As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus ... · 212 As moedas de Olímpia e a...

27
211 Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008. As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica Lilian de Angelo Laky* LAKY, L.A. As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008. Resumo: Esta pesquisa objetivou estudar as imagens monetárias emitidas pelas póleis responsáveis pelo santuário de Olímpia durante os séculos V e IV a.C., época clássica. Nossa intenção foi compreender de que modo estas moedas contribuíram para a fixação figurativa de Zeus. Para tanto, comparamos as imagens de Zeus e seus atributos nestas moedas com as imagens da mesma divindade em moedas fabricadas em outras póleis e com outros tipos de suportes, especialmente esculturas e relevos. Concluiu-se que o Peloponeso foi o centro de inovação da imagética de Zeus difundindo um padrão próprio principalmente para o Ocidente grego. A sistematização do padrão de representação de Zeus nos suportes imagéticos estudados permitiu a definição de uma cronologia para a representação de Zeus nas moedas gregas e revelou um contexto histórico definido para o culto de Zeus. Palavras-chave: Olímpia – Zeus – Iconografia monetária. ou IX a.C. Serviu, provavelmente, como um local neutro de encontro para os habitantes das regiões da Messênia e Arcádia, e pode assim ter tido uma função importante conservando relações inter-regionais no lado ocidental do Peloponeso (Morgan 1994: 58). De acordo com os dados arqueológicos, o santuário de Olímpia, ou a área de algum culto ali, foi muito atingido na onda de destruições que assolou a Hélade em torno de 1200 a.C., o que teria provocado um retrocesso no desenvolvimento das atividades. Foi por volta desse período, também, entre o segundo e o primeiro milênio a.C., que o povo de Élis (como foram chamados depois de se estabelecerem em sua nova área) emigrou do norte do mundo grego. É possível que tenham sido estes imigrantes que primeiro dedicaram o local a Zeus e o chamaram de Olímpia, uma (*) Museu de Arqueologia e Etnologia da Universida- de de São Paulo. Laboratório de Estudos da Cidade Antiga (labeca www.mae.usp.br/labeca). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia. Bolsista do CNPq. [email protected] Introdução ituada no oeste do Peloponeso, próximo ao mar Jônico, Olímpia está localizada no vale dos rios Alfeus e Cladeus ao sul de uma colina chamada Cronos, o nome do pai de Zeus na mitologia grega. Na antiguidade grega, o santuário foi chamado de Altis, significando no dialeto local “arvoredo”. Olímpia teve uma importante função na ordenação da sociedade grega desde o século X S Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10 211

Transcript of As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus ... · 212 As moedas de Olímpia e a...

211

Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética deZeus na Grécia Clássica

Lilian de Angelo Laky*

LAKY, L.A. As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na GréciaClássica. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

Resumo: Esta pesquisa objetivou estudar as imagens monetárias emitidaspelas póleis responsáveis pelo santuário de Olímpia durante os séculos V e IVa.C., época clássica. Nossa intenção foi compreender de que modo estas moedascontribuíram para a fixação figurativa de Zeus. Para tanto, comparamos asimagens de Zeus e seus atributos nestas moedas com as imagens da mesmadivindade em moedas fabricadas em outras póleis e com outros tipos de suportes,especialmente esculturas e relevos. Concluiu-se que o Peloponeso foi o centro deinovação da imagética de Zeus difundindo um padrão próprio principalmentepara o Ocidente grego. A sistematização do padrão de representação de Zeus nossuportes imagéticos estudados permitiu a definição de uma cronologia para arepresentação de Zeus nas moedas gregas e revelou um contexto histórico definidopara o culto de Zeus.

Palavras-chave: Olímpia – Zeus – Iconografia monetária.

ou IX a.C. Serviu, provavelmente, como umlocal neutro de encontro para os habitantes dasregiões da Messênia e Arcádia, e pode assim tertido uma função importante conservandorelações inter-regionais no lado ocidental doPeloponeso (Morgan 1994: 58). De acordo comos dados arqueológicos, o santuário de Olímpia,ou a área de algum culto ali, foi muito atingidona onda de destruições que assolou a Hélade emtorno de 1200 a.C., o que teria provocado umretrocesso no desenvolvimento das atividades.Foi por volta desse período, também, entre osegundo e o primeiro milênio a.C., que o povode Élis (como foram chamados depois de seestabelecerem em sua nova área) emigrou donorte do mundo grego. É possível que tenhamsido estes imigrantes que primeiro dedicaram olocal a Zeus e o chamaram de Olímpia, uma

(*) Museu de Arqueologia e Etnologia da Universida-de de São Paulo. Laboratório de Estudos da CidadeAntiga (labeca www.mae.usp.br/labeca). Mestranda doPrograma de Pós-Graduação em Arqueologia. Bolsistado CNPq. [email protected]

Introdução

ituada no oeste do Peloponeso, próximoao mar Jônico, Olímpia está localizada

no vale dos rios Alfeus e Cladeus ao sul de umacolina chamada Cronos, o nome do pai de Zeusna mitologia grega. Na antiguidade grega, osantuário foi chamado de Altis, significando nodialeto local “arvoredo”.

Olímpia teve uma importante função naordenação da sociedade grega desde o século X

S

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10211

212

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

referência ao monte Olimpo situado entre aTessália e a Macedônia (Berve e Gruben 1963: 14).

Deste tempo para o início do século VIIIa.C., o santuário gradualmente desenvolveu-se,mas suas atividades eram limitadas às áreas deÉlis e talvez a territórios vizinhos. Após 776 a.C.,data tradicionalmente conservada de quando osjogos foram reorganizados, Olímpia desenvolveu-se rapidamente e o número de terracotas ebronzes multiplicou-se (Yalouris 1976: 647).

No período arcaico, as atividades dosantuário envolveram não apenas as cidades daGrécia continental, mas as colônias em torno doMediterrâneo, cuja participação é evidenciadapela construção dos Tesouros datados de 676-576 a.C. Entre 650 e 600 a.C. foi erigido oTemplo de Hera, um edifício de ordem dóricaconsiderado o exemplo mais antigo de templomonumental na Grécia.

De acordo com as evidências materiaisencontradas no interior do santuário, sabemosque os jogos olímpicos eram celebrados emhonra a Zeus desde a época em que foramreorganizados e freqüentados por diversosEstados, no final do século VIII a.C. Todavia, oculto a Zeus no local teria atingido seu auge àmedida que Olímpia adquiria importância pan-helênica no século V a.C.

Apesar de considerarmos que os gregosestavam ‘sempre no processo de vir a ser’ – e queesse processo se transformou conforme a época– a consolidação do ideal de helenidade nãohavia sido concluída antes do período clássico.Conforme nos explica J. Hall (2003: 219-220),foi justamente a partir do século V a.C., com aameaça representada pelos persas, que a identi-dade helênica começou a se consolidar. Umsentimento de auto-consciência verdadeira, dehelenidade, surgiu apenas depois da invasãopérsica. (Hall 2003: 220) E foi à ocasião daprática dos jogos em Olímpia que os gregospuderam praticar a helenidade.

Assim, é neste contexto que foi construídoem Olímpia o templo de Zeus – relatado porPausânias (I.X.1-4 / 4-7 / 7-9) e datado de c.470-456 a.C. – e realizada a estátua de ouro emarfim de Zeus Olímpico de 12 metros de altura(c. 430 a.C.) descrita por Pausânias (I.XI.2-5) epor Estrabão (8.3.39).

Apesar de conhecermos a estátua de ZeusOlímpico de Fídias apenas por meio das fontesliterárias, sabemos que a sua instalação nointerior do templo de Zeus causou grandeimpacto, acrescentando algo de novo na própriareligião grega. Para o arqueólogo inglês N.Gardiner (1925: 90), Fídias teria optadorepresentar Zeus como deus da Hélade, o maispan-helênico, de tal forma que a estátua teriatransformado o culto do deus.

Nesse sentido, acreditamos que as inovaçõesoperadas no interior do santuário em relação aoculto de Zeus – motivadas pelo auge do pan-helenismo no século V a.C. – se estenderamtambém à sua representação nas artes visuais. Aprimeira evidência dessa inovação seguramenteocorreu com a estátua de Zeus Olímpico, cujostraços criados por Fídias, e vários deles nuncaantes utilizados em uma representação de Zeus,permaneceram como exemplo a ser seguido narepresentação da divindade até a época romana.

Segundo nos diz Catherine Morgan (1994: 2),santuários interestaduais, como Olímpia, proporci-onaram uma variedade de contatos entre diversosEstados, fomentando a difusão de instituiçõessimilares e traços culturais ao longo de uma áreamuito abrangente. E a busca desses traços culturaissemelhantes, no caso a imagem de Zeus, a partir dodocumento monetário potencializa a compreensãoda apropriação dessas imagens por outras póleis.Como sabemos, as moedas circulavam por lugarespróximos ou longínquos, por entre várias póleis eaté mesmo fora do mundo grego. As imagens, queestes pequenos objetos carregavam, muitas vezeseram copiadas por essas outras localidades.Conforme nos lembra M.B.B. Florenzano (2000:222), os traços contidos no interior das moedasestavam sujeitos a serem vistos e rearranjadoscompondo novas imagens. Dessa maneira, aimagem que inicialmente representava a identidadede seu local originário, quando era readaptada poroutro lugar, podia remeter ao fenômeno do pan-helenismo. Portanto, a importação de uma imagemmonetária pode não ter qualquer significadosubjacente a não ser de assinalar a idéia depertencimento, do grego antigo, a um mundo maisamplo.

Acreditamos que esse processo de inovaçãoe, conseqüentemente, de transformação na

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10212

213

Lilian de Angelo Laky

representação de Zeus ultrapassou o espaço dosjogos olímpicos e foi apropriado por outraslocalidades do mundo grego. Dessa maneira,escolhemos buscar nas imagens monetárias deZeus emitidas em Olímpia – pelas póleis de Élis ePisa responsáveis pela organização dos jogos emépocas alternadas – as respostas acerca dainfluência do santuário na representação visualda mais importante divindade grega.

Portanto, a intenção desse estudo foicompreender de que modo o tipo monetário deZeus, próprio de Olímpia, contribuiu para aconsolidação de uma representação específicadesta divindade no mundo grego. Para essainvestigação, levantamos sistematicamente todosos tipos monetários de Olímpia cunhados nosséculos V e IV a.C. e, também, todas as imagensmonetárias de Zeus emitidas no mundo grego ealguns exemplos importantes de esculturas erelevos da divindade realizados neste período.1 Apartir da constituição do corpus documental,pudemos comparar as imagens monetárias deZeus, criadas em Olímpia, com o comparandum A(tipos monetários do mundo grego) e com ocomparandum B (esculturas e relevos) ao exami-nar as imagens ́ desmontando-as´ em várioselementos: forma de cabeleira, adorno decabeça, atributos associados, posição (sentado,trovejante, etc.), de sorte a estruturar um´repertório de unidades mínimas´, analisando a´remontagem´ desses elementos nos outrossuportes (Bérard e Durand 1984: 19).

O levantamento proporcionou a criação dedois catálogos numismáticos, um destinado aostipos monetários de Zeus de Olímpia cunhados

em época clássica, e o outro destinado aos tiposmonetários de Zeus emitidos no mundo grego(Peloponeso, Sicília, Magna Grécia, Tessália,Macedônia e Creta) no mesmo período. Porinvestigarmos a mudança, a alteração, e atransformação na imagem de Zeus, a documen-tação foi organizada nos catálogos a partir deuma ordem cronológica, portanto da dataçãodos exemplares encontrados. A construção deum histórico2 de cada região onde ocorreram ascunhagens e a associação aos catálogos corres-pondentes, mostrou o contexto de cada imagem,revelando interessantes informações sobre aespecificidade da representação de Zeus nasmoedas gregas.

Os tipos monetários de Olímpia e os tiposmonetários do mundo grego

A partir do levantamento das fontesnumismáticas – os tipos monetários de Zeuscunhados em Olímpia e aqueles emitidos nomundo grego – e da contextualização de cadaexemplar monetário dentro do histórico de suaemissão, descobrimos características próprias dostipos monetários de Zeus, quanto: A) ao inícioda representação de Zeus nas moedas; B) àsregiões responsáveis pelas cunhagens; C) àsimagens monetárias que são o objeto destapesquisa.

Primeiramente, discorreremos sobre o iníciodas emissões monetárias de Zeus.

A primeira imagem de Zeus cunhada emuma moeda grega foi batida ao redor do ano de490 a.C., na região do Peloponeso e por cidadesque formavam a Liga Arcádia. Apesar de algunsautores terem datado esse exemplar em c. 480a.C., a partir dessa peça situamos o início darepresentação de Zeus em moedas gregas natransição entre o século VI e V a.C. (Fig. 5).

Ao pensarmos na anterioridade da invençãoda moeda na Ásia Menor, que ocorreu no final

(1) Neste estudo não consideramos os tipos monetáriosde Zeus Amon, culto em que Zeus foi associado aAmon, deus egípcio proveniente de Tebas cultuadocomo deus solar e da fertilidade. Conforme H.W. Parke(1967: 194), como um deus-carneiro, Amon, foirepresentado na arte egípcia com o corpo de umhomem e com a cabeça do animal. Assim, nas moedasZeus Amon aparece representado com os chifres docarneiro. Zeus Amon foi usado desde o século V a.C.primeiramente nas moedas de Cirene - era na Cirenaicaque estava localizado o oráculo do deus, no oásis deSiwa – e ao longo do século IV em ilhas do Egeu. Otipo do deus foi, sobretudo, utilizado em épocahelenística durante período ptolomaico no Egito.

(2) Por ser exaustivo, o histórico das emissões foiomitido, mas pode ser consultado em um exemplar dorelatório final desta pesquisa que se encontra nabiblioteca do Museu de Arqueologia e Etnologia / USP.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10213

214

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

do século VII a.C., e em sua subseqüente adoçãopelas cidades gregas no início do século VI a.C.traçamos um histórico para o início das repre-sentações figurativas em moedas na Grécia antiga.

No mundo grego, as primeiras imagens aserem representadas em uma moeda não foramimagens de deuses ou deusas, ninfas ou heróis,mas sim imagens de animais. A escolha dedivindades como símbolo da pólis ocorreu emum período um pouco posterior. De acordocom um breve levantamento no catálogo do livroArchaic and Classical Greek Coins (1976) – escritopelo numismata e arqueólogo inglês Colin Kraay– encontramos na Sicília uma das imagens maisantigas. Trata-se da figura da cabeça de Dioniso,emitida pela pólis de Naxos em c. 530 a.C.Sabemos que a datação dessas moedas foi, emmuitos casos, feita de forma aproximada e semum contexto histórico bem determinado. Noentanto, outras imagens monetárias de divinda-des são conhecidas de c. 525 a.C, como a figurade Apolo cunhada em Caulônia e a imagem dePoseidon emitida em Posidônia, na MagnaGrécia. É interessante notar que as mais antigasrepresentações monetárias de deuses firmaram-senas áreas coloniais, cujas emissões são das maisantigas do mundo grego.

Diante do contexto das mais antigasrepresentações de divindades em moedas gregas,percebemos que a imagem de Zeus foi escolhidacomo tipo monetário em um período posterior,aproximadamente meio século depois. Decerto,o contraste temporal entre a adoção das imagensde outros deuses e a de Zeus, em um período detransição, pode indicar características específicasdo culto de Zeus até então desconhecidas ou quepassaram despercebidas, pois não foram estuda-das à luz do contexto de culto da divindade.

É importante apontar que os primeirostemplos dedicados a Zeus datam também desseperíodo de transição entre os anos finais daépoca arcaica e os anos iniciais da épocaclássica. Esses templos são justamente aquelesdedicados a Zeus Olímpico, como é o caso dotemplo em Atenas construído em c. 510 a.C. OsOlimpiéia – como são chamados os templos deZeus Olímpico – são conhecidos como osprimeiros templos monumentais e representamo auge do estilo dórico.

Materialmente documentado através dostemplos e das moedas, encontramos um contex-to histórico definido para o desenvolvimento doculto de Zeus. A primeira emissão de umaimagem monetária de Zeus em c. 490 a.C.corresponde aos templos mais antigos dadivindade no mundo grego. Além disso, existetambém uma correspondência entre os locaisdessas inovações. O Peloponeso e a Sicília foramas únicas regiões a cunharem tipos monetários deZeus no século V a.C., e possuíam estreitasrelações desde o período arcaico, como veremosmais adiante.

Assim, na associação entre o momento daemissão da primeira imagem de Zeus e dosprimeiros templos construídos em honra a ele,notamos que na transição entre o século VI e Va.C. o culto a Zeus adquiriu visibilidade nestasduas categorias de documentos.

As hipóteses levantadas acerca de umatransformação no culto de Zeus no períodoapontado serão estudadas em uma pesquisafutura. Por enquanto, a exposição dessas idéias éútil para mostrar que por trás da influência deOlímpia, na representação de Zeus no mundogrego, podem estar questões mais amplas.

Apesar de a primeira imagem monetária deZeus ser datada do limiar do século VI a.C. (490a.C.), consideramos que o século V a.C. foi operíodo em que ocorreram as primeiras moedascom imagens da divindade. O exemplar de 490a.C. cunhado pela Liga Arcádia, será considera-do apenas como uma evidência de que asimagens de Zeus utilizadas nas moedas começa-ram a ocorrer em um período de transição.

O levantamento dos tipos monetários deZeus, emitidos no mundo grego em épocaclássica, revelou que o século V a.C. foi oprimeiro momento em que houve o interessepela representação da imagem de Zeus emmoedas, como atestam a quantidade de emissõescom a imagem do deus no período. É interessan-te notar que existiu um vazio entre o períodoarcaico e a primeira data que temos para umtipo monetário de Zeus (490 a.C.). Por isso, aúnica explicação encontrada para esse fenômenoremete-nos ao desenvolvimento da pan-helenidadede Zeus que vinha ocorrendo desde o final doséculo VI e atingiu o ápice no século V a.C. Nesse

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10214

215

Lilian de Angelo Laky

sentido, acreditamos que o auge do ideal dehelenidade no século V a.C. teria impulsionadoa representação de Zeus em moedas gregas.

O levantamento sistemático dos tiposmonetários de Zeus, cunhados em época clássica,configurou um mapa das mais variadas regiõesdo mundo grego, que foram responsáveis pelasemissões. Como observamos através do históricorealizado sobre esses exemplares, o Peloponeso, aSicília, a Magna Grécia, a Tessália, a Macedônia ea ilha de Creta, destacaram-se como os locais queescolheram Zeus como a imagem representadaem suas moedas.

Dentre essas regiões, destacamos o Peloponesoe a Sicília como os únicos locais a emitirem tiposmonetários de Zeus no século V a.C. Acredita-mos que a coincidência entre as duas regiões,como os locais responsáveis pelas emissões maisantigas da divindade, se deva às estreitas relaçõesmantidas por ambas as regiões. Sabemos que devárias áreas do Peloponeso saíram os fundadoresdas cidades gregas na Sicília. Mas sabemostambém que desde o início da colonização daSicília, a região manteve sua relação com oPeloponeso devido à participação dos atletas dascidades siciliotas nas Olimpíadas. Por isso,Olímpia é considerada pelos estudiosos como omais notável centro dórico e ocidental domundo grego (Marinatos e Hägg 1993: 230).

No século IV a.C. ocorreu um aumento deregiões a utilizarem a imagem de Zeus nasmoedas. As póleis do Peloponeso e da Sicíliacontinuaram a emitir imagens monetárias dodeus, mas a Magna Grécia, a Tessália, a Macedôniae Creta iniciaram emissões monetárias com otipo do deus neste período.

Assim, para traçarmos alguma influência dosantuário de Olímpia no aumento da representaçãode Zeus nestas regiões, durante o século IV a.C.,recorremos à fonte textual Catálogo dos VencedoresOlímpicos da Antiguidade.3 Trata-se do registro dosvencedores nas Olimpíadas desde 776 a.C. e que traza origem dos atletas vitoriosos. Por isso, essa fontenos permitiu encontrar a ocorrência da participaçãodessas regiões nos jogos olímpicos durante o períodoclássico. Nesse sentido, ao contrastarmos os dadosreferentes aos tipos monetários de Zeus com oregistro dos vencedores nos jogos notamos certascorrespondências entre moeda e região.

Mas para correlacionarmos as informaçõesreferentes às moedas e às regiões devemos,primeiramente, apresentar os critérios paranossa busca, ou seja, o padrão de representaçãode Zeus nas moedas.

De um modo geral, podemos encontrar nasmoedas gregas três formas de representação deZeus: 1) Cabeça; 2) Sentado; 3) Em pé corren-do. Além dessas classificações existem outroselementos menores que acompanham esses tiposde imagem (Tabela I).

Tabela I

1) Cabeça

2) Sentado

3) Em pé correndo

a) cabelo curto oulongo

a) trono ou rocha

a) posição do raio(braço esquerdo oudireito)

b) barba curta oulonga

b) posição do cetro(braço esquerdo oudireito)

b) posição da águia(braço esquerdo oudireito)

c) coroa de folhas deoliveira, de louro, oude carvalho

c) posição da águia(braço esquerdo oudireito)

(3) Foi compilado pela primeira vez por volta de 400 a.C.pelo sofista Hípias de Élis, que, para as Olimpíadas maisantigas, provavelmente se baseou nos antigos registros deOlímpia, tradições orais e reminiscências ainda existentesno local. O trabalho de Hípias foi revisto e continuado noséculo IV a.C. por Aristóteles e posteriormente por Flégonde Trális e outros. Ele foi transformado em um tipo decrônica olímpica e já no século III a.C. constituía a basedo antigo sistema cronológico. (Yalouris 2004: 314) Emnosso estudo, utilizamos a versão publicada em Os JogosOlímpicos na Grécia Antiga (2004), que foi organizada porNicolau Yalouris.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10215

216

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

A relação de um repertório de unidadesmínimas, evidenciados na tabela acima, permitea visualização de possíveis alterações nasimagens e, também, a repetição de determina-dos elementos em um e em outro tipo monetá-rio. Para utilizarmos esse critério, em primeirolugar, devemos estabelecer o padrão de represen-tação de Zeus nas moedas fabricadas emOlímpia (Tabela II).

Após apresentarmos os padrões dos tiposmonetários de Olímpia e os padrões dos tiposmonetários de Zeus encontrados no mundogrego, poderemos relacioná-los às imagens deambos os locais. Mas para isso analisaremos cadatipo de imagem a partir dos locais onde foramutilizados.

O primeiro padrão de imagem de Zeus a serutilizado em uma moeda foi Zeus em pé, emposição de corrida (pernas abertas), atirando oraio com a mão direita e sobre o braço esquer-do, a águia. A análise do levantamento dos tiposmonetários do mundo grego em associação aostipos cunhados em Olímpia revelou que essepadrão de imagem de Zeus é típico do século Va.C. e foi utilizado unicamente no Peloponeso ena Sicília.

No Peloponeso, a imagem de Zeus em pé ecorrendo foi usada por Élis para o reverso dasmoedas de Olímpia, cujas peças correspondemà primeira emissão monetária com imagem deZeus emitida no santuário, sendo datadas de470 a.C., a primeira data de que dispomos

para um tipo monetário de Zeus cunhado emOlímpia (Fig. 1).

Fig. 1. ANS 1985: Fig. 1858.

Mas também encontramos essa imagem nosreversos de tipos monetários cunhados entre 452e 432 a.C. (Fig. 2).

Essas imagens de Zeus foram interpretadascomo uma referência às estatuetas de Zeus ditotrovejante – utilizadas no culto do deus durante operíodo arcaico e início do período clássico –que foram encontradas no local (Fig. 38).

Na Sicília, a imagem foi encontrada em umamoeda de Zancle datada de c. 460 a.C. O

Tabela II

I. Zeus em pé correndo e atirando o raio com a mão direita esobre o braço esquerdo, a águia.

II. Zeus sentado no trono segurando um cetro com a mãoesquerda e a águia voando próximo à mão direita.

III. Zeus sentado numa rocha e sobre seu braço esquerdo o cetroe sobre o direito, a águia.

IV. Cabeça de Zeus com cabelos curtos e barba curta(coroa de folhas de oliveira).

V. Cabeça de Zeus com cabelos longos e barba longa(coroa de folhas de oliveira).

V a.C.

V a.C.

V a.C.

V e IV a.C.

IV a.C.

Tipo monetário Padrão pertencente ao século

Fig. 2. Seltman 1921: Fig. 73. Desenho: Cássia Bars.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10216

217

Lilian de Angelo Laky

anverso da peça mostra a figura de Zeus em pécorrendo e atirando um raio com a mão direita(Fig. 3). Não encontramos no campo da moedaa imagem da águia que costuma acompanharesse padrão de representação.

elementos menores que compõem a imagem. Masacreditamos que isso se deva ao fato de que ambosos desenhos remetem às estátuas de Zeus trovejante,cujo padrão de representação era o mesmo desde operíodo arcaico. Como veremos mais adiante, essasestátuas correspondem ao tipo de representação deZeus na escultura que foi preponderante até o iníciodo período clássico. Acreditamos também que aocorrência desse tipo de representação nas moedasda primeira metade do século V a.C. possa ser umareminiscência dessas esculturas.

Acerca de Zancle, não encontramos nenhumavitória desta pólis nos jogos olímpicos em épocaclássica e em nenhuma olimpíada anterior a esseperíodo. Apesar de esse dado não excluir apossibilidade da participação dos zancliotas nosjogos nessa época. Essa imagem de Zeus foi escolhi-da para as emissões de 460 a.C. em comemoraçãoao fim da tirania em Zancle (Fischer-Hansen,Nielsen e Ampolo 2005: 235). Observandoatentamente os elementos menores presentes naimagem de Zeus, percebemos que diferem dos tiposdo Peloponeso, pois não encontramos o desenhoda águia e Zeus usa um manto. Nesse sentido, nãopodemos tecer considerações que mostrem naimagem dessa moeda traços no desenho semelhan-tes aos traços da imagem de Olímpia.

O próximo padrão de representação deZeus encontrado em moedas gregas foi aquele emque o deus aparece sentado. Esse tipo foi utiliza-do, exclusivamente, em emissões do Peloponeso,da Sicília, da Macedônia e de Creta.

As mais antigas representações desse padrão sãodatadas de c. 490 a.C. e foram cunhadas na cidadede Cleitor para a Liga Arcádia, no Peloponeso. Essesexemplares correspondem aos tipos monetários deZeus mais antigos e são importantes para compreen-dermos o culto de Zeus entre o século VI e V a.C.Esse padrão foi utilizado no anverso das moedas eZeus foi desenhado sentado em um trono, ora àesquerda ou ora à direita, segurando um cetro coma mão esquerda e uma águia com a mão direita,vestindo um himátion (Fig. 5).

O outro tipo monetário que encontramos foicunhado pela pólis de Messênia, no Peloponeso,mas durante o século IV a.C. No reversoencontramos o padrão típico dessa representa-ção: Zeus aparece em pé e correndo, segurandoum raio com a mão direita e, sobre o braçoesquerdo, a águia (Fig. 4). Essa moeda é datadade 369 a.C. e foi cunhada após a fundação dapolis de Messênia por Epaminondas. Os estudio-sos defendem que a imagem de Zeus nesta moedaé uma cópia da estátua de Zeus Ithomates,cultuada no monte Ithome na Messênia, e foiobra do escultor Ageladas de Argos. Infelizmentea estátua não chegou aos dias atuais, mas atravésda descrição de Pausânias (4.33.2) sabemos quepertenceu ao período arcaico e que foi feita noséculo VI a.C., considerado o período deatividade do escultor (Gardner, BMC: XLIII;Kraay 1976: 102; Shipley 2005: 564).

Fig. 3. Kraay 1976: Fig. 774.

Fig. 4. Kraay 1976: Fig. 322.

No tocante a essa representação, não consegui-mos traçar alguma influência de Olímpia narepresentação desse padrão. Apenas podemos inferirque as imagens desse tipo cunhadas no Peloponeso,em Olímpia (século V a.C.) e na Messênia (século IVa.C), possuem algumas semelhanças percebidas nos Fig. 5. Williams 1965: Fig. 3.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10217

218

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

Em uma outra emissão, no anverso, Zeus estásentado no trono à direita com um himátion,segurando um cetro com sua mão esquerda, massegurando um raio alado com sua mão direita(Fig. 6). Esse exemplar é datado entre os anos de477 e 468 a.C.

Em Olímpia esse padrão ocorreu emmoedas de duas emissões diferentes datadas entre452 e 432 a.C. No anverso da primeira moeda,Zeus é representado no trono à esquerda,segurando um cetro com a mão esquerda e aáguia voando próximo ao braço direito (Fig. 7).

sugerem uma influência de um local sobre o outro.Como nos apoiamos nas datações dos exemplarespercebemos que o tipo cunhado pela Liga Arcádiaé mais antigo do que o tipo cunhado em Olímpia.Assim, a imagem de Zeus da moeda de Olímpia éposterior à imagem da Liga Arcádia. Nesse sentido,o tipo de Zeus sentado no trono cunhado nosantuário pan-helênico pode ser uma cópia darepresentação do deus nessas primeiras emissões daLiga Arcádia. Contudo, essa constatação não excluia possibilidade de os tipos batidos em Olímpiaterem, a posteriori, difundido a idéia desse padrãode representação às outras áreas do mundo grego.

Na Sicília esse tipo de representação de Zeusocorre com variações nos elementos menores quecostumam compor o desenho. Em Aetna, noreverso de moedas datadas de 460 a.C. Zeus éretratado à direita sentado em um trono,segurando um raio ou um cetro com a mãodireita e um raio alado com a mão esquerda. Aáguia aparece representada sobre uma árvore(Fig. 9) e sobre um cetro (Fig. 10).

Esse tipo monetário é considerado muitosemelhante àqueles cunhados pela Liga Arcádia. Masencontramos também em Olímpia uma variaçãodesse padrão de imagem. No anverso de uma moedadatada ao redor desses mesmos anos, Zeus foirepresentado sentado em uma rocha e não em umtrono como antes. Ele veste um himátion, e o cetro ea águia aparecem ao lado direito do deus (Fig. 8).

As variações no desenho desse padrão derepresentação de Zeus, ocorrida em Aetna, sãorelacionadas à adaptação local do tipo, comovimos no histórico sobre essa emissão. Noanverso da moeda de Galária, datada do mesmoano do tipo de Aetna, c. 460 a.C., Zeus émostrado sentado em um trono à esquerda,segurando um cetro com a mão esquerda e sobreele a águia (Fig. 11).

Fig. 7. Seltman 1921: Fig. 99. Desenho: Cássia Bars.

Fig. 8. Sear 1978: Fig. 2866.

Fig. 11. Manganaro 2003: Fig. 2.

Fig.10. Kraay 1976:Fig. 837.

Fig. 9. Kraay 1976:Fig. 838.

As semelhanças presentes nos desenhos dasmoedas da Liga Arcádia e das moedas cunhadaspor Élis em Olímpia – sobretudo Figs. 6 e 7 –

Fig. 6. Williams 1965: Fig. 126.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10218

219

Lilian de Angelo Laky

Esse padrão de representação ocorrenovamente apenas em moedas no século IV a.C.em Creta e na Macedônia e em um caso isoladono Peloponeso.

A Liga Acaia em c. 365 a.C. emitemoedas cujo reverso é a imagem de Zeus sentadono trono segurando um cetro com a mãoesquerda. Abaixo da mão esquerda aparece afigura de um elmo (Fig. 12).

Fig.12. Sear 1978: Fig. 2968.

Em Creta, encontramos esse tipo no anversode moedas de Cnossos datadas de c. 350 a.C.Zeus aparece sentado num trono à esquerdasegurando um cetro com a mão esquerda e umaNike com a mão direita (Fig. 13).

Fig. 13. BMC, Crete and Aegean Islands: Pl. V, 14.Desenho: Cássia Bars.

Deste mesmo ano temos a moeda de Praisos,em cujo anverso Zeus aparece sentado de frentesegurando um cetro com a mão esquerda e umaáguia com a direita (Fig. 14).

Fig. 14. Sear 1978: Fig. 3363.

Zeus sentado no trono, segurando um cetro com amão esquerda e a águia com a direita (Fig. 15).

Na Macedônia o tipo de Zeus sentado foicunhado em c. 331 a.C. e faz parte das emissõesreais de Alexandre, o Grande. No reverso desteexemplar, Zeus é retratado sentado no trono,segurando um cetro com a mão direita e uma águiacom a mão direita; veste um himátion (Fig. 16).

Fig. 15. Sear 1978: Fig. 3340.

Fig. 16. ANS 1985: Fig. 1124.

Em c. 330 a.C. a cidade cretense de Olontebateu uma moeda, em cujo reverso está a figura de

O estudioso responsável pelo maior estudosobre Zeus, A. R. Cook (1921: 760-762),acredita que o tipo de Zeus sentado no tronoretratado nas moedas de Alexandre não foiinspirado no tipo de Olímpia, mas no tipo daLiga Arcádia.

A partir da análise iconográfica centrada nopadrão e nos elementos menores ou unidadesmínimas, concluímos que o tipo monetário deZeus sentado no trono é uma inovação e, porconseguinte, uma contribuição da Liga Arcádiano Peloponeso, realizada no século V a.C. Aimagem de Zeus sentado em um trono cunhadaem Olímpia é muito parecida com aquelas daLiga Arcádia e por isso não a consideramoscomo uma imagem criada no santuário. Mas otipo de Zeus sentado em uma rocha é próprio deOlímpia e por isso considerada por nós umainovação local.

Todavia, as imagens encontradas em Cretacorrespondem ao padrão de representação da

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10219

220

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

Liga Arcádia, pois nessas moedas Zeus é represen-tado sentado no trono e segura com a mãoesquerda um cetro e com a direita a águia,apesar de essas imagens não serem parecidas como desenho utilizado pelas moedas arcádias, comonotamos entre essas e as moedas de Olímpia.

O último padrão para a representação deZeus, a cabeça, proporcionou conclusõesinteressantes.

O levantamento dos tipos monetários deZeus cunhados em Olímpia e dos tipos cunhadosno mundo grego mostrou-nos que as primeirascabeças de Zeus foram representadas nas moedasde Élis, em Olímpia, e nas moedas da LigaArcádia na segunda metade do século V a.C. Eassim, esses são os únicos dois casos que conhece-mos desse padrão de representação no século Va.C. caracterizando esses locais como responsá-veis pela representação das mais antigas cabeçasdo deus em moedas gregas.

A datação das moedas da Liga Arcádia, c.428-418 a.C., em relação à datação da cabeça deZeus emitida em Olímpia, c. 416 a.C., leva-nos aconcluir que o tipo arcádio é mais antigo que otipo de Olímpia e, por isso, consideramos aimagem cunhada no anverso por Mantinéia (Fig.17) na Arcádia a representação mais antiga deque dispomos da cabeça de Zeus. Por outrolado, se considerarmos a margem de erros quepodem ocorrer no estabelecimento da cronolo-gia das séries monetárias e os poucos anos queseparam a cunhagem dos dois locais, o uso dotipo da cabeça pode ter ocorrido simultanea-mente tanto em Olímpia como em Mantinéia.

Novamente, notamos que tanto Élis comoas cidades que batiam moedas para a LigaArcádia foram responsáveis por inovações naimagética de Zeus das moedas gregas. Acredita-mos que isso se deva ao fato de que ambos oslocais foram importantes centros de culto a Zeusno Peloponeso, o que teria motivado padrões

novos de representação da divindade, além deuma troca de imagens entre os locais, comovimos no tocante ao tipo de Zeus sentado notrono.

O desenho da cabeça de Zeus no anverso àdireita com coroa de folhas de oliveira, cabeloscurtos e barba curta (Fig. 18), cunhada emOlímpia ao redor de 416 a.C., é interpretadopor Charles Seltman como uma imagem muitopróxima às esculturas da métopa do templo deZeus em Olímpia. A partir desta moeda, opesquisador concluiu que houve uma influênciado ‘mestre de Olímpia’ nos gravadores de cunho,que fizeram os desenhos das moedas locais(Seltman 1948: 71).

É interessante notar que a representação dacabeça só volta a ocorrer em moedas no séculoIV a.C. em cidades da Sicília, da Magna Grécia,da Tessália, na Macedônia e em Creta.

De acordo com as datações dos exemplares,a primeira imagem monetária da cabeça de Zeus,cunhada no século IV a.C, e que não pertence àsemissões de Élis para Olímpia, foi emitida porMegalópolis no Peloponeso para a Liga Arcádiaà época da fundação desta pólis. No anversodessas moedas, a cabeça de Zeus com coroa defolhas de oliveira é representada com cabeloslongos bem densos e barba longa (Fig. 19).

Fig. 18. Sear 1978: Fig. 2871.

A próxima imagem mais antiga fez partedas emissões de Felipe II da Macedônia. A

Fig. 19. Kraay 1976: Fig. 319.

Fig. 17. Williams 1965: Fig. 319. Desenho: Cássia Bars.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10220

221

Lilian de Angelo Laky

Fig. 20. Kraay: Fig. 512.

cabeça de Zeus no anverso à direita comcabelos longos e barba é datada de 356 a.C.(Fig. 20).

Como dissemos anteriormente, essaimagem é uma referência a Zeus de Olímpia,pois complementa a comemoração de Felipe IIpela primeira vitória na corrida a cavalo nosjogos olímpicos de 356 a.C. Mas, assim como acabeça de Apolo no anverso das moedas deouro, a representação de Zeus de Olímpia foideliberadamente escolhida como uma expres-são da propaganda pan-helênica de Felipe(Kraay 1976: 147). Nesse sentido, este casoparece ser o único conhecido por nós em quehouve uma influência das imagens de Olímpiasobre outra imagem de Zeus no mundo grego,o qual é atestado a partir de eventos históri-cos, no caso, as vitórias de Felipe nos jogosolímpico e a política de expansão do impériomacedônio.

Durante o século IV a.C. o santuário deOlímpia apenas emitiu cabeças de Zeus comcoroa de folhas de oliveira, cabelos curtos ebarbas curtas até a primeira metade do século e,na segunda metade do século, emitiu cabeças deZeus com coroa de folhas de oliveira, cabeloslongos e barbas longas.

Para diferenciarmos a coroa de folhas deoliveira da coroa com folhas de louro utilizamosos desenhos da enciclopédia Koehler’s Medicinal-Plants (1887),4 que segue ao lado:

(4) É um guia alemão raro sobre a farmacopéiaeuropéia publicado em três volumes, escrito por FranzEugen Köhler e editado por Gustav Pabst . Asaquarelas das folhas de oliveira e das folhas de louroforam obtidas no site Wikipedia:(http://en.wikipedia.org/wiki/Olive_tree) e(http://en.wikipedia.org/wiki/Laurus_nobilis).

Folhas de louro (Laurus nobilis)

Folhas de oliveira de Olímpia

Folhas de oliveira (Olea europaea)

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10221

222

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

Como podemos perceber, as folhas daoliveira (Olea europaea) são mais finas epontudas em relação às folhas do louro(Laurus nobilis) que são mais volumosas.Esse, portanto, foi o critério de diferencia-ção na classificação das coroas presentes nosdesenhos da cabeça de Zeus nas moedas.Devemos dizer, primeiramente, que odesgaste da imagem monetária e a precarie-dade da foto tirada do tipo dificultaram emalguns casos a classificação das folhas dacoroa.

Assim, a partir deste parâmetroconseguimos identificar claramente apresença da coroa de folhas de oliveira nascabeças de Zeus cunhadas em Olímpia. Emtodas as imagens das cabeças de Zeus comcabelo curto ou longo, emitidas no santuá-rio, notamos a existência da coroa defolhas de oliveira, que é inexistente naimagem da cabeça de Zeus cunhada pelaLiga Arcádia no século V a.C. Assim,podemos afirmar que a coroa de folhas deoliveira pode ser uma inovação do santuá-rio de Olímpia acerca da imagética de Zeusnas moedas. Dentre os tipos monetários deOlímpia, destacamos o anverso do exem-plar datado de c. 360 a.C., consideradopor esta pesquisa como a imagem maisdefinida das folhas de oliveira (Fig. 21).Neste caso, acreditamos que a proximida-de do desenho das folhas, vistas na moeda,com as folhas naturais da oliveira mostra aintenção do artista responsável pelagravação do cunho em diferenciar a folhade oliveira da folha de outra planta. Estetipo monetário de Zeus também nos leva apensar que de fato existem diferenças narepresentação de coroas para a imagem dacabeça de Zeus em moedas, nos forçando arever a classificação “laureada”5 (em inglês,laureate) utilizada nos catálogos numismá-

(5) No Novo Dicionário Aurélio, encontramos a palavralaureado (Do lat. laureatu) Adj. 1. Que recebeu láureaou laurel. 2. Festejado; aplaudido; louvado. Laurear(Do lat. laureare) V. t.d. 1. Coroar ou cingir de louros(Holanda 1975: 823 e 824).

Esse elemento pode ser visto em todas asrepresentações de cabeças de Zeus na Sicília,Magna Grécia e na ilha de Creta. Na Sicília,ao redor de 345 a.C., as póleis de Siracusa(Fig. 22), Agyrion (Fig. 23), Agrigento (Fig.24) e Érice emitiram cabeças de Zeus comcoroa de folhas de oliveira, cabelos longosou curtos e barba longa ou curta.

Fig. 22.SNGuk (III):

Fig. 996.

Fig. 24.BMC, Sicily:

p. 13-14.

Fig. 23.BMC, Sicily:

p. 26.

Na Magna Grécia, Zeus foi representadousando coroa de folhas de oliveira nas moedasde Locri com cabelos curtos e barba curta (Fig.25) e posteriormente com cabelos longos e barbalonga (Fig. 26).

Nas moedas de Metaponto, vemos acabeça de Zeus com cabelos longos e barba

Fig. 21. Kraay: Fig. 336.

ticos para a presença da coroa junto àcabeça do deus.

Fig. 25. Kraay 1976:Fig. 719.

Fig. 26. SNGCop (I):Fig. 1858.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10222

223

Lilian de Angelo Laky

longa (Fig. 27). Em Metaponto, também,foi cunhada uma moeda com a cabeça deZeus no anverso, com cabelos longos ebarba longa (Fig. 28), mas a coroa é defolhas de carvalho, uma referência àorigem epirota de Alexandre Molosso; asfolhas de carvalho remetem ao santuáriode Zeus em Dodona, apesar de o tipo derepresentação ser próprio das moedas deOlímpia.

Na Tessália não encontramos a represen-tação da cabeça de Zeus com coroa de folhasde oliveira, mas com coroa de folhas delouro. Mas é a região que se destaca pelaquantidade de moedas com a imagem dacabeça de Zeus com cabelos longos e barbalonga. Encontramos esse tipo de representa-ção no anverso de moedas datadas de 350a.C. nas cidades de Hypata, Ekkara e Melitaia(Figs. 29, 30, 31).

De 344 a.C. são datadas as cabeçascunhadas no anverso de moedas em Kierion(Figs. 32 e 33) e Gyrton (Fig. 34).

É interessante notar que até o final do século Va.C. atletas da Tessália obtiveram vitórias nos jogosolímpicos, o que ocorreu por todo o século IV a.C.Tal informação se estende também à participação deoutras localidades do norte do mundo grego. Essaparticipação dos tessálios nas olimpíadas vista atravésdas vitórias nos jogos pode ter ocorrido à medidaque o povo dessa região foi considerado como grego.Assim, podemos supor que as representações dacabeça de Zeus nessas moedas, com cabelo longo ebarba longa, cunhadas na Tessália podem ter sidoimpulsionadas pela participação dessa região nosjogos olímpicos, pois se observarmos as moedascunhadas em Olímpia neste século veremos queexiste uma correspondência entre a predominânciada emissão de moedas com a cabeça de Zeus nosantuário e as cabeças de Zeus nas moedas daTessália. Essas moedas possuem as mesmas caracterís-ticas dos tipos de Olímpia no tocante à utilização doscabelos compridos e barbas densas. Finalmente, emCreta encontramos duas cidades que cunharam essepadrão de representação. Em Hierapytna (Fig. 35) eem Polyrhenion (Fig. 36) foram cunhadas, noanverso, cabeças de Zeus com cabelos longos e barbalonga ao redor de 330 e 325 a.C.

Fig. 35.Sear 1978: Fig. 3350.

Fig. 36.Sear 1978: Fig. 3304.

Fig. 28.Kraay 1976:

Fig. 686.

Fig. 27.SNGuk (III):

Fig. 410.

Fig. 31. Sear 1978: Fig. 2148.Desenho: Cássia Bars.

Fig. 30. Sear 1978: Fig. 2079.Desenho: Cássia Bars.

Fig. 29. Sear 1978: Fig. 2096.

Fig. 33.Kraay 1976: Fig. 399.

Fig. 32.Kraay 1976: Fig. 398.

Fig. 34.SNGCop (III): Fig. 59.Desenho: Cássia Bars.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10223

224

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

Colin Kraay (1976: 107) atribuiu essasimagens aos tipos cunhados de Olímpia, masse observarmos os tipos das outras regiões,os quais possuem maior proximidade com asimagens do santuário, veremos que essasmoedas cretenses possuem originalidadeprópria.

Em suma, a representação da cabeça deZeus (com coroa de folhas de oliveira e comcoroa de folhas de louro) foi uma invençãodo século V a.C., mas que foi adotada noséculo IV a.C. como modelo para a repre-sentação de Zeus nas moedas gregas, seconsolidando como padrão de representa-ção no período helenístico.

A representação de Zeus nas esculturas erelevos: apresentação da documentação

Para discorrermos acerca das escultu-ras e relevos de Zeus feitos em épocaclássica e, por conseguinte, compararmosessas representações com as imagensmonetárias de Zeus em Olímpia, devemosprimeiramente situar a nova documenta-ção (comparandum B) no contexto dasrepresentações de Zeus nesse tipo desuporte imagético, representações queremontam ao início do período arcaico eforam encontradas em diversas regiões domundo grego.

Para tanto, utilizaremos as informaçõesobtidas a partir do Lexicon IconographicumMythologiae Classicae (LIMC). Como onome indica, trata-se de um léxico quecontém um histórico sobre as representa-ções de divindades, heróis e outros persona-gens da mitologia grega e romana.

Conforme M. Tiverios (1997: 315), osprimeiros registros, que mencionam o nomede Zeus, datam do segundo milênio a.C. eforam encontrados nas tábuas escritas emLinear B nas cidades cretenses de Pilos,Cnossos e Chaniá. Desse período tambémparecem datar as primeiras representaçõesdo deus em monumentos da civilizaçãocreto-micênica. Contudo, essas identificaçõessão meramente especulativas.

Para a maioria dos especialistas asrepresentações mais antigas de Zeus, que sãoconfirmadas, são datadas entre a últimadécada do século VIII a.C. e os primeirosanos do século VII a.C. Nessas representa-ções, o deus é retratado imberbe ou combarba, segurando um raio e uma águia oudois raios, ou ainda um raio ou um cetro.Tiverios cita um relevo6 de um pithos datadodo século VII a.C., no qual Zeus aparecesentado no trono, como a representação maisantiga desse tipo.

Diferentes tipos de representação do deusse desenvolveram em diferentes regiões,evidentemente relacionados à especificidadedo culto nestes locais. Entretanto, certospadrões de representação de Zeus permanece-ram como uma convenção artística e sãovistos em todas as regiões do mundo grego.

Os atributos que compõem a sua represen-tação, uma criação do final do século VIII edo início do século VII a.C., são reproduzidosno século VI a.C. e permanecem representadoscom a divindade até o final da Antiguidade.Ainda neste século, o deus é representado comcabelo curto, barba e bigode, embora emalguns casos encontremos figuras imberbes dodeus (Tiverios 1997: 322).

A partir do século VI a.C. (o últimoséculo do período arcaico), a variedadeiconográfica na representação de Zeus – umacaracterística do século VII a.C. – passou adiminuir significantemente. Tipos específicosde representação do deus começaram a surgire vários dos quais tiveram uma longa duração,tais como o tipo de Zeus em pé (Keráunios) e otipo de Zeus sentado. Encontrada em Posidônia,em centenas de fragmentos esparsos entre otemplo de Poseidon e a extremidade setentrio-nal do santuário, a estátua de terracota deZeus no trono (Fig.37), datada de 530-520a.C., é um bom exemplo deste padrão derepresentação no período.

(6) Nascimento de Atena. Relevo de um pithos. Data:segundo quartel do século VII a.C. Localidade:Londres, Museu Britânico. Proveniência: Tunos.Bibliografia: LIMC (VIII): 317.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10224

225

Lilian de Angelo Laky

Mas são as esculturas de Zeus Keráunios otipo predominante neste período. Esse padrãorecebeu o nome Keráunios nos tempos moder-nos, com base na Ilíada (V, 280; VII, 244; XVII,516; XX, 438; XXII, 273) e na ode Olímpica (13,77) de Píndaro. De acordo com G. Mylonas(1944: 148) a palavra keráunios nesses textos éutilizada quando se refere a Zeus como “aqueleque lança o raio”. Por isso, encontramos essanomeação para as estátuas em que Zeus é repre-sentado em pé atirando um raio com a mãodireita e segurando a águia com a mão esquerda.

O tipo de Zeus Keráunios, cuja representaçãofoi uma invenção que se consolidou no século VIa.C., permaneceu sendo retratado em esculturasaté o início do século V a.C. Conforme nos diz P.Themelis (2004: 148-149), o tipo de Zeusatirando o raio ocorre principalmente nasregiões gregas da Messápia, Ilíria, Épiro, Etólia,Élis-Olímpia e em áreas com traços culturaiscomuns com a Lócrida, Acaia e Messênia. Estetipo de representação foi também reproduzidoem forma de estatuetas, tais como os ex-votosencontrados em santuários importantes de Zeus,como o do monte Liceu, de Dodona e deOlímpia (Tiverios 1997: 332).

P. Themelis (2004: 149) relaciona a origemdesse tipo de representação com o Oriente.Segundo o pesquisador grego, há uma semelhan-ça entre a representação de Zeus Keráunios e asestatuetas do deus sírio-palestino Reshef e que foramencontradas em vários santuários gregos. Além disso,uma estatueta de prata desse tipo de Zeus foiencontrada em Kallipeuke, na região do BaixoOlimpo, e que provavelmente é de origem hitita.

Como dissemos, essa representação de Zeus,encontrada em várias regiões do mundo grego,foi realizada em diversos materiais, desde a prata,bronze até em pedra calcária. Desse contextocitamos um exemplar desse tipo encontrado emKition, na ilha de Chipre, cujo local representa aregião mais oriental do mundo grego. Nessa peçade pedra calcária, que data de c. 500 a.C., Zeus érepresentado em pé, vestindo um himátion pelocorpo inteiro, atirando um raio com a mãodireita. A posição do braço esquerdo indica apresença de uma águia (Fig. 38).Fig. 37. Cerchiai, Jannelli,

Longo 2002: p. 14.

Fig. 38. Karageorghis 1998: p. 82.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10225

226

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

A próxima representação de Zeus Keráunios,que podemos citar, foi encontrada no santuáriode Zeus em Olímpia e é datada de aproximada-mente 480 a.C. Essa peça é feita em bronze eZeus é retratado atirando um raio com a mãodireita. O braço esquerdo estendido sugere apresença de uma águia, que não se conservoupara a posteridade (Fig. 39). Segundo acredita P.Themelis (2004: 150), esse tipo pode ser originá-rio de Olímpia e ter sido difundido às áreas daMessápia, do Épiro e da Ilíria, que foramcolonizadas por Élis.

Esse tipo de representação continuou a serutilizado na estatuária até ao menos a primeirametade do século V a.C. se aceitarmos a famosaestátua de bronze, encontrada no cabo deArtemísio na Eubéia, como uma imagem de Zeus(Fig. 40).

A ausência de atributos, que possamidentificá-la a alguma divindade, e a posição dosbraços tornou a estátua alvo de debates que aclassificam como uma representação de Zeus ouPoseidon ou até mesmo a representação de umatleta. Georges Mylonas (1944: 155), que em umartigo levanta fortes evidências de que Zeus é adivindade representada na estátua. Mas acercadessa escultura existe um debate sobre se era umaestátua de culto ou um ex-voto. Themelis (2004:151) diz que o bronze não era o material

utilizado para as estátuas de culto, mas omármore ou marfim. A estátua de Artemísio éincompatível com o padrão de estátuas de cultodo século V a.C., que nesta época eram represen-tadas de modo frontal para estabelecer umarelação direta com o fiel. Por isso, o autorconsidera que esta estátua é de natureza votiva.

O bronze de Artemísio é datado de c. 460a.C. e seu estilo é distinto das outras esculturasde Zeus atirando o raio, datadas do início doséculo V a.C. Assim, vemos nesse exemplar,características da arte da época clássica tal comoo realismo da representação humana.

O último exemplo do padrão de representa-ção de Zeus atirando o raio (Keráunios),pertencente ao século V a.C, é a pequenaimagem encontrada gravada em um estrigilo debronze encontrado no mar entre Siracusa eLeontinoi, na Sicília. Nessa peça, datada deaproximadamente 430 a.C., Zeus é representadonu em pé à direita, segurando um raio com amão direita e a águia com a esquerda (Fig. 41). Aimagem possui a inscrição SOTER atribuindoessa representação a Zeus Sóter (Salvador). Éinteressante notar que a imagem de Zeus foigravada em um estrigilo, que era um instrumentoutilizado pelos atletas para rasparem a areia, osuor e o óleo de oliva que se acumulava nocorpo durante os treinos e/ou competições. A

Fig. 39. Grassinger 2006: p. 74.Fig. 40. http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:NAMA_Pos%C3%A9idon.jpg

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10226

227

Lilian de Angelo Laky

escolha de Zeus para a representação do estrigilopode ser associada aos jogos olímpicos realizadosem honra ao deus.

Dentre as representações de Zeus do séculoV a.C., selecionadas para este estudo, destacamosdois relevos em que Zeus é retratado sentado. Oexemplar mais antigo (c. 465 a.C.) é um relevoque pertence ao conjunto de métopas do templode Hera em Selinunte, na Sicília. Nessa peça,Zeus é representado sentado à esquerda combarba e cabelos curtos, vestindo um himátion esegurando a mão de Hera à direita (Fig. 42).

O segundo relevo é datado entre 438-432a.C. e faz parte do friso leste do Pártenon, emAtenas, e Zeus também está representadojunto à deusa Hera. Assim, o deus aparecesentado no trono (?) à esquerda com cabeloscurtos e barba, vestindo um himátion, ao ladode Hera (Fig. 43).

Ao longo do levantamento das esculturas erelevos de Zeus, feitos no período clássico,notamos que durante a primeira metade doséculo V a.C. o deus foi pouco representadosentado no trono em relação às várias ocorrênciasdo tipo de Zeus em pé atirando o raio (Keráunios).

Fig. 41. Manganaro 2003: Fig. 10.

Fig. 42. Shefold 1986: p. 65.

Fig. 43. Tournikiotis 1994: p. 127.

Segundo vários estudiosos, dentre eles M.Tiverios (1997: 334), o grande marco narepresentação de Zeus no período clássico semdúvidas foi a estátua de Zeus Olímpico, obra deFídias realizada para o templo de Zeus emOlímpia. O culto de Zeus em Olímpia teriaganhado um novo significado quando no ano de430 a.C. foi colocada, na naos do templo, aestátua de ouro e marfim de Zeus Olímpico (Fig.44). A estátua foi obra do escultor Fídias, quetrabalhou no santuário após ter executado aestátua de ouro e marfim da deusa Atena noPártenon. Segundo descreveu Pausânias (X, 9-11), o deus estava sentado no trono e era feitoem ouro e marfim. Na sua cabeça existia uma

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10227

228

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

coroa de brotos de oliveira e na sua mãoesquerda a estátua segurava a deusa da vitória,Nike, igualmente feita em ouro e em marfim.Zeus Olímpico segurava em sua mão esquerdaum cetro com uma águia sentada. Assim, diantedas evidências arqueológicas e textuais podemossupor que a gigantesca estátua (12,37 metros dealtura) tenha sido em parte responsável porconsolidar o culto de Zeus no santuário(Gardiner 1925: 90).

Tiverios (1997: 334) afirma que a estátua deZeus Olímpico inevitavelmente influenciouartistas contemporâneos à obra de Fídias etambém artistas posteriores à criação. Essaestátua de Zeus sentado no trono infelizmentenão chegou aos dias atuais e sabemos de suaexistência através de relatos e, dentre eles, o dePausânias. Outras estátuas da divindade sentada,utilizada para o culto dentro de templos, foram

feitas no século V a.C. e sabemos delas atravésdas fontes textuais, como é o caso da estátua deZeus Olímpico em Mégara (Pausânias, XL.2-4).

Diante disso, acreditamos que o padrão derepresentação de Zeus sentado no trono, nasesculturas, teria sido impulsionado pela estátuade Zeus Olímpico em Olímpia, sendo adotadoem outras localidades a partir do final do séculoV a.C. No caso dos relevos, esse tipo de represen-tação já era utilizado no início desse mesmoséculo, como vimos no relevo da métopa dotemplo de Hera em Selinunte.

Para o levantamento de esculturas e relevosfeitos durante o século IV a.C. não foramencontrados esculturas da divindade que datemdesse período, mas apenas cópias romanas deoriginais gregos. Por isso, nesse estudo citamosexemplos de relevos originais do século IV a.C.

Conforme nos diz I. Leventi (1997: 344), aolongo do século IV a.C. ocorreu uma divisãoiconográfica em relação a Zeus: o deus foiretratado em pé – representando um herói edefensor – e sentado no trono – representandoa sua majestade e seu poder divino. A estudiosaressalta que neste período o deus foi raramenterepresentado sozinho nas esculturas e relevos.

De acordo com C. Landwehr (2006: 123),no século IV a.C. se desenvolve a imagem de Zeuscomo deus-pai. A estudiosa afirma que esse tipode representação se propagou rapidamente,popularizando a figura divina do deus e tornado-a mais corrente nos tempos helenísticos e roma-nos, permanecendo como exemplo séculos a fio.

A imagem de Zeus sentado no trono permane-ce como o padrão de representação do deus nosrelevos do século IV a.C. O primeiro exemplar,de que dispomos, foi encontrado no teatro deDioniso em Atenas e foi datado entre o século Ve IV a.C. No relevo feito em mármore, Zeusaparece vestindo um himátion sentado à esquerdacom cabelos curtos e barba, segurando com a mãoesquerda um cetro; na cabeça um fillet (Fig. 45).

Outro relevo de Zeus, que podemos citar, foiencontrado em Corfu e é datado da segundametade do século IV a.C. Nesse exemplar feitoem mármore, Zeus aparece sentado em umarocha à direita, ao lado de uma cobra, seguran-do um cetro com a mão esquerda e, com a mãodireita, uma fiala (Fig. 46).

Fig. 44. Andronicos 1984: p. 26.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10228

229

Lilian de Angelo Laky

Fig. 46. LIMC (VIII): Fig. 202.

Fig. 45. LIMC (VIII): Fig. 149.

Esse relevo representa Zeus Meilichios que érelacionado a cultos de fertilidade. Conforme nosdiz I. Leventi (1997: 344), relevos votivos represen-tando Zeus Meilichios ocorrem, sobretudo, nasegunda metade do século IV a.C. e na primeirametade do século III a.C., sendo o deus representa-do sentado no trono e segurando uma fiala. Comoexemplo, temos o relevo encontrado no Pireu,datado dessa época, no qual o Zeus aparece notrono à direita, segurando um cetro com a mãoesquerda e uma fiala com a mão direita (Fig. 47).

No Pireu também foi encontrado o relevode Zeus Meilichios, onde o deus é representadoreclinado à esquerda vestindo um himátion,segurando uma cornucópia com a mão direita e,com a esquerda, uma fiala (Fig. 48). Leventiafirma que a posição simposiasta de Zeus nesterelevo é uma característica típica de divindadesctônicas e, a cornucópia é um símbolo defertilidade raramente representado junto ao deus.

Fig. 47. LIMC (VIII): Fig. 200.

Fig. 48. LIMC (VIII): Fig. 210.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10229

230

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

Nos relevos datados da segunda metade doséculo IV a.C. (Figs. 46, 47 e 48) Zeus é represen-tado com cabelos longos e cheios e barba longa echeia. Acreditamos que essa mudança na imagemde Zeus – típica desse período – esteja relaciona-da com a imagem de Zeus como deus-pai. Essetipo de representação de Zeus, com cabeloslongos e cheios e barba cheia pode ser observadana cabeça de Zeus (Fig. 49) encontrada emTarento, sul da Itália, datada do final do séculoIV a.C. Assim, esse é o padrão de representaçãode Zeus nas esculturas e relevos que permaneceusendo utilizado no período helenístico.

Os tipos monetários de Olímpia e as esculturase relevos de Zeus

Para correlacionarmos as imagens deZeus representadas em moedas com asimagens do deus representadas em esculturase relevos, devemos apresentar a distinçãoexistente entre esses dois tipos de suportesiconográficos.

De acordo com J. Spier (1990: 107), asimagens representadas em vasos pintados,em relevos e também em esculturas dos frisos

dos frontões de templos, possuem umsentido narrativo, portanto, contam apassagem de uma história dentro de umaseqüência de tempo. Em contraste, asimagens representadas em moedas, gemas eem anéis possuem um significado emblemático– foram utilizadas como um símbolo deidentificação –, portanto, são desprovidasde um sentido narrativo.

Assim, a especificidade desses suportesimagéticos norteia o modo como devemosanalisar as imagens de Zeus nas moedas, escultu-ras e relevos.

Ao finalizarmos a contextualizaçãohistórica dos exemplares monetários e dosescultóricos notamos uma correspondênciatemporal nas imagens de Zeus em ambos ossuportes, ou seja, o padrão de imagem utiliza-do nas moedas acompanha o padrão utilizadonas esculturas e relevos produzidos durante operíodo clássico.

Muitos autores costumam defender adependência das chamadas artes menores(moedas, gemas e anéis) em relação às artesmaiores (esculturas, relevos). Para eles osartistas responsáveis pelos desenhos das moedaseram influenciados pelo padrão de representa-ção de esculturas e relevos do momento, assimcomo outros estudiosos acreditam na depen-dência da arte em relação aos textos. Masatualmente muitos pesquisadores questionamessa dependência, levantando a hipótese de quea correspondência existente entre certospadrões artísticos em moedas e esculturas podeindicar uma idéia coletiva presente em umadeterminada época a qual foi apropriadasimultaneamente tanto pelos artistas das artesmenores e das artes maiores, quanto pelosartistas visuais e literários.

Como vimos anteriormente, ao longo doséculo VI a.C. consolidou-se nas esculturas opadrão de imagem em que Zeus é representa-do em pé (atirando o raio) e sentado (notrono). A forma de representação do deusem pé permaneceu sendo utilizada até aprimeira metade do século V a.C. comoexemplificamos através da estátua de ZeusKeráunios de Chipre (Fig. 38), c. 500 a.C.,do exemplar encontrado em Olímpia (Fig.

Fig. 49. LIMC (VIII): Fig. 218.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10230

231

Lilian de Angelo Laky

39), datado de 480 a.C. e talvez da estátuade Artemíso (Fig. 40), datado de aproxima-damente 460 a.C.

Nas moedas encontramos esse mesmopadrão de representação (em pé atirando oraio) e também a imagem de Zeus sentado notrono, nos tipos pertencentes ao século V a.C.,sobretudo em emissões da Liga Arcádia (Figs.5 e 6) e de Élis-Olímpia (Figs. 1, 2 e 7) noPeloponeso.

Na Sicília durante o século V a.C. vemos aimagem de Zeus em pé atirando o raio emmoedas de Zancle (Fig. 3) e a imagem de Zeussentado no trono em exemplares de Aetna (Figs.9 e 10) e de Galária (Fig. 11).

Esses dois tipos de imagem de Zeus, que secristalizaram como padrões para a suarepresentação no século VI a.C., foramadotados pelas primeiras emissões monetáriasde Zeus no Peloponeso e na Sicília, conheci-das como as regiões que primeiro utilizaram arepresentação do deus em moedas. Anterior-mente, vimos que a partir da segunda metadedo século V a.C. esses padrões foram substi-tuídos pela representação da cabeça de Zeus.Nesse sentido, a utilização das imagens deZeus em pé e sentado em moedas da primeirametade do século V a.C. pode ser umareminiscência do padrão de imagem estabele-cido para a divindade no século VI a.C., quea partir da segunda metade do século V a.C.foram substituídos por um novo padrão nasmoedas: a cabeça de Zeus.

Essa constatação deve ser atribuída,sobretudo, ao padrão de Zeus em pé atirando oraio, conhecido na estatuária como ZeusKeráunios, o qual deixou de ser o padrão derepresentação predominante tanto em moedascomo nas esculturas e nos relevos da segundametade do século V a.C. e em diante. Poroutro lado, a representação de Zeus sentadono trono foi usada em algumas moedas doséculo IV a.C., nas emissões reais de Alexan-dre, o Grande (Fig. 16), datada de 331 a.C. enas emissões de Creta (Figs. 13, 14 e 15),datadas entre 350 e 330 a.C.

É interessante notar que o tipo de Zeussentado, que encontramos nas moedas do séculoV a.C., foram utilizados sobretudo em relevos de

templo, como ocorreu no templo de Hera emSelinunte (Fig. 42) e do relevo do friso leste doPártenon (Fig. 43).

Nessas representações Zeus não aparecesentado em um trono propriamente dito, masem uma rocha e em um tipo de cadeira oubanco. Dentre as esculturas do século V a.C.,sabemos de estátuas de culto em que Zeus foirepresentado sentado em um trono e queinfelizmente não chegaram aos dias atuais. Talvezessas estátuas – que existiram até o final daAntiguidade – motivaram a representação dessetipo de imagem da divindade em moedas do finaldo século IV a.C.

Como dissemos, a representação de Zeussentado no trono permaneceu como padrãoutilizado nos relevos do século IV a.C. e poucosabemos das esculturas de Zeus sentado, queremontam ao séculos V e IV a.C., pois nãochegaram aos dias atuais.

Entretanto, uma associação entre as imagensda cabeça de Zeus em moedas com a cabeça deZeus nos relevos permitiu-nos encontrar umaúltima correspondência entre os padrões derepresentação nos dois suportes iconográficos.

As duas únicas cabeças de Zeus emitidas emmoedas no século V a.C foram cunhadas pelaLiga Arcádia (Fig. 17) e por Élis em Olímpia(Fig. 18).

Nessas moedas vemos a representação dacabeça de Zeus com cabelos curtos e barbacurta, correspondendo justamente ao padrãode representação de Zeus utilizado nos relevosdo templo de Hera, em Selinunte, e doPártenon, em Atenas. Essa correspondênciatambém ocorre entre as cabeças de Zeus comcabelos compridos e barba comprida emitidasem moedas da segunda metade do século IVa.C. – em Olímpia, na Tessália, em Creta, naMacedônia, na Sicília e na Magna Grécia – ecom a representação de Zeus nos relevosdatados da segunda metade do século IV a.C.(Figs. 46, 47 e 48).

Assim, diante dessas considerações defini-mos uma seqüência cronológica do períodoclássico para a adoção dos tipos ou padrõesde representação de Zeus em moedas, quecorresponde aos padrões utilizados emesculturas e relevos (Tabela III).

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10231

232

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

Século V a.C.

Zeus em pé atirando o raio com a mão direita esegurando a águia com a mão esquerda

Zeus sentado no trono ou em rocha

Cabeça de Zeus com coroa de folhas de oliveira,cabelos curtos e barba curta

Zeus em pé (Keráunios) atirando um raio com amão direita e segurando, ou não, a águia com amão esquerda

Zeus sentado no trono, em rocha, em tipo de cadeira

Cabeça de Zeus sem coroa de folhas de oliveiracom cabelos curtos e barba curta

Moedas Esculturas / Relevos

Tabela III

Século IV a.C.

Zeus sentado no trono

Cabeça de Zeus com coroa de folhas de oliveira,cabelos curtos e barba curta (1ª. metade doséculo IV a.C.)

Cabeça de Zeus com coroa de folhas de oliveira,cabelos longos e barba longa (2ª. metade doséculo IV a.C.)

Zeus sentado no trono

Lacuna existente devido à falta de documentação(esculturas e relevos) original do período (1ª.metade do século IV a.C.)

Cabeça de Zeus sem coroa de folhas de oliveira,cabelos longos e barba longa (2ª. metade doséculo IV a.C.)

Moedas Esculturas / Relevos

Essas foram as semelhanças (gerais) encon-tradas entre as representações de Zeus emmoedas e as representações nas esculturas erelevos, que ocorreram ao longo do períodoclássico (século V e IV a.C.).

As influências dos tipos monetários de Zeus,batidos em Olímpia nas imagens do deus emesculturas e relevos do período, ao redor domundo grego, não foram encontradas de formasignificativa por este estudo. Concluímos que ospadrões utilizados nas moedas de Olímpia nãoforam utilizados por esses tipos de suportesimagéticos. Acreditamos, no entanto, que houveuma influência das representações de Zeus dasesculturas e relevos nas moedas no âmbito dospadrões gerais de representação da divindade, asaber, em pé, sentado e cabeça (cabelos e barbacurta e cabelos e barba comprida). Sabemosdisso porque, como vimos, os padrões derepresentação de Zeus em pé e sentado já eramutilizados muito antes de a imagem do deuscomeçar a aparecer nas moedas. Eventualmente,essa influência nas moedas pode estar relaciona-da aos artistas (gravadores de cunho) responsá-

veis pela criação das imagens monetárias, osquais seguiam os padrões de imagens das escultu-ras ou relevos. Podemos citar o caso da primeiraimagem monetária de uma cabeça de Zeusemitida em Olímpia em 416 a.C., cujos traçosestilísticos foram atribuídos por Seltman àsesculturas da métopa do templo de Zeus(Seltman 1948: 71).

Conclusão final

Ao correlacionarmos as imagens de Zeus emmoedas com as imagens do deus em esculturas erelevos, produzidas em época clássica, estabelece-mos dois momentos importantes para a repre-sentação da divindade e que correspondem aosséculos deste período (séculos V e IV a.C.).

De um modo geral, consideramos o século Va.C. como o período de inovações na representa-ção de Zeus. Durante essa fase, antigas imagensque remontam ao período arcaico, como a deZeus Keráunios (em pé), foram trocadas tantonas moedas como nas esculturas e relevos pela

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10232

233

Lilian de Angelo Laky

representação do deus sentado – pertencente aoperíodo arcaico e que continuou a ser utilizada.Em relação às moedas foi também na segundametade do século V a.C. que a cabeça de Zeuscomeçou a ser representada.

Ainda que o nosso levantamento dos vasosnão seja exaustivo, encontramos uma imagem deZeus pertencente ao século V a.C. que revelacomo a representação de Zeus neste século aindaestava em vias de se consolidar (Fig. 50).

desenhadas com cabelos cheios e compridos ebarbas compridas da mesma forma que o deusfoi representado nos relevos e nas esculturas doperíodo.

Assim, diante de uma visão geral da repre-sentação de Zeus no período clássico vemos queaté a primeira metade do século V a.C. predomi-nou a imagem de Zeus em pé e atirando o raionas moedas e nas esculturas. Esse tipo derepresentação indica o aspecto guerreiro de Zeusque remonta ao período arcaico. À medida quese chega à segunda metade do século V a.C. essetipo de imagem é trocado pela imagem de Zeussentado, que passou a ser utilizada tanto nasmoedas e nas esculturas ao longo do século IVa.C. Essa posição de Zeus sentado e no trono éum indicativo de majestade e de poder consolida-do. Nesse sentido, essa forma de representaçãoassociada aos cabelos compridos e barbacomprida, que passou a acompanhar a imagemdo deus, indica a consolidação de Zeus como ogrande deus dos gregos. Lembremos que a artetanto pode querer transmitir uma idéia em viasde se consolidar ou já consolidada.

Portanto, ao observarmos as formas derepresentação de Zeus em época clássica notamoselementos que nos levaram à compreensão demudanças importantes no culto de Zeus nesteperíodo, sobretudo em relação à concepção deZeus como o deus pai característica de seu cultono período helenístico.

Identificamos também dois centros princi-pais, no Peloponeso, responsáveis por inovaçõesna imagética de Zeus em moedas: as cidadesresponsáveis pelas emissões da Liga Arcádia e osantuário de Olímpia. De ambos os locais datamas representações mais antigas de Zeus emmoedas assim como as primeiras representaçõesmonetárias da cabeça do deus.

Além disso, a utilização da águia parece tersido uma invenção dos arcádios. De acordo comG. Mylonas (1944: 151-152), a águia não eramencionada nos textos homéricos (Ilíada XI,184; XII, 237) e nas odes de Píndaro (Píticas I)como um atributo de Zeus, mas era mencionadacomo uma ave que trazia um presságio. O autorrelaciona essas antigas tradições literárias donorte grego com a ausência da águia nas estatuetasde Zeus Keráunios encontradas em Dodona, no

Fig. 50. LIMC (VIII): Fig. 75.

No lécito ático datado de 470 a.C. Zeusaparece segurando com a mão esquerda o raio,e, com a mão direita o tridente, conhecido comoo principal atributo do deus Poseidon.

O século IV a.C. significou o período deconsolidação da imagem de Zeus transformada noséculo anterior. Nos relevos vemos a permanên-cia da representação de Zeus sentado no tronoou rocha assim como identificamos imagens dodeus sentado em moedas datadas da segundametade do século IV a.C. Nesta época as cabeçasde Zeus representadas nas moedas foram

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10233

234

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

(7) “Árbitros dos jogos”, eram escolhidos para umaolimpíada e recebiam um treinamento por umperíodo de dez meses (Yalouris 2004: 122).

Épiro. Essa representação de Zeus atirando umraio com a mão direita e segurando a águia coma mão esquerda apareceu primeiro no Peloponesono século VI a.C.. Por isso, o autor sugere quetalvez essa representação tenha surgido naArcádia e no santuário do monte Liceu, onde afigura da águia parece ter sido representada nasestátuas do deus descobertas no local. Mylonasconclui que do monte Liceu, talvez, o uso daáguia como um atributo de Zeus passou paraOlímpia (Mylonas 1944: 152).

De fato, vemos o uso da águia comoatributo de Zeus ora representada junto ao deusnuma imagem ou ora representada sozinha noanverso ou reverso das moedas do santuário deOlímpia. Encontramos a imagem da ave tambémnas imagens monetárias do deus em cidades deregiões do Ocidente grego, como na Sicília e naMagna Grécia. Acreditamos que de Olímpia ouso da águia como atributo de Zeus em moedase em esculturas e relevos foi difundido a outrasáreas sob influência do mais notável centrodórico e ocidental do mundo grego.

Mas a águia não foi uma contribuiçãoprópria de Olímpia como acreditamos quetenha sido a coroa de folhas de oliveira vista nasrepresentações de cabeças de Zeus em moedas dosantuário e representada em praticamente todasas imagens de cabeças do deus em moedas domundo grego batidas no período.

A coroa de folhas de oliveira é definidacomo um elemento menor que acompanha asrepresentações de cabeças de Zeus em moedas.Consideramos que a coroa é uma representa-ção específica do santuário de Olímpia, pois oexemplar mais antigo de cabeça de Zeuscunhado pela Liga Arcádia entre 428-418 a.Cnão possui a imagem da coroa feita com osramos da árvore. A representação monetáriade uma cabeça de Zeus com coroa de folhas deoliveira foi encontrada em Olímpia e é datadade 416 a.C.

O kótinos, como era chamada a coroa defolhas de oliveira em Olímpia, era o únicoprêmio concedido aos atletas pela vitória nosjogos olímpicos. Conforme lembra N. Yalouris(2004: 125), o ramo de oliveira selvagem erasempre cortado da mesma antiga árvore deoliveira, denominada kallistéphanos (bela coroa),

que crescia à direita do opisthodomos do templode Zeus. Um jovem, cujos pais ainda vivessem,utilizando uma tesoura de ouro, cortava daárvore a quantidade exata de ramos equivalenteao número de competições. Com eles em mãos,esse mesmo jovem penetrava no templo de Herae colocava-os sobre uma mesa feita de ouro emarfim. E assim, deste local eram retirados peloshellanodíkai7 para coroar os vencedores. Acredi-tava-se também que as árvores de oliveirasselvagens brotaram da oliveira plantada porHéracles no terreno do santuário, que as teriatrazido do país dos hiperbóreos.

Nesse sentido, vemos que a coroa feita deramos de oliveira é também um símbolo dosjogos olímpicos e, portanto, um símbolo devitória. Nos jogos realizados em outros santuári-os gregos a coroa era feita com ramos de outrasárvores. Em Delfos, nos jogos píticos, a coroaera feita com folhas de louro, em Neméia acoroa era feita com ramos de pinheiro. A coroafeita de folhas de carvalho é um símbolo de Zeusde Dodona.

Assim, em todas as representações de cabeçasde Zeus em moedas da Sicília, Magna Grécia e deCreta a coroa de folhas de oliveira compõe essetipo de imagem. Por isso, de todos os elementosmenores que foram representados junto ao deus(raio, águia, cetro), a coroa de folhas de oliveiraé o único tipo de imagem que podemos afirmarque é originário de Olímpia e que foi apropria-do por outras áreas do mundo grego. A difusãodesse elemento limitou-se apenas às moedas, poisnão foram encontrados em representações dadivindade nas esculturas e relevos do períodoclássico.

Talvez essa constatação se deva ao fato deque não encontramos esculturas e relevos deZeus típicas do culto em Olímpia. As fontestextuais relataram estátuas de Zeus Olímpico queeram veneradas em Siracusa, em Mégara e emEsparta e talvez nessas esculturas estivesserepresentado o padrão próprio da representa-ção que vemos nas moedas de Olímpia; o culto

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10234

235

Lilian de Angelo Laky

influiu no padrão de representação. Além disso,muitas imagens em relevo de Zeus estão desgastadaso que dificultou a busca de certos padrões, comoa coroa de folhas de oliveira.

A estátua de Zeus Olímpico realizada porFídias em aproximadamente 430 a.C. permane-ce como a maior contribuição do santuário deOlímpia na fixação figurativa de Zeus na Gréciaantiga. O aspecto sentado e enorme do deus,vistos nesta estátua, podem indicar que o cultode Zeus como o deus máximo havia se firmadoentre os gregos. A obra influiu tanto na repre-sentação do deus nas esculturas como emmoedas posteriores.

Assim, as imagens de Zeus nas moedas deOlímpia – que provavelmente foram escolhidaspara representar todos os gregos – contribuírampara a consolidação de uma representaçãoespecífica da divindade utilizada em moedasgregas até o final do período helenístico.

Agradecimentos

Agradeço à FAPESP pelo financiamento dapesquisa (2005-2007) que dedico à minhaorientadora, Profa. Dra. Maria Beatriz BorbaFlorenzano.

LAKY, L.A. The coins of Olympia and the consolidation of Zeus’ imagetic inClassical Greece. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237,2008.

Abstract: The aim of this article is to present a study of the monetary iconographyof the coins minted by the poleis that controlled the sanctuary of Olympia duringthe fifth and fourth centuries B.C. Our intention is to understand how thesecoins can contribute to the consolidation of Zeus’ visual representation. For thatpurpose we compared the images of Zeus and his attributes on these coins withthe same images of the deity on coins issued by other poleis and in sculptures andreliefs. We concluded that the Peloponnesus was the center of innovation of Zeus’imagetic, disseminating a characteristic pattern mainly to the Western poleis. Thesystematization of the pattern of Zeus’ representation in sculptures and reliefsallowed the definition of a chronology for the representation of Zeus on Greekcoins and revealed a well defined historical context for the cult of the god.

Keywords: Olympia – Zeus – Monetary iconography.

ANDRONICOS, M.1993 Olimpia, il sito archeologico e il museo.

Atenas: Ekdotike Athenon.BÉRARD, C.; DURAND, J.-L.

1984 Entrer en imagerie. In: Vernant, J.-P (Ed.)La cité des images, religion et societé en GrèceAntique. Lausanne, Fernand NathanLEP: 19-34.

BERVE, H.; GRUBEN, G.1963 Greek temples, theatres and shrines. Londres:

Thames and Hudson.BREITENSTEIN, N.; SCHWABACHER, W.

1981 Sylloge Nummorum Graecorum: The RoyalCollection of Coins and Medals, Danish NationalMuseum (SNGCop). Vol. 1 e 3. Copenhagen:Ed. West Milford; N. J: Sunrise Publications.

Referências bibliográficas

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10235

236

As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 211-237, 2008.

CALLATÄY, F.; GITLER, H.2004 The Coin of Coins. Jerusalem: The Israel

Museum.CERCHIAI, L.; JANNELLI, L.; LONGO, F.

2002 The Greek cities of Magna Graecia and Sicily.Los Angeles: Getty Publications.

COOK, A.B.1925 Zeus: A study in Ancient Religion. Cambridge:

Cambridge University Press.DOWDEN, K.

2006 Zeus. N. York, Londres: Routledge.ELDERKIN, G.W.

1940 Bronze statuettes of Zeus Keraunios.AJA, 44 (2): 225-233.

ESTRABÃO1960 The Geography. Tradução de Horace

Leonard Jones. Cambridge, Mass: TheLoeb Classical Library; Londres: HarvardUniversity Press.

FISCHER-HANSEN, T.; NIELSEN, T.H.; AMPOLO, C.2005 Sikelia (s.v.). In: Hansen, H.H.; Nielsen, T.H.

(Orgs.) An Inventory of Archaic and ClassicalPoleis. Oxford: Oxford University Press.

FLORENZANO, M.B.B.2000 Entre reciprocidade e mercado: a moeda na

Grécia antiga. Tese (Livre Docência) SãoPaulo: Museu de Arqueologia e Etnologia-USP.

GARDINER, N.1925 Olympia, its history and remains. Oxford:

The Clarendon Press.GARDNER, P.

1963a The British Museum Catalogue (BMC). ACatalogue of Greek Coins. Peloponnesus.Bolonha: Arnaldo Forni Editore.

1963b The British Museum Catalogue (BMC). ACatalogue of Greek Coins. Thessaly toAetolia. Bolonha: Arnaldo Forni Editore.

GRASSINGER, D.; PINTO, T.O., SCHOLL, A.(Orgs.)

2006 Deuses Gregos – Coleção do Museu Pergamonde Berlim.São Paulo: FAAP.

HALL, J.2001 Quem eram os gregos. Revista do Museu de

Arqueologia e Etnologia 11: 213-225.HANSEN, H. H.; NIELSEN, T.H. (Orgs.)

2005 An Inventory of Archaic and Classical Poleis.Oxford: Oxford University Press.

HEAD, B.1963 Historia Numorum, a manual of Greek

numismatics. Londres: Spink & Son LTD.HOLANDA, A.B.

1975 Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro:Editora Nova Fronteira.

HOMERO.2004 Ilíada. Tradução de Carlos Alberto

Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro.KARAGEORGHIS, V.

1998 Greek Gods and Heroes in AncientCyprus. Atenas: Commercial Bank ofGreece.

KRAAY, C. M.1976 Archaic and Classical Greek Coins. Lon-

dres: Methuen.LANDWEHR, C.

2006 Zeus, Poseidon, Hades – os deusespaternos. In: Grassinger, D.; Pinto, T.O.;Scholl, A. (Orgs.) Deuses Gregos – Coleçãodo Museu Pergamon de Berlim. São Paulo:FAAP.

LEVENTI, I.1997 Classical Period II: 4 th Centh. B.C. In:

Lexicon Iconographicum MythologiaeClassicae (LIMC). Vol. VIII (1 e 2).Thespiades – Zodiacus et SupplementumAbila – Thersites. Düsseldorf, Zürich:Artemis Verlag. Lexicon IconographicumMythologiae Classicae (LIMC).

1997 Vol. VIII (1 e 2). Thespiades – Zodiacuset Supplementum Abila – Thersites.Düsseldorf, Zürich: Artemis Verlag.

MANGANARO, G.2003 Ancora sui culti della Sicilia greca: Zeus

Sóter e il fiume Sichas. Rivista Svizzera diNumismatica, 82: 5-15.

MARINATOS, N.; HÄGG, R. (Eds.)1993 Greek Sanctuaries. New Approaches.

Londres, N. York : Routledge.MILDEBERG, L.; HURTER, S.

1985 The Arthur S. Dewing collection of Greekcoins – Ancient coins in North AmericanCollections (ANS). N. York: The AmericanNumismatic Society.

MORGAN, C.1994 Athletes and Oracles – The transformation of

Olympia and Delphi in the eighth century B.C..Cambridge: Cambridge University Press.

MYLONAS, G.1944 The bronze statue from Artemision.

Hesperia, 48 (2):143-160.NICOLET-PIERRE, H.

1975 Remarques sur la chronologie relative desplus anciennes séries de stateres éléens.RN , 17 :6-17.

PARKE, H.W.1967 The oracles of Zeus. Dodona, Olympia,

Ammon. Cambridge, Massachusetts:Harvard University Press.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10236

237

Lilian de Angelo Laky

PAUSÂNIAS.1954 Description of Greece. Tradução de W. H.

S. Jones e H. A. Ormerod. Londres:William Heinemann; Cambridge:Harvard University Press.

PÍNDARO.1969 The Odes. Tradução de C.M. Bowra.

Londres: Penguin Books.RICHTER, G.M.A.

1968 A Handbook of Greek Art. Londres: ThePhaidon Press.

SEAR, D.1978 Greek Coins and their values. Londres:

Seaby.SELTMAN, C.T.

1921 The Temple Coins of Olympia. Cambridge:Cambridge University Press.

1948 Greek Sculpture and Some FestivalCoins. Hesperia, 17 (2): 71-85.

SHEFOLD, K.1986 Grécia Clássica. Lisboa: Editorial Verbo.

SHIPLEY, G.2005 Messenia (s.v.). In: Hansen, H.H.;

Nielsen, T.H. (Orgs.) An Inventory ofArchaic and Classical Poleis. Oxford:Oxford University Press.

SPIER, J.1990 Emblems in Archaic Greece. BICS (31):

107-129.STILLWELL, R. (Ed.).

1976 The Princeton Encyclopedia of Classical sites.Princeton: Princeton University Press.

THEMELIS, P.2007 Cults on Mont Ithome. Kernos,17 : 143-154.

TIVERIOS. P.1997 Early times to 5 th centh. B.C. In:

Lexicon Iconographicum MythologiaeClassicae (LIMC). Vol. VIII (1 e 2).Thespiades – Zodiacus et SupplementumAbila – Thersites. Düsseldorf, Zürich:Ártemis Verlag.

TOURNIKIOTIS, P. (Org.)1994 The Parthenon and its impact in Modern

Times. Atenas: Melissa Publishing House,G. Rayas & Co.

VERNANT, J.-P (Ed.)1984 La cité des images, religion et societé en Grèce

Antique. Lausanne: Fernand NathanLEP.

WALKER, A.2004 Sanctuary: Elean Coins of Olympia.

Minerva, 15 (4): 27-30.WILLIAMS, R.T.

1965 The Confederate Coinage of the Arcadians inthe Fifth Century B.C. N. York: TheAmerican Numismatic Society.

WROTH, W.1963 The British Museum Catalogue (BMC). A

Catalogue of Greek Coins. Crete toAegean Islands. Bolonha: Arnaldo ForniEditore.

YALOURIS, N.1976 Olympia. In: Stillwell, R. (Ed.) The

Princeton Encyclopedia of Classical sites.Princeton: Princeton University Press.

YALOURIS, N. (Org.)2004 Os Jogos Olímpicos na Grécia antiga. São

Paulo: Odysseus.

Recebido para publicação em 30 de julho de 2008.

Lilian de Angelo Laky.pmd 08/05/2009, 21:10237