AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

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LIVRETO VIRTUAL DE POEMAS

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A boca suja do coração limpo Por favor, arregue para o amor. Cague e ande para que os outros vão pensar e falar de você. Chute o balde do medo. Dê um pé no saco da solidão. Este poema vulgar quer falar a língua dos homens. Larga de ser trouxa e vai viver no amor. Não fique pensando no passado e no futuro. Desopila teu fígado. Descarregue a cabeça das merdas que você pensa. Vem ser feliz agora, cacete, não deixa pra depois! Manda tua vaidade plantar batatas. Essa porra de vida se esvai num minuto. Então, larga de frescura e vem! Essa minha boca suja quer dizer que te ama pra sempre . Então, foda-se o resto!

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A força que nunca seca

Quero te embalar em meu colo, mas só em pensamento... porque assim posso demonstrar meu afeto.

Perto de ti não tenho chão, nem teto.

Longe de ti eu sou deserto. Mas, perto, não posso sê-lo.

Perto de ti devo guardar meu zelo.

E assim eu não chego nem perto.

E assim não tiro de mim a paz que espero.

Em colocar em mim o teu esmero.

De longe, sem perto e sem apelo.

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A Grande Alma do Artista Por Maurício Santini Em homenagem ao amigo e doce ator João Signorelli O teatro, doce ator, é uma das formas mais puras de mediunismo. É pela arte de contracenar que incorporamos os personagens e, muitas vezes, a alma dos próprios. Trajamos a roupa e a carne, calçamos as sandálias e os pés. Em muitos atos, nos desnudamos. Noutros, usamos as máscaras. E cada apresentação é uma roda viva de encarnações. A ação de encarnar a luz não é para qualquer corpo, doce ator. É tarefa dos que vestem os figurinos do bem e da compaixão. A psicofonia do enredo, a voz que sai pelo coração. Só encontra eco nas cordas vocais de um instrumento afinado. Além disso, doce ator, portar na testa a lanterna do olho que vê. E auscultar o silêncio das platéias ocultas que vibram as mensagens da não-violência, não é mera coincidência! Saiba, doce ator, que o personagem escolhe o médium. E que o hálito da Grande Alma que da tua boca sai aos poucos produz o mel das palavras que adocicam a vida de muitos. Mudam-se os cenários, trocam-se os vestuários. Mas, o coração fica, o coração é uma única peça só. A iluminação vem mais de dentro do que de fora. E a trilha sonora é o sibilar da alma que voa mais alto em direção ao espetáculo da vida! Este é o destino de uma boa companhia! Saiba, doce ator, que por detrás das cortinas daquilo que não se pode ver. Existem coxias que cochicham obras divinas aos ouvidos que sabem ouvir. São como preces que chegam ao peito dos que assistem. E a montagem, doce ator, fica por conta do Grande Diretor do Universo! Por final e sem fim, doce ator, enquanto centenas de palmas juntam-se a ti pelos teatros e espaços de improviso na Terra. Os espaços siderais lotam suas arenas e aplaudem cada gesto de sol, cada palavra de céu, cada oração, cada candura e devoção. E a emoção de ser parte, doce ator, da trupe que encena o amor. Nos palcos da Grande Alma do Artista!

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A natureza e as juras de amor Como pode a injúria do ódio ter mais efeito que as juras de amor? Na Terra, bem meu, as sombras brilham mais que a escuridão. O ponto negro destoa no pano branco. A mancha reluz no tecido liso. As nossas dores cismam em freqüentar as nossas noites. E nos açoitam como se o amor e a sabedoria jamais existissem! A falsidade continua dando as caras em sua oculta e macabra fantasia. E a mentira dança com a vingança num baile de máscaras. Meu amor, nem toda a ação é uma reação! Tudo se renova e se recicla nestes múltiplos versos. E mesmo se assim o fosse, onde estaria a compaixão? O sol brilha no infinito e dá luz aos planetas, todavia pode queimar gravemente a nossa pele. A água é o sinônimo da vida, muito embora os maremotos destruam as plantações e as floradas. O ar é o fluxo da existência, porém os vendavais arrastam as árvores frutíferas e os sonhos. E a terra abençoada e confortável é capaz de engolir um continente inteiro com a sua boca infame. As tempestades são como prantos convulsivos de medo. E eu choro intempestivamente por perder no caminho o teu amor. Assim, por mais árido que esteja o teu peito. Por mais secos que se encontram os teus olhos. E por mais deserto, o teu coração que se cobriu de areia. Há sempre um oásis que a verdade traz com o vento. Minhas mãos desenharam-te uma estrela. E ela há de brilhar no firmamento de um dia. E ela há de brilhar no universo das mil e uma e incontáveis noites!

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A quem amo Meu amor, se eu te prender com as correntes do meu egoísmo, então não é amor, é escravidão e controle. Se eu não sentir, ao menos, por ti, uma nesga de dor, então não é amor, é emoção efêmera. Se não me bater a lembrança das horas que passamos espremendo os minutos, então não é amor, “é nuvem que passou e não choveu”.1 Se o teu riso, mesmo que distante, não desenhar o mesmo em minha boca, então não é amor, é desdém e contradição. Se o teu pranto não contagiar meus olhos, então não será amor, posto que não há compaixão. Se eu tapar os olhos dos teus defeitos e imperfeições, isso não é amor, é cegueira e paixão. Por outro lado, se eu nunca agradecer pela tua existência em mim, não pode ser amor, é desleixo de quem só tem olhos pra si. Se eu disser que te amo apenas no afã dos meus desejos, nos turbilhões da minha pele, então não é amor, é frase de momento, hálito de tesão. E se eu tapar meus ouvidos aos gemidos da tua dor lancinante, quem pode dizer que isso é amor, é omissão e jogo. Todavia, se eu saciar todos os teus anseios, até os mais injustos, então não se trata de amor, é compra, aquisição de um bem pelo poder. Meu amor, se eu te abandonar na primeira rusga, no ato de uma bofetada do destino, então isso não pode ser amor, é medo das pedras do caminho. Se eu, por ventura, servir-te apenas de escudo das tempestades de granizo, então continua não sendo amor, é só necessidade de proteção. . Se eu nunca verter nenhuma gota instantânea que sai dos meus olhos quando te vejo, então o amor não se faz em mim porque meu olhar está seco pelo vento. Ao contrário, se eu não abrir meu sorriso e não te ofertar as pétalas que saem do meu peito quando penso em ti, então o meu amor não é um jardim fértil e feliz, jaz, com o tempo, em solo árido. Assim, se eu me calar e esconder minhas palavras de afeição, talvez isso seja amor, um amor que busca o silêncio pra se expressar. Ao mesmo tempo, se eu gritar que te amo e “meu coração não me sair pela boca”2 então não será amor, será tudo, menos amor. E se eu estiver, de fato, contigo, mas minha alma voar distante, isso será amor porque estarei livre dos elos que te prendem ao meu ego. Meu amor, se eu te amarrar em meus braços, estarei ocupado a aprisionar a mim mesmo, e isso não é amor. Mas, se eu libertar-te de qualquer apego, tua distância fará com que te ame mais e mais...Infinitamente.

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Assim, quando adormecer em mim o breu dos ciúmes e amanhecer em nós a manhã da liberdade, aí reside o amor, no espaço, solto entre os astros e as estrelas, deitado confortavelmente sobre as mãos de Deus! 1 – citação da canção A Montanha e a Chuva de Orlando Moraes 2 – citação de um verso de Rabindranath Tagore

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A Viagem de Retorno Sim, eles decolaram para o infinito! Pousaram no coração do Universo e já recolheram suas malas na esteira do tempo. Quando da passagem à outra pista, as asas de Garuda, num vôo paternal, se abriram e a Grande Ave os acolheu em suas penas confortáveis. O silêncio, a paz de quem alça a viagem de volta. A alma afrouxa os cintos e ganha o espaço. Está livre da nave corpo, turbina o espírito e voa. Lá embaixo, o fogo, misturado às lágrimas, solta fagulhas de tristeza. Os curiosos estão ávidos para contar os mortos. Mas, eles não estão mortos! Só aterrissaram em solo mais sutil e descansam entre as conexões. Os comissários de luz, as aeromoças angelicais servem seus passageiros. O Grande Comandante está no manche da viagem. Quando vamos parar de derrapar nas pistas molhadas pelas nossas lágrimas vãs? *Se o trem que parte é o mesmo trem da chegada... Somos passageiros, sempre! Estamos com as passagens de ida e volta no bolso. Devemos aprender que o universo também apresenta seu caos e sua ordem. Ficamos tristes, sim, pelo ocorrido. Ninguém se alegra com destruição, em meio aos gritos. Mas, temos que lembrar que quando voltamos à Terra gritamos também, mas a este som damos o nome de vida! Quando vamos aprender a decolar a nossa alma? Arremeter nosso passado de reversos encrencados? Checar nosso espírito, volitar por cima das nuvens cinzentas? Apertar os cintos da nossa segurança? Confiar nos céus do Brigadeiro Maior? Deslizar na velocidade cruzeiro da paz e na certeza de um pouso tranqüilo e natural? Luz, luz, luz acesa do Maior Farol do Céu às famílias que ficaram pelo Porto da Terra. Que suas vidas continuem brilhando como estrelas no firmamento, onde os espíritos alados e aviões acompanham suas jornadas. Ponderemos, a Grande Torre de Comando precisa eternamente da nossa viagem de retorno. Boas viagens! * Alusão à canção de Milton Nascimento – Encontros e Despedidas

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Adeus Hoje eu acordei sem a canção do meu amor Além deste silêncio sobram notas de uma dor Que dói em dissonância com o som do violão As cordas não se afinam e partem o coração. Eu já nem lembro mais de quando eu te toquei Das horas que desafinei. Em busca de te amar sem distorção Jamais ter que compor nossa ilusão. E as horas viciadas que busquei a tua voz E um rio de poesia que formou a nossa foz E o som de uma partida vem dos lábios teus Eu sei, não é preciso mais cantar nosso adeus. Adeus.

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Canto Silente Estás triste... minha alma se rende e chora. Minhas mãos querem tua pele, teu rosto ausente. És como a lua que se oculta, implora. Por minha vida, nova, adolescente. Nem ao longe, a tua tristeza aceito. Prefiro teu riso a magoar-me de alegria. Não suporto nenhum momento da tua agonia. Não quero tua dor a “dolorir” meu peito. Vai, alegra-te e me mata de tristeza, mas só um pouco... Ou fica contente por mim e em mim, ao menos, muito. Sadio, vazio, a vadiar-me como um louco. Na insanidade do teu olhar fortuito. Teu rancor é como um ladrão que me assalta. E os teus gritos são em mim como uma ode ao espanto. Meu amor, jamais se iluda com a minha falta. Estou perto de ti, *sempre e tanto, que mesmo em face do maior encanto, eu canto-te mais com meu silêncio.

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Carta de Renúncia Eu renuncio a quem eu não aprendi a amar. Entenda, só posso te amar quando eu estiver livre. Meu momento dói. Minhas horas não passam. Não desejo que o meu amor faça parte disso. Quero o meu amor por ti liberto. Por isso, eu te solto de mim. Por isso, eu me solto de ti. Estou acorrentado de mim mesmo. E assim, não quero te prender em minhas teias. Não quero que tu adornes teu pescoço com as minhas algemas. Quero-te livre. Quero-me livre. Enquanto eu esperar por ti não me atrevo a te querer. O meu amor em silêncio grita mais. Não posso também me amalgamar a ti. Assim como não desejo cativá-la em meu egoísmo. Tu me amas? Falta apenas aprender a te amar. Falta apenas aprender a me amar. E no amor, seremos livres. Enfim.

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Coração de Menina Livre, correr pela praia. Hoje, estrela do mar. Depois de ouriços e seixos, caminhos perdidos... Voar com meus sonhos no ar. Presa às lembranças de estrada e pó. O medo já passou, ninguém está só. E um mar de incertezas acorda a canção. Minha alma, a essência do meu coração. Sim, coração de menina. Bate um tambor de ilusão. Sim, coração de menina. Compassos do meu violão. E de repente, fiquei no silêncio, sem voz Parei no meu corpo, senti o oceano de nós. Trilhas sonoras, caladas por dentro de mim. Um filme sequer estreou e eu já busco seu fim. Fim, coração de menina. Ser, coração de mulher. Fim, coração de menina Crescer porque o tempo quer.

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Descativeiro Se eu te amo, eu não te prendo Em minha cega e irreal cadeia Em minha teia, que em fios remendo E vai doendo, sangra a própria veia. Se eu te amo, nunca te cativo Sob meu jugo falso te alicia A morrer por mim, assim quase não vivo No crivo da dor que nunca me alivia Se eu te prezo, não te tenho presa Porque o amor brota em liberdade Dita a verdade, cartas sobre a mesa De mãos dadas, soltas na cidade Se eu te quero, quero como as aves As flores clamam pelo jardineiro Portas fechadas sempre chamam chaves E o amor se prende no descativeiro. Eu te amo e assim vamos embora! Meus próprios passos correm para os teus Eu te amo e não vejo a hora Que os teus ponteiros se juntem aos meus Vamos libertos, nos amamos mais. O barco parte e, ás vezes, demora Mas, sempre volta a beijar nosso cais.

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Destwitte-me Na verdade o que eu sinto por você não se resume em 140 toques.

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Dodói Gosto tanto docê que me dói. E a sardade que o tempo martrata e rói. Marvado, me mata de farta. Que os zóio de fel sobressarta. E o peito da cabocla mói. Onde tá ocê que não vem? Será que iô perdi esse trem! Desde que ocê foi embora. Os bicho parece que chora. E as pranta morreram tumbém. Só chove lá fora e dende mim. Que perco até o camin doncovim. Que troço danado é a tristeza. Perrenga toda natureza. Dá cabo da alegria por fim.

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É PRECISO INCORPORAR O AMOR, ALÉM DE ESPÍRITOS

Fazer o bem não é obrigação, fazer o bem é atributo do coração. Eu não preciso de velas para acender o espírito. Eu não preciso defumar a alma. Eu não preciso acender charutos para incensar o ar com bons pensamentos. Eu não preciso transformar meu corpo em cavalo para receber idéias altruístas. Eu não preciso bater cabeça para que eu não bata a cabeça no mundo. Eu não preciso entoar hinos de louvor para falar mais alto ao Criador. Eu não preciso baixar minha cabeça quando alguma alma vai embora. Eu não preciso tomar marafo para purificar meu sangue. Eu não preciso fumar, beber, rodar, girar, dançar, eu não preciso de nada para fazer tudo! Meu Pai, faz de mim um instrumento da Tua Paz e Luz! Precisar é dependência. Amar é de graça, é da graça. Quando você ama de coração, não é preciso obrigação. È preciso incorporar o Amor, além de espíritos...

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Encontro das Águas Quando partiu fez-se um rio De tanta dor que eu chorei Meu peito vazante e vazio Da chuva que eu derramei Quando voltou, meu deserto Foi inundado de cheia Os botos chegaram mais perto Sentaram nos bancos de areia No pôr do sol, teus abraços De um céu que a tarde desmaia Poder dormir em teus braços Nos leitos do Araguaia Na noite que escurece o rio E a lua se deita na praia Teu beijo é mais doce e macio Que as águas do Araguaia.

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ENNIO Para Ennio Morricone Era uma vez, em meus ouvidos, um Ennio. Sua missão é fazer com que eu me ache na canção. E mais além, faz compadecer meu peito tão tocável. Funde meus olhos com as lágrimas em gotas de um canto só. Era uma vez um maestro dos meus sonhos. Ele toca e entoca em mim as minhas divindades. Acorda-me com seus acordes. Dá corda ás cordas que sustentam minha alma. Era uma vez e sempre foi. A eternidade sempre carrega suas notas. Às vezes, não têm dó de mim. Às vezes manda-me para lá, onde nasce o sol. Ennio vai dos meus pés à cabeça. Dos meus infernos aos meus “Paradisos”. Compõe a trilha da minha vida. Ele toca os intocáveis. Ele passa a minha vida no cinema. Ele encanta a tela do meu coração. Deus abençoe este Ennio. Que consegue ser melhor que o silêncio.

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Entre Quatro Paredes Quantas vezes me senti amado, mas quando amanheceu o dia, já não era. Por muitos momentos uma mordida nos lábios arrematou-me de desejo e, confuso, inebriado, disse o impulso da minha carne: eu te amo, eu te amo. Todavia, quem disse que a carne ama? Se a mente nos prega peças mentirosas, a carne nos trai. A carne pensa que todo afago é amor. A carne é fraca de sentimentos e forte de sentidos. Os amantes, no torpor ardente dos lençóis, dizem-se frases adocicadas e picantes. Os ouvidos pensam que é amor. A garganta diz que assim o é, mas é instinto. Talvez, o coração deseja ardentemente entrar neste círculo, mas, na maioria das vezes, ele fica de fora. Os cabelos afagados juram que são amados. O nariz respira o olor que julga ser amor. A boca, ai, a boca, ela diz, ela só diz. E toca as suas canções com as cordas vocais que vêm do sexo. Delírio, dor e prazer, suor e lágrimas, sorrisos, toda uma sorte de sensações que se misturam e defendem, com gritos e sussurros, que há amor nisso tudo. Mas, daí vem o amanhã, o problema, a discussão, as contas e, no fim das contas, Toda aquela manifestação ávida apaga-se na memória das emoções. Quantas vezes me senti amado, mas quando amanheceu o dia, já não era. Já não acredito mais neste discurso. Nas falas trêmulas, nas promessas. Nas juras que se tornam injúrias. Na cama, toda ofensa é estimulante. Na vida, qualquer palavra mais ácida torna-se o estopim de um fim. Será que temos que passar o tempo todo da vida na cama? Será que este exercício habitual nos faz amar verdadeiramente? Eu amo fazer sexo, visto que não se faz amor como um produto manufaturado. Eu amo tanto fazer sexo que até fico sem ele. Mas, jamais me confunda com palavras sublimes vindas de baixo. Eu amo fazer sexo, mas prefiro amar. E ser amado. E isso, isso não é possível entre quatro paredes.

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Estrela do Campo Para Paula Fernandes Ela pinta o rosto para esconder a sua dor Ela finta o desgosto de se perder no amor Ela se sente sozinha no meio da multidão E sempre está acompanhada quando vem a solidão Ela se olha no espelho e retoca a maquiagem Ela mostra seus olhos e entoca a sua imagem Ela bota a bota e coloca seus pés no chão E quem há de pisar no sertanejo coração? Ela é caipira e pira e vira assim uma estrela Ela é da roça e roça meus olhos, eu gosto de vê-la! Ela veste o brilho da lua, sua alma está nua em seu leito E é da terra que vem essa voz que ecoa em meu peito. Ela canta, encanta, espanta as notas do medo Ela chora, ora, decora seu velho segredo Ela acorda as cordas nos acordes do seu violão E toca o mundo inteiro com a nossa canção

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Eternal Blues

by Mauricio Santini

Tonight, the children of New Orleans will sing their last blues, Hymns of repulse against the wind, the sound of sad and muddy tones Tonight, the Mississipi waters weep their most clouded tears And mud stains the white of songs so black Tonight, a mournful silence covers the city, a sorrow that only the blues can sing Tonight, the sad song of improvised mermaids has taken Louisiana And destiny´s wind has whistled its most infamous melody Tonight, tomorrow is not a certainty But there´s always a Mississipi in light, which embraces men and rescues them from the bottom of the streets You can hear the sounds of trumpets and saxophones that touch men´s hearts like a divine and blue breath There´s always a New Orleans which is never underwater and lulls and welcomes its children to the first morning tunes Even after the storm and the winds Melody never rests in New Orleans The joy of eternal blues is played there The blues of the eternal beginning * To the people of New Orleans, victims of hurricane Katrina in August 2005

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Eterno Blues Hoje os filhos de New Orleans cantarão seus últimos blues. Serão cânticos de repulsa ao vento, sons de notas tristes e enlamaçadas. Hoje as águas do Mississipi choram suas lágrimas mais turvas. E o lodo mancha o branco das canções tão negras. Hoje um silêncio sepulcral se abate sobre a cidade. São lamentos que só o blues sabe entoar de dor. Hoje o canto tristonho das sereias improvisadas tomou Louisiana. E o vendaval do destino assoviou sua melodia mais infame. Hoje não se sabe se haverá amanhã. Mas há sempre um Mississipi em luz que abarca os homens e os resgata do fundo das ruas. Podem-se ouvir os sons das trombetas e dos saxofones. Que tocam o coração dos homens como um sopro divino e azul. Há sempre uma New Orleans que jamais está submersa. E que acalanta e recebe seus filhos aos primeiros acordes da manhã. Mesmo depois da tempestade e dos vendavais. Lá nunca jaz a melodia. Lá se toca o júbilo dos eternos blues. O blues do eterno recomeço. * Em conforto aos habitantes de New Orleans que sofreram os efeitos do furacão Katrina em agosto de 2005

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Eu, minh’alma gêmea!!! São todas almas gêmeas, as que nascem do útero da Mãe As que imigram da célula do Pai As luzes que espargem estrelas no céu E as sombras que cobrem a aura do Sol São almas gêmeas, o amor impossível e o ódio mais que fugaz A guerra no seio da terra e a onda possível da paz O mar que bate nas pedras e as pedras que explodem no ar! São almas gêmeas, aqueles que jogam sua ira nas Torres Gêmeas com aqueles que oram em devoção nas cavernas Os que invadem casas alheias e os que respeitam outras idéias Exu e Iemanjá Lúcifer e Jeová O aqui e o acolá Samael e o arcanjo Miguel, A luz solar e as nuvens negras esparsas no céu O Verso e o Universo O Todo que está em Tudo A voz e o surdo-mudo O gato voraz e o cão feroz O terno manso e o eterno algoz O mártir e o covarde O ar que resfria e a chama que arde O prazer e a dor O fazer e o bolor O Lao Tse e o Mao Tse Satanael e o doce Jesus A escuridão e a Luz Que a busca está para dentro de si Que tudo está completo em ti

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Que aquele que procura fora, Está por fora e não se acha dentro! Que aquele que só está feliz em mãos alheias Fica na mão e de mãos vazias e Sua alma nunca está cheia!

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Frascos de Perfume São como frascos de perfume. Os relacionamentos afetivos têm prazo de validade. Muitas vezes queremos espremer o vidro na esperança da última gota. Quando o ar se esgota não há força no mundo que possa retornar o spray. Por vezes o frasco se quebra em mil pedaços e a flagrância fica na casa durante um tempo. Daí vem o vento, vem a brisa, vem a poeira, vêm as horas e dissolvem as partículas daquele cheiro bom. Fica só um resquício de aroma no ar. Há perfumes que combinam com a nossa pele, outros não. E pele não é só sexo, pele é alma, é companheirismo. Uns possuem odores inebriantes, todavia não fazem parceria com a gente. Outros são suaves, mas que permanecem. Mas, jamais podemos esquecer que são só perfumes. Cada um tem o seu. Uns são amadeirados, fortes, duros com a vida. Outros são florais e sonhadores. Há também os cítricos, aventureiros e superficiais. Alguns deixam bom ar e boas lembranças. Outros deixam a atmosfera empestada com pensamentos funestos e desagradáveis. Entretanto, o único olor que fica é o seu. A eternidade é você com você mesmo. Tome um verdadeiro banho com teu cheiro. Saia pela vida a exalar sua marca pessoal. Há narizes que se aproximarão de você com ar de apreciação. Outros torcerão o nariz. Não faz mal, este aroma é eterno, porém mutável. Ame-se! Este perfume jamais se esgota. Este frasco nunca se quebra!

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Homens de Chico *Raia o sol, a flor dos chicos no Brasil! Estes chi´s abençoados que varrem os males do país! O Chico da selva e da mata. O olheiro que escuta a floresta. O guardião e o gnomo de Deus. O pai e o filho da Mãe-Terra! O manso Chico que empresta suas mãos às súplicas. O quase cego que enxerga quase tudo! O ignóbil mais que letrado. O escriba do além. O carteiro e o poeta divino! Tantos chicos que até me lembro de Assis. Mais um “chi” que assim a Luz se fez! Curumim de mim, Kuthumi de nós. Que dorme no dorso dos bichos e anda nas corcovas das montanhas. Habita nas cavernas onde soam os tambores xamânicos do peito Amanhã, quero nascer Chico! Ser um homem de Chico que absorve o fluxo da paz no mundo! Um Chico das águas de cima com as águas de baixo, numa pororoca abençoada! Que jamais derrama o sangue num cálice de sombras. E bebe do Graal o vinho de Sananda* *alusão à canção “O Ciúme” de Caetano Veloso * Chico Mendes, Chico Xavier e Chico de Assis *O vinho de Sananda é suave e a safra é atemporal.

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INIMIGOS OCULTOS

Sofre de reumatismo, Quem percorre os caminhos tortuosos; Quem se destina aos escombros da tristeza; Quem vive tropeçando no egoísmo. Sofre de artrite, Quem jamais abre mão; Quem sempre aponta os defeitos dos outros; Quem nunca oferece uma rosa. Sofre de bursite, Quem não oferta seu ombro amigo; Quem retesa, permanentemente, os músculos. Quem cuida, excessivamente, das questões alheias. Sofre da coluna, Quem nunca se curva diante da vida; Quem carrega o mundo nas costas; Quem não anda com retidão. Sofre dos rins, Quem tem medo de enfrentar problemas; Quem não filtra seus ideais; Quem não separa o joio do trigo. Sofre de gastrite, Quem vive de paixões avassaladoras; Quem costuma agir na emoção; Quem reage somente com impulsos; Quem sempre chora o leite derramado.

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Sofre de prisão de ventre, Quem aprisiona seus sentidos; Quem detém suas mágoas; Quem endurece em demasia. Sofre dos pulmões, Quem se intoxica de raiva e de ódio; Quem sufoca, permanentemente, os outros; Quem não respira aliviado pelo dever cumprido; Quem não muda de ares; Quem não expele os maus fluidos. Sofre do coração, Quem guarda ressentimentos; Quem vive do passado; Quem não segue as batidas do tempo; Quem não se ama e, portanto, não tem coração para amar alguém. Sofre da garganta; Quem fala mal dos outros; Quem vocifera; Quem não solta o verbo Quem repudia; Quem omite; Quem usa sua espada afiada para ferir outrem; Quem subjuga; Quem reclama o tempo todo; Quem não fala com Deus. Sofre do ouvido, Quem prejulga os atos dos outros;

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Quem não se escuta; Quem costuma escutar a conversa dos outros; Quem ensurdece ao chamado divino. Sofre dos olhos, Quem não se enxerga; Quem distorce os fatos; Quem não amplia sua visão; Quem vê tudo em duplo sentido; Quem não quer ver. Sofre de distúrbios da mente, Quem mente para si mesmo; Quem não tem o mínimo de lucidez; Quem preza a inconsciência; Quem menospreza a intuição; Quem não vigia seus pensamentos; Quem embota seu canal com a Criação; Quem não se volta para o Universo; Quem vive no mundo da lua; Quem não pensa na vida; Quem vive sonhando; Quem se ilude; Quem alimenta a ilusão dos outros; Quem mascara a realidade; Quem não areja a cabeça; Quem tem cabeça de vento. Causa e efeito. Ação e reação. Tudo está intrinsecamente ligado. Tudo se conecta o tempo todo.

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E assim, sucessivamente, passam os anos sem que o ser humano conheça a si mesmo. Somos, certamente, o maior amor das nossas vidas! Assim como o nosso maior inimigo é aquele que está oculto e que habita, inexoravelmente, no interior de nós mesmos.

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Jeito de Mato – o Poema Para Paula Fernandes De onde vem esses olhos tão tristes? Da campina branda onde o sol se deita. Do regalo de terra que o teu dorso ajeita. E dorme serena, no sereno e sonha. De onde é que salta essa voz tão risonha? Da chuva que teima, mas o céu rejeita. Do mato, do medo, da perda tristonha. Mas, que o sol resgata, arde e deleita. Há uma estrada que passa na fazenda. E vai te levar ao destino, tua senda Onde os anjos tocam tuas canções. Há nas tempestades do tempo, uma tenda Que vai proteger tua história, tua lenda Das cheias e das devastações. Sim, dos teus pés na terra nascem as flores Tua voz macia aplaca as dores E espalha as cores pelo ar. Sim, dos teus olhos saem cachoeiras. Sete lagoas, mel e brincadeiras Espumas que formam as águas do mar.

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Jeito de Mato – a Canção De onde é que vem esses olhos tão tristes? Vem da campina onde o sol se deita. Do regalo de terra que teu dorso ajeita. E dorme serena, no sereno e sonha. De onde é que salta essa voz tão risonha? Da chuva que teima, mas o céu rejeita. Do mato, do medo, da perda tristonha. Mas, que o sol resgata, arde e deleita. Há uma estrada de pedra que passa na fazenda. É teu destino, é tua senda. De onde nasce tuas canções. As tempestades do tempo que marcam tua história Fogo que queima na memória acende os corações. Sim, dos teus pés na terra nascem flores. A tua voz macia aplaca as dores E espalha cores vivas pelo ar. Sim, dos teus olhos saem cachoeiras. Sete lagoas, mel e brincadeiras. Espumas, ondas, águas do teu mar.

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Lágrima do Coração (Soneto do Peito) Quando chorar teu amor Chora com os olhos do coração Que as lágrimas da compaixão Lavarão tua emoção, tua dor. Quando chorar por amor Faça-o sem vergonha ou pudor Que as gotas dispersas na imensidão São orvalhos salpicados em flor. Quando chorar o amor Derrama-o sobre a humanidade E fazem-se as cheias de verdade Para quem chora com amor Cheias de devoção e de bondade Ocas de ilusão e de rancor. Companhia do Amor *Recebida Espiritualmente por Maurício Santini durante reunião IPPB

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Lágrimas pra Deus Sim, eu choro por Ti, Meu Senhor. E as gotas que caem dos meus olhos, formam esse lago do meu coração. Sim, eu choro por Ti, Meu Senhor Com as águas luzidias da compaixão. E assim se fazem as cheias de amor e de perdão. Eu choro por Ti, Senhor Meu. Pai dos meus olhos vazantes. Que mesmo sempre, tarde ou muito antes. Fez-se presente por chorar por mim. Eu choro por ti, Senhor Meu. Porque as enchentes que inundam meu peito. Vazam dos sonhos e escorrem em meu leito. Faz brotar as flores e regar Teu Jardim. (Recebido espiritualmente em reunião do IPPB)

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Marcas de Expressão Eu, tirar minhas marcas de expressão? Qual o por quê de extraí-las se foram elas que me deram expressão? Limpar da minha vida as tristezas que fizeram traços na minha testa. Não. Prefiro aprender com a minha fronte. Varrer do canto dos olhos os sorrisos que eu dei as alegrias que eu tive. É uma forma estúpida de estética, como se eu fosse alisar minhas experiências, as que eu vivi com muito custo e honra, apesar de algumas dores. Esticar minha cara contra a natureza? Embonecar-me como um brinquedo em série? Nada disso traz a verdade. Se daqui a pouco a minha papada estará mole é porque cantei muito, falei do meu amor pelos quatro cantos do mundo e por todos os cantos da boca. E se há cabelos brancos foi porque eu comecei a acender melhor minhas idéias. Se hoje eu não corro e me canso com mais facilidade é porque tenho a vivência de saber que muitos passos que damos são dados em falso, trôpegos até. Quantas vezes escorreguei pelas ciladas do destino? Quantos buracos, quantos caminhos errantes, quantas bifurcações. Minhas pernas seguem mais lentas, todavia precavidas dos acidentes de percurso. Quando vejo uma pedra, não mais a chuto, deixo que ela fique em seu lugar. Meus braços não querem tantos músculos definidos e sim, a definição de um abraço afetuoso. Agora solto mais minha barriga. Já não tenho mais quase medo. Já não reteso tanto minhas emoções e nem as guardo no armário embutido do abdômen. A barriga era mais dura, eu era mais duro e a vida, para mim, era mais dura. Sentia com o estômago. Apaixonava-me com o fígado, sofria muito pelo intestino. Para quê uma barriga de tanquinho e um ralo de esgotos na cabeça? Não posso dizer que nunca mais tive emoções tão indigestas. A diferença é que o alimento que vem dos outros me faz menos mal e a minha digestão é mais segura e confiante. Apenas ando, caminho com as árvores, as abraço, dou nome a elas. Olho pro céu, hoje, olho pro céu e procuro as estrelas mais próximas, busco as distantes, apesar de não enxergá-las com os olhos. Piso meus pés na terra, seca ou molhada, tanto faz, mas sinto sua pele. Parece incrível sentir o coração do Planeta com os pés. As flores são vistas, outrora, desprezadas. As plantas dormem ao meu lado. Falo com os bichos e escuto suas frases. Antes minha surdez era mais jovem. Posso dizer que, agora, minha voz, mais grave e mais

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fraca, é capaz de dizer que ama com muito mais firmeza e verdade. E como ela já disse: não sou eu quem faz os anos, os anos é que me fazem.

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O medo de amar é o medo de ser livre 2 (*) Que eu te amo e nisso sempre vamos embora. Eu te amo, fica com isto por hora. Que assim o homem expressa seu amor covardemente. E ás vezes cala fundo o que é pra gritar profundamente. Por vezes grita raso sua aflição muda e sonora. Que hoje a nudez do coração se despe envergonhada. E ao desnudar nosso peito se veste um raio do nada. Como um deserto de uma noite “desestrelada” Que enterra nosso sonho sob a terra encharcada. Dizer que “eu te amo” virou medo e história. Perdeu-se na memória, vingou-se na escória do vento. Que se faz gélido como ar condicionado ao relento. E o pavor de uma entrega deixa o quarto num vazio. Ali, os poetas se derramam de saudades no frio. Agora vão as feridas cultivadas pelo rancor. O jardim das flores possíveis são ervas daninhas da dor. É, meu amor, esquece o que eu disse sobre nós. Eu não sei por que o amor sempre faz seu dueto a sós. E o mais simples e comum emaranha-se em múltiplos nós. Nós, uma porção de sozinhos que caminha acompanhada. E a solidão covarde de quem nunca se atreve a ser amada. * Alusão à canção de Beto Guedes, “O medo de amar é o medo de ser livre”.

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MENGÁLVIA DE DRACENO

(em alusão à Marília de Dirceu)

Estavas tu, ó, Mengálvia, a receber dinheiro.

Enquanto eu a espreitava sorrateiro.

Será jóia falsa ou pedraria?

Perguntava-me mesmo se deveria.

E arrisquei tonto sem me dar conta.

Que a minha pena era a mais tonta.

Que um futuro abismo se avultava.

E quanto mais eu ia, mais eu parava.

Arava a minha própria sepultura.

Na clava suja do canal da clausura!

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Meu coração é um relicário que guarda os teus olhos preciosos

Conversar com a tua essência, sem defesa, sem medo é bom demais! É como se a gente fosse criança e sentasse na beira de um rio e jogasse pedrinhas na água. Sem julgar frases, sem temer remorsos, nós somos mais nós quando somos apenas nós, sem nosso passado ou futuro. Você é um presente para mim quando se faz presente. Quando não tenta tirar de mim as minhas mentiras. Amar aquilo que você é sem esperar que você seja diferente já me basta. E assim, basta em mim o teu amor sem tuas memórias amargas. E a liberdade de sermos nós sem que seja preciso estarmos sós. Hoje, te pressenti sem máscaras. E eu sou feliz em não ocultar minha alma. Meu coração é um relicário que guarda os teus olhos preciosos.

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Meu velho e bom amigo Joshua Tu que és o alívio e o bálsamo das dores O teu Semblante abarca a compaixão tão cedo Tira de nós os cravos deste medo Livra o degredo dos rancores Levita o peso sombrio das nossas cruzes E liberta-nos das tentações mundanas No cume do teu amor despontam luzes Transmutam em paz as nossas mãos insanas Fazei das nossas gotas, mares Por onde teus pés vão mais que benditos E abençoa os nossos muitos lares Por onde ecoam lamentos, gritos Assim meu coração te clama A chama e o meu peito se abre em flores Cores e amores ao invés de lama A rama ao invés de dores O manto vermelho da verdade Cobre as sombras e Segue desvelando a luz Meu pai é a taça da realidade Deságua em mim e eu sou Jesus!

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Meus Olhos

Meus olhos estão turvos de você.

E um mar de lágrimas encheu meu coração de saudades.

Mas, que falta é essa que me assalta o peito e de certo é ruim?

Que liga é essa que nos liga e nem liga pra nós?

Meus olhos estão secos de você. Uma seca de fogo que torra minha calma.

E já não posso mais te ver, nem de longe, nem de menos, perto.

*Meus olhos andam cegos de te ver. É que uma máscara fria encobre teu rosto. Não há mais vista para a nossa paisagem. Há só visagem e fantasmas. Miasmas de nós, asmas de amor.

Meus olhos estão fechados para você. Enquanto você sonha e amanhece pesadelos. Meus pelos se arrepiam de lembranças que eu quero derreter. Assim meus olhos estão bem abertos em você. Para que eles não saiam da órbita na hora em que te verem.

Meus olhos definitivamente estão esbugalhados para você. Enquanto eu não os fechar para sonhar contigo...

E quando eu me levantar, meus olhos se fecharão, pra voltar a dormir, pra voltar a sonhar. Para voltar a viver com os olhos abertos pra você.

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Morto de Saudade Não é qualquer coração que suporta ser espremido entre as veias Nem tampouco as aranhas são engolidas pelas próprias teias Bato no peito e sangro sem medo de sentir dor Menstruo sobre a cupidez ignorante do amor O tempo passa e as horas consomem esperanças Mastigo meu ódio com o tempero das lembranças Sobra-te este feto, a chorar pelo teu infame peito. E o leite derramado que manchava nosso leito. Desfeito pela tua gentil e doce maldade. Fruto imaturo da tua mais tenra idade. Resta-me um naco do teu corpo leiloado. Resta-te o amor e um poema tão quebrado. Mas, vem logo antes que eu acorde e seja tarde. Quem ama sempre deve fazer seu alarde. Recolhe os pedaços do meu peito esquartejado. Já me mataste mesmo com a tua crueldade. Ressuscita então este enfermo e morto de saudade! * Um poema sob a influência de Augusto dos Anjos

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Natural (do livro Eu, Pilatos) Eu chovo toda vez que tu partes. E parte meu coração em duas partes: uma vai contigo... A outra, junto a mim de saudade. Eu relampejo toda vez que eu te lembro. E inundo meu peito em tempestades! Como se eu quisesse chover as lágrimas que teimo em carregar dentro de mim. Por ti, meu raio de sol, eu vento pra voar ao teu lado... E pouso em teu coração como um pássaro. Onde gorjeio meus sonhos e levo no bico o tempo. O tempo que não passa... Eu marejo meus olhos num papel entristecido pela tua falta. O meu destino tão caro... Eu coro. E curo tua distância que decoro. Quando oro e, enfim, finjo que existo. Que insisto tonto em querer-te tanto!

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Nenéns E quem há de negar que da lama pode nascer uma flor? Que são das lágrimas de dor que nascem as maiores conquistas e até um possível lago de alegria. Que dos tempos mais sombrios, há a certeza do sol. Que das nuvens mais carregadas são “chovidas” as águas que lavarão a nossa alma. Quem há de negar que da partida nasce a volta? Que da cegueira vem a visão? E que da mágoa e do ressentimento sobram as lembranças de amor. Que aquilo que mais queremos nos afastar é aquilo que mais nos aflige e mais nos aproxima. Que não existe paz sem que tivéssemos passado por batalhas. E que é justamente da ausência que buscamos a essência da presença. Chora, sofre, grita aos sete ventos a tua dor. Por acaso não é assim que renascemos? Na palmada do médico, no pranto sofrido e ultrajante do bebê, no choro compulsivo da criança. Para o neném que renasce pode parecer tristeza. Mas, para quem vê de fora é só alegria. Vida.

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Ninguém Ninguém é a sua tábua de salvação. Se for, você vai acabar se afogando. Ninguém deve ser sua última esperança. Se for, você vai esperar sentado. Ninguém é a razão do seu viver. Se for, você vai morrer logo. Ninguém é a luz dos seus olhos. Se for, ela vai te cegar. Ninguém pode ser o motivo do seu riso. Se for, você vai chorar muito. Ninguém é de ninguém. Se for, então é mentira. Ninguém é ninguém na sua vida. Se for, então nunca foi alguém. Ninguém é tão feliz assim. Se for, alguma coisa está errada. Ninguém é perfeito. Se for, várias coisas estão erradas. Ninguém é tão bom, nem tão mal. Se for, não é equilibrado. Ninguém morre. Se for é porque não viveu. Ninguém é tão necessário. Se for, então não é amor. Ninguém é tão sozinho. Se for, é egoísta. Ninguém te ama pelo que você faz e sim, pelo que você é.

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No colo de Minas Vem, minha doce amada e joga teu relevo em mim. Quero me deitar em teus pés de serra como uma flor que cai no jardim. Prezo em sentir teu cheiro, preso em teus braços. Livre, meu destino sempre busca teus abraços. Vem, minha musa, de longe e tão perto em meus sonhos. Eu sei, o mar não te toca, nem te lambe o horto. No entanto, minhas lágrimas te inundam e formam lagos tristonhos. Onde eu marejo meus olhos como um barco ancorado sem porto. Vem, meu amor distante e deleita-te ao meu lado. Que tuas ladeiras saudosas me levam ao teu céu escarpado. Luzir em meu peito tuas minas, tuas contas, teus diamantes. Que cismam em brilhar muito mais que os meus olhos distantes. Vem, que saudade de tê-la de novo em meu leito! Onde faço amor em meus sonhos de liberdade. Antes que tardia, vem te aconchega em meu peito. Como um trem que parte e volta a felicidade. Vem o mestre a esculpir minha ferida. Vem o médium a escrever sobre a morte. Vem de Minas, meu anjo barroco da sorte! Vem de Minas aquilo que eu chamo de vida! (Alusão ao Mestre Aleijadinho e ao Médium Francisco Cândido Xavier)

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Notas Mudas A noite cai mais uma vez sobre mim E a lua reflete minha sombra na terra Meus pés impressionam teu jardim Enquanto tua voz muda chega da serra. A noite cai mais uma vez sobre nós. Nossos nós, nossas mãos tão fugidias Estamos juntos quando estamos a sós Ardem chamas, madrugadas frias. E o silêncio cai também na minha voz Quando parte de mim a tua parte A canção encontra assim o seu algoz Na solidão aterradora da arte. Minha música quase nunca te alcança Em notas frias, em pautas de esperança Assim batem os ritmos do meu coração Até que eu emudeça enfim nossa canção.

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O Amor do Cristo Vivo

(do livro Eu, Pilatos)

O Cristo não quer espirrar sangue na sua cara!

O Cristo não deseja a celebração da imagem do Gólgota.

O Cristo não quer que você O acompanhe no Seu calvário e nem nas estações de terror da Via Dolorosa.

O Cristo não promove massacres e nem sessões de tortura.

O Cristo não culpa ninguém!

O Cristo está vivo, Solte-o da sua cruz!

Tira os cravos que perfuram infames as Suas mãos. Deita, nas Palmas do Mestre, as lágrimas perfumadas de amor pela Sua causa.

Com cuidado, retira a inclemente coroa de espinhos da Sua cabeça e orna Seus cabelos com flores do campo.

Lava Seu rosto com as águas do Jordão límpido e, com seu manto, enxuga Sua face tingida de púrpura. Certamente, Sua Verdadeira Imagem se imprime mais no coração do homem do que na santidade de um Sudário!

Limpa as Suas feridas e chagas e beija Seus olhos. Unge-Os com o bálsamo da alegria e o unguento da paz e esquece de toda a dor!

O Cristo não pede que você se crucifique por Ele e sim que viva por Ele. Viva Nele!

Queima essa cruz de madeira, enterra essa cruz de metal!

O que importa não é como, quem ou qual o porque que Jesus foi morto, pela simples razão de que Ele jamais esteve morto!

Cristo está vivo, remove você a pedra do Seu sepulcro!

É hora de brindar o Amor do Cristo Vivo! Faça-o com a taça do seu coração!

O Cristo não voltará um dia à Terra, o Cristo jamais Se foi

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O Eco das Almas Douradas (Ode ao Egito) Ao cerrar meus olhos mortais posso abrir meus horizontes sob o Olho Central de Hórus. E vislumbrar o infinito... De onde reverberam as vozes... Que saem qual o eco das almas... E vão buscar o templo dos tempos. Eu me vi assim, menino. No berço acalantado por minha mãe Hathor. Bebendo do leite sublime da vida, o elixir exato da morte. E como Moisés, vou embalado pelas vertentes douradas das águas alquímicas do Nilo. Beijado por Hapi. Abrindo os meus braços a Isis. Ó Lua Crescente! Ó Pai Sol! Mergulhado vou eu nas ondas do alto assim como as de baixo. Unindo-me hermético no milagre do Uno. Ó Meu Pai Osíris Ó Soberano da Vida! Guardião dos meus sonhos mais lúcidos! Ó Anúbis Guia-me à consciência de Rá! Ó Anjo Solar! Ó Hierofante Máximo! Desperta-me da noite e tira os véus que encobrem meu rosto. Minha face tão marcada pelas provas. Ofereço meu amor em sacrifício. Para que Ápis não seja mais morto. E que Maat seja enfim minhas asas. Alado, flutuo cônscio sob as planícies de Gizah! E que Thot escreva em meu coração, a bruma e a brisa da manhã de Dendera. De Luxor a Karnac.

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Da Mãe Atlântida ao cemitério do Cairo. Meu peito dói de lembranças... Enquanto o Sol bate em meu rosto e clama um átimo de riso Vem Egito! Deita em mim os raios deste ouro e sopra a areia dos peitos mais desertos. Assim como o rio sagrado rega os terrenos áridos dos pensamentos sórdidos. Mata a morte dos homens! Mesmo que a ignorância possa derrubar as colunas e as esfinges. Mesmo que o tempo castigue todo o Criado e o vento encubra as marcas. Mesmo que os ladrões possam saquear os tesouros da humanidade e Roubarem todo o alabastro de Queóps. Mesmo que os covardes conquistem a Terra1 Mesmo depois de tudo. Ó Todo! O Egito sempre será. Será porque já foi. Será porque será um dia!

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O que há de belo em Nair Tudo de belo tem a Nair. Sorriso, graça, olhos de quem já vai gargalhar. Nair é como uma pessoa que a gente conhece sem conhecer. E já gosta, antes mesmo de olhar. Um ser confortável. Como um parente distante que a gente preza em receber. O que há de belo em Nair? A luz que emana da sua felicidade perene. A impossibilidade da tristeza. Não há velório em sua alma. Não há enterro em sua essência. Só há vida e continua depois da morte. No alto astral, na comédia da eternidade. Nair, vê se segura a risada ao entrar no céu. Que o roteiro da tua novela começa agora. Por entre as árvores do Cambuci. Ao cruzar o riacho da independência. Tua alegria liberta encantará os palcos do grande espetáculo da vida!. *Homenagem de um poeta do Cambuci a atriz Nair Belo

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Paciente de Ciúmes Sob inspiração da Ordem da Fraternidade do Triângulo e da Cruz Prezado Paciente. Ontem foi mais uma noite triste, uma nota melancólica em tua vida. O véu escurecido dos ciúmes obscureceu teus olhos como a viseira faz com os asnos. É que a patologia pinta um quadro tão terrível, com cores tão sórdidas e escorridas de uma lágrima quase seca. E uma história de pavor forma-se diante dos teus olhos como se tua imaginação fosse verdadeira. Não é assim? O monstro avoluma-se, toma corpo e incorpora sobre teus ombros um pesado fardo de angústias e inseguranças. Sentes como se fosse um menino abandonado pela mãe. Sombras, filmes, séries intermináveis de amargura e baixa autoestima fazem cerimônia fúnebre em tua casa. Invade teu quarto, picha tuas paredes, arranca tuas imagens divinas, vomita em teu tapete e vai tingindo tua pele de excrementos ilusórios. Pobre, mísero, como se estivesse infinitamente abandonado. Teu amor mais heróico torna-se o vilão mais sagaz, do qual, planeja, oculto, tua derrota. E ri, ri, ri... Ri pelos cotovelos e pelas costas e te esfaqueia com tua mente perturbada e mentirosa. Tua amada, justo no momento do teu transe mais infernal, deleita-se nos braços do teu algoz e delira, delira... Delira como faz tua idéia cheia de venenos. Tu não enxergas nada, nem um palmo à frente, muito menos atrás. E a cabeça gira, gira num redemoinho de farsas. Diz-me, quanto tempo perdeste com este roteiro macabro? Quanta vida desperdiçada com a tua vilania insegura? Quanto valor exacerbado tu colocas na bolsa da tua amada? E diz-me, sinceramente, isso é amor? Esse fluxo vem do coração? Prezado Paciente. Segura-te em ti mesmo! Ancora-te em teu sentimento! Mostra o quão sublime é teu coração que ama e deixa livre teu amor. Que ele há de voar só, de caminhar com seus próprios pés e há de ancorar na hora certa em teu peito. Se não aportar, deixe que se vá, como a brisa que se esvai e corta teu rosto. Acorda, que ninguém que ama se escora em paredes de espuma e gelatina. Quem ama finca suas vigas em terreno fértil e constrói, seguro e firme, uma morada onde só a luz do sol pode entrar. Prezado Paciente. Arma teu cavalo de batalha na serenidade do teu amor. Empunha tua espada e corta as imagens de horror. Certamente, elas se dissiparão com teu sorriso, com tuas mãos afiadas na tua divindade interior, com teus pés que caminham em direção a solidez de alguém que devota sinceramente a sua afeição. Inspira teus pulmões com o ar da confiança em ti. E cuida, ora e vigia. Ninguém te pertence. Nada é definitivamente teu, só a tua alma, que um dia, se espargirá também nas ondas de um oceano sem fim.

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Prezado, sê paciente com tuas imperfeições! Sê paciente também com os deslizes e os descuidos das pessoas. Jamais caia na vala comum dos desesperados por ciúmes. Lava tua aura com o sabão do respeito. Escova teu medo e esfria tuas lavas vulcânicas da desconfiança. E fia-te em ti mesmo. Fia no Criador. Fia-te no teu amor próprio que há de ser mais forte, mais firme e mais belo que uma noite qualquer de fantasias e fantasmas. Fia-te no teu amor por alguém que há de receber-te para o abraço mais seguro e terno. Como um colo de mãe, como um sorriso de filha, como a frase mais afetuosa no leito eterno dos amantes.

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Pedacinho do Céu (Um choro em homenagem à irmã Dorothy Stands) Irmã! Fica em paz agora e deita no solo macio do universo. Descansa tua alma nobre sobre o lençol de nuvens. E sonha... Sonha com a igualdade entre os homens. Aqui não há demarcações de terra, nem cercas de arame farpado. Aqui todos têm o direito a um pedacinho do céu. Não existem grileiros e o firmamento é o latifúndio de todos. Podemos nos sentar nas estrelas e admirar o brilho da lua. Podemos até mesmo lavrar nossos sonhos. E assim, colhemos a vida como a nossa maior propriedade. Irmã! Deita teu corpo cheio de pó no colo de Maria. Onde há de haver lugar para acalentar todas as tristezas. Derrama as lágrimas de compaixão aos homens e inunda a nossa terra. E suas águas hão de lavar a alma dos desalmados. E suas águas hão de regar a nossa terra. A mesma terra onde voltarás a pisar um dia.

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POEMA DA TERAPIA DO AMOR

O Amor é a maior terapia do Universo. Não há doença, não existe mal que suporte o remédio do Amor. Não há lesão, nem machucado que resista à pomada do Amor. Nem tampouco, a fraqueza ou a debilidade vence o elixir do Amor. Pode haver dor de estômago, pedras nos rins, intestinos presos por emoções, o Amor é o melhor antiácido do mundo! O Amor solta a prisão de ventre. Mesmo que a arritmia ou disritmia descompasse o coração, o Amor regula as batidas do peito. O Amor melhora as dores de cabeça da vida. O Amor calcifica os ossos com seus passos precisos, refaz os músculos, firma os ligamentos. O Amor fortalece os cabelos com os carinhos, faz bem para pele com os afagos. O Amor massageia o cérebro com idéias luminosas. O Amor limpa os olhos com as lágrimas da felicidade, faz bem aos dentes pelo sorriso. Com Amor você respira os melhores ares do otimismo. O Amor faz a gente cantar e limpar a garganta. Com Amor a gente não morre, nós somos eternos! Assim, quero fazer-te muito bem! Então vem, cura as tuas dores em mim! E cura-me de todo mal me amando!

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POEMA DE UM TEMPO BOM

Meu amor, eu te protejo dos temporais. Quando as chuvas de granizo chegarem a cuspir pedras, a bandeira do nosso amor nos fortalece. Porque o amor é um escudo de conchas que rebate as tempestades. Por mais que o tempo esteja cinzento, há um céu azul dentro de nós. Sim, tens medo das trovoadas, agarra-te em meu convés! Eu cantarei as canções do sol que arde em nossa costa. Quais raios se atreverão a chover em cima das estrelas? Meu amor, é tempo de tempo bom! Recolhe as gotas dos teus olhos. Os ventos levarão teus maremotos, teus tremores de terra. Há um oceano, vasto mundo, a navegar com o timo do coração. As ondas virão, eu sei, mas contornaremos as marés com o nosso leme. Icebergs, monstros imaginários e piratas tentarão derrubar nosso barco. Mas, o nosso amor encantará a Netuno, as sereias serão nossas guias. Faremos das ilhas distantes, as nossas moradas. Brilharemos como águas marinhas nas praias escuras. E deitaremos nossa embarcação no porto do amor. No cais seguro do amor. Sem partidas.

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Poemete de Cama Meu amor, quero ser teu criado mudo. Onde guardas em mim um pouco de tudo. Deixa-meeu dormir aceso ao teu lado. Meu coração é o teu acolchoado. Acende a luz, do abajur de quem te ama. E dorme em paz no colo da minha cama.

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Por te amar tanto Eu amo teus pés mesmo quando estão cansados. Eu amo tuas mãos e os teus dedos afinados. Amo teus cabelos ondulados, tua natureza. Amo também os lisos. Amo a tua beleza. Amo tua voz como se fosse a minha. Amo teu corpo quando ele em mim se aninha. Amo tua alma simples, transparente. Amo tua calma apenas aparente. Eu amo teu riso, amo teu pranto. Amo teu silêncio, amo teu canto. Amo tua franqueza, amo a honestidade. Amo a fortaleza e a fragilidade. Amo teus olhos, amo teu umbigo. Amo teu contorno e o teu ombro amigo. Eu amo a tua pele e o que está dentro dela. Amo o que te oculta e o que te revela. Amo tua presença, amo teu vazio. Amo tua seca, tua represa e rio. Amo teu mar, amo te amar. Amo aquilo que você pode ou não me dar. Eu amo tudo isso, amo tudo aquilo. Amo teu grito, amo teu sigilo. Amo teu corpo, amo tua chama. Amo quando pega boa parte da cama. Amo teu filho, amo dar meu colo. Amo tuas águas, deitar no teu solo. Amo tua alegria e o teu mau humor. Amo quando está frio e recebo o teu calor. Eu amo os minutos que passamos juntos. Amo até quando não se têm assuntos. Amo teu não, amo mais teu sim. Amo quando você foge e volta para mim. Eu amo teu espanto, amo teu encanto. Amo sonhar-te por amar-te tanto.

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Prisão dos Sentidos (do poemete) Quero ser teu criado mudo. Onde encostas tua cama em meu corpo para dormir. Onde guardas o que mais te importa. E exporta, perto de mim, os teus sonhos. Quero ser teu escravo surdo. Onde tuas palavras duras se perdem. Onde tuas dores não encontram eco. E a tua alegria pode gritar em mim. Quero ser teu servo cego. Onde eu só possa ver a tua alma...

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Quando eu volto para ti (Sob o luar de Paraty) Quando eu volto para ti as ondas se quebram em meus olhos e derramam gotas de um oceano sem lágrimas. Teu braço de rio me acalanta e teu amor desemboca em meu peito como se buscasse o mar. É do teu cais que sai o barco das minhas lembranças. É das tuas ruas tortas que eu guardo o calor dos meus dias. Eu que tropecei tantas vezes nas pedras dos teus caminhos... Caio quantas vezes quiseres para poder beijar teu chão. Passa a procissão e eu oro por nosso passado. Choro pelos quatro cantos da noite e me embriago do teu luar. Sou teu cantor que entoa uma velha bossa nova. Sou aquele saveiro que parte à procura das ilhas. Sou como a nau dos errantes e amantes sem timo e direção No fim da tarde diviso a igreja e tuas luzes acendem minha nostalgia. Meu coração é uma lamparina. Ela arde de amor por ti. Paraty. Já andei de mãos dadas com a ilusão. Já me sentei com a felicidade num degrau de pedra. Vivi um grande amor e morri. Parti, voltei e agora sofro. Eu sou o Forte que com fraqueza volta a mirar teus braços Eu sou a mesma brasa que se aquece à Rua do Fogo. Saiba amor, nessa dor onde o meu coração fez sua pousada. Sob o luar de Paraty eu fui feliz um dia...

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Quando o coração fala mais alto, a alma escuta

A consciência grita. A mente berra. A cabeça tagarela. Mas, o coração tem que falar mais alto! A garganta trava. Os olhos choram. As orelhas tapam. Mas, o coração tem que falar mais alto! O peito arde. Os ombros pesam. As costas endurecem. Mas, o coração tem que falar mais alto! A espinha curva. Os braços cansam. As mãos suam. Mas, o coração tem que falar mais alto! O estômago pesa. A barriga ronca. O fígado chia. Mas, o coração tem que falar mais alto! As pernas bambam. Os joelhos dobram. As juntas juntam. Mas, o coração tem que falar mais alto! O sexo pede. O corpo cede. A boca, sede. Mas, o coração tem que falar mais alto! O olhar desvia. O andar estanca. Os músculos rijam. Mas, o coração tem que falar mais alto! Os pés pisam. Os egos pisam. O cotovelo dói. Mas, o coração tem que falar mais alto! Quando o coração fala mais alto, a alma escuta. E quando a alma escuta, a gente faz a vontade de Deus.

Page 64: AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

QUASE O quase mata, aterroriza, angustia. O quase é a razão da ansiedade. Todos os “quases” que me foram ditos são lamentáveis. O quase é perda de tempo e energia e quase sempre nos arremata à velhice das nossas idéias. Quase fui, quase chego, quase voltei, quase, quase, quase... Aquela viagem que eu quase fiz, mas não deu. Aquela pessoa que eu quase beijei, mas tive medo. Aquele emprego que quase larguei, mas me faltou coragem. O quase pode até salvar, mas não deixa a gente viver. Quase caí, mas me levantei. Quase morri, mas estou vivo. Mas, o quase, quase sempre causa frustração. Aquela frase de amor que eu quase disse, mas tive vergonha. Aquele abraço fraterno que quase dei, mas me faltou tempo. Aquela jura de afeição que quase entoei, mas me segurei na minha indecisão. O quase é quase sempre prejudicial à saúde porque deixa resquícios de ilusão pelo corpo. Aquela loucura que quase fiz, mas não tive peito. Aquela verdade que quase eu disse, mas que fingi para proteger a mim mesmo. Aquela ofensa que quase calei, mas que por vaidade, gritei. Aquele momento que quase vivi, todavia preferi resguardar-me de receio. O mundo, quase na sua totalidade, passa por quases que são capazes de mudar o curso das nossas vidas. O quase é o sinônimo da omissão. O quase nos empaca, nos bloqueia, nos estanca. Quem quase amou, não amou. Quem quase viveu, não viveu. Quem quase sorriu, permanece triste. Quem quase vai, nunca chega lá. Quem quase volta, sempre fica. Quem quase é tudo, é quase nada também. Vamos abolir o quase infrutífero das nossas vidas. Vamos dizer que faremos sim, numa próxima oportunidade. Vamos realizar. Vamos beijar, abraçar, afagar, dizer, fazer o que tem que ser feito. Vamos deixar o quase quase esquecido e só o utilizaremos para nos salvar dos perigos. Vamos completar o quase, sempre! Seremos mais felizes sem o quase. E nunca seremos quase felizes!

Page 65: AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

Recado de Francisco para a dor de quem perdeu seu bicho estimado Sei, que uma lágrima de dor escorre dos teus olhos Agora e no dia em que o teu irmão se foi E se afastou de ti e se aproximou de Deus. Todavia, Dou-te uma nota feliz neste dia tão triste: Jamais Deus teria sido injusto com os animais! Agora mesmo, neste exato instante em que choras, Teu bicho estimado segue e evolui... Brilha na imensidão do espaço e volta, manso, ao seu aconchego de almas! As hostes dos anjos e Franciscos Cuidam das luzes em pêlos e preparam suas patas para uma nova vida. Enxuga assim teu rosto e acredita! Fizeste a parte que te cabe neste mundo. Que um sonho jamais termina num último miado E nem tampouco se pode calar os latidos de um dia... É que o Criador adora as suas crias! E deixa que elas permaneçam sempre vivas, Na memória de quem fica ou mesmo até que um novo homem se forme! Porque os anjos têm asas como as aves. Porque os homens têm pêlos como os bichos. E todos nós temos alma como Deus! Seja nos quintais, nas árvores ou nos rios! Seja nos mares, nas florestas ou nos lares! De uma vez por todas: Sempre estaremos vivos!

Page 66: AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

Ao Dunga, Princesa e Susi e todos os gatos, cães e bichos que iluminaram meu caminho.

Page 67: AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

Refinados Finado é todo aquele que parte o coração. Finado é o que cisma em apagar suas próprias luzes. Finado é o que faz murchar suas íntimas flores. Finado é aquele que não tem fins e busca dar cabo aos recomeços. Finado é o fim dos tempos! Finado é a pedra intacta do sepulcro dos sonhos. Finado é o pó que intumesce o destino. E por fim. E sem finados. Que matemos, enfim, o Dia dos Mortos! E, finalmente, vivamos os vivos! Vivam os vivos! Os vivos, vivificados. Refinados!

Page 68: AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

Só posso te ofertar uma flor do meu peito por você existir

Só posso te ofertar uma flor do meu peito por você existir. Você é um presente para mim! Nada no meu coração muda. Ver você não foi uma miragem qualquer, foi uma doce e carinhosa realidade. Não precisa falar muito, nem precisa dizer o que pensa ou sente, basta existir que o amor em nós se faz. Ser você mesma me encanta e, pouco tempo, parece uma eternidade. Meu bem maior, conte comigo pra sempre, mesmo se eu não estiver por perto. Zelo teu sono, abraço tua alma. Basta um sorriso teu, um afago nas mãos, que as portas de uma feliz cidade se abrem em mim. Por mim, eu abro todas os portais do céu para ti, desvendo todos os atalhos da terra, queimo tua dor no fogo, mergulho teus cabelos no lago, voo mansamente pelo firmamento em tua companhia. Seja tua natureza um tapete para os meus sonhos. Que eu colho todas as flores do mundo ao teu coração. Não há mais palavras para externar o que eu sinto por você. Só o silêncio pode dizer mais...

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Soneto aos olhos do menino Mukunda* (Dedicado à Paramahansa Yogananda) Que amor é esse capaz de inundar meus olhos num oceano de lágrimas? Que amor é esse que amanhece em mim estes raios fúlgidos de sol? Que amor é esse que beija meus pés e caminha devoto à terra? Que amor pode decolar minh´alma e fazê-la flutuar cônscia pelo ar? Que amor é esse que me abraça quando eu rogo a Deus em fugir? Que amor é esse que sorri quando eu penso sumamente em chorar? Que amor é esse que me encontra quando teimo em me perder de mim? Que amor pode varrer do meu peito as folhas secas que caem do meu jardim? Mestre, teus olhos são refletores que acendem meu caminho. É na tua rede que eu deito meus sonhos e embalo o meu coração. Dentro de mim mora o teu sorriso e ele é o sândalo da auto-realização. Mestre, teu amor segue em mim imperecível! Consagro em mim teu espírito com a mais bela guirlanda de flores. E a oferto a ti como prova do perfume que sai das tuas próprias mãos! * Mukunda Lal Ghosh – nome de batismo de Paramahansa Yogananda

Page 70: AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

Soneto da Promessa Ah, se não fosse essa promessa de calma. Esse braço de rio a estender tua mão. E se não fosse a distância que nos une a alma. Se não fosse a minha boca a sair no coração. E se as águas do Araguaia lambessem os meus deslizes. Como o Ganges faz com os aprendizes, e o Nilo, com os desatentos Ribeirões bentos que banham os nossos desalentos. Rios benditos que margeiam suas matizes. E se não fosse o teu jeito de mato, grosso, e delicado. Não fosse teu olho semi-aberto, quase fechado. A minha vida hoje seria talvez um desencanto. Quero sentir-te, o teu amor de selva, tanto e tanto. Amar-me definitivamente por tua vida, amado. E consagrar tua pele morena ao meu acalanto.

Page 71: AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

TRANSAFLIÇÃO Será que o Velho Chico vai suportar? E como vai ficar o povo na região? Morrer de sede e de fome, carcaças na aridez deste sertão. Não é bem novidade o pranto secar. E os leitos se encharcarem com baixa vazão. Meu peito se inunda de mágoa, da falta de água. Todos os bichos vazarão. Será que não percebemos este Polígono de aflição? Será que já não basta a greve, o bispo em procissão? E quantos atores vão chorar sem alguma encenação? As flores vão murchar, as folhas caem no chão, pessoas vão secar, por Deus, na inundação. As vidas quedarão jazidas nas bacias. E dormirá o sol, a flor do Chico, todos os dias.

Page 72: AS HISTÓRIAS QUE EU CONTEI PRA MIM MESMO

TUA LIGAÇÃO EM MIM

Se fossem sinceras as tuas palavras. Se tivesse verdade na tua ligação. Se não fosse uma mera mentira, um mero refúgio de dor... Eu te aceitaria de braços abertos e de alma renovada. Se não fosse para alimentar teu coração de sangue e estima. Se não fosse para doar tudo de mim para um pouco de você, eu atenderia teus apelos como da primeira vez. Se o teu coração saísse pela boca. Se tivesse ao menos um lux de brilho nos teus olhos por mim. Se esta tua saudade não fosse apenas carência ou falta de afago... Eu daria meu colo e deitaria meu dorso no teu... Mas, além das tuas palavras e atitudes está a intenção. E eu não te dou mais o direito de ser torta comigo. Não te dou a pá para que tu possas me enterrar de novo. Se um dia teu coração, sem medo, sem temor, sem motivos, ligar para mim, eu atendo e coloco o fone no meu peito. Mas, para ouvir as mesmas palavras e sentir os mesmos gestos de sempre, meu peito está ocupado...