expandidas às cidades interioranas ou “bocas de sertão” que, entre 3 Data de 1835 a primeira lei ferroviária brasileira (Lei 101 de 31 de outubro de 1835), mas esta não teve conseqüências objetivas.

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o final do século XIX e início do XX, já não se concebia que permanecessem como pousos de tropeiros ou entroncamentos de caminhos. Estas cidades, apresentavam considerável dinâmica comercial desencadeada pela distribuição de mercadorias que para ali eram conduzidas e comercializadas, revelando sua importância na ainda escassa rede urbana brasileira no início do século XX.

Dessa forma, na segunda metade do século XIX, dá-se início a implantação das ferrovias no Brasil, mais precisamente na Região Sudeste, para atender as demandas da atividade cafeeira desenvolvida no Vale do Paraíba do Sul e que tinha nos portos do Rio de Janeiro e de Santos os principais escoadores da produção. No Nordeste, no final do século XIX, as ferrovias começam a ser implantadas na linha litorânea para o escoamento do açúcar e, posteriormente adentram o interior das províncias/estados4 até as zonas produtoras de algodão, sal, produtos oriundos da pecuária bovina, como couros, carnes, etc.

Logo, se percebe claramente a ligação ferrovia – porto - áreas produtoras de matérias primas em toda a região Nordeste (Figura 1). Desde as ferrovias implantadas nas Províncias/Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia notam-se os traçados ligando os portos às áreas produtoras. Tal configuração integra o Plano de Viação Imperial elaborado em 1874 pelo Engenheiro André Pinto Rebouças, com base no Decreto nº 2.450, de 24 de Setembro de 1873, em seu parágrafo 3º, que estabelecia que as ferrovias deveriam obrigatoriamente se ligar a um porto:

O Governo só poderá conceder subvenção ou garantia de juros ás estradas, que servirem de principal communicação entre os centros productores e os da exportação, e não concederá estes favores a mais de uma estrada em cada Provincia, emquanto esta estrada não produzir uma renda liquida, que dispense os ditos favores.5

É sabido que o Plano de Viação pensado por André Rebouças estava muito influenciado pelo que acontecia em São Paulo e no Rio de Janeiro com a produção do café e que muito se diferenciava da produção agrícola do Norte/Nordeste, sobretudo em quantidade de produção. Contudo, a economia brasileira estava fundamentada na exportação de matérias – primas e/ou de produtos agrícolas. Dessa forma mantem-se a lógica ferrovia - porto para a Região Nordeste.

Percebe-se portanto, que no Nordeste do Brasil, a integração do território via estradas de ferro ocorre inicialmente ao longo do litoral para atender a demanda emergente da produção do açúcar. Posteriormente, as ferrovias adentram o território dos estados para favorecer o transporte do algodão e os produtos da pecuária bovina, sempre ligando-se aos portos litorâneos.

4 A divisão administrativa do Brasil durante o período imperial (1822) era por províncias. A partir da República (final de 1889) o país passa a ser constituído por unidades federativas, denominadas de estados. 5 Decreto n. 2.450 de 24 de setembro de 1873.

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Na carta da viação férrea do Brasil em 1910, vê-se que a maior densidade de linhas férreas está na Região Sudeste, particularmente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, onde a atividade cafeeira já estava promovendo essa integração do território até as zonas produtoras.

Figura 1. Carta da viação Férrea do Brasil -1910. Em destaque a região Nordeste

Fonte: <http://www.loc.gov/item/2003682784/>. Acesso em: 21 set. 2015.

Nota: Editado por Nathaly Cardoso Santos

No Nordeste brasileiro, a Ferrovia Great Western Railway Company of Brazil chega à cidade de Campina Grande em 1907, cidade que já se destacava por receber os fluxos de mercadorias e de pessoas provenientes do sertão da Paraíba, como bem revela a fala do Presidente do Estado da Paraíba Walfredo Leal:

[...] está em construcção o prolongamento de Itabayanna à Campina grande, na extensão de cerca de 80 kilometros. Attento o adiantamento dos trabalhos, é provável que, dentro de poucos mezes, esteja aberto o trafego, ficando realisada uma aspiração que de ha muito vem trabalhando o espirito da população sertaneja dos Carirys, por ser aquella bela cidade o centro de convergencia de quase todo o alto sertão. (Mensagem apresentada a’ Assembléa Legislativa do Estado pelo Presidente do Estado Monsenhor Walfredo Leal, de 1º de setembro, 1906, p. 23).

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Campina Grande está localizada no Planalto da Borborema, constituindo-se uma “porta” para o sertão paraibano, ou como denomina Azevedo, uma Boca de Sertão. A sua situação geográfica favorecia as conexões, pois a cidade era entrecortada por estradas que partiam do litoral e se dirigiam ao interior do estado da Paraíba, ligando o leste a oeste e adentravam o estado do Ceará (a oeste). Além das estradas destas vias, havia as que seguiam para Recife6 e ainda outras que conduziam à região do Seridó do Rio Grande do Norte, no sentido norte. Desta forma, a cidade de Campina Grande conectava-se a outras cidades importantes do próprio estado, como Patos, Sousa, Pombal, Patos, etc, e a cidades de outros estados como Caicó, no Rio Grande do Norte e Recife em Pernambuco. Logo, Campina Grande desde a sua constituição enquanto vila e posteriormente cidade, conforma-se como um importante nó da rede urbana paraibana. (Soares, 2012). Segundo Corrêa (1997, p. 107) a rede urbana é “um conjunto de localizações geográficas interconectadas entre si por um certo número de ligações”, assim como “é simultaneamente um reflexo da e uma condição para a divisão territorial do trabalho. [...]. É um reflexo na medida em que, em razão de vantagens locacionais diferenciadas, verifica-se uma hierarquia urbana e uma especialização funcional[...]” (Corrêa, 2006, p.26).

A constituição da cidade enquanto importante entreposto comercial dá-se desde o século XVIII quando a Estrada das Boiadas favoreceu a formação e a consolidação de uma importante feira de gado (Soares, 2012) e que promove à cidade a característica de importante ponto de convergência de fluxos mercadológicos. Tal característica é reforçada nos períodos subsequentes – séculos XIX e XX– com as vias carroçáveis e com a produção do algodão, tornando Campina Grande importante entreposto comercial de produtos alimentícios e de gado, mas também do algodão produzido na região mais interiorana, o Sertão nordestino.

Reafirma-se pois, que a função de entreposto comercial de Campina Grande

ganha maior intensidade com a atividades comercial algodoeira, ao promover o maior fluxo de mercadorias comercializadas na feira livre e também nos estabelecimentos comerciais. Tal papel desempenhado pela referida cidade aviva-se com a instalação da estrada de ferro:

Salvo um ou outro carro de boi, era no lombo do burro que o algodão em “rama” (ainda no caroço) era incialmente transportado das áreas de produção para os locais em que estavam localizados, no próprio sertão, os comerciantes beneficiadores, com suas bolandeiras para o trabalho de descaroçamento e prensagem do produto. Beneficiado o algodão, mais uma vez os tropeiros entravam em ação: desta feita para transportá-lo em fardos para as maiores praças de comercio, conforme o desejo dos comerciantes beneficiadores. No caso em apreço, a praça de comércio que concentrava especialmente o algodão sertanejo era a Praça de Campina Grande. Era para essa

6 Cidade portuária localizada ao sul da Paraíba e que se destacava desde o período colonial em função da produção açucareira.

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cidade que convergiam os tropeiros com seus comboios de algodão. Aqui chegando, a fibra era comercializada, reprensada e, em seguida, embarca na estrada de ferro com destino às praças portuárias. Neste sentido, as tropas de burro que vinham do sertão tornam-se caudatárias dessa estrada de ferro. (Aranha, 1991, p. 258, grifo nosso).

A citação acima revela que a ferrovia incrementa a atividade comercial em

Campina Grande, contudo, a mesma não substitui de imediato o transporte por animais. Explica-se: a ferrovia Great Western interliga Campina Grande à Recife, cidade portuária. Entretanto, a conexão desta com a área produtora e/ou com o interior do território permaneceu até meados do século XX realizada por estradas carroçáveis. Assim, a ferrovia, o incremento técnico moderno associa-se ao transporte rudimentar realizado pelos tropeiros, fazendo com que se reunissem na mesma cidade o fluxo das tropas que chegavam a esta cidade transportando algodão e saiam carregados de mercadorias e produtos, tais como: aguardente de cana-de-açúcar, rapadura 7 , cereais, farinha para distribuição no sertão e a locomotiva, os armazéns, os trilhos ferroviários. (Aranha, 1991).

Tabela 1. Mercadorias (Número de toneladas) transportadas pela Estrada de Great Western - Recife Limoeiro e Timbaúba e Ramal Campina Grande.

(1908, 1913, 1915) Produtos 1908 1913 1915 Borracha - - - Madeiras 2.910,0 - - Café 123,0 461 293,0 Malte - - - Assuçar 28.550,0 36.390,0 26.627,0 Tecidos do paiz - 2.539,0 1.705,0 Algodão 11.524,0 24.171.0 17.935,0 Fumo 27,0 118,0 14,0 Cereais 6.316,0 10.041,0 11.417,0 Aguardente 2.133,0 4.916,0 3.291,0 Xarque 6.379,0 7.400,0 4.966 Couros 436,0 710,0 1.337,0 Sal 2.257,0 2.809,0 4.183,0 Diversos 70.273,0 244.919,0 150.596,0 Total 130.938,0 334.474,0 222.507,0

Fonte: Estrada de Ferro da União ou fiscalizadas pela União. Mercadorias transportadas. Disponível em: https://archive.org/details/estatisticaferro1915uniao. Acesso em: 20/05/2017.

A produção do algodão no Nordeste brasileiro expande-se em razão da crise

do algodão nos Estados Unidos, que tinha no sul do país a sua principal produção. Na segunda metade do século XIX, a Guerra de Secessão ocorrida nesse país comprometeu o abastecimento da indústria têxtil inglesa, que por sua vez, 7 Açúcar mascavo solidificado em forma de um pequeno tijolo

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necessitou de outros centros produtores para prover a sua indústria. Nesse contexto, Campina Grande torna-se uma das principais cidades exportadoras de algodão do mundo. A Tabela 1, elaborada a partir das estatísticas das Estradas de Ferro e das fiscalizadas pela União (1908, 1913 e 1915), mostra os principais produtos - entre estes o algodão e o açúcar - transportados pela Estrada de Ferro Great Western que levava fazia o fluxo Recife - Campina Grande.

É importante destacar que além da produção do algodão que mobilizava a

confluência de fluxos de pessoas e de mercadorias para Campina Grande, a cidade passava a captar e a irradiar novos fluxos. Fluxos estes a exemplo do realizado pelos tropeiros que transportavam o algodão e eram caudatários da ferrovia de Campina Grande, assim como a ligação entre essa ferrovia e os portos do Recife e da Cidade da Parahyba, somados ao fluxo impulsionado pelas feiras de gado e pela feira livre. Tais movimentos ampliavam consideravelmente a escala de influência regional de Campina Grande, uma vez que:

[...] é o primeiro mercado de gado, procurado por todos os

negociantes e fazendeiros que partem desde as margens do Parnaíba, na Província do Piauí. Aqui estacionam eles parte do ano, recebendo boiadas e vendendo-as aos negociantes conterrâneos. O negócio de gado portanto liga esta cidade a todos os centros mais produtores da indústria pastoril nas províncias criadoras do norte do Império.” (Joffily, 1977, p. 389).

Pelo exposto, Campina Grande constitui-se em um importante nó da rede urbana regional que congrega variados fluxos mercadológicos. Tal posição na rede urbana não só paraibana, mas do Nordeste brasileiro, foi acentuada com a chegada da estrada de ferro tendo em vista a maior intensidade dos fluxos de passageiros, mercadorias e mensagens para esta cidade, conforme dados apresentados nas estatísticas das Estradas de Ferro (Tabela 2):

Tabela 2. Número de passageiros, bagagens e animais transportados pela Estrada de Great Western - Recife Limoeiro e Timbaúba e Ramal Campina Grande (1908,

1913 e 1915) Transportes 19088 1913 1915

Passageiros transportados a qualquer distância

282.008 396.524,5 249.018

Bagagens, encomendas transportadas a qualquer distancia

2.317,0 4.534,0 3.359,0

Animais transportados a qualquer distância /nº de cabeças

19.832 34.765 25.285

Número de telegramas 18.545 20.713 22.519 Fonte: Estrada de Ferro da União ou fiscalizadas pela União. Passageiros transportados, bagagens,

encomendas e animaes, movimento de telegramas. Disponível em: https://archive.org/details/estatisticaferro1915uniao. Acesso em: 20/05/2017.

8 Os dados refere-se aos anos de 1908, 1913, 1915, embora, a publicação das estatísticas ocorria anos depois.

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Os dados revelam o fluxo de mercadorias e de passageiros conduzidos pela Ferrovia Great Western nos primeiros 8 anos de funcionamento desta via. Vale destacar que a partir do início do século XX, os fluxos gerados pela produção e comercialização do algodão, e pelas feiras livre e de gado, geraram a centralidade de Campina Grande no interior da Paraíba. No mesmo período com a instalação da Estrada de Ferro, esse processo se amplia com os fluxos de passageiros, de mercadorias, e de mensagens, o que fortalece e consolida a conformação da rede urbana. Aqui entendemos rede a partir da leitura de Santos (2008, p. 263):

As redes são formadas por troços, instalados em diversos momentos, diferentemente datados, muitos dos quais já não estão presentes na configuração atual e cuja substituição no território também se deu em momentos diversos. Mas essa sucessão não é aleatória. Cada movimento se opera na data adequada, isto é, quando o movimento social exige uma mudança morfológica e técnica. A reconstituição dessa história é pois, complexa, mas igualmente ela é fundamental, se queremos entender como uma totalidade a evolução de um lugar. (Santos, 2008, p. 263).

Entende-se pois, a estrada de ferro que chega à Campina Grande, como um fixo, que modifica a sua posição na rede urbana do Nordeste brasileiro. Tal constatação confere com a assertiva de Santos (2008) de que a instalação de um equipamento técnico promove alterações nos fluxos e nos fixos e que, por sua vez, será um distintivo técnico diante das praças que competiam entre si. É o que denota Almeida (1979): “Com a ferrovia, Campina Grande erigiu-se à condição de empório comercial”, não faltando produtos para o fluxo de mercadorias, fortalecendo por sua vez o caráter polarizador regional da cidade. (Almeida, 1979, p. 319).

Dessa forma, a ferrovia enquanto aparato técnico quando instalado na cidade provoca modificações no espaço urbano, na morfologia e na dinâmica urbana, destacando-se a centralidade intraurbana.

2. A ferrovia e a conformação da área central

A respeito da centralidade intraurbana e a conformação da área central, Roberto Lobato Corrêa (1997, p. 123) ao explanar sobre os processos espaciais que caracterizam a produção da cidade moderna, destaca a importância do processo de centralização. Para o autor, “a existência de uma área onde se concentram as principais atividades comerciais e de serviços, bem como os terminais de transportes interurbanos e intraurbanos.” Corrêa (1997, p. 123). Assim, esclarece o autor:

A emergente Área Central passou a desfrutar [...] da máxima acessibilidade dentro do espaço urbano. Esta acessibilidade foi responsável pelos mais elevados valores da terra urbana que aí se encontram, o que levou a uma competição pelo uso da terra. Nessa competição saíram vitoriosas aquelas atividades que podiam transformar a acessibilidade em lucro, suportando pagar o alto valor da terra. Entre estas atividades estão o

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comércio varejista em expansão, ponto final do processo de distribuição da crescente produção industrial, e novos serviços cuja área de mercado era todo o espaço urbano ou a hinterlândia da cidade. (Corrêa, 1997, p. 124).

Dessa forma, a partir do processo de centralização emergiram as áreas centrais9 e que, por sua vez, tanto caracterizaram o que se passou a denominar simplesmente de centro das cidades. Sobre a noção de centro intraurbano, em 1959, Milton Santos, ao estudar o centro da cidade de Salvador, alerta:

Uma primeira questão seria a de precisar bem o valor das palavras, estabelecendo o que se deveria considerar como o centro de uma cidade. Não se trata de delimitar rigorosamente o perímetro de estudo: isto, de resto, seria impossível, em virtude das variantes regionais, difíceis de enfeixar em um esquema rígido (Santos, 1959, p.17).

O autor supracitado a partir dos escritos de Bonnuere, entende que para se reconhecer os centros urbanos faz-se necessário reconhecer a parte do aglomerado urbano que apresenta “maior animação e conhece a mais forte atividade, sob todas as suas formas”. Tal característica atribui uma individualidade à área da cidade. Contudo, por outro lado, há ainda que se considerar os elementos comuns, que para o autor correspondem às “atividades que aí se processam, responsáveis que são pelos aspectos de paisagem e de estrutura que asseguram mais fortemente aquela individualidade” (Santos, 1959, p. 18).

Villaça (2001, p. 237) alerta para os “equívocos cometidos a respeito da natureza e concepção do centro urbano, ou qualquer centro”. O autor fundamenta-se na concepção dialética da produção do espaço para dizer que um dos equívocos está na ideia do entendimento “do espaço como um tabuleiro inerte, sobre o qual se distribuem os processos sociais”. Acrescenta:

Concluindo: os centros não são centros porque neles se localizam os palácios, as catedrais ou os bancos. Vimos que o oposto também não é verdadeiro. Não é verdade que os palácios, catedrais ou bancos se localizam nos centros porque eles são centros. E por que eles são centros? Fica claro o círculo vicioso. Qual a origem ou a fonte da centralidade? Está na possibilidade de minimizarem o tempo gasto e os desgastes e custos associados aos deslocamentos espaciais dos seres humanos (Villaça, 2001, p. 242).

Flávio Villaça na mesma obra analisa o valor simbólico do centro e a sua importância dada pelas classes dominantes, que por sua vez seria uma das fontes deste valor simbólico: “Há fortes razões para acreditarmos que a proximidade ao centro foi valorizada pelas elites urbanas em vários períodos da história” (op. cit., p.

9 Sobre as Áreas Centrais, vários foram os estudos realizados a partir da clássica obra de Walter Christaller, Central places in Soutehrn Germany. Englewood Cliffs, Prentice-Hall Inc., 1966. Tal teoria foi bastante referenciada no período de 1960 – 1970 durante a denominada “nova geografia”. Cf. CORRÊA, 1997, p. 15.

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247). Um dos elementos citados pelo autor é a constatação da concentração populacional de alta renda nos bairros centrais a exemplo da cidade de São Paulo. “Outra manifestação da importância dada ao centro pelas camadas de mais alta renda”, comprovada por Villaça nas metrópoles brasileiras, está no fato do deslocamento do próprio centro na direção para onde se afastam essa camada da população. Dessa forma, para o referido autor, dominar o centro e o acesso a ele em todos os momentos da história da cidade, representou não apenas uma vantagem material concreta, mas, sobretudo, o domínio de toda uma simbologia e o exercício da dominação.

Figura 2. Campina Grande, 1864

Fonte: Costa, 2003; Souza, 2012.

Pelo exposto, entende-se que as áreas centrais das cidades coincidem na maioria das vezes com a área mais antiga, ou seja, com o seu núcleo primaz que na língua castellana recebe a denominação casco antiguo, por conseguinte é onde se encontram muitos dos registros históricos: igrejas, escolas, edifícios administrativos, residências, etc.

A cidade de Campina Grande, no final do século XIX, apresentava como principais edificações, a igreja matriz, a casa de caridade, “camara municipal com todas as acommodações para o tribunal do jury e audiências das autoridades, e uma das cadeias mais seguras do estado.” Possuía ainda uma tipografia que publicava o jornal “Gazeta do Sertão”. (Joffily, 1977 [1892], p. 268). Como já expresso anteriormente, a sua dinâmica econômica dava-se principalmente em função de

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constitui-se um entroncamento de caminhos e posteriormente de estradas, ligando ,"os sertões da Parahyba e Rio Grande do Norte às cidades da Parahyba e Recife”, por conseguinte, o seu “commercio de transito, principalmente em certos dias da semana, de quinta-feira até sábado, quando são feitas as suas grandes feiras de gado, e de gêneros alimentícios” é bastante animado. (Joffily, id. ibd). (Figura 2).

A literatura consultada e os documentos históricos permitem que se identifique a origem da conformação da área central da referida cidade, correspondendo à área do núcleo primaz demarcada pelos elementos: a igreja matriz, a câmara municipal (casa de câmara e cadeia) e pelas ruas que deram origem à cidade e que também serviam de vias de ligação entre a cidade e o interior do estado, à capital da província, a Cidade da Parahyba, ao Rio Grande do Norte e à principal cidade e porto da região, a cidade do Recife. Tal conformação e a dinâmica econômica então presente na cidade são modificadas com a introdução do novo elemento técnico: a ferrovia.

Nos estudos sobre a cidade no século XIX, a ferrovia mostra-se como um elemento condutor da expansão da cidade ou uma barreira para o crescimento da cidade além dos trilhos. Pois, a ferrovia não exigia apenas os trilhos e a estação, mas uma série de equipamentos e alterações no uso do solo que alteram a morfologia das cidades e sua dinâmica socioeconômica. Como diz Rafael Alcaide González:

[…] el ferrocarril configuró mediante su infraestructura, un sistema de comunicaciones cuya implantación comportaba la inmovilidad y rigidez impuestas, tanto por los materiales empleados en su construcción como por la necesidad de determinadas extensiones de terreno de uso exclusivo para su circulación y, por tanto, para su desarrollo comercial. Tendidos ferroviarios, playas de vías, estaciones de viajeros y mercancías, accesos públicos y privados a las mismas, almacenes, depósitos de material, aguadas, y un sinfín de instalaciones imprescindibles para el correcto funcionamiento de aquel nuevo medio de transporte, facultaron que su llegada y establecimiento en las ciudades supusiera un cambio notable en la configuración y en la morfología de las mismas (2005, p. 2).

As anotações feitas por Alcaide González (2005) a partir de Barcelona na Espanha revelam uma realidade que não é única, muito embora tenha variado de intensidade em decorrência da importância da cidade e do capital acumulado para movimentar as ferrovias com maior ou menor velocidade, e, por conseguinte, a dinâmica das cidades.

Os estudos históricos mostram a importância da ferrovia para a morfologia e para a dinâmica da cidade analisada. Além disso, como bem escreve Capel (2005): “A partir del siglo XIX el ferrocarril supuso una auténtica revolución en las ciudades. Las estaciones de ferrocarril se convirtieron en edificios de gran significado como exponentes de los nuevos avances técnicos y como puertas de acceso a la ciudad.” (p. 547). Complementa o autor:

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En el siglo XIX las estaciones pudieron situarse en pleno centro de la ciudad, reforzando la centralidad, o bien en una posición lateral fuera de las murallas, dando lugar a nuevos ejes comerciales y de servicios, en los que se instalaron grandes almacenes, bancos, teatros o cafés. Cuando la estación tiene una posición central, como ocurre en numerosas ciudades europeas, principalmente alemanas, dichos efectos son especialmente apreciables y han podido incidir en la remodelación de esa parte de la ciudad. [...].

Cuando la línea discurría relativamente lejos de la ciudad, el paseo que conectaba con la estación pudo afectar al crecimiento de a misma dirigiéndolo en una dirección nueva. En esos casos puede haberse constituido un barrio nuevo, a veces llamado «barrio de la estación». Eventualmente, la construcción de viviendas para los obreros del ferrocarril, y otras de carácter modesto para grupos populares, ha podido dar lugar a un área marginal de pésimas condiciones, con trama viaria irregular; así ocurrió en Badajoz, en Córdoba y en Oviedo. (Capel, 2005, p. 548).

A instalação da via férrea e de uma estação ferroviária deu-se na cidade de Campina Grande no início do século XX. As implicações desse incremento técnico na morfologia urbana variaram em função da sua localização e também da própria dinâmica da cidade. Contudo, é fato que houve redirecionamento do crescimento da cidade, abertura de novas ruas e construções de novos bairros. Há, por conseguinte, implicações diretas da instalação da ferrovia sobre a morfologia da área do centro primaz, uma vez que a linha férrea se constrói em área não coincidente com o seu núcleo original, mas nas proximidades destes.10

Os escritos de Murilo Marx (1987), ao destacar a importância da “locomotiva” para as cidades brasileiras contribuem para a análise da ferrovia no espaço intraurbano. Escreve o autor: “Tanto pela porta que abriu – a estação ferroviária – como pelo impacto desta no tecido urbano pré-existente”. Complementa o autor:

[...]. Atingindo uma povoação, a estrada de ferro não dispensava suas exigências de trajeto; o seu leito buscava acompanhar as curvas de nível, impunha igualmente um determinado terreno para a estação. E se convertia num obstáculo difícil de transpor, num atrativo para as instalações fabris e para os grandes armazéns ao longo de seus trilhos, num pólo de gravitação a partir das plataformas de embarque (Marx, 1987, p. 114).

A ferrovia é inaugurada em Campina no ano de 1907. Trata-se do ramal da estrada de ferro paraibana partindo da cidade de Itabaiana-PB.11 Este ramal se 10 Proximidades estas identificadas atualmente, uma vez que as distâncias se modificam com o processo de urbanização e com os incrementos das técnicas. 11A estrada de ferro chega na então Província da Parahyba nos anos 80 do século XIX. O primeiro trecho ligou a capital da província a Mulungu com um ramal para Guarabira, passando por Pilar, construída pela companhia inglesa Railway Company Limited e recebeu o nome de Conde d’Eu. Em 1889, há o prolongamento dessa via, estendendo-se até Cabedelo, onde estava o porto de maior porte.

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estende à Campina Grande, após várias reivindicações, especialmente da oligarquia e dos seus representantes parlamentares. A localização do prédio da estação

[...] pelas condições topográficas da cidade, foi obrigado a ficar bastante afastado, mais de um quilômetro do centro urbano. Longe do comércio, fora dos cômodos da população, passou a merecer censuras e críticas. [...]. Para suavizar a viagem e atender às reclamações, construiu o prefeito duas estradas de rodagem, ligando a cidade à estação longínqua. Uma direta, curta, ladeirosa. Era a atual rua Irineu Jóffily. Outra curva, longa, plana. Transformou-se depois nas ruas Vidal de Negreiros e Miguel Couto. Entroncavam-se ambas em frente ao Açude Velho. (Almeida, 1978, p. 319).

Por conseguinte, a cidade se expande, passando de 731 casas em 1907 para 1213 em 1913. Tal crescimento provocou por sua vez o problema da escassez de água. Para solucionar o problema, não bastaram as cacimbas abertas, foi necessário a construção de um outro açude em área mais distante, o Açude de Bodocongó pelo Departamento de Obras contra a Seca, o denominado DNOCS. A construção do edifício da estação ferroviária é realizada em local bastante afastado da área efetivamente ocupada e a precariedade do acesso exige a abertura de vias que passam a ligar o núcleo original da cidade, o seu centro primaz e a estação ferroviária (Almeida,1979). Na área da estação de ferro surgiram as fábricas de algodão e os curtumes. Portanto, configurava-se em área de expansão do centro primaz. (Figura 3).

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Figura 3. Campina Grande, 1918.

Figura 4. Campina Grande, estação ferroviária.

Fonte: http://cgretalhos.blogspot.com.br/2009/10/facsimile-da-reportagem-da-chegada-do.html#.V3Tpo1fiRqU. [Acesso em 10 de dezembro de 2015]

Vale ressaltar a relação da ferrovia com o processo de estruturação e de expansão urbana e em particular com o centro primaz. Neste sentido, as palavras de Villaça elucidam a correspondência entre a ferrovia e a estrutura urbana. O autor, ao destacar a importância das vias regionais, entre as quais se inserem as ferrovias enquanto veículos de comunicação, decorrem de uma demanda externa à cidade, mas que, após serem criadas demandam o transporte e a comunicação intraurbana.

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Nas palavras do autor “ A própria locação intra-urbana de tais vias é ditada pela posição da região por elas atendida em relação à cidade” (Villaça, 2001, p. 82). Aqui se identifica a intrínseca relação entre a centralidade interurbana e a intraurbana.

As cidades brasileiras de um modo geral passam por grandes alterações na sua morfologia e também na sua dinâmica a partir do início do século XX. Neste período, a instalação dos denominados equipamentos modernos modificam o espaço urbano e o cotidiano dos seus habitantes: iluminação pública, água encanada, calçamento de ruas, ajardinamento das praças e até a implementação do saneamento. Tais incrementos, são denominados por alguns autores como “signos da modernidade”. Resguardadas as devidas proporções, nas cidades, mesmo naquelas interioranas, as antigas “Bocas de Sertão”, os seus governantes e a elite local idealizam uma cidade moderna e civilizada, como se pode verificar na cidade de Campina Grande. Como bem escreve Aranha (2006):

Trata-se de considerar que a ideia de modernidade, no espaço regional em apreço, se configura menos por cenários urbanos marcados pela agitação frenética no cotidiano das ruas com seu rush característico, e mais por uma ou outra novidade vinda do estrangeiro, a exemplo das que remetem à ideia de conforto e/ou rapidez e que passam ao imaginário como signos modernos por excelência. Cidade que se quer civilizada ou que estaria a civilizar-se deveria contar ao menos com um desses signos. (Aranha, 2006, p. 74).

Ao se analisar o processo de urbanização de Campina Grande, observa-se um maior ritmo de crescimento a partir da instalação da ferrovia no início do século XX e também dada à alta produção do produto agrícola e/ou pecuário principais mercadorias da região – algodão e gado. Acrescenta-se que o incremento na dinâmica urbana dá-se também em função da atividade industrial, desde a manufatureira.

Em Campina Grande, a produção de algodão, denominado de “ouro branco” na primeira metade do século XX muito impulsionou o crescimento da cidade e a concentração de capital que permitiu a implementação de uma grande reforma urbanística nas décadas de 1930-1940. Tal reforma atingiu diretamente as ruas principais da cidade, aquelas que representavam a sua primeira morfologia. Foram abertas largas avenidas como a Floriano Peixoto e outras ruas foram alargadas, calçadas e iluminadas. Os administradores da cidade - diga-se também a elite - aspiravam por uma cidade moderna e rejeitavam aquela com forma ainda bastante colonial representativa de um passado, portanto de um atraso que não condizia com o presente próspero, de riquezas acumuladas principalmente com o algodão. Essa aspiração pelo moderno foi constatada por Costa Filho (1960) e reafirmada por Cardoso (2000).

Pelo exposto, podemos afirmar que a ferrovia pode ser identificada como elemento técnico que imprime no espaço urbano uma demarcação física e espacial, portanto também social, concernente ao processo de modernização. É preciso então considerar que a instalação deste aparato moderno não se deu desvinculado do processo econômico, político e social por qual passava a América do Sul, tampouco

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foi um fato isolado. Pois, em concomitância ou em período um pouco posterior, observa-se que a cidade de Campina Grande que havia se tornado Ponta de Trilho também é objeto de um novo plano urbanístico ou de uma reforma urbanística inspirada no ideário de Modernidade. Assim, reafirma-se a importância da ferrovia para a centralidade inter e intraurbana de Campina Grande no Nordeste brasileiro.

REFERÊNCIAS

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