As folhas secas morrem no mar -...

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As folhas secas morrem no mar

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As folhas secas

morrem no mar

As folhas secas morrem no mar

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CENA I

O Espetáculo se passa sempre à beira de um rio, no cenário há apenas um longo tecido que

cobre desde o proscênio ao meio do palco em cores degradê azul. April entra em cena com

uma bacia colocando-a no chão. Olha atentamente para frente, dar alguns passos de um

lado a outro, sussurrando chama:

April – Christopher, Sofhie! Espera, olha para trás e torna a chamar mais angustiada.

April – Christopher, Sofhie!

Entra Mach, também com uma bacia, agacha e põe-se a lavar suas roupas.

Mach – Está tudo bem April? O que está fazendo?

April – (desconsertada, voltando e agachando-se para também lavar suas roupas) Nada, só

estava admirando o mar, (pausa) reparou que o mar está subindo novamente?

Mach – Não havia percebido, da ultima vez que a maré subiu... (pausa, olha para April) Me

desculpe April. Eu sinto muito.

April – Tudo bem Mach! Eu sei! Hoje faz um ano que eles se foram. (levanta, olha em direção

ao mar). Parece que foi ontem a ultima vez que eu os vi.

Música – 1 violino.

Eles estavam aqui correndo. E eu ainda disse:

Crianças tomem cuidado, a maré está alta, provavelmente subirá hoje. Então eu me virei para

pegar as roupas, e me descuidei. (para musica, olha desesperada para o mar , angustiada

grita)

Christopher, Sofhie! (Corre alguns passos, chorosa, cai de joelhos,pausa) Eles não estavam

mais. O mar, o doce mar os levou. (aumentando a voz) Levou meus anjos. Ainda não sei por

que ele me arrancou com tanta voracidade a minha vida. Tudo por um descuido meu!

March – April, muitas coisas não têm respostas. É a lei da vida! Não deve mais se culpar por

isso!

April – Sou muito azarada, ou amaldiçoada March! Por que comigo?

Marh – Não diga isso! Um dia todos nós entenderemos tudo isso.

April – Mas não foi só isso, lLogo depois da morte dos meninos, o Marco me abandonou...

meu próprio marido me deixou, ele subiu numa canoa e foi embora, mais uma vez o furioso

mar arrancou-me minha vida. As vezes não sei de onde tiro tantas forças pra ainda está viva!

March – Deve ser duro pra você né?

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April – Duro? Lembro dia após dia deles! Saber que por um descuido meu perdi os dois.

March – Não foi culpa sua! Foi uma fatalidade apenas.

April – Pra você é muito fácil falar, não teve filhos arrancados dos seus seios, nunca casou.

March – Sei que é muito difícil pra você, compreendo sua dor, mas relembrar sempre essa

tortura, só te trará mais dor.

April – Ás vezes fico tão desesperada, desconsolada com a solidão que bate na minha porta

que me descontrolo. (pausa e levanta). Outro dia à noite, vim até aqui como de costume pra

esperar o Marco voltar. Fiquei horas só olhando as ondas indo e vindo, marés baixas e marés

altas. Então ouvi Sofhie me chamar, lá do fundo. (sussurrando) Ela costuma me chamar todos

os dias, tarde da noite.

Meus olhos não aguentaram de tanta felicidade, minha garotinha estava ali. Então eu corri, mergulhei e fiquei a procurar por ela, e eu chamava: Sofhie, Sofhie, mas ela calou-se, fiquei desesperada, minha filha podia está morrendo de novo, então nadei, até cansar, eu achava que o maldito mar havia me traçado uma armadilha, que ele queria me levar também, naquela hora resolvi me entregar a ele. Parei de nadar. (pausa) Mas sabe o que ele fez? Me cuspiu de volta, o desgraçado me trouxe de volta pra beira. Por quê? Por que ele não me engoliu como um devorador de filhos, como um tenebroso assassino? March – April, por que ainda faz isso? Sabe que eles não irão voltar!

April – Por que ele os levou?

March – A culpa não é do mar.

April – Por que da mesma forma que ele os levou, ele não devolve? Ele não percebe que sinto

falta? Que meus filhos me fazem falta? Quero eles de volta!

March – Pare de se torturar, sabe que eles não irão voltar mais. Eles partiram!

April – E por que ele não me matou também?

March – Ele não a levou por que ainda não chegou sua hora. Entenda isso, sua vida ainda não

acabou. Não a entregue fácil assim.

April – Eu não tenho mais vida! Não tenho filhos, não tenho mais marido! Pra que viver?

March – Eu também não tenho! Mas nem por isso me arrisco e vivo amargurada.

April – Você sempre foi solitária March, não sabe o que é amamentar seus filhos, vê-los dar os

primeiros passos, ouvir a primeira palavra. Não sabe o que é receber um carinho do marido,

amor, afeto.

March – Mesmo assim, não sou infeliz!

April – Eu não tenho mais razão pra viver, queria que a morte viesse ao meu encontro.

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Entra May.

May – Como você é dramática April, fica chorando a morte dos filhos, e o abandono do marido

todos os dias da sua vida.

April – Às vezes, acho que você não tem coração May. Você também foi abandonada pelo marido e também teve os filhos mortos afogados antes mesmo dos meus. Como pode ter um coração tão frio? Eles te foram arrancados! Não os amava? May – Eu os amava mais que minha própria vida, mas se o destino tirou de mim, é por que eu não os merecia. Ou, não me mereciam. Assim como os seus April. April – Não se atreva a tocar nos meus filhos com essa frieza. May – Não adianta ficar com raiva de mim, a vida é assim.

March – April acalme-se, não ligue para o que a May diz, ela também está desconsolada com a

perda de seus filhos.

May – Eu só acho que não adianta se lamentar por algo que não volta mais. Se aconteceu, teve um motivo. April – Qual o propósito de arrancar meus filhos?

March – Nem sempre temos todas as respostas!

April – Queria pelo menos o Marco aqui, mas eu sei que ele irá voltar.

May – Deixe de ser tola! Seu marido te abandonou.

April – Ele não me abandonou, ele apenas foi procurar nossos filhos desaparecidos.

May – E você espera ele voltar, e ainda com seus filhos? Francamente April.

April – Não foi o meu que me abandonou, e sim o seu. Trocou-a por outra!

May – Ah infame! Não se atreva a dizer isso.

April – Não seja inútil May, todas sabemos, Jian te deixou para deitar em novo leito. Para gozar

de novas núpcias.

May – Ah mulher odiosa. Deve sofrer a morte dos teus filhos pelo resto da vida.

April – Não me rogue pragas, por que eles voltarão! Eu acredito. March, acredita em mim?

March – Deve parar de esperar April. Pode ser tornar uma espera cansativa e desgostosa.

April – Ele irá voltar! Tenho certeza disso. Acredite em mim March!

March – Você tem esperança nisso?

April – Sim! Eu sei que irá voltar.

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March – Então acredito em você! Sua família irá voltar.

May – Não seja inútil March, sabe que eles não voltarão.

March – Uma família é benção de Deus. E se o senhor permitir, April terá a sua de volta!

May – Deus? Deus destruiu nossas vidas, a minha e a de April. Ele é o maior causador dos

nossos sofrimentos.

March – Não diga isso May. Não é Deus quem destrói famílias. Tudo depende do destino. Deus

une a família, muitas vezes é o homem que separa.

May – E o que você sabe sobre família, nunca teve uma. Sempre fora solitária, não teve

marido, tampouco filhos.

March – A vida não se baseia apenas em casamento.

May – Irá morrer sozinha March, sem ninguém! Assim como April.

March – Todos estamos caminhando para morte May. É a lei da vida, mais cedo ou mais tarde.

E morremos sozinhas.

May – No seu caso, com a solidão que te corrói, pode chegar mais rápido!

March – Não me rogue praga! Não sou que sofro de solidão aqui!

April – E você não espera seu marido voltar?

May – Felizmente não! Quero que ele sofra até o fim da vida.

April – Por que tanta amargura May, é seu marido, deve espera-lo voltar e honrar seu

casamento.

May – Casamento? Quem acredita nisso? Eu já não tinha há muito tempo, foi só questão de

tempo para ele ir embora! É tolice acreditar nas promessas de casamento.

April – Eu acredito no meu marido, ele disse que voltaria!

May – Sua tola inútil. Vai morrer esperando esse infeliz do Marco voltar.

April – Eu ainda vou te provar! (sai de cena).

May – Por que você ainda a apoia nessas motivações.

March – Por que enquanto houver vida, haverá esperança.

May – Esperança? Desconheço!

May sai.

March – A esperança existirá até a ultima gota de oceano. Não as entendo. Tiveram a vida que

pediram a Deus, mais o trágico destino às tirou. Mesmo assim não entendem que elas ainda

estão vivas. Estão sempre amarguradas, sofrendo dia após dia, matando-as um pouco todos os

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dias. Não percebem que possuem a graça divina de ainda respirar, tocar o mar, pisar na areia,

e melhor ainda, possuem a dádiva de amar. Mas estão presas em seus próprios conflitos,

preocupadas com os entes que já se foram ou com a raiva que eles a deixaram.

Ajoelha-se.

Senhor! Agradeço por mais um dia aqui, viva, respirando e agradecendo. Agradeço também

pela vida de April e May. Que elas percebam a tempo o prazer de viver.

Sai de cena. April entra, olha por todos os lados e chama:

April – Christopher, Sofhie! Espera, olha para trás e torna a chamar mais angustiada.

April – Christopher, Sofhie! Não vão voltar mais?(pausa)(cantando)

O amargo balanço da morte escondia O rancor e a rara triste alegria Perdeu-se no encanto do mar foram embora sem avisar. Foram embora, foram embora No maldito encanto do mar. Sofhie estaria fazendo 7 anos hoje, minha menininha. Parabéns pra você, nessa data maldita... (choro) (suspira) (grita)Não! Eles vão crescer e dar muito orgulho a mãe. Sim, serão doutores. (rindo) É isso, meus filhinhos vão salvar vidas. (pausa) Serão? Não... Nunca serão! Não salvaram as próprias vidas.

Toca musica – Violoncelo.

(grita) Mar, leva-me, me ensina como é viver no teu interior. Mergulha-me nas tuas águas, e afoga-me nas tuas ondas, mesmo que eu sinta dor ou desespero, leva-me! Quero encontrar meus filhos! (E corre para o mar. March entra.) March – April o que está fazendo?

April – Correndo atrás do que já deveria ter feito! Não aguento mais March. Eles não voltarão!

March – E a sua vida? Seus filhos não gostariam que a mãe se matasse.

April – Não posso mais fingir!

March – E se o Marco voltar, não poderá está morta. Terá que cuidar dele.

April – Não posso mais fingir.

March – Deixa-me cuidar de você. Venha aqui.

April – Ai de mim, desgraçada. Hei de soluçar bem alto. Pros ventos e mares ouvirem, eles

destruíram minha vida. Deus destruiu minha vida.

Trovoadas começam.

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March – April, vai cair uma tempestade, volte.

April – Ouça! Está ouvindo?

March – April!

April – Psiu! Cale-se, é Sofhie me chamando. Acalme-se filha, não tenha medo, mamãe está

aqui. Onde você está? Não a vejo, está tudo escuro. (pausa) Boneca da mamãe, hoje ela está

fazendo 7 aninhos March. Venha Sofhie, fiz um bolo pra você em casa, Christopher e o papai,

estão em casa te esperando.

March entra na água atrás de April, a segura pelo braço.

March – April, não seja inútil, sofhie não está aqui!

April – Está sim, olha ela ali (aponta) oi bonequinha!

March lança um tapa em April. (para musica)

March– Sofhie morreu, assim também como Christopher.

April – Morreu? Não tenho mais filhos? (olha para o mar) Onde está Sofhie? Ela foi embora?

March – Não April, ela morreu!

April – Morreu? Morreu!

March – Venha comigo April, você não está bem!

Elas saem do mar.

April – (sussurrando) Morreram? Eles morreram! Morreram...

Entra May em cena.

Olha atentamente para o mar, fica de joelhos. Preparando-se para um ritual.

May – Maldito mar que encanta e trapaceia.

Foste tu o causador da ida daquele infame do Jian que um dia me jurou amor. Por que não o

matou quando teve chance? Que virasse o barco e o matasse afogado. Tu és o causador da

minha solidão, do meu sofrimento. Se pudesse pagar, o faria secar até a ultima gota.

Entra March. May desconserta.

March – O que faz por aqui esse horário?

May – As vezes passo por aqui para ver como anda a Maré.

March – April não está bem, anda tendo uns delírios. Temo que aconteça algo.

May – Não deveria se preocupar tanto, sabe que ela não está bem há muito tempo. O pior

pode acontecer mais cedo ou mais tarde.

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March – Credo May, devemos desejar somente o bem para April.

May – Não existe bem ou mau. Existe sorte ou azar. Azar daqueles que ainda acreditam na

vida, e sorte de quem percebe que a vida é uma grande mentira. Que nesse vão de vida, ou

você perde ou ganha, e na situação de nossas vidas, não estamos pra ganhar.

March – Por que tanto pessimismo e amargura?

May – Não é amargura, é arrependimento da vida.

March – Arrepende de que?

May – O homem é a criatura mais odiosa e impiedosa que existe. Me arrependo de um dia

sofrer por ele. Você não sabe o que é sofrer por alguém em que você se dedica a vida inteira,

amando e respeitando, até que o maldito destino os separe.

March – Mas, todos temos escolhas na vida, devemos ser independentes e respeitar os outros.

May – É fácil dizer quando nunca se casou, ou teve filhos. A mulher fica vulnerável quando o

homem a toma como mulher, ela depende dele pra formar uma família, e encontrar algum

tipo de felicidade.

March – Você não foi feliz com o Jian?

May – Se felicidade for depender do homem para ter o que comer, e ter preocupações,

preferia nunca ter encontrado esse leito. Mas de todas as criaturas que tem alma e

pensamentos, a mulher é o ser mais infeliz. Primeiro ela deve ser tomada como esposa, dali

deve honrar o matrimônio, ser devota e afirmar fidelidade a seus maridos.

March – Qual o mal nisso?

May – Que para o homem, a mulher não passa de um simples objeto frágil. Criaturas que não

correm perigo nenhum em casa, enquanto eles guerreiam, ou ficam em riscos em suas caças.

Pensamento insano deles. Preferia eu caçar ou até mesmo guerrear por noites seguidas, a ter

que parir uma única vez.

March – Não entendo todo esse arrependimento. Preferia não ter tido filhos?

May – Preferia não ter nascido. Pra sofrer nas mãos dos homens como um animal que ele

caça, e quando não quer ter mais proveito, descarta. O homem subestima muito a mulher, ele

acredita muito na ingenuidade dela, saibam eles, que a mulher é leoa em pele de ovelha.

March – Ás vezes tenho medo de todos esses sentimentos sombrios que te preenchem May.

March sai de cena. May novamente se prepara para o ritual. Acende uma vela.

May – Ventos perversos, e pensamentos malditos, quero convocar todos os espíritos malignos.

Vinde vós espíritos impiedosos, que se aproveitam da fraqueza do homem e o faz regredir.

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Vinde agora em mim, tira-me esse sentimento perverso de solidão e remorso. Para que eu

não me arrependa de ter matado os frutos do meu ventre, frutos gerados com o infame do

Jian. Tira-me essa saudade materna, e incube-me com a mais amarga frieza, para que eu não

posso cair em ressentimento.

Quero também que continue atormentando com toda desgraça a vida daquela que clama pela

espera. A espera do marido e dos filhos, assim como me fizeste matar os impiedosos filhos

malditos dessa mãe odiosa, os filhos que a tanto faziam feliz. Continue a atormentá-la noite

após noite, culpando-a pela morte dos filhos.

Entra March.

March – Infeliz! Infeliz! Como pode ser tão cruel May? Como conseguiu matar os próprios

filhos, e os filhos de April. Você não é normal! Deve ter parte com o demônio. Infame,

desgraçada!

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