AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E O TURISMO COMO...
Transcript of AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E O TURISMO COMO...
1
AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E O TURISMO COMO SUPORTE PARA O DESENVOLVIMENTO DOS MUNICÍPIOS DE CIPÓ E TUCANO - BAHIA
Edivasco dos Reis Carneiro1 Moema Maria Badaró Cartibani Midlej2
RESUMO A região do Semiárido baiano, incluindo os municípios de Cipó e Tucano, apresenta uma gama de recursos naturais e culturais que possibilitam o desenvolvimento da atividade turística. No intuito de investigar as principais manifestações culturais existentes e como estas estão sendo aproveitadas para o desenvolvimento turístico nesses municípios, utilizou-se a abordagem qualitativa de investigação a partir de dados coletados em fontes primárias e secundárias. Os sujeitos dos três universos (moradores locais; gestores públicos; líderes das manifestações culturais existentes) da pesquisa foram escolhidos por amostragem não- probabilística intencional. Os resultados obtidos revelaram que os municípios pesquisados possuem diversas manifestações culturais que podem ser transformadas em atrativos turísticos, podendo, assim, promover um maior desenvolvimento não somente turístico, mas também, econômico, sociocultural e ambiental. Palavras-chave: Manifestações culturais. Turismo Cultural. Turismo Sertanejo. Desenvolvimento regional. Semiárido baiano. 1 INTRODUÇÃO
O crescimento do turismo cultural em vários destinos turísticos do mundo e a gama de
recursos culturais existentes na região pesquisada possibilitam a implementação e o fomento
da atividade em municípios como Cipó e Tucano, localizados a 241 km e 256 km,
respectivamente, de Salvador (SEI, 2009) que, além de abrir uma nova perspectiva para o
desenvolvimento turístico na região, poderão contribuir para maior divulgação e o
fortalecimento da cultura local.
A partir dessas premissas e do conhecimento sobre as características econômicas,
ambientais e socioculturais desses municípios, surgiu a inquietação de se pesquisar como a
atividade turística, a partir das manifestações culturais dos municípios de Cipó e Tucano,
poderia dar suporte ao desenvolvimento econômico, social e ambiental destes municípios.
Nessa perspectiva, buscou-se entender como acontece o turismo local, como as
1 Universidade Federal de Pernambuco, Doutorando em Geografia, e-mail: [email protected] 2 Universidade Estadual de Santa Cruz, Doutora em Educação, e-mail: [email protected]
2
manifestações culturais poderiam contribuir para o desenvolvimento turístico hidromineral já
existente nesses municípios, que tipo de desenvolvimento é condizente com a realidade local,
como resgatar e/ou fortalecer as manifestações culturais locais a partir da atividade turística,
de que forma os moradores locais, os gestores públicos e os líderes das manifestações
culturais locais poderiam contribuir para o desenvolvimento da atividade turística, e de que
maneira as manifestações culturais locais poderiam ser inseridas e, ou potencializadas no
contexto turístico local.
A cultura, em si, é diversidade e isso pode atrair e mover pessoas para outros lugares.
Desta forma, a cultura, na contemporaneidade, pode ser considerada como um importante
vetor de fomento da atividade turística (CARNEIRO; MIDLEJ; PEREIRA, 2009), mesmo
porque os elementos culturais de determinada cultura traduzem as vivências, os costumes e as
tradições de seu povo e podem ser transmitidos aos visitantes de maneiras diversificadas e
bastante instigantes, como, por exemplo, a literatura de cordel, que é uma manifestação
comum em várias regiões do Nordeste brasileiro.
O Semiárido nordestino, especificamente a região econômica Nordeste da Bahia (SEI,
2002), apresenta uma grande variedade de recursos naturais e culturais que possibilitam o
desenvolvimento da atividade turística. Dentre estes, pode-se destacar os recursos
hidrominerais e as manifestações culturais (festas, celebrações e eventos; artesanatos; feiras e
mercados populares; músicas e poesias; e a gastronomia regional) existentes nos municípios
de Cipó e Tucano, os quais fazem parte da região em estudo.
Pelo fato de já existir um relativo fluxo turístico por conta do segmento hidromineral
nestes municípios, que não acontece de forma planejada e integrada, este trabalho procurou
enfocar outras modalidades de turismo que fossem condizentes com a realidade local e que
pudessem trazer um desenvolvimento regional balizado nos ideais do turismo sertanejo não
apenas como um segmento turístico, mas também como um modo de se fazer turismo.
Esta é uma tentativa de subsidiar o desenvolvimento de um novo tipo de turismo na
região, que corrobora com os princípios do turismo sertanejo exposto por Seabra (2007), que
é definido como “[...] uma atividade de lazer interativa com a paisagem interiorana, onde
estão presentes o quadro natural, a cultura local e a participação integrada da comunidade
residente” (p. 284).
Entendendo o turismo sertanejo não apenas como um segmento, mas como um modo
3
de se fazer turismo, é válido acrescentar que o mesmo se aproxima do Turismo de Base
Comunitária, que tem como foco principal o bem-estar e a geração de benefícios para a
comunidade receptora, em que essas comunidades assumem o comando do desenvolvimento
turístico em seus territórios e, mais ainda, busca favorecer a coesão e os laços sociais,
promovendo a qualidade de vida e a valorização da cultura local (BURSTYN et al., 2009;
CRUZ, 2009; IRVING, 2009).
A região do Semiárido baiano, especificamente a região econômica Nordeste da
Bahia, é caracterizada, principalmente, pelas atividades da pecuária e agricultura, baseadas na
subsistência como fonte de renda. E estas, por sua vez, são dependentes, ainda, das áreas mais
dinâmicas da economia baiana e nacional.
Diante destas considerações, o objetivo da pesquisa foi investigar as principais
manifestações culturais (festas, celebrações e eventos; artesanato local; feiras e mercados
populares; músicas e poesias de artistas locais; e a gastronomia regional) existentes,
verificando como essas estão sendo aproveitadas nos municípios de Cipó e Tucano - Bahia
para o desenvolvimento turístico.
Para tanto, adotou-se uma abordagem qualitativa de investigação a partir dos métodos
descritivo e interpretativo (DENCKER, 1998). Foram utilizados dados coletados através de
fontes primárias e secundárias, entrevistas semi-estruturadas não dirigidas (MARCONI;
LAKATOS, 2004) e a população da pesquisa de campo foi composta por três universos: o
primeiro sendo os Moradores Locais, o segundo, os Gestores Públicos e o terceiro, os Líderes
das Manifestações Culturais existentes nos municípios pesquisados. A quantidade de sujeitos
presentes nesses universos foi determinada por amostragem não probabilística intencional
(LAKATOS; MARCONI, 2002).
De acordo com a metodologia traçada, os resultados obtidos foram analisados a partir
do que Moraes (2001) entende como desconstrução e unitarização dos textos. Feita esta
desconstrução e unitarização dos discursos dos entrevistados, foram criadas as unidades de
análise ou unidades de significado.
Com esta pesquisa, pretendeu-se dar subsídios para a criação de futuros projetos
turísticos na região do Semiárido baiano, especificamente nos municípios de Cipó e Tucano
no intuito de promover uma articulação entre o turismo com base no segmento hidromineral e
as manifestações culturais existentes na região.
4
2 CULTURA E TURISMO: ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS E SUAS RELAÇÕES
Discutir a relação entre cultura e turismo é fundamental para balizar as abordagens
pretendidas neste trabalho. Para além, é uma tentativa de entender as consequências das
transformações ocorridas na sociedade nas últimas décadas, o que refletiu no entendimento do
que vem a ser a cultura na contemporaneidade e no próprio desenvolvimento da atividade
turística.
Krippendorf (apud BAHL, 2003) entende que as transformações recentes da sociedade
determinam um cenário de atitudes perante o turismo, que se caracteriza: pela diminuição da
importância atribuída aos aspectos puramente econômicos das coisas, fazendo emergir novos
campos de interesse e novas atividades.
Nesta perspectiva, a cultura de um povo, através de suas memórias e identidades,
ganha destaque, pois é algo particular e heterogêneo. Este aspecto é bastante manifesto ao se
falar na região sertaneja nordestina, que, nas palavras de Seabra (2008: 1), “[...] corresponde
às terras continentais, cujo isolamento proporcionou o desenvolvimento de uma cultura
própria, baseada numa história rica em acontecimentos, marcada de lutas, bravuras, lendas,
ritos e mitos”.
O turismo é aqui entendido como uma prática social que consiste no deslocamento de
pessoas pelo território e que tem como objeto de consumo o espaço geográfico (CRUZ,
2001). Por ser uma prática social, o turismo deve ser pensado sob uma ótica multivariada,
envolvendo aspectos diversos que, por conseguinte, estarão ligados à cultura.
Existem diversas acepções teóricas sobre o termo cultura e neste estudo, entende-se a
cultura como um conjunto de valores, crenças, hábitos, memórias e costumes que formam as
identidades de um povo e permeiam a vida social dinamicamente, sendo determinada pelas
condições materiais e imateriais de sua realização e, mais ainda, a cultura é condição essencial
para a existência humana (CHAUÍ, 2007; GEERTZ, 1989; LARAIA, 1997).
A cultura, através de suas manifestações culturais, tem um papel fundamental no
contexto social, já que pode gerar benefícios econômicos e, também, preservar as identidades
de um povo, conforme argumenta Azevedo (1998: 150):
[...] ressalta-se o papel da cultura no contexto social, pela geração de renda e
5
emprego que propicia; e mais ainda como mecanismo de defesa da relação identidade/diversidade – abordagem que se pode vincular nitidamente às questões turísticas.
Visto o exposto, percebe-se que entender a cultura de um povo através de suas
manifestações culturais é fundamental para que haja uma estreita relação entre a cultura e o
turismo, principalmente em um mundo “[...] multifacetado, pluralista e extremamente variado,
especialmente quando transformado pelas novas tecnologias” (TRIGO, 1993: 51).
Para Urry (2001), a base da organização do turismo atualmente é a diferença e esta é
buscada pelo que ele denomina pós-turista. É esse tipo de turista que atua no mercado
turístico na contemporaneidade, pois sofre influências da comunicação de massa pelas mídias
e quer encontrar alguma coisa que lhe proporcione algo de extraordinário. É a partir das
características desse pós-turista que o turismo cultural ganha força, visto que ele proporciona
o contato com essa diferença valorizando sua cultura.
Nas palavras de Beni, essa valorização pode ocorrer principalmente no Brasil, pois
“[...] revalorizam-se o modo de vida e as práticas culturais de populações rurais, o folclore e
as festas tradicionais bem como o artesanato e a gastronomia característicos da diversidade
cultural do país” (2007: 152).
Talavera (2003) entende que o turismo cultural sofreu alterações com o fenômeno da
globalização e seus reflexos na sociedade, a partir da década de 1980, em que as
características dos produtos turísticos foram alteradas. Outro aspecto relevante que o autor
aborda é a relação intrínseca entre a cultura e o turismo, enfatizando o uso da cultura pela
atividade turística ressaltando que [...] no podemos seguir planteando la cultura como um concepto cerrado e de contenidos absolutos, genuínos y espiritualmente puros. El turismo usa y consume rasgos culturales, al tiempo que contribuye a reconstruir, producir y mantener culturas (TALAVERA, 2003, p. 42).
Assim, o autor aponta que o turismo cultural possui um caráter peculiar à medida que
reconstrói as identidades locais, em que os símbolos e elementos se transformam para se
adaptarem às novas situações. Ademais, acrescenta que os sujeitos das culturas locais não
podem ser vistos passivamente como sujeitos. Mais ainda, mostra que os encontros entre
esses sujeitos locais (residentes) e os turistas têm que ser feitos de forma mais relaxada e
individualizada para que possam trazer benefícios mais proveitosos nesta relação.
6
Entendendo as características do turismo cultural na contemporaneidade, é válido
abordar como este tipo de turismo se apropria das culturas locais transformando-as em
produtos turísticos.
O turismo cultural, segundo Beni (2004), diferencia-se das formas tradicionais de
turismo por ser caracterizado por um público consumidor mais sensível aos impactos
resultantes de sua visita aos destinos. Assim, a inserção do patrimônio cultural no circuito
turístico amplia as possibilidades de valorização das manifestações culturais, contribuindo,
sobremaneira, para o fortalecimento e dinamização dos aspectos econômicos, sociais e
culturais do destino.
No entanto, o turismo, quando desenvolvido de forma deliberada sem o envolvimento
da comunidade, pode ocasionar desestabilizações nos sistemas culturais das comunidades
receptoras, como a espetacularização de manifestações culturais de um povo.
A este respeito, Vaz e Jacques (2003) consideram que a apropriação da cultura pela
atividade turística não deve ocorrer de forma que a mesma se transforme em mercadoria, ou
melhor, em um produto cultural para ser comercializado e consumido, o que, por sua vez,
tornaria o próprio conceito de cultura esvaziado.
Para Yúdice (2004: 13), “a cultura como recurso é muito mais do que uma mercadoria;
ela é o eixo de uma nova estrutura epistêmica”. Mais ainda, nesta nova estrutura epistêmica, o
“[...] gerenciamento, a conservação, o acesso, a distribuição e o investimento – ‘em cultura’ -
tornam-se prioritários” (YÚDICE, 2004, p. 13).
As transformações da cultura em mercadoria, segundo Markwell (apud TALAVERA,
2003: 44), refletem na despersonalização da cultura, na qual a mesma é descontextualizada
“[...] a fin de obtener um producto presentable como auténtico, fuera de tiempo, que debe
infundir la idea de experiencia inolvidable y única”.
Disto resulta uma reprodução acelerada de modelos de formatação e estruturação da
oferta turística em diversas localidades, desconsiderando-se as especificidades locais e
inviabilizando o acesso da comunidade aos benefícios do turismo por questões meramente
mercadológicas.
Diante dos impactos negativos causados pela atividade turística, atrelada à emergência
de novas necessidades, preferências, valores e atitudes da demanda em relação ao meio social
e cultural onde o turismo se processa, destaca-se, pois, a oferta de novos produtos e roteiros
7
turísticos cujos princípios balizadores estão pautados na criatividade e inovação, na
interpretação patrimonial e na “autenticidade” das atrações culturais, pressupondo a inserção e
participação da comunidade local e a sustentabilidade em todas as etapas do processo.
Nesse aspecto, urge a necessidade de apresentação de novos modelos e segmentos
turísticos que estejam pautados nestas premissas e que atendam aos novos anseios da
sociedade contemporânea: é o caso do turismo sertanejo.
3 TURISMO SERTANEJO: REFLETINDO O SERTÃO A PARTIR DOS CONCEITOS DE HISTÓRIA, MEMÓRIA, IDENTIDADE EM SEUS ENTRELAÇAMENTOS
Diante do crescente interesse pelo turismo cultural, muitos destinos que já possuem
outras modalidades de turismo estão buscando na cultura “[...] modelos agregadores de
dinamização e de potencialidades como atrativos importantes no conjunto tradicionalmente
ofertado aos visitantes” (ALMEIDA, 2007: 155). Assim, os municípios de Cipó e Tucano,
que já possuem como atrativo as estâncias hidrominerais, podem, também, seguir este
pensamento através da valorização de suas manifestações culturais.
A valorização destas manifestações em municípios do interior se faz de maneira mais
significante, porque “no interior estão mais seguros a permanência dos valores culturais, o
respeito à tradição, e, sobretudo, o fato de que as comunidades fazem algo transcendente por
eles respeitando sua identidade” (ULANOVSKY apud CANCLINI, 2008: 161).
Desta forma, faz-se necessário discutir de que forma um lugar como o Sertão consegue
preservar seu passado de forma tão singular através de suas memórias e histórias,
conservando, por sua vez, a identidade do povo sertanejo.
A memória, para Le Goff (1990: 423), é “[...] um conjunto de funções psíquicas,
graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele
representa como passadas”. Com esta definição, pode-se perceber que a memória está sempre
em reconstrução e possui funções sociais. Mais ainda, a memória é o “[...] único monumento
popular, à disposição de todos” (PESAVENTO, 2002).
Leroi-Gourhan (apud LE GOFF, 1990) entende que a memória não é uma propriedade
da inteligência, mas a base sobre a qual se inscrevem as concatenações de atos. Acrescenta,
ainda, que a memória coletiva é manipulada desde sempre pelos grupos e indivíduos que
8
dominaram e dominam as sociedades. Esta concepção remete ao fato de que a memória
coletiva foi sempre influenciada pelo poder.
Nesse contexto, o turismo passa a ter um papel relevante nas (re)construções das
memórias coletivas e individuais, já que o mesmo propicia aos turistas a sensação de poder
“guardar”, por um determinado período de tempo, a memória construída durante a sua
viagem.
É válido entender, portanto, como estas memórias estão sendo vendidas, ou melhor,
estão sendo apropriadas pelo turismo através do uso da cultura de cada povo, como, por
exemplo, os cordéis, que apresentam as memórias do povo nordestino e que são vendidos aos
turistas.
A atividade turística pode auxiliar na luta pela preservação e pelo fortalecimento
destas memórias, por exemplo, através de uma maior valorização dos moradores locais mais
antigos, com suas narrativas e lembranças do passado registradas em livros, fotografias,
jornais e em suas próprias memórias sobre o destino turístico visitado.
Para entender e reconhecer as identidades de um povo é preciso conhecer suas
memórias, mesmo por que A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder (LE GOFF, 1990: 476).
Este fato remete ao que acontece no turismo em muitas localidades: a comunidade
local, muitas vezes, sequer participa do planejamento turístico, demonstrando um verdadeiro
descaso por parte dos agentes planejadores da atividade. Um dos procedimentos desta
pesquisa é, pois, dar voz e vez à comunidade local dos municípios de Cipó e Tucano, através
do estudo de suas manifestações culturais, as quais representam suas memórias.
Desta forma, concordando com o autor citado, conhecendo e fortalecendo estas
memórias e identidades locais, estas comunidades passarão, assim, a atuar de forma equitativa
no desenvolvimento turístico na região.
Sendo a memória uma reserva crescente e que dispõe da totalidade da experiência
adquirida, esta pode ser transmitida através das manifestações culturais de um povo. Então,
estudar estas manifestações é entender como as memórias destes municípios foram
9
(re)construídas ao longo do tempo na formação de suas culturas, o que irá, sobremaneira,
fortalecer as identidades locais.
As manifestações culturais mais representativas da cultura sertaneja são as narrações
através dos causos3 que se configuram como um traço marcante da mesma. Entretanto,
segundo Bosi (1994), a arte de contar histórias decaiu por causa das influências do mundo
moderno, onde a informação passou a ser mais valorizada que a narração. Ou seja, as pessoas,
muitas vezes, tendem a buscar as informações em outras fontes em detrimento das narrações,
por serem mais rápidas e acessíveis, como, por exemplo, as notícias que circulam pela
internet.
Contudo, Hall (2006) aponta que existe uma contra tendência em relação à
padronização e homogeneização provocadas pelo fenômeno da globalização, que é a “[...]
fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da ‘alteridade’. Há, juntamente
com o impacto do ‘global’, um novo interesse pelo ‘local’” (HALL, 2006: 77).
A importância da narração em uma região que possui valores culturais riquíssimos,
como o Semiárido baiano, através dos causos, da literatura de cordel, dos repentistas, das
prosas, entre outros, é fundamental para valorizar a sabedoria dos mais velhos e,
consequentemente, servir como mais um atrativo turístico para a região.
Um dos aspectos mais relevantes da presente pesquisa é a tentativa de resgatar e
fortalecer as memórias e identidades dessas comunidades através do estudo de suas
manifestações culturais, pois “todos os corpos constituídos, intelectuais ou não, sábios ou não,
apesar das etnias e das minorias sociais, sentem a necessidade de ir em busca de sua própria
constituição, de encontrar suas origens” (NORA, 1993: 17).
Assim, as crianças e os jovens destas comunidades, os quais, muitas vezes, nem sabem
que existem tais manifestações, vão entender como suas famílias foram (re)construídas
culturalmente ao longo do tempo e, consequentemente, irão valorizar suas tradições, suas
origens, enfim, suas próprias culturas.
Segundo Nora (1993), a relação que a sociedade contemporânea tem com o passado
não é a mesma, pois existe uma descontinuidade no tempo em que os indivíduos apenas
3 Os “causos” são estórias contadas, geralmente, através da literatura de cordel, dos repentes ou de uma viola apenas. Podem estar relacionados a fatos puramente inventados ou a fatos reais que, muitas vezes, ganham um reforço do humor em suas narrações.
10
representam o passado, quando existe uma “[...] memória retiniana e poderosamente
audiovisual” (NORA, 1993: 20).
No entanto, em alguns lugares do Semiárido baiano, este passado ainda é vivido de
forma instigante através de comunidades que, pelo fato de terem vivido isoladas durante
muito tempo, possuem características peculiares em relação às suas tradições, histórias e
memórias.
Destarte, fomentar o turismo a partir do entendimento das memórias e histórias de um
povo é considerar que aquilo que a comunidade entende como fundamental e representativo
da simbologia local precisa ser mantido como valorização das características da própria
comunidade.
Nessa perspectiva, uma modalidade de turismo que valoriza as singularidades e as
especificidades de determinado lugar respeitando-o, como o turismo sertanejo, pode trazer
vários benefícios econômicos, sociais, culturais e ambientais para região.
4 PERCEPÇÕES DOS ATORES SOCIAIS
No intuito de investigar as principais manifestações culturais existentes e como essas
estão sendo aproveitadas para o desenvolvimento turístico nos municípios de Cipó e Tucano,
fez-se necessário uma abordagem mais aprofundada dos dados obtidos.
Nesse sentido, as percepções dos atores sociais entrevistados foram analisadas a partir
dos discursos obtidos durante as entrevistas de acordo com cada universo pesquisado. Para
tanto, alguns desses discursos foram transcritos com a finalidade de facilitar a compreensão
dos mesmos.
O primeiro universo da pesquisa (Moradores Locais) foi composto por sete sujeitos. A
maior parte tinha mais de 50 anos de idade e quanto ao grau de escolaridade, dois tinham o
segundo grau completo, dois estudaram até o primário e três tinham ensino superior.
Outro fator relevante em relação ao perfil desses entrevistados foi o grau de
heterogeneidade que os mesmos possuíam, pois atuavam e, ou representavam diferentes
grupos da população residente. Esse fator refletiu na diversidade dos discursos obtidos, pois
os mesmos partiam de vozes com experiências de vida completamente diferentes,
repercutindo numa abordagem mais ampla de suas percepções.
11
Quando indagados sobre as manifestações culturais que conheciam, foram citados:
artesanato, samba de roda, reisado, cordel, terno de reis, capoeira, filarmônica, festas
tradicionais, teatro, banda de pífanos, literatura, corridas de animais e gastronomia regional (o
bode4). Destas manifestações, as mais referidas foram o artesanato e o Reisado (três
moradores).
Assim, percebe-se que não há, por parte da maioria dos moradores locais, um conhecimento
amplo sobre a diversidade das manifestações culturais existentes na região. Este fato é
reforçado, visto que apenas um dos entrevistados, o ex-diretor de cultura do município de
Cipó, fez referência a mais de sete manifestações culturais:
A diversidade cultural é muito grande... a poesia, o cordel com seu Zezé poeta, Ranieri, Verônica, eu me arrisco e gosto da poesia, samba-de-roda, terno de reis, a capoeira, a filarmônica, tem o artesanato que é a força motriz da nossa economia (ML3).
Quanto às opiniões expressadas sobre as manifestações conhecidas pelos moradores
locais, a maior parte falou de uma forma saudosista, relembrando o que existia na região e
está se perdendo ao longo do tempo, como pode ser percebido no discurso do ML2: “A turma
brincava constantemente [...] hoje existe esse marasmo aqui [...] nosso verdadeiro artesanato
acabou nos anos 40 até meados de 50 [...]”.
No intuito de conhecer mais profundamente as manifestações culturais da região e o
próprio contexto local, foi perguntado aos entrevistados se eles conheciam alguma história
interessante sobre estas manifestações. Coube, neste momento, transcrever na íntegra algumas
das respostas dadas por tornarem mais explícitos os pensamentos dos mesmos: Antigamente tinha uma senhora chamada Jacira que chegava com aquelas coisas de artesanato na cabeça e jogava assim no chão e as pessoas compravam mais pra ajudar ela (ML1). Naquele tempo, tinha uma rapaziada alegre, moças bonitas e era belíssimo e o pessoal vinha da roça e parava nas casas numa espécie de saudação com pandeiro, violão e ia até de manhã todo mês de dezembro. O samba de poeira que veio de Santo Amaro e essa nossa Rua do Jorro era festa ‘comendo no centro’ de 8 horas da noite até amanhecer, mas tudo foi se finando com a morte da estação balneário [...] Naquele tempo, não havia esse conceito de cinco estrelas, só havia o Copacabana Palace no Rio de Janeiro [...] (ML2).
4 O Bode é um animal da família Bovidae, nome científico Capra hircus.
12
Entendendo que “[...] o sujeito que produz linguagem também está reproduzido nela”
(ORLANDI, 2001: 26) e que o sentido das palavras depende do lugar de onde se fala
(BARONAS, 2000), percebe-se, nos discursos transcritos que, por mais simples que sejam as
palavras e as ideias utilizadas, estes possuem uma riqueza de sentidos, memórias e de
vivências próprios do lugar sertanejo e dos moradores desta região.
Outra pergunta realizada durante a entrevista foi sobre qual (is) destas manifestações
citadas possuíam grande importância histórica e que seria interessante para a atividade
turística. O artesanato, segundo os entrevistados, possuía maior importância histórica e seria
de maior interesse para a atividade turística, o que foi justificado pela maioria das respostas
obtidas.
O fato de os moradores locais entenderem o artesanato como a manifestação cultural
mais importante, seja para a história local, seja para o turismo, denota que o mesmo é mais
presente no cotidiano dos moradores locais, por ser uma importante fonte de renda na região
e, também, por ser uma manifestação cultural material. Isso o diferencia das outras
manifestações que são imateriais, refletindo na sedimentação das memórias locais, tendo em
vista que as mesmas necessitam de suporte para se manterem vivas no fazer e no viver da
sociedade local.
Depois foi perguntado se houve mudanças nessas manifestações ao longo do tempo e,
se houve, como eles percebiam as mesmas. A maioria dos entrevistados entendeu as
mudanças ocorridas de forma negativa: Infelizmente o desinteresse motivado pela concorrência da grande mídia, a indiferença dos governantes e as pessoas passam a ter vergonha daquilo ali. [...] esses valores têm se perdido sim, infelizmente, e isso é complicado: cordel competir com Orkut, com MSN [...] foi perdido essa beleza [...] (ML3).
Os moradores que responderam que as mudanças ocorridas foram negativas
relacionaram essas mudanças às influências do mundo moderno, principalmente a internet,
concorrência de outros destinos turísticos e descaso do poder público local.
No que diz respeito às influências negativas da internet sobre as manifestações
culturais da região, é preciso criar meios para que essa ferramenta possa auxiliar na
preservação e no fortalecimento dessas manifestações. Esses meios podem ser, por exemplo, a
promoção de oficinas para a criação de sites e blogs contendo informações das manifestações
13
culturais locais através de entrevistas, fotografias e vídeos. Também poderiam ser criadas
oficinas em parceria com as escolas da região para a criação de livretos de cordéis a partir das
histórias dos próprios moradores locais.
A maior parte dos moradores entrevistados não percebia o interesse dos turistas pelas
manifestações culturais e isso se deve ao fato de que na região prevalece o turismo com base
no segmento hidromineral e os recursos culturais existentes, em sua grande maioria, não estão
formatados para o turismo. Até o artesanato, que, segundo alguns moradores, é a força motriz
da região, se apresenta de forma organizada em poucos locais.
Este fator reflete a falta de divulgação dos recursos culturais da região para os turistas
e para os próprios moradores locais, já que a maioria nem conhecia a diversidade das
manifestações culturais existentes. Assim, a falta de interesse da demanda turística é uma
consequência desse fator, principalmente pela concentração da demanda em um único
segmento, que, para Barbosa (2002: 16), [...] apresenta um elevado risco para a atividade turística, uma vez que, em mais de um momento, variáveis exógenas podem afetar o segmento em questão, reduzindo drasticamente a demanda e gerando problemas de ordem econômica, social, política e ambiental.
A falta de incentivo ao turismo cultural na região, segundo os moradores locais
entrevistados, é atribuída à falta de empenho e atuação efetiva das autoridades locais e
envolvimento da própria comunidade no fomento à cultura local. Porém, caso as autoridades
locais se empenhem e a comunidade local se envolva nestas questões, o turismo pode
contribuir para a valorização da cultura local na região.
O segundo universo da pesquisa (Gestores Públicos) foi composto por dois sujeitos,
sendo o primeiro o Secretário Municipal de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer do município
de Cipó (G1) e o outro o Secretário do Departamento Especial de Comunicação do município
de Tucano (G2). Vale lembrar que, no município de Tucano, não existe secretaria de Turismo
ou Cultura.
Com base em um artigo publicado pelo autor que analisa as entrevistas desse universo,
conclui-se que os mesmos possuem um vasto conhecimento a respeito das manifestações
culturais existentes na região. Porém, estas manifestações não estão sequer cadastradas, o que
revela, a priori, um descuido no tocante à valorização da cultura local.
Percebe-se que existe uma preocupação com a valorização destas manifestações
14
culturais por parte dos gestores destes municípios, mas ainda é muito incipiente, visto que, em
um dos municípios, existem projetos que ainda estão em andamento, ou seja, não existe nada
de concreto atualmente; no outro município, existe a vontade de fomentar a cultura local,
entretanto, não há recursos materiais e humanos para tal, pois nem Secretaria de Cultura e
Turismo existe no mesmo.
Vale lembrar que, por serem gestores de uma instituição pública e representarem a
mesma, os discursos foram analisados de forma cautelosa. Mesmo porque, concordando
Foucault (2002), os discursos são feitos de signos e, por mais que uma frase não seja
significante, ela se relaciona a alguma coisa, na medida em que é um enunciado, lembrando
que não há enunciado livre, neutro, independente. Mais ainda, o discurso é aqui entendido
como um modo de prática política e ideológica (FAIRCLOUGH, 2008).
Esta concepção permite afirmar que muitas das respostas dadas pelos gestores durante
as entrevistas foram condicionadas a visões políticas e ideológicas dos mesmos,
demonstrando, muitas vezes, concepções que não condiziam com a realidade local observada
durante as visitas de campo e durante as entrevistas realizadas com alguns moradores locais.
O terceiro, e último, universo da pesquisa (Líderes das manifestações culturais) foi
composto por 18 sujeitos. Destes, 13 eram artesões, um representava a gastronomia regional
da região; um era escultor, poeta, músico e ator; um representava um grupo de cantores
mirins; um era cordelista; e o último era tocador de pífano.
A maioria destes líderes não possuía alto grau de escolaridade. Em relação à profissão,
três dos líderes entrevistados ressaltaram que trabalhavam como lavradores ou agricultores,
revelando que suas respectivas manifestações não eram fontes de renda. O fato de a maioria
dos líderes representarem o artesanato demonstra a força que este tipo de manifestação possui
na região como uma importante fonte de renda para os moradores locais.
Já sabendo o perfil de cada líder, foi perguntado quantas pessoas estavam envolvidas
nas manifestações representadas por eles. A maior parte destas manifestações se desenvolve
sem uma grande participação de pessoas (menos de 10). Destas manifestações, grande parte
era formada por pessoas da própria família, demonstrando um perfil de subsistência ainda
existente nestes lugares.
Este fato reforça a necessidade de um desenvolvimento endógeno na região, visto que
o mesmo se propõe a “[...] atender as necessidades e demandas da população local pela
15
participação ativa da comunidade envolvida [...]” (BENI, 2007: 139). Assim, a comunidade
local seria estimulada a participar mais destas manifestações, promovendo um maior
desenvolvimento local.
Outra pergunta realizada foi se eles possuíam algum tipo de registro das manifestações
culturais representadas. Caso houvesse esse registro, foi perguntado como e quando havia
sido feito. A partir das respostas obtidas, pôde-se constatar a falta de incentivo e até de
desconhecimento das manifestações culturais existentes na região, visto que a maior parte das
mesmas não possuía qualquer tipo de registro, o que seria fundamental para a divulgação de
algum tipo de manifestação.
Depois foi perguntado se eles acreditavam que o fomento do turismo cultural, na
cidade, poderia contribuir para preservação das manifestações culturais locais. A partir das
respostas obtidas, pôde-se observar que todos os entrevistados acreditam que o fomento do
turismo cultural na região poderia contribuir para a preservação das suas respectivas
manifestações, como, por exemplo: “Eu acredito que sim [...], uma cidade maior em turismo
é melhor assim pra gente, traz mais recurso pra gente” (LM16). “Com certeza; é porque vai
conhecer mais gente [...], o pessoal vai comprar e assim vai rendendo alguma coisa pra
gente” (LM9).
Os discursos analisados mostraram que todos os líderes das manifestações pesquisadas
acreditam que o fomento do turismo cultural poderia contribuir para a preservação de suas
manifestações, já que a maioria acredita que, fomentando o turismo cultural, haveria um
maior número de turistas na região.
Com a finalidade de entender como é feita a divulgação das manifestações culturais
pesquisadas, foi perguntado aos líderes destas manifestações como estas eram divulgadas. As
respostas obtidas revelaram que a maioria das manifestações era divulgada através de
vendedores, cartões de visitas, blog, feira do município (artesanato), quando tem tempo
(cordelista) e através dos produtores dos eventos (banda de pífanos); entretanto, essa
divulgação ainda ocorre de forma incipiente.
A divulgação, bem como o marketing de um destino turístico, é fundamental para o
desenvolvimento do mesmo. Por esse motivo, propõe-se a realização de um planejamento de
marketing na região, especificamente, o Marketing Turístico para Cidades Culturais (MT-
CC), que tem como objetivo “[...] minimizar ou, preferencialmente, anular os impactos
16
negativos do turismo, bem como maximizar os benefícios para a cidade” (CRUZ, 2009: 185).
Buhalis (2000) apud Cruz (2009) entende que o marketing turístico aplicado a cidades
culturais deve satisfazer os desejos e as necessidades das empresas e dos residentes
envolvidos com a atividade turística, o que, por sua vez, possibilitará o desenvolvimento
sustentável do turismo.
Vale ressaltar que um bom planejamento de marketing deve estar inserido no
planejamento estratégico das cidades envolvidas, no caso desta pesquisa, das cidades Cipó e
Tucano. Ou seja, o planejamento deve estar intimamente relacionado às políticas locais e às
características turísticas da região.
Outra pergunta realizada foi se os líderes das manifestações representadas recebiam
algum tipo de apoio. Conforme analisado nas respostas obtidas, apenas uma das
manifestações recebia algum tipo de apoio, sendo este dos próprios membros da Associação
de Artesãos. As demais manifestações não recebiam qualquer tipo de apoio, como pode ser
visto no exemplo a seguir: “Não, aqui é nós mesmo (sic), nós por nós e Jesus” (LM16).
Esses discursos demonstram a falta de apoio a estas manifestações por parte dos
poderes públicos e privados da região, o que dificulta, sobremaneira, a preservação e
valorização das mesmas. Nesse contexto, reforça-se a necessidade de um desenvolvimento
regional endógeno, que é estruturado a partir dos próprios agentes locais, permitindo a
ampliação da base de decisões autônomas por parte desses agentes (AMARAL FILHO,
1999).
Por fim, foi perguntado se os moradores locais valorizavam as manifestações culturais
representadas e de que maneira poderia se melhorar esta relação. A maioria dos moradores da
região não valoriza as manifestações culturais locais por não haver, segundo os entrevistados,
organização dos próprios artistas, apoio do poder público local, capacitação profissional,
divulgação das manifestações na própria região e incentivo ao artista local.
Para que haja, de maneira concreta, um desenvolvimento turístico na região
pesquisada, é preciso, antes de tudo, elaborar um planejamento turístico participativo, já que o
mesmo é “[...] necessário tanto para acelerar e maximizar os efeitos positivos da atividade,
quanto, e principalmente, para que os efeitos negativos sejam mitigados” (IGNARRA, 2003:
81).
A partir da elaboração e implementação deste planejamento na região, poderia se
17
pensar, também, na oferta de uma maior diversidade de atrativos, possibilitando, assim, “[...]
o aumento dos gastos e da permanência do turista, estimulando o turismo em períodos de
baixa visitação, minimizando os efeitos da sazonalidade” (AVILA, 2009: 30).
Neste sentido, cabe ressaltar que existe, na região pesquisada, uma gama de recursos
que podem se tornar atrativos e produtos turísticos, principalmente relacionados às
manifestações culturais locais, desde que atendam as necessidades e os anseios dos turistas
que visitam a região e sejam balizados na inovação e criatividade. Mesmo porque “[...] o
sucesso do turismo reside em oferecer experiências diferenciadas [...]” (BARRETO;
REJOWSKI, 2009: 16) e essas experiências podem ser alcançadas a partir da diversidade dos
recursos existentes.
Neste contexto, além do turismo sertanejo já discutido anteriormente, outras
modalidades de turismo podem ser desenvolvidas na região, tais como: turismo rural nas
fazendas e sítios existentes na região que tenham possibilidades para receber os turistas;
turismo de aventura, que pode ser realizado tanto nas trilhas e estradas de barro com variados
tipos de veículos, quanto nas cachoeiras através de atividades diversas, como, por exemplo, o
rapel; turismo gastronômico, através da valorização e da formatação de produtos relacionados
com o bode, que é um elemento característico da região; e por fim, o turismo de eventos,
através da formatação dos principais eventos que são realizados nos municípios de Cipó e
Tucano de forma integrada.
5 CARACTERÍSTICAS E POTENCIALIDADES DAS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS DE CIPÓ E TUCANO
Os maiores entraves para o desenvolvimento do turismo cultural na região, de acordo
com as análises feitas, são a falta de planejamento turístico e a falta de integração entre os
atores sociais envolvidos com a atividade. Isso, por sua vez, poderia ser melhorado com ações
práticas que possibilitassem a participação de todos os envolvidos no processo.
Entendendo as dificuldades de se promover o desenvolvimento turístico a partir dos
recursos culturais existentes na região estudada, torna-se imperativo fazer algumas propostas
que deem subsídios para tal. Nesse sentido, serão apresentadas sugestões que possam auxiliar
o desenvolvimento turístico local a partir de cada manifestação pesquisada.
18
As festas, celebrações e eventos que acontecem na região pesquisada são realizados,
principalmente, para atenderem aos interesses mercadológicos e políticos. Isso reflete na
descaracterização dos mesmos, na desvalorização dos artistas locais e no não envolvimento da
comunidade local.
No intuito de minimizar esses impactos, propõem-se: a formatação de um calendário
de eventos conjunto entre os municípios de Cipó e Tucano que consiga englobar todas essas
manifestações; a valorização dos artistas locais da região durante esses eventos a partir de um
maior espaço para fazerem suas apresentações; por fim, o estímulo a mecanismos
autogestionários na concepção e organização desses eventos, para que os mesmos sejam
concebidos e organizados horizontalmente pelas comunidades locais em parceria com os
poderes públicos e privados.
Em relação ao artesanato local, foi percebido que o mesmo é uma das forças
econômicas que mantém a região ativa turisticamente. Entretanto, ainda demonstra um perfil
de subsistência bastante forte e muitos artesãos produzem sem infraestrutura adequada.
Também, não há organização entre os mesmos, já que a maioria produz de forma
independente.
Para tentar melhorar esta produção e fortalecer o artesanato local, propõe-se a
formação e, ou o fortalecimento de associações e cooperativas com os artesãos locais, através
de parcerias com órgãos públicos e privados; a realização de feiras para a comercialização do
artesanato local em períodos fixos durante todo o ano; e a promoção de cursos de capacitação,
principalmente por parte dos órgãos públicos, para auxiliar no desenvolvimento do artesanato
local.
As feiras e os mercados populares dos municípios de Cipó e Tucano são
manifestações importantes que atraem visitantes de toda a região. Porém, não apresentam, em
sua maioria, uma infraestrutura adequada que possa receber esses visitantes. Assim, faz-se
necessário um maior apoio dos poderes públicos locais no tocante à limpeza e higienização de
feiras e mercados populares existentes na região.
Em relação às músicas e poesias de artistas locais, foi percebido que existe uma
produção bastante rica e diversificada. Todavia, muitos artistas locais, como os três
entrevistados durante esta pesquisa, não recebem qualquer tipo de apoio.
Desse modo, é preciso que haja uma maior valorização destes artistas por parte dos
19
órgãos públicos e, ou privados da região através do registro e da divulgação de suas músicas e
poesias em livros e vídeos, por exemplo.
A gastronomia regional é uma das manifestações que mais atrai visitantes para os
municípios pesquisados, principalmente por causa do bode, que é um elemento característico
da região. No intuito de maximizar os benefícios desta manifestação cultural tão importante e
singular, propõe-se a criação de um festival gastronômico que una a gastronomia regional às
manifestações culturais locais, principalmente a partir das influências do bode. Esse festival,
por sua vez, poderia gerar novos elementos gastronômicos aumentando, por conseguinte, a
oferta de produtos, possibilitando a geração de mais benefícios para a região.
Vale ressaltar que nenhuma destas propostas será possível sem a elaboração de um
planejamento turístico participativo que envolva todos os atores envolvidos com a atividade.
Nesse sentido, ressalta-se a necessidade de um maior diálogo entre os municípios pesquisados
no intuito de formatar as manifestações culturais existentes na região e promover a elaboração
desse planejamento turístico.
Este estudo demonstrou que as manifestações culturais existentes nos municípios de
Cipó e Tucano possuem um grande potencial para o desenvolvimento do turismo e podem ser
inseridas no intuito de dinamizar não só essa atividade, mas também, a própria economia
local. Entretanto, é preciso que essas manifestações sejam fortalecidas e, ou resgatadas através
da concretização de propostas como estas, para que aconteça, de fato, o desenvolvimento
turístico esperado.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após investigar as principais manifestações culturais existentes nos municípios de
Cipó e Tucano - Bahia e verificar como essas estão sendo aproveitadas para o
desenvolvimento turístico na região, pôde-se perceber que, mesmo havendo uma gama de
potenciais atrativos, os mesmos não estão sendo aproveitadas como deveriam.
Isso se deve a vários fatores, todavia, a falta de um planejamento turístico participativo
envolvendo os setores públicos, privados e os representantes da comunidade é o que mais
agrava essa situação. Os próprios entrevistados relataram, em seus discursos, que seria
necessário um maior envolvimento da população local e maiores investimentos do poder
público para que de fato ocorresse o desenvolvimento turístico da região.
20
Baseado em Yúdice (2004), faz-se necessário buscar meios para que as culturas locais
possam tornar-se protagonistas num processo de retomada de práticas culturais específicas
enquanto recurso para melhorias sociopolíticas e econômicas na contemporaneidade, o que
pode ser facilitado e potencializado a partir da atividade turística.
Nesse aspecto, urge a necessidade de apresentação de novos modelos e segmentos
turísticos que estejam pautados nestas premissas e que atendam aos novos anseios da
sociedade contemporânea.
Espera-se, desta forma, que a atividade turística se desenvolva balizada nos princípios
do turismo sertanejo, levando em consideração as características econômicas, socioculturais e
ambientais da região. E, também, que seja pautada nas singularidades da identidade do povo
sertanejo, através das memórias e histórias expressas em suas manifestações culturais.
Desse modo, o desenvolvimento da atividade turística a partir das manifestações
culturais existentes nesses municípios surge não somente como uma opção viável de
desenvolvimento, mas também como alternativa para maior valorização e fortalecimento da
cultural local e regional.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. G. Desafios e possibilidades de planejar o turismo cultural. In: SEABRA, G. Turismo de base local: identidade cultural e desenvolvimento regional. João Pessoa: UFPB. 2007. AMARAL FILHO, Jair do. A endogeneização no desenvolvimento econômico regional. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, XXVII. Anais... Belém: Anpec. 1999. AVILA, M. A. Política e planejamento em cultura e turismo: reflexões, conceitos e sustentabilidade. In: AVILA, M. A. (org.). Política e planejamento em cultura e turismo. Ilhéus: Editus. p. 15-37. 2009.
AZEVEDO, J. Turismo, cultura, patrimônio. In: CORIOLANO, L. N. M. T. Turismo com ética. Fortaleza: UECE. 1998. BAHL, M. Perspectivas do turismo na sociedade pós-industrial. São Paulo: Roca. 2003. BARBOSA, L. G. M. Os impactos econômicos do turismo e sua implicação nas políticas públicas: o caso do município de Macaé-RJ, Brasil. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA, VII. Anais... Lisboa, Portugal, 8-11. 2002.
21
BARONAS, R. L. Configurações da memória discursiva em slogans políticos. In: GREGOLIN, M. R. V. Filigranas do discurso: as vozes da história. UNESP, São Paulo: Cultura Acadêmica Editora. 2000. BARRETO, M.; REJOWSKI, M. Considerações epistemológicas sobre segmentação: das tipologias turísticas à segmentação de mercado. In: NETTO, A. P.; ANSARAH, M. G. R. (orgs.) Segmentação do Mercado Turístico: estudos, produtos e perspectivas. Barueri, SP: Manole. 2009. BENI, M. C. Um outro Turismo é possível? A recriação de uma nova ética”. In: MOESCH, Marutschka Martini; GASTAL, Susana (org.). Um outro Turismo é possível. São Paulo: Contexto. 2004. . Planejamento estratégico e gestão local/regional do turismo. In: SEABRA, G. Turismo de base local: identidade cultural e desenvolvimento regional. João Pessoa: UFPB. 2007. BOSI, E. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: Cia. das Letras. 1994. BURSZTYN, I.; BARTHOLO, R.; DELAMARO, M. Turismo para quem? Sobre caminhos de desenvolvimento e alternativas para o turismo no Brasil. In: BARTHOLO, R.; SANSOLO, D.; BURSZTYN, I. (org.). Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro: Letra e Imagem. 2009. CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. São Paulo: EDUSP. 2008. CARNEIRO, E. DOS R.; MIDLEJ, M. M. B. C.; Pereira, T. M. ‘Caminhos do sertão’ e ‘Costa do Cacau’: Cultura, Turismo e Desenvolvimento regional em Zonas Turísticas do Estado da Bahia. Projeto de Pesquisa. Financiado pela CNPQ. 2009. CHAUÍ, M. Cultura e Democracia. Coleção Cultura é o quê? Salvador. 2007. CRUZ, G. da. Marketing turístico para cidades culturais. In: CAMARGO, P. de.; CRUZ, G. da. (org.). Turismo cultural: estratégias, sustentabilidade e tendências. Ilhéus: Editus, cap. 3, p. 183-203. 2009. CRUZ, R. de C. A. da. Introdução à geografia do turismo. São Paulo: Roca. 2001.
DENCKER, A. de F. M. Métodos e técnicas de pesquisa em turismo. São Paulo: Futura. 1998. FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Almedina. 2002. FAIRCLOUGH, N. Discursos e mudança social. Brasília: UNB. 2008. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 323 p. 1989. HALL,
22
S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A. 2006. IGNARRA, L. R. Fundamentos do turismo. 2 ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. 2003. IRVING, M. de A. Reinventando a reflexão sobre turismo de base comunitária: inovar é possível? In: BARTHOLO, R.; SANSOLO, D.; BURSZTYN, I. (org.). Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro: Letra e Imagem. 2009. LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Técnicas de pesquisa. Planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, análise e interpretação de dados. 5 ed. São Paulo: Atlas. 2002. LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 11 ed. Rio de Janeiro: J. Zahar. 1997. LE GOFF, J. História e memória. Campinas, SP: UNICAMP. 1990. MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia científica. 4. ed. São Paulo: Atlas. 2004. MORAES, R. Tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual qualitativa. Faculdade de Educação. Porto Alegre: PUC. 2001. NORA, P. Entre Memória e História – a problemática dos lugares. Revista Proj. História, v. 10, dez. São Paulo. 1993. ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes. 2001. PESAVENTO, S. O imaginário da cidade. Porto Alegre: UFRGS. 2002. SEABRA, G. Turismo sertanejo – a cultura regional e o desenvolvimento local. In: SEABRA, G. Turismo de base local: identidade cultural e desenvolvimento regional. João Pessoa: UFPB. 2007. . A paisagem sertaneja e o lugar do turismo. Disponível em: http://www.turismosertanejo.com.br/index.php?target=artigos. Acesso em 08 jul. 2008. SEI – Superintendência de estudos Econômicos e Sociais da Bahia. 2002. Mapa das regiões econômicas da Bahia. Bahia. Disponível em: <http://www.sei.ba.gov.br>. Acesso em: 15 fev. 2010. . Municípios em síntese. Bahia. Disponível em: <http://www.sei.ba.gov.br>. Acesso em: 15 fev. 2010. 2009. TALAVERA, A. S. Turismo cultural, culturas turísticas. Revista Horizontes Antropológicos, ano 9, n. 20, p. 31-57, out. Porto Alegre. 2003.
23
TRIGO, L. G. G. Turismo e qualidade: tendências contemporâneas. Campinas, SP: Papirus. 1993. URRY, J. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Estúdio Nobel: SESC. 2001. VAZ, L. F.; JACQUES, P. B. A cultura na revitalização urbana – espetáculo ou participação?. In: Espaço & Debates: Revista de Estudos Regionais e Urbanos, São Paulo: NERU. 2003. YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG. 2004.