As Lembranças Da Infância e a Formação Docente

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AS LEMBRANAS DA INFNCIA E A FORMAO DOCENTE:Narrativas autobiogrficas de professores do Curso de Letras-Ingls da UESPI

Renata Cristina da Cunha Universidade Estadual do Piau [email protected]

RESUMO: Este artigo parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar), no curso de Doutorado em Educao concludo em janeiro de 2014. Especificamente, o objetivo desse estudo foi conhecer as recordaes-referncias acerca da infncia em famlia de professores do curso de Licenciatura em Letras-Ingls da Universidade Estadual do Piau, campus de Parnaba, iniciantes na carreira no Ensino Superior. Para tanto, foi realizada uma pesquisa autobiogrfica com abordagem qualitativa que contou com a adeso voluntria de trs professores com mdia de dois anos de experincia profissional nesse nvel de ensino durante o ano letivo de 2012. Para a produo das narrativas autobiogrficas orais e escritas, foram utilizados os memoriais de formao, as cartas autobiogrficas e os encontros interativos. Para a produo dos dados, o dilogo foi estabelecido com autores como Huberman (1992), Cavaco (1995), Nvoa (1992, 1995), Zeichner (1992, 1997, 1998), entre outros. Os dados produzidos confirmaram o papel basilar da famlia para favorecer, estimular e proporcionar aprendizagens s crianas e aos jovens para serem cidados crticos, produtivos e participativos em sociedade, pois uma de suas atribuies ensinar comportamentos, atitudes, hbitos e valores socialmente aceitos.

PALAVRAS-CHAVE: Narrativas autobiogrficas. Recordaes-referncia da infncia. Professores do Ensino Superior. .

PRIMEIRAS PALAVRAS Ao longo do processo de formao docente, os primeiros anos de exerccio profissional so basilares para a aprendizagem da docncia. o momento da transio de discente para docente. o incio de um caminho, s vezes nada tranquilo, para tornar-se professor (GARCIA, 1999). Dessas lembranas, emergem no apenas alegrias, encantos e descobertas vivenciadas no perodo anterior iniciao profisso, mas tambm as dvidas, as incertezas e os dilemas vivenciados na mesma poca.

Em virtude disso, o escopo desta discusso so as recordaes-referncias produzidas pelos professores em incio de carreira, a partir de suas narrativas autobiogrficas orais e escritas, motivada pela seguinte questo-norteadora: Quais as

recordaes-referencias produzidas pelos professores do curso de Letras-Ingls no incio da carreira acerca de sua infncia em famlia configuram-se como formadoras ao se tornarem profissionais do Ensino Superior? Para responder a essa questo-norteadora, o objetivo geral estabelecido foi: Descrever e analisar as recordaes-referencias produzidas pelos professores do curso de Letras-Ingls no incio da carreira acerca de sua infncia em famlia consideradas como formadoras ao se tornarem profissionais nesse nvel de ensino. Para a realizao dessa pesquisa autobiogrfica de cunho quantitativo, realizada durante o ano letivo de 2012 com memoriais de formao, cartas autobiogrficas e encontros interativos, colaboraram trs professores de Lngua Inglesa, iniciantes na carreira no Ensino Superior na UESPI, campus de Parnaba (PI), aos quais foram atribudos os seguintes pseudnimos: Coelho Branco, Rainha Vermelha e Rainha Branca, em virtude da proposta da tese sobre Alice no Pas do Ensino Superior[footnoteRef:1]. [1: Narrativas autobiogrficas de professores iniciantes no Ensino Superior: trajetrias formativas de docentes do curso de Letras-Ingls (CUNHA, 2014).]

RECORDAES-REFERNCIAS E NARRATIVAS AUTOBIOGRFICAS: breves apontamentos

Ao tomar como ponto de partida a experincia construda ao longo de uma trajetria, seja ela pessoal ou profissional, as narrativas autobiogrficas docentes permitem a recordao de momentos e vivncias da realidade cotidiana, ou seja, as recordaes-referncias (JOSSO, 2004), consideradas pelos professores como experincias significativas das suas aprendizagens, do seu desenvolvimento profissional e das imagens construdas de si e dos outros, levando-as a assumirem a condio de experincia formadora. De acordo com a pesquisadora (2004, p. 48)

Falar das prprias experincias formadoras , pois, de certa maneira, contar de si mesmo, a prpria histria, as suas qualidades pessoais e socioculturais, o valor que se atribui ao que vivido na continuidade temporal do nosso ser psicossomtico. Contudo, tambm um modo de dizermos que, neste continuum temporal, algumas vivncias tm uma intensidade particular que se impe nossa conscincia e delas extrairemos as informaes teis s nossas transaes conosco prprios e/ou com o nosso ambiente humano e natural.

A experincia emerge, portanto, como base das experincias formadoras, pois, ou a formao experiencial, ou ento, no formao. Para que uma experincia seja considerada formadora necessrio falarmos sob o ngulo da aprendizagem, essa experincia simboliza atitudes, comportamentos, pensamentos, saber-fazer, sentimentos que caracterizam uma subjetividade e identidades (JOSSO, 2004, p. 47-48).A autora categorizou as experincias formadoras em trs modalidades: 1) Ter experincias: os seres humanos tm experincias quando vivenciam os acontecimentos tornando-os significativos de forma no intencional; 2) Fazer experincia: quando os seres humanos, de forma deliberada, provocam e criam situaes, fazem experincias; 3) Pensar sobre as experincias: quando refletem criticamente tanto sobre as experincias no intencionais quanto sobre as deliberadas, em outras palavras, quando pensam sobre suas experincias.Assumindo que as experincias so as fontes das narrativas e que provocam mudanas na formao profissional docente, analisar as narrativas autobiogrficas dos professores configura-se como um valioso instrumento de investigao para os pesquisadores interessados em compreender os processos de formao docente e desenvolvimento profissional, pois [...] quem narra, narra-se... narrar narrando-se um processo de construo identitrio (FORMOSINHO-OLIVEIRA; FORMOSINHO, 2009, p.17). No entanto, para que as narrativas autobiogrficas docentes de fato se configurem como uma poderosa estratgia para a formao de professores indispensvel que o processo de produo dessas narrativas seja direcionado e sistematizado com o intuito de criar condies para que os professores reflitam sobre sua prpria formao e prtica docente. Acerca disso, Souza (2006, p. 140) afirma que essa relao dialtica entre as dimenses prtica e terica, as quais so expressas atravs da metareflexo[footnoteRef:2] do ato de narrar-se, dizer-se de si para si mesmo [] como uma evocao dos conhecimentos das experincias construdos pelos sujeitos. [2: Termo cunhado por Schon (1992) para caracterizar o processo de reflexo sobre a reflexo na ao: epistemologia da prtica.]

A reflexo emerge como elemento basilar das narrativas docentes, pois possibilita ao professor situar-se e sentir-se sujeito de sua prpria ao, ampliando assim sua capacidade de buscar novos conhecimentos, lidar com as adversidades da prtica docente, alm de resolver os problemas cotidianos, na perspectiva de desenvolver-se profissionalmente, vez que, de acordo com Bolvar (2002), as narrativas docentes so caminhos investigativos para conhecer a prtica quando oferecem elementos para sua compreenso, um meio para aprender com/na prtica, pois possibilita a reviso e a crtica da ao, uma forma para (re)criar a prtica, porque, ao repens-la, o professor tem a oportunidade de criar, mudar e explorar os limites da experincia. Acerca disso, Abraho (2004, p. 203) afirma que as narrativas autobiogrficas [...] so constitudas por narrativas em que se desvelam trajetrias de vida. Esse processo de construo tem na narrativa a qualidade de possibilitar a autocompreenso, o conhecimento de si, quele que narra sua trajetria. nesse processo de reflexo e ressignificao de sua prtica que o professor se constitui professor. Contudo, esse processo de constituio do ser professor, a partir da reflexo sobre a experincia vivida, em nenhum momento pode ser visto como uma (trans)formao sem crises, muito pelo contrrio. O processo de narrar-se dialeticamente potencializa ao professor no apenas questionar-se, mas, sobretudo inquietar-se, angustiar-se diante das contingncias, incertezas, dvidas, rupturas, instabilidades, complexidades, como aspectos determinantes da vida humana.

ENXERGAR-SE CRIANA: memrias da infncia em famlia

Narrar a prpria trajetria formativa produzir histrias sobre si mesmo. um processo pelo qual o ser humano pode compreender o mundo, o outro e a si mesmo pelo entrelaamento de mltiplas histrias: da infncia, da famlia, da comunidade. Foram essas histrias, guardadas na memria (ou esquecidas) dos colaboradores, que so reveladas nesse indicador de anlise. So memrias alegres, so memrias tristes, enfim so histrias e memrias emocionantes e essenciais, no apenas para que cada um dos professores pudesse enxergar-se criana, mas, sobretudo, para que pudessem compreender como essa etapa de sua trajetria foi basilar para sua constituio pessoal e profissional. No que diz respeito famlia, os pais geralmente ocupam um lugar central, pois lhes atribudo um peso significativo na educao dos filhos. Diante da imensa responsabilidade de educar, a relao entre pais e filhos configura-se como complexa e repleta de alegrias e descobertas, mas tambm de conflitos e tenses. Dentre as muitas relaes e interaes que constituem os seres humanos, a relao entre pai e filho , sem dvida, a principal referncia formativa para os seres humanos, de uma forma ou de outra. Acerca disso, o Coelho Branco escreveu:

Meu irmo mais velho, Joo Batista, que hoje veterinrio, tinha grande prazer em me ensinar, em casa mesmo. Lembro que ele era como um professor para mim e graas a isso cheguei escola j sabendo ler e escrever algumas coisas. Sou muito grato a este meu irmo, pois ele sempre fez questo de me ensinar e repassar tudo que sabia, tornando-se ento, meu primeiro referencial de professor. [...] Certo dia meu pai, um homem de poucas palavras, me perguntou quando eu iria entrar na faculdade. Disse que queria ter prazer de ver todos os filhos formados antes de morrer. Aquilo que ele falou foi o empurro que faltava para eu ir atrs de novos horizontes. (Memorial do Coelho Branco).

Na primeira parte da narrativa, o Coelho Branco lembrou os tempos de criana por meio de experincias vivenciadas com pessoas mais prximas e queridas, atribuindo um destaque especial aos familiares, especialmente ao irmo mais velho e ao pai. O primeiro trecho revelou o entrelaamento de sentimentos: a gratido sentida pelo irmo e a admirao por t-lo como primeira referncia docente. Ambos os sentimentos so facilmente perceptveis, pois, segundo o colaborador, foi graas aos ensinamentos de seu irmo que ele chegou escola na alfabetizao com os conhecimentos bsicos de leitura e escrita. Muito embora a escolha da profisso docente pelo Coelho Branco no tenha sido influenciada pelo irmo mais velho que, conforme relatado veterinrio, merece destaque o fato de o colaborador t-lo e reconhec-lo como referncia profissional. Esse trecho revelou uma experincia formadora acerca da construo de uma imagem positiva sobre a profisso docente, pois antecipou de forma prazerosa o universo de atuao do professor e mediou as primeiras aprendizagens espontneas adquiridas pelo colaborador enquanto criana no seio de sua famlia. A narrativa do Coelho Branco corroborou os estudos de Nvoa (1992, 1995), Shulman (2002), entre outros, ao revelar que a ao docente em sala de aula no demanda apenas conhecimentos e saberes do contedo da disciplina, mas tambm est diretamente relacionada s experincias vivenciadas em famlia imprimindo nelas uma forte marca em sua atuao profissional.A sequncia da narrativa revelou a forte influncia da figura paterna para o ingresso do colaborador como acadmico do Ensino Superior. Entre a concluso do Ensino Mdio e a deciso de inscrever-se no vestibular, o Coelho Branco percorreu um longo caminho, conforme enfatizou em outros trechos de seu memorial, pois assim que terminou o terceiro ano foi trabalhar no comrcio. Foi apenas seis anos depois, aos vinte e quatro anos de idade e empurrado pelo pai, que ele cogitou a possibilidade de ser um acadmico. No entanto, relevante registrar que a decisiva influncia exercida pelo pai limitou-se apenas entrada do colaborador na universidade, mas no ao curso de Letras-Ingls. Esta narrativa confirmou o destaque ocupado pela famlia dentre os demais grupos sociais, como demais parentes e amigos, pois exerce uma influncia expressiva sobre seus membros, fazendo parte de sua vivncia cotidiana, sendo, portanto, muito importante na vida de seus membros, influenciando diretamente na construo de seus projetos de vida (DIAS, 2005). Ao deixar-se influenciar por sua famlia, o Coelho Branco atendeu s expectativas de seu pai deixando-o orgulho por ter todos os filhos formados, conforme relatou o colaborador. Sobre as lembranas da infncia, a Rainha Vermelha escreveu:

Vivia com meus avs, que por impossibilidade de ter filhos adotaram minha me! (Sim, minha famlia uma baguna, mas eu gosto!). Estes me deram tudo que eu sempre precisei [...] Hoje vejo que o que eles no me deram, no me era necessrio. Desde pequena minha av dizia: Voc ter que ser a melhor em tudo que fizer, para que ningum questione e voc seja sempre respeita! Oras, por ser negra, precisava sim me destacar, assim esta frase foi que me fez ser muito do sou hoje, mas tambm criou em mim um perfeccionismo exagerado que horas ajuda, mas em outras atrapalha. Nunca me faltou nada e hoje posso ver que desde os primeiros momentos fui guiada a ser quem sou hoje. [...] Eu sempre fui perfeccionista e isso me levou a sempre programar as coisas e organiz-las para que nada sasse ao meu controle. Fui criada assim, minha av sempre me ensinou que as coisas devem ser mantidas organizadas e que devemos ter o controle de tudo que fazemos. Costumo a programar at meu dia e minhas atividades. Assim programar se tornou uma atividade sem muitas dificuldades. (Memorial da Rainha Vermelha)

Os trechos anteriores revelaram a forte influncia da av da Rainha Vermelha em sua trajetria formativa pessoal e profissional, pois como ressalta Nvoa (1995) o professor uma pessoa e uma parte importante da pessoa professor. Diferentemente do Coelho Branco e da Rainha Vermelha que foram criados por suas famlias nucleares com pais e irmos, a colaboradora foi criada por seus avs e pouco conviveu com seus irmos; fato que aparentemente no a afetou negativamente, pois conforme suas prprias palavras: minha famlia uma baguna, mas eu gosto. Provavelmente porque, apesar desse arranjo familiar, os avs propiciaram-lhe no apenas os aportes afetivos, mas tambm os materiais necessrios para seu desenvolvimento e bem-estar. Na primeira parte de sua narrativa, a professora relatou o conselho que recebeu de sua av durante toda sua infncia que, de acordo com suas palavras, foi fundamental para que ela se tornasse a pessoa que ela hoje, deixando claro que por ser negra ela enfrentaria um mundo ainda mais exigente e bem menos piedoso. Esse recorrente incentivo da av da Rainha Vermelha desvela uma triste realidade do pas na qual a inferioridade e a superioridade racial so frutos de uma construo social, produzidos historicamente pelas/nas relaes sociais e culturais que entrecruzam a questo racial com poder e excluso (FERREIRA, 2000). possvel inferir que esse apelo emocional constituiu-se a base motivacional no apenas para sua trajetria formativa pessoal, mas tambm profissional, conforme ressalta Nvoa (1992, 1995). Alm disso, a sequncia da narrativa refora a ideia de que ser uma pessoa bem sucedida est atrelado ao esforo e disposio individual para superar a condio histrica de inferioridade (FERREIRA, 2000). perceptvel o quanto esse sentimento de superao e de perfeio, estimulados cotidianamente em seio familiar, exerceram acentuada influncia no comportamento da Rainha Vermelha. Acerca da mesma temtica, a Rainha Branca escreveu:

Apesar deles [os pais dela] no terem me dado tudo o que almejaram, por no terem um nvel de vida alto, dentro do possvel tudo me foi oferecido. [...] Cresci dentro de uma famlia, que soube me educar, e hoje acredito que tudo o que eu penso e prezo se oriunda desta educao. [...] Ser assduo na escola de extrema importncia, e esse pensamento me foi dado muito cedo por meus pais, ter responsabilidade com os estudos. [...] Sempre tive orientaes certas por parte de meus pais, sempre refletiam comigo o que era certo e errado, e nunca precisei apanhar por causa disso. Minha capacidade de raciocinar aflorou cedo, e ver as nuances so de grande rapidez, tudo isso por que eu sempre fui muito bem orientada e hoje agradeo muito meus pais por isso. Consigo perceber e interpretar o que est a minha volta com muita astcia, acredito. Logo, pensar certo e agir certo, na medida do possvel, soam para mim naturalmente. [...] Cursei o Ensino Mdio, desta vez, em escola particular, meus pais diziam que era para eu ter melhores chances de estudo, ter melhores professores e acredito que isso pode ter influenciado, apesar de acreditar que o aluno que faz a diferena maior. (Memorial da Rainha Branca).

Dos trs colaboradores da pesquisa, a Rainha Branca quem revelou em vrios trechos de seu memorial e no apenas na seo em que trata de sua infncia, a forte influncia de sua famlia em sua trajetria formativa pessoal e profissional. A colaboradora deixou claro o quanto sua famlia foi/ essencial para sua formao, pois foi no ambiente familiar que aprendeu hbitos, costumes e valores definidores de suas escolhas na vida adulta. Inclusive merece destaque a forma bastante romntica, potica e, por que no dizer emocionante, com a qual ela iniciou seu memorial descrevendo o encontro de seus pais. As lembranas registradas nesse excerto desvelaram o quanto a educao familiar recebida pela colaboradora foi deveras importante para a construo de sua personalidade, estimulando assim sua criticidade e cidadania, aspectos basilares de sua atuao profissional. O terceiro trecho da narrativa indicou uma forte referncia valorizao da escolarizao por parte dos pais da Rainha Branca que, apesar de ter cursado toda a Educao Infantil e o Ensino Fundamental em escolas pblicas, no Ensino Mdio foi matriculada em uma respeitada escola particular da cidade. Uma possvel explicao para isso advm da crena[footnoteRef:3] recorrente na cultura brasileira que apenas nesse nvel de ensino que o aluno adquire os conhecimentos necessrios para ingressar no Ensino Superior (DIAS, 2005). Aparentemente, a colaboradora pareceu discordar dessa crena, pois afirmou acreditar que quem faz a diferena o aluno e no a escola. [3: Muito embora definir crena enquanto categoria epistemolgica no seja fcil, a exemplo de Barcelos (2006), a defino como uma forma de pensamento individual construda socialmente por meio de experincias que exerce papel fundamental no processo de formao de professores. ]

Os dados desse eixo revelaram como a famlia influencia na formao e desenvolvimento de seus membros, especialmente dos filhos. As narrativas dos colaboradores destacaram fatores impactantes, internos e externos, ao ambiente familiar, como, por exemplo, o contexto familiar no qual cada um foi criado e educado, a escolaridade dos pais, a valorizao da escolarizao pela famlia, a preocupao com os valores internalizados, o incentivo aos estudos e a participao efetiva na vida dos filhos como basilares para a construo de uma identidade pessoal digna e slida, corroborando as palavras de Vygotsky (1998, p. 87) ao afirmar que:a educao (recebida na famlia, na escola, e na sociedade de um modo geral) cumpre um papel primordial na constituio dos sujeitos. A atitude dos pais e suas prticas de criao e educao so aspectos que interferem no desenvolvimento individual e, consequentemente, influenciam o comportamento da criana na escola.Refletindo sobre os trechos ilustrativos desse eixo de anlise fica claro o papel da famlia como instituio universal na vida dos colaboradores. Foi no/por meio do ambiente familiar que os trs tiveram seus primeiros contatos com o mundo externo e internalizaram suas primeiras formas de pensar, sentir e agir. Essas aprendizagens foram/so fundamentais para que cada um deles se tornasse a pessoa e o profissional que se tornaram mediados pelos diferentes contextos histricos, polticos, sociais e culturais nos quais estiveram inseridos, pois, nas palavras de Dominic (1988, p. 56), [...] aquilo que cada um se torna atravessado pela presena de todos aqueles que se recorda. Ou seja, as vivncias no ambiente familiar configuram-se como frtil para a produo de lembranas e memrias.Alm da famlia, a escola tambm favorece, estimula e proporciona aprendizagens s crianas e aos jovens para serem cidados crticos, produtivos e participativos em sociedade, pois se primeira cabe a tarefa de ensinar comportamentos, atitudes, hbitos e valores socialmente aceitos, segunda cabe a tarefa de favorecer, fomentar e proporcionar a aprendizagem de outros tipos de conhecimentos, ampliando assim as possibilidades de convivncia social.

CONSIDERAES FINAIS

As narrativas docentes, portanto, configuram-se como espaos de/para a reflexo circunscritos em prticas coletivas (ZEICHNER, 1992, 1997, 1998). Primeiro porque o centro de toda prtica reflexiva deve ser a ao docente em sua condio social. Segundo porque os professores devem reconhecer que suas aes so polticas e que por isso, podem e devem ser reconfiguradas de acordo com suas perspectivas pessoais e profissionais. E finalmente porque a prtica reflexiva, enquanto prtica social, demanda a coletividade e no a individualidade, revelando a necessidade de criao de comunidades de aprendizagem nas escolas e nas universidades de forma que os professores possam se apoiar e se estimular.Ademais, o uso das narrativas autobiogrficas como estratgias para a produo de dados de pesquisas com abordagem qualitativa no apenas possibilita ao professor organizar suas ideias para produzir seu(s) relato(s) escrito(s) ou oral(is), mas tambm reconstruir e dar sentido pessoal s suas experincias de vida de modo reflexivo, pois a experincia de vida e a trajetria anterior do professor ou professora contribuem para formar a sua viso de ensino e os principais elementos da sua prtica (GOODSON, 2005, p. 307). A produo de narrativas autobiogrficas, sejam elas orais e/ou escritas, oportunizam aos professores falarem de si, alm de envolverem a reflexo sobre a experincia vivenciada, visto que podem conhecer a realidade social e aprofundar sua relao com essa realidade. O processo de falar de si para si mesmo (SOUZA, 2006) possibilita que os professores revelem seus conhecimentos, pensamentos e sentimentos, contribuindo assim para que possamos compreender sua viso de mundo, de ensino e de aprendizagem, e, principalmente, entendermos as teorias implcitas em sua ao pedaggica, produzidas a partir de suas prprias experincias do cotidiano escolar, possibilitando assim a aprendizagem e o desenvolvimento profissional da docncia. REFERNCIASABRAHO, M. H. M. B. Pesquisa (auto) biogrfica: tempo, memria e narrativas. In: ______. (Org.). A aventura (auto) biogrfica: teoria e empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

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